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Londrina - PR 2008 WAGNER VINICIUS AMORIM CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária

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Londrina - PR 2008

WAGNER VINICIUS AMORIM

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária

Londrina - PR 2008

A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Geografia da Universidade Estadual de Londrina – UEL, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha

WAGNER VINICIUS AMORIM

WAGNER VINICIUS AMORIM

A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA:

A DINÂMICA DO CAPITAL INCORPORADOR E DA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

Monografia apresentada ao Curso de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual de Londrina – UEL, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha (orientador)

Universidade Estadual de Londrina

Profa. Dra. Tânia Maria Fresca Universidade Estadual de Londrina

Profa. Dra. Yoshiya Nakagawara Ferreira Universidade Estadual de Londrina

Londrina, ____ de ___________ de 2008.

Dedico este trabalho à minha família que muito

batalhou para que eu tivesse a oportunidade e

o privilégio de empreender esforços intelectuais

a procura de um mundo e de uma vida mais

justos.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus pelo dom da vida e da razão e a minha família por

todo apoio que me concederam e a educação com que me formaram.

Ao Professor e orientador Dr. Fábio César Alves da Cunha, quem me

acompanhou e me orientou durante toda a realização deste trabalho, sem o que não teríamos

chegados a este resultado. Pela dedicação e pelo apoio, sobretudo, nos momentos mais

cruciais da realização do mesmo.

A querida Professora Dra. Alice Yatiyo Asari, Tutora do Programa de

Educação Tutorial (PET) desta universidade, quem muito participou e contribuiu para grande

parte da minha formação acadêmica e cidadã, sempre nos orientando pelos princípios éticos e

solidários que regem seu trabalho digno de respeito e admiração.

Ás Professoras Ruth Youko Tsukamoto e Kumagae Kasukuo Stier, professoras

co-orientadoras das atividades desenvolvidas no âmbito do Programa de Educação Tutorial,

durante os meus anos de bolsista e estagiário do grupo.

Aos professores desse departamento que contribuíram para minha formação

acadêmica e profissional enquanto professor de Geografia, pelo conhecimento compartilhado

e transmitido, pela paciência despendida, pelas alegrias proporcionadas e pelas reflexões

inspiradas. Sobretudo, pela emoção singular da convivência.

Aos funcionários desse departamento pela prontidão em ajudar-nos

pacientemente em todo tipo de tarefa e de dificuldades que, sem eles, ficaríamos à deriva.

Aos companheiros de turma Alessandro Rotunno, por toda a sabedoria

compartilhada, pelas experiências e descobertas comuns ao longo de todos os anos da

graduação; e Leandro Henrique da Silva, pelas reuniões de estudos tão enriquecedoras e

“saborosas”, e pelo despertar de novas idéias a respeito do homem, a respeito do espaço.

Ao Programa de Educação Tutorial – Geografia (PET-MEC-SESu), pela

oportunidade de dedicação integral aos estudos e participação em eventos e congressos

científicos, e pelo ambiente interdisciplinar de estudo dentro dessa universidade.

Ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL) pela

concessão das cartas e dos mapas.

“Importam-se empresas e exportam-se lugares. Impõe-se de fora do país o que deve ser

a produção, a circulação e a distribuição dentro do país, anarquizando a divisão

interna do trabalho com o reforço de uma divisão internacional do trabalho que

determina como e o que produzir e exportar, de modo a manter desigualmente

repartidos, na escala planetária, a produção, o emprego, a mais-valia, o poder

econômico e político. Escolhem-se, também, pela mesma via, os lugares que devem ser

objeto de ocupação privilegiada e de valorização, isto é, de exportação.”

(MILTON SANTOS, Guerra dos lugares, 1999).

AMORIM, Wagner Vinicius. A (Re)valorização e a produção social do espaço urbano na Zona Leste de Londrina: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária. 2008. 124 p. Monografia (Curso de Bacharel em Geografia) – Centro de Ciências Exatas - Departamento de Geociências – Universidade Estadual de Londrina.

RESUMO

Esta pesquisa tem como recorte espacial a Zona Leste da Cidade de Londrina, onde atualmente tem-se verificado um direcionamento de investimentos tanto por parte do setor público e do privado, como da parceria entre eles. Trata-se de fluxos de investimentos, levando a revalorização espacial às antigas áreas da cidade que há muito tempo não conheciam uso urbano. Entretanto, porções de terras ainda permanecem sem uso, demonstrando a existência de práticas especulativas, da reserva de valor e o interesse privado de agentes produtores do espaço urbano. É objetivo desta pesquisa verificar a atuação pública e privada nesta área da cidade. Para tanto, algumas iniciativas locacionais são tomadas como pontos fundamentais: é o caso da instalação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); do Complexo Marco Zero, onde será construído o Teatro Municipal; dos Supermercados Golfinho, da Faculdade Norte Paranaense – UNINORTE; dos condomínios residenciais horizontais e verticais; dos loteamentos residenciais; dos conjuntos habitacionais; além da centralidade exercida pelas principais avenidas da área, dentre outros investimentos de menor porte. A Zona Leste da cidade de Londrina, refletindo as lógicas e práticas atinentes à produção do espaço urbano, sob o capitalismo, também é instância de contrastes e disparidades sociais, pois, ao mesmo tempo em que se prepara para receber investimentos importantes, conhece a segregação de populações de baixíssima renda, espoliadas do direito à cidade, simultaneamente à auto-segregação praticada por moradores de condomínios residenciais existentes na área, consumidores de um espaço urbano inautêntico e fluído.

Palavras-chave: Produção do espaço urbano, especulação imobiliária, capital incorporador, fragmentação e segregação sócio-espacial, uso e ocupação do solo urbano.

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Reservas de valor na Zona Leste de Londrina ao longo das avenidas São João e

Jamil Scaff ................................................................................................................................71

Figura 02 – Fotografia do terreno do Complexo Marco Zero ..................................................74

Figura 03 – Terreno do Complexo Marco Zero tracejado em amarelo ....................................75

Figura 04 – Marco Zero de Londrina .......................................................................................76

Figura 05 – Maquete digital do Complexo Marco Zero...........................................................77

Figura 06 – Terraplanagem do terreno do Complexo Marco Zero ..........................................80

Figura 07 – Vista frontal Sul da fachada do Teatro Municipal (maquete eletrônica) ..............92

Figura 08 – Vista interna do bulevar cultural, vistas oblíquas em sua face sudeste e vertical da

maquete eletrônica conforme projeto do grupo de arquitetos liderados por Thiago Nieves ....92

Figura 09 – Vista parcial da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro

Municipal..................................................................................................................................93

Figura 10 – Vista vertical da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro

Municipal..................................................................................................................................93

Figura 11 – Maquete digital dos futuros blocos didáticos a serem construídos na UTFPR.....95

Figura 12 – Primeiro bloco didático da UTFPR, aos fundos a Zona central da cidade de

Londrina ...................................................................................................................................96

Figura 13 – Localização da UTFPR .........................................................................................97

Figura 14 – Aspectos da construção da Universidade Federal Tecnológica de Londrina........97

Figura 15 – Folder de lançamento do Residencial Jardim Portal dos Pioneiros – VD Loteadora

& Protenge Urbanismo e Engenharia .......................................................................................99

LISTA DE MAPAS

Mapa 01 – Localização de Londrina no cenário nacional ........................................................42

Mapa 02 – Divisão administrativa do Município de Londrina.................................................43

Mapa 03 – Evolução do uso do solo urbano por décadas.........................................................57

Mapa 04 – Mapa da delimitação do recorte espacial do trabalho na Zona Urbana do Município

de Londrina...............................................................................................................................63

Mapa 05 – Londrina Zonas e Bairros (Setores Censitários).....................................................64

Mapa 06 – Delimitação espacial da pesquisa: Zoneamento de área da Zona Leste em Setores

Censitários ................................................................................................................................65

Mapa 07 – Cidade de Londrina – bairros censitários (IBGE): Terreno do Complexo Marco

Zero...........................................................................................................................................85

Mapa 08 – Principais avenidas da Zona Leste .......................................................................110

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Habitação popular no município de Londrina – conjuntos habitacionais .............. 55

Tabela 2 – Evolução demográfica do Município de Londrina................................................. 59

Tabela 3 – Orçamento do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste ................... 91

Tabela 4 – Relação dos conjuntos habitacionais em área da Zona Leste de Londrina .......... 106

Tabela 5 – Relação dos loteamentos aprovados em área da Zona Leste de Londrina ........... 108

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................10

2. BREVE ONTOLOGIA DO ESPAÇO URBANO................................................................12

2.1. O Método Científico..........................................................................................................12

2.2. A Categoria-mor: Querelas e Indagações a respeito do Espaço, a respeito da

Geografia...................................................................................................................................19

2.3. A propósito do Espaço Urbano: A Obra, O Produto e o Processo.....................................29

3. CARACTERIZAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO

DE LONDRINA.......................................................................................................................41

3.1. O caminho para o “Eldorado”: o Norte do Paraná e a Companhia de Terras Norte do

Paraná........................................................................................................................................43

3.2. O “Eldorado”: Encontro e Despedida. Os ‘anos “verdes”’ e os “anos negros” da

Economia Cafeeira....................................................................................................................50

3.3. A Produção do Espaço Urbano londrinense pós-“Ouro Verde”: Conseqüências da

Revolução Verde e a Explosão Urbana.....................................................................................53

4. O PROCESSO DE (RE)VALORIZAÇÃO E DE (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO

ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA.....................................................61

4.1. Introdução..........................................................................................................................61

4.2. A ordem do discurso e a lógica da especulação imobiliária: a reprodução capitalista do

espaço urbano burguês e a renda da terra urbana......................................................................67

4.3. O capital incorporador, a reestruturação produtiva e a renovação urbana: O caso do

Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do

Paraná........................................................................................................................................72

4.4. O Estado na periferia. Segregação e fragmentação em marcha: o caso da Universidade

Tecnológica Federal do Paraná – Londrina..............................................................................94

4.5. A produção do espaço urbano e a valorização fundiária: O setor imobiliário enquanto

catalisador do crescimento urbano............................................................................................99

4.6. A produção social do espaço urbano e o Estado capitalista: segregação e expansão urbana

na Zona Leste de Londrina......................................................................................................103

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................114

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................117

10

INTRODUÇÃO

O espaço urbano, corolário do desenvolvimento econômico do capital e do modo de

produção capitalista, não é inerte a este processo, muito menos seu produto final apenas, mas,

antes de qualquer coisa, constitui-se em condição, meio e produto do processo geral de

produção e reprodução capitalista da sociedade. Atualmente, tem ser tornado em “lugar-

comum” entre geógrafos e cientistas sociais a afirmação da relação dialética existente entre

espaço e sociedade, dito de outro modo, instâncias interativas do processo geral de reprodução

social, que encerram por materializar as suas contradições no espaço geográfico.

Partindo deste pressuposto, encaramos o fato urbano, enquanto produto social, uma

amálgama de intencionalidades díspares, até mesmo conflitantes, pois, alvo de interesses

distintos, o espaço urbano é produzido contraditoriamente, não é um interesse ou um agente

apenas o responsável por sua reprodução, mas diferentes interesses e diferentes agentes que o

moldam a cada dia. Para ilustrarmos esta colocação basta pensar na presença do interesse

público e privado na cidade, quando, não raras vezes, a coexistência desses dois interesses em

uníssono, as chamadas parcerias público-privadas.

O espaço urbano não é somente o lócus dos interesses econômicos e políticos

propriamente ditos, também é o lugar da vida, da reprodução da vida, é o lugar da apropriação

social – ao menos deveria ser –, é o lugar do cotidiano e da vivência, lugar da inventividade,

entretanto, também é o lugar da segregação, da exclusão, dos favorecimentos, dos privilégios,

lugar dos investimentos e descompassos, lugar da valorização e desvalorização.

Esta pesquisa versa sobre tais processos mencionados, tendo como recorte espacial a

Zona Leste da Cidade de Londrina, onde, atualmente tem-se verificado um direcionamento de

investimentos tanto por parte do setor público e do privado, como da parceria entre ambos.

Tratam-se de fluxos de investimentos, levando a revalorização às antigas áreas da cidade que

há muito tempo não conheciam um uso. Entretanto, paradoxalmente, porções de terras ainda

permanecem sem uso, demonstrando a existência do capital especulador, da reserva de valor e

o interesse privado de agentes produtores do espaço urbano.

A produção social do espaço urbano tem se intensificado como uma base sólida da

reprodução capitalista, pois, a despeito de todas as crises enfrentadas pelo sistema capitalista,

o investimento no setor imobiliário sempre se mostra ascendente e financeiramente mais

seguro que investimentos em qualquer outro setor da economia. Apesar da crise imobiliária

pela qual passa a principal economia do planeta, o setor tem a capacidade de, caso se

desestruture, prejudicar toda uma cadeia produtiva, com repercussões internacionais. O que

11

justifica investimentos bilionários estatais no setor e o empenho político em torno do mesmo.

O cenário brasileiro é otimista e tem chamado a atenção de muitos investidores estrangeiros e

tem atraído o capital financeiro internacional a investir maciçamente no país através de mega-

investimentos no setor e em toda a cadeia que a ele está ligada diretamente. É o caso do

capital incorporador, que não mais limitado apenas à produção do imobiliário, se alastra por

toda a cadeia produtiva ligada ao setor, ao promover a associação de empresas e ao ampliar o

potencial das parcerias público-privadas.

Desse modo, o Estado é cada vez mais “convidado” a “preparar o caminho” para o

capital incorporador, ao induzir investimentos ou se coadunar com este capital na produção do

ambiente construído, incumbindo-se pela dotação de equipamentos públicos e comunitários,

infra-estrutura viária, logística, e, principalmente, planejamento consorciado do espaço urbano

e regional, pelo favorecimento e respaldo jurídico/legal e pelas políticas viabilizadoras de tais

investimentos.

O caso londrinense é emblemático desse tipo prática, pois, o Estado, em suas

instâncias Municipal, Estadual e Federal tem concentrado esforços em torno de objetivos

comuns ao capital incorporador. É o caso dos investimentos direcionados para a Zona Leste

da cidade, especialmente o Complexo Marco Zero, objeto de análise desta pesquisa, onde o

poder público local, Governo Estadual e Federal tem se empenhado na mesma direção e

sentido do capital incorporador.

Inicialmente realizar-se-á uma breve ontologia do espaço geográfico e do espaço

urbano na ótica da Geografia. Na seqüência abordar-se-á sucintamente as páginas da história

de Londrina e seu processo de formação. Finalmente, analisar-se-á o caso da Zona Leste de

Londrina, especialmente da microrregião Leste 2 que corresponde exatamente à área mais

central dessa Zona da cidade. Todavia, nossos objetos de análise não podem ser

compreendidos apenas dentro dessa área, fazem parte de um contexto mais amplo, mas para

fins metodológicos tomou-se esta área como delimitação espacial de análise.

No último capítulo analisar-se-á o papel do discurso oficial e midiático e a lógica da

especulação imobiliária na produção capitalista do espaço urbano burguês. Num segundo

momento abordar-se-á o capital incorporador, o Estado capitalista enquanto um agente de

segregação e fragmentação espacial, a reestruturação produtiva e a renovação urbana, no

contexto do Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do Paraná

(UTFPR). Finalizaremos o trabalho com alguns levantamentos em campo a respeito da

produção social do espaço urbano e da valorização fundiária, analisando-se o comportamento

do setor imobiliário enquanto catalisador do crescimento urbano na Zona Leste de Londrina.

12

2. BREVE ONTOLOGIA DO ESPAÇO URBANO

2.1. O Método Científico

Este trabalho se inicia procurando estabelecer as devidas distinções e definições

pertinentes à metodologia que o orienta. Do grego methos, o método traduz-se em meta,

caminho, ou seja, um conjunto de procedimentos racionais e analíticos, baseados em regras,

que visam atingir um objetivo determinado, um “[...] instrumento intelectual e racional que

possibilite a apreensão da realidade objetiva pelo investigador [...]” (SPÓSITO, 2004). Tal

como propõe Santos (1998, p. 166), “um método é um conjunto de proposições - coerentes

entre si – que um autor ou um conjunto de autores apresenta para o estudo de uma realidade,

ou de um aspecto da realidade”, pois, já que não podemos inventar o mundo, inventamos uma

forma de interpretação dele, pois o mundo existe independentemente de nós. Ou, como

propõe Japiassu e Marcondes (1990, p. 166), a respeito do método em Descartes, quem

marcou o renascimento com seu racionalismo lógico formal ao dizer que:

Por método, entendo as regras certas e fáceis, graças às quais todos os que as observam exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que é falso e chegarão, sem se cansar com esforços inúteis, ao conhecimento verdadeiro do que pretendem alcançar.

Acrescentemos às interpretações anteriores as próprias assertivas de Descartes (2001,

p. 6), para quem “achava quase como falso tudo quanto era aparente”. Assim, devia, pois o

método instigar o pesquisador a adentrar as “fissuras” das formas por ele analisadas,

apreender a essência das coisas. Descartes (2001, p. 8) em seu Discurso do Método propõe

quatro princípios, quatro preceitos, que compõem a lógica, parafraseando-os, concluímos que:

a) nunca deve-se aceitar algo como verdadeiro sem conhecê-lo antes como tal, evitando-se

assim, a pressa, a prevenção e o pré-conceito; b) repartir cada uma das dificuldades

analisando-as em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor

solucioná-las; c) iniciar-se pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, elevando-se,

pouco a pouco, até os conhecimentos mais complexos, evoluindo da ignorância ao

conhecimento; d) efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais

nas quais não se omita absolutamente nada. Apesar da presença do mecanicismo e da

disciplinaridade em seu discurso, não desprezaremos as notáveis e ricas contribuições deste

pensador, antes, nos apropriemos de seus feitos e avanços ao/no conhecimento científico.

13

A este propósito, o próprio Marx (1977, p. 218) escreveu que o melhor método é

começar pelo real e pelo concreto, pois, “[...] o concreto é concreto por ser a síntese de

múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento

um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida [...]”, apesar de ser o ponto

de partida da observação imediata e da representação. E conclui: “nesta medida, a evolução

do pensamento abstrato, que se eleva do mais simples ao mais complexo, corresponderia ao

processo histórico real” (MARX, 1977, p. 220). Harvey (1980, p. 5), reconhece esse fato

quando escreve que a verificação da teoria é conseguida através da prática, da realidade, isto

é, do seu uso, o que a torna prática em um sentido decisivo. Não obstante, Santos (1988b, p.

11) coloca a questão de maneira exemplar quando escreve que “o correto é partir da própria

realidade [...]”, pois, “[...] a concretude da abstração está na base mesma da realização dos

nossos mínimos atos com ser social”.

Marx foi seguido em seu método ao considerar o real concreto como síntese de

múltiplas determinações, como unidade da diversidade. Fernandes (1991, p. 32), reconhece

este fato ao escrever que:

[...] quando pretendemos conhecer um determinado objeto, não trabalhamos com os componentes do conhecimento separadamente, ou seja, não separamos o método da teoria na prática. O processo de conhecimento implica a interação de todos os componentes.

Da mesma forma, afirma Carlos (1993, p. 140), que “[...] só existe processo de

conhecimento na medida em que se divide, se aprofunda em cada uma das partes; mas torna-

se necessário a articulação dos momentos do todo numa totalidade estruturada”.

Neste sentido, Corrêa da Silva (2000, p. 12 e 13), escreveu que o método, em sua

dimensão ôntica, se põe “[...] como síntese da análise e análise da síntese, num movimento

intelectivo que vai do todo à parte e desta ao todo”. O método é para esse autor pura abstração

e manuseio da forma, num movimento autônomo que a consciência capta como certeza na

relação, sendo a verdade um instante que a história prolonga. É abstrato porque o pensamento

concreto também é, como sensação ou representação, apesar de ser o ponto de partida da

materialidade requerido pela práxis da ciência (CORRÊA DA SILVA, 2000, p. 14). E

continua, ao asseverar que “pensar o método é ter a razão como pressuposto e, com esta, a

abstração”, o ponto de partida do raciocínio, a idéia concreta, desse modo, ”[...] o ponto de

partida do método é, desde logo, a teoria implícita que, num primeiro momento, reconhece a

14

forma. Que ele próprio expressa-se como momento de constituição da forma” (CORRÊA DA

SILVA, 2000, p. 18 e 19).

Destarte, o método dirige o equacionamento dos problemas próprios do temário

invocado, pautando a ordenação de sua discussão e estabelecendo os instrumentos e o

ferramental a serem utilizados durante todo o processo. Nesse trabalho discorreremos sobre a

teoria que orienta esta pesquisa, sobre a prática (empiria), na tentativa de trabalhar o real

estudado a partir do olhar da teoria, pois, tal como propõe Moraes e Costa (1984, p. 10) “o

caminho para a elucidação da teoria é, podemos dizer, teórico. Sem pressupostos e

instrumentos bem precisados, caminharemos às cegas no trato do mundo empírico”. Assim,

realizar-se-á a investigação e interpretação da realidade conhecida, mas, sobretudo da teoria,

intentando reconhecê-la na realidade investigada.

Moraes e Costa (1984, p. 26 a 28), distinguem método de interpretação e método de

pesquisa. O primeiro diz respeito à “concepção de mundo” do pesquisador, “sua visão de

realidade, da ciência, do movimento”. É a sistematização das formas de ver o real, a

representação lógica e racional do entendimento que se tem do mundo, a teoria. Refere-se às

posturas filosóficas, quanto às questões da lógica, da ideologia e da postura política do

cientista. É o arcabouço estrutural sobre o qual repousa qualquer conhecimento científico. É o

elemento de relação entre os vários campos da ciência e destes com a filosofia. Já o método

de pesquisa, diz respeito ao conjunto de técnicas utilizadas na execução do trabalho científico,

refere-se à operacionalização da pesquisa, resultando das demandas do objeto tratado e dos

recursos técnicos disponíveis.

Nosso método de interpretação do real percorre os caminhos da Geografia Crítica,

tendo como apreensão intelectual do real o materialismo histórico e dialético, o qual apreende

o espaço como “[...] base da vida social, e sua organização como reflexo da atividade

econômica” (MORAES, 2005, p. 124), desempenhando uma função decisiva na estruturação

de uma totalidade, de uma lógica ou de um sistema, seja através do espaço vivido e social,

como do espaço da reprodução das relações sociais de produção, uma estrutura subordinada,

subordinante e, simultaneamente, autônoma, aos/dos ditames do modo capitalista de

produção, referimo-nos aqui, em especial, ao espaço urbano (CORRÊA, 1993 e 1995).

O método dialético compreende necessariamente a noção de movimento na história.

“Esse movimento ocorre quando, na confrontação de tese e antítese, a síntese contém aspectos

positivos da tensão anterior, e apresenta-se como estágio superior que, por sua vez, se coloca

também como uma nova tese” (SPÓSITO, 2004, p. 44). Este método, vigorosamente

aperfeiçoado por Marx e Engels, fundamentados no idealismo alemão, propriamente na

15

dialética hegeliana e no materialismo de Ludwing Feuerbach – elo entre a concepção marxista

e a filosofia hegeliana -, “[...] contém os princípios da interação universal, do movimento

universal, da unidade dos contraditórios, do desenvolvimento em espiral e da transformação

da quantidade em qualidade” (LENCIONE, 1999, p. 159). Para Konder (1985, p. 8), a

dialética “é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a

realidade como essencialmente contraditória e em permanente estado de transformação”.

É esse o método que a nosso ver se adapta à nossas necessidades, pois, de acordo

com Carlos (1993, p. 130 e 131) a realidade, enquanto fazer-se histórico, é totalidade concreta

aberta e dialética, bem como a Geografia, está em constante constituição, num movimento de

constante superação, não é homogênea, antes, contraditória e múltipla. Entretanto,

concordamos com Gomes (2003, p. 303), quando sinaliza que não existe hoje, na Geografia, a

crença numa “[...] via metodológica única, que será aquela da ‘verdadeira’ geografia, e se

reconhece a importância e a riqueza de outras condutas possíveis para a Geografia”. Assim,

também não pretendemos um ecletismo teórico, longe disso, apenas conscientizamo-nos sobre

o risco de se fundamentar em “verdades absolutas”, tomando por caminho certo o que pode

no devir não o ser.

De acordo com Spósito (2004, p. 55), o método compõe-se de cinco elementos, a

saber: doutrina, teorias, leis, conceitos e categorias. Destes, chamaremos atenção ao conceito

e à categoria, o primeiro funcionando como um balizador do pensamento geográfico em geral.

O espaço é um deles, o principal. Fonte de incansáveis discussões, debates, polêmicas, o

espaço sempre esteve, está e estará presente nos estudos geográficos. Isso já é por demais

sabido! Mas, por que devemos retomar aqui sua discussão? Não seria de mais interesse

discutir a própria Geografia? Várias questões ficarão sem respostas ao fim desse trabalho,

certamente mais dúvidas serão formuladas do que propriamente certezas. Além do mais,

nosso objeto de pesquisa gira em torno de presunções hipotéticas, virtuais, potencialidades do

vir-a-ser. O real, o aqui e o agora é o nosso ponto de partida, mas desconhecemos nosso ponto

de chegada: um virtual-possível lefebvriano? (LEFEBVRE, 1999, p. 28). Contudo, o conceito

espaço continua sendo o nosso balizador, assim como o é para a Geografia, e como deveria

ser para qualquer outra práxis que o diga respeito.

A fim de melhor esclarecer os elementos do método a serem utilizados no transcorrer

deste trabalho, identifiquemos o significado, para a ciência, do “conceito” em si mesmo. De

acordo com Japiassu e Marcondes (1990, p. 53), trata-se de “uma noção abstrata ou idéia

geral, designando seja um objeto suposto único, seja uma classe de objetos”, e do “ponto de

vista lógico, o conceito é caracterizado por sua extensão e compreensão”, sendo estas duas

16

características do conceito inversamente proporcionais. A esse respeito complementamos com

Spósito (2004, p. 60), para quem:

[...] todo conceito tem sua história e pode ser identificado com seu ator ou atores [...], porque é elaborado com base em alguma referência inicial (científica ou filosófica), com seus elementos internos devidamente articulados que definem sua consistência a partir da sua própria constituição, remetendo, sempre que evocado, a outros conceitos para efeitos de comparação ou de superação.

O conceito, na acepção de Santos (1992a, p. 9), é uma formulação abstrata que

configura, no pensamento, as determinações de um objeto ou fenômeno. No contexto do

pensamento marxista, o conceito equivale a uma categoria explicativa, que ordena,

compreende e expressa uma realidade empírica concreta, como um "concreto pensado",

"síntese de múltiplas determinações". "O conceito só é real na medida em que é atual. Corrêa

da Silva (1986, p. 28), reconhece este fato quando escreve que “o conceito é uma

representação do objeto pelo pensamento [define a idéia ou conjunto de idéias a respeito de

alguma coisa ou fenômeno], por suas características gerais”.

Para fins metodológicos de desambiguação, saibamos distinguir conceito de

categoria, esta última tomada no sentido de verdade eterna, presente em todos os tempos, em

todos os lugares, e das quais se partem para a compreensão das coisas num dado momento,

desde que se tenha o cuidado de levar em conta as mudanças históricas (SANTOS, 1992a, p.

5). De acordo com Corrêa da Silva (1986, p. 25 – 28), consiste, verdadeiramente, em pontos

de apoio do conhecimento e da prática, universais abstratos, formas de generalização, modos

de ser, mediação do concreto, síntese fundamental do fenômeno em sua essência, pontos de

partida do raciocínio, entes ideais, ontológicos produzidos pela razão (entidades lógicas) ou

determinações da existência (modalidades ontológicas do ser). Ela sobrepõe-se ao conceito,

determina-lhe o conteúdo, que deve ser concreto, define os modos de ser.

Como observou Santos (2004a), é a partir do conceito que uma ciência se relaciona

com outra, o conceito, ao mesmo tempo em que é um constructo intelectual de um

determinado segmento da ciência, “esbarra” em outros domínios diferentes do seu domínio

original, isso porque, segundo Durkheim (apud SANTOS, 1986b, p. 116) “na realidade, cada

coisa na natureza encontra-se unida com as outras de tal maneira que aí não pode haver

solução de continuidade entre as diferentes ciências em fronteiras muito precisas”. Assim,

abre-se oportunidade à inter, multi e transdisciplinaridade no trabalho científico, tão

necessárias ao entendimento da diversidade do funcionamento da realidade.

17

Para o cientista social (o que inclui o geógrafo) lhe importa saber que “[...] o

conceito é elaborado pela descrição de um fenômeno, expressa esse fenômeno como

concepção que parte dos sentidos e que pode ser abordado empiricamente”, sendo também,

construído empiricamente (SPÓSITO, 2004, p. 61). A utilização dos conceitos sempre vem

acompanhada da utilização das categorias, seja qual for o trabalho que se pretenda. E existem

diferenciações entre estes dois instrumentais. A categoria diferencia-se do conceito,

justamente por ser mais constante, rígida, dotada de um significado estabelecido, de uma

definição. Como bem dizia Hegel (apud SPÓSITO, 2004, p. 62), “as categorias representam

essências ideais que exprimem os momentos correspondentes da idéia absoluta [...]”, posição

essa criticada por Marx e Engels, dada a sua carga idealista. Em Geografia predominam a

utilização de diferentes categorias, Santos (1992) as expõe em seu método: estrutura,

processo, função e forma, dentre outras, sendo espaço a “categoria-mor”. Faremos uso delas

no transcurso deste trabalho.

Dadas as devidas distinções entre conceito e categoria, continuaremos no trato do

espaço, ciente de que a Geografia enquanto ciência tem diferentes definições para o espaço, o

que varia em função da orientação filosófica e/ou metodológica do pesquisador, de acordo

com sua visão de mundo. Uma vez assumida a orientação metodológica e filosófica a que se

pretende esse trabalho, ter-se-á uma definição desse constructo social, que no dizer de Corrêa

da Silva (1986, p. 32), “primeira categoria do pensamento geográfico”, momento inicial, pré-

ideação, pré-condição da concreticidade das outras categorias.

Entretanto, como a realidade está em permanente mudança, as ferramentas de análise

também deverão estar de acordo com estas mudanças, em permanente atualização, se

renovando ao mesmo passo que a realidade estudada. Esta é a razão da constante atualização

dos conceitos e do risco que pode ocorrer caso os mesmos sejam “engessados”, pois, como

pontua Santos (1988b, p. 17) “a sociedade, pois, existe em uma situação de movimento

perpétuo, que é o próprio movimento da história”. Do mesmo modo, “[...] as formas-

conteúdo, cuja totalidade constitui o espaço humano, influenciam a evolução social. Assim, a

cada nova evolução da totalidade social corresponde uma modificação paralela do espaço e de

sua organização [...]”, demandando modificações a níveis conceituais, se necessário,

paradigmáticos.

Já dizia La Blache, a referência da Geografia deve estar na superfície, no espaço

geográfico, este, de ordem estrutural, global, de nível macro das ações humanas (MOREIRA,

1981 e 2007), entretanto, alternativamente à La Blache, para quem a Geografia seria a ciência

dos lugares e não dos homens (MORAES, 2005, p. 79), preferimos, concordar com Santos

18

(2000, p. 58), ao considerar que “o fundamental são as pessoas, e suas necessidades e direitos

e não onde elas estão”. O que não exclui a necessidade de se pensar o espaço, pois, ninguém

vive sem ocupar espaço (MORAES, 2005, p. 34), nenhum indivíduo pode prescindir do solo,

suas benfeitorias e moradias, “[...] são mercadorias das quais nenhum indivíduo pode

dispensar”, já afirmava Harvey (1980, p. 135).

Escreveu Lefebvre (1975, p. 73 e 75), que “o devir da ciência é um devir social”, e

que “a história do conhecimento não pode ser relacionada à história abstrata do ‘ser social’,

mas à história concreta da prática social”. Daí as três características atribuídas por ele ao

conhecimento científico: prático, social e histórico, formando um todo indissolúvel. Essa

ligeira caracterização do conhecimento humano o compromete com a práxis social. Sendo

social, prática e histórica não há porque limitá-lo a apenas uma parcela da ciência, antes o

conhecimento perpassa um todo inter, multi e transdisciplinar que se vê efetivado na prática.

Assim também concebe a lógica dialética, também chamada por ele de lógica concreta

(LEFEBVRE, 1975, 84 a 85):

A lógica concreta não pode consistir num simples registro passivo dos procedimentos empregados praticamente pelos cientistas. Ao constituir-se, ela encontrará nas diferentes ciências, ou seja, nos diferentes conteúdos, movimentos de pensamento e formas comparáveis ou mesmo idênticos. Assim [...], essa lógica concreta produzirá uma metodologia única e sistemática, uma teoria das relações entre as diferentes ciências. Portanto, ela não pode se contentar com uma simples reflexão sobre os métodos tomados isoladamente; a lógica concreta, sem se separar das ciências e dos seus métodos, deverá ao contrário, elucidar esses métodos, inserí-los numa visão de conjunto do trabalho do pensamento e da atividade humana. Deve trazer alguma contribuição aos cientistas e às ciências, quebrar os compartimentos estanques, penetrar nas ciências tanto de dentro (em nome do próprio movimento e conteúdo específicos delas) quanto de fora (em nome da necessidade de unidade, de conjunto, em nome das relações concretas entre a ciência e a vida, entre a teoria e a prática).

A Geografia, inserida nessa postura crítica e compromissada com o “devir social”,

não pode ser neutra (OLIVEIRA, 1985), o que, conseqüentemente, colocaria em cheque seu

status de imparcialidade? Apesar de o estatuto científico dominante colocar como regra para

as ciências a neutralidade, a imparcialidade e a autonomia, apenas a imparcialidade resiste nos

dias atuais ao controle e à ideologia, permanecendo como um valor central de todas as

práticas de pesquisa conduzidas sob qualquer estratégia, garantindo, enfim, uma ciência livre

de valores (LACEY, 2000, p. 110). Entretanto, a práxis nos põe a repensar tais componentes

da ciência e a própria ideologia existente por trás de qualquer trabalho científico. Essa postura

19

torna-se ainda mais importante no que se refere às dimensões do urbano, onde ideologias e

técnicas a serviço de interesses pessoais, de classe, ou de frações de classe, ou seja, parciais,

entravam, ou até mesmo impossibilitam os postulados e a práxis do verdadeiro trabalho

científico. A esse respeito Ferreira (1988, p. 45), coloca que

[...] se a ciência não estiver voltada para o bem-estar do homem dentro da sociedade, de nada adiantará a ciência pela ciência. Na verdade, ela não é neutra, nunca será, pois, será fruto daquilo que somos, daquilo que queremos, seja consciente ou inconsciente.

Concluímos com Oliveira (1985), ao descrever o método dialético empregado por

renomados pesquisadores marxistas, dentre eles cita Mao Tse Tung na China e Caio Prado

Junior no Brasil, ao afirmar que o método parte da prática social, a qual condiciona o

pensamento, este, por sua vez, sabe-se, elabora o conhecimento, a fim de que este possa

informar o pensamento de como dirigir a prática social. Assim, o critério último de verdade

reside na própria prática social, devendo ser, de acordo com Marx e Engels (2005, p. 50), livre

de qualquer especulação e mistificação.

2.2. A Categoria-mor: Querelas e Indagações a respeito do Espaço, a respeito da Geografia.

Pensar o espaço é pensar o objeto da Geografia, é pensar o futuro a partir do

presente, levando em consideração o passado. Pois, como já dizia Santos (1986a, p. 1), numa

frase que ficou muito conhecida: “o espaço é a acumulação desigual de tempos”, é a matéria

trabalhada por excelência, além de que acumula no decurso do tempo as marcas das práxis

acumuladas. É o componente fundamental da totalidade social, pois é ele quem condiciona e

comanda a prática social e as atividades dos homens, é o lugar das relações de produção e

reprodução, sendo assim uma mercadoria universal por excelência, um capital comum a toda

humanidade, mas, de utilização efetiva particular. Constitui-se numa gama de especulações de

ordem econômica, ideológica, política, isoladamente ou em conjunto. É o veículo do capital e

instrumento da desigualdade social, porém, tem capacidade para transformar os modos de

produção e, conseqüentemente, a realidade (SANTOS, 1979 e 1986a).

Há algumas páginas atrás nos perguntamos sobre o que seria mais importante:

discutir o conceito de espaço ou discutir a Geografia? Alguns grandes pensadores

contemporâneos desta ciência afirmaram ser de mais valia discutir a Geografia do que

20

propriamente a sua principal categoria (SANTOS, 2000 e 2004b; MOREIRA, 2007). Aliás, a

discussão da Geografia em si mesma, de qualquer maneira, não se dará sem a discussão e

aprimoramento dos seus conceitos e categorias. São estes que promovem os avanços daquela,

em função da realidade que também “avança”. Ademais, “ferramentas” tão caras à Geografia,

de tão longa data, não parecem em nada - mesmo nos dias atuais em que afloram

desmesuradamente tecnologias que demonstram quase vencer o tempo e o espaço, ou mesmo

a anulação do espaço pelo tempo, como defendem alguns - perder seus status e sua atualidade

no arcabouço teórico e intelectual da Geografia. Ao contrário, elas se afirmam cada vez mais.

Há mais de meio século, Demangeon afirmou que “a Geografia Humana é o estudo

dos grupamentos humanos em suas relações com o meio geográfico”. Sendo a expressão

“meio geográfico” mais compreensiva que a de meio físico, pois, “[...] ela engloba não

somente as influências naturais que podem-se exercer, mas ainda uma influência que contribui

para formar o meio geográfico, o ambiente total, a influência do próprio homem”. Haja vista,

“[...] as obras humanas oriundas de todo o passado da Humanidade contribu[ír]em para

constituir o meio, o ambiente, o meio geográfico que condiciona a vida dos homens”

(DEMANGEON, 1982, p. 52 e 53). Esse autor (1982, p. 54 – 57) ainda estabelece três

princípios básicos, vale ressaltar: a) em Geografia Humana deve-se evitar os determinismos

absolutos, as fatalidades, antes saber que tudo se trata de vontade humana; b) a Geografia

Humana deve trabalhar apoiando-se sobre uma base territorial, sendo o solo o fundamento de

qualquer sociedade, de qualquer homem; e c) para ser compreensiva e explicativa a Geografia

deve encarar a evolução dos fatos, remontando ao passado, recorrendo à História, e não

apenas ater-se à consideração do estado atual das coisas.

Esses princípios adquirem tamanha importância tendo em vista a Geografia Urbana,

sub-ramo da Geografia, no qual se situa nosso trabalho aqui desenvolvido. Postulam-se como

verdadeiras leis, o que, ao contrário, cairíamos num puro determinismo caso ignorássemos o

primeiro princípio. Ou, ficaríamos longe de se produzir um trabalho verdadeiramente de

Geografia, no caso da rejeição do segundo princípio, e faríamos o que outras áreas do saber o

fazem com maestria. E, ao desconsiderar a história da evolução dos fatos nossa análise ficaria

limitada, superficial e descritiva apenas.

Santos (1979, p. 17) coloca a questão de maneira muito clara, ao afirmar que “[...] a

história não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é

social”. A história espacial, ela mesma, é seletiva, e com o espaço se relaciona de maneira

particular. Alhures (1988a, p. 57), Santos afirma que “a geografia deve preocupar-se com as

relações presididas pela história corrente. O geógrafo torna-se um empiricista, e está

21

condenado a errar em suas análises, se somente considera o lugar, como se ele tudo explicasse

por si mesmo [...]”, e não considerar a história das ações humanas, das ligações dialéticas

entre objetos e relações, em que os objetos acolhem as relações sociais, e estas impactam os

objetos. Pois, o espaço, na acepção de Santos (1986b), é um produto social e histórico, obra

do trabalho e morada do homem, um campo de forças, cuja energia é a dinâmica social, ou

mesmo, a incorporação de capital na superfície terrestre, que atua na história social por meio

das formas duráveis, denominadas pelo autor de rugosidades, ou prático-inerte sartreano,

através das quais influi significativamente no presente, no movimento da totalidade social

(MORAES, 2005, p. 128 e 129; SANTOS, 1986b p. 145 e 1998, p. 84; 1992a, p. 55; REIS,

2000, p. 68).

Analogamente à definição de Demangeon (1982) dada à Geografia, a qual entende o

meio geográfico como um produto de influências naturais e, sobretudo, culturais, Carlos

(1993, p. 134 e 1994a, p. 50), pondera que devemos entender o espaço geográfico como “[...]

produto de um processo de relações reais que a sociedade estabelece com a natureza (primeira

ou segunda)”. É nesse sentido que o espaço é humano, não porque o homem o habita, mas

porque o produz, “um produto igual e contraditório à imagem e semelhança da sociedade que

o produziu em seu processo de humanização/desumanização”. Em momento algum Marx

falou explicita ou diretamente de Geografia, mas, ao tratar da relação homem-natureza na

obra O Capital, preocupou-se em explicitar o que representa a natureza para os homens em

geral, em todos os tempos, presentes e futuros. Entendia-a como o suporte e o substrato

material da vida, e que entre ela e o homem, sempre existiu uma unidade, ou, em termos do

próprio Marx, sempre existiu um metabolismo, que se estabelece por meio do processo de

trabalho (ANTUNES, 2002, p. 20 a 21; BARREIRA, 1991, p. 27 a 29; GOMES, 1991, p. 16;

MORAES e COSTA, 1984, p. 72; SMITH, 1988, p. 17; SANTOS, 2004a, p. 29; SOARES

DE OLIVEIRA, 2002, p. 3; THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 3 e 4). Entretanto, com o advento

do capitalismo, pela primeira vez, a natureza torna-se um objeto puro para o homem, “pura

coisa de utilidade”, um objeto de uso e consumo, que, agora, entra no sistema de metabolismo

societal do capital (ANTUNES, 2002), tornando-se a “fonte” da qual se origina “[...] toda e

qualquer produção, mediada pelo trabalho humano [...]”, sendo, ao mesmo tempo e

fundamentalmente, condição de existência do homem (BARREIRA, 1991, p. 31).

Como já mencionado, a sociedade não pode prescindir do solo, da natureza, ou seja,

do espaço. Esta regra também é valida para o Estado. Ratzel já afirmava isso no século XIX, e

criticava a postura dos sociólogos porque eles pareciam estudar o homem “[...] como se ele

tivesse formado no ar, sem laços com a terra” (RATZEL, 1983, p. 93). E ia mais longe ao

22

dizer que “não se pode entender nada a respeito do que então ocorre se não for considerado o

solo” (1983, p. 94). De acordo com seu julgamento (1983, p. 98), “a sociedade é o

intermediário pelo qual o Estado se une ao solo. Segue-se que as relações da sociedade com o

solo afetam a natureza do Estado em qualquer fase de seu desenvolvimento que se considere”.

Tendo em vista as considerações de Marx a respeito da natureza e as de Ratzel a respeito do

solo, pode-se inferir quão geográficas foram suas assertivas, mesmo não tendo aquele esta

preocupação, enquanto este eminentemente era um geógrafo. Onde os autores escreveram

natureza e solo, poder-se-ia distintamente pensar em termos espaciais, é claro, de forma

diferente da noção que se atribui à categoria espaço geográfico hodiernamente.

O espaço por si só, afirma Carlos (1994b, p. 249), não é capaz de produzir nada, mas,

torna-se produtor em função da natureza, a qual na acepção de Smtih (1988, p. 21), é o

verdadeiro substractum material da vida diária que, tendo vista o progresso da acumulação

capitalista e seu conseqüente desenvolvimento técnico-científico, tem se tornado cada vez

mais produto da produção social, aparecendo agora como segunda natureza e não mais como

primeira natureza (GOMES, 1991, p. 16). Smith (1988, p. 25) é enfático neste ponto,

chegando a afirmar que “as sociedades humanas agora produzem a natureza de modo tão

completo que a cessação do trabalho produtivo provocaria alterações profundas na natureza,

incluindo a extinção da natureza humana”. Assim o homem por meio de seu trabalho tornou-

se o verdadeiro produtor de espaço geográfico, preso a ele por uma necessidade naturalizada

pelo capitalismo, a necessidade de produzir, que o leva necessariamente a produzir espaço

(CARLOS, 1944a, p. 50; GOMES, 1991, p. 16; MORAES e COSTA, 1984, p. 121;

SANTOS, 1986b, p. 119 e 1988b, p. 10; SMITH, 1988, p. 26).

Santos (apud REIS, 2000, p. 68 e 69), em seus estudos da década de 1970, considera

o espaço como ”[...] a matéria [natureza] trabalhada por excelência”, e prossegue dizendo:

Nenhum dos objetos sociais tem uma tamanha importância sobre o homem, nenhum está tão presente no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem esses pontos são igualmente elementos passivos que condicionam a prática social. A práxis, ingrediente fundamental da natureza humana, é um dado sócio-econômico, mas é também tributária dos imperativos espaciais.

Rugosidades, ambiente construído, prático-inerte, inércia dinâmica, sistemas de

objetos, seja como for, o espaço geográfico comanda, influencia, proibi ou autoriza ações

humanas (SANTOS, 1986b, 2004a; GOMES e HAESBAERT, 1988, p. 51; MORAES e

COSTA, 1984, p. 122 e 125). De forma direta e incisiva está presente em todas as ações

23

humanas, em todas as relações sociais, por meio de suas próteses, o espaço geográfico

substitui a natureza, e potencializa suas funcionalidades, e desenvolve novas ao mesmo tempo

em que destrói as antigas, todavia, as configurações espaciais, a cada novo passo da marcha

da história, cada vez mais expressam relações sociais e constituem-se em condicionantes das

relações entre agentes de uma formação econômica e social. A cada mudança na configuração

espacial concreta, “[...] resulta da ação de elementos energéticos, sejam estes naturais [...] ou

agentes sociais que, através de suas práticas, estabelecem ou destroem cristalizações

localizadas, fluxos materiais, etc.” (CORAGGIO apud REIS, 2000, p. 65).

Uma vez detectada algumas características do objeto da ciência geográfica, se faz

necessário torná-lo compreensível e inteligível, compreender como se processa e como se nos

apresenta. O espaço geográfico, encarado pelo materialismo histórico e dialético como um

processo, um fenômeno em formação e definição, está, permanentemente, em construção, em

desnaturalização, humanização. Desse modo, “não pode haver espaço nem como categoria a

priori nem como dimensão física isolada e arbitrariamente pré-delimitada” (MORAES e

COSTA, 1984, p. 73). Embora seja um objeto concreto, por seu caráter social, o espaço limita

ou anula as possibilidades de uma descrição/observação imediata, fulcro do positivismo.

Não obstante, o espaço apresentar-se como sobreposição dos resultados dos

processos naturais e sociais, ele é, antes de tudo, eminentemente social, pois é sempre a

sociedade que o qualifica, criando valores socialmente úteis e seletivamente apropriados

(GOMES, 2003, p. 297; MORAES e COSTA, 1984, p. 133, SANTOS, 1988b, p. 10). Objeto,

veículo e produto do capital, o espaço, numa consideração muito usual e divulgada, consiste

em produto, condição e meio das relações sociais de produção sob o capitalismo (CARLOS,

1994b, p. 84), ou como diria Corrêa da Silva (1994, p. 420 - 424), o espaço produzido é o

resultado e o ponto de partida, é o próprio devir, num pensamento dialético/relacional,

também o próprio passado.

Santos (1988b, p. 15), assevera que o espaço não pode ser considerado um pano de

fundo neutro e passivo, não é apenas um reflexo da sociedade como diria o estruturalista

marxista-althusseriano Manuel Castells em A Questão Urbana (GOTTDIENER, 1997), nem

um fato social apenas, mas um condicionante condicionado (SANTOS, 1986b, p. 145), tal

como as demais estruturas sociais. Nossos esforços não devem se limitar apenas ao visível,

pois, “[...] freqüentemente é a força não material que é o dado verdadeiramente significativo

na geografia [...]”. Destarte, a explicação de fato reside nos fatores “invisíveis”, no que não é

imediatamente sensível, ou seja, nas “[...] formas modernas de acumulação do capital,

24

relações sociais cada vez mais complexas e mundializadas e tantas outras realidades que não

se podem perceber sem um esforço de abstração” (SANTOS, 1988b, p. 14).

Afirma o referido autor (1988b, p. 15 - 17) que o conteúdo corporificado do espaço é

a sociedade, já distribuída dentro das formas geográficas, estando assim espacializada.

Portanto, sabemos que a sociedade existe, pois, em uma situação de movimento perpétuo, o

próprio movimento da história. Mudanças na sociedade, necessariamente implicarão em

mudanças nas formas-conteúdo, estas, por sua vez, cuja totalidade constitui o espaço humano,

influenciam a evolução social (SANTOS, 1992a, p. 2). Deste modo, afirma Santos (1988b, p.

17), “a cada nova evolução da totalidade social corresponde uma modificação paralela do

espaço e de sua organização [...]”, tendo em vista que:

O espaço é uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestido de uma certa autonomia na medida em que sua evolução se faz segundo leis que lhes são próprias. Existe uma dialética entre forma e conteúdo, que é responsável pela própria evolução do espaço (SANTOS, 1988b, p. 15).

Santos (2004a, p. 102 e 103), considera que a cada evento a forma se recria, assim, a

forma-conteúdo é condição da realização do evento, das funções de que é portadora. Por outro

lado, “desde o momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha uma

outra significação, provinda desse encontro”. O evento não tem existência fora da forma-

conteúdo, não pode ser entendido fora dela, e acrescenta:

A idéia de forma-conteúdo que une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa idéia também supõe um tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações (SANTOS, 2004a, p. 103, grifo nosso).

A fim de não cair na indiscriminada utilização de conceitos, termos e definições

usados por Milton Santos a respeito do espaço geográfico, nos convém melhor elucidá-los

doravante. Concordamos com Silva Neto (2004, p. 12) de que a essência do trabalho de

Milton Santos está na categoria fundamental de espaço, que lapidou cuidadosamente ao longo

de sua vida, para adquirir sua expressão mais acabada em A Natureza do Espaço: Técnica e

Tempo; Razão e Emoção. Até então, muitos foram seus trabalhos teóricos a respeito da

natureza do espaço geográfico, alguns deles se “diferenciavam” da proposta mais

amadurecida em A natureza do Espaço. Milton Santos trabalhou com conceitos diferentes,

porém, não opostos, nem divergentes, mas que, se encaminhariam, se complementariam para

25

o mesmo entendimento do objeto de estudo. Em alguns de seus trabalhos do último quartel do

século XX (1979, 1986a, 1986b, 1988a, 1992a, 1998, 2003 e 2004a) o autor empregou

conceitos que ficaram muito conhecidos não somente no âmbito da Geografia, alguns deles

tomados emprestados de outras áreas do conhecimento.

Estrutura, processo, função e forma, foram as principais categorias empregadas pelo

autor para referendar sua teoria do espaço geográfico, estão inter-relacionadas, não podendo

ser entendidas separadamente, termos disjuntivos, mas associados. Santos (1992a, p. 2),

explica que a sociedade se exprime através de processos sociais, os quais dão vida a todos os

objetos geográficos, são processos resolvidos em funções [ações] e se realizam através de

formas-conteúdo, inseridos solidariamente numa estrutura maior.

A forma por si só não diz nada, é apenas o aspecto visível de uma coisa. Espera-se

que a forma realize tarefas, funções, porém, não somente formas realizam funções,

instituições e pessoas também o fazem. Embora as formas sejam governadas pelo presente, e

conquanto se costume ignorar seu passado, este continua a ser parte integrante das formas,

acumulando-se nelas. Divorciada da estrutura, a forma conduzirá a uma falsa análise, pois se

cairá no reino do empírico, do visível apenas. Todavia, a forma, um fator social, sempre

inserido em uma dada estrutura, cumpre/recebe uma função, pode vir a tornar-se, dado o seu

caráter duradouro e resistente numa determinada situação geográfica, uma rugosidade, um

prático-inerte. Pode ou não estabelecer limites à estrutura, podendo ou não comprometer o

futuro, por outro lado, mudanças estruturais podem implicar em mudanças de valor da forma.

Ampliando o entendimento das formas, Santos adverte que elas não são necessariamente

geográficas (materiais), mas estão obrigatoriamente territorializadas, porque forma implica

um conteúdo, uma fração do social que as anima, através de seus processos (SANTOS,

1992a, p. 50-55). Em tese, forma é a feição da estrutura da sociedade, saibamos, uma

estrutura que, variável, relativa e diacronicamente evolui no tempo, envolvendo processos,

reproduzindo a totalidade de uma formação econômica e social (SANTOS, 1979 e 1986a).

Para finalizar este debate, cabe mencionar a analogia proposta por Santos (1992a, p.

51-53), ao se referir ao processo enquanto tempo do verbo, o qual age e reage sobre o

conteúdo do espaço: a forma, sendo esta o objeto do verbo, enquanto estrutura seria

propriamente o sujeito, e função o verbo em si. Estrutura, processo, função e forma,

categorias analíticas primárias na compreensão da atual organização espacial em sua

totalidade, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tornaremos a falar da

categoria forma mais detidamente no decorrer do trabalho, especificamente no capítulo

terceiro.

26

Milton Santos verdadeiramente lapidou o conceito de espaço em suas obras, a ponto

de autores afirmarem que “[...] seu principal alvo não era a Geografia, mas, sim, compreender

o espaço humano1. É uma interpretação possível de sua obra. A Geografia lhe oferecia as

ferramentas analíticas adequadas para a empreitada” (SILVA NETO, 2004, p. 13). Destarte,

todas as obras de Milton Santos referenciadas nesse trabalho tratam do espaço, algumas mais

que outras, nas quais o autor percorreu um caminho teórico culminando na forma mais

acabada da categoria espaço em A Natureza do Espaço.

Em 1978 (ano da primeira edição de Por uma nova Geografia) o autor considerou

sua empreitada, o espaço humano, um projeto ambicioso (SANTOS, 1986b, 3), uma tarefa

árdua mais do que a de definir a Geografia (porque sua tendência é mudar com o processo

histórico), uma preocupação dos filósofos desde o tempo de Platão e Aristóteles (1986b, p.

119 e 120).

Por espaço geográfico, Santos (1986b, p. 119 e 122) entende a natureza modificada

pelo homem através de seu trabalho. Considera-o como um conjunto de relações realizadas

através de funções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita

por processos do passado e do presente, estruturado em relações sociais que se manifestam

através de processos e funções. Encara-o com um campo de forças cuja aceleração é desigual

e relativa.

Santos (1986b, p. 144 e 145), considera o espaço, do ponto de vista funcional, pelo

viés estrutural como um reflexo dinâmico da sociedade global, mas, sob o enfoque sistêmico,

considera-o um condicionante condicionado, uma estrutura subordinada-subordinante, porque

de autonomia relativa, e até certo ponto uma forma determinante das outras estruturas sociais,

desempenhando uma dimensão ativa no devir das sociedades. Havendo, portanto um

movimento dialético entre sociedade e espaço, ao passo que se aquela evolui este também o

faz. Baruch Spinoza, pensador judeu holandês do século XVII (1632-1677), sendo sua

meditação considerada por Hegel como “o ponto alto da Filosofia Moderna”, e sua metafísica,

ao lado de Leibniz, como a mais acabada síntese filosófica do século XVII (VELEZ

RODRIGUEZ, 1995, p. 61), teria, no dizer de Santos (1986b, p. 171), talvez, expressado de

forma mais clara a idéia de um espaço dialético, em que definia as noções paralelas de “natura

naturans” e “natura naturata”, sendo aquela a natureza tal qual está agora, e esta a natureza

como se apresenta no tempo imediatamente posterior. Há, no dizer de Santos (1986b, p. 172):

1 Ver A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo, Razão e Emoção. Edusp (4ª ed.) São Paulo, 2004, p. 19.

27

[...] sempre uma primeira natureza prestes a se transformar em segunda; uma depende da outra, porque a natureza segunda não se realiza sem as condições da natureza primeira e a natureza primeira é sempre incompleta e não se perfaz sem que a natureza segunda se realize.

É este o princípio da dialética do espaço. Sua força motriz é a totalidade social, a

ação humana, o trabalho humano, porque, “toda ação humana é trabalho e todo trabalho é

trabalho geográfico” (SANTOS 1988a, p.88). Na mesma obra, (1988a, p. 26), o autor

escreveu que “o espaço não é nem um coisa nem um sistema de coisas, senão uma realidade

relacional: coisas e relações juntas”, (aqui evidente sua influência leibniziana) devendo ser

considerado “[...] como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo

arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro, a vida que os

preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento”. Alhures (1998, p. 99), considerou

que “a soma de sistemas de objetos aos sistemas de ações nos dá o espaço total”. Esta noção

constitui o ponto de partida para a interpretação do espaço geográfico em A Natureza do

Espaço, em que o autor afirma habilmente que “o espaço é formado por um conjunto

indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações,

não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (2004a, p.

63), também considerado como um conjunto de fixos e fluxos. Tais elementos fixos permitem

ações, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e sociais, modificando

e redefinido assim o próprio lugar. Ao passo que “os fluxos são um resultado direto ou

indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o

seu valor, ao mesmo tempo em que também se modifica” (2004a, p. 61 e 62). E acrescenta,

“sistema de objetos e sistema de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos

condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação

de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes” (2004a, p. 63).

Por objeto Santos entende um resultado, um produto do trabalho humano, formas

artificiais produzidas, assumidas e manipuladas pelo homem, podendo ser fixos ao solo, como

uma casa, uma ponte, um porto, uma usina hidrelétrica, um shopping center, uma cidade, uma

plantação, ou não, como, por exemplo, o automóvel, os utensílios de uma casa. Em suma,

objeto é tudo aquilo que o homem usa em sua vida cotidiana. Objetos têm essência e

existência. São criados à imagem e semelhança das condições sociais e técnicas presentes

num dado momento histórico. Objetos não funcionam separadamente, poucos, hoje, nos são

oferecidos a sós. “Trata-se de um todo, cujos elementos apenas são viáveis em conjunto”, que,

28

dispostos em sistema, nos permitem entender seu valor e seu significado que, sob o enfoque

geográfico, desempenham no processo social (2004a, p. 64 a 78).

Já em relação à ação, sabemos, ela é própria do homem! Agir é comportar-se, o que

implica projeto, porque dotada de propósito, objetivo, finalidade, de intencionalidade,

subordinada a normas, escritas ou não, formais ou informais. A esse respeito Santos (2004a,

p. 79) concorda com Giddens, ao afirmar que “a intenção é central na prática diária, enquanto

o propósito supõe ambições ou projetos de longo prazo”. Todavia, Santos adverte que, hoje,

depara-se com ações que são cada vez mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar

em que acontecem, tornando, desse modo, as escolhas do homem comum e suas ações cada

vez mais limitadas, tal qual reduzem-se apenas num veículo/instrumento de ações exógenas.

São ações cegas, no entanto precisas, porque obedientes a uma racionalidade alheia e

pragmática. Estas ações não são realizadas somente por homens, mas também por empresas e

instituições, mas seus propósitos, em todo caso, são estabelecidos por indivíduos, obedientes à

necessidades naturais ou criadas, materiais ou imateriais, econômicas, sociais, culturais,

morais, afetivas, éticas. As ações realizam-se levando determinadas funções à determinados

objetos, que, “realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem à criação e ao uso

de objetos, formas geográficas”. Ao se realizarem nos objetos, as ações os valorizam

diferentemente, definindo-os, dando-lhes um sentido. Dialeticamente, os objetos, hoje em dia,

“valorizam” diferentemente as ações em virtude de seu conteúdo técnico (2004a, p. 80 a 86).

Santos (2004a, p. 90), reconhece que entre objetos e ações situa-se a

intencionalidade, qual noção “[...] eficaz na compreensão do processo de produção e de

produção de coisas, considerados como resultado da relação entre o homem e o mundo, entre

o homem e seu entorno”. Uma espécie de corredor entre o sujeito e o objeto, a

intencionalidade, realizada nas ações, se convertem em trajetórias espaço-temporais da

matéria, diria o geógrafo sueco Hagerstrand, pois, parafraseando com Santos e Hagerstrand, é

o espaço que dá forma a ação. A partir disso, Santos avança no entendimento da

inseparabilidade entre ação e objeto, tema central da Geografia, diz ele, ao propor que “a ação

é tanto mais eficaz quanto os objetos são mais adequados”. Daí que, “à intencionalidade da

ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são, hoje, dependentes da respectiva

carga de ciência e de técnica presente no território” (2004a, p. 91 a 94).

Mudam-se os objetos, muda-se a geografia, escreveu um filósofo do século XIX. Por

outro lado, o mesmo objeto, ao longo do tempo, pode variar de significação e valor, isto

porque, a teia de relações na qual está inserido opera a sua metamorfose, fazendo com que

ações novas se dêem sobre objetos velhos mesmo que sua eficácia seja limitada, propondo

29

sempre uma nova geografia. Por teia de relações entenda-se o espaço considerado em seu

conjunto e todos os demais agentes, não obstante, os objetos não têm existência fora do todo

social, onde realizam uma função, da qual provém seu significado (SANTOS, 2004a, p. 96 a

99).

A lógica do objeto provém de sua unidade, afirma Santos (2004a, p. 100 a 102),

unidade entre forma e conteúdo, entre continente e conteúdo. Por si só, os objetos não tem

nem uma história e nem uma geografia, sendo sua significação sempre incompleta, se

entendido sem a ação, sem o evento que os anima, sem seu conteúdo social.

A síntese da relação biunívoca entre os inseparáveis sistemas de objetos e sistemas

de ações nos dá a síntese do espaço, nos dá a “[...] própria natureza do espaço, formado, de

um lado, pelo resultado material acumulado das ações humanas através do tempo, e, de outro

lado, animado pelas ações atuais que hoje lhe atribuem um dinamismo e uma funcionalidade”.

Uma síntese sempre provisória e renovada em constante re-elaboração e contradição, própria

da relação dialética entre espaço e sociedade (SANTOS, 2004a, p. 106 a 110).

2.3. A propósito do Espaço Urbano: A Obra, O Produto e o Processo.

O urbano, maior evento da modernidade (GOMES, 2003, p. 62 a 65), qual processo

consagrado pelo maior fenômeno da civilização ocidental: a cidade (MAX WEBER apud

GOMES, 2002, p. 15), obra e produto deliberadamente político, econômico, social, cultural e

histórico, a cidade consiste na “[...] expressão mais contundente de produção da humanidade,

sob o desenvolvimento das relações capitalistas” (CARLOS, 1994a, p. 182; 1994b, p. 254), de

outro modo, como diria Lefebvre (2001, p. 142), constitui-se no pano de fundo da sociedade

burguesa. Contém uma força produtiva, criador e criatura, sentido e fim em si mesma? Não!

A cidade não cria nada, ela apenas centraliza as criações, atrai para si tudo o que nasce da

natureza e do trabalho e, no entanto, cria tudo, porque nada existe sem situação, sem relações,

sem reuniões, sem encontros, sem concentração (LEFEBVRE, 1999, p. 37 e 111).

Obra coletiva, construção da humanidade do homem (CARLOS, 1994b, p. 249;

1999, p. 63 e 64; 2004, p. 29), produto e condição da história (SEABRA, 1996, p. 9), a cidade

se erigiu como “cimento das sociedades e das civilizações”, escreveu o sociólogo

russo/francês Georges Gurvitch (apud DAMIANI, 1999a, p. 50). A partir da cidade se

generalizam procedimentos, normas, legislações, enfim, formas de produzir e reproduzir a

totalidade aqui implicada (DAMIANI, 1999b, p. 124). Condição e meio para que se instituam

30

relações sociais diversas, bem como as de produção (CARLOS, 1994b, p. 84 e 86), a cidade é

o produto principal de um processo potencializado pelo sistema capitalista: o urbano.

O urbano, mais que um modo de produzir, também um modo de consumir, pensar,

sentir, enfim, um modo de vida, um meio e um produto do processo de reprodução da

sociedade em todas as suas instâncias, põe em jogo um modo determinado de apropriação que

se expressa através do uso do solo, através do ato de produzir o lugar (CARLOS, 1994b, p. 84

e 85), através do ato de produzir a vida no sentido material e imaterial. Enquanto um processo

em constante constituição (CARLOS, 2004, p. 26), a urbanização reúne interesses industriais,

estatais, estratégicos, lógicas sociais (DAMIANI, 1999a, p. 48), reproduzindo o espaço

urbano como uma mercadoria do e para o capitalismo. Foi precisamente no seio da Segunda

Revolução Industrial que a urbanização generalizou-se e mundializou-se enquanto lógica

homogênea de produção e de comportamento espacial das empresas, de expansão extensiva

das áreas residenciais, e de multiplicação do consumo gerando novas espacialidades,

compreendendo a dinâmica demográfica, econômica, formal-concreta e, sobretudo, social e

cultural. Concretamente se realizou e materializou através da diferenciação do espaço,

embebida das contradições sociais próprias do sistema capitalista (DAMIANI, 1999b, p. 129;

SPÓSITO, 1999, p. 84).

Lefebvre entende a urbanização como uma condensação de processos sociais e

espaciais que haviam permitido ao capitalismo se manter e reproduzir suas relações essenciais

de produção, permitindo-lhe sua própria sobrevivência, esta baseada na criação de um espaço

social crescentemente abrangente, instrumentalizado e mistificado (LIMONAD, 1999, p. 74).

A autora (1999, p. 75) ao situar a discussão epistemológica da categoria espaço no âmago da

discussão teórica sobre a urbanização, afirma seguramente que aquele, esquecido pela teoria

crítica, exceto pelos marxistas estudiosos do imperialismo no começo do século XX, foi

retomado de certa forma em parte pelas contribuições do existencialismo marxista de Sartre e

pelo estruturalismo de Louis Althusser e por seu discípulo Manuel Castells. Entretanto, em

Castells, o papel do espaço foi reduzido a mero suporte da circulação de capital, mercadorias

e informação, e a urbanização teve seu papel subsumido ao não ser encarada como um objeto

teórico específico. Temendo recair na ideologia ecologista/organicista da Escola de Chicago,

no lugar da urbanização, propôs um sistema cultural específico, ou ainda, a produção social de

formas espaciais. Nesse ponto, foi além das posturas epistemológicas do marxismo ortodoxo e

do estruturalismo economicista althusseriano, ao admitir o urbano como um estilo de vida, ao

admitir o papel da cultura e da superestrutura na conformação das relações sociais

(LIMONAD, 1999, p. 75 a 77).

31

Enfim, a análise de Castells, ao afirmar a determinação estrutural pode ser

interpretada como eliminação de toda especificidade histórica e geográfica, conduzindo a

supressão da cidade e dos processos espaciais, entre eles a urbanização. Foi, todavia, Harvey,

quem contribuiu grandemente para abrir uma nova fase na análise da interação entre o espaço,

o urbano e o processo de produção (LIMONAD, 1999, p. 76 e 77). Com Harvey, a cidade e o

espaço urbano passam a integrar a paisagem geográfica do capital

[...] enquanto parte necessária de um espaço social complexo e pleno de contradições que simultaneamente estimula e obstaculariza o desenvolvimento e reprodução das relações sociais de produção a nível geral, num movimento de construção de novos espaços e destruição/apropriação de espaços pretéritos. (LIMONAD, 1999, p. 78).

Diferentemente de Lefebvre, Harvey, assim como Castells, procurou priorizar as

relações sociais de produção (produção, circulação, reprodução) e do capital industrial,

submersas pelas relações sociais espaciais da produção e do capital financeiro. Harvey

identificou a organização espacial como uma estrutura separada com suas leis próprias de

transformação interna e construção, expressando um conjunto de relações numa estrutura

mais ampla, as relações de produção capitalistas (LIMONAD, 1999, p. 80). De todo modo,

viu no ambiente construído uma forma de capital fixo, uma pré-condição geral da produção,

diria Marx. Assim, o espaço entraria como um todo no mundo da mercadoria, no mundo da

produção, mundo no qual Estado e capital privado estariam mutuamente envolvidos

(DAMIANI, 2004, p. 88).

Harvey (1980, p. 210), numa obra que marcaria a sua carreira, afirma ser a tese

central de seu ensaio:

[...] a de que juntando as estruturas conceituais em torno (1) do conceito de excedente, (2) do conceito de modo de integração econômica e (3) dos conceitos de organização espacial, chegaremos a uma estrutura superior para interpretar o urbanismo e sua expressão tangível, a cidade.

Em trabalhos anteriores apresentados na mesma obra, situados no âmbito de uma

visão sistêmica da realidade urbana, porém já eivados de princípios de justiça social, afirma o

autor (1980, p. 55) que devemos encarar a cidade “[...] como um gigantesco sistema de

recursos, sendo que a maior parte dos quais é de criação humana”. Estando tais recursos social

e geograficamente distribuídos desigualmente pela cidade. O autor considera “a cidade como

32

um sistema dinâmico e complexo no qual a forma espacial e o processo social estão em

contínua interação” (1980, p. 34).

Na segunda parte do livro A Justiça Social e a Cidade, denominada pelo autor de

“Formulações Socialistas” (1980, p. 111), considera que o marxismo e o positivismo têm em

comum a base materialista e o método analítico, o que os diferencia é que o positivismo

procura entender o mundo, enquanto o marxismo busca transformá-lo. Todavia, conceitos e

categorias clássicos de Marx são incorporados pelo autor na leitura da realidade e

interpretação urbana, dentre eles mais-valia, superprodução, queda da taxa de lucros, renda,

produção e reprodução, acumulação, excedente, valor de uso e valor de troca e apropriação

são os mais usuais na obra de Harvey, conceitos que, no ver de Thomas Kuhn, são produtos

dos verdadeiros fenômenos que eles se destinam a descrever (HARVEY, 1980, p. 107).

Harvey (1980, p. 261) encara a cidade com “uma série de objetos arranjados de

acordo com algum padrão no espaço”. Tal afirmação parece-nos, a primeira vista, por demais

óbvia, no entanto, o que nos interessa e nos instiga é saber com o autor quais são esse

padrões, quais as forças que modelam e estruturam a cidade. E Harvey (1980, p. 267),

pondera ao colocar que “o espaço criado na cidade moderna [...] reflete a ideologia

prevalecente dos grupos e instituições dominantes na sociedade. Em parte ela é moldada pela

dinâmica das forças do mercado [...]”, por outro lado, “[...] é parte de um intricado processo

indicativo que dá direção e significado à vida diária dentro da cultura urbana”. Em tese, na

definição de Harvey (1980, p. 268), “o espaço criado é moldado através do desenvolvimento

dos investimentos de capital fixo”, expressando relações sociais de produção e reprodução da

sociedade e reagindo de volta sobre elas, através da estrutura urbana.

Na interpretação proposta por Gottdiener (1997, p. 93) a respeito de Harvey, afirma

que o autor de A Justiça Social e a Cidade:

Define a cidade com um nó de intersecção na economia do espaço, como um ambiente construído que surge da mobilização, extração e concentração geográfica de quantidades significativas de mais-valia [...]. A cidade é produzida pela padronização espacial desses processos, e o papel que a forma urbana desempenha neles se deve a possibilidades sociais, econômicas, tecnológicas e institucionais que regem a disposição da mais-valia concentrada dentro dela (GOTTDIENER, 1997, p. 94 e 95).

Adverte Gottdiener (1997, p. 96), que Harvey ao investigar a maneira pela qual

ocorre a acumulação capitalista no espaço identifica três frações de capital que atuam no

ambiente construído de acordo com as várias formas de realizar mais-valia. A primeira fração

33

de capital concentra-se na renda (aqui aparece a especulação imobiliária); a segunda busca ao

mesmo tempo juros e lucros através da construção e/ou do financiamento de obras; a terceira

refere-se ao “capital em geral”, esta última fração é intervencionista por natureza, atua por

meio da administração e do planejamento estatal visando garantir a sobrevivência da classe

capitalista. Harvey, ainda, identifica três frações separadas de capital das quais a classe

capitalista utiliza-se para atuar política e economicamente: interesse corporativo, financeiro e

fundiário.

Para Harvey, o Estado, agente do “capital em geral”, detentor de certa “autonomia

relativa”, perseguindo tanto interesses políticos quanto econômicos nem sempre capitalistas

por natureza, intervém politicamente no espaço, transformando o ambiente construído por

meio de mudanças infra-estruturais, no fito de favorecer a circulação de capital e a sua

realização no espaço (GOTTDIENER, 1997, p. 97 a 99).

Em tese, Gottdiener (1997, p. 93), discorda em alguns aspectos dos teóricos da

acumulação de capital, segundo a qual a própria acumulação de capital, a produção de mais-

valia; a expansão da força de trabalho assalariada, das atividades de circulação e do controle

pela classe dirigente, são as forças que impulsionam a sociedade capitalista, consistindo os

processos de desenvolvimento da cidade ou urbanização em manifestação espacial do

processo de acumulação. De acordo com o autor, a produção social do espaço urbano

entende a organização sócio-espacial como uma conseqüência direta das relações entre

processos econômicos, políticos e culturais na medida em que se vinculam à geografia

regional de áreas metropolitanas. Essa perspectiva entende que “[...] a localização, a

manifestação espacial das relações de produção e o design ambiental estão todos envolvidos

essencialmente na valorização quanto na realização de mais-valia.” (GOTTDIENER, 1997, p.

196). Harvey por sua vez, reduziu o design espacial a meros meios de produção,

diferentemente de Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 127 e 128), para quem “[...] o

design espacial é, ele próprio, um aspecto das forças produtivas da sociedade – que,

juntamente com a tecnologia, o conhecimento humano e a força de trabalho, contribuem para

nosso ‘potencial de produção’”. Harvey negligenciou o design espacial ao não considerá-lo

como uma das forças de produção, conferindo certa posição na estrutura econômica a quem

detiver sua posse, possuindo, dessa maneira, o mesmo status ontológico que o capital ou o

trabalho (GOTTDIENER, 1997, p. 127 a 129).

De acordo com Gottdiener (1997, p. 198), as forças sociais interpostas no espaço

estão hierarquicamente estruturadas e articuladas em redes, possuem uma natureza

tridimensional, assim como a organização social do espaço, invocam o entrosamento inter-

34

relacionado de forças culturais, políticas e econômicas, não em termos de três práticas

distintas, mas, ligadas dialeticamente, com modos voluntarísticos de comportamento

(GOTTDIENER, 1997, p. 267). Assim, Gottdiener (1997, p. 198 e 199), estabelece as bases

da sua teoria estruturacionista da organização social, em que estruturas e ações desempenham

papéis na produção de fenômenos e de formas espaciais, sendo essas últimas produtos

contingentes da articulação dialética entre ação e estrutura, estando sempre em movimento,

não são manifestações puras de forças sociais profundas, constituem um mundo de aparências

em que a análise deve penetrar.

Gottdiener (1997, p. 200 e 201), identifica três forças que transformam sócio-

estruturalmente e que parecem criticamente importantes para entender a forma contemporânea

do espaço de assentamento. São elas: a) organização da produção e administração em

estruturas complexas, burocráticas de tomadas de decisões em âmbito

global/mundial/internacional, verdadeiro sistema de corporações globais; b) intervenção ativa

do Estado em todos os níveis da sociedade seja através do nível federal com projetos em

grande escala, seja em nível mais local, que, freqüentemente associa-se ao setor privado,

tornando difícil distinguir as ações deste e daqueles; c) emergência da tecnologia e da

indústria do conhecimento (desenvolvimento científico como força dominante da produção),

com efeitos diretos sobre os padrões de distribuição demográfica ao longo do espaço de

assentamento.

Ainda, segundo o julgamento de Gottdiener (1997, p. 206), as relações de produção

não se limitam apenas ao âmbito econômico, mas são, simultaneamente, relações sociais,

econômicas, políticas e culturais, estando obrigatoriamente espacializadas e/ou

territorializadas. Entretanto, o autor afirma que as formas espaciais são produtos

epifenomenais mais diretos de forças profundas, contenciosas, pertinentes ao sistema de

organização sócio-espacial, produzidas pela articulação entre ação e estrutura. Assim, não há

nenhum determinismo espacial e/ou econômico, ademais, isso seria um reducionismo na

opinião do autor.

É justamente isso que o autor (GOTTDIENER, 1997) critica nas obras de Harvey,

um teórico da acumulação. Entretanto, mesmo em A Justiça Social e a Cidade, Harvey se

deparou com o risco do reducionismo economicista, ao citar Engels em carta a Joseph Bloch,

de 1890, quando este escreve que:

[...] o derradeiro elemento determinante na história é a produção e a reprodução da vida real. Mais do que isto nem Marx nem eu jamais

35

afirmamos. Por essa razão, se alguém deturpa isso dizendo que o elemento econômico é o único determinante, ele transforma a proposição em uma frase insignificante, abstrata e sem sentido. A situação econômica é a base, mas os vários elementos da superestrutura – formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber: as constituições estabelecidas pela classe vitoriosa depois de um combate bem sucedido, etc.; as formas jurídicas e mesmo os reflexos de todas essas lutas nos cérebros de todos os participantes; as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, pontos de vista religiosos e seu posterior desenvolvimento em sistemas de dogmas – também exercem influência sobre o curso das lutas históricas, e em muitos casos preponderam na determinação de sua forma [...] (Engels, quase no fim de sua vida em carta a Joseph Bloch, 1890, apud HARVEY, 1980, p. 169).

Talvez resida aí um posicionamento assumido por Harvey quanto ao perigo do

reducionismo econômico. Todavia, é claro que a crítica de Gottdiener a Harvey vai mais além

dessa análise superficial aqui exposta, fundamenta-se na análise dos trabalhos daquele autor

no curso de décadas, o que nos desautoriza a tomar partida de um ou de outro, antes, convém-

nos compartilhar de seus feitos e avanços teórico-metodológicos desde que um não

comprometa o do outro. Voltaremos à teoria estruturacionista de Gottdiener mais adiante.

Há mais de um século, Marx e Engels (2005, p. 132), ao contrário de Hegel, viram

que no curso da “[...] história moderna a vontade do Estado obedece, em geral às necessidades

variáveis da sociedade civil, à supremacia desta ou daquela classe e, ao desenvolvimento das

forças produtivas e das condições de trocas”. Não queremos, com isso, afirmar a anulação

total do Estado ante as relações capitalistas de produção, por outro lado, concordamos com

Ribeiro (2004, p. 109 e 128), ao reconhecer a subordinação do Estado, enquanto instrumento

do e para o capital, e a adoção de “valores” neoliberais defensores em prima facie dos

parâmetros da ordem do capital. De qualquer maneira, a realidade não escamoteia que a

ordem do dia não é mais a satisfação das necessidades mais urgentes das camadas sociais

mais desprovidas, não é o atendimento das demandas sociais mais prementes que ocupam os

gabinetes e as assembléias políticas em maior monta. No julgamento de Ribeiro (2004, p.

136), as leis capitalistas, quase onipresentes de satisfação do consumo, que tentam a todo

custo governar a percepção, a invenção e a manutenção dos seres sociais encontram respaldo

no aparato ideológico, institucional, técnico, informacional e legal, com dimensões infra e

superestrutural, já hoje, de difícil discernimento, porquanto um estar e se refazer no outro,

“[...] intrínseca e dialeticamente, como ação material subordinante e ou produto empírico re-

direcionado. E sempre tendo como guia primeiro o complexo movente do capital, que se

firma como motor/freio histórico ao espaço social” (RIBEIRO, 2004, p. 106).

36

Karl Marx já havia advertido nos Manuscritos de 1844, que “a política é em princípio

superior ao poder do dinheiro, mas na realidade tornou-se seu escravo” (2002, p. 41 e 42). O

dinheiro, essa essência alienada do trabalho e da existência do homem, o poder alienado da

humanidade, esse universal abstrato, que corrompe os planos e as diretrizes atentas às

demandas sociais, que faz o Estado voltar-se a favor do capital, a favor de sua acumulação,

este que é o poder de domínio sobre o trabalho e sobre os seus produtos (Marx, 2002, p. 80),

em tempos hodiernos, metamorfoseado em dinheiro global tornou-se um despótico ditador,

impondo caminho às nações. Hoje, ele é governado por governos globais: Fundo Monetário

Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Cartilha de

Washington, etc., e impõe-se sobre todo o território de um país, o que inclui Estados e

municipalidades, tornando sua regulação interna quase impossível, praticamente

ingovernável, em função da desorganização e desagregação que submete a esse território

através de empresas e corporações globais (SANTOS, 1999, p. 9 a 13).

Trazendo a discussão sobre a atuação estatal perante o capital, este enquanto relação

social de produção e reprodução, para o âmago de nossa temática, concordamos com Corrêa

(1989, p. 26), ao afirmar que atualmente a ação do Estado:

[...] é marcada pelos conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como das alianças entre eles. Tende a privilegiar os interesses daquele segmento ou segmentos da classe dominante que, a cada momento, estão no poder.

Deste modo:

A atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é, condições que viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas frações (CORRÊA, 1989, p. 26).

A atuação estatal não pode ser entendida fora das coalizões público-privadas e das

redes de agentes produtores do espaço urbano, da qual o Estado faz parte enquanto um agente.

Configuram-se como linha de frente no processo de reestruturação espacial urbana, estando

suas ações estruturadas em torno da apropriação da terra urbana, podendo abranger parcerias

público-privadas que incluem também elementos das classes populares, que se mantém

através das burocracias locais comprometidas com o “desenvolvimento” e modernização

urbana, e até mesmo frações de classe não necessariamente capitalistas (TRINDADE JR,

1999, p. 154 a 156). Silveira (2002, p. 13), coloca a questão de maneira exemplar ao afirmar

37

que “o Estado também usa o território, mas, sobretudo, o prepara para o jogo dos agentes

sociais”. A autora chega a falar de “leilão de cidades” e “city marketing”, meios através dos

quais as municipalidades desenvolvem uma “narrativa” vinculada ao mercado e à

competitividade, isto é, estratégias de convencimento visando atrair investimentos e alianças

com grandes empresas. Conclui Silveira (2002, p. 16), que o Estado curvou-se perante a

lógica das empresas imobiliárias, sepultou os direitos dos cidadãos e a política, erigindo em

seus lugares o código do consumidor e a lógica do mercado.

Essa questão vista de outro ângulo, em face dos fatos, não nega, na opinião de Santos

(1985, p. 82), que o Estado cria a maior parte das infra-estruturas que servirão à produção

moderna, entretanto, ele mesmo é chamado igualmente a prover serviços públicos reclamados

pela população, que de outra forma não seria atendida. Mas, é inegável o fato de que o Estado

o faz a fim de “[...] garantir a reprodução das relações sociais constitutivas e fundamentais da

sociedade existente [...]” (MARTINS, 1996, p. 30). Seabra (2000, p. 75) reconhece este fato

ao afirmar que o Estado é o suporte de todos os fenômenos correlatos à industrialização e à

(re)funcionalização e (re-des)estruturação do espaço urbano: seja através das infra-estruturas

de habitação, transporte e comércio, especulação fundiária, zoneamentos, etc. Acrescente-se,

o Estado além de regularizar estes investimentos:

[...] também regulariza as relações capital-trabalho e, portanto, serve de instrumento essencial ao desenvolvimento capitalista, e contribui para a manutenção/aumento da exploração da força de trabalho. Com essa exploração o Estado admite e reforça a exclusão de grande parte da população do sistema de acesso à bens de consumo e a moradia, nos moldes e a serviço do modo capitalista de produção. (RIBEIRO DA SILVA e MELCHIOR, 2002, p. 10).

Qual deus Saturno, devorador de seus próprios filhos, Leviatã acorrentado, o Estado,

hodiernamente instrumentalizado pelo capitalismo, suporta e leva a cabo determinações que

lhe corrompe, mas, por vezes, “cego”, ou já domado, não mais se reconhece como outrora,

porque agora poliformático e reificado por forças que lhe são maiores, regula o espaço como

peça funcional, normatiza a vida do ser social, obediente aos ditames do grande capital.

Leviatã canibalesco ao ameaçar agredir a “verdadeira” subjetividade burguesa, por outro lado,

“provedor”, “[...] como instância à qual se recorre sempre que há fricções e sofrimentos

resultantes da socialização negativa” (KURTZ apud RIBEIRO DA SILVA e MELCHIOR,

2002, p. 10). Assim é o Estado, organismo responsável pela regulação do trabalho, pela

regulação das necessidades do capital, peça fundamental no “tripé” capital-trabalho-Estado

38

sobre o qual erigiu-se o colossal e onipotente sistema de metabolismo societal do capital

(ANTUNES, 2002, p. 22)

De acordo Marques e Bichir (2001, p. 2), estudos sociológicos dos anos 1970 e 1980

identificaram uma expressiva ausência dos investimentos estatais nas áreas mais desprovidas

das grandes cidades. Corolário de um “modelo metropolitano brasileiro” produzido no Rio de

Janeiro nos anos 1960, e de um padrão de produção do espaço proveniente da dinâmica

capital paulista, a negligência do Estado quanto aos espaços desfavorecidos e, por outro lado,

sua prontidão em atender aos interesses de setores mais dinâmicos e empreendedores do

capital nacional ou internacional, seria produto de mecanismos estruturais ligados à dinâmica

mais geral do sistema econômico, na opinião de alguns autores. Interpretações não

estruturalistas também mobilizaram mecanismos econômicos, entendendo que a lógica das

políticas públicas estaria ligada à associação entre poder econômico e poder político na

sociedade. Assim, a produção do ambiente construído seria fortemente influenciada pelos

diversos grupos econômicos da cidade. Em suma, todas as correntes convergiam num mesmo

ponto: mecanismos estruturais e/ou de natureza econômica para explicar a conformação das

grandes cidades. Todavia, também compartilharam um ponto cego em comum: o Estado e

suas políticas urbanas, tão necessário ao entendimento da realidade urbana, quase nunca

tratado na sua complexidade de conjunto heterogêneo de instituições (MARQUES e BICHIR,

2001, p. 3 e 4).

A esta altura pode o leitor indagar-se a respeito da fundamentação teórica que orienta

nosso trabalho, pois, já afirmamos sê-la a produção social do espaço urbano apresentada por

Gottdiener (1997), o qual, crítico da teoria da acumulação proposta por Harvey em alguns de

seus trabalhos do século passado, e de economicismos de alguma forma presos à a economia

política marxista, propõe a teoria estruturacionista, de natureza triádica: política-economia-

cultura, que, na opinião do autor, ao atualizar o marxismo frente a questões relativas ao

espaço urbano, acredita transcendê-lo (GOTTDIENER, 1997, p. 197). Pois bem, nosso

intento foi o de ampliar o debate acerca do espaço urbano e o que fora dito a respeito por

alguns teóricos e estudiosos do assunto, a fim de desenvolver uma leitura e uma possível

interpretação que dê conta da realidade qual nos deparamos.

Em breves palavras, Silva Neto (2004, p. 15 e 16), num estudo das obras de Milton

Santos, afirma que de acordo com o autor de A Natureza do Espaço, “o espaço é as pessoas e

suas coisas. É a sociedade se distribuindo. É a paisagem que vemos junto com a sociedade

que a anima, com suas histórias, culturas e modos de vida. É também economia, no sentido

amplo da palavra [...]”, vinculada à produção material e imaterial da sociedade em sua plena

39

atividade de existência política. Santos (1988c, p. 85), reconhece este fato quando escreve que

a urbanização é um problema multidimensional, isto é, um movimento uníssono da sociedade,

da cultura e da economia. Como se vê, o autor vai além da economia e da política, da luta de

classes e da hegemonia burguesa na sociedade capitalista. Alhures (1994, p. 118), afirma que

“a economia política da cidade [...] seria a forma como a cidade, ela própria, se organiza, em

face da produção e como os diversos atores da vida urbana encontram seu lugar, em cada

momento, dentro da cidade”. Esses diversos atores têm suas relações definidas, em última

análise, como relações políticas, mas, saibamos que essas relações também se revestem de

formas econômicas, culturais e/ou políticas, num refazer-se no outro que, por vezes, fica

difícil distinguir uma forma da outra se a análise se limitar à forma apenas (SANTOS, 1994,

p. 127).

Num outro trabalho, Santos (1990, p.190 e 191) é bem rigoroso ao afirmar que nas

grandes cidades tecnoesfera e psicoesfera são dados constitutivos da ambiência e que sua

estrutura condiciona a vida urbana, não podendo o sistema urbano ser entendido sem a análise

desses componentes. A tecnoesfera ajuda a definir o tempo da produção, enquanto a

psicoesfera se vale da psicologização, isto é, da internalização na vida social, vida esta que se

realiza no mundo do trabalho, das crenças, da cultura, dos hábitos e costumes, nos lugares.

Em Carlos (1996, p. 24), observa-se que a história dos homens, a apropriação, a

utilização e ocupação, o habitar, o viver, o trabalho, o lazer, o comportamento, as práticas

banais e familiares, enfim, a cultura são fatores do cotidiano, fatores em função dos quais o

espaço urbano é produzido e reproduzido incessantemente, socialmente como e portadores de

valores de uso, que se desvelam e se realizam no lugar, onde, de modo mais implacável se

sente e se formulam os problemas da produção no sentido mais amplo, isto é, o modo como é

produzida a existência social dos seres humanos (CARLOS, 1996, p. 26). Todavia, uma

racionalidade intrínseca à lógica capitalista de produção e reprodução social busca

vorazmente se apropriar economicamente das particularidades de cada lugar, de cada

territorialidade do espaço urbano por meio da imperativa planificação (CARLOS, 1996, p.

22).

Ampliando o leque da discussão sobre a conjugação de economia, política,

sociedade, cultura e natureza na conformação do espaço geográfico total, Saquet (2007, p.

151), ao discorrer sobre o território, conceito geográfico também pertinente à temática por nós

aqui estudada, reconhece através de sua abordagem que neste estão superpostos, numa

unidade contraditória e complexa, economia, política, cultura e história, unidos com a

natureza exterior ao homem. Mesmo que nosso recorte espacial de análise seja limitado a uma

40

Zona da cidade de Londrina, a Zona Leste, não podemos desconsiderar as demais escalas de

abordagem e a amplitude obrigatória de qualquer tema geográfico, caso contrário, cairíamos

num empirismo cego, limitado, tópico e corológico. Saquet (2007, p. 153) é pontual ao

afirmar que no movimento mercantil de reprodução de valor, as ações econômicas têm,

necessariamente, uma ligação com o local, seu entorno e com o exterior, empregando

obrigatoriamente conhecimentos não só abstratos, traduzíveis em coeficientes tecnológicos e

em preços de mercado, mas também conhecimentos contextuais particulares, envolvendo a

subjetividade dos lugares (cultura, história), as instituições, a infra-estrutura, o trabalho, a

natureza, etc., sem perder de vista o movimento de mundialização da economia.

Qualquer que seja a intervenção a que se proponha no espaço urbano há que se

considerar sua totalidade se se pretende êxito. Souza (2000, p. 28 e 29), a nosso ver,

estabelece as premissas do que seria essa “totalidade”, ao apreciar alguns pontos essenciais no

entendimento do espaço urbano. Considera-o na sua dimensão econômica, um “produto

material da sociedade do âmbito do processo de trabalho, continente de recursos e realidade

relacional que comporta localizações diferencialmente valorizadas”. Na sua dimensão

política, constitui-se num território, numa arena de lutas. Na sua dimensão cultural e

(inter)subjetiva é o lugar; fisicamente é o ecossistema, o geosistema (enquanto pré-social). O

espaço é, antes de qualquer coisa, um produto e uma condição das relações sociais. Sua

organização e formas espaciais refletem o tipo de sociedade que as produziu, todavia, tem a

propriedade, uma vez produzidas, de influenciar os processos sociais subseqüentes, seja por

meio de sua materialidade, quanto por meio dos valores e símbolos culturais que propõe

(SOUZA, 2003, p. 99).

Queremos acreditar com Scherer (2003, p. 194), que “a cidade é [a] solução e não [o]

problema”, queremos acreditar com Lefevbre nO Direito à Cidade, quem inclusive chegou a

falar da substituição da sociedade industrial pela sociedade urbana, admitindo que ser um

citadino é poder gozar plenamente o ambiente urbano em liberdade, um privilégio, um direito.

Não negamos o fato de ser a cidade, como disse John Friedman, grandes indicadores e fatores

do progresso (SOUZA, 1996, p. 20). Mas que não seja um progresso no sentido econômico

restrito a determinadas classes e frações de classe apenas. Antes, que seja um progresso

socialmente justo e humano no sentido mais estrito do termo, tal como a obra cidade, coletivo,

socializado, que seja, como diz Souza (2000 e 2003), desenvolvimento sócio-espacial, o

verdadeiro progresso das sociedades.

41

3. CARACTERIZAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA

O Município de Londrina situado entre 23°08’47” e 23°55’46” de Latitude Sul e

entre 50°52’23” e 51°19’11” de Longitude Oeste, ocupa segundo o IBGE (2002) uma área de

1.650,809 Km2, o que corresponde a 1% da área total do Estado do Paraná (mapa 01). Conta

com aproximadamente 497.000 habitantes de acordo com a contagem de 2007 realizada pelo

IBGE, possui uma densidade demográfica que varia de 259,29 hab/Km2 a 291,26 hab/Km2

(IBGE – 2000, 2004). Possui um Produto Interno Bruto (PIB) Municipal de US$

1.031.968.955,47. A Zona Urbana2 de Londrina, definida pela Lei 7.484 de 20/07/1998,

possui 164,33 Km2, enquanto que a Zona de Expansão Urbana3, definida por mesma lei,

possui 80,68 Km2, totalizando 245,01 Km2.

A altitude média da área urbana central é de 608 metros. O melhor solo de Londrina,

um dos mais férteis do mundo, está na região setentrional do município, que se caracteriza por

uma topografia mais plana, onde predominam os solos Terra Roxa Estruturada Eutrófica,

Latossolo Roxo Eutrófico, dentre outros (LONDRINA PERFIL 2005-2006, p. 20).

O clima de Londrina é o subtropical de altitude, com chuvas em todas as estações

podendo ocorrer períodos de secas no inverno. De acordo com o Instituto Agronômico do

Paraná (IAPAR), a temperatura medial anual de 2005 foi de 21,6ºC, com média máxima de

27,9ºc e média mínima de 16,4ºC. Localizada num espigão, apresenta verão quente e inverno

ameno, com índices de umidade relativa do ar em torno de 76% no verão e 72% no inverno, e

com a umidade relativa média do ano situada em torno de 69%. Londrina sempre foi

beneficiada por um regime pluviométrico bem distribuído durante todo o ano, sendo

raríssimos os períodos de grandes estiagens ou chuvas prolongadas. Segundo o IAPAR, em

2005, a precipitação pluviométrica anual foi de 1.426 mm, sendo janeiro, setembro e outubro,

os meses mais chuvosos e fevereiro, março, maio e agosto os meses mais secos (LONDRINA

PERFIL 2005-2006, p. 21).

O subsistema hidrográfico do município de Londrina corre no sentido predominante

de Oeste para Leste, uma vez que o relevo está genericamente inclinado da região de

Londrina para o Rio Tibagi, que tem sentido Sul-Norte, desaguando no Rio Paranapanema,

um dos tributários do Rio Paraná (LONDRINA PERFIL 2005-2006, p. 21).

2 A Zona urbana compreende as áreas urbanizadas ou em vias de ocupação e as glebas com potencial de urbanização que ainda não sofreram processo regular de parcelamento. 3 A Zona de Expansão Urbana é aquela externa à Zona Urbana onde se prevê ocupação ou implantação de equipamentos e empreendimentos considerados especiais e necessários à estrutura urbana. A transformação de Zona de Expansão em Zona Urbana fica vinculada ao processo de aceitação de loteamentos regularmente aprovados e implantados ou ao visto de conclusão de obras regularmente aprovadas e construídas.

42

Mapa 01 – Localização de Londrina no cenário nacional4

A Região Metropolitana de Londrina5, primeira do interior do Brasil, foi instituída

pela Lei Complementar N.º 81, de 17 de junho de 1998, e alterada pelas Leis n.º 86, de

07/07/2000, e n.º 91, de 05/06/2002, sancionadas pelo governador Jaime Lerner. Fazem parte

de sua composição os Municípios de Londrina, Bela Vista do Paraíso, Cambé, Ibiporã, 4 FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apud PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA – LONDRINA PERFIL 2004. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/planejamento/perfil/perfil2004/. Acesso em 14 de agosto de 2006. 5 A respeito do enquadramento da cidade de Londrina na categoria de centro metropolitano discorreremos mais adiante, pois há um excelente debate sobre esse tema, o qual considera Londrina uma cidade média e não uma metrópole como quer o discurso oficial político.

43

Jataizinho, Rolândia, Sertanópolis e Tamarana, abrangendo uma população de 678.032

habitantes (IBGE – Censo 2000 – Resultados do Universo) (LONDRINA PERFIL 2005-

2006, p. 21). O município de Londrina é constituído pelo Distrito Sede e pelos Distritos de

Lerroville, Warta, Irerê, Paiquerê, Maravilha, São Luiz, Guaravera e Espírito Santo (mapa

02).

Mapa 02 – Divisão administrativa do Município de Londrina. Fonte: LONDRINA

PERFIL 2005-2006.

3.1. O caminho para o “Eldorado”: o Norte do Paraná e a Companhia de Terras Norte do

Paraná.

Neste capítulo será abordado um pouco da história de Londrina, situando-a no

contexto internacional, nacional, regional e local, e suas implicações sobre os dias de hoje, em

especial no que importa ao nosso recorte espacial de estudo: a Zona Leste do município, aliás,

44

o berço da cidade, onde hoje se encontra o Marco Zero. Para tanto, levar-se-á em conta, a

atuação institucional, seja por parte do poder público local como pelo Estado em suas

instâncias maiores, e a atuação privada, bem como suas alianças e coalizões, a fim de

apreender o processo de produção social da cidade de Londrina em suas raízes históricas,

pois, de acordo com Nakagawara Ferreira (FOLHA DE LONDRINA, 1994, p. 71), para que

se possa entender a economia urbana de Londrina é preciso, antes de qualquer coisa,

[...] um exercício de compreensão da sua identidade local e regional dentro de um território mais amplo que a própria cidade/região. É entender o momento histórico da ocupação norte-paranaense, a evolução da cafeicultura, a modernização da agropecuária, os grandes movimentos demográficos [...].

Londrina encontra-se nos caminhos da marcha da moderna expansão territorial

brasileira e corolário da expansão cafeeira. Pierre Monbeig (1985, p. 55 e 56), descreve com

rigor a saga do café pelo Brasil na era moderna. Proveniente da Guiana Francesa, a marcha

cafeeira adentrou o país pelo Pará em fins do século XVIII, donde alcançou a região

montanhosa do Rio de Janeiro, para posteriormente atingir o Vale do Paraíba, ganhado assim

terras paulistas. A partir daí, por volta de 1880, o fenômeno ganharia proporções gigantescas e

não pararia de avançar tão logo, substituindo milhares de quilômetros quadrados da densa

floresta que encontrasse pelo caminho, até chegar ao Paraná. Ao longo de sua marcha cidades

nasciam, ferrovias eram construídas como símbolo da chegada do progresso, estradas de

rodagem se estendiam pelo território a fim de integrá-lo logisticamente. Uma nova sociedade

se organizava em torno da economia cafeeira e Londrina seria o mais vistoso fruto dessa

economia, o chamado “eldorado”.

O surto inicial da cultura cafeeira teve sua explicação em fatores externos e internos

ao país. Enquanto o consumo crescia vertiginosamente em países europeus e nos Estados

Unidos, capitais estrangeiros chegavam ao país em número crescente, pois, a garantia da

reprodução ampliada estava assegurada em função do apoio interno dado aos investidores

estrangeiros, e das excelentes condições climáticas favoráveis, da topografia lisa dos

planaltos, e da fertilidade excepcional dos solos, ainda virgens, propícios ao plantio do café. A

euforia se fazia sentir, começava a “era” do onipotente “ouro verde”, e o caminho para o

“eldorado” estava anunciado.

Para Mombeig (1985, p. 58), a estrutura institucional oligárquica, característica

principal da república velha, engessou o avanço técnico da produção, mantendo o potencial

produtivo em razão da boa qualidade dos solos, em vez de tornar-se uma técnica de

45

exploração racional e modernizada, além do fato de que muitos plantadores detiveram, por

muito tempo, além da propriedade rural a máquina econômica, administrativa e política.

A porta de entrada para o povoamento das terras do Norte do Paraná foi a cidade

paulista Ourinhos, de onde uma ambiciosa frente de colonização sem precedentes históricos

no mundo, abriu-se rumo ao Norte do Paraná. Entretanto, já havia ocupação oficial na área,

era a colônia militar de Jataí, primeira ocupação na região, fundada em 1855, à margem

direita do rio Tibagi, que elevada à categoria de vila em 1872, no entanto, apesar de sua

localização estratégica, porém isolada, não se desenvolveu satisfatoriamente. A nova frente de

povoamento estaria a caminho, a qual traria a marcha da civilização e da modernidade para a

região até então “inexplorada”, segundo nos conta a história oficial6 (WACHOWICZ, 1977,

p. 160 e 161).

Através do Acordo de Taubaté de 1906, governadores dos Estados de São Paulo,

Minas Gerais e do Rio de Janeiro estabeleceram as bases de uma política conjunta de

valorização do café, ratificada pelo então vice-presidente Afonso Pena. Essas medidas tinham

por objetivo solucionar a médio e longo prazo o problema do excesso de produção, mantendo

os preços do produto valorizados em momentos de crise, e, dentre outras medidas, a que mais

contribuiu para o avanço da lavoura cafeeira rumo ao Norte do Paraná, desencorajar a

expansão das lavouras nestes três estados. Desta data em diante o Norte do Paraná, a partir de

Jacarezinho e Cambará, conheceu uma profunda transformação em função da expansão da

cafeicultura, em função da marcha pioneira, destruidora da mata atlântica, destruidora da

terra, em que a mola propulsora residia tão somente no tenaz desejo do ganho (PIERRE

MOMBEIG apud LONDRINA PERFIL 2005-2006).

Para Pilati Balhana (1969, p. 213 e 214), A colonização do Norte do Paraná dividiu-

se em três etapas, necessariamente em três tipos distintos: a ocupação do Norte Pioneiro, do

Norte Novo e do Norte Novíssimo. A ocupação espontânea e não dirigida do Norte Pioneiro

deu-se por meio de fazendeiros paulistas isolados que empreendiam a ocupação com a ajuda

de familiares e empregados, espontaneamente, procurando terras roxas de alta fertilidade

descritas por mateiros que percorriam a região, para o plantio do café. A penetração em

território paranaense somente ganharia expressão no início do século XX, quando o

6 O historiador Valter Durães propõe uma revisão na história da fundação do que viria a ser Londrina, ao polemizar dizendo que a versão oficial só ganhou corpo porque o primeiro dono do jornal da cidade recebeu dinheiro para divulgá-la. Durães afirma que quando os membros da CTNP aqui chegaram depararam-se com mais de 40 mil pés de café na fazenda Quati, de propriedade do ex-governador do estado Afonso Alves Camargo. Bertoldo Durães, seu pai, era gerente da tal fazenda. E que o senhor Álvaro Godoy, proprietário da Fazenda Santa Helena, também tinha chegado antes, em 1925, apesar de sua biografia registrar 1931. (PERFIL LONDRINA – 2004).

46

povoamento e a expansão da estrada de ferro atingiriam as proximidades da margem direita

do rio Tibagi, por volta de 1920.

No ano de 1924 inicia-se a história da Companhia de Terras Norte do Paraná,

subsidiária da firma inglesa Paraná Plantations Company7, tal como a subsidiária Companhia

Ferroviária São Paulo-Paraná, adquirida em 1928. Atendendo a um convite do presidente da

república Arthur Bernardes (WACHOWICZ, 2001, p. 267), o técnico em agricultura e

reflorestamento, Lord Lovat, técnico em agricultura e reflorestamento e integrante da missão

Montagu, ficou impressionado com a exuberância do solo norte-paranaense e sua empresa

acabou adquirindo 515 mil alqueires paulistas das melhores terras roxas, situadas entre os rios

Paranapanema (Limite Norte), Tibagi (limite Leste) e Ivaí (limite Oeste), a fim de instalar

fazendas e máquinas de beneficiamento de algodão em parte dessas terras, com o apoio da

Brazil Plantations Syndicate Ltd, de Londres (MULLER, 2001, p. 100; PILATTI

BALHANA, 1969, p. 214). É claro que Lord Lovat viu naquelas terras um imenso potencial

econômico, não pelo fracassado plantio de algodão, mas, sobretudo, através de sua

comercialização, o que não tardaria em acontecer.

De acordo com o historiador José Joffily (1985), a história de Londrina está atrelada

aos interesses britânicos no Brasil dos anos 1920. Nesta época, a dívida brasileira com os

banqueiros ingleses somava milhões de libras e a necessidade de contrair novos empréstimos

obrigou o Governo a receber, de bom grado, uma missão que viria estudar a situação

financeira, econômica e comercial do país e a reformulação do sistema tributário brasileiro

(ASARI e TUMA, 1978, p. 29), a fim de estabelecer relações comerciais e de investir no

mesmo, fosse por meio de aquisições acionárias, como por meio da aquisição de terras. A

última modalidade resultou na aquisição de aproximadamente 13.165 Km2 de terras devolutas

de altíssima fertilidade cobertas por vegetação nativa no Norte do Paraná, pela Companhia de

Terras Norte do Paraná, por um preço muito aquém do valor real, as mais baratas terras do

Estado (WACHOWICZ, 1977, p. 162)8. Joffily (1985), um crítico da história de Londrina,

propõe uma revisão, que ainda está por se completar, da “história dos vencidos”, distinta da

7 Entre junho e agosto de 1925, na sede da Sudan Plantation, da qual Lord Lovat era presidente, realizou-se uma série de reuniões envolvendo o representante brasileiro João Sampaio Antonio de Moraes Barros e outros diretores e funcionários de alto escalão da empresa. Ficou decido que ao invés de aumentar o capital da Brazil

Plantation Syndicate Ltd seria ela oportunamente liquidada, fundando-se em seu lugar a Paraná Plantation

Company, a fim de levantar fundos de maior vulto para grandes empreendimentos que se projetassem, inciando-se pela compra das terras e pela construção das estradas de ferro e de rodagem (ASARI e TUMA, 1978, p. 37). 8 Alguns pesquisadores, como Asari e Tuma (1978, p. 31), em estudos históricos sobre o município de Londrina, subsidiado fundamentalmente pela publicação editada em comemoração ao cinqüentenário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, em 1975, afirmam que a CTNP adquiriu títulos de concessões e posses de terras do Governo pelos preços de lei, chegando, em alguns casos, a pagar duas ou três vezes pelas terras, a fim de assegurá-las a si e aos seus sucessores o direito líquido e inquestionável sobre a terra negociada.

47

história oficial dos “vencedores” que saúda a cobiça do imperialismo inglês, e o escandaloso

patrocínio oficial, através do qual qualquer negociante ajuizado teria obtido resultados

equivalentes (LONDRINA - PERFIL 2004-2006, p. 7 e 8). No entanto, não negamos o fato da

falta de recursos por parte do empresariado nacional e governos federal e estadual e a

necessidade de se ocupar essas terras a fim de garantir o território.

Foi na tarde do dia 21 de agosto de 1929, quando os pioneiros chegaram às terras

adquiridas pela CTNP, atualmente Londrina. Partiram de Ourinhos no dia 20 de agosto

George Craig Smith, Alberto Loureiro, o agrimensor russo Alexandre Rusgulaeff, Ervin

Froelich, Kurt Kakowats e mais alguns peões contratados para trabalhar no campo. Fizeram

parada em Jataí, onde compraram mantimentos, burros de carga e até contrataram o serviço de

um índio-guia que falava mansamente com os animais, chamando cada um pelo nome. Na

chegada às terras da companhia, Rusgulaeff, orgulhosamente, fincou o primeiro marco,

exatamente na Zona Leste da cidade9. A primeira derrubada de 10 alqueires ocorreu

exatamente onde, hoje, será construído o Complexo Marco Zero, antiga Anderson Clayton

(LONDRINA - PERFIL 2005-2006, p. 10).

A Companhia de Terras Norte do Paraná deixaria sua marca na história através do

sucesso alcançado com a comercialização das terras. Dividiu-as em lotes relativamente

pequenos, que poderiam ser adquiridos por meio de pagamentos parcelados em até quatro

anos. Foi considerada por isso por alguns pesquisadores como a implementadora de uma

verdadeira reforma agrária sem intervenção do Estado no Norte do Paraná. Esse sistema

estimulou muito a concentração de poder, a explosão demográfica, assistência técnica e

financeira, a expansão de núcleos urbanos e o aparecimento de classes médias rurais

(LONDRINA - PERFIL 2005-2006, p. 13). Em 1932 Londrina já possuía mais de 150 casas,

conectados a Jatay, ponto final da estrada de ferro, por meio de uma estrada construída em

1930, a Estrada dos Pioneiros10. Em 1933 já havia 396 casas, e em 10 de dezembro de 1934

foi criado o Município de Londrina. Somente em 28 de julho de 1935 a estrada de ferro

transporia o rio Tibagi e chegaria a Londrina.

9 O marco zero está situado poucos metros ao norte do terreno em que será construído o Complexo Marco Zero, as margens da Av. Theodoro Victorelli. Ainda se preserva a mata nativa em torno do marco, que de acordo com os projetos imobiliários para o terreno do complexo, há de compor a paisagem natural do mesmo, simbolizando uma relação “equilibrada” com o meio ambiente. 10 As margens desta estrada, que até os dias de hoje não foi asfaltada devido a seu uso eminentemente rural, se encontra o campus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, ainda em fase de construção. Marca o início da Zona Leste da cidade, estando na Zona de Expansão Urbana do município, de acordo com o Plano Diretor de 1995.

48

Os lotes de terra comercializados pela companhia, com tamanho entre 10 e 15

alqueires, dentro do limite da pequena propriedade para os padrões da época, eram traçados

em forma de longos retângulos, tendo quase todos frente para uma estrada (a qual ficava no

espigão) e fundos para um rio ou córrego (WACHOWICZ, 1977, p. 163). Toda a área

colonizada pela companhia foi dotada de boas estradas, interligadas aos pequenos patrimônios

que surgiam por toda a região. Estes, via de regra, não distavam mais que 15 quilômetros um

do outro ou de uma cidade maior, a fim de melhor integrar meio rural e meio urbano

(PILATTI BALHANA, 1969, p. 215). Em relação as áreas urbanas, todas as cidades

obedeciam a um plano urbanístico previamente definido pela Companhia, divididas em datas,

“[...] destinadas à construção de prédios comerciais e residenciais, sendo que ao comprador da

data era exigido em contrato a construção no prazo máximo de um ano” (ASARI e TUMA,

1978, p. 39).

De acordo com Muller (2001, p. 102), o eixo de toda colonização é o espigão divisor

de águas entre as bacias do rio Ivaí e do Paranapanema, com seu topo largo e plano, onde

foram traçados a linha ferroviária e a estrada principal, e reservados como sítio dos principais

núcleos urbanos da região. Deles partiam estradas secundárias para núcleos urbanos inferiores

ligando toda a área colonizada. Tais núcleos urbanos de maior importância econômica foram

planejados de tal forma que não distassem mais que 100 km um do outro, a título de exemplo:

Londrina, Maringá e Cianorte11; enquanto os núcleos urbanos menores não distavam mais que

15 km um do outro, constituindo-se em centros comerciais e abastecedores intermediários

entre as cidades maiores, por exemplo: Ibiporã, Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana,

Mandaguari, Marialva e Sarandi.

O grande leitmotiv do “sucesso” do empreendimento colonizador da Companhia de

Terras Norte do Paraná, por demais sabido, reside na cafeicultura, que não somente por

motivos políticos se expandiu para esta área, mas também por fatores físicos, que além da

fertilidade natural dos solos, encontrou clima favorável de transição entre o tipo subtropical,

que caracteriza a maior parte do Terceiro Planalto Paranaense, e o tropical de altitude do

Oeste paulista. Aliás, esta foi considerada a área limite para o plantio do café, em função das

geadas, fenômeno típico dessas regiões, inclusive um dos motivos da erradicação da

cafeicultura décadas mais tarde (MULLER, 2001, p. 90 a 91).

A Companhia de Terras Norte do Paraná, único empreendimento colonizador

privado do país, fundou além de Londrina, outras 63 cidades e patrimônios, dentre elas

11 Cianorte, a oeste do rio Ivaí, foi fundada mais tarde, já na época da Companhia Melhoramentos.

49

Cambé, Rolândia, Arapongas, Mandaguari, etc., vendeu lotes e chácaras para 41.741

compradores, de área variável entre 5 e 30 alqueires, e cerca de 70.000 lotes urbanos com

média de 500 m2. (ASARI e TUMA, 1978, p. 44; BATISTA et al, 2002).

A “ação civilizatória” e progressista da burguesia inglesa, de espírito público da

empresa privada empreendedora, e sua “missão histórica” de elevado interesse público em

promover a “verdadeira reforma agrária” no Norte do Paraná, que nem mesmo a crise de 1929

pôde sobrepujar, chegaria ao fim em 1944 quando foi vendida a um grupo de empresários

paulistas.

De acordo com Wachowicz (2001, p. 270 e 271), no ano de 1939 a Paraná

Plantation Company “perdeu” a estrada de ferro, encampada pelo Governo Federal. Quanto a

Companhia de Terras Norte do Paraná, devido aos pesados impostos sobre capitais

estrangeiros, e as dificuldades deflagradas com a Segunda Guerra Mundial, os ingleses

colocaram-na à venda. A Segunda Guerra Mundial mergulhou toda a Europa, incluindo a

Inglaterra, num quadro crítico e devastador, daí a necessidade da repatriação urgente dos

capitais no exterior. Nascia assim a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, a partir da

qual surgiriam outras novas cidades principalmente no Noroeste paranaense, o chamado Norte

Novíssimo.

Muitos foram os que comentaram e discutiram a respeito do papel da CTNP. Seu

modelo de ocupação criticado por alguns, elogiado por muitos, ora relativizado, não escapa

aos embasamentos da crítica, segundo a qual trata-se de uma empresa capitalista, é claro, na

tentativa de explorar os potenciais econômicos da região, empreendendo um modelo de

ocupação altamente lucrativo e predatório para com os recursos naturais. Por outro lado, há os

que enaltecem ao falar de um modelo privado de reforma agrária que trouxe sucesso e

desenvolvimento para o Norte do Paraná e à cidade de Londrina, a sede de suas atuações na

região. Entretanto, não podemos prescindir das condições materiais e sócio-econômicas da

época, como também da avaliação territorial em que ocorreu tal feito, e da conjuntura

nacional e estadual, que esboçava a necessidade - dado suas limitações financeiras - de

investimentos externos a fim de garantir o território e efetivamente ocupá-lo na região Norte

do Paraná (NAKAGAWARA, 1985, p. 4).

50

3.2. O “Eldorado”: Encontro e Despedida. Os ‘anos “verdes”’ e os “anos negros” da

Economia Cafeeira.

De acordo com a antiga lenda indígena narrada aos colonizadores espanhóis, o

“Eldorado” falava de uma cidade cujas construções seriam todas feitas em ouro maciço, da

qual seu imperador tinha o hábito de se espojar em ouro em pó, a fim de ficar com a pele

dourada, cujos tesouros existiriam em quantidades inimagináveis. Muitos foram os que se

empreenderam em encontrá-lo, e até recentemente, na primeira metade do século XX, muitos

também foram os que “viram-no brilhar nas terras roxas do Norte do Estado do Paraná”

(LONDRINA, 2004).

De fato, até os anos de 1960 o Norte do Paraná, aí incluso Londrina, vivendo o auge

da economia cafeeira, atraiu milhares de imigrantes de todas as partes do país e até de outros

países, que em busca do “eldorado” não dispensavam esforços em “acreditá-lo” e aplicá-lo à

economia cafeeira. A produção cafeeira era tamanha que o município passou a demandar

firmas e escritórios de corretagem do café, assim firmas exportadoras como a Anderson

Clayton foram sediadas em Londrina, dentre outras. Muitos produtores enriqueciam e

adquiriam mais terras no próprio Estado ou em outros Estados do Brasil, por exemplo, Mato

Grosso e Rondônia, etc. Na safra de 1964/1965 o escritório regional do antigo Instituto

Brasileiro do Café, em Londrina, chegou a receber 24 milhões de sacas (FOLHA DE

LONRINA, 1994, p. 33 e 34).

O café, rei da produção no Norte do Paraná, em 1946 era o estado o sétimo produtor

nacional de grão, em 1950 o terceiro, e em 1960 era já o primeiro no Brasil e no mundo, com

uma produção média de 16.000.000 de sacas anualmente, aproximadamente 60% da produção

nacional (WACHOWICZ, 1977, p. 168). Londrina, a capital mundial do café, já em 1940

contava com mais de 30 mil habitantes, em 1960 eram mais de 134 mil habitantes, que

atraídos seja por motivos financeiros ou qualquer outro, em sua maior parte eram pessoas em

busca de novas oportunidades, e o café representava a maior e melhor delas durante essas

décadas.

A cidade foi planejada para abrigar até 20 mil habitantes, mas rapidamente

ultrapassou o plano inicial, quando a partir de 1944 sobrepujou os limites originais do

perímetro urbano dados pela planta urbana original. Durante a década de 1950, a cidade viveu

uma grande expansão econômica, populacional e físico-territorial, tendo por catalisador o

aumento da produção e exportação agrícola, quando então recebeu o título de “capital

mundial do café". Entretanto, o café, sensível às flutuações de preços no mercado nacional e

51

mundial devido às oscilações na produção, e sensível às intempéries climáticas, não poderia

ser o único alicerce do “eldorado”, mas é verdade que se destacou notoriamente dentre um

conjunto de produção propriamente dita, a qual garantiu a Londrina seus “anos dourados”

(FRESCA, 2002, p. 242-244).

O surto de urbanização vivenciado por Londrina deve-se a uma série de fatores,

dentre eles Nakagawara (1985, p. 3) cita o planejamento global executado pela CTNP, onde

tanto os assentamentos urbanos como os rurais foram concebidos juntamente com um

esquema maior de circulação de mercadorias e pessoas, pois se tratava de uma zona produtiva

embrionária que se relacionaria com toda a região adjacente e principalmente com a região

Sul do Estado de São Paulo e com sua capital. Assim, os resultados obtidos com a produção

regional atrairia o afluxo demográfico, o incremento da base produtiva, bem como da

interdependência das relações econômico-espaciais com outros lugares (NAKAGAWARA,

1984, p. 1).

Os anos áureos da economia cafeeira chegaram ao seu ápice na década de 1950,

quando Londrina ganhou destaque no cenário nacional, tornando-se a terceira cidade da

região Sul do Brasil, tendo o terceiro aeroporto mais movimentado do país, a capital mundial

do café recebeu uma verdadeira “avalanche humana”. Se agigantava e o caos se instalava

numa desordem que rompia com a imagem de crescimento harmônico até então sustentado

pelo “ouro verde”. Nessa década a cidade foi considerada a cidade do interior do país de

maior importância regional (NAKAGAWARA, 1975, p. 2), verdadeira capital do Norte do

Paraná, sendo o maior centro industrial, financeiro e comercial da região, perdendo no Estado

somente para Curitiba (MULLER, 2001, p. 112). Em 1950, o Norte do Paraná respondia por

18,9% da produção de café no Brasil. Assim conquistava, a passos largos e seguros, lugar de

proeminente importância no país, e Londrina se despontava a frente desse processo, tornando-

se um poderoso foco de atração social e decisão econômica do Norte do Paraná, sendo um

grande centro de comercialização e beneficiamento e distribuição dos produtos regionais

(NAKAGAWARA, 1973, p. 2).

O sucesso da atividade primária, representando pela cafeicultura, estimulou o

desenvolvimento e os investimentos constantes nessa atividade, por outro lado, trazia como

conseqüência a debilidade do setor secundário, que apoiado na transformação de produtos

primários apenas, não lograva um maior desenvolvimento (NAKAGAWARA, 1975, p. 2).

Todavia, Londrina e o norte paranaense, juntos concentravam dois terços da população total

do Estado do Paraná, a maior parte dela ainda vivia nas áreas rurais, portanto, suas relações

52

sociais e econômicas fundamentavam-se na dinâmica base agrária, que, por outro lado,

possibilitavam o crescimento de atividades terciárias.

O “Eldorado” tão esperado enriqueceu a poucos, mas trouxe desenvolvimento

econômico na forma de investimentos para essa região, entretanto, a capitalização proveniente

da lavoura cafeeira não fez, necessariamente, com que o fazendeiro criasse uma mentalidade

empresarial que decidisse pelo reivestimento na própria região, apesar de fixá-lo à terra.

Dessa maneira, grande parte dos lucros eram redirecionados e drenados, principalmente, para

São Paulo. Contudo, mesmo baseado na atividade primária, o dinamismo do Norte do Paraná

não encontrava paralelo no Brasil de 1960, constituia-se verdadeiramente numa das regiões

geoeconômicas mais importantes do país (NAKAGAWARA, 1975, p. 4 e 9).

Os anos áureos da cafeicultura prediziam seu fim, o Eldorado definhava, a economia

capitalista se modernizava e junto com ela sua base produtiva, a industrialização galopante a

passos largos, novas relações sociais de produção chegavam ao campo, as legislações

trabalhistas agora passariam a vigorar por todo o território, ao menos em tese. A “revolução

verde” trazia “novos eldorados” como, por exemplo, a soja, o trigo, o milho, etc., a produção

agrícola se diversificava, e as intempéries climáticas próprias da região limítrofe ao cultivo do

café assinalavam um risco constante à cafeicultura. Geadas intensas e consecutivas fez com

que a cafeicultura fosse perdendo status, dando lugar a outros produtos menos sensíveis a esse

tipo climático.

As geadas de 1963, 1964, 1966, e principalmente, a geada negra de 18 de julho de

1975, que se tornou um marco do fim da cafeicultura no Norte do Paraná. Os agricultores

preferiram não se expor mais às perdas intermitentes com o café, o que, somado a política

nacional de erradicação de cafeeiros, a fim de diminuir a produção nacional, fez com que a

cafeicultura fosse praticamente banida dessa região ao longo dos anos 1960. Neste sentido foi

criado o Grupo Executivo de Erradicação do Café – GEERCA, a fim reestruturar e

modernizar as atividades agropecuárias e suplantar a cafeicultura (WACHOWICZ, 2001, p.

275).

Todas essas mudanças estruturais na agricultura brasileira encerraram no afluxo de

milhares de trabalhadores para as áreas urbanas. Tem início um novo ímpeto na

industrialização, agora marcada pela explosão do êxodo rural e consequentemente das cidades

que acolhiam essas populações. Até 1970 a população rural correspondia a 60% da população

total do Estado do Paraná, quadro que começou a mudar profundamente a partir desse

período, quando mais de um milhão de paranaenses deixaram o campo rumo às cidades

médias e grandes. Nessa década, Londrina sofreu um aumento populacional de 17%, ou seja,

53

mais de 103 mil novos habitantes foram acrescidos à sua população em apenas 10 anos

(CUNHA, 1996, p. 50 e 51). Entre 1970 e 1990 o grau de urbanização no Paraná saltou de

36% para aproximadamente 80% como reflexo da reestruturação econômica e do êxodo rural.

Londrina, assim como Curitiba, Maringá e Ponta Grossa firmaram-se como os quatro

municípios com maior número de habitantes na área urbana. No ano de 2003, Londrina já

contava com mais de 81,4% de habitantes vivendo na área urbana, o que, conseqüentemente

sobrecarrega todos os serviços públicos e equipamentos e estruturas urbanos existentes

(MOURA, 2004, p. 34 a 36).

3.3. A Produção do Espaço Urbano londrinense pós-“Ouro Verde”: Conseqüências da

Revolução Verde e a Explosão Urbana.

O inchaço urbano promovido pelo demasiado êxodo rural fez com que Londrina

perdesse a imagem de Eldorado até então veiculada pela mídia local. Uma série de problemas

sócio-ambientais aflorava por toda a cidade. Os equipamentos públicos foram se tornando

poucos e ineficientes ao atendimento de uma demanda cada vez mais crescente. As ocupações

iniciaram um processo de expansão irregular e desordenada da cidade. É nessa época que

inscreve-se no espaço urbano londrinense o processo de segregação sócio-espacial, quando

novos bairros e loteamentos começam a se distinguir e a se distanciar de bairros tradicionais e

elitizados da cidade localizados na área central ou próximo a ela.

A década de 1970 data o início da construção dos conjuntos habitacionais na cidade,

que, em todas as direções expandia o tecido urbano, de forma desordenada e segregada,

distantes da área central, fazendo com que imensos vazios urbanos passassem a existir entre

eles e a área central e que em 2001 correspondiam a 14,36% da área construída total

(FRESCA, 2002, p. 253), Esses vazios como focos de valorização da especulação imobiliária,

haja vista que essa estratégia altera a produção interna da cidade na medida em que cria a área

de expansão urbana, afetando artificialmente os preços no mercado imobiliário, ao criar infra-

estruturas que valorizem indiretamente as áreas ainda não ocupadas (FRESCA, 2002, p. 255).

Até a década de 1950 a expansão da área urbana de Londrina foi pouco significativa,

tendo aumentado poucos quarteirões em relação à planta original da cidade. Todavia a

segregação sócio-espacial já se esboçava mesmo nessa época, é o caso da diferenciação entre

a área Norte e a área Centro-Sul, que se distinguiam sócio-economicamente por acomodarem

diferentes classes sociais. Em meados da década de 1950, a cidade apresentava certa expansão

54

urbana nos setores Norte, Noroeste e Sudeste, esse último em função da construção do

aeroporto. Já na década de 1960, Londrina conheceu um considerável crescimento urbano,

nas direções Oeste, Leste e Sul, onde proliferavam os loteamentos urbanos, que mais tarde, na

década de 1970 seriam palcos de intensa especulação imobiliária através da prática dos vazios

urbanos como forma de reserva de valores para um futuro mercado imobiliário mais

valorizado em função dos investimentos e dos usos praticados em suas adjacências, seja por

meio de conjuntos habitacionais como também de loteamentos irregulares. De acordo com

Cunha (1996, p. 58 a 61), de um modo geral, as ocupações e os usos do solo urbano

londrinense têm origem na intensa migração intra-urbana, que ocorrida de maneira

desordenada, projetou-se como “tentáculos” isolados dentro da área rural. O Estado

personificado no poder público local é o principal responsável pela atual conformação do

espaço urbano socialmente segregado da cidade de Londrina.

De acordo com Linardi (apud FRESCA, 2002, p. 246), a espantosa expansão da

periferia não correspondia às necessidades reais da cidade, “[...] refletia, evidentemente a

lógica dos interesses da especulação imobiliária, que tinham na venda dos lotes, grande fonte

de rendimentos”. Isso fez com que o número de lotes vazios se proliferasse em todas as zonas

da cidade, fazendo com que os custos dos serviços e dos equipamentos públicos aumentassem

ainda mais, além do fato, é claro, de segregar as populações, erigindo verdadeiras “ilhas”

dentro da cidade. Sob essa orientação tem-se início uma nova fase da produção do espaço

urbano em Londrina, seja através do Estado com os conjuntos habitacionais ou através de

agentes sociais privados de baixo ou alto poder aquisitivo, como é o caso das favelas e

assentamentos urbanos, e dos bairros elitizados, respectivamente.

A década de 1960 marca o início da atuação da Companhia de Habitação de

Londrina (COHAB-LD), criada em 1965 vinculada à política nacional de habitação e às

tendências em nível federal para as questões de moradia propostas pelo já extinto Banco

Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964. Todavia, a atuação mais efetiva da COHAB

ocorreu a partir da década de 1970. Até então, foi a Companhia de Habitação do Paraná

(COHAPAR) quem se empenhou na construção de três conjuntos habitacionais na cidade,

perfazendo 295 unidades habitacionais. Já em 1970, iniciada a atuação efetiva da COHAB-

LD com recursos do BNH, a cidade conheceu uma nova fase na construção de moradias. Não

são mais as autoconstruções dos mutirões que predominam no cenário urbano municipal, mas

sim a construção dos conjuntos habitacionais a fim de atender a uma demanda cada vez mais

crescente. Entre 1970 e 1980 a COHAB-LD entregou 32 conjuntos habitacionais, um total de

9.055 unidades. A COHAB-LD também atuou em conjugação com a participação de recursos

55

oriundos de outros agentes financiadores, como foi o caso do Instituto de Orientação às

Cooperativas (INOCOOPs), que entre 1975 e 1979 construiu quatro conjuntos habitacionais,

um total de 1.219 unidades habitacionais (FRESCA, 2002, p. 246). (vide tabela 01)

Na década de 1980 o processo de urbanização se acelera em função da continuidade

do crescimento demográfico, época em que Londrina já contava com 301.749 habitantes. A

COHAB-LD continuou a ser a grande responsável pela construção de conjuntos habitacionais,

tendo implantado entre 1981 e 1986, 23 conjuntos, que correspondiam a 10.552 moradias. No

ano de 1982 os recursos que até então eram provenientes do BNH, passam a ser emitidos pela

Caixa Econômica Federal (CEF) e pela própria COHAB-LD, que também recebia

financiamento do Instituto de Previdência do Estado do Paraná, o qual produziu quatro

conjuntos verticais, num total de 702 apartamentos, enquanto o INOCOOPs produziu 573

unidades entre os anos de 1983 e 1986 (FRESCA, 2002, p. 246 e 247). Na tabela seguinte é

apresentando a atuação de órgãos públicos na construção de moradias populares:

Tabela 01: Habitação popular no município de Londrina – conjuntos habitacionais

ÓRGÃOS COHAB-LD COHABAN/INOCOOP COHAPAR IPE-PR TOTAL

ANO

Conjuntos Unidades Conjuntos Unidades Conjuntos Unidades Conjuntos Unidades Conjuntos Unidades Antes de 1969

- - - - 1 228 - - 1 228

1969-1972

6 576 - - 2 67 - - 8 643

1973-1976

8 773 2 291 - - - - 10 1064

1977-1980

18 10301 2 928 - - - - 20 11229

1981-1984

14 7364 2 349 - - - - 16 7713

1985-1988

21 2096 2 367 - - 4 702 27 3165

1989-1992

36 16488 4 666 - - - - 40 7154

1993-1996

5 202 1 486 3 573 - - 9 1261

1997 1 10 - - - - - - 1 10 1998 - - - - 1 94 - - 1 94 1999 1 185 - - 1 441 - - 2 656 2000 1 360 - - 6 160 - - 7 520 2001 2 548 - - 2 99 - - 4 647 2002 - - - - 1 80 - - 1 80 2003 - - - - - - - - - - TOTAL 113 28903 13 3087 17 1742 4 702 147 34434

Fonte: Londrina Perfil – 2004, PML.

56

A atuação estatal na produção do espaço construído londrinense deu-se

principalmente através dos conjuntos habitacionais, atendendo a uma demanda latente que já

figurava no cenário municipal, manifestando-se nos loteamentos e nas ocupações irregulares

pelas camadas de baixo poder aquisitivo. Portanto, anterior a produção do espaço construído

pelo poder público local, foi a ocupação pelas populações recém chegadas do campo, que

vitimadas pelo êxodo rural se direcionavam para as cidades, sobretudo as médias, como

Londrina. Outros agentes sociais responsáveis pela produção do espaço urbano foram os

grandes incorporadores que atuaram na área central e centro sul, principalmente através do

processo de verticalização, mais intenso a partir da década de 1980, fazendo com que

Londrina se destacasse no cenário nacional pela grande concentração de edifícios. A

conjugação de todas essas formas de atuação na produção do ambiente construído nos dá o

quadro que se figurava na Londrina do último quartel do século XX. A seguir abordar-se-á a

produção recente do espaço urbano londrinense nas três últimas décadas, objetivando

estabelecer parâmetros de análise bem como investigar a lógica propulsora dessa produção

social que é o espaço urbano.

O mapa a seguir (mapa 03) apresenta a evolução urbana da cidade de Londrina por

décadas. O núcleo na cor roxa corresponde ao perímetro inicial da cidade, estabelecido pela

CTNP, exatamente onde hoje está o centro histórico da cidade e a catedral. Da década de

1940 são, dentre outros locais, as adjacências da Viação Garcia e da Anderson Clayton, ao

longo da Avenida Celso Garcia Cid. Na década de 1940 tem início a expansão urbana além do

perímetro original estabelecido pela CTNP. A essa época a expansão ocorria de modo rápido

e desordenado, pois, não obedecia às linhas básicas do plano original. Tamanha foi a

intensidade da comercialização de novos lotes e a criação de novas vilas, a ponto do poder

público local proibir, no ano de 1948, “novos loteamentos nas adjacências da cidade”

(PRANDINI apud FRESCA, 2002, p. 243).

57

Mapa 03 – Evolução do uso do solo urbano por décadas. Fonte: Londrina IPPUL/PML, Plano

Diretor – 1998 (Figuras e Seções -Seção 5).

58

A expansão urbana da década de 1950 foi nitidamente superior a sua precedente.

Época em que Londrina ganhou o status de capital mundial do café, o crescimento urbano era

a expressão mais contundente da expansão econômica da cafeicultura londrinense. Os lucros

advindos da agricultura mudaram a face da cidade, tanto do ponto de vista econômico, quanto

social e paisagístico, é exemplo notório o fato de que na década de 1960 o número de casas de

alvenaria suplantou o número de casas de madeira, até então predominantes (FOLHA DE

LONDRINA, 1994, p. 51). Na década de 1960 a população da cidade quase dobra em relação

aos números de 1950. Agora com 134 mil habitantes, Londrina conhece uma série de grandes

transformações estruturais, dentre elas, Fresca (2002, p. 245) destaca as transformações

agrárias, sociais, econômicas e demográficas, que, em função da primazia da população

urbana sobre a rural, o que se deu em função do início da modernização e diversificação da

agricultura e com o fim da cafeicultura, inseriu a cidade num quadro caótico de crescimento

desordenado e de limitações infra-estruturais, o que se acentuava dia a dia com o aumento do

êxodo rural. Da década de 1960 data o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da

cidade, que em 1968, tinha por função disciplinar e racionalizar a expansão urbana, o uso do

solo, a circulação e os equipamentos básicos da cidade (FRESCA, 2002, p. 245 e 246). Ao

findar da década de 1960 a cidade estava abarrotada de populações empobrecidas e

desempregadas oriundas do campo, desprovida de recursos financeiros e de equipamentos

públicos, elas se instalavam nas áreas periféricas da cidade, inaugurando formas de

assentamentos urbanos segregados até então não tão comuns à realidade de outrora.

Representada na cor amarela, a expansão urbana da década de 1960 mais que duplicou a área

urbana do município de Londrina, foi inclusive proporcionalmente maior que o próprio

crescimento demográfico (vide tabela 02).

Em 1970, quando a cidade já possuía aproximadamente 228 mil habitantes, tem

início a construção dos conjuntos habitacionais nas áreas periféricas da cidade, aumentando

ainda mais a malha urbana. Esta forma de assentamento teve por objetivo atender à demanda

latente por moradias por parte das populações de baixa renda, o que, por conseguinte, atraía

mais habitantes para a cidade, aumentando a demanda incessantemente. Observe no mapa da

página anterior que essa expansão se caracterizou pela segregação espacial e pelo

distanciamento dos conjuntos habitacionais em relação ao centro da cidade, a fim de que

pudesse valorizar os lotes urbanos não ocupados existentes na faixa intermediária entre a

periferia e a área central. O padrão de ocupação da década de 1980 segue as mesmas linhas

gerais da década da anterior, mas foi inferior em termos absolutos, tanto em área ocupada

quanto em efetivos populacionais (vide tabela 02). Enquanto na década de 1970 foram

59

agregados 2.595 ha à cidade, na década de 1980 esse número caiu para 783 ha (FRESCA,

2002, p. 246 e 248).

Tabela 02 – Evolução demográfica do Município de Londrina

Fonte: Perfil de Londrina (2007, p. 14). Modificada - Censos Demográficos 1950, 1960, 1970, 1980, 1991; Contagem da População 1996 e 2007; Censo Demográfico 2000 – IBGE. * Estimativa da População IBGE – 2003 e 2007, respectivamente.

Na década de 1990 o crescimento absoluto não se estendeu em demasia sobre os

limites do perímetro urbano, com exceção de alguns locais onde a urbanização ultrapassou os

limites alcançados pela década anterior. Durante a década de 1990, grande parte dos lotes

vazios reservados nas décadas anteriores foram ocupados pelo poder público local e pela

iniciativa privada. A iniciativa privada se destacou com a venda de lotes residenciais e

comerciais, impulsionando a construção civil, que, todavia, teve seu “boom” nos anos 1980,

quando empregou mais de 12 mil trabalhadores, atingindo uma marca de aproximadamente

800 prédios com mais de 3 pavimentos, consagrando a cidade em nível nacional quanto a

verticalização. Na década de 1990 houve um decréscimo na construção civil em relação aos

indicadores da década anterior, mas, apesar disso, o setor continuaria sendo promissor de

acordo com os analistas daquela época. Atualmente Londrina é a 7ª do país em número

absoluto de prédios e a 12ª no mundo na relação entre edifícios e população, e como predito

pelos analistas dos anos 1990, a cidade continuou com um ritmo acelerado no setor

URBANA RURAL TOTAL

ANO Nº % Nº % Nº %

Taxa de

crescimento

geométrico

1940 11.175 36,90 19.103 63,09 30.278 100,00 -

1950 34.230 47,93 37.182 52,07 71.412 100,00 -

1960 77.382 57,40 57.439 42,60 134.821 100,00 6,60

1970 163.528 71,69 64.573 28,31 228.101 100,00 5,40

1980 266.940 88,48 34.771 11,52 301.711 100,00 2,82

1991 366.676 94,00 23.424 6,00 390.100 100,00 2,36

1996 396.121 96,02 16.432 3,98 412.553 100,00 -

2000 433.369 96,94 13.696 3,06 447.065 100,00 2,02

2003 - - - - 467.334* 100,00 -

2007 - - - - 497.000* 100,00 -

60

imobiliário, agora mais sólido e consistente que antes, é a opinião atual dos analistas e

empreendedores e dos grandes incorporadores urbanos (FOLHA DE LONDRINA, 2007).

No capítulo seguinte abordar-se-á a produção social recente do espaço urbano

londrinense a partir do enfoque de determinada área da cidade, especificamente da Zona Leste

e das incorporações e das mudanças em termos de uso e ocupação do solo que correspondem

a essa área, seja por meio da atuação do poder público local ou de investidores privados.

61

4. O PROCESSO DE (RE)VALORIZAÇÃO E DE (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO

ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA.

4.1. Introdução

Nesse capítulo discorreremos acerca do processo recente de valorização e

revalorização espacial pelo qual tem passado a produção social do espaço urbano em parte da

Zona Leste de Londrina. Do início de nossa pesquisa até sua finalização, a área já sofreu

significativas mudanças e, tudo isso ainda é apenas uma fase inicial desse processo. Tais

mudanças têm contribuído para a alta no preço dos terrenos e para a “euforia imobiliária”

dentre a classe incorporadora que, no espaço urbano, em diferentes formas e intensidades,

induzem cada vez mais a valorização da área e vendem uma imagem de rentabilidade e de

retorno seguro entre a classe dos investidores de diferentes segmentos e de diferentes

potenciais. Nas últimas semanas iniciou-se a terraplanagem do terreno onde será construído o

Complexo Marco Zero, esta ponta do “iceberg” faz da área um ativo canteiro de obras,

potencialmente, uma das áreas mais promissoras e mais atrativas da cidade nos anos

vindouros, de acordo com a Imobiliária Raul Fulgêncio, tanto no que se refere à valorização

no e do espaço e quanto à renovação urbana. Semelhantemente, a construção da Universidade

Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), já em fase avançada, e com previsão de ser

entregue no início do ano de 2009, também tem alavancado a produção de novas moradias e a

incorporação de novas áreas por meio do lançamento de loteamentos e condomínios fechados

horizontais e verticais, públicos e privados. Tais fatores têm contribuído diretamente para o

aumento do valor dos lotes de terra da área e conseqüentemente para especulação imobiliária

que se realiza a passos galopantes.

Esse capítulo tem por objetivo analisar esse processo e investigar o papel da mídia

local e do discurso hegemônico - através dos principais jornais locais e do discurso oficial da

cidade, isto é, aquele veiculado pela mídia eletrônica oficial da Prefeitura Municipal de

Londrina (Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal) -, indutor de investimentos e de

interesses, enquanto um catalisador da valorização do espaço urbano e da atratividade de

investimentos para a área. Por discurso hegemônico compreendemos tanto o discurso oficial-

político como o discurso burguês dos incorporadores e imobiliaristas de médio e grande porte,

transmitidos diariamente pela mass media, que de maneira direta ou indireta tem atuado na

área.

62

Nossa investigação será empiricamente subsidiada por levantamentos de uso do solo

nas principais avenidas da Zona Leste, por entrevistas junto aos comerciantes e

empreendedores locais, bem como pelo zoneamento urbano realizados pelo Instituto de

Pesquisas e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL). Espera-se assim poder compreender

o processo de produção do espaço na Zona Leste de Londrina por meio dos instrumentais e da

leitura geográfica da realidade. No mapa abaixo (mapa 04) estabelecemos a delimitação

espacial da pesquisa, a qual foi escolhida por se enquadrar na área receptora dessa nova onda

de investimentos tal qual identificada durante este trabalho. Esta área da Zona Leste se

caracteriza por certas semelhanças e articulações, sejam elas espaciais e econômicas, mas que

no nível do planejamento econômico público e privado parece, a nosso ver, ser alvo de intensa

especulação e interesses imobiliários.

Num primeiro momento discorreremos acerca da ordem do discurso no espaço

urbano burguês e da lógica da especulação imobiliária e da produção capitalista do espaço

urbano em tempos de globalização, reestruturação e renovação do espaço intra-urbano. Uma

ordem processual que tem como centro gravitacional o capital incorporador, a coalizão entre

diferentes forças que atuam no mesmo mercado, e dentre elas as forças políticas representadas

pelo poder público local, e como epicentro do fenômeno o ponto de extravaso potencialmente

representado, neste caso, pela nossa área de estudo na Zona Leste da cidade de Londrina.

No mapa 05 identificamos a regionalização do município proposta pelo IBGE. Esta

regionalização censitária reuniu diferentes bairros, conjuntos habitacionais, residenciais,

jardins, e condomínios residenciais da cidade sobre um mesmo contexto, denominando-os de

bairros (setores censitários), os quais podem ser verificados no mapa 03. A justificativa

seriam as semelhanças quanto às condições sócio-econômicas dos respectivos moradores. Em

muitos casos mais de um bairro, vila, conjunto habitacional, residencial ou jardim foi

agrupado e recebeu a mesma denominação, em outros casos, um mesmo bairro foi dividido,

situando-se parte num setor e parte em outro. Nossa delimitação corresponde aos seguintes

bairros da Zona Leste da cidade: Ernani, Lon Rita, Antares, HU, Brasília e partes do

Fraternidade e do Interlagos. Uma outra regionalização possível para a cidade é a proposta da

Secretaria de Planejamento que subdivide as Zonas Leste, Oeste, Norte, Sul e Centro em

microrregiões. A Zona Leste foi dividida em 4 microrregiões. Interessa-nos aqui a

microrregião Leste 2 formada pela totalidade dos setores Ernani, Londrina Rita, Antares, e

trechos do Brasília (também formador da microrregião Leste 1), Fraternidade e Interlagos

(formadores da microrregião Leste 3) (mapa 06).

63

Mapa 04 – Mapa da delimitação do recorte espacial do trabalho na Zona Urbana do Município de

Londrina. Fonte: IPPUL (2007); IBGE (2000), organizado por SILVA, Leandro H. da. Espaço e

Trabalho: uma análise geográfica dos trabalhadores em Londrina. 2007. 86 p. Monografia de

Bacharel - UEL.

64

Mapa 05 – Londrina Zonas e Bairros (Setores Censitários). Delimitação espacial da pesquisa em tracejado preto na área azul do mapa: Zona Leste. Fonte: IPPUL.

65

A Zona Leste da cidade está subdivida em 4 microrregiões. Nosso foco de análise

tem como referencial toda a microrregião Leste 2, e parcialmente Leste1 e Leste 3,

respectivamente nessa ordem de importância, em função da localização dos objetos aqui

abordados. Para fins metodológicos tomamos como referenciais de análise os principais

investimentos na Zona Leste, dentre eles os cinco condomínios residenciais horizontais, os

loteamentos, os conjuntos habitacionais e dois dos principais estabelecimentos comerciais e

prestador de serviços da área. Acreditamos assim, corroborar com as premissas deste trabalho.

Inicialmente a análise se concentrará sobre o caso do Complexo Marco Zero (setor

Fraternidade – Leste 3) e da UTFPR (setor Londrina Rita – Leste 2), enquanto os dois

principais fatores propulsores da atual revalorização espacial e pelo potencial latente da área,

realidade conhecida por analistas urbanos e imobiliárias, mas que agora se prepara para a

intensificação dos investimentos imobiliários e para os impactos da reestruturação e

renovação urbanas.

Mapa 06 – Delimitação espacial da pesquisa: Zoneamento de área da Zona Leste em Setores Censitários. Fonte: IPPUL – Plano Diretor de 1998.

A carta acima apresenta o zoneamento urbano na microrregião Leste 2 e em trechos

das microrregiões Leste 1 e Leste 3 da cidade de Londrina. Este Zoneamento é um produto do

66

Plano Diretor de 1998. E de acordo com a Lei 7.485 de 20 de Julho de 1998, que dispõe sobre

o Uso e Ocupação do Solo na Zona Urbana e de Expansão Urbana, identificaremos as

seguintes zonas do mapa acima. São elas:

• ZR 3 (creme, predominante no mapa) - Zona Residencial 3;

• ZR 4 – (amarelo) - Zona Residencial 4;

• ZC 3 – (azul claro) – Zona Comercial 3;

• ZC 4 (marrom) - Zona Comercial 4;

• ZC 6 (vermelho) – Zona Comercial 6;

• ZE 3 (verde claro) - Zona Especial de Fundo de Vale e de Preservação Ambiental

De acordo com a Lei 7.485, os lotes da ZR 3, destinam-se ao uso residencial de

média densidade. Deverão ter no mínimo 250 m2, não sendo permitida a habitação vertical

coletiva, exceto se forem construídas nas quadras com frente para vias arteriais (Avenida São

João) e estruturais, permitindo-se somente até quatro pavimentos. Já na ZR 4 os lotes,

destinados ao uso residencial de média densidade, deverão ter no mínimo 360 m2, tendo uma

taxa de ocupação média dos terrenos maior que a da ZR 3, o que se deve a maior escassez de

terrenos nesta área. A Zona Comercial 3 consiste numa Zona de apoio à Zona Central, com

atividades semelhantes às da área central, ao longo dos corredores viários e áreas centrais de

bairros, visa a estimular a concentração de atividades que exigem áreas mais amplas e que

apresentem características incômodas ou inadequadas à área central. A Zona Comercial 4,

consiste numa zona corredor ao longo do sistema viário e do centro de bairros, visa a

estimular a concentração de usos variados, fortalecendo a centralidade, devendo seus lotes

serem de no mínimo 360 m2, possuindo um maior coeficiente de aproveitamento dos terrenos

que em relação às demais zonas. A Zona Comercial 6 engloba a todos os lotes com testada

para determinadas ruas e avenidas, sendo uma delas a Avenida São João. Nesta Zona os lotes

deverão ter um tamanho mínimo de 250 m2, e uma taxa de ocupação menor que a das duas

Zonas anteriores. Há certa maleabilidade pelo dispositivo da política de uso e ocupação do

solo urbano, pois, nesta área, as edificações mistas deverão atender aos parâmetros da zona

comercial, e as edificações estritamente residenciais deverão adotar as normas para a zona que

as envolve. Assim, ela se constitui num espaço de exceção dentro da Zona maior em que se

situar. Também identificou-se a existência de Zona Especial 3 nas margens do Córrego

Cafezal e Barreiro, preservadas pelo poder público local como área de preservação ambiental

67

não-edificável. Por fim, com a área devidamente estabelecida e reconhecida de acordo com a

proposta do Plano Diretor de 1998, iniciamos a discussão de nosso objeto de estudo.

4.2. A ordem do discurso e a lógica da especulação imobiliária: a reprodução capitalista do

espaço urbano burguês e a renda da terra urbana

O pensador francês Pierre Bordieu (apud CARVALHO e CARVALHO, 1998, p. 39),

afirma que os símbolos são instrumentos por excelência da integração social, eles tornam

possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para

a reprodução e a continuidade da ordem social. Classe dominada e classe dominante chegam a

um consenso, todavia mudo e passivo para a primeira e ativo no caso da segunda, a qual

determina a posição das “cartas sobre a mesa” e induz os esquemas políticos em seu favor.

Toda uma lógica do saber competente impregna o planejamento e a gestão urbana da cidade,

estratégias de planejamento e ação são confiadas aos dirigentes políticos e apropriadas pelas

elites, conservadoras ou progressistas, dominantes inclusive da própria direção do processo de

produção do espaço urbano.

Esse tipo de planejamento, ainda nos dias de hoje, assume um tom funcionalista,

organicista, ao estilo lecorbusiano de se construir e de se arquitetar no urbano. Assim o saber

competente, como que se agisse num espaço neutro, sem rugosidades e desfragmentado, põe

em ação a lógica da acumulação do capital, fazendo da cidade uma aglomeração para a

produção e reprodução ampliada do capital em detrimento do provimento de equipamentos

coletivos destinados à população em geral (CARVALHO e CARVALHO, 1998). Esse parece

ser o tom da produção do espaço urbano hoje em Londrina, quando a população relativamente

despolitizada, inconsciente de seus deveres e direitos políticos e de seu papel enquanto um

agente ativo, aceita passivamente os termos do planejamento estratégico empresarial, e

ideologicamente orientada e desgastada reconhece o papel e a pseudonecessidade de um

planejamento de “cima para baixo”, internaliza essas condições como necessárias e as únicas

possíveis, pois já se apresenta descrente de atuações mais justas e socialmente engajadas e

compromissadas.

A mídia local e oficial, isto é, os jornais impressos e o núcleo de comunicação da

prefeitura municipal da cidade de Londrina veiculam diariamente toda uma matriz ideológica

que, gradativamente constroem um senso e um consenso, nos termos de Pierre Bordieau, bem

como uma “opinião formada” entre os sujeitos da mass media. A aceitação dos termos e das

68

propostas, bem como a internalização de toda a ideologia canalizada aos seus sujeitos-objetos,

fazem sucumbir a conscientização e a construção de um pensamento autônomo e legítimo

entre as classes sociais. Fazem do citadino um ser genérico, um consumidor “(in)consciente”,

um usuário inconsciente, cego frente à sua própria realidade, já perdida de vista pela venda da

ideologia reinante e onipresente da mass media. Seres sociais que inclusive parecem perder

sua situação de classe social, porque, homogeneamente orientados enquanto genéricos se

reconhecem na própria subsunção que, a despeito de toda contradição e oposição, lhes é

alheia uma vez que lhes fazem a cada dia, com cada bombardeio de informações, notícias,

propagandas, signos, seres cada vez mais genéricos e autômatos. Assim, um projeto burguês

recebe a roupagem de um sonho histórico do povo londrinense. Tal é o caso do Teatro

Municipal, que travestido nas palavras do atual Prefeito Nedson Michelleti (PT) e do

Deputado Federal André Vargas (PT), trata-se de um “sonho” de longa data e de toda a cidade

que agora se torna um “milagre” diante dos olhos do cidadão londrinense12.

À esta ordem discursiva vem justapor-se a lógica da especulação imobiliária. A

realização prática desse processo encontra fundamento no investimento na terra e, por

conseguinte, na agregação de valor ao espaço urbano, o que, segundo Oliveira (1978, p. 76),

obrigatoriamente ampliará o processo capital-dinheiro através da apropriação da renda

fundiária e o próprio valor de um pedaço de terra. Oliveira (1978), concorda com as apalavras

de Marx (apud OLIVEIRA, 1978, p. 79), para quem a renda dos terrenos para construção,

como a de todos os terrenos não-agrícolas, se baseia na renda dos terrenos agrícolas,

caracterizando-se: “(1) pela influência decisiva da localização sobre a renda diferencial” [...],

“(2) por evidenciar a passividade total do proprietário, que se limita [...] a explorar o

progresso do desenvolvimento social para o qual em nada contribui e no qual nada arrisca

[...]”, e “3) pelo predomínio do preço de monopólio em muitos casos, sobretudo na exploração

mais imprudente da miséria [...]”. (OLIVEIRA, 1978, p. 79)

Marx já reconhecera na exploração da terra um meio de reprodução e de extração e o

espaço como um “[...] elemento necessário a toda produção e a toda atividade humana”. Os

primeiros termos desse processo são reconhecidos no fato de que “a procura de terrenos para

12 Matérias veiculadas pelo Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina: “É um privilégio participar da história da cidade”. Arquivo de notícias, 27 de mar. de 2007. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16733. Acessado em: 13 de set. de 2008; “Arquiteto de SP vence concurso para o Teatro Municipal”. Arquivo de notícias, 23 de mar. de 2007. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16699. Acessado em: 13 de set. de 2008; e pelo Jornal Folha de Londrina: “Teatro Municipal: recursos garantidos”, Arquivo da Folha: “Especial - Londrina, 73 anos”, 10 de dezembro de 2007. Disponível em: http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=38635LINKCHMdt=20071210. Acessado em: 13 de set. de 2008.

69

construir aumenta o valor do solo na função de espaço de base, e ao mesmo tempo faz crescer

a procura de elementos da terra que servem de material de construção” (MARX apud

OLIVEIRA, 1978, p. 80). Um processo contínuo e “sustentado” em si mesmo que, através da

propriedade da terra dissimula a realidade “[...] pela circunstância de a renda capitalizada, isto

é, esse tributo capitalizado, aparecer na forma de preço da terra e esta poder ser vendida como

qualquer outro artigo do comércio” (MARX apud OLIVEIRA, 1978, p. 80). Assim, a renda –

nada além da mais-valia apropriada - aparece como juro do capital com o qual se comprou a

terra e, por conseguinte, o direito à renda. Enfim, o preço da terra aparece sempre como renda

capitalizada (OLIVEIRA, 1978, p. 81).

A renda da terra, entenda-se renda diferencial no caso da terra urbana, surge a partir

da diferença entre um preço individual de um capital particular e o preço geral do capital total.

Esta regulação tem por base o valor mais alto e melhor uso futuro, em que pese toda a

expectativa e especulação no mercado de terras. Em casos excepcionais a renda absoluta

também pode ser auferida, quando em determinadas condições o detentor do monopólio pode

determinar o preço a revelia do preço geral da produção. Por isso, “no entender de Marx a

propriedade privada seria um obstáculo que quando confronta-se com o capital não permite

um novo investimento sem que haja uma taxa, sem demandar uma renda” (GIL FILHO, 1997,

p. 20). Num outro sentido, a propriedade privada, a localização e a escassez de locais

favoráveis em relação às infra-estruturas, “[...] permitem a recepção de benefícios na medida

em que os proprietários possam influenciar a ação do Estado ou da iniciativa privada para que

através da especulação possam adquirir maiores excedentes” (GIL FILHO, 1997, p. 20). Tal é

o caso das benfeitorias que sucederam a escolha do local para a construção da UTFPR,

quando o poder público local e o governo estadual garantiram o asfaltamento e a duplicação

de vias próximas a Universidade, tendo por finalidade atender as demandas futuras exigidas

pela mesma. O setor privado também tem atuado nesse sentido, é o caso da futura construção

de um loteamento fechado nas proximidades da UTFPR. Assunto que será tratado mais

adiante.

Gil Filho (1997, p. 21), distingue a ocorrência de rendas absolutas e de monopólios

das rendas diferencias em face do uso que dele é/ou será feito. Diz o autor que quando há

predomínio da renda absoluta na formulação do valor do solo urbano, é o valor do solo que

determina o uso. Isso ocorre, na opinião de Singer (1980, p. 82), quando a localização

privilegia o proprietário e lhe permite cobrar preços acima dos que a concorrência

normalmente forma no resto do mercado. Mas quando predominam as rendas diferenciais

70

então é o uso que vai determinar o valor, havendo, portanto, competição entre os proprietários

das glebas. E prossegue:

Em muitas situações a especulação proporciona um bloqueio no valor de uso do solo em determinada área. Sendo assim, a necessidade de usos mais altos proporciona um aumento no valor de uso de áreas adjacentes antecipadamente, o que acarreta em um aumento do preço dos terrenos (GIL FILHO, 1997, p. 21).

Desse modo, muitas decisões sobre alocação de terrenos são tomadas a partir da

possibilidade de aumentos iminentes do valor do solo, todavia, o “valor incerto” desencoraja a

renovação, deixando o proprietário sua propriedade reservada para um uso futuro melhor.

Mas, os construtores necessitando de solo para uso inferior são levados a utilizar o solo em

um outro local lançando assim o seu “valor incerto” sobre o seguinte uso inferior, resultando

na expansão da área urbana. Foi o caso de alguns loteamentos na Zona Leste de Londrina, que

de acordo com essa lógica foram compelidos a, num primeiro momento, lotear terrenos na

periferia da Zona Urbana para uma classe menos provida de recursos financeiros, portanto,

para um uso inferior, por exemplo, o Residencial Abussafe, lançado pela Construtora

Abussafe. Num segundo momento tem-se o lançamento do Residencial Portal dos Pioneiros

pela Construtora PROTENGE, numa área mais próxima da UTFPR e menos periférica,

destinada a uma classe relativamente mais abastada que a classe atendida pela Construtora

Abussafe, tendo em vista o valor dos terrenos. O que se verifica é que a segunda gleba de

terra ficou reservada aguardando o momento oportuno, isto é, o momento da construção da

UTFPR e, por conta disso, um uso imediatamente superior, pois cada utilização de terra altera

o preço da mesma e de todos os outros lotes de terra próximos a ela.

Tal como propôs Silva (1992, p. 55) o preço de um terreno a ser negociado envolve

dois componentes: o valor potencial e a expectativa de valorização futura. De acordo com

esse autor, “o valor potencial reflete certas condições histórico-institucionais inerentes ao

mercado de terra e que estabelecem um preço inicial abaixo do qual a mesma não é

negociada”, baseia-se, portanto, na capacidade dos proprietários fundiários de influenciarem o

uso que se dá a terra. Já em relação à expectativa de valorização futura de terrenos, tem-se que

esta pode variar a partir das vantagens proporcionais às modificações no ambiente construído

e às vantagens locacionais que possam surgir.

Oliveira (1978, p. 78), demonstra de maneira clara que a oferta de lotes deve ser,

sempre que possível, inferior à procura, colocando apenas parte da gleba à venda, e

justamente, o que ocorre com freqüência, as “piores” áreas em termos de localização dentro

71

da mesma. E lembra-nos que “[...] mesmo dentro das áreas vendidas são reservados lotes

estrategicamente localizados, que aguardarão a procura de pequenos ou médios comerciantes

[...]” ou de qualquer outro empreendedor disposto a pagar mais - o que se deve ao fator renda

diferencial - por um uso já consolidado e pela garantia de um mercado consumidor local. E

assim se vai até o fim das últimas áreas ou lotes, levando à evolução dos preços das áreas

melhor localizadas numa escalada vertiginosa.

Verificamos esse fato também na Zona Leste de Londrina, onde atualmente as

últimas glebas de terra ainda não loteadas situam-se nas melhores áreas tanto do ponto de

vista da localização quanto em relação às características topográficas. Trata-se da última área

ainda não loteada, situada entre as avenidas Jamil Scaf (nas proximidades da UTFPR) e São

João (traçadas em amarelo) e no topo do espigão divisor de águas da microbacia dos córregos

Cafezal e Barreiro (áreas em verde escuro) (figura 01).

Figura 01: Reservas de valor na Zona Leste de Londrina ao longo das avenidas São João e Jamil Scaff (Fonte: Google Earth imagens).

72

4.3. O capital incorporador, a reestruturação produtiva e a renovação urbana: O caso do

Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do Paraná

Londrina, a despeito de toda insegurança com relação ao planejamento e a gestão

pública, vive um momento positivo e promissor no que concerne ao mercado imobiliário e à

reestruturação e renovação urbana, que em diferentes intensidades ocorrem estrategicamente

por toda a cidade atendendo à dinâmica lógica capitalista de produção e valorização do

espaço. Essa realidade tem seguido uma tendência maior e geral no sentido da formação

sócio-espacial e, posto que, de acordo com Gottdiener (1997, p. 66), ocorrem “[...] mudanças

importantes da padronização social e da reestruturação urbana porque são funções de

mudança do sistema social maior, e não porque sejam produtos internos aos próprios

lugares.”. Apesar da realidade particular estudada por esse autor, acreditamos ser essa a

tendência geral na qual encontra-se inserido não só o processo de produção do espaço urbano

na cidade de Londrina como também em outras cidades brasileiras.

De acordo com a matéria de capa da Revista Exame de junho de 2007, “o setor

imobiliário brasileiro vive a maior euforia das últimas décadas”, o que, de acordo com

analistas, pode mudar para melhor a economia brasileira. Na opinião do economista e ex-

ministro da fazenda Antonio Delfim Netto, “o setor imobiliário, afinal, decolou. E isso muda

tudo na economia de um país”. Na cidade de São Paulo, epicentro do “boom” imobiliário, é

lançado um prédio novo por dia, ritmo mais de duas vezes superior ao do ano de 2006

(EXAME, jun. 2007, p. 24). Essa realidade não se limita apenas às grandes incorporações e

aos grandes empreendimentos imobiliários, mas também tem sido uma constante entre os

programas de aquisição da casa própria por famílias de baixa renda. Esse mercado potencial

tem sido aventado pelas grandes incorporadoras, que sabem que “descer na pirâmide social

brasileira é crucial para o crescimento dos negócios”, o que as levou a intensificarem os

investimentos em moradias entre 50.000 e 120.000 reais (EXAME, jun. 2007, p. 26).

Correlato à dinâmica do setor imobiliário, vários outros setores da economia também são

movimentados, o que se deve em razão de suas ramificações, por exemplo, indústrias da

construção civil, de materiais de construção, de cozinhas planejadas, de móveis, de

eletrodomésticos, escritórios de engenharia e arquitetura, dentre outras. A opinião dos

analistas é de que se trata de um ciclo virtuoso e não apenas de um pico ocasional, muitos

brasileiros ainda estão fora do mercado e o déficit habitacional ainda atinge o patamar de mais

de 8 milhões de moradias, o que no entanto, por se tratarem de famílias de baixa renda

significam financiamentos por parte do governo (EXAME, jun. 2007, p. 24). De acordo com

73

estimativas da Fundação Getúlio Vargas – Projetos, o fluxo anual de crédito imobiliário irá

crescer dos 16 bilhões atuais (computados em 2006) para 40 bilhões em 2010. Na esteira do

crescimento esperado, as apostas são de uma profunda reestruturação no mercado imobiliário

brasileiro.

Este movimento lógico da valorização do capital no espaço urbano, a partir da

intervenção mediadora do Estado por meio das políticas urbanas, visa a reprodução dos

investimentos pela integração de circuitos e momentos do capital em um único processo. O

Estado, principalmente o poder público local, e setor privado conjugam esforços num mesmo

sentido, o que, no espaço urbano se coadunam nas mesmas propostas e num processo

sincrônico. No caso londrinense, direcionam a renovação de zonas que apresentavam

estruturas morfológicas obsoletas13 - é o caso do terreno do Complexo Marco Zero (figura

02), onde funcionava uma antiga refinaria de óleo se soja, a Anderson Clayton -, mas que

estrategicamente localizadas e, com vantagens locacionais e logísticas, permitem maior

fluidez aos capitais ou a determinada circulação (ROBIRA, 2005, p. 12). Para essa autora, as

renovações urbanísticas “relâmpagos”, ao mesmo tempo em que re-capitalizam um território-

reserva, produzem outros lugares ou, no imediato, novos territórios-reserva, mas que enquanto

aguardam a revalorização e em virtude da falta de investimentos públicos constituem-se em

espaços progressivamente deteriorados (ROBIRA, 2005, p. 18).

13 Os incorporadores responsáveis pela construção e gestão do Complexo Marco Zero encontraram como alternativa mais viável a edificação do complexo no terreno da antiga refinaria Anderson Clayton, seja pela viabilidade logística, pela proximidade com o centro da cidade, mas, também, não menos importante, a pouca disponibilidade de terras com localização “privilegiada” em termos centrais na cidade e, somando-se ao fato da deterioração da área e da dificuldade encontrada pelo Grupo Wall Mart em construir na cidade de Londrina um empreendimento comercial de grande porte, dificuldade até mesmo potencializada pelos comerciantes e poder público locais, este terreno foi uma das poucas alternativas ao grupo, mas que agora se mostra a mais viável, pois, como é sabido, o capital possui a capacidade de fazer a localização “acontecer”.

74

Figura 02 – Fotografia do terreno do Complexo Marco Zero (local onde se situava a antiga refinaria de óleo de soja Anderson Clayton) (arquivo pessoal).

O terreno onde será edificado o Complexo Marco Zero encontra-se privilegiado em

sua localização, pois está próximo a duas grandes avenidas que conectam a cidade de Norte a

Sul e de leste a Oeste (figura 03), respectivamente as avenidas Dez de Dezembro e Leste-

Oeste, dois grandes corredores de tráfego que permitem uma facilidade em termos logísticos e

de deslocamento viário, interligados por uma rotatória que, em função do aumento

exponencial do fluxo previsto com a construção do Complexo receberá sinalização

semafórica. O terreno também está muito próximo do Terminal Rodoviário José Garcia Villar

(na imagem a seguir, com cobertura prateada no canto superior esquerdo), além, é claro, de

situar-se a 900 metros do centro comercial da cidade (calçadão). Todavia, compondo esse

quadro logístico e estrategicamente otimizado, vem conjugar-se contrastes que remete-nos à

fala de Robira (2005, p. 18), pois antes que se cogitassem os planos para a área em questão,

suas imediações nas direções Norte, Nordeste e Leste, eram tratadas como áreas

economicamente deterioradas e marginalizadas.

75

Figura 03 – Terreno do Complexo Marco Zero tracejado em amarelo. (Fonte: Google Earth – imagens).

Observa-se na imagem acima as edificações da antiga refinaria Anderson Clayton,

que já demolidas (como se verifica na figura 02) para dar lugar ao futuro empreendimento

comercial, cultural e empresarial Complexo Marco Zero. Outro aspecto a se destacar é a

proximidade com o marco zero da cidade de Londrina, porção de mata nativa imediatamente

ao Norte do terreno, onde se localiza a pedra fundamental da cidade, exatamente onde o

topógrafo da Companhia de Terras, o russo Alexander Razgulaeff, fincou o primeiro marco de

madeira no ano de 1929. (figura 04).

76

Figura 04 – Marco Zero de Londrina, edificado em área de mata nativa com aproximadamente 40.000 m2 (Fonte: CODEL – Companhia de Desenvolvimento de Londrina).

O Complexo Marco Zero constitui-se num centro empresarial, cultural e comercial,

pois, abrigará o Teatro Municipal, um shopping center com mais de 300 lojas voltadas para as

classes A e B, 12 salas de cinema, sete lojas âncoras, um hipermercado, um centro de

convenções para três mil pessoas, sete torres comerciais e residenciais de 20 andares, sendo

que dois prédios comerciais e cinco residenciais, além de hospital e faculdade14 (figura 05).

As condições necessárias para sua viabilização foram criadas pela conjugação dos poderes

públicos e privados atuantes na cidade, poder público local e empresários da cidade e de

outros lugares, como por exemplo, o Grupo Wal�Mart, que tendo adquirido o Grupo

português Sonae Sierra, o qual administrará o shopping center, atuará no local com um

hipermercado pela bandeira BIG. A Raul Fulgêncio – Negócios Imobiliários, o grande grupo

gestor de toda a obra, está desde o início das negociações na vanguarda das decisões, foi este

grupo quem, inclusive, adquiriu o terreno doando-o mais tarde à Prefeitura Municipal de

Londrina para a construção do Teatro Municipal.

14 Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Obras no Marco Zero começam nos próximos dias”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=934&local=noticias. Acessado em 15 de set. de 2008.

77

Figura 05 – Maquete digital do Complexo Marco Zero – centro de convenções, edifícios residenciais e empresariais, hipermercado e Centro Cultural aos fundos. (Fonte: http://www.cohabld.com.br/noticias_ver.asp?id=52)

Carlos (2005, p. 29), coloca a questão de maneira exemplar ao afirmar que o

processo de reprodução do capital realiza-se, hoje, através do setor financeiro, do Estado, do

lazer e turismo. De acordo com a autora, “o setor financeiro se realiza através do setor

imobiliário, investindo na compra de terra urbana para a produção dos edifícios corporativos,

que serão destinados ao mercado de locação”, e o setor de lazer e turismo por meio da venda

dos lugares para a realização de seu consumo produtivo (CARLOS, 2005, p. 29). Assim,

tendo em vista nossa realidade empírica e as condições gerais de mundialização e reprodução

do capital, concordamos com Carlos (2005, p. 30), para quem ‘[...] a produção da cidade

aparece como necessidade da reprodução do capital financeiro e, nesta exigência, a produção

de um “novo espaço”’, revelando, na própria reprodução da vida suas profundas contradições.

Nessa fase do capitalismo, a exemplo da crise imobiliária norte-americana e as medidas que

vem sendo tomadas por aquele Estado, vislumbra-se uma nova relação Estado-espaço, ou

Estado-capital financeiro, em que políticas públicas de produção de infra-estruturas e de

requalificação de áreas exprimem-se por meio de “parcerias” entre poder público e setores

privados da economia.

O capital que aquece o setor financeiro, especialmente o de shopping centers, no

Brasil vem principalmente dos Estados Unidos e do Canadá, e eles não investem sozinhos,

buscam parceiros nacionais que já tem o know-how, explica Luciana Lana, gerente de

marketing da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce)5. É o caso do shopping

que será construído no Complexo Marco Zero, que tem como investidores o grupo norte-

78

americano Developers Diversified Realty (DDR) e o Sonae Sierra, de Portugal, adquirido no

ano passado pelo grupo Wal�Mart. Em Londrina, um dos parceiros é o imobiliarista Raul

Fulgêncio, que afirma que, além da disponibilidade de capital, há demanda na cidade por

novos empreendimentos15.

Atualmente a cidade vem passando por momentos agradáveis e promissores para a

classe dos investidores e dos grandes incorporadores de acordo com a mídia local e com o

discurso oficial. Na Segunda Feira de Imóveis realizada em maio de 2007, o Prefeito Nedson

Micheleti e o Deputado Federal André Vargas, ambos do Partido dos Trabalhadores,

destacaram o mercado imobiliário de Londrina como um dos segmentos de maior movimento

na economia da cidade, gerando riquezas, empregos e contribuindo para o desenvolvimento

socioeconômico da cidade, e que os setores da construção civil e de negócios imobiliários

estão vivendo um bom momento, como reflexo do aquecimento da economia registrado em

todo o país16.

O discurso da mass media veicula diariamente um considerado número de signos que

fertilizam nas mentes dos usuários toda uma ideologia e uma “auréola” cidadã ao redor da

maior transação imobiliária da cidade de Londrina, tal é o caso do Complexo Marco Zero, que

de acordo com o grupo gestor Raul Fulgêncio, trata-se do maior empreendimento imobiliário

já conhecido pela cidade e, na visão da Imobiliária, “um exercício de cidadania que integra

passado e presente na mesma visão de futuro”17, por se situar no local da primeira derrubada

de floresta nativa e da primeira edificação da atual Londrina, onde até hoje, agora um glamour

da classe imobiliarista, é preservado os aproximados 39.000 m2 de mata nativa do Marco

Zero, grande símbolo histórico e “natural” do empreendimento.

Carlos (2005, p. 30 e 31), afirma que o processo de reprodução do espaço urbano no

contexto mais amplo da urbanização sinaliza um novo momento do processo produtivo em

que novos ramos da economia ganham importância, trata-se, particularmente, do que se

chama de “nova economia”, contemplando, inclusive, o setor de lazer e turismo, resultando

também na redefinição de outros setores, como é o caso do comércio e dos serviços para

15 Matéria veiculada pelo Jornal de Londrina 16/03/2008: “Número de lojas em shoppings vai saltar 127% em Londrina”. Disponível em: http://portal.rpc.com.br/jl/manchete/conteudo.phtml?tl=1&id=747127&tit=Numero-de-lojas-em-shoppings-vai-saltar-127-em-Londrina. Acessado em 15 de set. de 2008. 16 Ver matéria veiculada pelo Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina em 18/05/2007: “Prefeito Nedson destaca a força do mercado imobiliário”. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=17394. Acessado em: 15 de set. de 2008. 17 “Um exercício de cidadania na maior transação imobiliária da história de Londrina”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/empresa.php. Acessado em 15 de set. de 2008.

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atender ao crescimento dessas atividades. Essa realidade é marcada pela introdução de

profundas transformações na vida cotidiana como decorrência de modificações nas práticas

sócio-espaciais, reveladas nas transformações nos usos do espaço, bem como das funções dos

bairros. E vai mais longe, ao discorrer sobre as práticas do capital financeiro em relação com

o plano local e com o plano político, numa espécie de tríade, em que o Estado garante as

infra-estruturas necessárias à realização dessa “nova economia”, sob o pretexto de uma

“necessidade coletiva”. Vê a autora (CARLOS, 2005, p. 31 e 32), no momento atual, a

passagem da aplicação do dinheiro do setor produtivo industrial ao capital financeiro, neste

caso, o setor imobiliário.

Eis uma nova mercadoria, o espaço enquanto “produto imobiliário”, momento

significativo e preferencial da realização do capital financeiro, capaz de criar as condições de

sua própria realização a partir da produção de lugares. Desse modo, a cidade passa a permitir

a continuidade do processo como articulação dos momentos da circulação-produção-

distribuição-consumo das mercadorias. Como coloca Carlos (2005, p. 36), a produção da

cidade enquanto negócio reflete a lógica contraditória da fragmentação sócio-espacial, uma

nova forma espacial construída segundo a lógica da reprodução que alia Estado e frações do

capital, criando condições necessárias à realização da totalidade do capital enquanto tal. Esse

momento tem como constante a modernização/flexibilização, o desenvolvimento técnico e a

nova hierarquia dos lugares, justapostos pela lógica da integração e desintegração, renovação

e deterioração que, concomitantes e diacronicamente convivem no movimento geral do

processo atual substantivador da urbanização.

O caso da Zona Leste é profícuo em demonstrar essa diacronia, pois, num mesmo

espaço fragmentado e segregador convivem diferentes densidades sócio-econômicas, qual

diacronia tende a se acentuar aceleradamente nos próximos anos tendo em vista os processos

que apenas se iniciam no local. A despeito das obras no terreno do Complexo Marco Zero

estarem em sua fase inicial de terraplanagem (figura 06), a “euforia” já se instala entre os

investidores, de todos os níveis, e os incorporadores, conduzindo o momento a um futuro

promissor tão desejado e planejado pelas estratégias de poder dominantes inerentes a elite

imobiliária e empresarial londrinense.

80

Figura 06 – Terraplanagem do terreno do Complexo Marco Zero: vista da parte Leste e da parte Oeste do terreno, respectivamente. (Arquivo pessoal)

Na imagem acima verifica-se o trabalho de terraplanagem do terreno do futuro

Complexo Marco Zero, que de acordo com as estimativas do Grupo Raul Fulgêncio, deve

ficar pronto até março de 2010. Já o Teatro Municipal construído com recursos federais deve

ficar pronto até 2011, conforme afirma o Grupo Marco Zero, formado por um consórcio que

reúne as principais empresas do setor imobiliário envolvidas com o Complexo, dentre elas, a

Imobiliária Raul Fulgêncio. O terreno possui mais de 260 mil metros quadrados, dos quais, 80

mil metros quadrados serão utilizados na área do shopping de três pisos com mais de 180

lojas satélites, 20 mil metros quadrados no Teatro Municipal, 39 mil continuarão preservados

como área de mata nativa do Marco Zero - esses dois últimos foram doados para a Prefeitura

Municipal pelo Grupo Raul Fulgêncio - e quase 90 mil para projetos que estão sendo

definidos, além da área destinada ao boulevard com 700 metros de extensão e 26 metros de

largura, ao estacionamento para aproximadamente 2600 veículos e a praça18. Raul Fulgêncio,

o gestor do grupo que leva seu nome, aponta que ''o Marco Zero será um divisor de águas na

história de Londrina'', e que o empreendimento já pode ser considerado o maior do gênero no

Sul do país, com investimentos estimados em R$ 600 milhões de reais19.

Nessa grande mobilização de recursos e forças assimétricas, verifica-se a

convergência do poder público e do setor privado num mesmo sentido. Forças internas e

18 Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Sonae vai administrar Shopping do Marco Zero”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=715&local=noticias. Acessado em 15 de set. de 2008. 19 Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Obras no Marco Zero começam nos próximos dias”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=934&local=noticias. Acessado em 15 de set. de 2008.

81

externas que direcionam e encaminham o projeto, objetivando resultados comuns, ao ponto de

perder-se de vista a alçada pública nos interstícios dos agentes privados. Nesse ponto,

recorremos a Damiani (2005, p. 43), para quem “na produção do espaço, tem-se a

possibilidade de decifrar a relação existente entre o político e o econômico, determinando a

direção, o perfil e o projeto envolvendo os recursos disponíveis”, e vai mais além ao afirmar

que “o Estado prepara o terreno, por exemplo, para numerosos investimentos urbanos [...],

grandes operações urbanas, redefinindo centralidades e a direção dos investimentos, a partir

de legislações pertinentes e investimentos programados” (DAMIANI, 2005, p. 43 e 44). Em

nosso caso, poder público local e capital incorporador programam os investimentos e

planejam estratégias, mas, a questão é saber qual das duas esferas sobrepõe-se uma a outra.

Questão que, acreditamos, não será respondida por este trabalho, dada a complexidade e a

realidade e a virtualidade que não nos é conhecida em sua totalidade, além, é claro, das

“coalizões” e das parcerias público-privadas que dificultam a real compreensão do peso de

cada um desses agentes no processo em questão.

Questões como essa, a despeito de qualquer pretensão exagerada, objetivamos

inquirir ao longo de nosso trabalho e, sabemos, não é tarefa de um único pesquisador ou

mesmo de uma única ciência. Sua complexidade e interdisciplinaridade, requer respostas mais

completas em interfaces disciplinares e investigações mais profundas que a nossa proposta

inicial e restrita a determinados aspectos da realidade. Esta tarefa ainda está por ser realizada

e perseguida, embora, a complexidade da realidade se renove a cada visada que a submeta, a

cada pesquisador que lhe indague. A esse respeito acreditamos na versão de Lefebvre em

relação ao obscurantismo político e econômico que, como uma neblina de fumaça, encortina a

realidade urbana, e segue afirmando:

O fenômeno urbano se apresenta, desse modo, como realidade global (ou, se se quer assim falar: total) implicando o conjunto da prática social. Essa globalidade não pode ser apreendida imediatamente. Convém proceder por níveis e patamares, avançando em direção ao global. Percurso metodológico difícil. A cada passo é preciso arriscar-se, evitando obstáculos e ciladas. Ainda mais a medida que a cada tateamento, a cada avanço, surge uma interpretação ideológica que imediatamente se converte em prática redutora e parcial. Um bom exemplo dessas ideologias totalizadoras, correspondendo a práticas mutiladoras, encontra-se nas representações do espaço econômico e do planejamento que, pura e simplesmente, fazem o espaço urbano específico desaparecer, ao assimilar o desenvolvimento social ao crescimento industrial, ao subordinar a realidade urbana à planificação geral. A política do espaço apenas o concebe como meio homogêneo e vazio, no qual se estabelecem objetos, pessoas, máquinas, locais industriais, redes e fluxos. Tal representação fundamenta-se numa logística de uma

82

racionalidade limitada, e motiva uma estratégia que destrói, reduzindo-os, os espaços diferenciais do urbano e do ‘habitat’ (LEFEBVRE, 1999, p. 53).

Estarrecedora é a afirmação do autor supracitado, mas que em sua compreensão

dialética da totalidade do urbano, esclarece-nos a difícil tarefa que está posta diante daqueles

que se submetem à análise do urbano em sua totalidade social, econômica e política. No caso

londrinense, assim como nas metrópoles e nas demais cidades médias, a produção do espaço

urbano vem sendo marcada, cada vez mais, pela presença do capital incorporador. Por capital

incorporador entende-se, de acordo com Silva (1992, p. 54), aquele conjunto de frações de

capitais, responsável pela realização da gestão do capital-dinheiro em mercadoria, isto é, em

imóvel; pela localização e qualidade do bem imóvel a ser construído, assim como pelas

decisões de quem vai construir, a propaganda e a venda dos imóveis, incumbido da “grande

responsabilidade” de controlar o processo de valorização fundiária e dar início ao seu papel

no processo de segregação social do espaço urbano. Ou seja, “é ele então o responsável pelo

início, meio e fim do processo de produção do imobiliário” (SILVA, 1992, p. 54).

A essa altura, o solo urbano, um bem não-reproduzível torna-se numa mercadoria

passível de monopolização por parte do seu proprietário. Levando em consideração que o

terreno está associado à mercadoria produzida - o imóvel -, em nosso caso o Complexo Marco

Zero, “[...] a renovação do estoque de imóvel dependerá da superação do obstáculo da

propriedade. Tal situação determinará o aparecimento de um agente do circuito imobiliário

que viabilize o acesso de construtoras ao suporte físico de seu processo produtivo” (SILVA,

1992, p. 56). É onde entra o capital incorporador.

Silva (1992, p. 56), fundamentado no economista Martin Smolka, afirma que o

capital incorporador é aquele que desenvolve o espaço urbano, organizando os investimentos

privados no ambiente construído, especialmente aqueles destinados à produção imobiliária.

Ele se faz presente desde a compra dos terrenos até a contratação de consultoria, planejadoras,

edificadoras, agentes financeiros, promotores de venda, etc., podendo ser definido como

resultado da articulação desses diversos serviços/momentos, a fim de assumir o controle

econômico do processo de produção do imóvel.

Tal como propõe Silva (1992, p. 56 e 57), o movimento do capital incorporador está

associado a três momentos de valorização imobiliária:

I – alteração no preço inicial em relação ao preço negociado ao incorporador,

momento no qual as instituições tendem a impedir a incorporação individual,

83

contribuindo, desse modo, para a criação de um monopsônico20 mercado de terras

para aqueles que podem mudar o valor de uso delas;

II – variações no preço do terreno decorrentes das modificações no ambiente

construído ao longo dos anos, momento do qual, o incorporador tira grande

vantagem sobre o comprador, ao garantir-lhe a futura valorização do terreno,

dando a impressão ao proprietário de que a liquidez de seu terreno está sendo-lhe

assegurada;

III – valorização do terreno pelo incorporador alterando seus atributos, seus usos e

sua acessibilidade.

É a partir do investimento realizado com a aquisição do terreno para a exploração

imobiliária que o capital incorporador articula-se com o Estado para que este realize as obras

de infra-estrutura e atenda às demandas por serviços públicos demandadas por tais

empreendimentos (SILVA, 1992, p. 58). É muito válida a colocação de Silva (1992, p. 59),

quando diz que “para o capital incorporador o padrão de segregação pré-existente não é

nenhum empecilho no seu movimento de valorização sobre o espaço urbano”, pois, com isso,

as possibilidades de os incorporadores se apropriarem de ganhos fundiários se ampliam, já

que o poder de previsão dos proprietários sobre a futura valorização dos terrenos se mantém

reduzido, todavia, o capital incorporador só se concentrará nas áreas onde as possibilidades de

valorização são maiores a curto e médio prazo, e suas investidas variarão de acordo com as

características peculiares das áreas onde decidirem investir. Mesmo assim, bairros tidos como

indesejáveis podem ser promovidos na escala econômica através de uma diligente

modificação e ajustes nos tipos de empreendimentos oferecidos. Desse modo, pode o capital

incorporador utilizar-se da própria estratificação do espaço urbano em seu favor e redefinir a

própria condição de reprodução e expansão do espaço urbano (SILVA, 1992, p. 60 a 61).

O exemplo do Complexo Marco Zero é insigne ao se situar numa área envolta por

bairros socialmente periféricos, é o caso dos bairros (provenientes da divisão proposta pelo

IBGE) Fraternidade e Interlagos. Na divisão de bairros adotada para a cidade de Londrina

para a realização do Censo 2000, o IBGE dividiu a área urbana em 399 setores censitários

(mapa 07).

Observa-se no mapa a seguir que muitos setores dividiram bairros da cidade e outros

ultrapassaram fronteiras, isto é, os setores criados pelo IBGE na regionalização censitária

20 Situação de mercado em que há um só comprador de determinada mercadoria ou serviço.

84

sobrepuseram-se aos bairros já existentes na cidade, em alguns casos sobrepuseram-se ao

perímetro de mais de um bairro, resultando na seguinte setorização, com alguns desses setores

apresentando-se parte em um bairro e parte em outro. O mapa proposto apresenta um

agrupamento dos setores censitários, respeitando sempre que possível, a estruturação

reconhecida e aceita pelos londrinenses. A agregação dos setores censitários redesenhou a

cidade em 57 bairros. Assim, acreditamos poder situar o caso dos diversos bairros que fazem

parte do setor Brasília (onde se situa o terreno do Complexo), Interlagos e Fraternidade num

patamar aproximado no que diga respeito às condições socioeconômicas dos respectivos

moradores de cada setor, a fim de apreender e estabelecer uma possível dinâmica a ser

enfrentada pelo capital incorporador responsável pelo Complexo Marco Zero, tendo em vista

a proximidade dos setores com o terreno do Complexo e as potenciais contradições,

disparidades, conflitos e apropriações que possam proceder a partir dessa proximidade.

Nosso recorte espacial compreende os setores Lon Rita, Ernani, Antares, HU,

Brasília e parte do Interlagos e do Fraternidade. A divisão proposta pelo IBGE leva em conta

as condições sócio-econômicas dos moradores, agrupando-os nos seguintes setores conforme

a proximidade entre as variáveis. A despeito de homogeneizar essas condições, assumimos

essa regionalização, a priori, a fim de identificar a espacialização das condições sócio-

econômicas dos moradores dentro de um quadro o mais parecido possível.

De acordo com as expectativas e com as declarações da mass media, analistas

urbanos acreditam que a Zona Leste deve se beneficiar com uma intensa valorização

imobiliária, fenômeno que ocorreu na Gleba Palhano após a inauguração do Shopping Catuaí.

As evidências já confirmam essa tendência que dia após dia se acentuam no local, tal é o caso

dos pequenos quarteirões comerciais nas proximidades do terreno, por exemplo, as lojas da

Av. Celso Garcia Cid que, também, incluem três fábricas que atendem todo o país com seus

produtos, sendo ela: Veltrac (sistemas inteligentes de geoprocessamentos para frotas

veiculares), Ello (fabricação e distribuição de aros de bicicletas), e Castofar (estofamentos,

poltronas e cadeiras); uma unidade da Faculdade Pitágoras em fase de instalação; uma loja

dos Correios, dentre outros comércios e pequenas indústrias, que atestam a facilidade de

deslocamento e de acessibilidade, na opinião dos comerciantes locais, além do potencial

comercial ainda não totalmente explorado e da pouca concorrência que ainda predomina no

local. Outro investimento que atesta o vigor residencial da área é o Villa Bella Residence da

MRV Engenharia e Participações S.A., num terreno de 18.154 m2 de frente para o futuro

shopping Marco Zero, com 352 unidades de 2 e 3 quartos, e ampla área de lazer e de

convivência para os condôminos. A maior atratividade do condomínio, destaca seus

85

corretores, é a proximidade com o futuro Shopping Marco Zero e as possibilidades de ampla

valorização futura da área.

Mapa 07 – Cidade de Londrina – bairros censitários (IBGE): Terreno do Complexo Marco Zero (em vermelho) no setor Fraternidade. (Fonte: IPPUL).

86

As alterações serão profundas e não se limitarão somente ao local epicentro dos

investimentos, toda a relação desta área com as demais áreas da cidade estarão envolvidas,

tendo suas acessibilidades fortemente alteradas pelas mudanças decorridas da incorporação

em outras áreas. Assim, o capital incorporador tem a propriedade de definir a dinâmica de

estruturação intra e extra-urbana da cidade como um todo (SILVA, 1992, p. 60). E de acordo

com informações do grupo português Sonae Sierra Brasil21, associado com o grupo Sonae

Sierra com sede em Portugal e com o Developers Diversified Realty (DDR) dos Estados

Unidos, grupos majoritariamente investidores nas cotas do projeto Marco Zero (detendo 80%

conjuntamente), em associação com o grupo local Raul Fulgêncio (20%), espera-se que o

Centro Comercial atenda uma clientela de mais de 1 milhão de pessoas num raio de 200

Km22, alcançando consumidores para além de Londrina, pois, de acordo com as informações

do site português do grupo, “Londrina é um importante pólo de desenvolvimento regional,

que exerce grande influência sobre todo o Paraná e região sul", afirma João Pessoa Jorge,

diretor geral executivo do grupo Sonae Sierra Brasil, grupo administrador e maior investidor

no shopping do Complexo Marco Zero23.

A despeito de todo o sucesso já alcançado e garantido com o Complexo Marco Zero,

a construção do Teatro Municipal - com recursos federais, inclusive já garantidos -, além das

obras de adequação viárias a serem realizadas nos principais eixos viários da Zona Leste e da

valorização imobiliária, não se pode perder de vista que, como adverte Duarte (1998, p. 15),

“lidamos de fato com uma forma que está se livrando, em certo sentido, do conteúdo. Até

mesmo porque podem estar nascendo brechas que o mercado vai deixando fora da

valorização”. O conteúdo, sabe-se, se renova em função das mudanças que acometem as

formas, sejam formas sociais, geográficas, materiais, etc., os níveis alcançados pelas forças

produtivas, as novas formas de relações sociais, as necessidades e desejos dos grupos, os

eventos, as mudanças partidárias e/ou políticas, os atores sociais e econômicos, seus papéis,

etc., tudo isso é, na verdade, conteúdo sensível que deve-se resgatar e levar em consideração,

21 É válido destacar que a rede de supermercados que o grupo detinha no Brasil foi vendida ao Grupo Wal�Mart, um total 140 unidades atuantes sob as bandeiras Mercadorama, Nacional, Maxxi Atacado, dentro outros quatro centros de distribuição, além de três postos de combustível, sete restaurantes e um frigorífico. A Aquisição foi feita por U$ 763,7 milhões. Assim, o grupo Wal�Mart se consolida como a terceira maior rede de supermercados no país, logo atrás do Carrefour e do Grupo Pão de Açúcar. Fonte: Folha de Londrina – Economia (15/12/2005): “Wal-Mart compra lojas do grupo Sonae”. Disponível em: http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=11847LINKCHMdt=20051215. Acessado em 15 de set. de 2008. 22 Ver: “Obras no Marco Zero começam nos próximos dias”. Raul fulgêncio – Negócio Imobiliários – Mídia Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008. 23 Ver: “Sonae Sierra anuncia um novo centro comercial no Brasil”, São Paulo, 6 de Março de 2008. Disponível em:http://www.sonaesierra.com/Web/ptPT/pressroom/news/2008/649/Sonae_Sierra_anuncia_um_novo_centro_comercial_no_Brasil.aspx. Acessado em 15 de set. de 2008.

87

a não ser que tomemos os simulacros financeiros e culturais pela realidade final. A realidade

formal apenas não dá conta de responder pela complexidade e multidimensionalidade do

objeto estudado, além é claro, do que já salientamos, a forma é a realidade em sua

superficialidade e por si só não permite chegar ao fundamento e a explicação dos fatos, da

realidade, da totalidade que diga respeito ao fenômeno analisado. Todavia, partimos da forma

e da sua interdependência para com o sistema de ações, e sistema de objetos dialeticamente

interligados. O pensamento de Santos (2004a, p. 13), é esclarecedor ao observar que:

No espaço - que é uno mas diferenciado - impõe-se com mais força a unidade prático-inerte do múltiplo a que se refere. O espaço se dá ao conjunto dos homens que nele se exercem como um conjunto de virtualidades de valor desigual, cujo uso tem de ser disputado a cada instante, em função da força de cada qual. Podemos comparar essa situação àquela com que Sartre [...] define o fenômeno da escassez. No dizer de Sartre, nessa situação "cada qual sabe que figura como objeto no campo prático do outro" e "isso mesmo impede os dois movimentos de unificação prática de constituir com o mesmo entorno (environnement) dois campos de ação diferentes".

Dá-se no espaço uma conjugação desigual de forças, uma justaposição de sujeitos

desiguais disputando o mesmo “pedaço de chão”, no entanto, a força e unidade do prático-

inerte é maior. A correlação de forças é totalmente desequilibrada no que tange ao espaço

urbano e aos seus agentes, duas forças díspares são impedidas de se unificarem na prática e de

se constituírem enquanto tais - cada qual perseguindo seus objetivos e de acordo com suas

intencionalidade e potencialidades - no mesmo entorno de dois campos de ação também

díspares. A segregação, a partir desse momento está posta à mesa e, tendo em vista a rejeição

de uma intencionalidade pela outra, de uma ação pela outra, é levada aos extremos,

“empurrando os atores mais fracos para fora do cenário”, para onde, possivelmente, poderá

um dia se repetir a mesma cena.

Umas das grandes interrogações que todo geógrafo se propõe a responder, da qual

também não poderíamos prescindir, é saber “por que neste lugar e não em outro?”. Nosso

objetivo consiste em verificar os fatores que levaram o capital incorporador e o Estado a

investirem na Zona Leste da cidade de Londrina, seja no Complexo Marco Zero como na

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e, no caso do capital privado, em outros

investimentos espalhados pela Zona Leste. De acordo com Rigol (2005, p. 107): “a

desvalorização do capital nos centros urbanos seria o fator que criaria a oportunidade para o

reinvestimento, e nesse processo a chave estaria na relação entre valor da terra e do imóvel”.

Entenda-se que o valor das construções influencia a renda da terra a ser solicitada pelos

88

proprietários, e que as estratégias de valorização e revalorização do espaço urbano entendem

que o desinvestimento programado significam reivestimentos futuros, assim, o

desinvestimento produz a possibilidade de reinvestimento do capital a longo prazo e, tendo

em vista que a capacidade de obtenção de lucro no processo de reabilitação de determinadas

áreas da cidade dependem dos agentes que formam a oferta no mercado imobiliário, o

processo de atração de investimentos e de revalorização da área fica à deriva do capital

imobiliário que, invariavelmente, deseja a valorização da área e fará tudo que estiver ao seu

alcance para isso.

Corrêa (1986, p. 73), afirma que a periferia urbana tem sido objeto de práticas

territoriais e de acumulação de capital das classes dominantes, seja por meio da incorporação

e produção imobiliária, como pela extração da renda fundiária e da especulação. O Estado

capitalista - sobretudo na esfera municipal e estadual - também participa, permeado de

interesses fundiários e imobiliários, principalmente quando há possibilidades efetivas de

ampliar o espaço residencial para as classes médias, e investe maciçamente na infra-estrutura

da periferia, iniciando o processo de valorização da área em favor da periferia espacial e em

detrimento da periferia social, preparando caminho para o capital incorporador (CORRÊA,

1986, p. 75).

Gottdiener (1996, p. 22), escreveu que o mercado livre de terra sempre conduz à

especulação, pois, o imobiliário é sempre uma mercadoria e parte de um estoque de capital

(com um valor futuro) e tem o potencial da valorização, além de se constituir numa fonte de

riqueza para determinados indivíduos. O autor vê no capital incorporador uma combinação de

estruturas e ações porque incluem além de agentes imobiliários e setores da propriedade, os

bancos, os investidores públicos e privados, os especuladores de todo tipo, os

empreendedores, consultorias de engenharia e de negócios imobiliários, as companhias de

construção, as agências de financiamento, etc. Todo esse complexo compõe um segundo

circuito do capital combinado com o primeiro circuito da acumulação localizado na indústria

e nos serviços, cumpre, pois, um papel basilar no capitalismo. Dentre os inúmeros males

sociais causados por esse circuito, Gottdiener (1996, p. 23), afirma que ele impossibilita o

planejamento urbano adequado porque permite que especuladores ajam como atores que

decidem o crescimento futuro, deixando ao governo somente a difícil função de “administrar”

adequadamente o que já fora planejado previamente pelo capital incorporador e especulador.

Todavia, o Estado não é “cego” perante o encaminhamento da situação, muito menos

indiferente ao domínio do capital, antes, é conivente e, na maioria dos casos, parceiro do

capital privado. É, na verdade, um agente financiador da valorização e da especulação, bem

89

como viabilizador da reestruturação produtiva e da reestruturação e renovação urbana. Sem

seu papel o mercado perderia o ponto de equilíbrio nessa dinâmica estruturacionista e

relacional. É preciso de leis e regulamentações para que o capital possa planejar e agir em

“terreno seguro”.

No caso da Zona Leste de Londrina é notável a presença do Estado, isto é, do poder

público local, estadual e federal, no sentido de viabilizar e, mais que isso, engendrar a

valorização e a expansão urbana, pois, além de sua presença no Complexo Marco Zero com a

construção do Teatro Municipal24 e com a adequação viária dos principais corredores de

tráfego da Zona Leste25, dentre outros investimentos e melhorias, o Estado tem participado

diretamente e profundamente na área em total integração com o capital privado ao edificar a

UTFPR nas proximidades do Complexo (3,3 Km) e, além disso, viabilizar toda a infra-

estrutura a fim de que possa integrar funcionalmente a Universidade com o Complexo, e

ambos com o centro comercial da cidade e também com a cidade vizinha Ibiporã. Esta última

proposta ainda em fase de projeto, uma vez que as verbas ainda não foram disponibilizadas

pelo governo do Estado.

Todas obras relacionadas ao Teatro Municipal de incumbência do poder público

prevêem gastos de mais de R$ 20 milhões, dinheiro disponível em caixa, afirma o Prefeito

Nedson Michelleti. Conforme se verifica no Plano Plurianual Orçamentário de Londrina, do

qual destacamos os orçamentos do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste

(Tabela 03). Apesar de ser um orçamento prévio, vale destacá-lo como meio de expressar a

condução do projeto que está sendo gerido pela Prefeitura Municipal de Londrina. A área do

Teatro Municipal (figura 07) corresponderá a 20.000 m2 da área total do terreno. O prédio do

Teatro de acordo com a tabela 03 terá 10.000 m2 e será construído na parte mais alta do

terreno e mais próxima das avenidas Celso Garcia Cid e Dez de Dezembro. O responsável

pelo projeto e vencedor do concurso do qual participaram 104 candidatos, realizado para

escolha do melhor projeto, é o arquiteto paulista Thiago Nieves e sua equipe formada por

mais quatro arquitetos. O projeto do grupo paulista prevê três salas de espetáculos (a maior

24 Ver: “Bancada garante emenda de R$ 25 milhões para Teatro. Deputados e senadores do Paraná garantem

recursos da União para construção do Teatro Municipal de Londrina; Prefeito Nedson agradece união da

bancada federal”. Núcleo de Comunicação da PML, 22/11/2006. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=14869. Acessado em: 15 de set. de 2008; e “Empresa de call center abre 2 mil vagas”. Folha de Londrina 02/04/2008, em que o Prefeito Nedson afirma deixar R$ 21 milhões em caixa para as obras do Teatro. Disponível em: http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?oper=ultimas&id=2035&dt=20080402. Acessado em 15 de set. de 2008. 25 Ver: “Prefeitura fará expansão viária na zona leste”. Raul Fulgêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008.

90

delas para 1200 pessoas), edifício didático/administrativo e um espaço que foi denominado

bulevar cultural. Este, definido basicamente por uma grande cobertura, é o articulador dos

outros integrantes do conjunto.

A tabela a seguir apresenta os gastos já orçados para a instalação do Teatro e do

Centro Cultural, que reunidos num só local farão parte do Teatro Municipal de Londrina. A

tabela foi destacada do Plano Plurianual 2006-2009 Orçamentário da Prefeitura Municipal de

Londrina, especificamente de sua seção “Metas e Prioridades da Administração Municipal”,

exclusivamente vinculada à Secretaria Municipal de Cultura / Fundo Especial de Incentivo à

Projetos Culturais. Todo projeto faz parte do Programa de Incentivo à Cultura e de

Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico-Cultural da Secretaria Municipal de Cultura.

Este programa tem por objetivo:

Estimular a produção artística e cultural no Município através da administração dos espaços e dos instrumentos afetos ao desenvolvimento das atividades culturais. Promover a difusão da cultura e do conhecimento através da realização de exposições, palestras e cursos. Apoiar a cultura e o saber decorrentes das funções informativas, culturais, educativas, sociais e recreativas, reunindo, organizando, armazenando e divulgando materiais bibliográficos, visando à otimização destes, necessários para o desenvolvimento pessoal, cultural, social e intelectual do indivíduo e da comunidade. Promover a defesa, a documentação, a preservação e a ampliação do patrimônio histórico e artístico-cultural do Município, estabelecendo instrumentos seguros que contribuam com a manutenção da herança cultural londrinense26.

A despeito dos jargões utilizados pelo discurso oficial vale lembrar que a mesma

postura e a mesma fala é utilizada quando refere-se ao Teatro Municipal, como um meio onde

se possam reunir todas as propostas e aplicar todos os objetivos culturais e sociais do

Programa, valorizando a cidadania e o cidadão londrinense.

Observa-se que para o ano de 2009 não há informação alguma tendo em vista o

término do atual mandato em 2008, o que pode vir a acarretar adições ao projeto haja vista a

mudança da prefeitura e com ela novas propostas acrescentadas, mas, fundamentalmente, o

Teatro, financiado com recursos federais, e atrelado ao Complexo Marco Zero já está

garantido, ainda mais se levarmos em conta o peso dos interesses privados, e que legalmente o

projeto já está iniciado desde os trabalhos dos projetistas, o que inviabilizaria mudanças

extremas de plano no próximo mandato. 26 Fonte: LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005 - Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009 - Programa de Incentivo à Cultura e de Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico-Cultural. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/programas_governo_final.php. acessado em 15 de set. de 2008.

91 Tabela 03 – Orçamento do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste

Organização: AMORIM, Wagner V. FONTE: LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009. PODER EXECUTIVO ADMINISTRAÇÃO DIRETA. ÓRGÃO: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA / FUNDO ESPECIAL DE INCENTIVO A PROJETOS CULTURAIS. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_cultura.php. Acessado em: 15 de set. de 2008.

PLANO PLURIANUAL 2006 - 2009 ANEXO IV - METAS E PRIORIDADES DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

0031 - PROGRAMA DE INCENTIVO À CULTURA E DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO-CULTURAL ÓRGÃO / UNIDADE: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA / FUNDO ESPECIAL DE INCENTIVO A PROJETOS CULTURAIS

QUANTIFICAÇÃO DA AÇÃO

2006 2007 2008 2009 TOTAL REGIÃO AÇÃO UNIDADE DE MEDIDA Física R$ Física R$ Física R$ Física R$ Física R$

Construção Teatro Municipal 7.500.000 4.915.000 5.000 0 12.420.000 Centro Desapropriar terreno m² 14.043 3.000.000 0 0 0 0 0 0 14.043 3.000.000 Centro Construir o Teatro Municipal m² 10.000 4.500.000 10.000 4.500.000 0 0 0 0 20.000 9.000.000 Centro Adquirir mobiliário unidade 0 0 20 21.000 0 0 0 0 20 21.000 Centro Adquirir computadores unidade 0 0 2 5.000 2 5.000 0 0 4 10.000 Centro Adquirir impressora a laser unidade 0 0 1 2.000 0 0 0 0 1 2.000 Centro Adquirir poltrona unidade 0 0 800 84.000 0 0 0 0 800 84.000 Centro Adquirir equipamento de iluminação unidade 0 0 1 47.000 0 0 0 0 1 47.000 Centro Adquirir equipamento de som unidade 0 0 1 52.000 0 0 0 0 1 52.000 Centro Adquirir climatizador unidade 0 0 1 54.000 0 0 0 0 1 54.000 Centro Construir palco m² 0 0 120 40.000 0 0 0 0 120 40.000 Centro Construir arquibancada de madeira m² 0 0 120 60.000 0 0 0 0 120 60.000 Centro Construir estrutura de metal para equipamento de iluminação unidade 0 0 1 50.000 0 0 0 0 1 50.000

Construção do Centro Cultural da Região Leste 0 0 1.593.000 0 1.593.000 Leste Construir Centro Cultural unidade 0 0 0 0 1 1.392.000 0 0 1 1.392.000 Leste Adquirir mobiliário unidade 0 0 0 0 73 19.000 0 0 73 19.000 Leste Adquirir computadores unidade 0 0 0 0 2 5.000 0 0 2 5.000 Leste Adquirir impressora a laser unidade 0 0 0 0 1 2.000 0 0 1 2.000 Leste Adquirir poltronas unidade 0 0 0 0 170 18.000 0 0 170 18.000 Leste Adquirir equipamento de iluminação unidade 0 0 0 0 1 24.000 0 0 1 24.000 Leste Adquirir equipamento de som unidade 0 0 0 0 1 26.000 0 0 1 26.000 Leste Adquirir climatizador unidade 0 0 0 0 1 27.000 0 0 1 27.000 Leste Construir palco m² 0 0 0 0 80 20.000 0 0 80 20.000 Leste Construir arquibancada de madeira m² 0 0 0 0 80 30.000 0 0 80 30.000 Leste Construir estrutura de metal para equipamento de iluminação unidade 0 0 0 0 1 30.000 0 0 1 30.000

92

Figura 07 – Vista frontal Sul da fachada do Teatro Municipal (maquete eletrônica). Projeto do arquiteto paulista Thiago Nieves. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp. Acessado em: 10 de nov. de 2007.

Nas imagens a seguir (figura 08) observa-se a visualização interna (bulevar cultural)

da maquete eletrônica e sua perspectiva oblíqua e vertical, de acordo com o projeto do grupo

de arquitetos:

Figura 08 – Vista interna do bulevar cultural, vistas oblíquas em sua face sudeste e vertical da maquete eletrônica conforme projeto do grupo de arquitetos liderados por Thiago Nieves. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp

93

Nas imagens seguintes (figura 09 e 10) observa-se a área do terreno do Complexo

Marco Zero destinada à construção do Teatro Municipal, com obras de terraplanagem já

iniciadas no segundo semestre de 2008, situam-se na porção sudoeste do terreno, nas

proximidades das avenidas Celso Garcia Cid e dez de Dezembro.

Figura 09 – Vista parcial da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro Municipal. (arquivo pessoal).

Figura 10 - Vista vertical da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro Municipal. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp.

94

A previsão é de que a obra fique pronta até 2010 e juntamente com os demais

componentes do Complexo, constitua um marco referencial deste tipo de empreendimento no

país, já comum na Europa, pois, como avaliam analistas urbanos e imobiliários, este projeto é

o único deste tipo no sul do país e projeta Londrina tanto no cenário nacional como

internacional, levando a marca do dinamismo e do empreendedorismo da cidade para vários

outros países. Raul Fulgêncio, o principal gestor de todo o complexo, afirma: ''não somos um

grupo de empresários bonzinhos que resolveu fazer uma doação. O que a gente percebe é que

a construção do teatro municipal naquela região (Zona Leste) vai agregar valor ao mercado

imobiliário, além de que vai revitalizar toda a região''27, além dele, afirma o arquiteto José

Carlos Spagnuolo, ''estamos tentando definir um mix de ocupação, criando um plano de

zoneamento para integrar à cidade. Não há dúvida de que esses empreendimentos darão uma

alavancada em todo o entorno da região'', avalia. ''tudo que se imagina lá é com bastante

fluidez, conforto e urbanismo bem definido e acesso fácil''. Parece-nos, segundo o discurso

midiático, que as agruras dos agentes incorporadores não estão tão obscuras e que os

objetivos, mais claros que possam imaginar os moradores locais, são especificamente

descomprometidos com as reais necessidades sociais da área.

4.4. O Estado na periferia. Segregação e fragmentação em marcha: o caso da Universidade

Tecnológica Federal do Paraná – Londrina.

A UTFPR, outra “ponta do iceberg”, também responsável pela alta na valorização

dos terrenos na Zona Leste e pelo avanço da especulação imobiliária, está sendo construída

em terreno de 74 mil m2 doados à Prefeitura pela família do professor José Tavares Delfino.

Um empreendimento que possui quatro agentes principais: O primeiro é o Governo Federal,

responsável pela contratação de professores. O segundo agente é a Prefeitura Municipal de

Londrina; que entrou com a doação do terreno e o oferecimento de toda infra-estrutura básica

como energia, telefone, asfalto e saneamento básico para concretização da instalação. O

terceiro agente são os parlamentares que têm o objetivo de buscar recursos e investimentos

para o empreendimento. E por último, a própria Universidade, que é responsável pelo projeto

arquitetônico e pedagógico. A obra será entregue em fevereiro de 2009, entretanto a

Universidade já atende na cidade em outra área, onde oferece três cursos de pós-graduação,

27 Ver: “Teatro agrega valor, defende imobiliarista”. Raul Fulgêncio – Negócio Imobiliários, 28-08-2007. Mídia Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008.

95

dois de graduação, um curso técnico-profissionalizante e três cursos de extensão. Segundo o

vice-prefeito e coordenador da implantação da UTFPR em Londrina, Luís Fernando Pinto

Dias, é possível que depois de cinco anos de funcionamento a universidade já tenha cinco

cursos. A Instituição foi transformada em Universidade Tecnológica Federal a partir do

Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (Cefet-PR), na gestão do presidente Lula,

tendo nomes como o do Deputado Federal Alex Canziani (PTB) e do Ministro do

Planejamento, Orçamento e Gestão Paulo Bernardo (PT) junto à essa ampliação, e graças ao

empenho desses parlamentares e do Deputado Federal André Vargas (PT) e do Prefeito

Municipal Nedson Michelleti (PT), dentre outros, ao mobilizar mais de R$ 3,5 milhões junto

à União para a construção do campus.

A imagem a seguir (figura 11) é uma maquete digital do que será a Universidade nos

próximos anos quando os outros blocos didáticos forem construídos e a Universidade atender

com capacidade para mais de 6 cursos, conforme indicam as projeções iniciais. Ao longo dos

próximos quatro anos o campus deverá receber uma quantia de aproximadamente R$ 20

milhões para a ampliação e modernização de suas instalações28. O campus está localizado as

margens da Estrada dos Pioneiros, um prolongamento da Av. das Laranjeiras (continuação da

Av. Theodoro Victorelli, do Complexo Marco Zero), cujo asfaltamento já está garantido por

recursos estaduais e municipais29. Até o momento o prédio construído abrigará o bloco de

salas de aula e administração, uma guarita e centrais de transformadores, de gases especiais,

resíduos e de GLP e cisterna

Figura 11 – Maquete digital dos futuros blocos didáticos a serem construídos na UTFPR. Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina.php. Acessado em 16 de set. de 2008. 28 “PPA inclui R$ 20 mi para UTF de Londrina”. Alex Canziani - Da Tribuna, 04/05/2006. Disponível em: http://www.alexcanziani.com.br/ver_noticia.asp?id_not=765. Acessado em 20 de set. de 2008. 29 Ver: “Nedson instala UTF e garante asfalto ao novo campus”. Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Londrina. 26/02/2007. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16233. Acessado em 15 de set. de 2008.

96

Na imagem a seguir verifica-se o primeiro bloco já construído, que corresponderia ao

bloco logo atrás da portaria na imagem acima, este bloco estará concluído em fevereiro de

2009, e de acordo com o projeto e a maquete digital acima, o governo federal pretende

construir mais 11 blocos como o da imagem a seguir (figura 12).

Figura 12 – Primeiro bloco didático da UTFPR, aos fundos a Zona central da cidade de

Londrina (arquivo pessoal).

A figura a seguir (figura 13), extraído da home page da UTFPR - Londrina,

demonstra a localização do Campus e a acessibilidade ao Complexo Marco Zero pela Estrada

dos Pioneiros (em vermelho), pelas Avenidas Das Laranjeiras (no plano superior) e Carmela

Dutra (no plano inferior) (continuação da Av. Celso Garcia Cid). A Avenida Das Laranjeiras

é uma continuação da Avenida Theodoro Victorelli que passa entre o Complexo Marco Zero e

o Marco Zero da cidade. A localização da Universidade está funcionalmente interligada ao

Complexo Marco Zero, e a acessibilidade será ainda mais potencializada quando a

continuação da Avenida Celso Garcia Cid e Carmela Dutra forem duplicadas na altura do

97

Complexo Marco Zero até a Universidade, projeto este já em curso pela Prefeitura Municipal

de Londrina, com início das obras previsto para o próximo ano.

Figura 13 – Localização da UTFPR. Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina.php.

A seguinte seqüência de imagens (figura 14) retrata a etapa atual do primeiro bloco

didático, a partir da fachada da Estrada dos Pioneiros: nas duas primeiras imagens a vista Sul

da Universidade, e na terceira a vista Norte. Como se observa, a construção já em fase

adiantada, sendo a primeira fotografia de 14 de agosto, a segunda 4 de agosto e a terceira de

15 de julho, atestam o cumprimento do prazo prevista para o término da fase inicial da obra.

Figura 14 – Aspectos da construção da Universidade Federal Tecnológica de Londrina. Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina_obra.php?pag=1.

De acordo com as autoridades políticas, a Universidade corrobora com o

desenvolvimento tecnológico da cidade e com a valorização de sua Zona Leste, atraindo

novos investimentos privados, sobretudo no ramo industrial para a cidade. É o caso da fábrica

98

de macarrão Norte Massas, que será instalada em terreno de 20 mil metros quadrados doado

para a indústria, localizado ao lado da Universidade Tecnológica Federal, junto ao terreno que

também será destinado para a instalação da Moinhos Globo, na continuação da estrada dos

Pioneiros. A previsão de investimento para a instalação da indústria Norte Massas é de R$ 2

milhões, e o funcionamento total do empreendimento acontecerá na metade de 200930. Estes

investimentos, de acordo com a opinião dos respectivos dirigentes das duas fábricas, tem até

mesmo o mercado internacional por expectativa. Diante dessa situação vê-se a confirmação

das externalidades positivas provocadas pela UTFPR, a qual inaugurou suas atividades com o

curso de Tecnologia em Alimentos31, e que tem também em sua pauta o futuro curso de

Química Industrial, justamente para atender a futura vocação industrial esperada para a área e

ao Parque Tecnológico de Londrina, situado a 2,1 km a Norte da Universidade, nas

proximidades da BR 369, ainda dentro da Zona Leste da cidade.

A UTFPR nas palavras do Deputado Federal Alex Canziani (PTB), em texto

parlamentar pronunciado em presença do Presidente Lula e demais parlamentares, consiste

em:

Um dos indicativos para novo avanço no campo da tecnologia é a aguardada vinda da Universidade Tecnológica, reforçando a esperança conforme acredita o representante da Adetec [Tadeu Felismino] de que Londrina, dentro de cinco anos, se situe entre os três principais pólos tecnológicos do Brasil32.

NA seqüência abordar-se-á a produção social do espaço urbano e o papel dos agentes

privados e do Estado capitalista na produção do ambiente construído e a revalorização urbana

impulsionada pela vinda da UTFPR e do Complexo Marco Zero. Objetiva-se situar essa

realidade processual dentro de uma mesma linha de entendimento que leve em conta as forças

estruturantes do espaço urbano, sejam estatais, privadas ou a resultante da parceira entre

ambos, tendo no Estado um agente preparador de terreno, no sentido mais estrito do termo,

para a atuação das forças estruturantes representadas pelo capital especulador, incorporador e

imobiliário.

30 Ver: “Norte Massas vai investir R$ 2 milhões no município”. Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina, 04/01/2008. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=20582. Acessado em 16 de set. de 2008. 31 Vale aqui ressaltar que a indústria predominante em Londrina é a de produtos alimentares. Fonte: http://www.paranacidade.org.br/municipios/municipios.php. Acessado em 15 de set. de 208. 32 “Londrina pólo de tecnologia”. Alex Canziani - Da Tribuna, 04/05/2006. Disponível em: http://www.alexcanziani.com.br/pronunciamento/ver_pronunciamento.asp?id_not=36. Acessado em 20 de set. de 2008.

99

4.5. A produção do espaço urbano e a valorização fundiária: O setor imobiliário enquanto

catalisador do crescimento urbano.

Além de todo o potencial tecnológico e educacional esperado com a vinda da UTFPR

já é uma realidade entre alguns cidadãos londrinenses, os frutos que se podem colher a partir

da sua implantação em Londrina, especialmente na Zona Leste. Antes mesmo do início das

obras no Campus, a VD Loteadora, empresa do Grupo Protenge Engenharia, a 200 metros Sul

do terreno da Universidade (setor Lon Rita) construiu o loteamento residencial Jardim Portal

dos Pioneiros (figura 15), com 528 lotes de aproximadamente 250 m2 cada. O lançamento

deu-se no início de 2007 e no primeiro semestre de 2008 todos os lotes já haviam sido

comercializados a um preço médio de R$ 30.000,00. Atualmente o loteamento está com 13%

dos terrenos já edificados, o que atesta o vigor residencial da área em função das amenidades

locais, da acessibilidade com as demais zonas da cidade e da proximidade com a UTFPR. A

VD Loteadora, empresa do Grupo Protenge – Urbanismo e Engenharia, lançou no ano de

1999 o Jardim Belo Horizonte (setor Antares), loteamento com 206 lotes ao longo da Avenida

São João, cujos lotes já foram em grande parte edificados.

Figura 15 – Folder de lançamento do Residencial Jardim Portal dos Pioneiros – VD Loteadora & Protenge Urbanismo e Engenharia. Fonte: http://www.protengeengenharia.com.br/condominio_detail.asp?id=21.

100

Um dos motivos da rapidez com que foram comercializado os lotes, sem dúvida foi a

instalação da UTFPR, dentre outros, como, por exemplo, a acessibilidade facilitada em

direção às demais Zonas de Londrina, as características do próprio local, a proximidade com o

Complexo Marco Zero, e o grande potencial de valorização da área nos próximos anos. Num

outro folder impresso há destaque principal para a localização da UTFPR. Mais a Leste, em

área de Expansão Urbana do município, atualmente já incorporada à Zona Urbana, a

Construtora Abussafe lançou dois loteamentos no setor Lon Rita, um no ano de 1998, o

Residencial Abussafe I em área de 290.400 m2, com 760 lotes de aproximadamente 200 m2

cada, e o Residencial Abussafe II, em 2002, em área de 121.000 m2, com 303 lotes de

aproximadamente 200 m2, o primeiro comercializado na época (1998) pelo preço médio de

R$ 6.000,000. A iniciativa visou oferecer terrenos à classe de baixa renda que por meio de

pagamentos parcelados impulsionou a rápida edificação dos lotes. Atualmente quase toda a

área está edificada, e o valor dos lotes aumentou 250% nos últimos 10 anos. No ano 2000 a

Construtora Abussafe lançou o Jardim Fujiwara (setor Antares) em área de 48.400 m2 na

margem Sul da Estrada dos Pioneiros, mais próximo da UTFPR, com 106 lotes que vão de

300 a 400 m2, comercializados no valor aproximado de R$ 45.000,00. Esse residencial possui

frente para a Avenida Jamil Scaff. Esta Avenida é uma continuação da Estrada dos Pioneiros

no sentido Leste em direção ao final da Zona Leste, de caráter comercial, os terrenos que

fazem frente pra avenida tem sido alvo de intensa especulação imobiliária, sobretudo para fins

comerciais, e a cada dia que se aproxima da inauguração da UTFPR mais estabelecimentos

vão surgindo ao longo da Avenida.

No sentido Sul, logo na seqüência do Residencial Fujiwara, está o Jardim Santa Alice

(setor Antares), lançado no ano de 2001 pela Santa Alice Loteadora S/C LTDA, possui 430

lotes e apresenta um padrão de construção mais elevado que todos os outros residenciais

anteriores, o valor médio dos terrenos de aproximadamente 300 m2 se situa entre os R$

40.000,00. Um fator que atesta a valorização é a proximidade com mais outros

empreendimentos que valorizaram alguns anos antes, são eles: o Residencial Santa Clara

(setor Antares), lançado no ano de 1995 pela Construtora Londricasa, com 164 terrenos de

aproximadamente 300 m2, na época comercializados ao preço médio de R$ 25.000,00, mas

atualmente os poucos terrenos sem edificação são comercializados por aproximadamente R$

40.000,00, variando com tamanho e localização. Mas o grande fator de valorização dessa área

foi a construção dos Condomínios Residenciais Horizontais Gralha Azul I, II e III, pelo Grupo

Gralha Azul – Habes Fuad Salle. Os três condomínios foram edificados no setor Antares, em

terreno de 15.000 m2, adquirido no ano de 1991 por R$ 80.000,00, quando ainda fazia parte

101

da Zona de Expansão Urbana. Regozija-se a proprietária da empresa Gralha Azul de ter sido a

primeira a acreditar no potencial da área e levar o desenvolvimento para esta parte da cidade,

que ainda não era alvo de outros investimentos, a não ser, conjuntos habitacionais mais a

Leste do local, porém, separados por trecho de aproximadamente 1000 metros ocupados por

sítios e algumas chácaras.

O caso dos Condomínios Gralha Azul I, II e III é emblemático na valorização da área

anterior a década de 2000. O primeiro condomínio foi entregue em 1995, com 16 casas de 140

m2 de área construída e comercializadas por R$ 55.000,00 na época. Atualmente, de acordo

Vera Lúcia Assunção Salle, proprietária do Grupo Gralha Azul, estas casas são vendidas por

seus atuais proprietários por aproximadamente R$ 170.000,00. No ano de 1996, ao lado do

Gralha Azul I, a construtora lançou o Gralha Azul II, com 17 casas de 200 m2 de área

construída, comercializadas atualmente por aproximadamente R$ 200.000,00. Em 1998 a

construtora lançou o Gralha Azul III, com 28 casas de 200 m2, comercializadas atualmente

por R$ 230.000,00. De acordo com a proprietária, o condomínio é voltado para a classe

média, destacou a procura de casas na época por médicos do Hospital Universitário, também

situado na Zona Leste, na Avenida Robert Kock. Os três condomínios, como ficou claro,

comercializavam a casa pronta e não apenas o terreno, além dos equipamentos de lazer

comunitário oferecidos dentro do condomínio, como, quadras poli-esportivas, playground e

piscinas, guarita e segurança 24 horas. Vale ressaltar que o Grupo Gralha Azul – Habes Fuad

Salle adquiriu recentemente um terreno nas proximidades da UTFPR, onde construirão mais

um condomínio residencial, todavia, não pode nos informar o local exato e nem a previsão de

início da obra. No contexto da valorização proposta pelos Condomínios Gralha Azul I, II e III,

situamos o lançamento dos Residenciais Santa Clara (1995) e Santa Alice (2001). Em área

próxima aos três empreendimentos analisados anteriormente, encontra-se o Jardim Tatiane

(setor Antares), lançado em 1979 pela Eldorado Empreendimentos Imobiliários e Agrícolas

LTDA com lotes de aproximadamente 350 e 420 m2, comercializados no início do plano real

por aproximadamente R$ 6.000,00, atualmente alcançando valores, os últimos terrenos

remanescentes, de R$ 40.000,00.

No setor Ernani e HU, identificou-se cinco empreendimentos que comprovam a

valorização imobiliária e fundiária da área, sendo três deles condomínios residenciais

horizontais fechados e os demais, loteamentos residenciais. No primeiro caso, o Condomínio

Residencial Horizontal Havana, situado na Avenida Robert Koch, lançado em 2002 pela NAJ

Empreendimentos Imobiliários LTDA, com 240 lotes de aproximadamente 250 a 300 m2, teve

seus lotes comercializados, na época, por aproximadamente R$ 55.000,00, o que variava com

102

o tamanho dos lotes. Atualmente alguns lotes ainda remanescentes são comercializados por

aproximadamente R$ 60.000,00.

Nesse mesmo contexto tem-se o caso do Condomínio Horizontal Golden Park

Residence & Resort, a 600 metros do Condomínio Residencial Havana no sentido oeste

(centro), também na Avenida Robert Koch, já no setor HU. O Condomínio foi lançado em

2002 pela Teixeira & Holzmann LTDA, em área de 100.000 m2, com 140 lotes de

aproximadamente 250 m2 cada, comercializados na época por R$ 47.000,00, atualmente esses

mesmos lotes tem sido comercializado por R$ 60.000,00, variando de acordo com o tamanho

de cada lote. Este condomínio conta com centro comercial (15 lotes destinados

exclusivamente a tais serviços), além de salão de festas, piscinas, churrasqueiras, quadra poli-

esportiva, quadra de tênis, bosque, segurança monitorada 24 horas motorizada dentro e fora

do condomínio, jardinagem no condomínio, e academia de ginástica. Vale ressaltar a

preservação da mata localizada no fundo de vale atrás do condomínio, um “marketing verde”

comercializado pelo condomínio ao ressaltar a preocupação com o Meio Ambiente e atenção

aos preceitos da Agenda 21.

Atrelado à valorização proposta pela construção desses dois condomínios tem-se o

caso dos residenciais Jardim Monte Sinai e Jardim Vale do Cedro. Os dois datam de 2001,

sendo o primeiro formado por 177 lotes de aproximadamente 330 m2, lançado pela

Construtora Norton Dequech, comercializados atualmente por um valor estimado de R$

30.000,00; e o segundo residencial com 375 lotes de aproximadamente 330 m2 cada, lançado

também pela Norton Dequech, comercializados atualmente por R$ 35.000,00.

Ainda na mesma conjuntura da valorização proposta pela construção de condomínios

horizontais fechados, localiza-se no setor HU, a 1.600 metros do Condomínio Golden Park,

no sentido oeste (centro), o Condomínio Horizontal Aspen Park Residence, construído em

1998 pela NAJ Empreendimentos Imobiliários, com 82 lotes. Esses lotes, de 250 m2 cada, na

época chegaram a ser comercializados por R$ 20.000,00, atualmente os terrenos

remanescentes tem sido comercializado por R$ 50.000,00. Ao lado desse condomínio

encontra-se o Condomínio Horizontal Avenida do Café, situado no setor Aeroporto, possui 32

lotes com tamanhos a partir de 250 m2, construído no ano de 2005 pelo Grupo Protenge

Engenharia e Urbanismo. Esses dois condomínios, esperam uma maior valorização da área

com a construção do Fórum da Justiça do Trabalho nos antigos barracões do Instituto

Brasileiro do Café (IBC); com a acessibilidade facilitada com o centro da cidade, devido a

duplicação e ligação da Avenida Alziro Zarur (continuação da Avenida Santos Dumont) com

103

a Avenida Robert Koch, prevista no Plano Plurianual 2006-200933, que facilitará o

deslocamento viário local e acessibilidade dos moradores da Zona Leste, em especial aqueles

situados nas adjacências da Avenida Robert Kock, com a Avenida Santos Dumont e com a

área central da cidade.

4.6. A produção social do espaço urbano e o Estado capitalista: segregação e expansão urbana

na Zona Leste de Londrina.

Gottdiener (1997, p. 74) escreveu que Estado e setor imobiliário constituem a linha

de frente das transformações espaciais. Para este autor (1997, p. 97), o Estado, agente do

“capital em geral”, detém aquilo que Poulantzas denominou de “autonomia relativa”,

perseguindo tanto interesses políticos quanto econômicos nem sempre capitalistas por

natureza. Para Harvey o ambiente construído é transformado, essencialmente, pelo capital

intervencionista que age através do governo, e desse mesmo ambiente se apropria o trabalho

que o usa como uma forma de consumo e um modo para sua própria reprodução (HARVEY

apud GOTTDIENER, 1997, p. 97). Gottdiener (1997, p. 102) vê um Estado que coordena os

investimentos entre os circuitos de capital, que garante um mercado e uma rede financeira

estáveis que funcionem livremente, assim, reproduzindo a economia política burguesa da

cidade. E vai mais longe, ao dizer que “é exatamente a atuação de frações específicas de

classe no circuito secundário, o papel do Estado em todos os níveis na ajuda à atividade do

setor imobiliário e as conseqüências contraditórias dessas intervenções que explicam a forma

espacial.” (GOTTDIENER, 1997, p. 110).

Ainda nessa discussão, Gottdiener recorre a Lefebvre, para quem:

A paisagem metropolitana representa um arranjo espacial de estrutura e localizações com graus variados de eficiência. O mercado da terra urbana atua de modo imperfeito na superação dos obstáculos ao novo desenvolvimento que surgem dos padrões desiguais de crescimento, e o Estado é chamado a intervir a fim de liberar a terra para investimento mais lucrativo. (LEFEBVRE apud GOTTDIENER, 1997, p. 137).

33 LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005. Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_obras.php

104

O caso da construção do Teatro Municipal no Complexo Marco Zero é contundente

em afirmar a colocação de Lefebvre, ao concatenar interesses de classes em torno de objetivos

comuns, ao induzir o planejamento, todavia, numa via de mão dupla, pois, os investimentos

estatais não objetivam apenas a provisão das necessidades sociais, e muito menos somente

dotar o ambiente construído de equipamentos públicos e infra-estrutura.

A atuação estatal, a despeito de sua “autonomia relativa”, é correlata de interesses

classistas e capitalistas no ambiente construído e a eles se vincula sincronicamente no espaço

urbano. Neste sentido, diria Harvey (apud GOTTDIENER, 1997, p. 186), pode induzir a

mudança de fluxo nos investimentos, do setor secundário para o imobiliário, tendência, aliás,

incorporada pela ascensão do capital incorporador nos últimos anos, justamente em função da

maior estabilidade financeira proporcionada pelo setor imobiliário quando em relação ao setor

secundário apenas, pois, “[...] sempre se pode orientar a propriedade para outros usos e,

potencialmente, fazer parecer um investimento lucrativo” (GOTTDIENER, 1997, p. 184).

Para Gottdiener (1997, p. 184), “esse potencial é que é uma função do espaço social e

constitui um valor produzido socialmente: assim, o investimento na terra é atraente, mesmo

em tempos difíceis”. Ademais, o bem imóvel, uma mercadoria de fato, existe e persiste no

tempo como investimento lucrativo, capaz de atrair investimentos, independente das

oscilações nos ciclos de negócios; em função da baixa composição orgânica de capital que

demanda e da facilidade com que pode ser transformado em usos alternativos e depois

comercializado (GOTTDIENER, 1997, p. 188). Sob estas condições, a ação Estatal é quem

torna viável e abre caminho, assegurando “[...] a capacidade intrínseca e cada vez mais

constante do ramo imobiliário em extrair capital para aventuras lucrativas [...]”

(GOTTDIENER, 1997, p. 185 a 187). Tal é o caso da Zona Leste de Londrina, que

“desbravada” pelo Estado capitalista provedor de moradias durante as décadas de 1970 e

1980, agora é alvo das “aventuras” lucrativas do capital incorporador, o qual, na verdade,

trilha por caminhos bem seguros, uma vez que já foram abertos pela presença Estado

capitalista ao construir o ambiente e, recentemente, atrair os investimentos que,

invariavelmente, a procura de locais favoráveis ao investimento imobiliário, solidificaram o

investimento estatal, novamente, numa via de mão dupla.

Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 185), conceitua o mercado imobiliário

como um setor secundário de investimento no processo de acumulação de capital, ligado à

oferta, e paralelo à produção industrial. Constituindo-se, esse tipo de investimento, num setor

105

de formação de capital e, dentro de um contexto específico, de realização34 e circulação de

mais-valia, pois, os melhoramentos no ambiente construído tornam a produção mais

“produtiva” em períodos futuros e estimula o consumo a satisfazer as necessidades do espaço

social recém-desenhado, Harvey também partilha dessa idéia (GOTTDIENER, 1997, p. 185 e

186). Com isso, o re-investimento e a circulação de capital são mantidos, aumentando ainda

mais o capital, conseqüentemente, seus lucros em períodos subseqüentes de produção,

atuando assim, o setor secundário como fonte de formação de capital. Entretanto, de acordo

com Harvey, os capitalistas individuais têm dificuldade em mudar o fluxo de investimento da

produção industrial para o setor imobiliário, o que demanda a intervenção do Estado como

meio de induzir essa mudança de fluxo de modo mais seguro (GOTTDIENER, 1997, p. 186 e

187).

A Zona Leste da cidade, especialmente nas áreas limítrofes da Zona Urbana,

concentrou durante as décadas de 1970 e 1980 uma intensa recepção de conjuntos

habitacionais, chegando a ser considerada a Zona da cidade que mais recebeu este tipo de

investimento depois da Zona Norte (CODEL, 2004). De acordo com a informação do Caderno

Setorial – Construção Civil e Mercado Imobiliário da CODEL (Companhia de

Desenvolvimento de Londrina):

As regiões Leste e Norte, juntas, detém atualmente mais de 80% da produção de novos lotes demarcados por tradicionais ou novas loteadoras que atuam no mercado, parcelando o solo urbano londrinense. A área delimitada pela extensão das avenidas São João e Roberto Kock, no sentido do extremo leste do município, por exemplo, é a que registra o maior número de novos empreendimentos residenciais. De padrão médio e popular, concentra em sua maioria uma média entre 300 e 400 terrenos, com metragens individuais que dificilmente superam 300 metros quadrados. Em função da concentração de comércio, infra-estrutura e serviços já instalados nas antigas glebas Lindóia e Simon Frazer, também ali começam a se fortalecer os empreendimentos residenciais fechados. Menores em área total, e no tamanho individual dos lotes, nem por isso deixam de manter as características de lazer, conforto e segurança, planejadas nos grandes empreendimentos do gênero. (CODEL, 2004, p. 5).

34 Pois, segundo Harvey, de alguma maneira ajuda a produção de bens primários, apesar de Gottdiener (1997, p. 191 a 194) discordar dessa colocação, ao demonstrar o comportamento contraditório do setor secundário no processo de acumulação de capital, que, sujeito aos caprichos dos ciclos na disponibilidade geral de fundos de investimentos e obras, ou canalizando investimentos de mais ou de menos, corrobora com a flutuação das ondas de atividade de investimentos e da crise estrutural da acumulação de capital. Como conseqüência desse momento, inflação, elevação da taxa de juros, deterioração ambiental, subutilização do espaço, etc., despontam no cenário pré-crise, encerrando em períodos de profunda recessão. Daí a necessária intervenção estatal através do regulamento e do planejamento como meio de se direcionar a economia num caminho distinto do caminho da crise, o que muitas vezes não soluciona as oscilações nas atividades de investimento, haja vista o Estado agir de acordo com as muitas frações de interesses.

106

A despeito de todo “marketing oficial” em torno da área, com vistas a promover o

seu potencial econômico junto à classe empresarial de investidores na cidade de Londrina,

verifica-se atenção dada a presença e fortalecimento do setor imobiliário na Zona Leste. É um

discurso oficial, mas que, apesar de todas as contradições daquele espaço urbano, não foge à

realidade do local para a classe de capitalistas investidores, empreendedores e incorporadores.

Atente-se, porém, como já fora dito, a área, inicialmente foi equipada pelo poder público

local, que ao levar infra-estrutura viária, equipamentos públicos e, sobretudo, moradia,

expandiu e induziu o crescimento urbano naquela direção. O Condomínio Gralha Azul é um

exemplo dessa indução, apesar de acreditarem terem “chegado primeiro na área” em 1991,

mas que, na realidade, já fazia parte da Zona Urbana da cidade desde a construção dos

conjuntos habitacionais nas décadas de 1970 e 1980 nos extremos da Zona Leste,

especificamente a 2 mil metros dos Condomínios Gralha Azul, separados por imensos vazios

urbanos como já destacados anteriormente, que ainda fazem parte do local, mas como

acreditamos, por pouco tempo.

A tabela a seguir (tabela 04) apresenta a seqüência cronológica da construção dos

conjuntos habitacionais, principalmente, da micro-região Leste 2 de Londrina:

Tabela 04: Relação dos conjuntos habitacionais em área da Zona Leste de Londrina. Nome e micro-região

Tipo Nº de unidades

Tamanho médio das unidades

Inauguração Pop. Estimada

Empresa Responsável

Vitória Régia - L1

Horizontal 132 42,62 m²

1970 396 BNH/ICOPAN

São Pedro L2

Horizontal 105

42,35 m²

1973 315 PML/COHAB/ Icofat

Antares - L2

Horizontal 340 1978 INOCOOP/COHABAN

Ernani Moura Lima I -L2

Horizontal 610 34,36 m2

1980 2430

BNH/Simamura

Ernani Moura Lima II - L2

Horizontal 200 34,36 m2

1981 2430

BNH/Simamura

Guilherme Pires – L2

Horizontal 210 34,45 m²

1983 630 CEF/Simamura / Seffer / Icopan / Pavilon

Residencial Interlagos – L3

Vertical 96 X 1988 X IPE

Amazonas I Horizontal 33 X 1989 X CEF

107

– L2 Amazonas II – L2

Horizontal 10 X 1989 X CEF

Armindo Guazzi – L2

Horizontal 304 X 1989 X CEF

Giovani Lunardelli – L2

Horizontal 229 X 1989 X CEF

José Bonifácio e Silva – L2

Horizontal 188 X 1989 X CEF

José Barroso – L2

Horizontal 18 35,71 m²

1989 1407 CEF/ Construhab / Coelho

Alexandre Urbanas – L2

Horizontal 500 22,73 m²

1992 1500 CEF/ Cauanã / FAM / FEE / Fato / Rosa Lima / Coelho

Santos Dumont – L2

Vertical 486 X 1996 X INOCOOP/COHABAN

Residencial Ilha Bela – L2

Horizontal X 2000 X COHAB-LD

São Vicente Palloti – L2

Horizontal X 2001 390 COHAB – LD

Residencial dos Pioneiros – L2

Vertical 176 X 2005 X CEF-PAR

Residencial Lindóia – L2

Vertical 174 X 2005 X CEF-PAR

Organizado pelo autor. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/planejamento/perfil/perfil2004/ e http://www.cohabld.com.br/Conjuntos_Habitacionais.asp. Acessado em 20 de set. de 2008.

É evidente a maior concentração de construção de conjuntos habitacionais durante as

décadas de 1970 e 1980, quase inexistindo durante a década de 1990, realidade vivenciada por

toda a cidade, dada a conjuntura nacional e o declínio em obras públicas vivenciado por todo

o país, mas que foram retomadas a partir da primeira década do século XXI. Destacamos o

caso dos conjuntos habitacionais Ernani Moura Lima I e II construídos na área limite da atual

Zona Leste, a mais de 5,3 km do centro histórico da cidade, numa extensão, em grande parte,

ocupada por grandes vazios urbanos e inclusive por propriedades rurais, convivência esta que

durou até o final da década de 1990, quando as últimas chácaras e sítios foram desocupados e

loteados, atualmente apenas poucas áreas ainda não foram loteadas.

108

A seguinte tabela (05) apresenta a ordem cronológica de implantação dos principais

loteamentos da micro-região Leste 2 e, alguns poucos da micro-região Leste 3 e Leste 1 de

Londrina:

Tabela 05: Relação dos loteamentos aprovados em área da Zona Leste de Londrina.

Nome do loteamento e micro-região

Tipo Gleba Data Número de lotes

Loteador

Tarumã - L2 Residencial Simon Frazer

17.05.94 147 J.R. LOT. E INCORP.

Gralha Azul I, II e III– L2

Chácara/condomínio horizontal

Simon Frazer

04.10.95 61 HABES FUAD SALLE

Jardim do Leste – L1

Jardim Simon Frazer

13.10.95 215 PENCIL - CONSTR.

Nações Unidas – L1

Jardim/ Condomínio vertical

Simon Frazer

21.09.95 2 WADJI IBRAHIM

Santa Clara – L2

Residencial Simon Frazer

12.07.95 164 LONDRICASA

Veneza – L1 Residencial Simon Frazer

15.12.95 85 J.R. OLIVEIR

Oriente – L3 Jardim Lindóia 10.07.96 234 SENA CONSTRUÇÕES

Aruba – L2 Jardim Simon Frazer

27.09.96 154 N.A.J. EMPR. IMOB.

Bernardo Trindade – L1

Residencial Simon Frazer

15.01.97 83 FAM - ENGENHARIA

Jardim do Leste – L1

Jardim Simon Frazer

27.06.97 225 PENCIL – CONSTRUÇÕES

Abussafe – L1 Residencial Simon Frazer

04.03.98 843 CONSTRUTORA ABUSSAFE

Aspen Park Residence – L2

Condomínio residencial

Simon Frazer

23.09.98 82 NAJ - EMPR. IMOBIL. LTDA

Belo Horizonte – L1

Jardim Simon Frazer

26.11.98 210 V.D.LOTEADORA S/C LTDA

Catori – L1 Residencial Simon Frazer

05.03.98 47 CONSTRUT. INC. M2 LTDA

Novo Oriente – L2

Jardim Lindóia 26.11.98 49 ALBERTO PANSOLIN

Laranjeiras – L3

Jardim Lindóia 26.05.00 225 ROYAL LOTEADORA E INCORPORADORA LTDA

Pioneiros – L2 Jardim Lindóia 08.03.00 131 ROYAL LOTEADORA E INCORP. LTDA / SENA CONSTRUÇÕES LTDA

Chamonix – L1

Loteamento Simon Frazer

07.06.01 418 CENTRAL CHAMONIX ADMINISTRADORA DE BENS PRÓPRIOS S/C LTDA

109

Fujiwara – L3 Jardim Simon Frazer

25.07.01 114 CONSTRUTORA ABUSSAFE LTDA

Monte Sinai – L2

Jardim Simon Frazer

09.07.01 177 NORTON DEQUECH

Santa Alice – L2

Jardim Simon Frazer

24.10.01 430 SANTA ALICE LOTEADORA S/C LTDA

Vale do Cedro – L2

Jardim Simon Frazer

09.07.01 375 NORTON DEQUECH

Abussafe II – L1

Residencial Simon Frazer

22.11.02 304 CONSTRUTORA ABUSSAFE LTDA

Golden Park Residence – L2

Residence Simon Frazer

02.12.02 140 TEIXEIRA & HOLZMANN LTDA

Havana – L2 Residencial Simon Frazer

28.06.02 240 NAJ EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA

Jardim da Luz – L2

Jardim Simon Frazer

29.04.02 259 SANTA ALICE LOTEADORA S/C LTDA

Pref. Milton Neves – L2

Jardim Simon Frazer

17.12.02 136 LOTEADORA MENEZES S/C LTDA

Chamonix – L2

Loteamento Simon Frazer

10.07.03 115 CENTRAL CHAMONIX ADMINISTRADORA DE BENS PRÓPRIOS S/C LTDA

José Camilo S. Santos – L2

Loteamento Simon Frazer

20.07.04 50 KIM LOTEADORA S/C LTDA

Avenida do Café Residence – L2

Condomínio horizontal Simon

Frazer 2004 32

PROTENGE ENGENHARIA E URBANIZAÇÃO

Jardim Portal dos Pioneiros – L2

Jardim Simon Frazer

19.05.05 528 SETTE LOTEADORA

S/C LTDA

Organizado pelo autor. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/homenovo.php?opcao=diretorialoteamentos&item=relacaoaprovados

Seria desnecessário afirmar que a construção desses loteamentos iniciou-se após as

obras infra-estruturais e habitacionais realizadas pelo poder público local com recursos

federais, estaduais e municipais. A partir deste momento, o setor privado adquire segurança

para se “aventurar” e investir também na área. Ao contrário das oscilações ocorridas no setor

imobiliário estatal, não se verifica tal variabilidade tão intensa no mercado imobiliário privado

de terras, todavia, aquelas tenham afetado estas em função da conjuntura econômica pela qual

passava todo o país durante a década de 1990, principalmente. Assim identificamos um

equilíbrio ascendente no lançamento de loteamentos, desde o ano de 1994, até os dias atuais,

pelo setor privado. De acordo com informações cedidas pela Construtora Abussafe, não há

mais onde lotear na Zona Leste, pois, as últimas glebas de terra (identificadas na figura 01) já

110

possuem proprietários, o qual aguarda o momento mais propício para o lançamento do novo

loteamento. Em função do esgotamento de terras disponíveis para novas aquisições, as

construtoras aguardam a expansão de Zona Urbana para Zona de Expansão Urbana do

município, o que ampliarão as possibilidades de novos loteamentos. Esse processo já está

sendo impulsionado com a construção da UTFPR.

No mapa a seguir (mapa 08) observam-se as principais vias de tráfego da Zona Leste

(microrregião Leste 1, 2 e 3).

Mapa 08: Principais avenidas da Zona Leste (microrregião Leste 2 no centro). Organizado

pelo autor. Fonte: Plano Diretor – 1998.

Na carta acima identificam-se as principais avenidas e ruas da Zona Leste. No centro

da carta, entre as avenidas Robert Kock e Jamil Scaff, Carmela Dutra até a Celso Garcia tem-

se a microrregião Leste 2, a qual compreende na principal delimitação de nosso trabalho, uma

vez que nosso recorte espacial engloba toda essa microrregião. O termo microrregião foi

criado pela Prefeitura Municipal de Londrina, sendo empregado pela Secretaria Municipal de

Planejamento para fins administrativos, de destinação orçamentária, planejamento e

direcionamento de recursos.

Atualmente, a Avenida São João centraliza a maior parte dos serviços e comércios da

Zona Leste da cidade, é o principal eixo viário que conecta a Zona Leste ao centro comercial

da cidade, sendo, portanto, a avenida mais estruturada com equipamentos públicos, e infra-

111

estrutura viária, imobiliária e comercial da Zona Leste. Inclusive é uma das vias de acesso ao

Hospital Universitário, junto com a Avenida Santos Dumont (Leste 1). Todavia, a disposição

das infra-estruturas e da destinação dos recursos públicos variam de acordo com a

proximidade em relação ao centro comercial e em função da concentração dos

estabelecimentos comerciais. É o caso do trecho da Avenida São João delimitado na imagem

acima pelas duas setas, entre o início da mesma (próximo ao pátio da Viação Garcia, na

Avenida Celso Garcia Cid) até o término do Residencial Santa Clara. De acordo com

comerciantes locais este trecho tem recebido nos últimos anos mais atenção do poder público

local se compararmos com a faixa mais periférica da Avenida em direção aos conjuntos

habitacionais no final da Zona Leste.

Este trecho da Avenida São João concentra grande parte dos serviços da Zona Leste,

que vão desde escolas particulares e escola municipal de primeiro grau, colégio estadual,

faculdade, supermercados, oficinas automotivas, lojas de produtos automotivos, consultórios

odontológicos, centro de distribuição de medicamentos, restaurantes, lanchonetes, pet-shops,

lotérica da caixa Econômica Federal, posto bancário de auto-atendimento, frigorífico, lojas de

informática, e uma diversidade de estabelecimentos comerciais do tipo bazar, lan house, além

de todo tipo de comércios de bairro. Destacamos o Supermercado Golfinho com duas

unidades na Zona Leste, uma na Rua Mangaba e outra na Avenida São João. A última, trata-

se de uma unidade estabelecida na área desde 2004, em local outrora utilizado pela

Schincariol – Distribuidora e mais tarde pela Dibeba – Distribuidora de Bebidas.

O caso do Supermercado Golfinho é emblemático ao situar-se num ponto estratégico

e acessível da Avenida São João, tendo em vista sua conexão com a microrregião Leste 1 e

Leste 2 (onde está situado) e Leste 3, e sua proximidade com o centro da cidade. A loja (sede

própria) possui 1800 m2 de área de venda, gerando 150 empregos diretos e 20 indiretos.

Exerce centralidade na Zona Leste ao locar parte da loja para estabelecimentos diversos,

dentre eles um restaurante e uma Lotérica da Caixa Econômica Federal, o que promove,

portanto, uma circulação diária de aproximadamente 4000 pessoas pela loja.

Defronte à loja do Supermercado Golfinho localiza-se a Faculdade Uninorte, a qual

oferece os cursos de graduação em Administração, Marketing, Direito, Pedagogia, além da

Escola Uninorte Junior, com Ensino Fundamental e Educação Infantil. Também é um fator de

centralidade na Avenida São João ao proporcionar um maior contingente de consumidores

para os comerciantes locais e concentrar um grande volume de tráfego de veículos nos

horários das aulas. A Faculdade Uninorte, se “vangloria” com sua “função social” ao (no

discurso da própria instituição):

112

[...] proporcionar aos cidadãos de Londrina e região Ensino Superior com qualidade e custo acessível, além da correlata ação Extensionista e a Iniciação Científica, formando profissionais competentes e aptos a buscarem a merecida ascenção (sic) social, a partir da boa colocação no mercado de trabalho fundada na excelência de sua formação e conseqüentemente dos serviços que vierem a prestar, atentando às demandas regionais e gerais da comunidade, respeitando as individualidades e as diferenças e valorizando os princípios de responsabilidade social para com a região e da qualidade do ensino em cada uma das ações institucionais35.

Neste sentido, a Faculdade se constitui numa externalidade positiva na área ao

proporcionar cursos de educação Fundamental e Superior para determinadas classes da Zona

Leste, a custos acessíveis, sendo ainda a única a oferecer cursos de formação Superior na

nesta zona da cidade, todavia, disputa com a Escola Pilares - Grupo Positivo, também

localizada na Avenida São João, a comercialização da educação infantil e ensino fundamental.

A Faculdade foi instalada em antigos barracões da ENAR (Empresa Nação de Armazéns

Gerais LTDA) de estocagem de café e outros cereais, conectados inclusive com a Refinaria

Anderson Clayton por meio de rede ferroviária. Esses barracões permaneceram sem uso por

vários anos, quando em 2001, a Faculdade adquiriu a área e a reestruturou, utilizando-se das

formas já existentes e beneficiando-se da centralidade e acessibilidade possibilitada pela

Avenida São João.

Paralelamente ao contexto da São João, encontra-se a Avenida Robert Kock, onde se

situa o Hospital Universitário, dentre outros serviços e estabelecimentos comerciais. No

trabalho já chamamos a atenção para a localização do Condomínio Residencial Havana e

Golden Park ao longo desta avenida, contudo, se trata de uma avenida, que na sua porção

mais periférica (setor Ernani), apresenta uma cobertura asfáltica bastante deteriorada e carente

em infra-estruturas viária e em equipamentos públicos, aliás, esta situação reflete a

especulação imobiliária praticada na área que ainda retém extensas concentrações de terrenos

não loteados e sem uso, portanto, não justificando qualquer intervenção do poder público

local em melhorias públicas. Desse modo, os condutores e os transeuntes, que trafegam

diariamente pela avenida, são os principais prejudicados pelo descaso com o local, que alia

falta de segurança com falta de sinalização viária e, em alguns trechos, falta de cobertura

asfáltica.

Outro fato perceptível na Zona Leste é a falta de ligação viária entre a vertente direita

e a vertente esquerda do Córrego Barreiro, pois como se observa no mapa 08, as únicas vias

35 Fonte: http://www.uninorte.edu.br/joomla/. Acessado em 22 de set. de 2008.

113

que conectam a microrregião Leste 2 e Leste 1, isto é, a Avenida Robert Kock e Avenida São

João e Jamil Scaff, são as ruas Vasco da Gama e Leontina da Conceição Gayon. Contudo, está

previsto no Plano Plurianual 2006-200936, instituído pela Lei Municipal Nº 9.857, de 16 de

dezembro de 2005, a construção de uma travessia sobre o Córrego Barreiro ligando o Jardim

Belo Horizonte (Avenida São João) ao Jardim Vale do Cedro (Avenida Robert Koch). Pode se

observar a avenida em amarelo, no mapa 08, identificando essa futura ligação, que efetivar-

se-á com a construção da ponte sobre o córrego, e que, coincidentemente, facilitará o acesso

da área dos condomínios Havana, Golden Park e adjacências da Robert Kock com a UTFPR.

Estes são apenas alguns dos referenciais da valorização e revalorização em curso na

Zona Leste da cidade de Londrina. Vale ressaltar mais uma vez que não abordou-se toda a

Zona Leste, mas direcionamos nossos esforços em direção à área que mais concentra serviços

e investimentos por parte do Estado e sobretudo, por parte do capital incorporador, tendência

que se intensifica nos últimos anos e que, de acordo com analistas urbanos e com o próprio

processo em curso, se intensificará e continuará reestruturando toda a Zona Leste, e situando-

a como um novo referencial do desenvolvimento da cidade do capital em Londrina.

36 LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005. Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_obras.php

114

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade e seu solo se caracterizam por ser um ambiente socialmente construído,

frutos do trabalho social. O valor agregado à determinada localização deve-se ao trabalho

social, coletivo, dependendo sempre da localização, do seu entorno e da intervenção do

Estado, que através das obras urbanizadoras convencionais, e do conjunto de instrumentos

tributários e reguladores do uso e das formas de ocupação do solo urbano, normatiza a

ocupação e o processo de produção social do espaço urbano. No entanto, esse mesmo Estado,

como coloca Ferreira (2005, p. 6), é capaz de produzir recorrentemente a diferenciação

espacial desejada pelas elites, sendo sua atuação fortemente marcada pela disputa entre as

classes dominantes do ramo imobiliário pela apropriação dos importantes fundos públicos

destinados à urbanização.

Deste modo, afirma Ferreira (2005, p. 7), o Estado cumpre rigorosamente um papel

de controle sobre a produção do espaço urbano, garantindo assim a onipotência e a

onipresença das elites, deixando-as relativamente livres para atuar ao bel compasso do

mercado imobiliário. Alhures, Ferreira (2003, p. 2), afirma que as cidades brasileiras refletem

e reproduzem as dinâmicas sociais historicamente desiguais que pautaram a formação da

nação brasileira, expressando contundentemente a hegemonia capitalista de uma sociedade de

elite.

É neste sentido que entendemos o Estado capitalista, representado pelo poder público

local no caso londrinense, um Estado provedor de um planejamento urbano funcionalista

atrelado à dinâmica metamórfica do capital. Ferreira (2005, p. 18), reconhece que até agora as

Operações Urbanas submeteram o planejamento das cidades onde foram implantadas aos

interesses de mercado, e apesar de todos os compromissos sociais que possam desenvolver-se

a partir dos Planos Diretores Municipais, dos Orçamentos Participativos e das políticas

públicas, o planejamento tem sido um instrumento básico para orientar a política de

desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana da cidade, na maioria das vezes,

comprometido com os interesses classistas das elites dominantes.

A partir da análise levada a cabo por este trabalho, pode-se identificar essa postura e

esse comportamento dos diferentes agentes da produção e da organização do espaço urbano

no contexto dos aspectos estudados na Zona Leste da cidade, onde verifica-se a articulação

entre poder público local e capital incorporador numa otimista e promissora aliança, do ponto

de vista do capital privado.

115

São visíveis os esforços políticos em torno dos projetos que dizem respeito à área.

Referimo-nos aos investimentos por parte do Governo Federal e Estadual na Universidade

Tecnológica Federal do Paraná e no Teatro Municipal da cidade, junto ao Complexo Marco

Zero. Esses esforços se acentuaram tão logo os investimentos privados externos eram

“conquistados” para a área. Iniciado o processo ascendente de renovação da área, o poder

político local e a classe imobiliária, assumiram a tônica discursiva de revitalização e

desenvolvimento para a cidade, especialmente para a Zona Leste, que por muitos anos

permaneceu esquecida pelos agentes sociais produtores do espaço urbano.

Esta onda de investimentos que aguarda a área tem sido ideologicamente veiculada

como a efetivação do planejamento a longo prazo - no caso da UTFPR - e da preocupação

com a geração de empregos, e com o desenvolvimento da área, que, não significa,

necessariamente, desenvolvimento para os moradores do local. Além do mais, no caso do

Complexo Marco Zero, sua situação está muito mais voltada para o centro da cidade e para a

acessibilidade com todas as Zonas da cidade proporcionada pelas Avenidas Dez de Dezembro

– no sentido norte-sul - e Leste-Oeste. Estrategicamente ele será construído num nódulo viário

privilegiado, localizado numa das áreas mais centrais do ponto de vista espacial e logístico da

cidade.

Na verdade, este último investimento, ao que indicam os projetos iniciais, dará as

costas à Zona Leste, não necessariamente do ponto de vista espacial, e muito menos à toda

ela, mas será um objeto “alienígena” do ponto de vista social para algumas classes sociais da

área se levarmos em conta as características das adjacências composta, no caso do setor

Fraternidade e Interlagos, por segmentos de baixa renda espoliados do direito à cidade,

submetidos às contradições urbanas e à segregação sócio-espacial desde que se estabeleceram

no local. Esta hipótese parece ainda mais verídica quando os gestores do projeto afirmam

destiná-lo às classes A e B. Contudo, tal como a realidade urbana brasileira, a Zona Leste

segrega populações hierarquicamente distantes e fisicamente próximas em sua periferia

espacial. Já demonstramos isso ao longo do capítulo três com o caso dos condomínios

residenciais, verdadeiros enclaves fortificados ilhados num mar de disparidades sociais e

econômicas. Seria ingenuidade generalizar a realidade da Zona Leste para uma ou outra

condição urbana. Como toda a cidade, ela se desenvolve contraditoriamente, porque é cidade,

é espaço urbano e constitui-se de diferentes intencionalidades, de diferentes sujeitos

portadores de interesses também distintos, senão, opostos.

A vinda da UTFPR por si só não poderia impulsionar uma onda de investimentos

imobiliários, mas, junto às demais infra-estruturas que a acompanharão e, potencializada no

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discurso imobiliarista, ela induz investimentos localizados e pequenas aquisições imobiliárias,

pois, lembramos, trata-se de uma produção social, engendrada por todos os segmentos sociais

que possam se “aventurar” pelo percurso da especulação imobiliária, não tão seguro para

aqueles que estão do lado de fora das grandes negociações.

As necessidades sociais da área parecem ser desprezadas, cedendo lugar aos

interesses capitalistas e políticos, este último não tão vinculado à condição social do citadino,

mas, atento aos desejos e interesses do usuário da cidade, um cidadão inautêntico, alienado,

consumidor de um espaço fugaz e fluído, um consumidor limitado que parece não sentir o

direito ao urbano, senão por meio de sua capacidade de pagar por ele, exatamente sua

capacidade de fragmentá-lo.

A Zona Leste ao constituir-se no receptáculo destas novas inversões de capital atesta

seu potencial econômico, mas convém levantar uma questão por demais inquietante: à qual

Zona Leste estamos nos referindo? Transpondo a mesma investigação para o nível espacial

pode-se indagar se os investimentos acometem a área em função dela mesma, ou em função

da proximidade com o centro, da viabilidade logística, ou em função da pouca disponibilidade

de terras encontrada pelo grupo responsável.

Todavia, acreditamos que um mercado potencial já foi avistado e que potencialidades

foram cogitadas - e inclusive garantidas pela parceria com o poder público local - e estudadas,

e por ser essa produção de caráter social - os urbanistas e empreendedores com certeza o

sabem - apenas o devir poderá corroborar as premissas aqui levantadas, mas é verídico, a

valorização já chegou à Zona Leste, com ela toda as suas contradições e problemáticas da

urbanização capitalista.

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