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Revista bimestral da ANPR

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Qual o sentido, hoje, da palavra República? Respon-der a essa pergunta com a enfadonha e gasta “coi-sa pública”, evidentemente, já não nos estimulará em nada. É que a expressão precisa ser relida com contornos mais abrangentes, de forma a abarcar

tudo quanto um país, uma sociedade, precisa – de material e imate-rial – para identificar-se como tal, para seguir sendo uma expressão do convívio social organizado. Assim entendida, a República passa a ser um feixe de bens e valores como a Natureza, a Cultura, a Educação, a Cidadania, a Segurança, a Paz, a Administração Pública, a Saúde Pú-blica, a Urbanidade, a Tradição, a Ciência, dentre outros. É nesta nova dimensão que a República precisa e quer ressurgir, neste concerto de nações que compõem, histórica e culturalmente, o Ocidente.

A República é também um anseio, uma meta, um projeto; ela não se materializa por si só. É preciso que haja um esforço concatenado, partilhado pelos indivíduos e pelo Estado, para realizar este sonho. Na última década, o país que amamos viu-se reconhecer como o estuá-rio dos grandes projetos do planeta e vem se credenciando para, na próxima década, ingressar no Olimpo das nações civilizadas, pródigas social e economicamente, e paladinas dos direitos humanos. Para isso, será preciso superar desafios monumentais: a desigualdade – hoje re-fletida na miséria – e as rudimentares condições da Educação, da Saú-de e da Segurança Pública.

Os próximos anos verão um Brasil tendo que agir decisivamente, sem hesitação, sem temor, para garantir a defesa dos direitos individu-ais e coletivos da sociedade. Como entidade representativa dos pro-curadores da República, foi justamente com o intuito de valorizar a defesa desses conceitos que a ANPR escolheu um novo nome para a sua revista: A República.

Selecionaram-se alguns dos temas de relevância nacional para aprofundar o debate com informações diferenciadas para os leitores. As matérias desta edição abrangem desde o compromisso de processos eleitorais cada vez mais idôneos até o tratamento justo e humanitá-rio para presos e acusados, passando pela necessidade de repatriação de documentos da ditadura militar e também por movimentos sociais cuja atuação resulta na ampliação da cidadania para os brasileiros.

A complexidade dos temas é proporcional ao desafio que repre-sentam. É claro que cada Poder, cada instituição, cada cidadão, tem muito o que fazer em prol disso; e é justo reconhecer que assim vem ocorrendo, de modo fragmentário, com maior ou menor engajamento e comprometimento. A ANPR, com A República, espera cumprir este papel. Boa leitura!

Alexandre Camanho de Assis

Revista A República

Essa é uma publicação da Associação Nacional dos Procuradores da República

Diretoria Biênio 2011/2013

Presidente

Alexandre Camanho de Assis (PRR1)Vice-Presidente

José Robalinho Cavalcanti (PR/DF)Diretor de Comunicação Social

Alan Rogério Mansur (PR/PA)Diretor para Aposentados

Antônio Carneiro Sobrinho (PRR1-aposentado)Diretora Secretária

Caroline Maciel (PR/RN)Diretor Financeiro

Gustavo Magno Albuquerque (PR/RJ)Diretor de Assuntos Legislativos

José Ricardo Meirelles (PRR3)Diretora Cultural

Monique Cheker de Souza (PR/PR)Diretor de Assuntos Corporativos

Roberto Thomé (PRR4)Diretor de Assuntos Institucionais

Tranvanvan Feitosa (PR/PI)Diretor de Assuntos Jurídicos

Vladimir Aras (PR/BA)Diretora de Eventos

Zani Cajueiro (PR/MG)

Revista A República

Setembro de 2011Jornalista Responsável

Renata Freitas ChamarelliMTB – 6945/15/172-DFEdição: Renata Freitas ChamarelliTextos:

Ana Carolina Ferreira, Érica Abe e Shirley de Medeiros.Projeto Gráfico:

Pedro LinoContato:

SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Bloco B Salas 113/114 – Brasília - DFCep 70.050-900 Fone: 61 – 3201-9025Fax: 61 – 3201-9023e-mail: [email protected]: @Anpr_BrasilFacebook: ANPRBrasil

Fala, Presidente!

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Índice

Curtas

Por um Brasil transparente

Algemas: entre o excesso e a negligência

Infiltração de agentes policiais na internet: boas intenções não bastam

Nossos escritores

Fim da indústria dos recursos

Obra Abstrata

Poder público vai à praça

Esse Brasil, nunca mais

Ministério Público aumenta fiscalização nas eleições

Subsídio do PGR é equiparado ao das demais autoridades da República

5 e 6

8 - 10

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1114-17

18 e 19

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127Capa

Parlamento

Parlamento

Mobilização

Artigo

Entrevista

Em destaque

Integração

ANPR recomenda

Parlamento

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Desde que assumiu a presidên-cia da ANPR, Alexandre Camanho tem priorizado a aproximação com os Poderes Legislativo e Executivo. Já no primeiro dia de mandato, 12 de maio, a nova diretoria visitou o presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB/AP).

Foram diversos encontros para discutir assuntos relacionados à car-reira e colaborar com a melhoria da legislação. Entre os parlamentares visitados destacam-se os senadores Pedro Taques (PDT/MT), Sérgio Pe-tecão (PMN/AC) e Eduardo Amorim (PSC/SE), bem como os deputados federais Luciano Castro (PR/RR),

Atenta aos direitos dos asso-ciados, a ANPR impetrou manda-do de injunção perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o reconhecimento da omissão in-constitucional do Congresso Na-cional por não votar os Projetos de Lei (PLs) 7.749/2010 e 7.753/2010. Ambas as propostas tramitam desde agosto de 2010 e tratam do reajuste dos subsídios. O manda-do - assinado pelas associações de classe que integram a Frente Asso-ciativa da Magistratura e do Minis-tério Público da União (Frentas), pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associa-ção Nacional dos Membros do Mi-nistério Público (Conamp) - requer a reposição das perdas inflacio-nárias dos últimos cinco anos, no percentual de 14,79% retroativo a janeiro deste ano.

Camanho busca aproximação com o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto

ANPR luta pelo reajuste dos subsídios

Alessandro Molon (PT/RJ) e Protó-genes Queiroz (PC do B/SP).

Camanho também esteve com a presidente da República, Dilma Rousseff, para entregar a lista trí-plice com os nomes sugeridos pela Associação para o cargo de procu-rador-geral da República, biênio 2011/2013. O encontro foi acompa-nhado pela ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.

Parcerias - Para manter uma

Em reunião com o presidente da Associação, Alexandre Cama-nho, o procurador-geral da Re-pública, Roberto Gurgel, afirmou que o reajuste dos subsídios é um assunto prioritário e comprome-teu-se a agendar audiência com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e com a presidente da Re-pública, Dilma Rousseff, para tra-tar do assunto.

Buscando auxiliar o procura-dor-geral na consolidação de da-dos técnicos para as reivindicações, a ANPR entregou a Gurgel nota técnica sobre o valor do subsídio do cargo de PGR, previsto no Pro-jeto de Lei 7.753/2010.

Curtas

pauta propositiva com o Congresso Nacional, a ANPR estabeleceu par-cerias com órgãos da Procuradoria Geral da República (PGR) para ela-borar projetos que beneficiem não só a carreira, mas toda a sociedade. A coordenadora da Câmara Crimi-nal, subprocuradora-geral da Repú-blica Raquel Dogde, e a procurado-ra federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Carvalho, foram as primeiras a serem contactadas.

Além disso, o PGR protocolou no Congresso Nacional, no dia 31 de agosto, o PL 2.198/11, que pede o reajuste de 4,8% a partir de 1º de janeiro de 2012. A apresentação da nova proposta não prejudica a tra-mitação dos projetos anteriores.

Na ocasião, foram entregues também outros quatro PLs relati-vos à carreira de membros e servi-dores do MPU, entre eles um que dispõe sobre gratificação. Na mes-ma semana, a ANPR havia reen-caminhado uma proposta sobre o tema e requerido a desvinculação da matéria da Lei de Ofícios para que o texto fosse enviado ao Con-gresso até o fim de agosto.

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Curtas

PEC sobre o fim da vitaliciedade de membros do MP

A ANPR entregou nota téc-nica contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 75/2011, do senador Humberto Costa (PT/PE), que estabelece o fim da vitalicieda-de dos membros do MP ao prever a possibilidade de aplicação direta das penas de demissão, cassação de aposentadoria e disponibili-dade pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). No documento, encaminhado ao se-nador Demóstenes Torres (DEM/GO), relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a Associação classifica a proposição como inadmissível por três motivos: fere cláusula pétrea da Carta Magna ao retirar uma garantia constitucional, afronta o sistema de freios e contrapesos e contraria o princípio da vedação ao retrocesso social.

O presidente da ANPR, Ale-xandre Camanho, destaca que a vi-taliciedade não é um benefício dos membros do MP, mas de toda a so-ciedade, pois garante aos procura-dores da República a livre atuação na defesa dos direitos humanos, sociais e individuais indisponíveis, do Estado de Direito, da República e da Democracia.

Inclusão de defensores públicos no Quinto Constitucional

Preocupada com a represen-tatividade dos membros do MP

nos tribunais, a Associação enviou ao deputado federal Roberto Freire (PPS/SP) nota técnica sobre a Pro-posta de Emenda à Constituição 488/10, que trata da inclusão dos defensores públicos no Quinto Constitucional.

A ANPR é favorável à inclu-são dos defensores públicos na divisão dos Tribunais Regionais Federais, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. No entanto, sugere que os assentos destinados aos defensores integrem a cota de advogados, uma vez que ambas as carreiras têm, essencialmente, a função de orientação jurídica e defesa de seus clientes, enquanto os membros do MP trabalham na defesa dos interesses, não de uma parte, mas de toda a sociedade.

Independência funcional para delegados de polícia

Outra nota técnica encaminha-da a Freire (PPS/SP) pede a rejeição da Proposta de Emenda à Consti-tuição (PEC) 293/2008, que estende para delegados de polícia as garan-tias de vitaliciedade, inamovibilida-de e irredutibilidade de subsídios, exclusivas de magistrados.

No documento, a ANPR ex-plica que essas garantias são da-das pela Constituição Federal aos procuradores da República por atuarem na defesa dos direitos humanos, sociais e individuais in-disponíveis, bem como na fiscali-zação dos poderes constitutivos do Estado, incluindo a polícia. A nota destaca também que, caso os dele-gados obtenham a independência

funcional, tal qual os membros do MP, os procuradores ficariam im-pedidos de agir no controle exter-no da atividade policial, atribuição prevista na Carta Magna.

CSMPF discute propostas apresentadas pela Associação

Durante reunião do Conse-lho Superior do Ministério Públi-co Federal (CSMPF), foi discutida a possibilidade de organizar, o mais breve possível, outro concur-so para procurador da República. O debate veio à tona com a pu-blicação do resultado da primeira etapa do último certame que apro-vou apenas 115 candidatos, núme-ro considerado baixo pelo CSMPF. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ressaltou que a abertura de um novo concurso foi um dos pedidos feitos pelos dele-gados da ANPR no último encon-tro em Brasília.

Propostas de resolução –

Em meio ao debate, a conselhei-ra Raquel Dodge anunciou que estava protocolando no CSMPF duas propostas de resolução: uma relativa à obrigatoriedade de concurso público para procura-dor da República e a outra sobre itinerância. Dodge lembrou que as propostas foram subsidiadas por anteprojetos elaborados pela ANPR, apresentados a pedido da própria conselheira. Na ocasião, a conselheira Sandra Cureau tam-bém informou que já procurou a Associação para auxiliá-la no es-tudo de outras resoluções.

Ações da ANPR em defesa das prerrogativas da carreira

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Igualdade de tratamento para o Ministério Público. Esse foi o objetivo da ANPR que, em conjunto com a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da União (Frentas), atuou na Câmara dos

Deputados para incluir o procurador-geral da República na Proposta de Emenda à Constitui-ção (PEC) 05/2011.

A medida previa a equiparação dos subsí-dios dos representantes dos três Poderes da União, como o presidente e vice-presidente da Repúbli-ca, ministros de estados, senadores e deputados federais, aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, excluindo o representante do Ministério Público Federal. “Tratava-se de medida incons-titucional, já que não reconhecia a paridade do PGR em relação às demais autoridades”, explicou o presidente da ANPR, Alexandre Camanho.

Um dia antes da votação, em 31 de maio, a Frentas entregou ao autor da proposta, deputado federal Nelson Marquezelli (PTB/SP), e ao relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidada-nia (CCJC) da Câmara, deputado federal Arthur

Subsídio do PGR é equiparado ao das demais autoridades da RepúblicaMobilização da ANPR levou à alteração de proposta de emenda à Constituição na CCJC da Câmara

Maia (PMDB/BA), uma nota técnica ressaltando a importância de incluir o procurador-geral da República na lista de autoridades remuneradas de modo isonômico.

A nota esclarecia que o MPF exerce função fiscalizatória sobre o Executivo, Legislativo e Ju-diciário e, para assegurar sua independência e autonomia, não se enquadra em nenhum dos de-mais poderes constituídos. Dessa forma, o chefe do MPF ocupa o mesmo patamar das demais au-toridades representativas dos Poderes da União.

No dia 1º de junho, durante a votação na CCJC, Maia incluiu emenda saneadora sugerida pela Frentas e a Comissão aprovou, por unamini-dade, a PEC, aceitando o entendimento.

Membro da Comissão Permanente de Re-muneração e Prerrogativas, o procurador da República Luiz Lessa explicou a importância da mudança. “O Ministério Público aparece na Constituição com estatura de quase quarto po-der. Reconhecer essa equivalência remuneratória é reconhecer também a igual dignidade e auto-nomia da instituição”, argumentou.

Em destaque

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ANA CAROLINA FERREIRA

Deputado Arthur Maia (PMDB/BA) recebe presidentes das associações dos quatro ramos do MPU

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Por um Brasil transparente

Considerada uma aliada na luta contra a corrupção e no exercício da cidadania, Lei de Acesso à Informação aguarda

aprovação no Senado Federal

O direito de acesso à informação pública é reconhecido interna-cionalmente como importante ferramenta para o combate à corrupção, para a proteção dos

direitos civis e o controle dos serviços públicos. Nos últimos anos, países com diferentes níveis de desenvolvimento já normatizaram esse aces-so. México, Peru, África do Sul e Índia são alguns exemplos de nações que possuem regulamenta-ções recentes sobre o tema, algumas consideradas por especialistas modelos a serem seguidos.

No Brasil, setores da sociedade aguar-dam a aprovação do Projeto de Lei nº 41/2010, que regulamenta o direito fundamental de aces-so à informação, previsto no artigo 5º, inciso XX-XIII da Constituição Federal. O PL tramita no Congresso Nacional desde 2009 e no momento encontra-se no Senado Federal para votação. Re-centemente, como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o senador Fernando Collor de Mello (PTB/AL) apresentou parecer pedindo alterações no projeto, contra-riando os trabalhos de três outras comissões que já se manifestaram a favor do texto aprovado na Câmara de Deputados.

Segundo a procuradora da República Inês Virgínia Soares (PR/SP), o projeto é moder-no, está em consonância com leis criadas em outros Estados de Direito Democrático e deve ser votado o mais rápido possível. “O texto já foi discutido amplamente com a sociedade. As mu-danças sugeridas pelo senador são um retroces-so”, enfatiza. Soares, que coordenou a comissão criada em 2010 para tratar sobre o tema na Procu-radoria Federal dos Direitos do Cidadão, defende

que apenas o exercício da lei mostrará suas verda-deiras falhas e como elas poderão ser sanadas.

Na opinião do professor da Universida-de de Brasília e coordenador do Fórum de Direi-to de Acesso a Informações Públicas, Fernando Oliveira Paulino, a aprovação é um passo decisi-vo para responsabilizar agentes públicos envol-vidos em atividades ilegais e, ao mesmo tempo, abre espaço para que eles sejam preparados para atender às demandas da sociedade relativas a esse acesso. “Um dos méritos do PL é determinar prazos para a prestação de informações não só do Executivo, mas também do Legislativo e do Judiciário nas escalas federal, estadual e munici-pal”, destaca.

Outros pontos da proposta elogiados por setores da sociedade organizada são a declaração objetiva e expressa do direito de acesso, a previsão de dispositivos de comunicação para a publicação

Capa

Procuradora da República Inês Virgínia Soares (PR/SP)

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SHIRLEY DE MEDEIROS

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das informações e sanções à obstrução do acesso. Pontos polêmicos – Para o procurador regional da República Marlon Weichert (PRR3), a aprova-ção do projeto é um grande avanço se compara-da à legislação vigente, principalmente no que diz respeito à abertura total de informações re-lacionadas à proteção e violação dos direitos hu-manos. Porém, falta à proposta prever a criação de um órgão autônomo que acompanhe a manu-tenção da lei e exija o seu cumprimento. “Entre outras atribuições, o órgão também auxiliaria o cidadão comum a avaliar o que é informação e onde buscá-la”, declara. Weichert foi autor da re-presentação na Procuradoria-Geral da República da ADIN 4.077, sobre a inconstitucionalidade das Leis nº 8.159/91 e 11.111/05, que tratam do sigilo de documentos do interesse do Estado e da sociedade, e representou a ANPR no Fórum.

O procurador regional da República de-monstra receio de que o Brasil avance no direito, mas não na garantia de que este seja cumprido. “A África do Sul adotou um modelo parecido com o que está sendo votado no Brasil e o senti-mento das pessoas que conheço lá é de que a lei não saiu do papel”, conta.

Paulino concorda com Weichert. “O pon-to fraco do PL se refere à ausência de um órgão recursal independente, nos moldes de iniciativas desenvolvidas em outros países”, endossa. Ele cita o exemplo do Instituto Federal de Acesso à Infor-mação (IFAI) criado no México, país que é aponta-do como modelo de sucesso na regulamentação e aplicação da lei sobre o tema.

O tratamento dado para os documentos considerados sigilosos também é questionado. O projeto dispõe que, de acordo com sua relevância para a segurança da sociedade ou do Estado, a informação poderá ser classificada como reserva-da, secreta ou ultrassecreta, e mantida em sigilo pelos prazos de 5, 15 e 25 anos, respectivamente, com a possibilidade de prorrogação uma vez, por igual período.

Segundo o texto, há a possibilidade de re-avaliar esses enquadramentos, mediante pedido oficial, objetivando a publicação da informação ou a redução dos prazos previstos. “Em contra-partida, o PL prevê que a decisão que classifica a informação ficará no mesmo grau de sigilo desta. Assim, a sociedade, além de ser privada da infor-

mação, também não terá acesso à razão pela qual ela foi protegida, nem ao menos saberá que esta decisão existiu”, critica Weichert.

Na opinião dele, o projeto ainda deve-ria apresentar limites mais curtos para a revisão dos documentos. “Hoje, com o avanço contínuo da tecnologia e a dinâmica das relações interna-cionais, o ideal é não fixar prazos longos. Em 25 anos muita coisa acontece e os dados contidos em um documento podem perder a relevância histórica”, pondera.

Já para a informação pessoal, relativa à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, o prazo de sigilo é de cem anos, podendo ser publicada mediante previsão legal ou consenti-mento da pessoa à qual ela se refere. O procu-rador regional da República destaca que o pro-jeto não especifica quais são essas informações, deixando espaço para vários entendimentos. “Em um Estado Democrático, o segredo deve

“Todos têm direito a receber dos órgãos

públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo

ou geral (...)”Artigo 5º, inciso XXXIII da

Constituição Federal

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Professor da Universidade de Brasília Fernando Oliveira Paulino

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ser exceção, não regra”, acrescenta, enfatizando que “o Brasil precisa perder de vez a cultura da ocultação, pois ela alimenta a corrupção e o des-respeito aos direitos humanos”.

Mesmo diante das possíveis falhas apontadas no projeto, existe a hesitação de que

Quem disponibilizará as informações?

Órgãos públicos integrantes da administração direta e indireta e entidades, tanto as controladas pelos entes da federação quanto as privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos.

O que deverá ser publicado?

Informações de interesse coletivo, como decisões, atos normativos, competências, políticas internas, estrutura organizacional, endereços, telefones, resultados de ações, auditorias, recursos financeiros, despesas, gastos com obras, procedimentos licitatórios e outros.

Que informação poderá ser mantida em sigilo?

Será levado em conta o interesse público de divulgação da informação, a gravidade do dano à seguran-ça da sociedade e do país e a proteção à vida privada. Documentos sobre condutas que impliquem a violação de direitos humanos, praticada por ou a mando de agentes públicos, não poderão ser objeto de restrição à publicação.

Como o cidadão terá acesso aos dados?

Deverá ser rotina dos órgãos a publicação das informações em sites oficiais. Além disso, será criado um serviço de atendimento nos órgãos e nas entidades públicas para auxiliar o cidadão que desejar requerer uma informação. O q

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discussões levantadas neste momento da trami-tação possam colaborar para o atraso na votação da lei. “Desde a promulgação da Constituição de 1988, foram 23 anos de déficit democrático sobre o tema. Rogo pela aprovação do PL como está, para que possamos dar mais um importante passo no aperfeiçoamento da cultura política no Brasil”, defende Paulino.

Exercício de cidadania - A expectativa é de que, após sancionada, a lei estimule ações que cons-cientizem o cidadão de que a informação é um patrimônio da sociedade e o incentive a fiscalizar a publicação. “Com o tempo, creio que essa per-cepção fará com que o tema entre nos currículos escolares e percebamos o impacto político e eco-nômico da medida”, declara o coordenador.

A procuradora da República Inês Virgínia Soares também aposta na maturidade da socieda-de brasileira para exercitar a exigência dos seus direitos. “Vamos acompanhar o cumprimento da lei junto com a população. O cidadão que não souber em que porta bater, sempre poderá contar com o Ministério Público Federal”, ressalta ela.

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ção

Procurador regional da República Marlon Weichert (PRR3)

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O desfecho de uma história dig-na de roteiro de cinema mar-cou os brasileiros este ano. O caso do jornalista Pimenta Ne-ves, que há onze anos confes-

sou ser o assassino da ex-namorada e ficou em liberdade durante todo esse tempo graças a uma série de recursos, fez os juristas brasileiros repen-sarem o sistema judiciário do país.

Uma das soluções foi idealizada pelo presi-dente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso. Apelidada de “PEC dos Recursos”, a Pro-posta de Emenda à Constituição 15/2011 preten-de aumentar a celeridade da tramitação dos pro-cessos e a aplicação das garantias e dos direitos fundamentais.

Em tramitação no Senado Federal, a ideia é transformar os recursos extraordinários e espe-ciais em ações rescisórias, diminuindo o número de casos remetidos à apreciação do Superior Tri-bunal de Justiça e do STF como mero expedien-te de dilação processual. Além de desafogar as Cortes Superiores, a PEC acabaria com a indús-tria de recursos.

Para o diretor de assuntos jurídicos da ANPR, procurador da República Vladimir Aras (PR/BA), a proposta é um passo importante do STF, pois reco-nhece a necessidade de uma mudança no Judiciá-rio brasileiro. “Com a aprovação dessa PEC, a sen-sação de impunidade vai diminuir. A celeridade na garantia dos direitos fundamentais, tanto na esfera cível quanto na criminal, trará segurança jurídica para a população”, analisa.

Fim da indústria dos recursosProposta de emenda à Constituição possibilita a aplicação imediata das decisões tomadas em segunda instância

Apesar das críticas, a “PEC dos Recursos” não prejudica a garantia individual do duplo grau de jurisdição previsto pela Convenção Americana de Direitos Humanos e pela Conven-ção Europeia de Direitos Humanos. Segundo es-pecialistas, os recursos são lucrativos, pois quan-to mais tempo se mantém o processo vivo, mais dinheiro se ganha.

“Nos Estados Unidos são pouquíssimos os casos que vão até a última instância, os que che-gam viram filme. Já no Brasil recorrer ao Supre-mo virou regra”, analisa Aras.

O especialista em Direito Público Washing-ton Barbosa ressalta que o excesso de instâncias de julgamento transforma o Supremo em revi-sor de decisões, desviando-o da sua real função. “Além de sobrecarregar o sistema judiciário, até chegar ao Supremo, um processo pode demorar dez, quinze anos. A Justiça tardia não é uma Justiça justa”, finaliza ele.

Em nota técnica, a ANPR avaliou a proposta como oportuna e neces-sária, pois “imprime maior efi-ciência à Justiça e valoriza as relevantes funções do Su-premo”. A PEC 15/2011, que faz parte do III Pac-to Republicano, agora está pronta para en-trar na pauta na Co-missão de Constitui-ção e Justiça (CCJ) do Senado.

Parlamento

ANA CAROLINA FERREIRA

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Parlamento

A fiscalização das eleições é uma exigência cada vez maior da so-ciedade brasileira e o Ministério Público (MP) tem exercido papel fundamental no processo de es-

colha dos representantes do povo. De 2006 para 2010, o número de ações que tramitaram na Pro-curadoria Geral Eleitoral (PGE) aumentou 342%, atingindo o montante de aproximadamente 20 mil ações. Já as Procuradorias Regionais Eleito-rais enviaram mais de 10 mil representações à Justiça contra doadores que ultrapassaram o li-mite máximo determinado pela legislação. Tudo isso sem contabilizar as ações referentes às de-mais fases do processo eletivo, como registro de candidaturas, propagandas irregulares, votação, entre outros.

Segundo o procurador da República Wellington Bonfim (PR/PI), ter um Ministério Público mais participativo é uma das maneiras de concretizar a incumbência constitucional de defender o regime democrático. “É uma forma de garantir a lisura das eleições e a liberdade da manifestação popular exarada através do voto”.

Ainda assim, são inúmeras as mudanças

MP aumenta a fiscalização das eleiçõesNúmero de ações cresceu 342% de 2006 a 2010, mas procura-dores ainda aguardam mudanças na legislação

que precisam ser feitas na legislação que rege as eleições para garantir uma fiscalização ainda maior. Em junho de 2010, o Senado Federal criou a Comissão da Reforma do Código Eleitoral – integrada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O colegiado tem o objetivo de reunir juristas para elaborar o anteprojeto de lei do novo Código. Somente no Senado, tramitam mais de 15 proposições a esse respeito.

Já na Câmara dos Deputados foi instalada, em março deste ano, a Comissão Especial da Re-forma Política, que visa a reunir as mais de 300 propostas em tramitação na casa sobre o assun-to. Os temas debatidos pelos parlamentares vão desde a adoção do financiamento público de campanha até as mudanças nas datas das elei-ções e da posse.

Internet – A regulamentação do uso da internet nas campanhas eleitorais é uma das grandes pre-ocupações do MP. Segundo a vice-procuradora- geral eleitoral, Sandra Cureau, nas eleições de 2010 – a primeira em que a propaganda na rede mundial de computadores foi liberada -, ocorre-ram inúmeros problemas. “Qualquer um podia criar um blog e falar o que bem entendesse. Hou-ve ofensas a candidatos e também ao trabalho do MP. Precisamos criar um mecanismo para identi-ficar quem está por trás das informações publica-das na internet”, explica.

Outro ponto que deve ser aprimorado, na opinião de Cureau, é a legislação sobre as do-ações de campanha. “Ela é deficiente e muitas vezes acaba contribuindo para inviabilizar a atuação do MP. Isso desequilibra a eleição, pois o candidato que tem mais dinheiro é favoreci-do”, destaca.

ÉRICA ABE E RENATA CHAMARELLI

Agência Brasil - ABr

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Parlamento

O uso de algemas se tornou polê-mico após 2008, quando o Supre-mo Tribunal Fe-

deral editou a Súmula Vinculante nº 11 tornando-o ilícito, exceto – e nesse caso justificado por escrito – quando houver resistência, receio de fuga ou de perigo à integridade física. No ano seguinte, o procura-dor-geral da República, Roberto Gurgel, enviou à Corte um parecer contrário à súmula, em resposta a um questionamento da Confede-ração Brasileira dos Trabalhado-res Policiais Civis (Cobrapol). O assunto volta à tona agora com o Projeto de Lei 185/04, que está na pauta de votações do Plenário do Senado Federal. Para falar sobre o assunto, A República traz o procurador re-gional da República Douglas Fis-cher (PRR4) que comenta os limi-tes do uso das algemas. Mestre em Instituições de Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Cató-lica do Rio Grande do Sul, ele tam-bém é professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.

A Súmula Vinculante nº 11/08

prevê a anulação de prisões fei-

tas sem a devida justificação do

uso das algemas. Como o se-

nhor avalia essa questão?

Considero equivocado o entendimento de que o uso das al-

Algemas: entre o excesso e a negligência

gemas de modo indevido redunda-rá na ilegalidade da prisão. O que pode haver é a responsabilização dos agentes públicos pela má exe-cução da condução do preso.

O senhor diria que a súmula é

redundante ao prever sanções

por abuso de autoridade para o

agente que extrapolar a utiliza-

ção das algemas?

Neste ponto, efetivamen-te sim, pois não é necessária uma súmula vinculante para dizer o que é abuso de autoridade. Aliás, com ou sem súmula, a responsabi-lização administrativa, civil ou até criminal de agentes públicos que eventualmente extrapolem os li-mites legais nunca esteve afastada. A responsabilização decorre de lei (stricto sensu).

Há necessidade de lei para regu-

lar especificamente o uso de al-

gemas ou essa questão faz parte

da discricionariedade policial?

Discricionariedade pro-priamente não, pois não se trata de “uso quando eu quiser”. Tratamos, no caso, de uma discricionarie-dade regrada, ou seja, as algemas só podem ser utilizadas quando estritamente necessárias. O gran-de problema que originou toda a discussão foi a ocorrência de algu-mas prisões, chamadas por alguns juristas de espetaculosas, em que se poderia discutir a necessidade do

uso das algemas. E insisto: em al-guns casos parecia que as algemas eram realmente desnecessárias. Mas não podemos esquecer que elas são usadas apenas para evitar fugas ou mesmo para proteção dos agentes públicos que efetuaram a prisão. Muitos casos já foram re-latados em que, sem as algemas, os presos cometeram atos contra sua própria integridade física. Há um caso específico em que um réu se jogou pela janela de um fórum numa cidade interiorana no Bra-sil. Pergunta-se, então, de quem é a responsabilidade por esta omis-são. Não seria também do Estado, que não adotou as devidas cautelas para evitar todo o incidente?

De acordo com o projeto de lei

do senador Demóstenes Tor-

res (DEM-GO), fica proibido o

uso de algemas como forma de

castigo ou sanção disciplinar.

Na sua opinião, a proposta é

suficiente para regulamentar a

questão?

Respondo iniciando por outra pergunta: para que este pro-jeto de lei? Precisa de lei para dizer o óbvio? É evidente que o uso de algemas como “castigo” ou “san-ção disciplinar” caracteriza abuso e pode ensejar responsabilização de quem determinou a medida. No Brasil acha-se que tudo se resolve pela criação de leis. Respeitosa-mente, divirjo do nobre senador.

ÉRICA ABE

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O procurador da República Felício Pontes Jr. (PR/PA) explica como a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Norte do país, está longe dos parâmetros de clareza e exatidão requeri-dos pelas obras públicas

Obra abstrata

Entrevista

ÉRICA ABE

Divulgação

Às vésperas de iniciar a obra mais polêmica do Brasil - a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará - o governo federal ainda não conseguiu mensurar os im-

pactos da construção. A cidade de Altamira, uma das mais afetadas, terá parte de seus bair-ros inundados, mas ainda não se sabe quantas pessoas deixarão suas casas para dar lugar à hidrelétrica e nem para onde serão realocadas. E pior, as estimativas de custo das obras, que devem durar até 2019, oscilam entre R$ 10,4 bi-lhões e R$ 31,2 bilhões.

Em junho, o Ibama concedeu a licença de instalação sem que 40% das condicionantes fos-sem cumpridas. Além da concessão da licença, o governo federal lançou um pacote de ações para o desenvolvimento sustentável da região do Xin-gu, que prevê R$ 3,2 bilhões em ações de com-pensação e mitigação. De acordo com o governo federal, a expectativa é de que a motorização to-

tal da usina ocorra em 2019, com a geração de cerca de 11,2 mil MW.

Desde 2001, o procurador da República Fe-lício Pontes Jr. está à frente da causa. Há 14 anos no Ministério Público Federal, ele conta com amplo currículo nas esferas cível e criminal. Já atuou em causas significativas como a instalação irregular, em Santarém (PA), de terminal grane-leiro da Cargill - uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro - e no acordo com a Caixa Econômica Federal que pôs fim aos dramáticos despejos de mutuários na capital paraense.

Em entrevista concedida à revista A Repú-blica, o mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Ca-tólica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) explica como os grupos interessados têm usado a falta de in-formações como estratégia para abafar as críticas ao projeto de Belo Monte e como a violência no campo está intimamente relacionada à constru-ção da usina no Pará.

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É possível mensurar os prejuízos que serão

causados pela construção da Usina Hidrelé-

trica de Belo Monte? Se sim, qual é o tama-

nho desse impacto?

Apesar da precariedade ou até mesmo da inexistência de estudos dos empreendedores e do governo acerca dos im-pactos da obra e, portanto, da sua difícil mensuração, estudos realizados pelo Painel de Especialistas e pela Universidade Esta-dual de Campinas (Uni-camp-SP) mostram que há um sério risco de que os prejuízos econômicos, sociais e ambientais sejam gigantescos. (Veja o Saiba Mais ao final da entrevista.)

As análises dos especialistas mostram que os estudos oficiais do projeto supervalorizaram os números sobre o volume real das águas do Rio Xingu. Isso porque os dados utilizados pelo governo para calcular o volume real das águas só foram atingidos em dez dos 35 anos analisa-dos. A seca vai atingir populações indígenas e ribeirinhas, que dependem diretamente do Xin-gu para sobreviver.

Além disso, conforme apontou o relatório de análise de riscos feito por especialistas e inti-tulado “Megaprojeto, Megarriscos” (veja o Saiba Mais ao final da entrevista), Belo Monte também tem elevados riscos associados a incertezas so-bre a estrutura de custos de construção do em-preendimento, referentes a fatores geológicos e topológicos, de engenharia e de instabilidade em valores de mercado. Tem também elevados riscos financeiros relacionados à capacidade de geração de energia elétrica, que é muito inferior à capacidade instalada, e riscos associados à ca-pacidade do empreendedor de atender obriga-ções legais de investir em ações de mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais do empreendimento.

Para completar: a licença de instalação foi concedida sem que 40% das ações de redução de impactos fossem feitas. Isso porque um parecer do próprio Ibama demonstrou que as condicio-nantes de saúde, educação, saneamento, levanta-mentos das famílias atingidas e navegabilidade

não foram cumpridas pelo empreendedor. Mais grave: o relatório aponta que o empreendedor informou várias obras para saúde e educação que a vistoria do Ibama constatou simplesmente não existirem. A cidade de Altamira terá parte de seus bairros inundados, entretanto, não há

estudo conclusivo sobre o impacto. Não se sabe a quantidade exata de pes-soas a serem removidas, nem está claro para onde serão realocadas. Além disso, o governo federal estima que 100 mil pesso-as migrem para a região e 32 mil permaneçam lá

após as obras, mas serão necessários apenas 3,5 mil funcionários para operar a usina. Restarão milhares de desempregados, abandonados nas periferias das cidades.

Como o senhor avalia o pacote do governo

de R$ 3,2 bilhões em ações para o desen-

volvimento sustentável da região do Xingu?

Quais mudanças ele pode trazer?

Essas ações de compensação e mitigação dos impactos são as ações já previstas, não há novidades. Esse pacote teria que já estar im-plementado e justamente pela falta dele é que o MPF teve que recorrer à Justiça pela 11ª vez, para cobrar que a legislação seja respeitada, que medidas condicionantes sejam atendidas antes de qualquer tipo de licença para o início das obras. Não adianta lançar um pacote hoje prevendo saneamento ambiental só para 2014, por exemplo. As obras já foram liberadas, as ci-dades já há muito tempo estão recebendo um fluxo imenso de migrantes, a população não pode esperar três, quatro anos para ter acesso à saúde, à educação, à segurança, ao saneamento básico. Ao não cumprir suas próprias exigências para Belo Monte, o Ibama atingiu o limite da ir-responsabilidade.

Como o senhor avalia a resposta da Justiça

em relação às onze ações civis impetradas

pelo Ministério Público nesta causa?

Apenas uma foi julgada em última instân-cia. Se não houver celeridade no julgamento das

A licença de instalação foi concedida sem

que 40% das ações de redução de impactos

fossem feitas.

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demais, corremos o risco de termos uma posição do Poder Judiciário quando os prejuízos já forem irreparáveis, irreversíveis.

Setores da sociedade civil se manifestaram

tanto a favor como contra a usina. Qual a

sua avaliação desta participação, do ponto

de vista da democracia?

Infelizmente essa participação vem sendo cerceada. Apesar dos impactos de Belo Monte atingirem uma região vastíssima, foram marca-das audiências apenas em três dos municípios atingidos. Também houve audiência em Belém (PA), mas o local foi mudado às vésperas do evento e não abrigou nem metade do público. O MPF e o MP Estadual do Pará pediram à Justiça que audiências sejam realizadas pelo menos nos 11 municípios afetados.

Além disso, ao contrário do que determina a Constituição, os povos indígenas afetados não foram ouvidos. O caso Belo Monte é tão absur-

do, faltam tantas informações e oportunidades para a participação da sociedade nessa discus-são que, em um acordo entre a Eletrobras e as empreiteiras que se propuseram a fazer os estu-dos de impactos ambientais, havia até cláusula de confidencialidade. Ou seja, o resultado dos estudos não poderia ser divulgado até a expedi-ção da Licença Prévia, apesar de ser um acordo público e de tratar do meio ambiente, assunto para o qual a publicidade é um dogma.

Desde 2001, os custos da UHE Belo Monte

variaram de R$ 10,4 bilhões a R$ 31,2 bilhões.

Em sua opinião, o que isso demonstra sobre

o projeto?

É o “achismo” próprio da forma como todo o projeto Belo Monte vem sendo tocado. Não há certezas sobre nada, os números mudam a toda hora, o tamanho do lago a ser criado cresce 30% do dia para a noite, às vésperas do leilão da obra. É um misto de desrespeito à legislação com des-

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Volta Grande do Rio Xingu

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que garantiam a vida das populações locais. É o modelo que gera o trabalho escravo, o desmata-mento ilegal, os crimes no campo. Belo Monte é mais um motor nessa engrenagem de morte.

Há pouco mais de seis anos, a missionária

Dorothy Stang foi assassinada por ser contra

Belo Monte. Desde então, o que mudou nes-

te cenário?

Nada, infelizmente. Os crimes no campo continuam. No primeiro semestre de 2011, tive-mos uma nova “onda” de assassinatos de lideran-ças do campo na Amazônia que lutavam justa-mente pelo que Dorothy defendeu: a vida acima de tudo, a valorização de um modo de viver e produzir típico das comunidades tradicionais da Amazônia, dos índios, dos quilombolas, em que a natureza e o homem convivem harmoni-camente. O mais interessante é que esse modelo vem provando ser economicamente mais forte

e viável do que o modelo imposto pelo governo fe-deral. O projeto da irmã Dorothy está com as áreas reflorestadas com o cul-tivo de espécies nativas em sistema agroflorestal. É visível a melhoria eco-nômica das famílias e a região se tornou, desde o ano passado, a primeira

produtora de cacau do Brasil, sem falar no açaí e no cupuaçu. Enfim, lá está a prova do que é o verdadeiro desenvolvimento da Amazônia.

Esse modelo de desenvolvimento, do qual Belo Monte é um símbolo, é um modelo

predatório, em que vale a “lei do mais forte”

respeito aos cofres públicos, já que a maior parte desses custos será paga por todos nós, por meio do BNDES. E observe que nesse último valor anunciado, de R$ 31,2 bilhões, não estão previs-tos o valor do desmatamento, que pode atingir 5,3 mil quilômetros quadrados de floresta, o va-lor de 100 quilômetros de leito do Rio Xingu que praticamente ficará seco, a indenização a povos indígenas e ribeirinhos localizados nesse trecho, todos os bairros de Altamira que estão abaixo da cota cem e, portanto, serão inundados. Isso tudo, só para mostrar alguns exemplos.

Qual é a relação entre a construção da UHE

de Belo Monte e os casos de violência no

campo no Pará? Como um novo empreen-

dimento como este pode impactar – positiva

ou negativamente – nesse cenário?

A violência no campo paraense está direta-mente ligada à violação dos direitos das comu-nidades tradicionais, que desde sempre viveram sob a ótica da sustenta-bilidade. Esse modelo de desenvolvimento, do qual Belo Monte é um símbolo, é um modelo predatório, em que vale a “lei do mais forte”, em que um grupo de maior poder econômi-co explora a natureza sem preocupar-se com as gerações futuras, em que um pequeno grupo de pessoas apropria-se da terra e de todos os recursos naturais e culturais

Conheça alguns dos estudos utilizados pelo MPF para ajuizar as ações contra Belo Monte:

- Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Mon-

te. Painel de Especialistas organizado por Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos, doutora em antropologia e sociologia pela Universidade Federal do Pará e Université de Paris 13, e por Francisco del Moral Hernandez, doutorando em Energia pela Universidade de São Paulo.http://www.xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2010/10/Belo_Monte_Painel_especialistas_EIA.pdf.

- Tenotã-Mõ - Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no Rio Xingu

Organização: Oswaldo Sevá Filho, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/tenotamo.pdf Sa

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Idealizado pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jeffer-son Aparecido Dias, o Mutirão da Cida-dania nasceu em 2009, na cidade de Ma-rília (SP). O objetivo inicial era promover

uma ação que levasse os serviços prestados por instituições públicas às ruas, facilitando o aces-so do cidadão. Desde então, o projeto, que está em sua 16ª edição, não para de crescer e hoje conta com a participação de organizações civis e privadas. Já são mais de 60 mil atendimentos prestados à população.

“É uma oportunidade para o cidadão ex-por suas necessidades e ser orientado sobre como agir. Ele sai do local com a solução do seu problema, no mínimo, direcionada”, declara Dias. Durante os mutirões, a população pode fazer denúncias a órgãos competentes, conci-liações, tirar documentos e fotos, receber assis-

Poder público vai à praçaProjeto da Procuradoria da República de São Paulo, o Mutirão da Cidadania já prestou mais de 60 mil atendimentos à população

tência jurídica e tratamentos de saúde, além de participar de cursos profissionalizantes e even-tos artísticos.

O membro do MPF esclarece que “a fi-nalidade não é ser assistencialista, mas sim emancipar o cidadão, contribuindo para que ele conheça seus direitos e, após o atendimento emergencial, continue exercendo sua cidada-nia”. Além do centro de São Paulo, o projeto já percorreu as cidades de Garça, Pompéia, Bauru e Ribeirão Preto.

Perto da população, o Ministério Público co-nhece suas necessidades e fica por dentro de situ-ações inusitadas. “Uma vez recebi a reclamação de um morador de rua que queria abrir uma conta--poupança no banco e não conseguia por não ter re-sidência fixa. Porém, conta-corrente ele podia abrir”, conta Dias, enfatizando que dificilmente uma infor-mação dessas chegaria ao seu gabinete.

Parcerias de sucesso - Outro ponto im-portante do projeto é a mobilização de setores da própria sociedade. “Depois dos mutirões, as ações continuam nos locais”, orgulha-se Dias. A Rede Social do Centro é um exemplo disso. A instituição foi criada após a articulação feita en-tre a Procuradoria da República de SP e entidades sociais, empresários, comerciantes e voluntários dos bairros do centro da cidade para a organiza-ção do primeiro mutirão na região.

Integração

“A finalidade não é ser assistencialista, mas sim

emancipar o cidadão, contribuindo para que ele

conheça seus direitos” Procurador regional dos Direitos do

Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias

Cidadãos têm acesso direto a procuradores e órgãos públicos

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SHIRLEY DE MEDEIROS

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No dia 18 de junho, a cidade de Ribeirão Preto (SP) fez seu primeiro Mutirão da Cidadania. O evento ocorreu na Praça XV de Novembro e funcionou entre 9h e 16h, prestando mais de 16 mil atendi-mentos. “Esse número superou nossas expectativas. Mas, o importante foi que conseguimos pres-tar um serviço de qualidade à população”, conta o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, responsável por levar o mutirão ao município. Para organizar o evento, a Procuradoria da República local contou com o apoio de parceiros importantes, como a Prefeitura Municipal, a organização não-governamental Voluntários do Ser-tão, o Serviço Social da Indústria (Sesi) e a Catedral Metropolitana São Sebastião. “Com a experiência adquirida e a proximidade das organizações civis, pretendemos realizar eventos maiores que esse”, ressalta Mendonça, antecipando que a segunda edição do mutirão já está prevista para o ano que vem.

Ribeirão Preto faz seu primeiro mutirão

A partir daí, a Rede passou a ser uma par-ceira constante do MP em seus projetos e a reali-zar atividades voltadas para o desenvolvimento local. O pastor Daniel Checchio, um dos articu-ladores da entidade, considera que o Mutirão da Cidadania quebra as barreiras de acesso da população às pessoas que têm poder de decisão quando leva para a praça pública representantes das três esferas de governo. “Ver um procurador da República atendendo um cidadão na rua é um avanço para a democracia”, avalia Checchio.

Novos rumos – Em junho deste ano, Dias apresentou o projeto do mutirão durante o III Se-minário Internacional “A Garantia dos Direitos Humanos nas Metrópoles”, ocorrido em Buenos Aires, na Argentina. O evento é organizado pela Defensoría Del Pueblo – instituição local que de-sempenha papel semelhante à Procuradoria Fe-deral dos Direitos do Cidadão no Brasil.

“O objetivo agora é criar um modelo pa-drão para o projeto, inclusive com base teórica, para depois exportar a ideia”, declara Dias. O pri-meiro passo será instituir um Grupo de Trabalho na Procuradoria dos Direitos do Cidadão em São Paulo composto por procuradores, servidores, terceirizados e voluntários, com a finalidade de desenvolver a proposta.

Mutirões já foram realizados em seis cidades brasileiras

Procurador regional dos Direitos do Cidadão Jefferson Aparecido Dias

Procurador da República Andrey Borges de Mendonça

Pastor Daniel Checchio

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Mobilização

M inha esperança é que a me-mória desse passado con-tribua para que esse Brasil, nunca mais.” Foi assim que Anivaldo Padilha, líder

evangélico torturado durante a ditadura militar, encerrou seu depoimento durante o ato público Brasil: Nunca Mais Digit@l. O evento, que ocor-reu na Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3), em 14 de junho, deu início à repatriação de cópias e microfilmes de proces-sos do regime militar guardados no exterior. Os documentos fazem parte do acervo Brasil: Nun-ca mais, projeto desenvolvido durante a dita-dura, que buscava informações e evidências de violações aos direitos humanos praticadas por agentes do Estado.

Durante a cerimônia, Anivaldo Padilha falou emocionado sobre os vinte dias em que foi “interrogado” nos porões do Centro de Ope-rações de Defesa Interna (Codi), em São Paulo. Preso durante o regime militar sob a alegação de subversão da ordem e infiltração comunista na Igreja Metodista, Padilha foi torturado com choques elétricos, surras e ameaças contra sua família. Hoje, ele luta para que esse passado não seja esquecido. “Não basta apenas divulgar essas informações. É preciso mostrar que a sociedade brasileira não aceita tortura. Pois se os torturado-res do Estado Novo tivessem sido punidos, talvez não teria existido uma segunda ditadura nesse país”, analisa ele.

Esse Brasil, nunca mais O projeto de repatriação e digitalização

desse acervo histório é uma parceria entre o Mi-nistério Público Federal de São Paulo, o Arma-zém Memória e o Arquivo Público de São Paulo. Em 2005, vinte anos após o fim da ditadura, Mar-celo Zelic - coordenador do Armazém Memória e vice-presidente do Projeto Tortura Nunca Mais - iniciou uma busca pelos processos de presos políticos do regime militar para disponibilizá-los na internet. “É importante deixar a história desse país disponível para consulta de todos e das pró-ximas gerações, garantindo o acesso à verdade”, afirma ele.

Foram sete anos desde a data do evento, quando o Conselho Mundial de Igrejas e o Cen-ter for Research Libraries entregaram os docu-mentos e microfilmes às autoridades brasileiras para repatriação. O acervo será restaurado, di-gitalizado e ficará disponível no site: www.prr3.mpf.gov.br/bnmdigital.

Para a procuradora da República Eugê-nia Gonzaga (PR/SP), a repatriação desse acer-vo é um sinal do fortalecimento da democracia brasileira. “Esses documentos foram para o exte-rior porque não havia segurança para mantê-los aqui. Nossa participação no projeto demonstra que o Ministério Público está atento às suas fun-ções institucionais na defesa do direito à verda-de e à memória”, enfatiza. Gonzaga é uma das coordenadoras da ação e durante anos condu-ziu procedimentos relacionados à localização de restos mortais de desaparecidos políticos.

Mantida na Suíça e nos Estados Unidos, a documentação repatriada é resultado da iniciati-va conjunta da advogada Eny Raymundo Morei-ra e da equipe do escritório de advocacia Sobral Pinto. “Eu era assistente do doutor Sobral Pinto quando ele me contou que diversos processos do Estado Novo haviam desaparecido do Tribunal de Segurança Nacional (TSN). A partir daí, me surgiu o desejo de resguardar as informações so-bre a ditadura que estávamos vivendo”, conta Eny.

Com apoio do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e do Comitê Brasileiro pela Anistia, em seis anos o grupo copiou e microfilmou clan-destinamente 707 processos judiciais de presos políticos. As cópias foram enviadas para a sede do Conselho, em Genebra, e os microfilmes para o Center for Research Libraries, em Chicago. Mais tarde, esses documentos dariam origem ao livro Brasil: Nunca Mais, de autoria de Dom Pau-lo Evaristo Arns e do reverendo Jaime Wright.O

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ANA CAROLINA FERREIRA

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Autor: Subprocurador-geral da República (aposentado) Vicente de

Paulo Saraiva

Editora: Consulex

Livro: Estratégias de Português

Sinopse: Na opinião do autor, uma das vantagens em dominar a língua portuguesa é aumentar nosso poder de nos fazer entender e convencer, usando, por exemplo, o termo certo no local correto. Com essa intenção, o livro analisa mais de 800 verbetes, comparando as ortografias de 1943 e de 2009, ambas vigentes até 2012, além de citar textos dos grandes mestres da língua portuguesa. Na publicação, o leitor também tem acesso a dicas sobre temas como regência nominal e verbal, pontuação, uso cor-reto do hífen e da crase, conjugação verbal e colocação de pronomes. Perfil do autor: O subprocurador-geral da República Vicente de Paulo Saraiva ingressou no Ministério Público Federal no primeiro concurso realizado pela instituição, permanecendo no cargo por 18 anos. Professor licencia-do em Filosofia e Letras Neolatinas, além do livro Estratégias de Português, lançado em 2010, Saraiva tem outras três obras publicadas: Expressões Latinas Jurídicas e Forenses, A Técnica da Redação Jurídica ou A Arte de Con-vencer e Questões Práticas de Português.

Autor: Procurador da República Roberto Moreira de Almeida (PR/PB)

Editora: Método

Livro: Direito Penal para concursos e OAB

A publicação reúne, de forma simples e objetiva, o conhecimento necessário para uma eficiente revisão do programa de Direito Penal (Parte Geral) facilitando o en-tendimento da sistemática do tema. O autor procura explicitar as principais e mais recentes teorias penais expondo, ao longo da obra, as diversas posições doutrinárias acerca dos institutos jurídico-criminais e como os tribunais superiores brasileiros (em destaque o STF e o STJ) têm se posicionado. O livro traz, ainda, textos em matéria penal (ou correlata) escritos por autoridades e estudiosos consagrados, além de ques-tões extraídas de concursos públicos e exames da OAB. Livro: Teoria Geral do Processo Civil, Penal e Trabalhista

O objetivo da obra é orientar estudantes e demais operadores do direito sobre o conteúdo geral da disciplina in-trodutória aos processos civil, penal e trabalhista, partindo da experiência do autor sobre o tema. Além da teoria, o livro oferece também questões de exames e concursos públicos, algumas comentadas. Perfil do autor: Natural do Ceará, o procurador da República Roberto Moreira de Almeida está lotado na PR/PB há 14 anos. Almeida é professor em cursos de graduação e pós-graduação, sendo especialista em Direito Cons-titucional, mestre em Direito Público e doutor em Ciências Jurídicas. Como presidente da Comissão de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, atuou na investigação do caso Hidelbrando Pascoal, deputado federal acusado de chefiar o crime organizado no Acre. Atualmente, o procurador da República representa o MPF no Grupo Na-cional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC).

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Nossos escritores

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Artigo

E stá em debate no Congresso Nacional uma proposta que permite a infiltração de agentes da po-

lícia na internet para investigar crime de pedofilia. O projeto (PL 1404/11) já foi aprovado pelo Se-nado Federal e aguarda a aprecia-ção dos deputados para modificar o Estatuto da Criança e do Ado-lescente (ECA). Segundo o texto, a providência é subsidiária e depen-de de autorização judicial funda-mentada, que estabelece os limites para a obtenção de prova. Além disso, o pedido deve justificar a ne-cessidade da medida, bem como trazer informações sobre quem será investigado, seja o nome ou o apelido usado na rede.

O ponto central da proposta está na inserção do artigo 190-C ao ECA, segundo o qual “não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da in-ternet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos nos artigos 240, 241, 241-A, B, C e D dessa lei e nos artigos 217-A, 218, 218 A e B do Código Penal”. Com isso, a proposição equipara duas formas distintas de atuação poli-cial: a ação encoberta e a infiltra-ção. A infiltração policial reclama tratamento em lei quando se deseja excluir dos tipos penais a eventual

Infiltração de agentes policiais na internet: boas intenções não bastam

Rogério Soares do Nascimento*

*Procurador regional da República - PRR2

conduta praticada pelo infiltrado, para a necessária proteção desse agente policial que põe sua inte-gridade em risco e se aproxima da rede criminosa. Isso desde que o infiltrado se mantenha no estrito limite do que for indispensável à investigação prévia e judicialmente autorizada; e também que haja, de um lado, uma relação de propor-cionalidade entre o interesse na persecução e, de outro, a exposição a riscos ou o dano ao bem jurídi-co lesado na conduta excluída da proibição penal.

Existe, porém, um meio ter-mo entre a infiltração e a atuação transparente: a ação encoberta, voltada para o combate à chaga da pedofilia no ambiente virtual. Nela, há simples ocultação do fato daquele usuário ser do Ministério Público ou da polícia. Esta oculta-ção se dá, em geral, simplesmente pelo uso de sub-redes separadas das redes institucionais e configu-radas para parecerem privadas aos olhos de um criminoso cibernéti-co, e de IPs que não os vinculem ao poder público.

O fato de o agente policial se proteger ocultando sua condição quando investiga, seja numa cor-riqueira vigilância presencial, seja em uma vigilância em ambiente virtual, já estará excluído da ilicitu-de pela cláusula geral de justifica-ção do exercício regular do direito. Nestes casos há, portanto, o que chamei aqui de ação encoberta, pois não há adesão a práticas crimi-

nosas atribuíveis a terceiros (como na infiltração), nem outra conduta que não seja simplesmente a de deixar de revelar a sua condição de agente público e o seu propó-sito de colher dados que possam vir a ser usados na persecução pe-nal. Por isso, fazer uso do conceito de “infiltração policial” talvez não seja a melhor forma de lidar com esse tema delicado da investigação prévia de crimes praticados com sofisticação como aqueles contra a liberdade sexual de criança ou ado-lescente, seja pela maior complexi-dade da estrutura organizacional da “empresa” criminosa, seja pelo emprego de meios tecnológicos que favorecem o cometimento e di-ficultam a apuração do ilícito.

Assim, devemos ter cuidado, pois essa proposta pode ser inter-pretada como excludente da ação encoberta, o que seria péssimo. Boas intenções não bastam. O pro-blema do controle do exercício do poder de investigação do estado se resolve, de um modo satisfatório, na ação encoberta, pela reserva de controle judicial prévio para a adoção de medidas restritivas de direitos individuais. Não há neces-sidade de uma regra nova e especí-fica que, como é inevitável, jamais dará conta de toda a gama de pos-sibilidades práticas e, sendo assim, pode lançar grande perplexidade sobre o que fazer nas situações não previstas.

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