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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO PUC-SP MAÍSA SILVEIRA MARTINS A REPETIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA NA NARRATIVA DE GIL GOMES MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA São Paulo 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO

PUC-SP

MAÍSA SILVEIRA MARTINS

A REPETIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA NA NARRATIVA DE GIL GOMES

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

São Paulo 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO PUC-SP

MAÍSA SILVEIRA MARTINS

A REPETIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA NA NARRATIVA DE GIL GOMES

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob orientação da Professora Doutora Ana Rosa Ferreira Dias.

São Paulo 2009

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

_____________________________________________

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Em especial...

A Deus, autor e consumador da minha fé, que se manifestou a mim por meio de

seu filho amado, Jesus. Eu te amo Pai, porque me amaste primeiro.

Ao meu pai, herói, guerreiro, exemplo de vida e de dedicação aos filhos, quero

agradecer-te pelas palavras de ânimo e de conforto nos momentos de fraqueza.

À minha mãe e irmãs pelo carinho e cuidado que dispensaram a mim. Obrigada

pelas orações que muito confortaram o meu coração. O nosso amor está selado

para sempre!

A meu querido e amado esposo, James, pelo amor, pela paciência e,

principalmente, por suas intercessões por mim.

Aos meus filhos amados, Paula, Lucas e Cíntia, nos quais mantive a firme

justificativa em retroceder nunca, desistir jamais.

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AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos mais sinceros à Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias pelo

estímulo constante, pelas críticas oportunas, pelo lado humano e, principalmente,

pela paciência a mim conferida.

À Profª Drª Maria Lúcia da C. V. de Oliveira Andrade e ao Profº Dr. Dino F.

Preti, pelas significativas considerações feitas no exame de qualificação.

Em especial, à Profª Drª Terezinha Zilli, grande mestra da Graduação, pelo

carinho e motivação que me fizeram chegar até aqui.

À querida amiga Márcia que acreditou em mim. Nos momentos mais difíceis,

não me deixou fraquejar. Nela, só encontrei sorriso e entusiasmo. Meus mais

sinceros agradecimentos. Obrigada.

À querida amiga Sandra pelo consolo, amizade e preocupação. Obrigada pela

leitura e pelas sugestões.

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“Mais do que uma simples característica da língua

falada, a repetição é uma das estratégias de formulação textual mais presentes na oralidade.

Por sua maleabilidade funcional, a repetição assume um variado conjunto de funções.

Contribui para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual; favorece a

coesão e a geração de sequências mais compreensíveis; dá continuidade à organização

tópica e auxilia nas atividades interativas. Disso tudo resulta uma textualidade menos densa

e maior envolvimento interpessoal, o que torna a repetição essencial nos processos de

textualização na língua falada”.

Luiz Antônio Marcuschi

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RESUMO

Esta dissertação insere-se na linha de pesquisa da Análise da Conversação,

Linguística Textual e Análise do Discurso, e tem como objetivo analisar os recursos

lingüísticos essenciais no estabelecimento da coesão textual, como a repetição, a

referência, a paráfrase etc, articulados na produção de uma crônica policial radiofônica.

O corpus constitui-se de uma narrativa oral, produzida pelo prestigiado repórter Gil

Gomes que, para garantir a interatividade com o ouvinte, articula diversos elementos

lingüísticos que estabelecem relações de sentido e asseguram a progressão textual.

Verificamos que o movimento de progressão e retroação no texto só é possível

mediante os procedimentos coesivos necessários para estabelecer relações de sentido.

Dentre os procedimentos, pontuamos a Repetição como importante articulador que

corrobora na formulação textual e promove a progressão do fluxo narrativo. Para

estudá-la, baseamo-nos nos estudos de Marcuschi (1992, 2006) e Koch (2003).

No texto, verificamos que a repetição não está restrita à ocorrência tautológica

de uma palavra, de uma frase ou de uma expressão. Mais do que um simples processo

formulativo da oralidade, a repetição cumpre um importante papel argumentativo. Para

Koch (2003, p. 127): “repete-se como meio de “martelar” na mente do interlocutor até

que este se deixe persuadir”.

Pautada em um fait-divers, a narrativa “O maníaco da Dutra” apresenta como

enredo a historia de um maníaco obcecado pela tara sexual. Nesse estudo, constatamos

que a Repetição é um recurso muito utilizado como elemento argumentativo de fixação

e de alerta, uma vez que, durante a transmissão da narrativa radiofônica, o locutor, por

meio da repetição, não só conduz o ouvinte à memorização das particularidades do

crime (estupro) como também o alerta sobre o modo de agir do estuprador.

Palavras-chave: rádio, narrativa, repetição, referenciação, interação

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ABSTRACT

This dissertation inserts in the research line of Conversation Analysis, Discourse

Analysis and Textual Linguistics, and is aimed to analyze the essential linguistic

resources in the determination of textual cohesions, such as repetition, reference,

paraphrase, etc, articulated in the production of a radiophonic police chronicle. Corpus

consists of an oral narrative, produced by the well-known reporter Gil Gomes that, in

order to ensure the interactivity with the audience, articulates different linguistic

elements that establish sense relations and ensure the textual progression.

We verify that the progression and retroaction movement in the texts is only

possible by means of the cohesive procedures needed to establish sense relations.

Among the procedures, we highlight the Repetition, as an important articulator that

corroborates in the textual formulation and promotes the progression of the narrative

flow. In order to study it, we have based on Marcuschi’s (1992, 2006) and Koch’s

(2003) studies.

In the text we verified that repetition is not restrained to the tautological

occurrence of a single word, sentence or expression. Rather than a simple orality

formulator process, repetition has a significant argumentative role. Koch (2003, p. 127):

says “one repeats as a mean to “beat” inside the interlocutor’s mind until this latter

allows to be persuaded”.

Ruled in a fait-diver narrative, “O maníaco da Dutra” presents the story of a

maniac obsessed by the sexual degeneration. In that study, we noticed that Repetition is

a resource very much used as argumentative element of fixation and warning, whilst

during the broadcasting of the radiophonic narrative, the speaker, by means of the

repetition, not only drives the audience towards the memorization of the crime

particularities (rape) but also warns him/her about the rapist’s modus operandi.

Key Words: Radio, narrative, repetition, referentiation, interaction

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SUMÁRIO DEDICATÓRIA................................................................................................................. IV

AGRADECIMENTOS....................................................................................................... V

RESUMO............................................................................................................................ VI

ABSTRACT........................................................................................................................ VII

SUMÁRIO ......................................................................................................................... VIII

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 01

CAPÍTULO I: APRESENTAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS...................... 05

1.1. A biografia de Gil Gomes ............................................................................ 06

1.1.1. A linguagem de Gil Gomes .................................................................... 09

2. A caracterização social do rádio ...................................................................... 12

2.1. O discurso popular radiofônico ................................................................. 15

2.2. Rádio Tupi AM: breve histórico ………….…………………………….. 17

2.3. Rádio Tupi: O Programa Gil Gomes.......................................................... 19

2.3.1. O perfil do público-ouvinte.................................................................. 23 2.3.1.1 O reconhecimento do público-ouvinte......................................... 25

2.3.2. A interação locutor e ouvinte ............................................................... 27

3. O jornalismo policial no Rádio ........................................................................ 29

3.1. O fait-divers e a ideologia ......................................................................... 30

3.2. O tema da violência ................................................................................... 33

CAPÍTULO II: A NARRATIVA COMO REPRESENTAÇÃO DO MUNDO ........... 36

2.1. A narrativa radiofônica ............................................................................... 41

2.2. A narrativa da notícia: a história ................................................................. 42

2.2.1. A intriga .............................................................................................. 44

2.2.2. As personagens ................................................................................... 45

2.2.3. O narrador ........................................................................................... 46

2.2.4. O narrador e o narratário: uma relação comunicativa ......................... 47

2.2.5. O teor ético e moral da narrativa ......................................................... 48

2.3. A narrativa policial ....................................................................................... 49 2.3.1. A estrutura da narrativa policial (Programa Gil Gomes) ...................... 51

CAPÍTULO III: A REPETIÇÃO E A ARGUMENTAÇÃO: uma imbricação persuasiva 54

3.1. A repetição .................................................................................................... 55

3.1.1. A repetição em sua estrutura multifuncional ........................................ 60

3.1.1.1. Repetição de itens lexicais ............................................................ 61

3.1.1.2. Repetição de construções suboracionais ......................................... 62

3.1.1.3. Repetições de construções oracionais ............................................. 63

3.2. Aspectos funcionais da repetição ................................................................. 63

3.2.1. Argumentatividade........ ....................................................................... 64

3.2.1.1. Reafirmação de argumentos .......................................................... 64

3.2.1.2. Contraste de argumentos ............................................................... 65

3.2.1.3. Contestação de argumentos ........................................................... 65

3.3. A Argumentação .......................................................................................... 66

CAPÍTULO IV: ANÁLISE DO CORPUS ...................................................................... 70

4.1. Análise da narrativa: O maníaco da Via Dutra ............................................ 73

4.2. Análise do fenômeno lingüístico – a repetição como argumentação............. 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 126 Anexo: Transcrição da narrativa: O maníaco da Via Dutra ................................... 130 Anexo: As normas de transcrição do projeto NURC ......................................................... 136 Anexo: CD com a gravação da crônica policial: O maníaco da Via Dutra......................... 137

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1

INTRODUÇÃO

O rádio é um meio no qual a comunicação verbal configura-se em discurso, quer

seja no âmbito popular ou não-popular, viabilizando preceitos e crenças que são

marcados pelas ideologias predominantes da sociedade. O discurso assume um lugar

predominantemente de interação, em que cada participante apresenta traços

característicos da dimensão social e cultural que, portanto, influenciam no processo de

construção da atividade comunicativa entre os participantes.

A transmissão de uma crônica policial, objeto de estudo desta pesquisa, cumpre

papel relevante na composição discursiva entre enunciador (radialista) e enunciatário

(ouvinte) ao recriar a atmosfera narrativa que não se dá de forma ingênua.

Observamos que as narrativas comportam representações do mundo que o

sujeito inscrito em determinado lugar social apreende, de modo que as concepções

idealizadas são elaboradas e reelaboradas nos discursos compartilhados pelos indivíduos

que operam na sociedade.

De maneira particular, a linguagem ultrapassa o simples conceito de meio de

comunicação, para fundamentar-se numa importante marca das posições sociais

ocupadas por um indivíduo em se tratando das representações que possui acerca do

mundo. Em face do exposto, torna-se necessário este estudo, com base no parâmetro

histórico-social, do qual o indivíduo enuncia, ao construir discursos que propiciam a

interação entre indivíduos.

A linguagem na crônica policial apresenta elementos significativos que atuam na

representação social de um indivíduo. Mais do que um sistema de signos ou de regras

formais, a linguagem é um instrumento de que o homem se apropria para significar e

significar-se.

Nesse processo, a narrativa de uma crônica policial radiofônica também se

constitui em um campo fértil para disseminar ideologias. É iniludível julgar que

qualquer discurso esteja isento de intencionalidade, quando a palavra se institui como

uma espécie de “ponte lançada entre mim e os outros” (Bakhtin, 2004, p. 113).

A palavra é veiculada para produzir significações que são apreendidas na

superfície da materialidade do texto, por meio de elementos linguísticos, que se

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articulam semanticamente e que estabelecem uma rede de relações de sentido existentes

no interior do texto.

Nossa pesquisa tem por objetivo analisar de que modo a linguagem oral constrói

mecanismos que estabelecem relações de sentido na produção de uma crônica policial

radiofônica. Desse modo, a análise que se segue contemplou o estudo de importantes

elementos da língua que conferem coesão ao texto.

Podemos destacar a paráfrase, a reformulação, a referência, a repetição, entre

outras, que asseguram o sentido e a progressão textual. No entanto, a pesquisa aqui

relatada estudará o fenômeno da Repetição, que se constitui num aspecto importante na

língua falada. Este estudo dispôs-se especificamente em demonstrar como são

construídas, na crônica policial de Gil Gomes, transmitida pela Rádio Tupi AM, as

repetições com função argumentativa.

Para a análise do corpus, consideramos dois tópicos fundamentais sobre os quais

a crônica policial está alicerçada: a estrutura da narrativa e a repetição. Compreendemos

que a narrativa da crônica policial não deixa de ser uma representação do mundo que o

locutor quer compartilhar com o público.

Ainda que a narrativa seja baseada em fatos reais, seu discurso é extremamente

ornamentado, a ponto de envolver o ouvinte emotivamente na história, fazendo-o

suscitar diversos tipos de sentimento. Quanto aos fatos, apresenta-os, segundo uma

representação de mundo, calcada num discurso que viabiliza crenças e valores, de

maneira que a ideologia surge representada na forma “como” é falada (Reuter, 2002, p.

18).

Em se tratando da repetição, esta consiste em um fenômeno linguístico

recorrente na modalidade oral da língua. Durante o processo comunicativo interacional,

Gil Gomes, no discurso que profere, repete palavras e frases de forma exaustiva, para

ativar a imaginação do ouvinte e persuadi-lo a compartilhar de opiniões e crenças. Nesta

pesquisa, concebemos a repetição como estratégia que o locutor utiliza-se para exercer

ação sobre o público-ouvinte, segundo a intencionalidade.

Para desenvolver esta pesquisa sobre a modalidade oral da língua e, mais

especificamente, para observar as estratégias da repetição oral utilizadas por Gil Gomes,

num primeiro momento, tornou-se necessário gravar o programa em fita cassete.

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Procedeu-se à sua transcrição técnica, segundo as regras 1 do Projeto NURC-SP,

coordenado por Dino Preti.

Tal procedimento configurou-se de forma relevante, para evidenciarmos várias

ocorrências de repetições utilizadas como estratégia oral que visam à interação e à

progressão textual. Desta forma, julgamos que a crônica por nós escolhida, veiculada

em janeiro de 2007, é suficiente para elucidarmos os objetivos almejados por esta

dissertação.

Deve-se esclarecer, ainda, que a crônica que investigamos está integralmente

apresentada no Anexo deste trabalho. No corpo de nossa análise serão contemplados os

fragmentos necessários à exemplificação de nossos argumentos

No primeiro capítulo, sobre o corpus, abordamos alguns aspectos pertinentes ao

comunicador Gil Gomes, a saber: biografia e linguagem, em particular. A seguir, nos

detivemos no aspecto da caracterização do rádio, assinalando, por assim dizer, o

discurso popular radiofônico e a ideologia subjacente.

Ainda nesse capítulo, consideramos útil apresentar uma síntese histórica da rádio

Tupi AM, para, então, delinearmos as linhas gerais do Programa Gil Gomes e as

concepções ideológicas que transpassam seu discurso. Em seguida, julgamos relevante

traçar um perfil do público-ouvinte, com o propósito de discorrermos sobre o discurso

dominante de GG na construção da narrativa.

Nessa perspectiva, no segundo capítulo, realizou-se o estudo da narrativa, mais

estritamente, a narrativa radiofônica de uma crônica policial. Ao considerarmos que as

notícias policiais visam a atualizar o público com informações sobre dramas humanos

provenientes do próprio espaço social em que os sujeitos estão inscritos, tornou-se

indispensável identificarmos os elementos fundamentais encontrados no arcabouço da

narrativa literária ou de ficção na narrativa radiofônica.

No terceiro capítulo, conceituamos um fenômeno presente na oralidade: a

repetição, no intuito de comprovar que mais do que uma característica linguística, a

repetição deve ser percebida como uma “estratégia de formulação textual” muito

recorrente no discurso oral (Marcuschi, 2006, p. 219).

Para finalizar esta pesquisa, o quarto capítulo versou sobre a análise do corpus

no qual demonstramos como Gil Gomes constrói a narrativa, para, então,

1 Estão em anexo as normas de transcrição do projeto NURC.

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fundamentarmos a caracterização da repetição como fenômeno argumentativo, usado

com a função de persuadir o ouvinte para um fim específico.

Como narrador habilidoso, GG compreende que precisa seduzir o público pelo

domínio da palavra e, com esse propósito, desenvolve o discurso por meio de uma

linguagem coloquial, a qual confere aspectos típicos da fala como repetições constantes

e recorrências de palavras, de expressões e estruturas; pausa, interrupções, correções,

dentre outros. Nesta perspectiva, GG envolve o ouvinte no fio da narrativa, com a

pretensão de levá-lo a compartilhar de suas visões de mundo, sempre para obter sua

adesão ao que está sendo enunciado.

Ao realizarmos essas considerações, este estudo buscou responder as perguntas

que nortearam o nosso trabalho de pesquisa: Qual a razão do apresentador GG utilizar,

até de forma exaustiva, o fenômeno da repetição em sua oralidade? Qual a finalidade de

fazer uso da repetição na narrativa? No movimento de avanço e retomada textual, quais

são os outros elementos lingüísticos que evidenciam a progressividade do fluxo

narrativo?

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CAPÍTULO I

APRESENTAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

O corpus selecionado para esta pesquisa é constituído por uma crônica policial

de mídia radiofônica veiculada na rádio Tupi AM de São Paulo, no dia 18 de janeiro de

2007, às 24h00, durante o Programa de Jornalismo Policial: Gil Gomes. A crônica2

intitulada “O maníaco da Dutra” foi selecionada e enviada por alguns jornalistas de

Resende, Rio de Janeiro, para que Gil Gomes desenvolvesse a narrativa em seu

programa.

Esclarecemos que o uso do termo “crônica policial” é devido ao caráter de sua

composição simples e verbalmente despojada. A crônica implica uma reprodução do

acontecimento real em tom despreocupado, mais próximo da conversa. Assim como os

fatos transitórios, a crônica salienta o breve tempo em que os acontecimentos policiais

estão inscritos, mostrando toda a complexidade das alegrias e dos dramas humanos que

estão sob o olhar de um intérprete mais sensível (Sá, 2001, p. 12-13), no caso do rádio o

locutor é o cronista.

Quanto à seleção do nosso objeto de pesquisa, justificamos que a opção pela

narrativa da crônica policial de Gil Gomes se dá pelo fato de esta mostrar-se

significativa para o que propomos observar: a repetição como recurso argumentativo.

Portanto, as razões de ser da escolha encontram-se respaldadas, essencialmente, sobre

dois aspectos fundamentais.

O primeiro aspecto trata-se da repetição, fenômeno muito recorrente na fala de

Gil Gomes, compreendida como um mecanismo que proporciona maior envolvimento

na inter-relação entre locutor e ouvinte. O segundo aspecto relaciona-se com a força

argumentativa que a repetição exerce, durante o processo oral, quando se pretende obter

do ouvinte a comunhão das ideias.

2 O CD com a gravação da crônica “O maníaco da Via Dutra” encontra-se anexo a este trabalho.

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Para a constituição do corpus, fazem-se necessárias algumas informações

relevantes à pesquisa, acerca da biografia e da linguagem de Gil Gomes, que é

considerado um radiojornalista policial prestigiado, até o presente momento. Ao

observarmos que as crônicas policiais do “Programa Gil Gomes” são transmitidas por

uma emissora de cunho estritamente popular, julgamos pertinente destacar alguns

aspectos da história da referida emissora com o propósito de conhecermos a ideologia

que perpassa o discurso do jornalista e o perfil de seu público-ouvinte.

1.1. Gil Gomes: a Biografia do Radiojornalista

Gil Gomes é de origem paulistana, nascido no Jabaquara, região da zona sul de

São Paulo. Durante a infância, sonhava em tornar-se locutor de rádio, mas devido ser

gago, imitava vozes de locutores esportivos que costumava ouvir no rádio e, com isso,

conseguiu superar tal problema de fala (Prado, 1985).

Aos dezoito anos, recebeu a primeira proposta de emprego para trabalhar na

Rádio Progresso como locutor esportivo. Depois, empregou-se respectivamente nas

rádios Santo Amaro, Difusora de Piracicaba, Excelsior, Difusora de Rio Preto e,

finalmente, ingressou na rádio que mudaria a trajetória de vida: a Rádio Marconi.

Num primeiro momento, o locutor ainda irradiava esportes, todavia, uma experiência

inusitada marcou a estréia de Gil Gomes (GG) 3 como repórter policial, que fez a

carreira dele seguir outra direção: um assalto às dependências da emissora Mendes

Caldeira, no qual um ladrão fez a secretária de refém. A partir desse episódio, GG

vislumbrou uma oportunidade e deslocou-se para o local, com um microfone à mão, e

começou a irradiar ao vivo todos os fatos que presenciou naquele momento.

Logo depois, GG confessou que, conforme narrava esse fato, sentiu uma emoção

sem precedentes, e para compreender os motivos que impeliram o ladrão a agir de

maneira drástica, revelava detalhes sobre o desdobramento da história.

3 Doravante, para facilidade de leitura, designou-se o nome do locutor Gil Gomes pelas iniciais de seu nome – GG.

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O fato narrado por GG atraiu audiência e ofereceu uma nova oportunidade para a

carreira do locutor, portanto, nascia, ali, o repórter policial GG com um programa

totalmente ao vivo, cujas notícias policiais constituíam-se de fatos criminais a serem

narrados (Prado, 1985).

Como conduta ética e profissional, GG sempre exigiu que, todos os detalhes

sobre os fatos, fossem verificados com cuidado, para que não viesse a cometer nenhuma

injustiça. Dessa forma, o radialista conquistou credibilidade e confiança do público,

pelo fato de considerar que em cada tragédia há um ser humano com uma história. É

nessa perspectiva que GG descobre dados de quem está envolvido nos casos, como o

nome, a profissão e as causas que levaram a pessoa a agir de determinada maneira.

(ibid.)

Em virtude desta competência, GG é visto como um “justiceiro” pelo público.

Desde que passou a exigir das autoridades uma punição aos infratores, tornou-se porta-

voz das camadas sociais mais populares, seja da periferia, seja dos grandes centros

urbanos. Até hoje, essa imagem permanece: um homem de caráter, em busca da justiça

em favor das pessoas desprotegidas pelos órgãos competentes (Costa, 1992, p. 30).

Ao participar de uma palestra4, GG revela que, mais do que um comunicador ou

repórter policial, ele é um “contador de histórias”:

No microfone, não vejo ouvintes, mas pessoas. Minha profissão é de contador de histórias. [...]. É como se você fizesse um vídeo tape mental, eu começo a passar a história, a narrar aquilo que vem do coração para o cérebro, passando pela emoção. Eu não tenho preocupação de escolher palavras, frases. E a conversa que eu tenho comigo mesmo, tenho com o ouvinte.

Na década de 70, GG alcançou sucesso e reconhecimento, ao começar a

trabalhar em uma das maiores emissoras do país: a Rádio Record. A emissora passava

por uma situação financeira difícil, entretanto, com a chegada dele, no Programa

“Dramas da Cidade”, a audiência da emissora subiu (Prado, 1985, p. 69).

4 Gil Gomes participa de uma palestra realizada na PUC/SP, dia 14 de novembro de 2006.

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GG e a equipe de investigação, diariamente, saíam a campo, à procura de

alguma ocorrência que mostrasse a dimensão da tragédia humana e, geralmente, os

casos eram encontrados em delegacias e também no I.M.L. (Instituto Médico Legal).

Outras vezes, os ouvintes ligavam para emissora para contar histórias ao

telefone, ou então, enviavam-nas por cartas. Pode-se dizer que há uma cumplicidade

entre o locutor e o público, haja vista que este acredita apropriar-se das palavras do

discurso do radialista, portanto, um discurso seu, para dizer algo que o público diria

para as pessoas que não se comportam de acordo com as regras sociais (Costa, 1992, p.

44).

Costa assinala que:

Gil Gomes aparece como um indivíduo que, ao lidar com as questões ligadas à morte, ao crime, pode tornar-se, aos olhos deste público, alguém capaz de resolver as questões ligadas à própria vida, ou seja, alguém capaz de “orientar” os indivíduos, para que estes possam melhor conduzir seus atos. (ibid, p. 64).

Em meados de 1972, GG despedia-se da Rádio Record em favor da Rádio

Globo-Nacional. O locutor permaneceu oito anos, nessa emissora, atingindo o Ibope

mais alto de sua carreira que evidenciou a preferência popular.

GG retorna para a antiga rádio Record, em 1979, juntamente com Silvio Santos

e, na década de 80, assume um contrato de um programa diário na emissora de TV:

Rede de Televisão Record. Novamente, volta à pesquisa de campo, sem, no entanto,

alterar a estrutura que já mantivera e que havia lhe proporcionado reconhecimento.

De 1991 a 1997, GG atua como repórter investigativo do extinto jornal “Aqui e

Agora”, no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Após essas experiências na

televisão, retorna à atividade no rádio, no qual permanece até o momento.

Durante sete anos, o radiojornalista permanece na rádio Tupi, exercendo o

mesmo trabalho de reportagem investigativa policial, mas, em novembro de 2007, volta

a fazer parte da equipe de jornalistas da rádio Record AM5. O formato do programa

continua o mesmo e a emissora comemora o alto índice alcançado pelo programa de

5 Pesquisa realizada no site: http// www.maxpressnet.com.br, no dia 18/12/2007.

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GG, ao constatar que, ainda no mês de sua re-estreia, alcança índice expressivo com um

crescimento de 400% na audiência.

Os dirigentes da emissora, depois de um mês da chegada de GG à Record AM,

constatam que os números registravam um índice recorde de público-ouvinte. Em

números absolutos, a audiência pulou de 16.750 ouvintes/minuto, em outubro, para

67.000, em novembro.

Esses índices apresentados pelo Programa de GG ratificam a representatividade

do locutor na rádio e ainda registram a grande aceitabilidade do trabalho realizado,

tendo em vista a expectativa do público-ouvinte.

1.2. A Linguagem de GG

Na rádio, o locutor sabe que precisa criar um vínculo com o público e, para isso,

tem que provocar emoção, narrar a notícia de forma dramática, a ponto de exigir o

envolvimento emocional do ouvinte6. Mediante um público-alvo já definido, GG aborda

todo o conteúdo noticioso por meio de uma linguagem simples e coloquial.

Diferente do estilo jornalístico em que a informação é transmitida de maneira

objetiva; em GG, a informação policial, no programa popular, é trabalhada por meio de

uma linguagem que busca o envolvimento, estimulando a imaginação dos ouvintes. A

linguagem de GG diferencia-se daquela usada no jornalismo de “baixa estimulação7”,

pois se desassocia da tendência de formalidade e do tom oficial, adotado pelas

emissoras, que preferem manter o status de sobriedade mediante o uso de uma

“linguagem mais elaborada e distante do coloquial” (Meditsch, 1999, p. 86).

Nesse sentido, a seriedade do programa em informar o fato policial não prescinde

da elaboração de uma linguagem mais estimulativa, que requer um procedimento de

trabalho singular, devido à própria maneira de atuar na transformação do fato em

6 Consideramos a designação particular “locutor” / “ouvinte” melhor aplicada na dissertação. 7 Segundo Távola (1976) & Meditsch (1999), a rádio de baixa estimulação é “desmobilizante” por apresentar baixo uso de “estímulos sonoros”. Assim, nesse tipo de rádio, é comum a presença de comunicadores que não são individualizados, nem o ouvinte é personalizado (p. 860).

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narrativa, porque, à medida que narra, cria um clima de suspense crescente, ao estilo da

radionovela8. Assim, como uma peça radiofônica, GG traz à luz os personagens pela

“obra acústica” do rádio, portanto, cabe ao ouvinte remontar toda a cena e “usar as

imagens ‘interiores’ para entendê-la” (Silva, 2005, p. 194).

Como podemos verificar no texto do corpus (anexo), GG oraliza seus textos,

empregando uma linguagem coloquial, ao abordar um fato policial, em que a temática é

a perversão de um estuprador como: 1) reduções típicas da oralidade do cotidiano: pra

(para); tava (está – verbo estar), cê (pronome de tratamento você); 2) inadequação da

regência verbal: chego na via Dutra (chego à via Dutra); 3) a inadequação do uso do

advérbio aonde (que indica movimento – a que lugar) por onde (lugar de repouso – em

que lugar); 4) marcadores conversacionais: aí, aí então, isto mesmo, ah; 5) uso

coloquial de pronomes demonstrativos: esta (essa), este (esse); 6) o verbo e a colocação

pronominal: me informe (informa-me), ligue (liga).

Essa aproximação com a língua oral suscita o tom informal e facilita a interação

com o ouvinte, disseminando valores que se encontram subjacente ao discurso. Assim,

o fato policial é articulado por uma linguagem mais coloquial, mais interessante, uma

vez que a notícia segue por um viés linguístico provido de emoção. Deve-se salientar

que a locução agressiva e a maneira de dramatizar configuram o caráter diferenciador

deste programa em relação aos demais.

Pode-se dizer que esse tipo de narrativa policial está situado na “confluência do

estilo rádio-teatro 9 e do estilo jornalístico”, esclarece Lopes (1988, p. 125). Dessa

forma, GG conquistou muitos ouvintes ao dramatizar as crônicas policiais, que se

diferenciam das radionovelas com suspense, mantido até o dia subsequente, narradas

integralmente até o fechamento do caso.

8 O gênero radionovela foi introduzido nos anos 30, mas só em 1941 ganhou proporções maiores, quando Oduvaldo Viana, diretor da Rádio São Paulo, decidiu colocar no ar a primeira escrita por ele: “A predestinada”. – http://geocities.com/memorialdatv/radio.htm - acesso em: 10/05/2008. 9 O rádio-teatro consistia em uma representação teatral de variadas histórias temáticas do dia a dia, com atores e efeitos sonoros realistas que captavam a atenção dos ouvintes. Para isso, havia o trabalho do sonoplasta que reproduzia todo tipo de sons e ruídos usados para simular os estados emocionais dos personagens e das situações externas da história. Geralmente a peça tinha duração de uma semana, com capítulos veiculados diariamente no rádio. A única diferença que se pode estabelecer entre rádio-teatro da radionovela é que esta, mesmo convivendo com o rádio-teatro, permanecia muito mais tempo no ar, como aconteceu com a transmissão de “A predestinada” que levou quase dois anos de duração. http://www.maikol.com.br/subpages/radionovela4htm. Acesso em 04/03/2009.

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Com uma linguagem predominantemente “emotiva e cognitiva”, (cf. Lopes

1988, p. 161), o locutor explora a imaginação do público nos casos em que as tragédias

do cotidiano são recriadas. Diz-se emotiva porque a narrativa perde a objetividade, no

momento em que GG submete o fato policial a uma narração dramática, a ponto de

suscitar suspense e medo da realidade exposta; por outro lado, a cognitiva relaciona-se

com a descrição de detalhes do acontecimento, a fim de explorar a imaginação do

público.

Para transmitir ao vivo as crônicas policiais, entretanto, GG sempre contou com

um roteiro também conhecido como script 10, que contém dados ordenados no papel e

que funcionam como diretriz na construção da narrativa. Sendo assim, pode-se dizer

que a posição de GG consiste em ser mediador entre o produtor do texto escrito e a

audiência pelo uso da dramaticidade com que emprega forte entonação, intensidade,

duração e velocidade na fala, durante a construção do texto narrativo.

A forma como trabalha essa “oralidade” na formulação discursiva é que ganha

destaque ao compararmos com outros radiojornalistas policiais, tendo em vista que

promove a interatividade pela fala informal, suprindo necessidades reais dos ouvintes.

De acordo com Urbano (2008, p. 242), esse tipo de linguagem é um “campo adequado

para o envolvimento do emissor com o destinatário”.

A seguir, mostraremos as transformações que o rádio sofreu no momento em que

abriu espaço para os anúncios comerciais, numa tentativa de sobreviver às adversidades

impostas pelo contexto da época. De forma gradual, o rádio adquiriu status popular,

educativo, cultural, em detrimento de um conceito mais erudito por ocasião de seu

invento. Para entendermos o processo dessa transformação, faremos um breve percurso

10 Em vista de a materialidade do rádio ser constituída de som, música e ruído, não examinados nesse trabalho, não se pode dizer que a escrita também não faça parte de seu universo. Inicialmente, a história do rádio foi marcada por grandes contradições, logo nas primeiras transmissões surgidas na década de 20 do século passado. Muitos jornalistas acreditavam que, por ser um meio consubstanciado pelo texto falado, não era passível de revisão. Por causa disso, a modalidade falada preterida, pela escrita. Hoje, sabe-se que “elas mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis” (Fávero, 2000, p. 13). Isso significa que as duas modalidades estão presentes e inter-relacionadas nos diferentes gêneros textuais. Portanto, os dois sistemas linguísticos compreendem duas modalidades dentro de um mesmo sistema: a linguagem verbal. No universo radiofônico, os textos escritos são elaborados para que o locutor possa fazer a leitura e desenvolver a interpretação. Sem isso, torna-se impossível realizar um trabalho midiático acionado somente pela memória, em que ocorrendo a interrupção ou o silêncio, o ouvinte pode facilmente distrair-se com outros estímulos que o rodeiam. Nas palavras de Meditsch (1999:177), “tanto quanto a incerta atenção do ouvinte, a não-permanência do enunciado representa um desafio para a comunicação radiofônica e força uma diferenciação no seu texto em relação ao texto escrito”.

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histórico, no aspecto social do rádio, haja vista que a programação que nos interessa é

totalmente voltada para a classe popular.

2. A Caracterização Social do Rádio

O rádio foi considerado o primeiro meio de comunicação de massa, na década de

20, devido a dois aspectos-chave que o consagraram como tal: um de ordem

institucional, e o outro, empresarial. Nessa época, poucas pessoas tinham acesso aos

aparelhos receptores, por serem importados e caros. Isso justifica o porquê de os

investidores estabelecerem outro estilo de fazer rádio, dirigindo suas expectativas para a

elite, culturalmente formada. Por sua vez, a programação das emissoras dependia

exclusivamente da contribuição dos ouvintes que chegavam, até mesmo, a fornecer os

discos às emissoras, evidenciando a distância entre os ideais com os quais o rádio havia

sido criado inicialmente: a popularização e a educação, almejada por Roquete Pinto -

pioneiro na radiodifusão11 brasileira.

Segundo Ortriwano (1988), a aquisição dos receptores era somente privilégio de

poucos e, com isso, evidenciou-se a exclusão das classes populares pela impossibilidade

de adquiri-los, uma vez que o custo era elevado. Após a Revolução de 30, devido ao

crescimento econômico do Brasil, os setores do comércio e da indústria precisavam

colocar seus produtos no mercado interno, imprimindo mudanças nos veículos de

comunicação.

Ao considerarmos que a grande maioria da população nacional era analfabeta, os

empresários começaram a ver o rádio sob a perspectiva da funcionalidade e da

eficiência na comunicação, em contraposição ao jornal, que era requisitado somente por

pessoas letradas e com poder aquisitivo, desencadeando prestígio ao rádio em relação

aos demais meios de comunicação.

11 Radiodifusão é “a transmissão e dispersão da informação produzida que abrange indivíduos, grupos e estratos sociais em todo o mundo” (Barbosa Filho, 2003, p. 46).

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Na década de 40, com o surgimento das primeiras radionovelas e das

transmissões esportivas, houve a introdução do radiojornalismo, dos programas

humorísticos, dos grandes musicais e dos programas de auditório que marcaram o auge

do rádio como um grande meio de comunicação da sociedade brasileira. Contudo, com

o advento da televisão, esse meio de comunicação teve que ser repensado no tocante à

forma e estrutura, para que o público não desertasse para a mais nova sensação do

momento: a televisão.

Desse modo, o rádio, depois de enfrentar essa crise, buscou novas soluções para

combater o desinteresse do público-ouvinte nesse tipo de meio de comunicação e, como

estratégia, a comercialização do transistor12, a partir da década de 50, facilitou o acesso

à população. Nessa perspectiva, a fatia excludente da sociedade tinha acesso à mais

nova tecnologia da comunicação e paulatinamente as emissoras popularizaram

programações referentes ao lazer e à diversão.

Ao mesmo tempo em que direciona-se ao coletivo, o rádio é um meio de

comunicação voltado para o indivíduo, em face da linguagem simples e convidativa,

muitas pessoas elegem-no como “mídia pessoal” (Filho, 2003, p. 48). Essa preferência

resulta no fato de que, para receber as informações, o ouvinte não precisa ser

alfabetizado, evidenciando o motivo pelo qual o rádio tem seu status de forma popular.

Para tanto, o ouvinte não precisa ser escolarizado para receber a informação, somente

basta ouvir.

Para Ortriwano (1988, p. 175), essa é a principal consequência do rádio ser

popular, tendo em vista o perfil sóciocultural do público-ouvinte – de pouca

escolaridade, em contraposição ao público leitor que possui acesso ao material

impresso, fato que exclui os analfabetos da prática de leitura. Diante da existência de

um público iletrado, a expansão do rádio acontece, em decorrência dos patrocinadores

investirem em propaganda, para vender produtos e alcançar o mercado consumidor.

Dessa maneira, a publicidade configura-se o elemento central para manter o

rádio como meio de comunicação. Portanto, a partir dessa perspectiva, o rádio perde

caráter de instrumento educativo, para tornar-se em um instrumento que atende

12 Transistor é um pequeno dispositivo semicondutor usado para controlar o fluxo de eletricidade em um equipamento eletrônico (inventado em 1947). Ele veio substituir as válvulas termiônicas em rádio e televisão. http://houaiss.uol.com.br. Acesso em 02/05/2008.

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prioritariamente aos interesses comerciais dos grandes patrocinadores, por se tratar de

uma forma eficaz para incentivar o consumo.

Ortriwano (1985) considera que:

A introdução de mensagens comerciais transfigura imediatamente o rádio, o que era “erudito”, “cultural” passa a transformar-se em “popular”, voltado ao lazer e à diversão. O comércio e a indústria forçam os programadores a mudar de linha: para atingir o público, os “reclames” não podiam interromper concertos, mas passaram a pontilhar entre execuções de música popular, horários humorísticos e outras atrações que foram surgindo e passaram a dominar a programação ( p. 15).

Nessa direção, os profissionais da área consideraram que o momento era

propício para compor uma estruturação do rádio, configurando-se, assim, em formatos e

conteúdos que conferissem maior aproximação entre o locutor e o ouvinte do programa.

Nos anos 60, as emissoras FM, com frequência modulada, surgiram,

proporcionando aos ouvintes música ambiente, dentre as quais, podemos destacar a

Rádio Difusora e Rádio Eldorado de São Paulo. No entanto, em meados de 1970, as

emissoras procuraram aproximar-se mais de determinadas faixas sociais, dirigindo-se a

elas com o objetivo de adequar a linguagem aos padrões das classes que desejavam

atingir. De acordo com Lopes (1988), a classe popular, durante muito tempo, foi

considerada como mercado marginal13, mas, com o passar do tempo, os investidores

compreenderam que esse mercado perfazia um tipo de consumidor em potencial, já que

representava 2/3 (dois terços) no consumo de certos produtos, gerando maior

rentabilidade.

Tal visão identificou a necessidade existente e o mercado abriu-se para “uma

gama de produtos que vivem praticamente à sua sombra”, evidencia Lopes (1988, p.

112). Por isso, a maior parte dos produtos anunciados é considerada popular porque o

público-alvo é composto por trabalhadores pobres e urbanos.

Em seus estudos, a autora ressalta que o rádio se firma como veículo, cujas

condições de recepção são marcadas por distinções de classe, haja vista seus produtores

13 Segundo Lopes, o mercado marginal é “um mercado especializado no consumidor de baixa renda e em produtos ditos ‘populares’’’ (op. cit., p. 82).

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estarem vinculados às classes dominantes. Ou seja, diante dessa massa, até então

desassistida, os que detêm poder de compra, cientes do efeito propagador do rádio,

manipulam-no para exercer poder de persuasão sobre o ouvinte.

Em sua obra “A rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e

marginalidade social”, a autora mostra que os discursos radiofônicos AM são

elaborados com vistas às classes populares (C, D e E), de modo que a rádio AM14 é

mais ouvida por essas classes, devido ao fato de o gênero abarcar variadas mensagens,

ao contrário da rádio FM15, que tem como eixo a programação musical com a audiência

centrada na classe alta, nos setores médios, e altos da classe média (A e B).

Além da constatação de que é a classe popular quem mais ouve rádio

diariamente, outro fator torna-se relevante: o rádio também constitui-se no meio mais

ouvido no local de trabalho das classes populares, em relação às demais. Isso significa

que, mesmo que o rádio seja avaliado como um meio de lazer e entretenimento, e

ouvido no transcorrer de qualquer atividade de trabalho, em execução, não atrapalha o

rendimento do ouvinte e, tão pouco, torna-se uma ameaça ao trabalhador; por outro

lado, a televisão, a imprensa o cinema requerem maior atenção para compreensão do

conteúdo veiculado.

No que se refere aos gêneros discursivos mais largamente consumidos pelas

classes populares (C, D e E), Lopes (1988) constata que o gênero noticiário popular e o

musical sertanejo são mais apreciados pelo público, devido ao discurso popular

veiculado, com o qual os ouvintes facilmente se identificam.

2.1. O Discurso Popular Radiofônico

O rádio também caracteriza-se como um veículo que possui a função de

propagar padrões de conduta e de comportamentos, ditados pelas normas sociais. Mais

que produtor de informação, tal meio deve ser considerado um formador de opinião, ao

14 De acordo com o sistema de transmissão, existem emissoras em AM (amplitude modulada) que operam em OM (ondas curtas, faixa de 6 a 26 kHz), e outras que também operam em AM na faixa de 2,3 a 5,06 MHz e que são chamadas OT (ondas tropicais). 15 As emissoras em FM (frequência modulada) operam na faixa de 88 a 108 MHz. (Rabaça e Barbosa, 1987, p. 492).

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pregar explícita ou implicitamente valores, representações e condutas a serem seguidas

pela sociedade (Marcondes Filho, 1989).

Assim, entendemos que o jornalismo diário de GG exerce uma aparente função

mediadora entre o ouvinte e a realidade, sendo um veículo de importância na

transmissão de acontecimentos policiais, para o conhecimento de seu público. É preciso

observar que sob a aparente neutralidade, no ato de informar, subjaz uma ideologia que

se deixa revelar pela palavra. Mais do que informação, o que se pretende é influenciar o

comportamento do outro, criando condições para que o ouvinte venha compartilhar do

pensamento vigente.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que o rádio também é um meio expressivo na

disseminação de idéias, valores, conceitos, portanto, no estabelecimento de princípios

estruturais socialmente normatizados. Como no jornal impresso, há muitos gêneros no

rádio, que demandam estudos. No entanto, o escasso material encontrado evidencia a

falta de interesse de pesquisadores para neste tipo de mídia, mas, mesmo assim,

encontramos muitos gêneros caracterizados em diversos formatos, difundidos como

discurso não-neutro e dotados de intencionalidade, seja ela qual for.

Na multiplicidade de gêneros presentes, Lopes (1988, p. 104) aponta dois tipos

de discursos do conjunto da produção radiofônica: o popular e o não popular. O

primeiro é produzido por emissoras “que apresentam uma programação consumida

quase exclusivamente pelas classes C, D e E”. Em contrapartida, o discurso não-popular

abrange preferencialmente as classes altas (A e B).

Esta dicotomia popular e não-popular, no discurso radiofônico, é tão somente

decorrente das condições sociais as quais os receptores, desse discurso, se reconhecem

e, nele, se enquadram. As emissoras populares são mais requisitadas pelas populações

marginais, denominadas classes populares, pela razão de se identificarem mais com os

tipos de discursos veiculados, que geralmente são construídos com base numa

linguagem mais coloquial e de fácil entendimento.

Nessa direção, o discurso popular e o discurso não-popular devem ser

observados em suas especificidades porque são constituídos segundo as representações

do mundo. A emissora popular viabiliza um discurso que, além de atrair, também

influencia as classes populares e, o mesmo processo, ocorre com o discurso não-

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popular, ao materializar valores compartilhados com a audiência. Tanto um, quanto

outro discurso, corrobora para se estabelecer um contrato de desenvolvimento e

convivência social, dotado de juízos de valor que, portanto, incidem no comportamento

humano.

Segundo Lopes,

o discurso popular e o não-popular não se confundem com um ou alguns gêneros; é um arranjo particular de elementos de cada gênero que vai constituir a estrutura do discurso como popular ou não-popular. Esse arranjo particular não é o resultado de uma ação consciente dos emissores, de um querer fazer um programa com tais ou quais características porque se quer atingir tal ou qual público” (op. cit., p. 105-6).

A distinção entre popular e não-popular reside na ideologia que subjaz à

especificidade discursiva de cada um, então, a criação de um programa, com

determinadas características, abarca um critério de valor de quem o produz.

Em se tratando do processo de produção e de reconhecimento do discurso, a

autora acrescenta que ambos estão marcados por uma defasagem em que “o contexto de

consumo é socialmente diferenciado, enquanto do lado das condições de produção o

produtor é sempre um elemento vinculado às classes dominantes” (ibid., p. 57). Nesse

sentido, o discurso radiofônico popular é um produto consumido preferencialmente

pelos “estratos sociais mais inferiores da sociedade”, configurado pelas classes D e E

(ibid.).

2.2. Rádio Tupi AM: Breve Histórico

A Rádio Tupi AM participou da construção histórica do rádio devido à tradição

jornalística e à programação voltada para as classes populares. A origem da emissora

está interligada, praticamente, com o advento do rádio, que completou 85 anos de

história oficial no Brasil, como meio de comunicação, a partir do evento de abertura na

Exposição Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil. Portanto,

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após treze anos de inauguração, no dia 25 de setembro de 1935, na Rua Santo Cristo,

surgia a PRG-3 Rádio Tupi.

Na década de 40, a emissora instala-se na Rua Venezuela, onde os estúdios

passaram a ser a vitrine de eventos importantes, mediante uma atuante programação ao

vivo que contava com a participação de cantores e orquestras famosas. Além das

transmissões esportivas, que ganharam representatividade, o radiojornalismo passava a

ter importância para a emissora e, em 1945, a Rádio Tupi foi a primeira a anunciar o fim

da 2ª Guerra Mundial.

Com o passar dos anos, a emissora passa a enfrentar dificuldades financeiras, de

modo que, em 1979, muda-se novamente para o, então, atual endereço, na Rua do

Livramento. De forma gradual, a emissora é reestruturada e as programações tornam-se

revigoradas, com a participação de artistas que conquistaram o público.

Em 2003 consolida-se a fase de liderança, dentre as rádios AM, devido a

investimentos que contribuíram com a expansão. Dessa forma, pode-se dizer que, hoje,

a emissora opera com 221 funcionários, entre apresentadores, operadores, produtores,

repórteres e estagiários. Também, em 2005, além de transmitir uma programação

especial em homenagem aos seus 70 anos, compra o primeiro transmissor digital do

Brasil e cria o Centro de Documentação, com o objetivo de resgatar e preservar a

memória da rádio.

A Rádio Tupi AM, 1150 khz, é a terceira rádio mais ouvida de São Paulo,

dispondo de uma programação dirigida na cidade de São Paulo, destinada a um público

predominantemente feminino. Tal afirmação, tampouco exclui a parcela de público

masculino, uma vez que a participação dá-se de modo efetivo, mas em menor número.

A programação compreendia, até então, músicas sertanejas e notícias, mas,

devido à grande concorrência, com as programações FMs, a Rádio Tupi transformou a

grade estrutural, mediante uma nova programação, a partir do dia 07 de novembro de

2007. Também coube à emissora Tupi o papel de precursora na atividade do

radiojornalismo, na década de 40, além das transmissões esportivas e das radionovelas.

Ortriwano (1985, p. 21) ressalta a importância da Rádio Tupi de São Paulo em

se tratando de sua “tradição jornalística”, por colocar programas de grande

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representatividade no radiojornalismo como o “Repórter Esso” e o “Grande Jornal

Falado Tupi”, que delinearam o perfil da emissora à medida que propôs “caminhos de

uma linguagem própria para o meio, deixando de ser apenas a ‘leitura ao microfone’ das

notícias dos jornais impressos”.

A atividade do jornal no rádio, desde então, tem-se caracterizado em diversos

formatos e, no tocante ao jornalismo policial, ganhou destaque por apresentar-se com

estilos variados, despertando interesse da classe popular.

2.3. Rádio Tupi: O Programa Gil Gomes

O “Programa Gil Gomes” teve sua transmissão diária, na rádio Tupi AM, 1.150,

de São Paulo, de segunda à sexta-feira, em três horários diferentes: das 7h às 9h, das

12h às 13h30min e das 24h às 1h30min. A emissora registrava maior índice de

audiência no horário em que esse programa era apresentado.

Além de São Paulo, o programa se estendia aos estados de Minas Gerais, do

Paraná e de Mato Grosso, locais com liderança absoluta de ouvintes. Assim, no horário

da noite, às 24h, era o próprio GG que fazia a abertura do programa da madrugada,

mediante as seguintes saudações: “Começa um novo dia! Bom dia para você! Bom dia

para você que está na Tupi AM! Vamos ao nosso caso da madrugada! Bom dia para

você ouvinte da Tupi AM!”.

Essas chamadas de curta duração ou vinhetas reforçavam o programa de GG

como o melhor radiojornalismo policial do rádio. Nota-se pela chamada que o programa

é personalizado, fato que se observa, a partir do próprio nome do programa: “Programa

Gil Gomes”. Aqui o locutor adquiriu, junto ao público, notoriedade pela função de

informador do povo, sempre em busca da verdade.

Isso explica a representatividade obtida no meio popular, uma vez que o público

o considera conselheiro, justiceiro, amigo e defensor. Portanto, o formato desse

programa possui uma sequência fixa, pois, algumas vezes, durante a chamada de

abertura, nenhum comercial é anunciado e GG inicia a programação, cumprimentando

os ouvintes.

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Entre uma narrativa e outra, diferentes vinhetas alternam-se no transcorrer do

programa, dentre as quais: “Eu sou de São Paulo – Rádio Tupi AM”, ou ainda “1.150 no

seu rádio Tupi AM”, “Bom dia São Paulo – Rádio Tupi AM”.

Antes de começar o relato dos casos, dois ou mais comerciais anunciam uma

diversidade de produtos, quase sempre voltados às classes mais populares como

remédio para impotência sexual, pomadas, remédios de medicina popular, loção capilar,

remédio para disfunção menstrual. Também contempla vários outros serviços como:

plano de assistência funeral, cartão de banco e empréstimos, óculos medicinais,

revendas de jóias e bijuterias, vendas de terrenos e apartamentos etc.

Pode-se dizer que o bloco de anúncios publicitários também contribui na

organização do programa, uma vez que funciona como suporte financeiro de toda e

qualquer produção, razão que dá subsistência ao meio. Isso explica o motivo pelo qual o

programa apresenta-se intermediado por anúncios de diversos produtos ou prestações de

serviços.

Uma importante estratégia de venda consiste no depoimento de pessoas que

adquiriram produtos anunciados e tiveram problemas sanados. Assim, esse recurso de

venda é comumente usado em programa com característica popular (Lopes, 1988, p.

112).

Nessa perspectiva, trata-se de oferecer a um público específico os produtos de

que necessita a um preço acessível, sendo que os comerciais, nos quais o próprio

jornalista atua, conferem ao imaginário do ouvinte uma associação do discurso

informativo e do publicitário. Por intermédio desse binômio, os comerciais ganham

mais credibilidade do povo.

De acordo com Costa (1992, p. 32) “o estilo da narrativa imprime ao comercial a

marca da autoridade da informação”. Essa estratégia de divulgação do produto vale-se

da participação do comunicador na venda do produto, que é denominada de

testemunhal, ou seja, o locutor empresta sua voz para dar credibilidade ao produto,

tendo em vista o convencer o público (cf. Silva, 1999, p. 29).

O estilo radiofônico de GG torna o produto inédito e reconhecível de imediato,

para qualquer ouvinte da rádio e, consoante Lopes (1988, p. 131), a voz deixa de ser

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“apenas uma voz que apresenta para ser uma voz que representa”, assumindo uma

posição de representação e de valorização da própria imagem, de modo que deixa de ser

um instrumento de produção de palavras, para se transformar em personagem.

Como consequência, na propaganda testemunhal, a voz credita veracidade ao

produto, ao encarnar a imagem do locutor pelo testemunho à medida que este legitima a

eficácia do produto e, por isso, deve ser comprado. Portanto, o resultado desse tipo de

venda é satisfatório, mesmo que o custo de veiculação seja mais alto do que as demais

estratégias de venda comercial como spot e jingles.

Pode-se dizer que os anúncios com a participação de GG têm o custo mais

elevado, devido ao pagamento de cachê do apresentador. No entanto, grande parte dos

ouvintes consideram correto que este receba, pois julgam que seja um procedimento

normal por “ele ser o corretor de publicidade do seu programa”, pontua Lopes (op. cit.,

p. 167).

Quanto ao aspecto testemunhal, Filho (2003, p 126) adverte que esse

procedimento é inconveniente, já que rompe com a ética, pelo objetivo de persuadir o

ouvinte a adquirir o produto “baseado na credibilidade da pessoa que vende, e não na

qualidade do produto”.

Como pudemos constatar um dos aspectos mais importantes do processo de

modernização do rádio é sem dúvida a estrutura de marketing implantada pela emissora.

Trata-se de investir apropriadamente nas novas técnicas de comercialização da rádio

como produção cultural a ser vendida. Por isso, a emissora empenha-se em implantar

uma linguagem publicitária que exerça grande atração aos ouvintes.

Isso é relevante que o princípio publicitário apresenta a ordem invertida, ou seja,

o produto estava, num primeiro momento, em função do programa; agora, o programa

está em função do produto (Lopes, 1988, p. 116). Dessa maneira, a autora entende que

com o novo conceito mercadológico, o comercial confunde-se com os temas do

programa em que GG mantém o mesmo tom da “fala suspense” ao vender um produto.

Como testemunha, GG sempre é enfático, ao comentar os benefícios que os

produtos trazem e, muitas vezes, no ar, o radialista fala com o empresário ao telefone

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sobre o produto, fazendo referência aos benefícios e resultados em usá-lo, destacando a

promoção de venda em que o produto se encontra.

Para convencer o público a comprar o produto anunciado, GG chega, até mesmo,

a repetir o número do telefone, para que o ouvinte possa entrar em contato caso esteja

interessado em adquirir o produto. Às vezes, GG se dispõe a repetir os quatro primeiros

números e o anunciante do produto pronuncia os números finais.

Comprova-se, dessa forma, que todas as propagandas, com a participação de

GG, apresentam resultado positivo de venda, por parte da rádio, e de compra em se

tratando do público. Sendo assim, o testemunho do próprio locutor, no uso de um

produto, consiste num jogo de marketing.

Para Silva (1999, p. 29) “o que está em jogo é a aceitação e a credibilidade que

ele goza entre sua audiência”, ou seja, o público confia no locutor como seu porta-voz,

digno e íntegro; então, também considera a veracidade em testemunhar sobre

determinado produto. Após os anúncios dos comerciais, na sequência da programação

diária, as narrativas surgem com temas redundantes devido aos casos reais que

acontecem na periferia e na grande metrópole por meio de personagens e locais comuns

nos noticiários policiais.

No programa de GG, dependendo da duração de cada caso, três ou quatro

narrativas são contadas e, ao término, o narrador sai de cena e, em seguida, uma vinheta

anuncia o final do programa: “Você acabou de ouvir o programa Gil Gomes, na sua

rádio Tupi AM de São Paulo. O melhor repórter policial do Brasil”.

Com relação à trilha sonora, as narrativas diárias são acompanhadas por uma

música que traduz o clima de suspense e mistério que envolve cada história. Nesse

programa, as trilhas sonoras têm como função suscitar um clima emocional, delinear

uma atmosfera sonora compatível à fala do locutor, assim como contribuir para a

caracterização das personagens na condução do fio narrativo.

Por meio da música de fundo, o clima torna-se propício às narrativas que mexem

com a emoção do ouvinte. Entretanto, não podemos falar que existe uma trilha sonora

específica para cada narrativa porque com a tecnologia de som é possível alternar uma

composição sonora para outra. Tudo dependerá do contexto narrativo de cada caso

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apresentado. Desta forma, o programa utiliza-se de um repertório básico que traduz o

momento com temas que podem ser melancólicos, de suspense, de ameaça, de terror,

até tratar de temas mais ternos como amor, compaixão, entre outros.

Berchmans (2006, p. 21) afirma que a música não deve ser entendida como um

acompanhamento, mas como elemento que auxilia na marcação da narrativa, na

descrição dos personagens, no ritmo das cenas, e nas texturas das ações. É

imprescindível que a narrativa possa ir ao “encontro das demandas e necessidades do

conflito da história”.

Por outro lado, a trilha sonora não é somente usada ao longo da narrativa. É

muito comum o ouvinte identificar uma emissora pela música, logo na abertura da

programação16. A vinheta de abertura e de encerramento estabelecem uma identificação

entre a emissora e o público-ouvinte, à medida que a performance de GG e as trilhas

dão relevo ao clima de suspense e de tensão estabelecidos no programa. Aqui estão os

quesitos essenciais que exploram e aguçam a percepção do ouvinte para a narrativa.

2.3.1. O Perfil do Público Ouvinte

Antes de caracterizarmos o perfil do público-ouvinte do programa referido,

faremos um breve adendo para entender as razões pelas quais os ouvintes de GG se

mantêm fiel ao programa, como constatado pelo jornalista Almeida da Folha de S.

Paulo17, quando disse: “nenhum outro programa ficou tantos anos com uma mesma

audiência” na história do rádio.

As características que marcaram a performance de GG surgiram da necessidade

de realizar algo diferente, no rádio, de maneira personalizada para o ouvinte, tendo em

vista outros programas de jornalismo policial. Portanto, o formato do programa de GG

partiu de leituras de obras cujos crimes aconteceram, no início do século 19, e que

16 Devido problemas no arquivamento de todos os programas diários, não pudemos obter da emissora a programação gravada do dia 18 de janeiro de 2007. Dessa forma, ficamos restritos apenas à narrativa gravada no dia em que foi transmitida. 17 Pesquisa realizada no site http:www.1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u478702.shtml. acesso em: 23/01/2009.

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apresentavam difícil resolução, despertando, assim, interesse do comunicador nas

artimanhas utilizadas pelos narradores para causar suspense e prender a atenção dos

leitores, até obter o efeito de suspense pretendido.

Esse fato originou uma identidade própria do radialista que trouxe dramaticidade

à notícia18 policial, desvinculando-a da ideia de ser uma extensão da delegacia, como

algo impessoal. Assim, GG distanciou-se da narrativa fria e objetiva, para instituir uma

narrativa mais humana, atribuindo personalidade à vítima, lugar no mundo e, até

mesmo, uma família, caso existisse.

Com esse procedimento, o jornalista conseguiu estabelecer um envolvimento

psicológico com ouvintes de diferentes regiões do estado de São Paulo e de outros

estados, que são trabalhadores, donas de casa, presidiários, empregadas domésticas,

trabalhadores da construção civil, policiais, porteiros, pedreiros e, tantos outros, que

fazem parte da audiência de seu programa (Costa, 1999).

Nesse contexto, compreendemos que o conteúdo policial é facilmente

interpretado pelo público porque o texto lido tem relação com o próprio universo do

ouvinte, aproximando-o das experiências violentas do cotidiano e que não fazem parte

de uma ficção. As representações construídas sobre a violência demarcam áreas

visivelmente perceptíveis em que os ouvintes atribuem à pobreza como principal

elemento, configurando, assim, a imagem que fazem de si e dos outros.

Em pesquisa com ouvintes do programa radiofônico policial Gil Gomes, Costa

(1992) explicita que tais representações são contrastantes porque, ao relacionar a

violência com a pobreza, de imediato relaciona-se o trabalhador com o bandido, em

razão de que há pessoas pobres trabalhadoras em oposição aos que praticam a

“bandidagem”. Nesse propósito, a autora observa que esse fenômeno causa desconforto

aos trabalhadores que “fazem o possível para evitar esta associação, indesejável, entre

criminalidade e pobreza”.

Com referência a essa questão, Dias (2003, p. 111) ratifica que “a condição de

trabalhador, atributo de honestidade, vem opor-se à referência bandido, ou seja, ‘pobres

18 Apoiada na concepção de notícia de Teun A. van Dijk (1987), Dias especifica que a natureza da notícia se encontra firmada na necessidade de informar o leitor, relatar, dar a conhecer a representação de eventos reais (op. cit., p. 108).

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que trabalham’ versus ‘pobres que roubam’”, salientando ainda sobre a incoerência que

o termo trabalho assume ao ser duplamente categorizado. Essa associação dessemantiza

o sentido da palavra, por não ser mais considerada como um exercício de uma atividade

remunerada, cuja finalidade é oferecer melhores condições de vida às pessoas. Portanto,

a dessemantização está calcada num discurso de dominância proferido por pessoas que

“estão do outro lado”, de fora da área da pobreza, mas que sempre colocaram “os

pobres” à beira da marginalidade (ibid).

Dessa maneira, o público-ouvinte desse programa é constituído de pessoas, que

se localizam nas periferias e subúrbios das grandes cidades, visto que migraram do

nordeste ou de outros estados para o sudeste em busca de uma oportunidade de trabalho,

mesmo com salários baixos, devido à baixa escolaridade.

2.3.1.1. O Reconhecimento do Ouvinte

Na perspectiva de público-ouvinte, é necessário compreendermos como esse

discurso é tomado como efeito de sentido ou reconhecimento desse programa. Lopes

(1988) aponta algumas operações de reconhecimento que os receptores acionam para

processar a identificação, dentre as quais, o plano da fala e o plano de conteúdo do

discurso radiofônico. Tais enfoques somente foram observados mediante quatro

aspectos: o primeiro, de classificação do programa; o segundo, de característica da fala

e da figura do apresentador; e, o quarto, acerca da característica do conteúdo do

programa.

Num primeiro momento, o programa GG é classificado, pela maioria dos

ouvintes, como noticiário policial devido situá-lo no campo da informação. Ao

estabelecer um cotejo entre o jornalismo da imprensa “mais formal” com o jornalismo

que GG atua, pode-se dizer que, naquele, há características própria de uma linguagem

referencial e descritiva; noutra direção, GG constrói um discurso cuja linguagem parte

de uma descrição referencial e emotiva.

Contudo, deve-se destacar que o fato policial sempre recebe mais destaque na

imprensa e, portanto, possui uma abordagem diferente. Dessa maneira, crimes, roubos, e

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assaltos apresentam desdobramentos envoltos em um clima de suspense crescente e de

envolvimento emocional próprio de um jornalismo de cunho popular.

Por outro lado, Lopes (1988, p. 175) adverte que, por causa da conjunção entre o

campo policial e o informativo, muitas vezes, o público envolvido emocionalmente na

narrativa não reconhece, que o contexto narrado, também apresenta características do

mundo ao qual pertence, ou seja, ocorre uma dissociação entre o ‘mundo do ouvinte’ em

oposição ao ‘mundo do crime’. Assim, o ouvinte crê que a informação policial está

desvinculada da própria realidade e que, tal história, deve ser entendida como um caso

de polícia.

A autora acrescenta que a explicação mais pertinente, para esse fenômeno,

consiste no fato de que o público tem costume de apropriar-se dos discursos

construídos com base nos fait-divers, narrados como informação do real. É importante

ressaltar que o fato narrado por GG “talvez se aproxime mais da existência concreta das

populações marginais19”, evidencia Lopes (ibid, p. 157). Para tanto, a narrativa em si

não possui expressividade e, sim, o como é falado, isto é, a forma como o locutor

constrói a narrativa, partindo dos fatos reais, combinada com o modo como a conta é

que determina a grande diferença, uma vez que conduz o ouvinte a expressar os mais

diversos sentimentos, segundo o teor das narrativas. Assim, a construção da narrativa,

como representação do mundo, é uma atividade proveitosa que o locutor encontra para

produzir um discurso de poder sobre as ações de desvios das normas sociais.

O segundo tópico consiste, numa análise da voz de GG, que é elemento

discursivo e recurso utilizado para manter audiência, conferindo um caráter autoritário

às narrativas. Nota-se que a voz é significativa na construção do imaginário do ouvinte,

quando este mantém uma cumplicidade com o narrador que prima pelo estabelecimento

da ordem e exige das autoridades a manutenção da lei.

No imaginário social, a voz tipifica a voz da polícia e combate à natureza

criminosa, ao representar a ordem pretendida mediante cumprimento da justiça.

Portanto, ao reconhecer na fala de GG autoridade, o receptor reconhece suas próprias

limitações e tem ciência de pertencer à classe inferior.

19 As populações marginais são aquelas empiricamente constituídas por pessoas cuja renda-trabalho familiar está abaixo do mínimo legal, participando, por isso, das mais baixas oportunidades de vida (Lopes, op. cit., p. 62).

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GG utiliza recursos da fala que reforçam a identificação com o público-alvo

mediante o uso de redundâncias, de repetições, de adjetivos e, principalmente, pelo

prolongamento enfático que aplica em determinadas vogais e consoantes, no momento

em que expressa algum sentimento.

Outro aspecto que reforça a autoridade de GG sobre o público-ouvinte é o

tratamento familiar com que o locutor trata os policiais, em decorrência da proximidade

entre o trabalho dele com o da polícia. Ao terminar a narrativa, geralmente, o locutor

confere notabilidade aos policiais pelo bom desempenho, ao desvendar o caso e prender

o criminoso.

Desse forma, o público considera a resolução do caso como positiva, já que GG

ajuda a resolver os crimes. Paralelamente, os ouvintes associam a voz do radialista com

a voz da autoridade da informação e, como consequência , GG logra de uma imagem

baseada em qualificações positivas como: bom caráter, de confiança, íntegro -, criando,

assim, um efeito de confiabilidade.

Conforme Lopes (1988, p.166), o efeito de confiabilidade de GG é notório,

justamente por não haver “um só ouvinte que duvide da veracidade dos fatos narrados e

70% não acham que há exagero nas histórias; também 60% já compraram produtos

promovidos pelo apresentador”. Sendo assim, os ouvintes acreditam que as informações

narradas, além de prestarem um serviço de informação, resultam numa forma de

prevenção do crime.

Por conseguinte, o locutor tem a “fala do saber” e “fala as coisas como elas

são” (ibid), que produz o efeito de autoridade, ou a fala de poder que, na narração,

acaba por exercer a função “socializadora” do discurso. Isso ocorre porque a história

passa pela identificação dramática dos fatos, apontando elementos actantes e ações

transgressoras, no caso os desvios. Tal função resulta da produção do discurso

moralizante, que, ao final, institui o clichê: o crime não compensa.

2.3.2. A Interação Locutor e Ouvinte

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Quanto à interação comunicativa existente entre locutor e ouvinte, pode-se dizer

que se efetua em aparente assimetria, devido à desigualdade de papéis que

desempenham, evidenciada pelo próprio contexto em que se dá essa interação. Muitas

vezes, são os ouvintes que escrevem cartas para o locutor com a finalidade de contar as

próprias histórias e os problemas, estabelecendo, assim, familiaridade com o jornalista e

aprovação com os dramas narrados por ele.

De acordo com Fávero (2006, p. 191), mesmo que o meio configure esse tipo de

interação, é o comunicador quem interpreta o texto previamente escrito e desenvolvido

durante a programação, que não deixa de configurar uma “relação dialógica entre eles”.

A autora fundamenta essa afirmação apoiada na concepção de diálogo de Bakhtin, que

se constitui numa das formas mais importantes da interação verbal e deve ser vista “não

apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda

comunicação verbal de qualquer tipo que seja” (Bakhtin, 2004, p. 123).

Em relação à linguagem, Bakhtin compreende que a palavra comporta “duas

faces”; numa, procede de alguém e, noutra, ela dirige-se para alguém. Isto posto, pode-

se dizer que a palavra se configura “o produto da interação do locutor e do ouvinte”

(ibid, p. 113 ). Sendo assim, é preciso considerar que cada participante do ato da

interação inscreve-se em um espaço socioideológico específico no qual a voz

materializa o conhecimento que os sujeitos têm do mundo pelos discursos, ao

compartilharem e trocarem experiências.

Nessa mesma linha de raciocínio, Bakhtin afirma que diferentes sujeitos

enunciam em particular, mas ninguém é dono do próprio dizer. E é nessa posição que o

indivíduo revela-se portador de um discurso que tem sentido em conformidade com as

formações ideológicas apreendidas num dado lugar. Assim, os sujeitos quando estão em

face da atividade interativa constroem discursos, que implicam diferenças entre si quer

seja pela coexistência de diversos discursos provenientes das formações ideológicas,

quer ainda em contextos sociais nos quais estão inseridos.

Consoante com Fernandes (2007, p. 51), depreende-se que o sujeito tem seu

discurso constituído de outros discursos, que se entrelaçam com outros “oriundos de

diferentes momentos na história e de diferentes lugares sociais”. Dessa forma, ainda que

a interação aparente assimetria entre locutor e o ouvinte há, nessa relação, um

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envolvimento dialógico, caracterizado por qualquer ação verbal, tendo em vista que o

produtor do texto falado esforça-se para colocar em evidência todos os detalhes

pertinentes à compreensão da narrativa para o público-ouvinte.

Como sujeito social, no entanto, o discurso de GG está impregnado de vozes de

diferentes sujeitos; aspecto esse configurado pela polifonia 20 . Essas vozes são

apreendidas no mundo e socialmente organizadas, com o propósito de estabelecer

relações sociais.

Dessa maneira, o comunicador vale-se da intencionalidade discursiva para postar

as representações que possui acerca do mundo social ao qual pertence. Assim, em se

tratando do ouvinte somente resta ouvir e, de certa forma, ser cúmplice ou solidarizar-se

com o que lhe é narrado, ressubjetivando a história narrada.

3. O Jornalismo Policial no Rádio

No jornalismo popular, o fato policial é processado de forma singular por um

comunicador que prima pelo suspense da narração, prendendo a atenção do ouvinte,

que, por sua vez, não perde o realismo da informação ao experimentar forte efeito

emotivo da narração dramatizada.

O jornalismo policial radiofônico teve início nos anos 50 e até hoje é

considerado marco nas emissoras. Nessa época, muitos radialistas propuseram-se a

reportar notícias de crimes e histórias dramáticas com um estilo diferente daquele

concebido no jornalismo tradicional, que mediante inserções noticiava roubos, assaltos

e sequestros.

Segundo Lopes (1988), as notícias referentes à política, à economia ou aos

esportes ganhavam mais destaque pelo caráter informativo. Nas emissoras mais

respeitadas, a notícia primava pela sobriedade para que não houvesse distorção dos

fatos, em contraposição às emissoras populares que privilegiavam o tratamento

20 A polifonia foi concebida por M. Bakhtin e utilizada pela linguística para analisar as “várias vozes” percebidas simultaneamente nos enunciados (Maingueneau, 2001, p. 138).

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diferenciado ao fato policial, caracterizado por um tom sensacionalista e dramático na

forma de abordagem.

O gênero policial infiltrou-se principalmente nas classes sociais de baixa renda,

devido ao fato de o rádio ser um veículo de fácil acesso e barato. A forma de narrar e

dramatizar os próprios fatos consagrou o estilo de vários radialistas que conseguiram

transformar as simples ocorrências policiais cotidianas em acontecimentos escandalosos

e de proporções inimagináveis. Tudo isso constituído numa estrutura semelhante à das

novelas radiofônicas para noticiar os crimes.

No jornalismo policial, o sensacionalismo é o aspecto importante a ser

destacado em notícias de crimes e de roubos. Todavia, esse tipo de jornalismo não é

aceitável para alguns jornalistas que consideram a exploração de manchetes somente

referentes a sexo, crimes e escândalos em detrimento da informação (Angrimani, 1995).

É nesse contexto que o programa policial se diferencia dos demais tipos de

jornalismo, em se tratando da valorização de temas relacionados com a violência e, por

conseguinte, o jornalismo centrado nos dramas humanos nutre-se do fait-divers, em que

as mais diversas situações conflitantes instigam “a carga pulsional21” dos ouvintes

(Angrimani, ibid., p. 16).

3.1. O Fait-divers e a Ideologia

O formato do programa de gênero jornalismo policial, no rádio, compreende um

discurso que recupera temas cujos sentidos residem nos “desvios” das normas sociais,

estipuladas para a boa convivência na sociedade. A notícia policial mostra a ruptura

dessas normas estabelecidas e que desestabilizam a consciência social. Por isso, os

homens valem-se dos discursos para lembrar a sociedade dos valores e crenças

normatizados entre os indivíduos.

21 Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); “o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta” (LAPLANCHE, Jean. Vocabulários de Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 1991).

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Os discursos já se constituem pela forma de pensar dos indivíduos que os

produzem, efetuando linguisticamente um juízo de valor. O discurso, portanto,

apresenta uma ideologia implícita, como afirma Bakhtin (2004, p. 95): “A palavra está

sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. Assim, os

discursos, com seus sentidos ideológicos, são estabelecidos de acordo com o gênero a

que está atrelado determinado programa. Dessa maneira, a linguagem funciona como

uma ponte por onde a ideologia trafega livremente porque a palavra está presente em

todo e qualquer ato de interação comunicativa, compreensão e interpretação.

A linguagem articula todo o movimento histórico de uma sociedade fragmentada

por classes sociais mediante discursos. Ela é o principal instrumento para criar, produzir

e, principalmente, disseminar valores sociais. Assim, postula Koch (1984, p. 19): “A

neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende ‘neutro’, ingênuo, contém

também uma ideologia – a da sua própria objetividade”.

Numa sociedade de classes há muitos discursos, cujas práticas linguísticas estão

repletas de interesses e conflitos das relações sociais. Cada indivíduo social pertence

simultaneamente a múltiplas formações discursivas, segundo certas categorias que lhe

dão uma posição social, a saber: gênero, raça, religião, profissão, estado civil e, por

outros grupos, aonde livremente transita. Ao pertencer a diversos grupos,

consequentemente, o indivíduo está em contato com diferentes discursos que, por sua

vez, geram outros discursos.

Assim, pode-se dizer que é no discurso e pelo discurso que os homens instituem

as crenças e valores adquiridos de acordo com a representação que tem do mundo.

Como indivíduos sociais, os homens revelam uma visão construída e alicerçada sob

determinados valores que a própria sociedade impõe. Para Fiorin (2002), as sociedades

prezam conceitos e normas e para mantê-los, acabam estipulando o que pode e o que

deve ser dito.

O autor postula que cada sociedade se apropria de uma visão de mundo, ou seja,

ela acata certas representações, certas idéias, que “revelam a compreensão que uma

dada classe tem do mundo”. (ibid., p. 32) É no contexto social que os sujeitos se

formam ideologicamente e é no discurso que os valores e concepções estão implícito

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Nesse sentido, podemos constatar a preferência dos ouvintes, de classes C, D e E

por programas populares na rádio AM, tendo em vista que, esses indivíduos,

reconhecem, na produção do discurso do gênero policial, as próprias condições sociais

em que se encontram. A razão de o gênero ser procurado relaciona-se ao fato de que o

discurso do noticiário policial expõe as misérias e os dramas humanos vivenciados

diariamente pela classe popular. Por conseguinte, para compreender a ideologia

veiculada por esse programa, é necessário contextualizarmos as condições de produção

desse discurso popular radiofônico. É nessa direção que colocaremos em evidência a

ideologia dominante que perpassa o discurso do jornalismo policial, tendo como

referente à violência.

Falar sobre a ideologia do programa de jornalismo policial requer o

reconhecimento de que esse discurso encontra base na narrativa de um tipo de

informação particular - policial ou fait-divers, com base em fatos violentos como

crimes, assassinatos, roubos, etc.

O fait-divers é uma matéria jornalística diferente das matérias convencionais

como esporte, política, economia e assuntos de áreas afins. O termo francês significa

“fatos diversos” e geralmente é usado para destacar algum fato “bizarro”, conforme

destaca Lage (1990, p. 47). Assim, esse tipo de matéria não necessita de aspectos

exteriores para significar porque volta-se para si mesmo. Todavia, a singularidade recai,

justamente, nas próprias contradições do fato em que as ocorrências humanas estão

implicadas.

Assim, as notícias que mais despertam interesse do público são aquelas que

transmitem tragédias humanas. O autor observa que a atenção se dá, devido ao efeito

decorrente da situação de cúmulo, que resulta da “contradição radical entre o que se

espera e o que acontece”, em contraposição a “uma informação que se oculta por detrás

da antítese atraente”.

Quanto aos efeitos de sentido provocados pela narrativa policial, Lopes (1988, p.

180) adverte que é “impossível deixar de considerá-la uma narrativa não-política”. Isso

evidencia porque a materialidade ideológica se concretiza em um discurso pela

combinação entre linguagem emotiva (o como ele fala) e a linguagem referencial (o que

ele fala) em consonância com as normas sociais dominantes. Dessa forma, o discurso

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popular na perspectiva da prática ideológica impõe uma identificação com as normas

vigentes, em que a transgressão de uma norma demanda a punição do envolvido, ou

seja, se o indivíduo errou, então deve ser punido.

Segundo essa lógica, pode-se asseverar que o rádio é um grande formador de

opiniões e que divulga todo tipo de informação. Entretanto, no momento em que o faz,

o relato é narrado sob determinado ponto de vista, mesmo em se tratando de transmitir

uma informação. No momento da concretização, as próprias palavras do jornalista

pressupõe uma escolha segundo as crenças da instituição. Ao contrário disso, é notório

que o jornalismo praticado por GG não se limita a ser “objetivo”, em vista de que apela

para a subjetividade, ao suscitar no ouvinte sentimentos que partem de extremos como

ódio ou compaixão.

Nesse sentido, o jornalismo de cunho popular é uma maneira de manipular as

opiniões dos ouvintes por meio da idéias e conceitos subjacentes no discurso do locutor.

Por isso, a narrativa de qualquer fato policial é, “antes de tudo, uma atividade que se

desenvolve a partir de uma visão de mundo, e novamente se está diante de coerções

ideológicas”, ditando normas, crenças e valores dominantes (Hernandes, 2006, p 34).

3.2. O Tema da Violência

No contexto do jornalismo policial, a linha diretriz consiste em noticiar crimes

motivados por ciúmes, por cobiça, por intriga, por paixão e por ódio. Esses temas são os

que mais alimentam a mídia atualmente porque fazem parte do quadro da violência

urbana. E, é nesse sentido, que esse discurso encontra-se atrelado ao gênero de

jornalismo policial, ou seja, a violência é a matéria prima do discurso veiculado no

programa.

Com a expansão desordenada da cidade, o índice de violência intensificou-se

devido à falta de qualificação profissional. Com a baixa instrução e desemprego

acentuados, a violência começou a ser matéria de destaque nas mídias. Por meio de um

discurso singular, as múltiplas facetas da violência deflagravam os aspectos “negativos”

das representações humanas nos espaços sociais. Os recursos linguísticos articulados

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nas matérias policiais refratavam um discurso condizente com o espírito fragmentado

das classes sociais.

Ao analisar o jornal Notícias Populares, Dias (2003) diagnosticou haver um

“discurso da violência”, veiculado pela imprensa sensacionalista e, mais do que

informar, a autora reconhece que o objetivo desse tipo de imprensa é chocar e causar

impacto, até provocar uma “tensão psicológica”. Portanto, é muito comum a mídia

potencializar as notícias que tem como extrato o fait-divers, em que o discurso da

violência é marcado pelos apelos ao grotesco, pelas misérias e dramas humanos.

Para a autora, esse tipo de discurso tem “cartas previamente marcadas, com

táticas de persuasão, com jogos dúbios de significados” (Dias, 2003, p. 109), que

geralmente é construído e destinado para “um tipo específico de leitor, receptivo a essa

condução da narrativa, acostumados a esses ‘modelos’ noticiosos e à forma como lhe

são apresentados” (ibid.). Tal esclarecimento confirma o conceito de que a mídia

sustenta-se de violência, devido ao fato de que, como meio de comunicação, constrói

representações relacionadas à situação de violência e criminalidade.

Oliveira (2008, p. 51) assinala que a mídia fala sobre a violência que emana da

própria realidade da violência, ou melhor, “de seus atos serão extraídos interpretações e

sentidos sociais, os discursos sobre ela passarão a circular no espaço público e a prática

social passará a ser informada pelos episódios narrados – possuindo, assim, um caráter

estruturado e estruturador”. Daí o clichê: violência gera violência.

Em virtude do que foi mencionado, interessa-nos somente compreender como o

comunicador constrói seu discurso, e de quais estratégias vale-se para criar efeitos de

sentido na narrativa. Para isso, buscaremos respaldo teórico-metodológico da

Linguística Textual, da Análise da Conversação e da Análise do Discurso,

compreendendo que as especificidades se imbricam, uma vez que os interesses

convergem para o funcionamento linguístico-textual dos discursos.

Para a viabilização da análise, no 4º capítulo, adotamos os conceitos de

dialogismo e de polifonia, mencionados anteriormente, pois julgamos que, no programa

policial, o radiojornalista conquistou as camadas populares e construiu com elas uma

relação de parceria, instaurando uma aproximação com o ouvinte que, em determinadas

situações, pode até identificar-se com a história narrada.

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Diante dos fatos narrados, o comunicador tornou-se o “porta-voz” da classe

popular, cobrando das autoridades, como policiais e governo, ações consistentes para

resolver determinado problema. O papel que antes era exercido pelo Estado, GG passa a

assumir. Por isso, é considerado conselheiro, amigo, defensor da justiça e dos pobres.

Pode-se dizer que o status é devido ao descrédito em que as instituições governamentais

caíram, conforme aponta Costa (1992, p. 62).

Assim, tendo em vista o objetivo de nossa pesquisa, trataremos, no capítulo a

seguir, alguns aspectos teóricos relevante sobre a narrativa, já que o repórter-narrador

faz da narração uma crônica policial.

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CAPÍTULO II

A NARRATIVA COMO REPRESENTAÇÃO DO MUNDO

A partir da constatação de que a crônica policial serve-se de uma narrativa para

relatar a complexidade humana, em meio às representações do mundo, surgiu daí a

necessidade de elaborar um estudo sobre os elementos estruturantes da narrativa. Para

tanto, a princípio, faremos uma reflexão sobre a narrativa como representação de mundo

dos sujeitos que o constrói. Depois, conceituaremos o que é narrativa e o que é relato,

tendo em vista que ambos são compreendidos como termos polissêmicos. No entanto, o

que interessa ao nosso trabalho é a significação compartilhada por ambos.

Encontramos na narrativa radiofônica todos os elementos narrativos que,

progressivamente, são recuperados, nos desdobramentos da história, como enredo,

personagens, tempo, espaço e narrador. Por fim, no mesmo contexto da narrativa

radiofônica, argumentaremos sobre a narrativa policial, gênero consumido como

informação pelo ouvinte, característico da classe popular.

Preliminares sobre o Gênero da Narrativa

O homem constitui-se como ser social por meio das narrativas existentes a sua

volta. A partir delas é que o homem apreende os sentidos exteriores e compreende-se

em todas as relações estabelecidas socialmente. Devemos apreender que as narrativas

são constituídas de muitos intercâmbios sociais que o homem estabelece diariamente. E,

tal legitimação, somente substancializa-se pela linguagem. É por ela que espelhamos

tudo o que somos, de forma que, ao narrarmos, fazemos uma leitura do mundo e, como

indivíduos sociais, deixamos transparecer tudo o que assimilamos como valores,

crenças, dúvidas, temores, etc.

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De acordo com Motta, a narrativa “traduz o conhecimento objetivo e subjetivo

do mundo” (2007, p. 43). Isso significa que contar uma história é transmiti-la a partir de

uma bagagem de informação adquirida segundo as experiências cotidianas da vida, sob

um olhar mais aguçado e crítico, nas constantes transformações a que estamos sujeitos.

É necessário entender que a narrativa parte de princípios inerentes à própria

natureza do homem, que organiza os enunciados de modo coerente, relacionando-os em

uma sequência ordenada, lógica e que obedece a uma ordem temporal. Tais ordenações

nos ajudam a compreender as narrativas e a estabelecer relação com a maioria das

coisas presentes na cena enunciativa.

Para Culler (1999), a prática de contar histórias já caracteriza uma forma que o

homem possui de organizar suas experiências:

As histórias são a principal maneira pela qual entendemos as coisas, quer ao pensar em nossas vidas como uma progressão que conduz a algum lugar, quer ao dizer a nós mesmos o que está acontecendo no mundo. [...] Mas a narrativa não é apenas uma matéria acadêmica. Há um impulso humano básico de ouvir e narrar histórias (p. 132-134).

O conceito de narrativa resume-se na necessidade do homem em expressar seu

conhecimento de mundo às pessoas. Esse conhecimento pode ser de caráter tanto

objetivo quanto subjetivo, mas é produto das relações humanas e dos valores

culturalmente estabelecidos, que somente concretiza-se pela linguagem. Ela espelha

tudo o que somos, de forma que, ao narrarmos, fazemos uma leitura do mundo, e como

indivíduos sociais, deixamos transparecer tudo o que assimilamos como valores,

crenças, identidades, dúvidas, opiniões e tantos outros sentimentos que nos acometem

diariamente.

Por isso, as narrativas são estratégias das quais nos utilizamos para expressar o

conhecimento objetivo e subjetivo do que apreendemos à nossa volta. Pode-se dizer,

então, que contar uma história é transmiti-la a outro, a partir de uma bagagem de

informação adquirida segundo as experiências cotidianas da vida, sob um olhar mais

aguçado e crítico nas constantes transformações às quais diariamente somos

submetidos.

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No tocante à narratividade, de acordo com Motta (2007, p. 144), implica na

descrição dos fatos por meio da enunciação, seguindo uma ordem sucessiva de estados

de transformação. Assim, são os estados de transformação que asseguram o discurso

narrativo que, ao ser enunciado, acaba por produzir significações e sentidos a tudo que

estabelecemos relacionamento. Outro ponto a considerar é que a narrativa apresenta

uma flexibilidade, durante a enunciação, ao permitir sequências de descontinuidade

temporal, que integram ações acontecidas no passado, presente e futuro, mas que são

enunciadas, segundo uma ordem seqüencial de sentido e de encadeamento lógico.

Todo homem projeta-se em suas narrativas, como uma oportunidade de

compreender e de ser compreendido. Charaudeau (2006) defende que o homem tem

desejo natural de “tentar tornar o mundo inteligível” e, com essa finalidade, aplica-se a

comentar o mundo, ou seja, “a fazer com que o mundo não mais exista por si mesmo,

mas sim através do olhar subjetivo que o sujeito lança sobre ele” ( p. 45).

Para o autor, os indivíduos, ao representarem seus grupos sociais, compartilham

as mesmas crenças inscritas nas enunciações informativas ou narrativas. Ao

expressarem seus valores e crenças, os indivíduos compartilham os “julgamentos sobre

o mundo, criando assim uma relação de cumplicidade.” (ibid.). No entanto, o simples

ato de julgar já externa valores ideológicos que se efetivam na forma com que o

indivíduo compreende o mundo.

Podemos verificar esse fenômeno nas notícias abordadas pelos noticiários, que

estabelecem uma relação específica entre jornalismo e realidade. Contudo, o nosso

objetivo de pesquisa é um noticiário policial de cunho popular, em que a realidade

exposta tem como eixo norteador a violência da periferia das grandes cidades.

Entretanto, é a instância que faz uma triagem dos acontecimentos, para mais tarde serem

contadas as histórias que repercutem na vida dos ouvintes.

Conforme Hernandes (2006, p.23), no momento em que um fato é selecionado

já aponta a existência de uma visão de mundo à medida que “tornar algo visível,

presente, é, antes de tudo, determinar-lhe valor”. Como informação, a notícia chega ao

ouvinte em forma de relato feito pelo jornalista, que é um mediador entre o fato e a

realidade. Portanto, é ele quem reporta o que acontece no mundo, observando os

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acontecimentos, transformando-os em fatos a serem narrados, isto é, traduz fragmentos

de realidade em notícias.

As crônicas policiais são reportadas como notícias porque remetem ao próprio

fato. Com referência à condição de notícia, Charaudeau (2006, p.132) salienta que o

acontecimento “só se torna notícia, a partir do momento em que é levado ao

conhecimento de alguém”.

Segundo o autor, a concepção de notícia dá-se pelo conjunto de informações que

a complementa, o qual pertence a um mesmo “espaço temático”, imbuído de teor de

“novidade”, proveniente de uma “fonte”, da qual recebe tratamento específico para fim

determinado. Sendo assim, julgamos pertinente considerar a definição dos termos

narrativa e relato, uma vez que compreendem termos polissêmicos e que comportam

significados diferentes; interessa-nos, num primeiro momento, a significação

compartilhada por ambos:

Relato deriva do verbo latino referre (levar consigo, referir, transcrever), do qual relatu é o particípio passado. Significa o ato ou efeito de relatar (no caso, narrar, expor, descrever). Quanto à narrativa, é a substituição do feminino do adjetivo narrativo, pode ser substituída por narração. Narrativo, termo que, portanto, origina narrativa, que vem do latim narratu, particípio passado de narrare (narrar) (Cardoso, 1997, p. 110).

É importante considerar que o relato consiste na informação de desdobramentos

do fato apreendido na realidade. Já a narrativa, por sua vez, consiste no processo

enunciativo simulado, que se dá em torno de um conflito, que é a estrutura global da

história, com todo o encadeamento de ações na busca pela resolução do conflito.

Nessa perspectiva, identificar uma narrativa pressupõe analisar critérios que o

próprio gênero literário já tem definido: uma sucessão temporal de ações; uma

transformação na forma de representar das personagens, que pode ser negativa ou

positiva. Todos esses aspectos apontam para o eixo norteador que é a intriga ou

conflito, o grande viés que dá sentido para toda a sucessão de ações e de eventos no

tempo na narrativa, construídos de forma gradual para transparecer elementos como a

ordem cronológica dos fatos, as descrições, marcações de tempo e de espaço.

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O objetivo das narrativas policiais consiste na adesão do ouvinte pelo

envolvimento deste em todos os detalhes narrativos mediante efeitos de sentido

provocados e, se por um lado as narrativas informam, por outro lado, provocam

emotividade no público. Podemos afirmar que o assunto e a linguagem, utilizados em

programas de jornalismo policial, procuram atender às expectativas do ouvinte.

Nesse tipo de narrativa, a temática tem de prender a atenção do ouvinte em

consonância com a linguagem, evidenciada pela fórmula linguística, que deve promover

satisfação. Considerada como estratégia textual subjacente à organização do discurso, a

narrativa apresenta uma estrutura ordenada e que possibilita significações. O narrador

midiático tem interesse em que seu destinatário interprete a narrativa e, para isso,

precisa torná-la inteligível aos ouvintes.

Motta (2007) ressalta que a narrativa está muito presente na mídia e, como tal,

não deve ser tomada como um ato espontâneo e isento de qualquer intenção:

Os discursos narrativos midiáticos se constroem através de estratégias comunicativas (atitudes organizadoras do discurso) e recorrem a operações e opções (modos) linguísticas e extralinguísticas para realizar certas intenções e objetivos. A organização narrativa do discurso midiático, ainda que espontânea e intuitiva, não é aleatória, portanto.[...]. Quando o narrador configura um discurso na sua forma narrativa, ele introduz necessariamente uma força ilocutiva responsável pelos efeitos que vai gerar no seu destinatário (p. 144).

Pode-se dizer que o conteúdo informacional das crônicas policiais e o como é

falado, mesclados à narrativa, revelam intencionalidades que estão moldadas pelas

estratégias comunicativas, que é a de exercer poder sobre o ouvinte. Vale ressaltar que

os discursos narrativos não devem ser vistos unicamente pela perspectiva de que se

prestam apenas às representações da realidade, mas devem ser tomadas como um modo

de organizar nossas ações, dotando-nos de estratégias, segundo valores culturais,

ideológicos e políticos, criados pela própria sociedade.

Nessa direção, avançaremos para o próximo tópico concernente ao nosso objeto

de pesquisa: a narrativa radiofônica.

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2.1. A Narrativa Radiofônica

O rádio é um meio que torna disponível várias histórias, cujas representações

nos são dadas em formatos diferentes como uma partida de futebol, uma notícia, uma

reportagem, um conto, um gingle, enfim, uma multiplicidade de narrativas acessíveis a

todos os ouvintes que navegam pelas ondas sonoras desse meio.

A tecnologia do rádio permite perpetuar a tradição oral que é resgatada pela

narração de fatos cotidianos, trazidos e teatralizados repetidamente todos os dias. Pode-

se dizer que o rádio consagra-se pela exposição de muitas narrativas. Em se tratando de

notícias jornalísticas, existem algumas narrativas cujas histórias ficam em suspenso,

esperando o desfecho acontecer a qualquer momento, como é o caso do conjunto de

notícias isoladas sobre um mesmo tema, publicadas diariamente; e também há narrativas

transmitidas na íntegra, cuja história apresenta-se completa, com começo, meio e fim.

Contar o texto na totalidade permite ao ouvinte tecer os desdobramentos que,

pouco a pouco, descortinam-se, para unir as sequências encadeadas em um todo, no

sentido de resgatar pela memória a própria realidade da vida.

Motta (2007) declara:

Tomar o texto como ponto de partida, procurar as conexões e sínteses narrativas não significa prescindir da análise do contexto comunicativo. O texto e suas significações são apenas os nexos entre a produção e o consumo, entre o ato de enunciar e o ato de interpretar (atos de alguém, de algum sujeito). São apenas a forma, que assume a relação entre atores humanos históricos. Concebemos a análise da narrativa como caminho rumo ao significado porque o significado é uma relação, não há significado sem nenhum tipo de troca (p. 146).

As narrativas não são procedimentos discursivos inscritos socialmente sem

nenhuma pretensão, uma vez que conferem o poder pelo uso de regras estabelecidas

culturalmente e que são seguidas pelos indivíduos mediante a posição que ocupam na

estrutura social. Assim, qualquer indivíduo que tem o intuito de narrar, tem um objetivo

ou intencionalidade que se encontra subjacente ao propósito de narrar.

Dessa maneira, na mídia o elemento que interessa não é a narrativa como

estrutura, mas, sobretudo, como ato de fala, na forma como os indivíduos constituem-se

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sujeitos na interação, nos atos de reciprocidade, mais pontualmente, na pragmática

comunicativa.

Na narrativa radiofônica, a linguagem que se dá a priori constrói significados.

Por isso, é preciso entender como os processos linguísticos acionam estratégias de

“constituição de significações em contexto” entre o indivíduo que narra e o indivíduo

que ouve.

Por isso que, nessa atividade, o locutor deve estruturar a linguagem com clareza

e simplicidade, mediante frases curtas, compostas por sujeito, verbo e complemento. O

vocabulário deve ser de uso corrente e o texto deve primar pelas operações linguísticas

mais acessíveis ao público-ouvinte. Cabe a este interpretar essas operações para

produzir efeitos de sentido. No entanto, isso somente acontece se ambos

compartilharem do mesmo conhecimento de mundo, condição necessária para que haja

comunicação entre eles, devido às estratégias de significações estabelecidas para que se

compreenda o contexto.

Assim, cabe à análise deflagrar, por um lado, esses propósitos implícitos na

linguagem do locutor radiofônico e, por outro lado, reconhecer marcas do texto oral e

entender como o ouvinte constrói sua interpretação.

2.2. A Narrativa da Notícia – a História.

Em se tratando de narrativa da notícia radiofônica, identificamos elementos

fundamentais que recuperam progressivamente à estrutura da notícia, sem a qual a

história não pode prescindir. Esses elementos respondem às seguintes questões: o que

aconteceu? quem viveu os fatos? como? onde? e por quê?. Portanto, a estrutura da

narrativa observa cinco elementos principais: primeiro, enredo; segundo, personagens;

terceiro, tempo; quarto, espaço; e quinto, narrador.

Gancho (2004), em sua obra, Como analisar narrativas, ressalta a definição de

cada um desses elementos, entretanto, restringe-se somente à narrativa da literatura de

ficção, que é a narrativa literária em prosa. Isso não quer dizer que, em se tratando da

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narrativa radiofônica, esses mesmos elementos não possam ser observados, até porque

nos servirão como parâmetro à análise da narrativa policial radiofônica.

O primeiro tópico é reconhecer que, diferentemente das notícias fragmentadas

que surgem e que se interrompem por algum tempo para voltar ao noticiário, o nosso

corpus é uma narrativa radiofônica construída a partir de uma notícia policial, cuja

história é apresentada na íntegra, mediante um ciclo cronológico de intriga que se

completa durante o horário de transmissão do programa.

O sucesso da narrativa radiofônica depende da enunciação discursiva realizada

pelo narrador que relata o acontecimento, com todo domínio e habilidade em manter o

interesse do ouvinte pelas pistas oferecidas da narrativa policial. Devido ser uma

narrativa completa, o processo de encadeamento narrativo cronológico, a intriga e o

enredo são mais perceptíveis para a compreensão do tema.

É importante observar que o encadeamento da narrativa constrói sequências

cronológicas coerentes e adquirem formato à medida que possibilita ao receptor

identificar com clareza diversas situações na história, nas personagens envolvidas, nos

cenários e nas situações que se revelam na narrativa.

Todos esses índices que a narrativa abarca podem revelar aspectos importantes

de estratégias narrativas no radiojornalismo e de efeitos de sentido pretendidos como

avanços e retomadas de dados informativos, ritmo da narrativa, reiterações, explicações

causais, retardamento do desfecho, dentre outras atitudes organizadoras do texto.

Na narrativa, esses procedimentos indicam como o narrador pretende ser compreendido

pelo receptor, portanto, é nesse nível textual que a narrativa progride dentro de uma

ordem cronológica da história. Cada detalhe, ações, personagens, objetos, compõem a

narrativa, numa continuidade e coesão até deparar-se com a elaboração da intriga que,

por sua vez, estrutura e produz sentido ao encadeamento das ações e de eventos no

tempo.

Em seguida, trataremos de um aspecto fundamental em torno do qual compõe-se

a narrativa, qual seja, a intriga, que tece a trama e atribui sentido às múltiplas ações que

a compõem. Assim, a intriga provoca a curiosidade do ouvinte para atentar para a

progressão da história.

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2.2.1. A Intriga

O segundo tópico de análise consiste no conflito ou intriga como principal

elemento estruturador da narrativa. Para Motta (2007, p. 149), “o conflito é o núcleo

em torno do qual gravita tudo o mais na narrativa” e que abre espaço para que todas as

ações, sequências e episódios criem dinamicidade entre os fatos, mantendo a narrativa

viva.

A situação inicial de uma narrativa segue o percurso até deparar-se com a

situação conflitante, designada como seu principal eixo estrutural, principalmente

quando se trata da narrativa jornalística, em que o acontecimento gerado é “um fato de

conotações dramáticas imediatas e negativas, que irrompe, desorganiza e transtorna”,

esclarece Motta (ibid).

Todo conflito resulta da ruptura da ordem natural estabelecida, que no

jornalismo, Charaudeau (2006, p.102) a designa como “o potencial de

imprevisibilidade”, porque “veio perturbar a tranquilidade dos sistemas de expectativas

do sujeito consumidor da informação”. O autor ainda destaca que, no jornalismo,

quando a notícia surge e perturba a tranquilidade do ouvinte, um estado de “espanto e

tentativa de racionalização” o conduz a uma alteração do que antes acreditava estar em

sintonia com o mundo e as leis.

Neste cenário, todo drama humano, especificado nas notícias policiais,

representa em qualquer narrativa um conflito que rompe com a ordem estabelecida e

que, portanto, pode ser representada pelo caráter de ambiguidade, ora pela falta ou

excesso de alguma coisa, ora pela inversão ou transgressão de valores, ora pelo próprio

conflito que pode ser manifesto ou não: “um crime, um golpe, uma infração, um

choque, um rompimento, etc” ( Motta, ibid., p. 149).

Detectar o conflito é identificar as forças contrárias que atuam para que a tensão

da história ocorra. A ruptura do equilíbrio dá-se devido às forças opostas existentes,

motivadas por conflito de interesse ou de paixões. O narrador entende que todos os

detalhes devem ser explorados no discurso narrativo, pois, mais do que ninguém, está

ciente de que o desenvolvimento da narrativa desperta a curiosidade do ouvinte à

medida que introduz o ponto de tensão, ao explorar os fatores que desencadearam o

conflito, até chegar à sua origem.

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Nesse sentido, conhecer as causas do conflito que circundam o enredo permite

discernir e compreender a funcionalidade dos episódios do enredo. Cada episódio

narrado conecta-se ao todo, formando a grande narrativa. Dessa forma, os episódios são

unidades narrativas, representadas por ações autônomas que sofrem transformação à

medida que a narrativa progride, e que estão ligados à ação principal (Motta, 2007).

O suspense é a força motriz que provoca a curiosidade para a sequência dos

fatos, ações ou situações que, envolvendo participação de personagens, se desenrolam

em determinado lugar e momento, durante certo tempo, até o desfecho. Este ponto é

particularmente importante na concepção de Motta, pois são os episódios de suspense

que “retardam a conclusão da história, aumentam a tensão e as expectativas do leitor ou

ouvinte” (ibid., p. 151).

Para Barthes (1976):

O “suspense” não é evidentemente mais que uma forma privilegiada, ou caso se prefira, exasperada, da distorção: de um lado mantendo uma seqüência aberta (por procedimentos enfáticos de retardamento e de adiantamento), reforça o contacto com o leitor (ou ouvinte), detém uma função manifestamente fática; e por outro lado, oferece-lhe a ameaça de uma seqüência inacabada, de um paradigma aberto (se, como cremos, toda seqüência tem dois pólos), isto é, uma perturbação lógica, e é esta perturbação que é consumida com angústia e prazer (enquanto é sempre finalmente reparada); [...]. (p. 55-56).

O discurso narrativo radiofônico explora muito o “suspense”, por meio de

estratégias textuais e sonoras como música de suspense, no intuito de criar maior clima

de dramaticidade e expectativa na captura da atenção do destinatário. Sabe-se, no

entanto que, na narrativa escolhida como corpus, o narrador supera ainda mais esse

aspecto, ao usar como estratégia avanço e retomada dos tópicos narrativos, mantendo

firme o ponto de tensão, para retardar o desfecho e gerar mais expectativa.

2.2.2. A(s) Personagem(ns)

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O terceiro tópico refere-se às ações das personagens na organização das

histórias. Segundo Reuter (2002, p. 41), “toda história é história de personagens”,

que,desde o momento em que as personagens são apresentadas, são delineados seus

perfis pela função que cada uma cumpre na história e, consequentemente, passamos a

identificá-los nos episódios que surgem de maneira gradual.

Quanto à atuação na história, as personagens podem ser protagonistas,

antagonistas, heróis, anti-heróis. Também as personagens são reconhecidas segundo um

processo de designação, ou seja, são identificadas pelo nome, profissão, idade. Tais

referentes devem ser bem observados porque corroboram na descrição de seus perfis na

consecução da história. Entretanto, cabe lembrar aqui que, mesmo sendo personagens de

uma história com base na realidade, tratam-se de construções textuais.

As pessoas envolvidas nessas histórias, na vida cotidiana, não se veem ou se

reconhecem tal como as histórias são narradas. Isso evidencia que o narrador, ao

construir a personagem, mobiliza sua subjetividade de repórter para recriar o contexto

em que o fato aconteceu. Assim, o texto sempre terá objetivo de ser produzido a partir

de fatos e, por conseguinte, cabe ao ouvinte seguir pistas, apresentadas pelo narrador

para construir cada personagem na tessitura dos fios narrativos.

2.2.3 – O Narrador

O quarto tópico trata-se do discurso narrativo subjetivo que se caracteriza pela

presença – implícita ou explícita – do narrador. Já na narrativa jornalística, o discurso

objetivo define-se pelo distanciamento do narrador, que aparentemente está isento de

qualquer intervenção. Portanto, não se deve pensar que o narrador desfruta de uma

posição de mediador entre o leitor/ouvinte e a realidade, ou de mensageiro dos fatos.

Lefebve (1980, p. 181) postula que o narrador constrói a narrativa no intento de

“restituir-nos uma realidade integral” e que acredita ser “objectiva”. No entanto, nessa

pretensão de nos deixar ver o mundo, deparamo-nos, na verdade, com o “seu reflexo

num espírito” - do narrador. Ele nos permite conhecer as representações do mundo

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mediante seu próprio ponto de vista e, nesse sentido, pode-se dizer que “toda narrativa é

subjectiva e ideológica”.

Diante disso, fica evidente que o narrador possui sempre um propósito, logo,

nenhuma narrativa está isenta da intencionalidade do autor em narrar, Portanto, o

narrador conhece as personagens previamente e, quando onisciente, penetra em seus

pensamentos, enunciando o que elas não pensam ou deveriam pensar em dada

circunstância.

Segundo Lefebve, toda e qualquer narrativa “repousa, portanto, sobre uma série

de convenções que se revelam no ponto de vista adoptado sobre o real” (ibid, p. 182).

Sendo assim, não devemos esquecer que no relato jornalístico, principalmente em se

tratando de uma narrativa policial, o narrador reconstrói aquilo que possivelmente se

passou, por meio de detalhes que o ajudam a construir o fato.

Dessa forma, por mais que pretendam ser realistas, as narrativas não conseguem

fazê-lo. Pode-se dizer que o efeito é parcial, haja vista que os efeitos do real somente

são produzidos por meio do texto, mediante diversos procedimentos linguísticos.

Dentre essas formas, empregar uma carga de dramaticidade quando o locutor

expõe todos os fatos, consiste num recurso e, nesse jogo discursivo, estratégias de

constituição de significações causam efeitos de sentido no receptor.

2.2.4. O Narrador e o Narratário: uma Relação Comunicativa

Toda narrativa pressupõe um narrador que fala o que vê e estrutura toda a

narrativa utilizando-se de observações dos fatos e, a partir disso, constrói a história. De

maneira diferente a abordagem da narrativa literária fixa a atenção no narrador e no

texto, e na narrativa midiática o foco sobre a relação comunicativa estabelece-se entre o

narrador e a audiência.

No texto, o leitor esforça-se para atualizar os sentidos. Isto deve-se ao fato de

que um texto apresenta uma cadeia de relações que deve ser atualizada pelo ouvinte

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com o intuito de facilitar a interpretação e, assim, tornar o processo de comunicação

mais eficiente e dinâmico.

Segundo Motta (2007), no processo comunicativo, o texto representa apenas

uma ponte para que a relação comunicativa possa ser realizada. Esse fato requer do

ouvinte esforço para atualizar o sentido, uma vez que o narrador move-se em função das

estratégias textuais que executa, a fim de que o destinatário apresente iniciativa de

interpretar, pela capacidade de conectar partes, preencher lacunas de significados que,

na maior parte, mantêm uma semelhança com a própria história de vida do ouvinte.

Desse modo, para que essa interação seja concretizada, é importante ocorrer um

“contrato cognitivo”, entre ambas as partes – narrador e audiência -, firmado a partir do

momento em que o contrato apresente como objetivo a veracidade dos fatos (Motta,

ibid, p. 164). Assim, se o ouvinte se propõe a fazer parte desse processo de interação é

porque, de alguma forma, confia que os fatos foram apurados e, portanto, são dignos de

confiança.

2.2.5. O Teor ético e Moral das Narrativas

Como uma atividade espontânea e muito presente na vida cotidiana, a narrativa

encontra no seu interior a principal finalidade que é a de “trazer ao homem uma lição de

moral, um exemplo de vida” (Siqueira, 1992, p. 31). Dessa forma, em qualquer tipo de

narrativa, sendo referencial ou emotiva, o tema norteador será a visão de mundo,

designando valores referentes à luta do bem contra o mal.

Com base na premissa de que a narrativa nasce da concepção de valores e

crenças que externamos de alguma forma, também a transgressão ou ruptura desses

valores transformam-se em notícias para uma sociedade que prima pela situação estável.

Nessa direção, o rádio, a televisão e o jornal passam a destacar notícias

construídas a partir de fatos da vida real que transgridem valores culturalmente

estabelecidos.

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Para o destinatário atento aos acontecimentos, somente lhe resta observar os

detalhes nos dramas e tragédias, recompondo as histórias, envolvendo-se nas tramas, no

seu imaginário, transpondo as barreiras do tempo e espaço, numa sensação de aqui e

agora, que somente a narrativa consegue efetuar. Seja qual for à mídia que veicula as

narrativas, tendo como pano de fundo as notícias recontadas, revela “os mitos mais

profundos que habitam metanarrativas culturais mais ou menos integrais do noticiário: o

crime não compensa, a corrupção tem de ser punida etc.” (Motta, 2007, p. 166).

Trata-se da função “socializadora” apontada por Lopes (1988, p. 173) em que as

instituições, constantemente, nos fazem lembrar as normas sociais, ditando condutas e

comportamentos convencionalmente aceitáveis na sociedade.

2.3. A Narrativa Policial

Pode-se afirmar que há mais de 30 anos, quase todos os dias, a fala de GG

invade o espaço sonoro com o modo singular de narrar fatos policiais, habilidade que

também empresta aos anúncios publicitários e que tornou-se emblemática na

performance desse locutor.

No contexto da década de 70, o jornalista GG passou a ser realmente conhecido

pelo público, ao abordar de modo especial o fato policial. Considerado ícone do

jornalismo policial, nas rádios populares, GG sempre procurou narrar crônicas policiais

com toque sensacionalista22, transitando entre o radioteatro e o jornalismo tornou-se

uma programação aclamada pela audiência (Lopes, 1988).

A notícia policial, desde então, não era considerada como um acontecimento

qualquer nas emissoras mais populares à medida que ganhava novos contornos que

chamavam a atenção do público para a história a qual o locutor fazia questão de

dramatizar, de forma que o acontecimento, de algo simples e corriqueiro, ganhava

grande proporção.

22 A concepção de sensacionalismo advém do conceito de notícia baseada em fait-diver. Para Roland Barthes, o fait-diver constitui o “furo” de notícia resultante dos feitos humanos, enquadrando-se em manchete sensacionalista ou fato sensacionalista (BARTHES, Rolland. Structures du fait diver. Essais Critiques.Paris: Seuil, 1964).

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No intuito de garantir maior audiência, o programa privilegiava a notícia com

conteúdos mais “chocantes”, que caracterizavam dramas humanos com temas sobre

roubos, assaltos, homicídios, sequestros, etc, portanto, selecionava a notícia que desse

uma “boa história”.

GG não deve ser considerado o único a relatar histórias baseadas em crimes e

histórias dramáticas. Nos anos 50, havia um programa intitulado “O crime não

compensa” sob comando do então radialista Gastão do Rego Monteiro. Nessa mesma

época, o radiojornalismo policial foi marcado também pela presença dessa figura

também representativa no rádio, conhecida por Beija-Flor, cujo pseudônimo não

condizia em nada com seu estilo mordaz de retratar criminosos e ovacionar a ação de

reprimenda da polícia (Costa, 1992, p.16).

GG, no entanto, conquistou muitos ouvintes pela singularidade com que narra as

histórias. Além de possuir uma voz que confere caráter autoritário às narrativas, o

narrador cria uma expectativa que paulatinamente é construída em meio ao ritmo de

suspense crescente da narrativa.

Para GG, os fatos devem impactar, comover o ouvinte, de forma que,

dramatizados, estimulam uma reflexão profunda sobre o comportamento humano na

sociedade. Além disso, a narrativa ganha maior dinamicidade pelo jogo de avanços e

retomadas constantes, durante os desdobramentos da história.

Nesse contexto, o uso excessivo de adjetivos, sempre pronunciados em tom

exaustivamente dramático, marca uma cadência de “tensão”, porque além de criar muita

expectativa, ao longo da progressão do texto, também retém o ouvinte para a conclusão.

Isso constitui um estratagema que visa, plenamente, ao envolvimento com o público.

Dias (2006, p. 113) explicita que é próprio de uma mídia que informa também

“criar vínculos de intimidade com o leitor por meio de um tipo de interação específica

mediada por narrativas sobre terceiros”. Nessa perspectiva, o ouvinte compreende

narração e também transporta-se para a cena criminal, distanciando-se como observador

dos fatos.

No entanto, conforme os detalhes são revelados, o ouvinte passa a identificar-se

com os fatos por meio de uma cumplicidade, que é marcada pela “metamensagem” ,

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desencadeada pelo discurso da narrativa, proporcionando a este “ter o sentimento de

pertencer a um grupo com o qual compactua valores e interesses”, ressalta Dias (2006,

p. 113).

Vale ressaltar que o sentido de participar do acontecimento provém do próprio

caráter imediatista do rádio, haja vista o ouvinte ter a sensação de que os fatos

aconteceram naquele momento. Ao contrário disso, as histórias narradas por GG estão

distantes do tempo real, de forma que a sensação de imediatismo estabelece-se à medida

que traz à cena o caso detalhado de forma criteriosa.

Trata-se de uma característica própria dos meios de comunicação o fato de

produzir uma sensação de “aqui” e “agora”, fazendo com que o ouvinte imagine estar

presente no local e no momento exato em que o caso ocorreu.

2.3.1. A Estrutura da Narrativa Policial (Programa Gil Gomes)

Pode-se dizer que a narrativa de GG apresenta uma composição

determinada, cuja estrutura é composta por três componentes significativos e invariantes

a saber: a) o esquema actancial; b) o arcabouço narrativo; e c) o componente espacial.

Essa composição está baseada em estudos de Lopes (1988) sobre os componentes da

narrativa policial de GG.

Apoiada em estudos de Propp e Greimas, a autora delineou a narrativa da

seguinte forma: (op. cit., p. 173-180)

a) O esquema actancial:

O esquema actancial refere-se às personagens. GG sempre começa as narrativas,

identificando os actantes pelo nome, idade, origem, profissão e residência. Ao fazê-lo a

narrativa ganha sentido pela maneira como é construída e pela forma maniqueísta de ser

de cada personagem. Assim, cada personagem é designada de forma diferente pelo

narrador, levando as ações praticadas.

Por conseguinte, os actantes estão localizados em torno de um eixo básico de

oposição A x B. (A = vítima e B = criminoso) na qual as histórias policiais se

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desencadeiam a partir do principal ponto que é o eixo do desejo. Portanto, é o desejo

por algo que articulará toda a trama e, mais precisamente, move as ações dos

personagens para o objeto de desejo (valor culturalmente firmado) e que desencadeia o

acontecimento.

b) O arcabouço narrativo

Este componente invariante compreende o fazer, isto é, são as ações dos

actantes, que se articulam em torno do eixo temporal. Isso quer dizer que, na narrativa,

o fazer constrói um sentido que sofre uma transformação. Lopes (1988) explicita que o

conteúdo narrativo está organizado numa série de movimentos, formada por dois

movimentos da regra à subversão da regra (X – X”); e da subversão da regra à

restauração da regra (X” – X).

Dentre os movimentos do desenvolvimento, temos: imposição da regra

(interdição); reação do actante (transgressão); consequência da reação do actante (dano);

e, finalmente, consequência da reação do actante coletivo à reação do actante (punição)

resultado do movimento (reforço da regra).

c) O componente espacial

O último componente da estrutura da narrativa policial de GG consiste no

elemento espacial. Geralmente, o espaço deflagrado é o suburbano ou a periferia, que,

na maioria das vezes, é marcado pelos actantes criminosos num espaço potencialmente

violento. Esse espaço social é tomado como mundo ‘normal’ do lar ou do trabalho, em

contraposição ao ‘mundo do crime’ que subverte a ordem daquele.

No próximo capítulo, trataremos da repetição como um fenômeno linguístico

recorrente na oralidade, cujo propósito é propiciar uma interação com a audiência.

Ninguém mais do que o locutor de rádio está ciente das dificuldades de seu interlocutor

em compreender o texto e, por causa disso, repete elementos do texto a fim de que seja

totalmente assimilado.

Desse modo, a narrativa radiofônica dá-se por redundância e repetição,

estabelecendo um ritmo que mantêm a atenção do ouvinte para configurar a história.

Este recurso ajuda o narrador a avançar no tópico narrativo e tem como objetivo

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envolver o ouvinte emocionalmente pela memorização de detalhes de maneira

paulatina.

Além disso, é um modo de reorganizar pensamentos do ouvinte para avançar no

fluxo narrativo mediante a característica acentuada da improvisação oral. Em

decorrência da narrativa ser transmitida por ondas sonoras, o objetivo consiste em

estimular a atenção do ouvinte para a narração dos fatos, das ações das personagens, dos

locais que denotam o espaço dos acontecimentos e do tempo em que ocorre a narrativa.

Para isso, a repetição é uma grande aliada na produção do discurso, uma vez que

a taxa informacional é muito densa, ou seja, há muitos detalhes que compõem a história.

Com a repetição, essa taxa diminui e permite ao ouvinte de compreendê-la melhor e,

por outro lado, “reunindo condições de organizar e reorganizar o seu próprio discurso”

(Preti, 2004, p. 128).

Deve-se ressaltar que nosso estudo preocupou-se em fazer uma reflexão sobre a

narrativa, no aspecto geral do termo, restringindo-se à uma abordagem da narrativa

radiofônica, mais especificamente, a narrativa policial, que interessa aqui para a nossa

dissertação. No entanto, o que nos chamou a atenção, inicialmente, foi o “como” a

narrativa é tecida ao longo do desenvolvimento. Portanto, a singularidade está no

movimento de avanços e retomadas caracterizadas pelas escolhas linguísticas que o

narrador utiliza-se para construir o discurso. Dentre elas, pretendemos observar a

repetição como fenômeno muito presente na oralidade.

No corpus apresentado, analisaremos o fenômeno da repetição que exerce papel

importante na condução da argumentação. Para isso, dispomo-nos a desenvolver um

estudo sobre a repetição, com base no aporte teórico do estudo de Marcuschi (1992,

2006).

No capítulo seguinte, abordaremos o último conceito teórico que trata de um dos

fenômenos mais recorrentes da língua oral que é a repetição.

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CAPÍTULO III

A REPETIÇÃO E A ARGUMENTAÇÃO:

UMA IMBRICAÇÃO PERSUASIVA

Como indivíduos sociais, estamos de forma contínua, construindo nossas

identidades por meio de diferentes eventos de fala que ocorrem no processo

interacional. Com o intuito de estabelecer vínculos sociais, argumentamos por discursos

que nos fazem participar de um envolvimento interpessoal, pois queremos exercer

influência sobre algo que acreditamos ou, ainda, deixamo-nos influenciar.

Para uma comunicação satisfatória, recorremos a alguns recursos linguísticos

que nos ajudam a tornar o discurso mais fluente e, assim, facilitar a compreensão do

ouvinte e que permitem que o evento de fala seja mais dinâmico e eficiente. Entre várias

estratégias linguístico-interativas, primamos pelo estudo da repetição na oralidade do

comunicador GG, justamente, porque é uma estratégia eficaz na manutenção da

interatividade.

A repetição permeia as conversas descontraídas no cotidiano, em aulas

expositivas, na interação com familiares e amigos. Dessa maneira, trata-se de um

fenômeno linguístico muito recorrente nas práticas sociais mais variadas no dia a dia e

que, acima tudo, seu emprego, no discurso oral, cumpre diversas funções ao longo da

situação de interacão, tendo em vista os propósitos que se pretende alcançar.

A estratégia de repetição faz parte de um planejamento elaborado na construção

do texto falado, cuja intencionalidade é reformular e fazer progredir o texto narrativo.

Como pode-se apurar no texto escolhido como corpus, a estratégia de repetição garante

a continuidade de sentidos, e o permanente movimento de avanços e retrocessos não

prescindem da progressão textual.

Verificaremos que GG utiliza-se de vários procedimentos cabíveis para a

manutenção e evolução do tópico, assegurando uma continuidade de referentes que se

constituem objetos de discurso. Essa continuidade ocorre pela ativação do referente

durante a construção do modelo textual, assegurando que determinado signo seja

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relacionado a um objeto “tal como ele o percebe dentro da cultura em que vive”,

segundo explicita Fávero (2002, p. 18).

Dentre as funções que a repetição exerce, abordaremos somente aquela que nos

propomos a analisar, qual seja: a repetição com função argumentativa com base no

aporte teórico de estudos desenvolvidos em Análise da Conversação por Marcuschi

(1992, 2006). Portanto, julgamos que subjacente ao discurso narrativo de GG, as

repetições sobrepõem-se argumentativamente, com a finalidade de obter adesão do

público no que concerne ao conteúdo exposto, fazendo valer conceitos ideológicos

implícitos no cumprimento de informar as notícias policiais do cotidiano.

Nesse sentido, para compreender a opção que fizemos, torna-se importante

apresentar alguns aspectos acerca da repetição e da argumentação.

3.1. A Repetição

O recurso da repetição, num primeiro momento, é considerado somente como a

ocorrência de duas ou mais vezes de um mesmo segmento, como um processo

tautológico sem grande importância. Todavia, estudos mais acurados revelam a

constante necessidade do uso da repetição na língua, com o objetivo de caracterizar um

processo formulativo na organização do discurso.

A presença da repetição é importante em qualquer tipo de atividade

comunicativa, pois garante maior fluidez na comunicação, permitindo que haja maior

envolvimento entre os interlocutores, bem como facilita a compreensão, porque o

locutor, ao retomar um dado, possibilita um tempo a mais para o interlocutor estabelecer

produção de sentido.

Em vista disso, o autor faz uma importante ressalva: eliminar a repetição na fala

acarretaria textos incompreensíveis e o envolvimento entre os falantes seria prejudicado,

a ponto de diminuir de forma significativa a interação que se estabelece pelo grau da

atividade cooperativa instaurada.

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Desde a antiguidade, os retóricos também observaram a repetição como um

fenômeno a ser estudado. No Tratado da Argumentação, Perelman & Tyteca (1996, p.

197-8) ressaltam que a repetição já recebia destaque, por ser vista como uma forma

incomum da linguagem. Isso explica sua inclusão nos tratados da retórica, como

pertencente às figuras de retórica.

A repetição, considerada como figura de presença, era tomada como tal porque,

ao repetir, o efeito do objeto do discurso era mais efetivo na consciência do ouvinte,

quando o orador se propunha a usá-la com valor argumentativo. Para os retóricos, as

figuras de repetição como anáfora, sinonímia, e amplificação não se restringem a um

valor argumentativo de proporcionar a presença, pois sugerem “distinções” que

ultrapassam o senso comum, como a expressão destacada: ‘Coridon desde então é para

mim Coridon!’ (ibid.).

Na expressão de Quintiliano 23 : ‘Matei, sim, matei...’, Perelman & Tyteca

salientam que o sentido da repetição ultrapassa o efeito de ressaltar a presença, uma vez

que o segundo enunciado do termo está “repleto de valor; o primeiro, por reação, parece

relacionar-se sozinho, teria parecido conter fato e valor. O efeito de presença é,

portanto, subordinado a outras intenções” (ibid.).

Numa visão mais contemporânea, a repetição também ganhou destaque nos

estudos da Análise da Conversação, sendo considerada fenômeno frequente da língua

falada. Assim, como outros pesquisadores, Marcuschi (1992) também dedicou-se aos

estudos da repetição, quanto às funções realizadas na fala, caracterizando-a como

fenômeno relevante na produção, condução e compreensão do texto dialogado.

Para isso, o autor parte da concepção mais simples para tratar desse assunto,

definindo-a como “a produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes, duas

ou mais vezes, no âmbito de um mesmo evento comunicativo”, e que não importa o

tamanho do segmento repetido, se o elemento repetido possui o mesmo conteúdo ou,

ainda, a mesma forma (ibid., p. 6).

A presença da repetição cumpre um importante papel em qualquer atividade

comunicativa, ao garantir maior fluidez na comunicação, permitindo que haja maior

23 Quintiliano, vol. II, liv. VI, cap. IV, 17.

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envolvimento entre interlocutores que se encontram face a face, bem como facilita a

compreensão ao retomar um objeto do discurso.

Convém observar que a tese sobre repetição dá-se no âmbito da conversação,

apesar de o uso não ser excluído na modalidade escrita da língua, como bem

exemplifica a poesia e outros textos que caracterizam com nitidez esse recurso

linguístico. Em vista disso, Marcuschi (1992) faz uma importante ressalva: eliminar a

repetição na fala acarretaria textos incompreensíveis e, possivelmente, o envolvimento

entre os falantes seria prejudicado, a ponto de diminuir o fator de interação que se

estabelece pelo grau da atividade cooperativa instaurada.

Vista sob o aspecto da análise conversacional, a repetição nada mais é do que

uma formulação oral espontânea muito presente na troca comunicativa. Noutra

perspectiva, a repetição é apreendida, no texto, como reflexo da cooperação mútua entre

seus participantes no processo interativo, como uma estratégia de formulação do

discurso oral.

Nessa perspectiva, repetimos a mesma coisa duas ou mais vezes para tornarmos

mais convincentes, cooperar na manutenção do tópico, retomar o turno, mostrar

aceitação do que outros falam, enfim, colaborar com diversos processos comunicativos.

Por conseguinte, a repetição é um recurso usado para manter a continuidade da

conversação e funciona como uma estratégia que promove a compreensão na interação

verbal.

Trata-se de conceber a repetição como uma forma “ordenada e sistemática com

formas e posições muito variadas, exercendo funções tanto textuais como discursivas”,

conforme postula Marcuschi (1992, p. 1). Entretanto, o conceito de repetição transcende

à simples característica da língua falada, ao acreditarmos que seu uso ocorre somente

para tornar mais objetivo ou convincente o código linguístico.

Por isso, Marcuschi (2006, p. 219) emprega o termo “maleabilidade” em razão

das várias funções que fazem parte do processo formulativo da língua nas situações de

interação.

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Sendo assim, a repetição contribui

para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual; favorece a coesão e a geração de seqüências mais compreensíveis; dá continuidade à organização tópica e auxilia nas atividades interativas. Disso tudo resulta uma textualidade à organização menos densa e maior envolvimento interpessoal, o que torna a repetição essencial nos processos de textualização na língua falada.

Na língua escrita o uso da repetição chega a ser depreciado por representar um

estilo descuidado ou um vício de linguagem e que confere ao texto redundância, de

forma diferente da língua oral. No entanto, do ponto de vista literário, o emprego da

repetição é bem-visto ao ser atrelado a determinado estilo.

De acordo com Koch (2003, p.125), a repetição do ponto de vista do estilo

configura-se em “ornamento do discurso”, e que pode ser expressado de forma objetiva,

ao focalizá-la como recurso que refrata um dado novo, a partir de um dado que já é

conhecido.

Vista sob o prisma da linguística textual, Fávero (2002, p. 18), ao falar sobre a

coesão referencial, considera que a reiteração - repetição - de expressões no texto

funciona como elemento coesivo referencial, uma vez que apresenta uma “função de

estabelecer referência” com “alguma coisa necessária a sua interpretação”, portanto,

constitui-se em recurso na estruturação coesiva da superfície textual.

Koch (2006, p. 104) sob o enfoque cognitivo-interativo, considera a repetição

como uma estratégia formulativa, haja vista que possibilita a organização do texto,

facilita a compreensão de enunciados entre interlocutores e/ou “provocar a sua adesão

àquilo que é dito, visando a garantir, assim, o sucesso da interação”.

Preti (2004, p. 128) também postula que a repetição, como modalidade oral, é

uma estratégia constante na conversa por configurar-se em uma maneira de o falante

aliviar a “densidade das informações” e de proporcionar ao ouvinte um tempo maior

para compreender o interlocutor, além de reunir condições de “organizar ou reorganizar

o seu próprio discurso”.

Marcuschi (1992, p. 25) observa que a repetição é tomada como elemento

coesivo textual à medida que estrutura o texto. Entretanto, este sinaliza que a repetição

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identificada na superfície do texto é diferente da identificada na fala, uma vez que nesta

a repetição não ocorre localmente planejada, e também pode sofrer interferências

externas ou interrupções. Na escrita, o planejamento permite que o texto possa ser

revisado e reescrito, até apresentar-se bem elaborado em sua versão final.

Uma análise detalhada a respeito da repetição fez com que o autor definisse seu

caráter funcional, ao observar que a repetição é a “produção de segmentos discursivos

idênticos ou semelhantes, duas ou mais vezes, no âmbito de um mesmo evento

comunicativo, sejam eles de ordem interacional, cognitiva, textual ou sintática”

(Marcuschi, 2006, p. 219).

Embora essa definição origina-se no campo da análise conversacional, a

repetição é válida para qualquer tipo de modalidade da linguagem quer oral, quer

escrita. De acordo com a modalidade em que está inserida, a repetição promove maior

envolvimento e interação entre os falantes no nível discursivo, porque serve como um

suporte natural para o processo de compreensão.

Trata-se de uma estratégia consciente de estruturação do discurso, ao

considerarmos a repetição como mecanismo coesivo e que contribui para a organização

textual. Isso significa que ela está presente, de forma representativa, nos textos que

produzimos, principalmente, nas construções paralelas, nas repetições da fala do outro,

nas autorrepetições, em que a matriz e a repetição são produzidas pelo mesmo falante, e

ainda nas heterorrepetições, cuja matriz e a repetição são produzidas por falantes

diversos, procedimentos espontâneos da conversação, ou seja, na língua falada.

No processo da repetição, tem-se a primeira ocorrência de um termo que servirá

como modelo para a projeção de outro segmento semelhante ou idêntico,

caracterizando, assim, a repetição que é designada matriz (M). Em vista disso, a matriz

pode condicionar a repetição (R) em vários níveis como no fonológico, no

morfológico, no sintático, no lexical, e no semântico ou pragmático.

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Na pesquisa intitulada A repetição da língua falada: formas e funções,

Marcuschi (1992, p. 34) esclarece que a R é

sempre produzida com um certo objetivo, ela apresenta traços de seletividade em relação à sua M. Esta relação se dá na seleção e marcação de um foco (F) localizado em algum ponto da cadeia dos constituintes em relação à M. com isto a M opera como proposta de composição textual-discursiva. Na R pode ocorrer uma reprodução dos mesmos fenômenos ou uma variação deles em relação à M. No caso de uma variação, pode haver um deslocamento sintático (topicalizações, alçamentos, inversão de ordem, etc.); uma substituição predicativa (outro objeto ou complemento para o mesmo SV); acréscimos; modulações prosódicas (de um V em N e outras); supressão de elementos (elipses, cortes etc.) e muitos outros tipos de variações. Ao tratar de cada segmento que compõe os tipos formais de R estarei indicando quais são estas variações mais comuns de acordo com as evidências encontradas no corpus.

Como uma prova de naturalidade na fala, alguns aspectos relacionados ao uso

das Rs devem ser levados em consideração, como podemos observar a seguir.

3.1.1. A Repetição em sua Estrutura Multifuncional

As repetições manifestam-se, quanto ao aspecto multifuncional, de duas

maneiras, a saber: produção e distribuição. Em relação à produção, o autor classifica

em autorrepetição e a heterorrepetição24. No elemento distributivo da repetição, aponta

sua ocorrência por contiguidade, proximidade e distância em relação à Matriz (M). Os

segmentos repetidos podem constar sem nenhuma variação de forma, ou seja, na

íntegra, ou apresentar variação como, por exemplo, um verbo no singular ser flexionado

no plural.

Marcuschi (2006, p. 223) ressalta que produzir uma R integral, “aquela que

reproduziria a M, exatamente, é mais rara em relação a R com variação”. Isso sem

contar com a possível diferença de entonação dos segmentos que constituem a M e a R.

Nessa perspectiva, o autor acrescenta que, quanto maior o segmento discursivo, maior

24 Autorrepetição é quando o próprio falante repete o segmento discursivo. A heterorrepetição ocorre quando um dos interlocutores repete algum segmento discursivo do outro interlocutor.

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será a possibilidade de variação, evidenciando que a manifestação das Rs equilibra essas

categorias, com um “leve predomínio de 40% (por cento) das repetições lexicais.

Deve-se ressaltar que, neste trabalho, caberá apenas o estudo das repetições de

itens lexicais, e de construções suboracionais e oracionais por apresentarem segmentos

discursivos mais recorrentes na construção textual.

3.1.1.1. Repetição de Itens Lexicais

É a produção de segmentos textuais idênticos ou semelhantes que se localizam

mais próximos da M. Esses segmentos apresentam funções diferenciadas porque,

somente o contexto no qual se efetuam, poderá recuperar o sentido, como veremos no

modelo a seguir:

R (adjacentes)- L1- viu E. eu continuo achando que o Brasil só tem três

problemas graves educação ... educação e educação.

(D2 REC 05:319-21)

As Rs lexicais, mais distanciadas da matriz, são aquelas que aparecem em

tópicos diferentes e, também, sua ocorrência é menos frequente, comparada à adjacente.

Assim, podemos observar no próximo exemplo:

R (distanciadas) – L1 – tu participas de algum grupo... assim de:: social

EXTRA-universidade assim clube...

((retomando o tópico três minutos após esse turno))

L1 – eu eu eu participo/ eu tenho/ eu sou associada de um cl

(D2 REC 340:137, 185)

Marcuschi (2006) adverte que, em relação às repetições, o único problema é

saber distinguir entre a repetição de uma forma e a repetição de um mesmo referente

discursivo.

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O exemplo a seguir contextualiza claramente este aspecto:

L2 - [...] a bancar o cavalo do cão não é? Como diziam meus avós

L1 - co::rre cavalo do cão

L2 - cavalo do cão:: entendeu? era uma expressão antiga... cavalo do cão quer

dizer [...]

(D2 REC 266:634-39)

Nesse exemplo, as duas ocorrências de cavalo do cão tipificam a repetição, ao

passo que nas duas ocorrências de cavalo do cão são somente mencionadas.

3.1.1.2. Repetição de Construções Suboracionais

As Rs de sintagmas suboracionais são aquelas que reproduzem partes de

estruturas oracionais dos mais diversos tipos. Às vezes, podem parecer com as Rs

lexicais, de forma que os itens lexicais são “constituintes sintagmáticos plenos” e,

outras vezes, aparecem com o aspecto de Rs oracionais - reduzidas ou com muitas

elisões.

Vejamos o exemplo abaixo:

1 L1 – eu acho que o caminho para uma cristianização

2 cada vez maior ... agora caminha por ...

3 talvez não por caminho direto

4 mas por caminhos indiretos...

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3.1.1.3 Repetições de Construções Oracionais

Esse tipo de repetição caracteriza-se pela repetição de orações. A diferença que

se pode estabelecer em relação às suboracionais e itens lexicais consiste nas repetições

de construções oracionais, que aparecem mais Rs integrais.

Segundo Marcushi (2006), isso acontece porque as orações são fenômenos mais

complexos, como podemos constatar:

[...]

8 L2 - é um homem inteligente...

9 é um homem culto...

10 é um homem de grande valor

11 é um homem vivido

12 é um homem que tem pressa também

As Rs de construções oracionais são mais operacionalizadas para promover

maior envolvimento entre os interlocutores, e contra-argumentar, quando se tem a

pretensão de impor uma opinião.

3.2. Aspectos Funcionais da Repetição

A repetição, por ser uma atividade muito presente na fala espontânea e natural

cotidiana desempenha papel fundamental nas relações interativas, à medida que seu uso

exerce funções diversas em momentos específicos no qual ocorre a organização textual-

interativa.

Marcuschi (2006) apontou 5 funções exercidas pela repetição, como estratégias

na formulação textual-discursiva. No texto, a repetição tem função coesiva por

sequenciação, e referenciação; e formulativa por reconstrução de estrutura, correção,

expansão, parentetização ou retomada, enquadramento ou destaque.

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O discurso, por sua vez, possui a função de auxílio à compreensão por

intensificação, reforço e esclarecimento; de organização de tópico discursivo por

amarração intermitente, reintrodução de tópico, delimitação de episódios, atualização de

cena; de argumentação por reafirmação, contraste, contestação; e de promoção da

interação por monitoração de tomada de turno, ratificação do papel do ouvinte,

expressão de opinião pessoal e incorporação de sugestões.

Vale lembrar que, para atender aos propósitos desta pesquisa, somente

abordaremos a repetição no plano da argumentatividade devido considerarmos que, na

narrativa de GG, as repetições são usadas para enfatizar crenças e valores implícitos no

discurso, mas que são operadas para restabelecer princípios morais, éticos, familiares, e

argumentos que visam persuadir o ouvinte dos ideais postulados na sociedade.

3.2.1. Argumentatividade

Nesse caso, as repetições, introduzidas em formato de orações, são usadas no

para conduzir uma argumentação que, geralmente, numa conversa, servem forma para

reafirmar, contrastar ou contestar argumentos.

3.2.1.1. Reafirmação de Argumentos

As repetições cumprem a função de reafirmar um argumento e são avaliadas

como redundância em série, principalmente, quando incide sobre posicionamentos do

falante. Marcuschi (2006) argumenta que muitos falantes “preferem repetir suas

afirmações com material linguístico já existente a apresentar novos argumentos” (ibid.,

p. 247).

Vejamos no excerto seguinte:

1 L2 – a mercadoria mais cara no país ...

2 inda é dinheiro

3 como é caro comprar dinheiro [...]

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(D2 REC 05:497-502)

3.2.1.2. Contraste de Argumentos

Nas Rs com função de contraste, nem sempre a partícula de negação é necessária

para expressar a contraposição dos argumentos, tendo em vista que a negação pode ser

facilmente identificada pela modulação entoacional.

Para tanto, Marcuschi (2006) postula que “as Rs por si sós não são um recurso

que determina o contraste ou que produz argumento; há mais do que isso em jogo”

como, por exemplo, quando um falante altera a afirmação de outro indivíduo em uma

indagação. Essa alteração transforma “o ato ilocutório e introduz desacordo ou

surpresa”.

Logo, as repetições podem revelar-se como verdadeiras estratégias que

contrastam argumentativamente, quando pronunciadas com forte carga entoacional.

Observe-se:

1 L1 – agora você quer... você quer ver uma coisa que eu detesto

2 que eu não GOS:to de jeito nenhum

3 é fazer compras

4 L2 - fazer compras? [...]

(D2 REC 340:728-32)

3.2.1.3. Contestação de Argumentos

As Rs de construções oracionais, com função de contestação, estão relacionadas

com a preservação da face negativa 25 dos interlocutores, já que estamos falando do

envolvimento interativo que eles prezam por manter. Novamente, o autor ressalta que,

em uma interação simétrica, não há necessidade de preservar a face negativa do

25 Teoria da face negativa: Brown e Levinson (1978), apoiados em Goffman (1970), caracterizaram a face negativa como o “território” que o interlocutor deseja preservar ou ver preservado durante a interação comunicativa (Galembeck, 1999, p. 173).

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interlocutor no ato da contestação, porque “esse tipo de R apresenta menos traços de

polidez” (ibid., p. 249).

Vejamos o seguinte exemplo:

1 L1 – toda vez que posso viajar por terra não viajo de avião

2 L2 – ah não eu não vou por terra aonde eu posso ir de avião

(D2 REC 05:926-29)

O trabalho de Marcuschi (1992, 2006) sobre as estratégias de repetição teve

como base o texto dialogado que se dá face a face, comum na maioria dos nossos

encontros cotidianos. Portanto, nessa investigação, o autor cria uma metodologia, com

a finalidade de explicitar o papel da repetição na organização textual.

Essa metodologia ofereceu-nos suporte para analisarmos o corpus, uma vez que,

mesmo sendo uma narrativa radiofônica, as estratégias de repetição cumprem as

mesmas funções que visam à interação com a audiência pelo uso da dramaticidade com

o recurso da voz.

3.3. A Argumentação

A argumentação constitui o eixo norteador da retórica. Depois de passar por

crises e questionamentos, e chegar ao declínio, a Retórica ressurge, permitindo que os

estudos da argumentação ganhassem vigor, na segunda metade do século XX, com os

trabalhos de vários pesquisadores, inclusive Perelman e Olbrechts-Tyteca na década de

1970.

A argumentação está presente em toda e qualquer atividade discursiva,

consagrando-se pelo uso de técnicas capazes de “provocar ou ampliar a adesão dos

espíritos às teses que se apresentam ao seu assentimento” (Perelman e Olbrechts-Tyteca,

apud Charaudeau e Maingueneau, 2004, p. 52). Numa abordagem mais simplificada,

argumentar é apresentar propostas e teses que incidam em questionamentos do ‘outro’,

no caso aqui, do interlocutor, para que este possa interagir e manifestar-se de alguma

forma.

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Dessa forma, a argumentação baseia-se no raciocínio e no propósito de serem

encontrados argumentos para fundamentar a tese ou, então, de serem contrapostos a ela.

Nessa perspectiva, a argumentação constitui-se numa proposição articulada para

influenciar via discurso.

Para que isso aconteça, o leitor/ouvinte deve preparar-se para sofrer a ação do

autor. Araújo (2000, p.68) expõe que “a persuasão do autor sustentar-se-á, basicamente,

através do diálogo, da discussão, renunciando à relação de força e buscando a adesão

intelectual”. Sendo assim, a argumentação é inerente ao discurso, logo, argumentar

implica o modo que a linguagem seleciona os dados com o objetivo de persuadir e de

exercer influência.

Aristóteles via na retórica um meio de apreender a verdade apresentada nas

ações e práticas humanas e acreditava que isso era verificável na língua, passando a ser

o foco de observação. Com o tempo, a noção de verdade perde força na Retórica e passa

a relacionar-se com o aspecto da persuasão, que possibilita ao homem exteriorizar

opiniões e representações acerca do mundo, sempre por meio de argumentos usados

para fins específicos.

De acordo com Mosca (2001, p. 21), o discurso convincente é aquele que

“consegue fazer o público sentir-se identificado com o seu produtor e a sua proposta”,

mediante dois tipos de provas apresentadas, cujos objetivos compreendem a comunhão

de ideias objetivas e subjetivas.

Em se tratando das provas objetivas, elas evidenciam o próprio discurso, ou seja,

como o raciocínio constrói o discurso. As subjetivas, por sua vez, estão ligadas aos

aspectos da interação subjetiva e ao caráter de quem expõe o raciocínio, no caso o

enunciador, bem como busca provocar paixões do enunciatário. Trata-se de organizar

todos os argumentos do discurso, a fim de que a eficácia seja garantida.

A adesão ao enunciado depende, essencialmente, de como as ideias apresentadas

viabilizam o raciocínio na atividade discursiva. Mais do que a aparência, o caráter do

locutor é significativo porque dele emanam componentes psicológicos e ideológicos,

evidenciado no discurso, e que pode ser entendido como critérios de percepção do

mundo externados pela linguagem. Com relação ao componente ideológico, o locutor

deve estar ciente de que o ouvinte é um indivíduo inscrito em uma instância social, da

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qual provêm suas crenças e valores, e isso contribui para que o locutor esteja ali, diante

dele, para, se for necessário, contrapor-se. Segundo Araújo (2000), “o locutor vai-se

adequar ao ouvinte, construindo a imagem das motivações que o movem” e que

somente efetivam-se mediante conhecimento prévio do ouvinte/público que interage

com o locutor.

Outro aspecto a ser considerado, consiste no fato de que o locutor e o ouvinte

estão firmados em propósitos subjetivos; aquele, visa convencer e persuadir o ouvinte;

este, também vislumbra influenciar o locutor:

Enquanto o ato de convencer se dirige unicamente à razão, através de um raciocínio estritamente lógico e por meio de provas objetivas (...) o ato de persuadir, por sua vez, procura atingir a vontade, o sentimento do(s) interlocutor(es), por meio de argumentos plausíveis ou verossímeis e tem caráter ideológico, subjetivo, temporal [...]” (Koch, 1984, p. 20).

Nessa perspectiva, tem-se concretizado no discurso, não somente a pessoa, mas

a imagem do locutor, que imprime toda a competência para o interior do discurso.

Araújo postula que “a imagem do locutor se revela no discurso em termos de ações

verbais enquanto estratégias discursivas, que levam para o interior do discurso a sua

competência” (2000, p. 70) .

Perelman e Tyteca, no Tratado de argumentação, apresentaram novos conceitos

sobre o discurso persuasivo, ao dizerem da força que o logos assume ao agir sobre os

outros, no tocante à palavra e à razão. Além da palavra proferida, temos, por parte do

ouvinte, uma disposição em relação aos que falam (ethos) e a forma de reagir dos que

ouvem (pathos) (Mosca, 2001).

Tais elementos constituem-se na essência da retórica, desde a antiguidade, salvo

algumas perspectivas apontadas em estudos mais atuais. Dessa maneira, a teoria da

enunciação, postulada por Benveniste, apresenta a enunciação como “a apropriação da

língua pelo sujeito que assim pode dizer o que tem a dizer” (Guimarães, 2002, p. 12).

Nesse sentido, todo discurso deve ser entendido como uma construção retórica,

pelo fato de que se pretende levar ao destinatário compartilhar de ideias sobre

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determinado assunto, advindas de um mesmo ponto de vista que exerça influência sobre

o receptor.

Mosca considera que do conceito de Retórica divergem dois ramos

fundamentais que definiram novos caminhos para essa ciência: o estudo da produção

literária e o estudo da produção persuasiva, que interessa ao nosso trabalho. Para a

autora, argumentar é uma forma que os indivíduos encontram de expressar seus ideais,

de persuadir o receptor da mensagem no ato comunicativo (ibid., p. 23-4).

Após esses esclarecimentos sobre a argumentação, analisaremos a repetição na

função argumentativa no discurso de GG que, por sua vez, atua persuasivamente sobre o

ouvinte. Para isso, foi preciso apreender a origem da argumentação na Retórica, para

que pudéssemos delimitar seu campo de atuação e compreendê-la nessa dissertação. No

entanto, não nos deteremos em especificá-la detalhadamente.

Por conseguinte, queremos ressaltar que também será destacado somente o

aspecto da autorrepetição, por ser uma situação comunicativa pontuada no programa de

rádio, em que somente o locutor, GG, tem a palavra. Como já foi exposto, nesse quadro

interativo, é somente o locutor que mantém a palavra, restando apenas ao ouvinte

comunicar-se por carta ou por telefone.

No entanto, ocorre dialogicidade à medida que o ouvinte atento segue pistas

linguísticas, que o locutor introduz na narrativa, convidando-o a participar de todo o

processo de desenvolvimento da narrativa fantástica. Assim, julgamos que todos os

subsídios teóricos desenvolvidos até aqui, contribuirão para sedimentar a análise do

corpus de pesquisa.

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CAPÍTULO IV

ANÁLISE DO CORPUS

Preliminares sobre a Narrativa

Diferente da ficção literária em que a história é inventada, o programa no rádio

constitui-se numa instância midiática que não tem a mesma liberdade de criar uma

história, haja vista sua responsabilidade de informar sobre fatos que ocorrem no espaço

social. Por isso, o programa trabalha com acontecimentos reais fornecidos por instâncias

como delegacias, IML e também pelos próprios ouvintes que contam suas histórias.

O acontecimento policial passa por um trabalho de transformação, pela equipe

de jornalismo no rádio, conferindo-o à forma de narrativa com as técnicas próprias do

ofício. Como instância midiática, há algumas limitações que se prendem às

possibilidades do suporte e do dispositivo do rádio porque veicula um acontecimento

“exterior a si mesmo”.

As representações humanas que já aconteceram no espaço social e que devem

ser transmitidas, levam em conta, principalmente, potenciais diegético26, de atualidade e

dramatização (cf. Charaudeau, 2006, p. 157). Portanto, o objetivo almejado é prender a

atenção do ouvinte por meio de estratégias, necessárias nesse meio, durante a

construção da narrativa.

Para isso, vale-se, essencialmente, de técnicas imprescindíveis, ao atualizar um

acontecimento, desenvolvendo um roteiro na reconstituição da narrativa, sendo preciso

levar o público-ouvinte a ter uma opinião sobre o ocorrido e a comungar das opiniões

implícitas no discurso.

O narrador deve estar atento à sequência de ações, garantindo a progressão do

texto narrativo, seja qual for a credibilidade do fato informado. Por isso, essa posição o

26 O potencial diegético remete ao próprio ato de contar o acontecimento com riqueza de detalhes, segundo Charaudeau (ibid.).

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obriga a atestar o acontecimento, mediante forte empenho para que todos detalhes

sejam revelados durante a reconstituição da história, que se encontra fora do tempo real

do acontecimento. Como o fato, em si, já se consumou, é a narrativa que o traz à

superfície, obedecendo a ordem cronológica do acontecimento, criando a ilusão de que

o caso desenrola-se no exato momento da narração – “aqui” e “agora”.

O relato do que aconteceu prima por uma organização de elementos que

encadeiam as ações. Portanto, é necessário considerar que a narrativa policial recebe

tratamento especial, dramático mesmo, porque seu relato parte de um acontecimento do

mundo no qual a vida e as ações dos homens estão representadas. Com todo domínio e

habilidade, o narrador tem em mente todas as cenas, que são descritas com o fim de

reconstituir para o ouvinte o cenário do fato acontecido.

Para reconstituir cada cena, como estratégia de arrebatamento, ou seja, de atrair

a atenção, o narrador procura dar uma força ilocutiva na entonação de voz, para que

haja resultados de efeitos sobre o ouvinte. Tudo é conduzido para que, desde o início,

ocorra uma expectativa logo na abertura da história. Apesar de os fatos não serem

mostrados diretamente, é imprescindível o trabalho do narrador que tenta, por analogia,

reconstituí-los da forma mais realista possível.

Nessa perspectiva, a instância midiática assume e cumpre a posição ambígua à

semelhança de um narrador literário (Charaudeau, 2006). Com essas considerações,

queremos explicitar que este capítulo será desenvolvido de forma a abarcar dois

momentos distintos na análise.

No primeiro momento, faremos uma análise da construção da narrativa policial

de GG. Para isso, precisaremos também tomar o texto como campo discursivo, no

intuito de analisar quais estratégias linguístico-discursivas foram empreendidas pelo

locutor, para tecer possíveis relações de significado pela forma como constrói a

narrativa. O ponto em questão é mostrar que o ato de enunciar implica em propósitos

implícitos na elaboração da narrativa. Ao fazer determinadas escolhas lingüísticas, o

narrador espera que o ouvinte reconheça as marcas do texto e as interprete, segundo os

valores que a ela (narrativa) subjaz.

No segundo momento, faremos também uma análise sobre a estratégia que mais

se evidencia na narrativa de GG – a repetição. Queremos observar que a repetição

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constitui-se numa prática comunicativa desse locutor, que é a argumentação.

Entendemos que, além de ser um fenômeno linguístico motivador à compreensão do

ouvinte, visando à permanência da interação entre ambos, também, é uma estratégia

usada com teor argumentativo. Nesse sentido, privilegiamos diversos estudos que

fundamentam esta dissertação, a saber: a Linguística Textual, a Análise do Discurso e a

Análise da Conversação.

Consideramos que a progressão da narrativa dá-se principalmente em função da

estratégia da repetição porque, ao mesmo tempo em que o processo de repetição

viabiliza maior interação entre locutor e ouvinte, também possibilita a diminuição da

taxa informacional, uma vez que há muitos detalhes a serem descritos ao público.

Desta forma, a escolha da crônica policial de Gil Gomes, que constitui o corpus

desta pesquisa, tem como princípio comprovar que as repetições não são apenas

procedimentos tautológicos, mas seu uso remete-se à natureza do elemento repetido e à

intencionalidade de quem repete.

No caso, formular repetição não deixa de ser um procedimento pertinente ao

processo interativo. No rádio, o locutor precisa empenhar-se para prender a atenção do

ouvinte, já que essa mídia prevê a possibilidade de o interlocutor sentir-se seduzido por

qualquer outro som que o toca à distância. Uma vez que o discurso do rádio é percebido

pela audição, cabe ao locutor estimular a aproximação do ouvinte, pois a atividade de

entendimento do receptor começa na percepção do conteúdo sinalizado.

Tendo em vista a singularidade de sedução que essa mídia desenvolve para

capturar a atenção do ouvinte, é que escolhemos a crônica policial transmitida pela rádio

Tupi AM; veículo esse que, como analisamos no primeiro capítulo, tem como perfil de

ouvinte pessoas cujo grau de instrução é baixo, perfazendo um público considerado

popular. Isso não significa que a classe média não faça parte do público desse programa,

mas o índice mostra-se menor.

Por questões metodológicas, para tornar nossa análise didática, optamos por

privilegiar apenas alguns excertos do nosso corpus que evidenciassem a repetição na

função argumentativa. Julgamos que a narrativa policial escolhida, veiculada em 18

dejaneiro de 2007, é suficiente para elucidarmos os objetivos aspirados por este

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trabalho. Antes de começarmos a análise propriamente dita, achamos conveniente fazer

um breve resumo sobre a história na qual nos debruçamos como analistas.

A história trata de um maníaco que atacava as vítimas somente em dois dias da

semana: segunda ou sexta-feira. Durante muito tempo, este detalhe intrigou a polícia

porque as vítimas abusadas, que deram queixa, são moradoras de cidades margeadas

pela Via Dutra.

Muitas vítimas foram ameaçadas de morte pelo maníaco e, receosas, não

registraram queixa à polícia, mas aquelas que o fizeram, ajudaram a polícia a traçar um

plano para capturá-lo. Ao ser preso, a polícia descobriu que se tratava de Sérgio

Verdini - um consultor de seguros, que semanalmente viajava para Volta Redonda,

cidade do Estado do Rio de Janeiro.

No percurso entre São Paulo e Rio de Janeiro, o maníaco fazia suas vítimas. Isso

significava que atacava as vítimas na segunda-feira ao ir para o Rio de Janeiro e, na

volta, sexta-feira, atacava em São Paulo. Também descobriram que era morador de São

Paulo, separado e tinha um filho de cinco anos de idade. Durante o interrogatório para

esclarecimentos dos fatos, o maníaco revelou a polícia que, quando menino, havia

sofrido abuso sexual.

4.1. Análise da Narrativa “O maníaco da Via Dutra”

Convém destacar que o início da narrativa tem a entrada in medias res, estratégia

muito frequente do locutor GG que, para prender a atenção do ouvinte, começa o relato

no meio de uma ação já iniciada. Essa forma de começar a narrativa é frequente em

filmes policiais, para suscitar maior clima de suspense (Reuter, 2002, p. 94).

A narrativa começa com a descrição de uma cena impactante, em que se busca

articular o clima de mistério e de sentimento de pavor da primeira personagem da

história. No entanto, o narrador prefere congelar a cena para explicitar sobre casos que

despertam atenção de autoridades do interior de São Paulo, do Vale do Paraíba, e do

estado do Rio de Janeiro.

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Para atrair a atenção do público, o locutor tem a preocupação de apresentar os

actantes pelo nome, idade, profissão e residência, para que facilmente sejam

identificados. Sobre o início da narrativa, Maingueneau (1996, p. 187) explicita que, a

fim de situar seus universo ficcional, o narrador deve fazer entrar “um certo número de

elementos no domínio de saber do leitor”.

Vale ressaltar que o limite de tempo da narrativa no programa concorre para que

todo o discurso do narrador seja organizado em determinado prazo, uma vez que o

objetivo a que almeja é a persuasão do ouvinte.

Logo na abertura da narrativa, nas linhas (1), (2) e (3), o público já é impactado

pela descrição da cena de terror e pânico da situação em que se encontra a personagem:

L (linha)

(1) (M) “Ela sentiu:: o pior estava para acontecER::...(R) ou seria estupra::da:

(R) ou seria

(2) assassinada::... medo... ou pavor... ou estupro... ou assassinato...

O exemplo apresenta a repetição dos segmentos com variação, para colocar em

foco detalhes que auxiliarão o ouvinte a compor o sentido central da narrativa. Na linha

(1), tem-se a matriz (M): Ela sentiu:: o pior estava para acontecer::.., e em (L2), o

locutor reproduz a repetição (R) da matriz com variação: [...] Ela sentiu:: ou seria

estuprada:: ou seria assassinada [...]. Nesse contexto, a repetição ocorre para

esclarecer o termo “o pior”, evidenciada na matriz.

O termo (o pior) é um modificador avaliativo (Koch, 2006, p. 98) que assegura a

orientação argumentativa, bem como promove a progressão do texto. Por isso que a R

se dá de maneira contígua à matriz, para esclarecer ao ouvinte qual seria a situação em

que a personagem se encontra. O narrador recategoriza o sentido da L2 com a alteração

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das expressões verbais “ou seria estuprada ou seria assassinada” para a nominal: ou

estupro ou assassinato.

Pela análise desse excerto vemos a preocupação do narrador em criar um efeito

aterrorizador pela descrição da cena. Para começar, GG recorre ao uso de forma

remissiva referencial, como a catáfora28, expresso pelo pronome pessoal de 3ª pessoa –

ela –, não identificando, de imediato, a primeira personagem que coloca em cena.

Consideramos catafórica porque somente mais adiante no texto é que saberemos

a quem a forma remissiva faz referência. Pode-se perceber que GG procura fixar o

drama da cena que se estende diante do ouvinte sem, no entanto, deixar de construir um

clima de suspense.

(2) (M) “[...] ... ela estava

(3) ATERRADA... (R) ela estava::... assusTAda::

O enunciador repete o referente pela pronominalização – ela – nas linhas (2) e

(3), para expressar o sentimento de pavor e de impotência frente ao agressor. Nesse

sentido, GG procura esclarecer as ideias que, aos poucos, compõem o texto e, para isso,

recorre às atividades de formulação, à medida que constrói linguisticamente o

enunciado.

Ao converter o acontecimento, por meio do processo narrativo, cabe ao narrador

tornar o enunciado o mais compreensível possível ao ouvinte. No rádio, o narrador tem

diante de si somente um script do acontecimento, restando-lhe um trabalho de

montagem e dinamização dos fatos, com a finalidade de incitar o ouvinte a compartilhar

entusiasmo ou indignação.

Nesse exemplo, temos como enunciado de origem a (M): ela estava ATERRADA

e a repetição com paráfrase (R): ela estava::... assusTAda::.

Assim, o locutor faz uso de paráfrase para formular e reformular as ideias que

cooperam linguisticamente para a progressão do texto, respeitando o encadeamento dos

28 A referência catafórica ocorre quando o item antecipa outro no texto (Araújo, 2000, p. 84).

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fatos e das ações das personagens. As atividades de formulação são necessárias, pois

têm em vista dar “forma” e “organização linguística” ao conteúdo, segundo esclarece

Hilgert (2001, p. 107).

Para o pesquisador, o falante tem uma preocupação com o “dizer” e com o “que

dizer”. Assim, conforme a narrativa prossegue, o enunciador imprime uma “série de

marcas responsáveis pela caracterização específica de sua formulação” (Hilgert, 2001,

p. 107). Mais do que ninguém, o narrador sabe que é preciso recorrer a tais

procedimentos para alcançar o objetivo comunicacional – a interação com o ouvinte.

As repetições oracionais evidenciam aspectos formulativos necessários para

manter a progressão textual. Assim, GG constrói a repetição com paráfrase para

acentuar o drama que se instaura na cena, pretendendo chocar o ouvinte com a

descrição de detalhes que, por sua vez, aumenta o suspense.

(3) “[...] um caso:: que está chamando a

(4) atenção do interior de São Paulo:: do Vale do Paraíba e também parte do

(5) Estado do Rio de Janeiro::.. [...]”

O narrador compreende que é preciso situar o ouvinte na narrativa, por isso GG

dá indicações precisas correspondentes ao universo geográfico do público. Essas

definições exatas ancoram a narrativa na realidade dos fatos, trazendo maior

credibilidade à narrativa.

A descrição de todos os lugares, nos quais a história situa-se, corrobora para

determinar e orientar a sequência das ações durante o desenvolvimento do texto. Note-

se que, até mesmo, a forma como os lugares estão dispostos mostram os caminhos

percorridos pelo maníaco ao efetuar o ataque às vítimas.

(5) “[...] (M) quem é:: (R) quem é aquele homem. ”

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Na linha (5), a personagem do maníaco começa a ser revelada. Inicialmente, o

narrador questiona, de forma indireta, sobre quem seria “aquele homem”. Esse

segmento traz um caso de R lexical adjacente para dar noção de ênfase. A repetição é

uma estratégia usual do locutor, enquanto está formulando o texto. Nesse sentido, ele

faz uso do pronome interrogativo direto, quem, no intuito de provocar a curiosidade do

ouvinte e prender a atenção do público para os desdobramentos da história.

A descrição de um ambiente inquietante caracteriza o efeito de dramaticidade

instaurada, durante o desenvolvimento dos fatos.

(5) “ [...] quem é:: quem é aquele homem:: um maníaco

(6) doente ou seria um demônio [...]”.

Pode-se observar nas L5 e L6, que o narrador prossegue e, novamente, retoma o

referente “aquele homem”, agora por meio de uma substituição lexical - um maníaco /

um demônio. Já o primeiro termo - maníaco, faz parte do conhecimento do ouvinte

como uma figura real, parte do mundo; o segundo retoma o referente “homem” e

hiperboliza o referente, comparando-o com a figura de “demônio”, identidade da crença

cristã como representação do mal.

Na expressão quem é aquele homem, o narrador usa o verbo ser no presente do

indicativo, mas, logo depois, questiona o interlocutor com o uso do verbo ser no futuro

do pretérito, ao compará-lo a um demônio. Segundo Galembeck (1999, p. 178), nesse

segmento está contida a idéia de “julgamento ou apreciação” do locutor, frente à

caracterização do personagem que começa a ser feita a partir desse ponto na narrativa.

Outro dado interessante é que, ao introduzir o referente - o maníaco,, o narrador

constrói textualmente a personagem com o emprego de descrições indefinidas, com

função anafórica: um maníaco / um demônio / um homem (linha 09). Depois o referente

passa a ser construído com o emprego de descrições definidas: este homem (linha 11) /

o estuprador (linha 14) / o maníaco (linha 40). Ao referir-se à mulher, o narrador usa a

mesma estratégia de construção da personagem: uma mulher (linha 28), depois: a

mulher (linhas 30, 31, 34, 35), a moradora (linha 37).

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Interessante notar que o ouvinte não perde o referente porque em todo

momento as designações da personagem como maníaco ou demônio, são trazidas à luz

da narrativa. No propósito de persuadir os ouvintes, GG apresenta argumentos

relevantes, por considerá-lo uma ameaça à sociedade.

Ao mesmo tempo em que expõe a figura do actante ao público, GG também

persuade o ouvinte a compartilhar das mesmas crenças. Para isso, o narrador não se

preocupa em tratar o referente pelo nome, mas pelas ações.

As retomadas das designações “negativas” mostram que as repetições

referenciais acontecem, ao longo do fluxo narrativo, mas que tornam notório o único

eixo sob o qual a narrativa toda está construída: a luta do “bem” contra o “mal”. Para

manter o suspense, o personagem é totalmente despersonalizado pelo narrador que faz

questão de manter a identidade do estuprador em sigilo.

(6) “[...] quem é:: quem é aquele homem::

(7) (M) ele começou agora ou (R) será que não::

(8) (R) ou será que atacava em outro lugar [...]”

A expectativa cresce com as palavras do narrador que sempre interroga o

ouvinte, quanto à identificação do personagem. As perguntas feitas à audiência aguçam

a curiosidade e aumentam a expectativa em torno do relato. Essa é uma forma de deixar

a narrativa em suspense, para definitivamente compor o quadro.

No exemplo da L7, vemos que o narrador constrói o discurso tendo em vista a

matriz, repetindo a mesma estrutura, tornando o verbo elíptico (começou) para enfatizar

a dúvida e causar suspense em relação a forma de atuar do homem.

No excerto anterior, observamos a estratégia de progressão referencial

anafórica29 pelo uso do pronome ele, que remete para “aquele homem”. O narrador

privilegia o mistério, sem revelar a identidade do maníaco.

29 A referência anafórica é “quando o item de referência retoma um signo já expresso no texto”. (Fávero, 2002. p. 13)

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(8) “[...] Fevereiro de 2005 ele apareceu [...]

Assim como a indicação do espaço físico em que ocorrem as ações, a narrativa

não prescinde da indicação temporal. Para a progressão do texto e encadeamento lógico

narrativo, a indicação das datas é importante porque confere referencialidade temporal à

narrativa e situa as ações cronologicamente, como também ajuda o ouvinte a traçar toda

a trajetória da trama.

É interessante notar que a narrativa reconstrói um fato já acontecido e tem o

poder de instaurar a aparente sensação de que é trazido para o “aqui” e “agora”, criando

a ilusão de que o fato acaba de acontecer. Por isso, na linguagem, os dêiticos temporais

são elementos importantes para marcar a passagem de tempo entre uma ação e outra.

Nesta direção, os dêiticos são fundamentais na organização de sequências

narrativas, de modo que tudo forme uma unidade de sentido na imaginação do ouvinte.

O primeiro elemento temporizador marca o mês e o ano em que o maníaco fez sua

primeira vítima. Isso não significa que não tenha havido outras, mas, na narrativa, foi o

primeiro caso constatado.

Como pode-se observar, após a marcação temporal, outra vez o item de

referência – ele – retoma a palavra já identificada no texto, no caso, o “homem”. Sobre

esse dado, Fávero (2002, p. 18) salienta que “há certos itens na língua que têm a função

de estabelecer referência, isto é, não são interpretados semanticamente pelo sentido

próprio, mas fazem referência a alguma coisa necessária a sua interpretação”.

(9) “[...] garotas > adolescentes > mulheres assusTAdas:: apavoRADas::[...]”

A narrativa progride e o narrador encontra-se numa perspectiva em que domina

todo o saber dos acontecimentos. GG é onisciente, pois conta tudo o que vê. O suspense

aumenta quando cada detalhe é descrito na cena, com o propósito de cativar o ouvinte

para o que virá depois.

A seguir, o narrador desperta interesse do interlocutor, formado pelo público

feminino, ao empregar termos dispostos numa gradação reformulada por paráfrase,

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cujo sentido vai do específico para o geral. Aqui o conflito começa a ser delineado,

para mostrar que o maníaco não faz distinção em se tratando da idade da vítima.

GG chama a atenção do ouvinte para causar pavor e comoção porque as

“mulheres” estavam assustadas e apavoradas por saberem que havia um maníaco, em

algum lugar, pronto para agir. A introdução de adjetivos revela a intensidade do drama

em que a ação está envolvida, uma vez que o sentido semântico torna-se mais acentuado

para dizer que, pior do que estar assustada, é estar apavorada. O sentimento de pavor

sobrepõe-se ao sentimento de assustar-se.

(10) ho::mem:: meio gordo: meio gordo branco cabelos pretos curtos:: es-tu-pra-

(11) dor este ho:: mem: meio gordo:: branco:: cabelos pretos curtos:: está

estuprando:: [...]

(58) “[...] um homem branco:: meio gordo:: de cabelos pretos

(59) curtos [...]”.

Toda a rede de relações, no texto, apresenta sua construção em avanços e

retomadas de referentes que ajudam na progressão textual e criam unidades de sentido

ao ouvinte. Note-se que o enunciador elenca detalhes e os repete para que o ouvinte

construa a imagem do infrator.

Nessa estrutura, evidenciamos que o fluxo informativo progride devido à

recorrência de informações novas em relação ao referente “homem”, informação já dada

no texto. Falamos aqui de outro processo imprescindível nas relações coesivas, no

texto, que é a coesão recorrencial.

Fávero (2002, p. 26) postula que a coesão recorrêncial corrobora para o

desenvolvimento do discurso. Dentro dessa concepção, esse tipo de coesão exerce a

função de “articular a informação nova”, portanto, informação já conhecida, à “velha”

informação, contextualizada ou mencionada anteriormente no discurso.

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Isso explica a progressão linear de elementos instaurados pelo discurso na linha

(10): (homem) = meio gordo > branco > cabelos / pretos / curtos. Na linha (11), GG

repete, obedecendo à mesma ordem destacada anteriormente. Esse exemplo evidencia

como o referente principal, no caso maníaco, é construído textualmente. Os novos

dados vão caracterizando a figura do agressor pela descrição física e o ouvinte tem

condições de construí-lo mentalmente.

(10) e (11) “[...] es-tu-pra-dor [...]

(11) e (12) [...] está estuprando sem parar [...]”

Desde o início da narrativa, o narrador identifica o personagem como “este

homem”, sem revelar o nome. Mas, a primeira menção em relação a essa pessoa é

estuprador. A associação dos atos à pessoa é comumente conhecida por designação.

Desde a Retórica, o orador já fazia uso da designação para impressionar o ouvinte,

conforme desenvolvia os fatos. Os retóricos postulam que a designação da personagem

por certos traços consiste em deixar “imutáveis certas características cuja estabilidade

fortalece a da personagem”, segundo esclarecem Perrelman e Olbrechts-Tyteca (op. cit.,

p. 335).

Ao designá-lo como estuprador, o narrador retarda o esclarecimento do nome,

sem, no entanto, deixar de acentuar a impressão de permanência marcada pelo

predicativo originário do comportamento anormal.

Pode-se notar o destaque ao denominá-lo como estuprador, pelo modo como

pronuncia em recorte silábico a palavra – es-tu-pra-dor -, que não deixa de causar

suspense. Assim, o referente “um homem” é recategorizado metaforicamente pela

escolha de um termo que estabelece relação com a prática de agir: estuprador.

(12) “[...] e as características:: a maneira de agir:: sempre a

(13) mesma coisa sempre ele age do mesmo do mesmo modo da mesma maneira

[...]”

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O narrador intensifica a forma como conta a narrativa, no intuito de orientar o

ouvinte para a próxima cena, uma vez que descreve a forma de atuar do maníaco ao se

aproximar da vítima. Assim, ele prepara o interlocutor para se comover com o

sofrimento da vítima, uma vez que é enfático ao enunciar que o maníaco segue um

padrão de comportamento no instante em que aborda a vítima.

A estratégia ganha maior dinamicidade ao empregar a força ilocutória nas

repetições e nas paráfrases, com o propósito de reforçar a imagem negativa do maníaco,

sem mesmo ter esclarecido ao público o comportamento dele. Isso seve para deixar mais

intenso o clima de suspense que envolve a narrativa e para segurar a atenção do ouvinte.

Podemos observar a reiteração dos advérbios de intensidade sempre e o de

modo, o mesmo modo, seguidos da paráfrase, a mesma maneira, para intensificar o

modo de proceder do tarado.

(14) “[...] isto mes::mo este homem:: o estuprador ele tem um Fiat Uno

Branco::ele/os

(15) vidros com aquele:: insufilm com aquele plástico não é plástico:: é:: é:: uma

(16) aplicação de plástico (vo)cê sabe que é fica bem escuro [...]”

(73) vários:: cobert/com várias coberturas:: com várias coberturas:: com os vidros

(74) cobertos por aquela película de insufilm [...]”

Outro dado a ser somado ao clima de suspense é que o estuprador tem um carro

– Fiat Uno Branco -, com o qual aproxima-se das vítimas e pratica os delitos. Ao

abordar as vítimas, o estuprador finge estar perdido e busca informação, junto às

mulheres, que se aproximam do veículo para explicar e de imediato são recebidas com

uma arma em punho e depois atraídas para dentro do carro e violentadas.

Durante o desenvolvimento da narrativa, o narrador relaciona o Fiat Uno Branco

à figura do estuprador, tomando por base o carro, que é o veículo de transporte e espaço

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onde ocorrem os estupros. No entanto, encontramos a descrição do carro, cuja

referência é feita por meio do processo de reiteração, em que vários enunciados

aparecem, respectivamente, a marca (Fiat), o modelo (Uno) e, depois, a cor (Branco).

Podemos observar isso nas linhas (16), (26), (47), (59), (73), (78-9), (86), (98),

(104 – Fiat Uno) e (108 – Fiat). Em todos os excertos exemplificados, encontramos os

elementos que estabelecem relação hiperonímica, ou seja, ao designar o modelo, a

marca e a cor, o enunciador associa o referente baseando-se do todo para a parte

(Araújo, 2000, p. 97-8).

Além do modelo, da marca e da cor enunciar do veículo, GG também faz

referência à película que recobre os vidros deste. Esse recurso de descrição do veículo é

muito importante para que o ouvinte visualize mentalmente o lugar onde o estuprador

agride as vítimas.

Verifica-se a importância do nível informacional que o narrador faz questão de

passar ao ouvinte. Nessa relação comunicativa, o objetivo é elucidar fatos, alertar sobre

o perigo e relatar a verdade. O que se espera, na verdade, é que o ouvinte se previna

contra essa forma de abordagem. Nas linhas (15 e 16), o narrador esclarece que insufilm

é um plástico. Só que, mais adiante, ele se corrige e retoma o mesmo referente,

explicando que não se trata de um plástico, mas de uma aplicação de plástico com

várias coberturas. Ao fazer isso, o enunciador retoma diversas vezes o mesmo referente

– plástico –, porém, um pouco mais adiante, GG reformula pela paráfrase, ao usar

película de insufilm.

Sabemos que insufilm impede a visão de fora para dentro do veículo, de forma

que o narrador alerta o interlocutor sobre o perigo de alguém se aproximar de um

veículo, cujos vidros impedem que alguém de fora veja “quem” está dentro e “o quê”

está acontecendo dentro dele.

O narrador está ciente da constituição do público-ouvinte, geralmente, designado

como ‘povão’, em virtude da baixa escolaridade, pela classe mais abastada da

sociedade. Por isso, GG esforça-se para explicar o tipo de material escuro, que recobre

os vidros do veículo, até por acreditar que a palavra insufilm poderia ser desconhecida

para os ouvintes.

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A escolha do termo mais apropriado, para explicar o fato narrado, consiste em

um recurso usado na narrativa radidofônica, a fim de que o ouvinte possa delinear toda a

trama da história. A escolha referencial para designar como o referente “vidro” é

construído textualmente, ora é apresentado com descrições definidas: com aquele

insufilm com aquele plástico, ora com descrição indefinida: uma aplicação de plástico,

na tentativa de elucidar o termo para o público-ouvinte.

Koch (2006) postula sobre esse recurso discursivo “trata-se, em geral, da

ativação, dentre os conhecimentos supostamente partilhados com o(s) interlocutor(es)

[...], de características ou traços do referente que o locutor procura ressaltar ou

enfatizar” (p. 87). Dessa forma, para caracterizar traços do referente, pode-se dizer que

as repetições são usadas para facilitar a compreensão do ouvinte à medida que cumprem

a função de esclarecimento. Portanto, no texto, o narrador faz progredir a narrativa,

utilizando expansões sucessivas que ocorrem por meio da repetição, ora com variação,

ora com paráfrase - insufilm / aplicação de plástico.

(22) “[...] foi no dia vinte e um de fevereiro

(23) deste ano:: na cidade de Cachoeira Paulista:: Vale do Paraíba:: no interior de

(24) São Paulo:: Cachoeira Paulista:: foi no dia:: vinte e um de fevereiro:: vinte e

(25) um fevereiro deste ano:: que foi registrado pelo menos a primeira

queixa::[...]”.

Na narrativa midiática, cada ação que compõe a história deve ser descrita e

reconstituída, obedecendo com rigor à lógica do encadeamento dos fatos, a fim de que a

narrativa mostre coerência. Desse modo, a descrição de todos os dados é marcada por

uma sequência cronológica que deve ser respeitada, para que o ouvinte possa relacionar

as ações das personagens com o ‘onde’ e ‘quando’ aconteceram os fatos.

O dêitico temporal (vinte e um de fevereiro deste ano) e o dêitico espacial

(Cachoeira Paulista) fornecem uma informação completa sobre o dia e local exato da

ocorrência do primeiro caso de estupro do maníaco, a partir do relato da primeira queixa

registrada na polícia. Ao reconstituir os fatos, alguns detalhes são resgatados, pelo

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narrador, para que haja a composição da narrativa, isto é, o enunciador aplica diversos

procedimentos para obter o efeito real do fato acontecido.

A referência por meio da reiteração de elementos no texto que mantém uma

relação hiponímica, uma vez que o referente faz remissão a outro referente presente no

texto: Cachoeira Paulista > Vale do Paraíba > interior de São Paulo. Note-se que o

sentido parte do particular para o geral. O espaço está bem marcado pela reiteração

informativa. O dia e ano do ocorrido também são destacados, no momento em que o

narrador expõe os fatos para situar o ouvinte na narrativa.

(26) “[...] foi registrado:: o primeiro estupro:: do monstro:: do monstro:: do Fiat

Uno”

Como vimos anteriormente, nas linhas dos enunciados (6) e (20), a personagem

do maníaco foi caracterizado como demônio e, agora, “monstro”. Essa recorrência de

itens lexicais traz um acréscimo de sentido para o texto, pois facilita a categorização do

personagem. Além disso, o narrador escolhe uma metáfora 30 para recategorizar o

referente - homem/maníaco, como demônio e monstro, devido à semelhança que se

estabelece entre o personagem e suas ações.

(27) “[...] calmamente:: calmamente:: ele parou aquele carro:: abaixou o

(29) “[...] naquela rua:: ele perguntou com a voz:: suave[...]”

(31) [...] mas ele fingiu que não ouviu :: ele fingiu que não

(32) entendeu [...] e fez sinal com a mão[...]”

No trecho anterior, pode-se compreender a estratégia de aproximação que o

maníaco aplica ao interpelar a vítima. Note-se que, para construir textualmente o modo

de agir do maníaco, o narrador constrói uma série de orações, com a mesma estrutura,

mas com diferentes conteúdos.

30 Mosca (2001, p. 35) postula que a metáfora foi definida por Aristóteles como “a capacidade de perceber semelhanças”.

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A série de orações propostas faz caminhar o fluxo informacional na superfície

do texto, garantindo o desenvolvimento textual pela linearidade evidenciada na

sequenciação temporal e que constrói o efeito da realidade.

No excerto anterior, repare que há uma ordenação dos elementos que, se

alterados, nos impedem de apreender o sentido: parou > abaixou > perguntou > fingiu

> fez. Essa ordenação leva o ouvinte a relacionar a sucessão de ações ao tempo

correspondente do enredo (Fávero, 2002), de forma objetiva, sem precisar detalhar

minuciosamente a ocorrência de cada um desses movimentos implicados na narrativa.

No excerto (27), temos um exemplo de repetição do modalizador afetivo

(Castilho, 2006) caracterizado pelo advérbio – calmamente. Segundo o autor, o uso

desse modalizador expressa a reação pessoal do narrador diante da cena que o

estuprador aproxima-se da vítima. Ainda que o narrador esteja contando a história,

devemos ter em mente sua onisciência em face de todos os acontecimentos. No caso,

GG sabe o que se passa no interior da personagem.

Observa-se um caso de elipse, que é um mecanismo de coesão textual bastante

recorrente, tanto em “abaixou o vidro do carro” quanto em “e fez uma pergunta para

uma mulher”. A elipse, nesse caso, refere-se à omissão do pronome (ele) na construção

do enunciado. Entretanto, o ouvinte, como está ciente de que é do maníaco que está se

falando, acaba por fazer relações estabelecidas textualmente.

Trata-se também que em outras orações, o referente “maníaco” aparece

reproduzido pelo pronome anafórico ele sempre na posição de sujeito. Outro exemplo

de sequência temporal pode ser confirmado na linha (78) “[...] violentou:: ameaçou e

fugiu:: no Fiat Uno [...]”.

Deve-se considerar que em nenhum momento o narrador designa a mulher pelo

nome. A única identificação relacionada à personagem é o lugar onde o delito ocorreu,

pelo qual passa a ser identificada como a primeira vítima do maníaco.

Na linha (37), GG retoma o referente - mulher, ao fazer referência: a moradora

de Cachoeira Paulista. Portanto, dizemos que esse tipo de referência é denominado

rotulação. A rotulação recategoriza o referente por meio de “novas predicações

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atributivas, ajustando o saber disponível a respeito do objeto-do-discurso”, conforme

esclarece Marcuschi (2006, p. 392).

(29) “[...] por favor como é que eu

(30) chego na Via Dutra como é que eu pego a Dutra? [...]”

(34) “[...] como é

(35) que faço para pegar a Dutra?

(61) “[...] mesma:: ele pára o carro: e pergunta “por favor por favor oh:: moça

por

(62) favor como é que eu chego na Dutra [...]”

De acordo com a história, o maníaco fingia estar perdido e parava o carro em

busca de informação. Ao sugerir que não havia entendido, a vítima se aproximava para

esclarecer como chegar à Via Dutra e, nesse momento, o maníaco apontava a arma e,

assim, a pessoa era obrigada a entrar no carro.

Como observa-se, nos fragmentos das linhas (28) e (29), temos uma série de

repetições de orações com paráfrases: como é que eu chego / como é que eu pego (como

faço para pegar). Esses tipos de repetições não corroboram com a taxa informacional

do texto, mas, por sua vez, promovem a compreensão do ouvinte para o fato de que o

artifício usado pelo maníaco era muito convincente. Portanto, a atitude dele era a

mesma que uma pessoa perdida naturalmente teria.

Note que o enunciador cita no discurso direto a “possível” fala do maníaco.

Entretanto, ao usar o discurso reportado, por favor por favor oh moça por favor como é

que eu chego na Dutra,, GG distancia-se, como demonstração de que não se

responsabiliza por essa fala. Segundo Maingueneau (2001, p. 175), é uma maneira que

“o enunciador atribui a responsabilidade dessa fala inadequada a um outro, colocando-o

em cena em sua enunciação”.

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(36) “[...] mulher chegou mais perto:: ele ele saca de um revólver:: “entra:: entra::”

(38) “[...] aquela mulher:: entra no carro “entra::” que ameaça:: era terrível

(39) “ou entra no carro:: ou morre” ela entrou a mulher tremendo:: atendeu

(40) aquele maníaco:: atendeu o que o maníaco havia ordenado:: manDADO [...]”

A cena marcante é dramatizada pelo narrador ao contar detalhadamente os

procedimentos do maníaco, após abordar a vítima. A narrativa fica em suspense por

conta da força entonacional com que o narrador emprega na voz, ora ascendente, ora

não. Isso significa que o narrador eleva a voz para dramatizar a cena, em que sob a mira

de um revólver, a mulher sente-se obrigada a obedecer e a entrar no carro.

Na linha (40), temos a repetição de orações contíguas, sendo que a oração

(atendeu o que o maníaco havia manDADO) está elíptica, mas que o ouvinte apreende

cognitivamente, por causa de haver interpretado a primeira (atendeu o que o maníaco

havia ordenado). No entanto, o locutor reformula a segunda, construindo uma

paráfrase31: que o maníaco havia ordenado:: manDADO. Note-se que a transcrição de

maiúsculas, neste segmento, revela uma pronúncia mais acentuada, para destacar o

“poder” do maníaco ao subjugar a vítima e provocar o sentimento de “ira” no ouvinte

pela cena em que a mulher se encontra indefesa.

Ao longo da narrativa, verifica-se que o discurso do outro (tarado) vem inscrito

nas palavras do narrador, que se torna porta-voz da mensagem. Como já dito, o locutor

coloca em sua enunciação a fala do outro, como uma forma de não se responsabilizar

por essa fala ( Maingueneau (2001, p. 157).

Maingueneau (2001, p. 141) assinala que “por mais que seja fiel, o discurso

direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao enunciador do discurso

citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal”.

31 De acordo com Hilgert (2001), a paráfrase é “um enunciado que reformula um enunciado anterior, mantendo com este uma relação de equivalência semântica” (p. 111).

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No mesmo procedimento, verificamos que ocorre recategorização do referente,

na utilização de formas metalinguísticas ou metadiscursivas 32 . No caso, por nome

ilocucionário que designa ameaça. No discurso reportado, o narrador evidencia por

meio de uma referência catafórica, para explicar que tipo de ameaça realizada pelo

maníaco, como pode-se constatar na linha (39): “ou entra no carro:: ou morre”.

Mais uma vez, a conjunção coordenativa alternativa ou expressa uma relação de

disjunção exclusiva, para exprimir a inconciliável relação de conceitos envolvidos,

forçando-a a uma escolha. A condição imposta pelo tarado era que se ela não entrasse,

morreria. Assim sendo, a vítima, por não ter opção, acabava acatando a ordem do

maníaco.

A cena é impactante para o ouvinte, que acompanha atento às informações

levantadas na enunciação. GG atualiza o fato, ao mesmo tempo em que possibilita que o

ouvinte participe da mesma ambientação da cena, ao seguir os passos do maníaco,

percorrendo o mesmo trajeto, marcado pelas vítimas das quais o maníaco abusou nas

cidades.

(42) “[..]aquele monstro:: estupra:: violenta:: judia:: além de estuprar:: ele levava

com

(43) um membro masculinho de borracha:: ele levava um membro masculino

(44) de borracha ele judia da mulher:: ele judia:: depois disso ele libera:: e [...]”

Vê-se que a narrativa reconstrói um fato anteriormente ocorrido e, para isso, o

narrador utiliza um tempo verbal característico da narrativa: o pretérito imperfeito

(levava). No entanto, em várias passagens da narrativa, observamos que o narrador

contraria essa colocação, à medida que faz uso de verbos no presente do indicativo

(judia). Embora o fato já tenha ocorrido, ao empregar o verbo nesse tempo, o narrador

traz à cena o crime que já ocorreu, mas que, por meio do presente histórico, cria o

sentido, no ouvinte, de que o fato acontece “aqui e agora”.

32 Metalinguística compreende o uso da língua para explicar a própria linguagem. Da mesma forma no discurso.

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(45) ameaça:: “se você me denunciar:: se você me denunciar eu volto:: eu sei

(46) aonde você mora:: se você me denunciar eu VOLto e te MATO [...]”

Depois de cometer o ato, o maníaco libera a vítima que, antes de ir embora, é

ameaçada, para que não o denuncie. O narrador usa o discurso reportado para

intensificar a complexidade do momento, após a vítima ser agredida.

Nas linhas L45 e L46, verificamos que o narrador faz uso de um discurso

reportado para mostrar a ameaça do maníaco à vítima. A intimidação é percebida por

meio do operador argumentativo “se”, que expressa a condição de ameaça e, assim, a

vítima se sente coagida.

(48) “[...] vítima chorando vai para casa:: esta vítima não sei se foi a primeira:: não

(49) sei se foi a primeira só sei que foi a primeira a dar queixa ela vai:: aquela

(50) mulher vítima do maníaco do Fiat do maníaco da Dutra [...]”

É notório que o narrador, ao enunciar, faz o “eu” assumir esse texto, como

percebe-se na colocação do verbo em 1ª pessoa (Maingueneau, 2001, p. 129). Isso

significa que o locutor assume o próprio enunciado ao dizer: não sei / só sei.

Depois de violentada, a mulher de Cachoeira Paulista se encaminha para prestar

queixa à delegacia da cidade. À medida que a narrativa é conduzida, o narrador retoma

elementos apresentados, para reativar na memória do ouvinte o referente, nesse caso, a

moradora de Cachoeira Paulista.

No entanto, na expansão do texto, a referência recategoriza o referente com

função predicativa: esta vítima > ela > aquela mulher > vítima do maníaco do Fiat >

(vítima) do maníaco da Dutra.

Na linha (48), em relação à fala, o tempo da narrativa é explorado, e indica

concomitância no momento da fala: a vítima vai chorando para casa. O ouvinte tem a

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sensação que o fato transcorre naquele exato momento. Outra aparente indicação de que

o narrador utiliza-se do presente histórico, no desenvolvimento da narrativa.

(54) “[...] ataca em cidades do Estado do Rio de Janeiro num curto espaço de tempo

(55) num curtíssimo espaço de tem::po ele atacou em Itatiaia em Resende:: um

(56) dois três quatro cinco seis:: seis casos com queixa claro que não tem queixa

(57) claro que não tem queixa [...]”

O espaço da narrativa já não se situa mais em São Paulo, em virtude de os

dêiticos indicarem outros locais como Itatiaia e Resende, cidades pertencentes ao Estado

do Rio de Janeiro. Como mencionado anteriormente, os dêiticos servem para situar o

ouvinte na construção do fluxo da narração.

Vale ressaltar que ao repetir a locução adverbial – num curto espaço de tempo/

num curtíssimo espaço de tempo -, o enunciador informa ao ouvinte que o maníaco age

rapidamente, tanto que faz questão de mencionar que já foram registrados seis casos de

estupro só naquele trajeto entre as cidades de Itatiaia e Resende.

Nos segmentos das L 54 e L55:[...] ataca em cidades do Estado do Rio de

Janeiro num curto espaço de tempo / [...] ele atacou em Itatiaia Resende [...], temos

outro exemplo que evidencia o emprego do verbo no presente do indicativo, como uma

forma de trazer o fato ocorrido para ser reconstruído no aqui e agora.

Nas linhas (54) e (55), devemos levar em consideração o aspecto prosódico,

devido à ênfase apresentada pelo narrador no emprego do sufixo no superlativo – íssimo

(num curto > num curtíssimo). O emprego do superlativo faz referência ao pouco tempo

estabelecido entre um ataque e outro do maníaco.

(65)“[...] a notícia correu:: e o maníaco foi batizado de o TARADO da DUTRA: [...]”

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O excerto em questão explicita o porquê de a crônica policial ser intitulada “O

maníaco da Dutra”. Novamente, tem-se a transcrição do segmento em maiúsculas para

indicar a referência operada pelo narrador para construir o referente - maníaco.

Vale ressaltar o aspecto polifônico implícito no apontamento, uma vez que o

próprio enunciado expressa a opinião popular, ou seja, o maníaco foi batizado como

TARADO da DUTRA pela população, devido ao status do personagem. Destacam-se

aqui as vozes da sociedade e da polícia.

(67) “[...] num dos casos:: num dos casos

(68) que aconteceu na cidade de Itatiaia:: ele abusou de uma garotinha de treze

(69) de apenas treze anos:: (suspense) ele usou a mesma maneira de agir:: ele

(70) usou a mesma malandragem:: [...]”

(72) “[...] chega mais perto:: e aquela garotinha::

(73) aquela garotinha de treze anos: se aproximou :: o demônio com uma arma::

[...]”

(75) “[...]o maldito:: o maldito violentou aquela garota

(76) de treze anos de idade lá em Itatiaia no Rio:: depois liberou a garota da

(77) da mesma maneira:: e ameaça::[...]”

Na linha (67), tem-se a repetição lexical adjacente dos segmentos: num dos

casos / num dos casos, para introduzir de imediato outro tópico discursivo. Aqui, as

repetições das orações assumem fundamental importância, pois promovem expectativa

na revelação de outro caso mais impactante ainda: a próxima vítima envolve uma

criança de apenas treze anos de idade.

A forma de agir do maníaco também é enfatizada pelo enunciador para mostrar

ao público que este agiu da mesma forma, isto é, com os mesmos métodos de

aproximação e violência intensificadas pela repetição do enunciado e com a paráfrase,

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a mesma maneira de agir / a mesma malandragem, como podemos ver nas linhas (69) e

(70).

O narrador intensifica a repetição de construções oracionais, em enunciados

adjacentes, marcadas pelas linhas (68) e (75). Como pode-se observar o emprego do

verbo abusar e violentar assegura a mesma equivalência semântica de estupro.

A dramaticidade empregada evidencia o clímax de “horror” diante do fato da

vítima ser uma garota de treze anos. Isso está destacado nas linhas (68) e (69), quando o

narrador fala a respeito da próxima vítima: uma garotinha de apenas treze anos. GG

argumenta que o maníaco usou a mesma forma de abordagem com a criança.

Note-se que, nos trechos (72) e (73), a repetição do item lexical “aquela

garotinha” suscita uma reação emotiva, no ouvinte, pela ênfase do segmento e

desenvolve o tópico que irá reforçar novamente a idade dela. Para tal efeito, o narrador

utiliza-se do sufixo – inha, sobretudo, porque não quer deixar a impressão de que se

trata de uma garota, mas, sim, de uma menina com apenas treze anos.

Na enunciação, pode-se verificar a aparente subjetividade do narrador pela

maneira como constrói esse fato. Ao mesmo tempo em que narra, GG compartilha a

visão de mundo, pois, de certa forma, julga levar o ouvinte a ter a mesma opinião que a

dele.

Podemos observar isso com o uso do advérbio apenas como um elemento de

reforço da idade da garota. Esse advérbio funciona como um modalizador de opinião,

usado como estratégia discursiva e, ao mesmo tempo, revela a subjetividade do narrador

em relação ao abuso praticado contra uma criança. Tem-se aqui a polifonia presente no

enunciado, cujos valores sociais encontram-se implícitos, confirmando a crença

universal de que toda criança é pura, ingênua e, por isso, não deve sofrer violência.

Nesse sentido, GG usa o advérbio apenas para reforçar esse conceito

socialmente estabelecido e quem contraria a regra merece punição. Busca-se a comoção

do ouvinte para repudiar tal atitude. Novamente, o narrador é incisivo, ao retomar a

designação do referente como o demônio.

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Veja-se a linha (75), em que se tem a repetição da correferenciação 33

(designação) - o maldito:: o maldito:: -. Note que a segunda expressão é usada para

intensificar que esse “tipo” é indesejado socialmente.

Ao avançarmos um pouco mais, temos na linha (76) o advérbio pronominal, no

caso, demonstrativo – lá -, para situar o ouvinte no desenvolvimento da narrativa.

Como essa informação enunciada, o narrador reitera o lugar em que aconteceu o fato -

Itatiaia no Rio de Janeiro, com o objetivo de situar o ouvinte nos desdobramentos dos

fatos.

Por conseguinte, o uso do dêitico espacial lá marca a distância do narrador em

relação ao lugar do ocorrido: Itatiaia, cidade do Rio de Janeiro.

(78) “[...] violentou:: ameaçou e fugiu:: no Fiat Uno branco[...]

Novamente, encontramos outra ordenação linear dos verbos no pretérito perfeito,

para marcar a progressão textual da narrativa. Sinteticamente, o narrador resume o fato,

até aquele momento, sem, no entanto, deixar de enfatizar o mesmo modo ‘operacional’

de agir.

(81) “[...] chegamos no

(82) dia vinte e um de março chegamos no dia vinte um de março desse ano::

(83) Itatiaia:: Itatiaia:: uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos

(84) Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava:: [...]”.

Nesse segmento, as repetições do dêitico espaço-temporal especificam o novo

local de ataque. O narrador leva a audiência para o cenário de um novo ataque do

maníaco. É interessante notar a forma com que o narrador, ao enunciar, faz uma

referência indireta ao ouvinte, implícita na desinência verbal de 1ª pessoa do plural do

verbo ‘chegar’ no presente do indicativo – chegamos -, o qual sinaliza um clima de

completa espontaneidade e envolvimento entre locutor e ouvinte.

33 Para Marcuschi (2006): “Uma remissão que retoma o referente como o mesmo indivíduo ou objeto é uma correferenciação. [...] No caso de retomadas por repetição, sinônimos ou designações alternativas para o mesmo referente (apelidos) temos correferenciação” (p. 397).

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Urbano (2008) afirma que, geralmente, ao usar a 1ª pessoa do plural dos verbos,

o interlocutor convoca o ouvinte a partilhar da ação da narrativa. Em suas palavras, é

insinuar “uma voz narrativa partilhada ou conjunta, o que equivale a uma deferência

toda especial ao(s) leitor(es)” (p. 236). Portanto, no processo de cortesia34 que o

narrador estabelece na relação interpessoal, o ouvinte, por sua vez, sente-se incluído,

participante no processo dos desdobramentos das ações.

Vale observar que o narrador, diferente das outras vítimas enunciadas,

individualiza esta vítima pelo nome, pela idade e profissão, como pode-se verificar nas

linhas (83) e (84): uma jornalista Viviane dos Santos vinte sete anos de idade. A

referência da idade, da profissão, do nome próprio, além do local e data é um recurso

imprescindível na interação com a audiência.

Motta (2007) aponta que o “narrador imprime no texto marcas com as quais

pretende construir a personagem na mente dos leitores/ouvintes” (p. 152). Sendo assim,

o efeito de sentido começa a ser construído por meio de predicados ligados ao modo de

ser da personagem.

A representação do real é trazida por meio de estratégias linguísticas que

envolvem o ouvinte na narrativa.

(83) “[...] uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos

(84) Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava::

(85) tranquilamente ela caminhava:: Itatiaia:: foi quando:: ela ia pela calçada::

(86) foi quando surgiu [...]

(87) [...] ele pára o carro era o tarado da Dutra a menina não [...]

(88) sabia a jornalista (lógico) não sabi::a [...]”

(93) “[...] estuprador sem saber lógico que é o estuprador e ela iria explicar como se

(94) se chegava na Dutra [...]”.

34 Por cortesia entende-se “como o modo e qualidade de conduta em interações, isto é, nas relações sociais” (Urbano, ibid.).

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A narrativa progride e a próxima vítima é apresentada. Na linha (83), temos

exemplos característicos de repetições lexicais adjacentes que contribuem para a

progressão do discurso. As repetições servem para despertar interesse no ouvinte sobre

um novo elemento que começa a ser revelado pela narrativa.

Assim, a outra vítima do maníaco é identificada, primeiramente, pela profissão:

uma jornalista. Atente-se para o fato de que o referente da personagem é construído

textualmente, num primeiro momento, pelo emprego de descrições indefinidas, depois

de definições definidas na linha (88): a jornalista. Além da profissão, GG designa pelo

nome e sobrenome, Viviane dos Santos, e pela idade, vinte sete anos. Um pouco mais

adiante, na linha (87), temos uma retomada do referente pela anáfora: a menina.

A escolha de determinada descrição traz para o ouvinte informações

significativas, quanto à crença e valores do produtor do texto, auxiliando-o na

construção do sentido. Tais informações somente servem para dar sentido à narrativa,

mas “sob a capa do dado, dar a conhecer ao interlocutor, com os mais variados

propósitos” (Koch, 2006, p. 88).

Ao contar um fato que aconteceu, a narrativa reconstrói fatos pelo uso de verbos

no pretérito perfeito, associado ao pretérito imperfeito. Sobre isso, Maingueneau (2001,

p. 116) destaca que o imperfeito permite “evocar fatos que não contribuem para fazer

progredir a ação como detalhes, descrições, comentários, dentre outros, e que fazem

parte dela”.

O autor complementa que o uso do imperfeito não ocorre isoladamente, mas

apoiado em um enunciado no passado composto ou passado simples. Em: a jornalista

Viviane caminha tranquilamente ela caminhava [...] ela ia pela calçada, tem-se o verbo

caminhar no pretérito imperfeito, usado para descrever a cena, no momento, em que a

vítima foi abordada pelo maníaco.

Como podemos observar, o narrador empregou esse tempo para inferir um

comentário à narrativa: [...] a menina não sabi::a jornalista lógico não sabia [...]. De

maneira similar, esse aspecto não concorre para a progressão do texto, mas vale como

um esclarecimento acerca do fato.

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No entanto, nesse momento, GG chama a vítima de “menina”, que configura-se

em um tratamento afetivo para explicar a suposta “ingenuidade” dela ao aproximar-se

do homem - com cara de anjinho. Para refutar uma suposta conclusão do ouvinte sobre a

vítima, o narrador usa o operador argumentativo lógico, para contra-argumentar, que a

moça não sabia que o homem era um estuprador.

Já na linha (86), outro dado faz o fluxo da narrativa avançar: “[...] foi quando

surgiu aquele Fiat Uno branco [...]”. Podemos verificar que o verbo no pretérito

perfeito marca o tempo cronológico, em que cada ação serve de referência à que se

segue, formando uma sucessão de acontecimentos necessários para garantir o sentido da

narrativa.

Em muitas passagens do texto, também notamos o uso do tempo presente. Maingueneau

(2001, p. 120) reforça que uma frase no imperfeito também apoia-se em um enunciado

no presente, desde que não seja um presente dêitico, ou seja, “não há um embreante que

designaria o momento da enunciação: não se poderia acrescentar ‘neste momento’.

Trata-se de um presente subtraído ao tempo”.

(91) “[...] ele finge que não ouve ele finge que não entende [...]”

As repetições do segmento acima asseveram a opinião do narrador quanto ao

fato de que o maníaco simula não ter ouvido a resposta da vítima, no instante em que é

interpelada sobre a direção de como se chegar à Via Dutra. O narrador repete a

estrutura oracional com variação para reafirmar o argumento usado pelo maníaco, ou

seja, de que não ouviu a informação dada pela vítima acerca da localização, a fim de

que a mesma aproxime-se para que o som seja audível.

Devemos lembrar que o narrador, efetivamente, não participou do

acontecimento, mas o reconstrói pela narrativa, mediante a maneira como narra o fato.

Como trata-se de um simulacro, GG utiliza estratégias que conferem credibilidade ao

que anuncia. Assim, com o objetivo de reafirmar seu posicionamento acerca dos fatos, o

narrador repete a oração para argumentar sobre a atitude do maníaco e levar o ouvinte a

compartilhar da mesma opinião.

Ao longo do desenvolvimento narrativo, a ideia central consiste em levar o

público a ter o mesmo juízo de valor sobre o comportamento do maníaco. É preciso

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descrever o perfil do deste, mostrando que é “enganador”, ao fingir que está perdido.

Portanto, o maníaco engana para aproximar-se e apossar-se do objeto de desejo.

(91) [...] ele finge que não entende:: vinte um de março à tarde::

(92) uma segunda-feira:: [...]

Em (91) e (92), a referência temporal opera-se com a ajuda dos embreantes 35

(dêiticos temporais) – vinte e um de março / à tarde / uma segunda-feira. O narrador

compreende que o ouvinte necessita de elementos, para formar o quadro narrativo.

Como há muitos casos de estupro em diferentes dias, os dêiticos são imprescindíveis

para o ouvinte processar todos os dados e situar-se na história.

Todas as informações foram necessárias para mostrar o dia e o momento exatos

em que o maníaco aproximou-se da jornalista Viviane dos Santos, vinte sete anos, que

caminhava pela calçada em Itatiaia.

(94) chegava na Dutra:: foi quando o maníaco:: foi quando ele sacou outra vez

(95) aquele revólver e falou “entra senão eu te mato” [...]

A vítima ao aproxima-se, o maníaco logo a recebe com um revólver,

ameaçando-a para entrar no carro. Nesse caso, o enunciador, ao empregar o termo

revólver, retoma o referente empregado com o nome genérico arma, na linha (72), uma

vez que arma constitui instrumento de ataque ou de defesa.

Na linha (95), temos um caso de reiteração, quando o enunciador repete o

mesmo item lexical anteriormente expresso, estabelecendo com ele uma relação

hiperonímica, ou seja, ao designar revólver, o enunciador especifica o tipo de arma,

tendo em vista que o termo (arma) é abrangente.

(95) [...] a jornalista Viviane ela

(96) fica apavorada e atende:: estupefata:: perplexa:: ela tende o que aquele

(97) homem manda:: ordena:: ele :: ele [...]

35 Segundo Maingueneau (2001), os embreantes são os dêiticos espaciais e temporais que marcam o tempo e o lugar da enunciação (p. 108).

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Como as outras vítimas, a jornalista encontra-se em poder do maníaco e,

novamente, cria-se uma expectativa acerca do que irá ocorrer. Nesse caso, é preciso

impactar o ouvinte com detalhes da cena, mediante a descrição de pormenores, que

ajudam o ouvinte a imaginar a situação de angústia e conflito instaurados naquele

momento.

A jornalista obedece ao maníaco. O narrador repete as expressões que marcam

os sentimentos que dominam a vítima, no momento em que a mesma atende às ameaças

do dominador. As Rs, nesse fragmento, têm a função de intensificar o tópico

informacional.

Note-se que a oração matriz – ela fica apavorada – será retomada nos mesmos

procedimentos sintáticos, porém elípticos na cadeia discursiva: (ela estava) (Ø)

estupefata / (Ø) perplexa. A descrição do estado emocional da jornalista com pelos

adjetivos apavorada > estupefata > perplexa confirmam a onisciência do narrador, que

enuncia de modo subjetivo.

Também encontramos, nas linhas (96) e (97), em posição contígua à (M), uma

repetição com paráfrase usada para intensificar o imediatismo com que a vítima cede à

coação do maníaco: ela atende o que aquele homem manda:: / (Ø) ordena.

(97) [...] ele:: ele então põe o carro em movimento e começa [...]

No caso da linha 97, temos a presença de um marcador discursivo então próprio

da língua falada. O uso do marcador revela o grau de envolvimento que o narrador

estabelece com o público-ouvinte. Ainda que não exerça função sintática, a utilização

desse marcador permite que a narrativa seja bem estruturada, contribuindo para a

manutenção do tópico.

O maníaco leva a jornalista no Fiat Uno Branco, em direção à Via Dutra no

sentido São Paulo a Rio de Janeiro. Podemos introduzir ainda a ideia do nível discursivo

que se evidencia na antítese sugerida pela cor do carro (branco) com as intenções do

maníaco, por sua vez, designado como monstro, demônio, bandido, tarado e maníaco.

A relação emocional pretendida, deixa transparecer estereótipos do agressor e da

vítima. Se, por um lado, ele é baixo, gordo, cabelos curtos pretos, anda em um carro

Fiat Uno Branco com insufilm, por outro, a vítima é jornalista, nova, que anda

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tranquilamente na calçada. Essas expressões causam efeito de real como o tipo de carro,

a hora exata, o espaço do acontecimento, já que esses dados pouco valem como

referência no contexto de uma cidade com a dimensão do Rio de Janeiro.

(97) [...] ele vai falando::

(98) “você é muito bonita” ele vai falando “você é muito bonita:: você vai

(99) passar bons momentos coMIGO” monstro:: [...]

O enunciador retoma as palavras do maníaco em seu discurso, como podemos

observar, pela presença do verbo introdutor de discurso direto: falar. GG traz à cena a

imaginação pelo uso do verbo que indica movimento em curso. Observe que o verbo

introdutor de discurso não é neutro, pois abarca um enfoque subjetivo que será revelado

no interior do discurso citado.

Na enunciação do discurso do outro, podemos observar a malícia e sensualidade

exploradas nas intenções do maníaco, ao seguir para o Rio de Janeiro.

(104) [...] quando o bandido quando o estuprador atinge a Via Dutra com o Fiat Uno

(105) Viviane:: ela mentalmente pede a Deus “me ajude” ela vai tentar um tudo

(106) ou nada:: ela reza::ela pede a Deus que a ajude e em seguida desesperada e

(105) corajosamente:: ela abre a porta do seu lado e se atira em plena via Dutra::

Com medo de ser estuprada ou, até mesmo, assassinada, Viviane arquiteta um

plano para fugir. O narrador descreve com riqueza de detalhes a cena, desde o suposto

pedido à Deus pela jornalista, para encontrar coragem e realizar a proeza, até o

momento em que se atira do carro em movimento na rodovia.

Quanto ao feito da jornalista, temos outro advérbio predicativo que funciona

como um modalizador afetivo – corajosamente -, em que o narrador expressa satisfação

pela atitude arrojada de uma “mulher”, que é considerada o “sexo frágil”, diante da

classe masculina.

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O nível narrativo é expresso por verbos de movimento (atinge / abre / se atira);

note-se que a conjunção e tem o sentido de e depois, marcando uma ação narrativa a

outra: ela abre a porta do seu lado e (depois) se atira em plena via Dutra.

Note que o pronome pessoal de 3ª pessoa – ela – retoma o referente (Viviane)

nessas construções oracionais, no intuito de empregar maior dramaticidade à cena.

(105) [...] isto mesmo:: Viviane:: pula daquele Fiat

(106) em movimento:: como se fosse num filme:: ela cai na rodovia na via pública

(107) na Dutra:: logo em seguida ela rolou:: correu e saiu gritando:: “socorro [...]

Pode-se notar que a cena é descrita com uma forma rítmica de verbos, ao criar

uma dinamicidade na sequência da narrativa, na qual o ouvinte tem a impressão de que

tudo acontece naquele exato momento, à medida que o narrador faz uso de verbos no

presente do indicativo para intensificar a cena.

A narrativa é construída a partir de um fato ocorrido, mas ao empregar o verbo

nesse tempo, o narrador utiliza o que se denomina de presente histórico, ao criar a ilusão

de que o acontecimento acontece num aqui e agora.

O uso do marcador conversacional – isto mesmo – evidencia a interação que

tanto narrador quanto ouvinte estão engajados na situação comunicativa. Portanto, o

narrador pressupõe que o ouvinte está “surpreso” com a ousadia da jornalista ao se

jogar do carro. Outra hipótese é a de que o uso do marcador discursivo confirma, que o

ouvinte teve o mesmo pensamento da jornalista, isto é, lançar-se do carro para não ser

estuprada.

No excerto, novamente há uma ordenação linear dos elementos que ajudam na

progressão do texto. Note que o marcador de integração linear (logo em seguida)

cumpre a função de “estruturar a linearidade do texto, organizá-lo em uma sucessão de

fragmentos complementares” que facilitam a interpretação do ouvinte, conforme

apresenta Maingueneau (1996, p. 171). Ele tem o mesmo sentido de e depois: [...] e

logo em seguida ela rolou:: correu:: e saiu gritando [...].

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Assim, a disposição das frases é uma construção que possibilita ritmo especial

na ordenação dos fatos e na progressão do texto.

(111) [...] Viviane havia escapado um popular apareceu:: um

(112) comerciante foi em socorro de Viviane::quando o maníaco viu/ele tinha

(113) parado o carro:: quando ele viu ele acelera e vai embora:: fugiu:: desapareceu

[...]

Ao cair na rodovia, a jornalista encontra um comerciante, que passava no local e

de imediato a socorre. Em se tratando da pessoa que ajudou a moça, na linha (111),

temos o exemplo de designação que o enunciador escolhe para permitir ao coenunciador

poder identificá-lo facilmente no texto.

Devido a isso, o uso de um substantivo indefinido um popular e, depois, o

mesmo referente é retomado na linha (112) por uma designação diferente: um

comerciante. Por não possuir dados mais concretos sobre o comerciante, a enunciação

ocorre pelo uso de um substantivo com determinante indefinido, mantendo uma relação

de correferência.

Nesse trecho, durante os desdobramentos da narrativa, podemos observar que o

narrador faz uma autocorreção para evidenciar que o maníaco antes de “vir” o popular

ajudar a jornalista, havia parado o carro, ao perceber que Viviane jogou-se na rodovia.

Como já visto, a correção é um procedimento natural que visa a reelaborar o

discurso no momento em que o falante está ciente de que fez uma escolha errada.

(112) comerciante foi em socorro de Viviane::quando o maníaco viu/ele tinha [...]

(114) [...] aquele comerciante que socorreu Viviane:: aquele comerciante que

socorreu

(115) a jornalista ligou telefonou para a PM de Itatiaia:: os PMs do trigésimo[...].

(116) sétimo batalhão vão para o local:: toda a região é avisada:: pelo que Viviane

(117) descreveu os PMs não tiveram dúvida:: era ele de novo:: era ele de novo::

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(118) era o maníaco [...]

Logo que a jornalista caiu, um comerciante apareceu para socorrê-la. Na linha

(112), o narrador reativa o referente “um popular” que está no texto, retomando-o por

“aquele comerciante”. Temos a produção de Rs do mesmo segmento linguístico nas

linhas (114) e (115): aquele comerciante que socorreu Viviane:: / aquele comerciante

que socorreu a jornalista ligou telefonou para a PM de Itatiaia[...]. Como pode-se

observar nesse trecho, GG repete para, logo após, acrescentar algo novo por meio de

uma paráfrase: aquele comerciante ligou telefonou para a PM [...].

Pode-se verificar que na linha (114), durante a progressão narrativa, o narrador

reformula imediatamente a fala porque a moça jogou-se e o carro segue pela Via Dutra.

Ao perceber a atitude da moça, o maníaco para o veículo e, somente depois, nota que

alguém a socorreu. Por fim, ao verificar que o caso estava perdido, o maníaco foge.

Nas linhas (117), também temos uma série de orações utilizadas para promover

o envolvimento pelo suspense. Note que o referente, ele, é reativado na última oração

por designação de o “maníaco”: [...] era ele de novo / era ele de novo > era o maníaco.

Trata-se, portanto, de um recurso para reativar na memória do ouvinte a figura

do maníaco.

(119) [...] assim o

(120) dia foi passando chegou a noite do mesmo dia: noite de vinte e um de março a

(121) a polícia:: diligenciava atrás do maníaco:: Jardim das Rosas:: cidade vizinha a

(122) cidade de Penedo:: vizinha a Itatiaia [...].

A narrativa prossegue e o conflito ainda não tem solução. O maníaco foge à

procura de outra vítima. A presença dos dêiticos temporal e espacial mostra que o

cenário da narrativa é outro, bem como o tempo também. Na narrativa, o dêitico

temporal marca um intervalo de horas, depois do ataque frustrado à jornalista.

O maníaco chega ao Jardim das Rosas, à noite do mesmo dia vinte e um de

março. Depois de uma tentativa frustrada, este está à procura de outra vítima, já que o

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estupro anterior não se consumou na cidade de Itatiaia. Portanto, o cenário é outro,

agora, nacidade vizinha de Penedo no Rio de Janeiro.

(119) [...] na cidade vizinha de Penedo:: ele vai atacar

(120) de novo:: ele vai atacar de novo:: só que:: só que:: quase a polícia o pegou

(121) antes mas ele atacou ele atacou ele pegou uma senhora que estava com a

(122) filhinha pequena ele pegou a mulher:: estuprou a mulher na frente da filha

(123) pequena:: na volta:: na volta havia uma blitz os PMs do trigésimo sétimo

(124) batalhão do Rio haviam cercado tudo:: paravam carro por carro [...]

A narrativa novamente perpetua o suspense, tendo em vista que o maníaco mais

uma vez agirá. A enunciação ocorre de maneira “nervosa”. A polícia sabia que o mesmo

atacaria de novo, haja vista que não logrou êxito no caso da jornalista. Havia cerco em

diversos lugares. As polícias civil e militar sabiam que o maníaco praticava delitos às

segundas e sextas-feiras, somente não compreendiam o motivo dos estupros serem

realizados apenas nesses dois dias da semana.

A narrativa chega ao desfecho. Os desdobramentos tornam-se mais lentos,

porque o narrador quer deixar em suspense o final. Os detalhes da forma de abordagem

do maníaco não são necessários porque o público já tem em mente o procedimento.

O narrador explora a cena para criar mais expectativa no ouvinte. Foi na cidade

de Penedo que o maníaco fez outra vítima. A polícia diligenciava para descobrir o

paradeiro do maníaco. Mas até prendê-lo, o maníaco fez outra vítima.

No trecho (123), temos a enunciação das construções das Rs: [...] ele vai atacar

de novo ele vai atacar de novo, para intensificar uma nova ocorrência de estupro. Mas

com a introdução da “locução36”, só que:: só que::, o ouvinte tem a impressão de que a

polícia o encontrou.

36 De acordo com Bechara (2005): “Também se formam “locuções” aparentemente especiais quando termos segmentos do tipo logo que, sempre que, ainda que, etc., em que aparecem advérbios (que sozinhos podem funcionar como adjunto adverbial) seguidos do transpositor relativo que, já que esse relativo é um ‘repetidor’ de advérbio, papel análogo ao que desempenha como ‘repetidor’ (isto é, referente) de substantivo ou pronome. (...); quando a oração se transpõe a subordinada exercerá também a função de adjunto adverbial” (p. 325).

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No entanto, isso não acontece, porque, imediatamente, outro enunciado é

introduzido para explicar que a prisão não acontecera: quase a polícia o pegou antes

[...]. GG utiliza o advérbio modalizador delimitador quase, para mostrar que, a prisão

do maníaco ainda não havia acontecido. Portanto, estava solto para cometer outro delito.

Uma vez que a prisão não ocorre, o conflito permanece. O narrador sabe que ao

manter firme o ponto de tensão da narrativa, a curiosidade do ouvinte é estimulada até o

desfecho do caso.

Devido não ser capturado, o maníaco faz outra vítima. Repare no articulador

discursivo argumentativo mas, na linha 124, que estabelece uma relação de

contrajunção entre enunciados de orientações discursivas diferentes. De acordo com

Koch (2001), a introdução do operador (mas) faz incidir uma força argumentativa no

enunciado (p. 66).

O maníaco continua solto para fazer a próxima vítima: uma “mulher” que estava

acompanhada da “filhinha pequena”. O maníaco estupra a mãe na frente da filha.

Podemos observar pela produção das Rs nas linhas (125): [...] mas ele atacou atacou::

ele pegou uma senhora que estava com a, e linha (126): filhinha pequena ele pegou a

mulher:: estuprou a mulher na frente da filha pequena[...]. Observamos a

caracterização evidente do papel das repetições, sobretudo, das orações, que cumprem

papel importante na condução da argumentação.

Vale aqui observar que as repetições assinalam o contraste de argumentos,

quando, inicialmente, acreditava-se que a polícia quase o prendeu. No entanto, a

conjunção adversativa “mas” introduz o desacordo com a efetuação do novo estupro.

(125) [...] na volta:: na volta havia uma blitz os PMs do trigésimo sétimo

(126) batalhão do Rio haviam cercado tudo:: paravam carro por carro

(127) principalmente Fiats brancos:: ele o maníaco:: não sabia (lógico) logo ele

(128) cai na rede da polícia:: ele é intimado a parar: a polícia parou o carro:[...].

(129) [...] um PM que parou o carro perguntou para aquela mulher

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(130) “tudo bem senhora” e a mulher começou “NÃO NÃO tá tudo bem eu fui

estuprada este homem me estuprou [...].

A narrativa chega à reconstituição da cena final e, finalmente, acontece a

resolução de todo o conflito porque a polícia fecha o cerco para capturar o maníaco, ao

parar todo carro Fiat Uno Branco. Todavia, o maníaco não sabia desse fato e, ao ser

revistado pela polícia na rodovia, a vítima pôs-se a gritar de que se tratava de um

estuprador.

Na linha (130), verifica-se outro comentário explícito do narrador usado para

contestar que o maníaco não sabia que a polícia estava parando todo Fiat Uno Branco,

porque se soubesse, evitaria transitar pela rodovia. O uso do operar argumentativo

(lógico) fez-se necessário para contra-argumentar que o maníaco desconhecia esse fato.

Aqui temos a marcação de ironia implicada nas vozes presentes no texto. A

repetição da mesma oração, sobre a barreira policial, reforça a ideia de que o enunciador isenta-

se da responsabilidade da fala de outro enunciador também presente no texto.

Podemos verificar na linha (133), que o narrador, para enunciar, repete, ao

recolher parte da oração (matriz) que está na fala do PM, para reconstruir a fala da

mulher (vítima). Assim, GG elabora seu texto para tornar mais coesa a composição

textual e provocar comoção pelo drama da mãe violentada na presença da “filhinha

pequena”.

(142) [...] o estuprador preso ele mora aqui na capital ele mora aqui em São Paulo

(143) Sérgio Verdini é o nome dele Sérgio Verdini trinta e seis anos que trabalha

(144) como consultor de seguros:: [...]

(153) [...] também o reconheceu ela reconheceu Sérgio trinta e seis anos o estuprador

(168) [...] a polícia acredita que Sérgio Verdini cometeu

(169) vários outros casos segundo se levantou ele atacava só de segunda e sexta-feira

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(170) feira:: (sabe por que:: sabe por que?) ele mora em São Paulo ele saia de sua

(171) casa em São Paulo para trabalhar:: ele trabalha como consultor de seguros

(172) em Volta Redonda no Rio de Janeiro:: então quando ele ia para Volta

(173) Redonda ele parava:: atacava:: na sexta-feira quando voltava para São Paulo

(174) ele atacava na ida e na volta:: [...].

Depois de toda a reconstituição do fato, o narrador fecha a narrativa, com a

prisão do maníaco e tece algumas considerações pertinentes à narrativa, como esclarecer

quem era o maníaco e o porquê dele cometer os estupros.

GG revela a identidade como nome, idade e profissão e, também, dá a resposta

da pergunta que, desde o começo da narrativa, parecia perturbar: por que o estuprador

atacava somente às segundas e sextas-feiras?

O locutor evidencia tudo sobre o maníaco da mesma forma que narra os fatos.

GG repete o nome do maníaco, como pode-se notar nas linhas (143), (153), (157),

(159), (168), (177) e (184): Sérgio Verdini. Também revela que Sérgio Verdini é

morador em São Paulo, tem trinta e seis anos e trabalha como consultor de seguros.

A linha (170) elucida a intensa interação entre GG e o ouvinte, ao usar o

pronome de tratamento informal de 2ª pessoa “você”, para aguçar a curiosidade do

ouvinte em se tratando do fato de que maníaco atacava as vítimas, somente às segundas

e sextas-feiras: [...] (você) sabe por que:: sabe por que::?[...]. Finalmente, tudo é

devidamente esclarecido. Sérgio Verdini, por exercer a profissão de consultor de

seguros, precisava viajar para o Rio de Janeiro semanalmente. Sérgio Verdini saia na

segunda-feira de São Paulo e, durante o trajeto, cometia delitos. Depois, ao retornar na

sexta-feira, atuava da mesma forma.

(158) [...] ele conta a história

(159) contou a história dele:: Sérgio contou que mora em São Paulo:: é separado

(160) tem um filho de cinco anos de idade:: ele conta:: a história se é verdade não

(161) sei a história se repete:: ele conta que quando era garotinho:: quando tinha

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(162) sete anos apenas sete anos de idade:: ele foi vítima de violência sexual desde

(163) então ele ficou traumatizado:: [...]

Convém notar que GG abre outra narrativa para contar a vida de Sérgio e explicar o

motivo que levava um homem de trinta e seis anos, com um filho de cinco anos, a torna-se um

maníaco, um transgressor. Após ser preso, Sérgio Verdini confessou que havia violentado várias

mulheres. Na delegacia, Sérgio foi reconhecido pelas vítimas como autor dos delitos. Em seu

depoimento, este revela ter sofrido violência sexual, aos sete anos, e ficou traumatizado.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que GG constitui a pessoa que clama por “justiça”.

Com a prisão do agressor, o apresentador cumpre com a função cabal “socializadora” por

intermédio da narrativa de um fait-diver dramático como o caso do estuprador. O agressor é

punido pelos atos de agressão à várias vítimas. Tudo está voltado para a manutenção da ordem

na sociedade.

Depois de fechada a narrativa e explicado tudo, GG faz um questionamento, por

meio de um insistente pedido ao ouvinte para informar a produção do programa sobre

detalhes em relação à vida do maníaco. Com isso, GG deixa a narrativa passível de ser

recontada, esperando que alguém possa complementar, com outros detalhes, a história.

Por fim, GG abre uma nota explicativa, ao dizer que esse caso não se encerrava

naquele momento, haja vista que havia muitas informações a serem complementadas.

Esse apelo justifica a necessidade de referenciar dados do maníaco para que o ouvinte,

caso saiba alguma informação, possa estabelecer contato.

Nesse contexto, a narrativa parece provisoriamente concluída. Charaudeau

(2006) salienta que o narrador deve fechar a narrativa, porém não significa fechar o fato

em si. Este pode até coincidir no fechamento da narrativa, mesmo assim, não constitui

uma regra. O autor também explicita que a informação no discurso midiático pode

sofrer “reativação” (p. 160), em decorrência disso o narrador faz questão de interpelar o

ouvinte.

Feita a análise da primeira parte do corpus, sob o aspecto narrativo, constatamos

que o locutor constrói o texto falado em um constante movimento de progressão e de

retroação, estabelecido segundo alguns procedimentos destinados a assegurar uma

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continuidade de referentes (objetos de discurso). Essa continuidade é adquirida pela

cadeia referencial que não permite que esses objetos sejam esquecidos no texto, mas em

constante ativação na memória de trabalho, durante o desenvolvimento do texto.

4.2 Análise do fenômeno lingüístico – a repetição como argumentação

Notamos que todos os elementos interligam-se para estabelecer sentido no

processo de construção textual. Dentre os vários procedimentos que são articulados no

texto, escolhemos a repetição como uma estratégia linguística que o locutor utiliza-se

para fundamentar o argumento persuasivo de quem rompe as regras socialmente

estabelecidas, portanto, deve ser punido.

Para evidenciarmos isso, selecionamos alguns excertos no corpus que

comprovam que as repetições como função argumentativa servem como estratégia para

reafirmar, contrastar ou contestar argumentos.

Vejamos alguns exemplos:

Excerto (1):

(1) “Ela sentiu:: o pior estava para acontecER::... ou seria estupra::da:: ou seria

(2) assassinada::... medo... ou pavor... ou estupro... ou assassinato... ela estava

(3) ATERRADA... ela estava::... assusTAda:: [...]”

Do ponto de vista enunciativo, podemos notar a força argumentativa no

enunciado, que introduz o operador de discurso ou, o qual expressa uma relação de

disjunção exclusiva, em que os elementos estuprada/assassinada se excluem. Em

relação ao valor ambíguo de “ou”, Koch (2001, p. 63) aponta que essa conjunção pode

corresponder ora “à forma latina aut, com valor exclusivo (isto é, um ou outro, mas não

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ambos), ora à forma vel com valor inclusivo (ou seja, um ou outro, possivelmente

ambos)”.

A forma como dispõe os substantivos como – medo > ou pavor > ou estupro >

ou assassinato, promove maior complexidade da ação no fluxo narrativo, pelo teor

argumentativo, ao enumerar a gradação de sentimentos despertados na personagem. Os

substantivos (medo>pavor>estupro>assassinato) encontram-se ordenados e interligados

pela conjunção “ou” em uma gradação semântica que promove mais suspense.

Ademais, do ponto de vista argumentativo, essa conjunção (ou) articula os argumentos

que mais forte que o medo é o pavor de ser estuprada e de ser assassinada. A gradação

dos elementos intensifica a dramaticidade da cena, de modo que leva o ouvinte a

compartilhar do mesmo sentimento da vítima.

O exemplo apresenta repetições com segmentos discursivos e com variação. Nas

linhas (1) e (2): [...] Ela sentiu:: ou seria estuprada:: ou seria assassinada [...], o

narrador recategoriza o sentido com a alteração das expressões verbais “ou seria

estuprada ou seria assassinada” para a nominal: ou estupro ou assassinato.

A alteração compreende a necessidade do narrador em explicitar e reafirmar o

argumento no discurso. Pode-se observar que GG, no final, repete a mesma coisa, sem

adicionar um dado novo. O argumento provém do conhecimento que tem acerca do

mundo criminal, em que, muitas vezes, ocorre caso de estupro até seguido de morte.

Excerto (2):

(11) “[...] (M) es-tu-pra-dor [...]

(12) [...] (R) está estuprando sem parar [...]”

Compreendemos que o narrador ao identificar “este homem” como o estuprador,

cumpre a função argumentativa de enfatizar a malignidade dos atos desse indivíduo,

além do que acaba por conferir um efeito real à narrativa.

Já na linha (12), o enunciador repete o enunciado anterior (estuprador), mas em

forma de oração, empregando o verbo estar seguido de gerúndio para exprimir ação em

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curso – está estuprando. No entanto, GG complementa a fala ao introduzir o advérbio

(sem parar), que intensifica o sentido, e aumenta o suspense em torno do conflito. O

sentido estabelecido é que o maníaco está na ativa.

Atente-se, também aqui, que a recategorização do referente cumpre a função de

adiantar uma avaliação que dá respaldo argumentativo ao texto. Ao designá-lo

estuprador, parte da noção de representação de mundo, dos conceitos sociais

normatizados que punem tal conduta.

Excerto (3)

(10) ho::mem:: (M) meio gordo: (R) meio gordo (M) branco (M) cabelos pretos

curtos:: es-tu-pra-

(11) dor este ho:: mem: (R) meio gordo:: (R) branco:: (R) cabelos pretos curtos::

está estuprando:: [...]

(58) “[...] um homem branco:: (R) meio gordo:: (R) de cabelos pretos

(59) curtos [...]”.

Toda a rede de relações, no texto, apresenta sua construção em avanços e

retomadas de referentes que ajudam na progressão textual e criam unidades de sentido

ao ouvinte. É muito recorrente encontrarmos elementos que se repetem no discurso.

Trata-se de uma preocupação do orador, na Retórica, ao apresentar proposições ao

público, quando pela palavra precisava trazer o objeto à consciência de quem estava

ouvindo.

É possível notarmos que faz parte da estratégia do narrador trazer e inculcar na

mente do ouvinte os elementos que conferem sentido e credibilidade à narrativa. Esse

processo é reconhecido como figura de presença, em que a repetição faz parte desse

conjunto. Segundo Guimarães (2001, p. 154), as figuras de presença são usadas com o

propósito de “despertar o sentimento da presença do objeto do discurso na mente tanto

de quem profere quanto daquele que o lê ou ouve”.

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Perrelman & Olbrechts-Tyteca (1996, p. 132) salientam que “a figura atua de um

modo direto sobre a nossa sensibilidade”. Nessa perspectiva, o ouvinte sente-se

envolvido psicologicamente à medida que o narrador repete elementos que reforçam a

construção do personagem. É preciso, portanto, atentar que essa técnica atua de forma

significativa na percepção do ouvinte, levando-o a sentir o que o narrador sente, quando

caracteriza o referente.

Na linha (11), temos a repetição dos detalhes da descrição física do maníaco que

se dá na L10. No entanto, o narrador as intensifica, com a finalidade de “martelar” na

cabeça do ouvinte a caracterização da aparência deste, ao reiterar a mesma descrição

mais adiante no texto nas L58 e 59. Note-se que o enunciador elenca detalhes e os

repete para que o ouvinte construa a imagem do infrator.

Excerto (4):

(12) “[...] e as características:: (M) a maneira de agir:: sempre a

(13) mesma coisa sempre (R) ele age do mesmo do mesmo modo (R) da mesma

maneira [...]”

A construção de repetições idênticas ou similares é usada para intensificar as

estruturas discursivas e fazer fluir a narrativa. Nesse excerto, o primeiro segmento

discursivo, que é a (M): [...] a maneira de agir, dá base para expansões na construção

de repetições próximas, como se pode observar na construção do segmento oracional:

ele age da mesma maneira. Segundo esclarece Marcuschi (2006, p. 223), a matriz dá

base para diversos procedimentos porque ela “condiciona tanto o tópico como uma parte

das estratégias formulativas”.

Podemos observar a reiteração dos advérbios de intensidade sempre e o de

modo, o mesmo modo, seguidos da paráfrase a mesma maneira, para intensificar o

modo de proceder do tarado.

O narrador intensifica a forma como conta a narrativa, no intuito de comover o

ouvinte para o desencadeamento da ação, quanto ao modo de aproximação da vítima. A

construção de repetições idênticas ou similares é usada para intensificar as estruturas

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discursivas e destacar o modo de agir do maníaco. A estratégia ganha maior

dinamicidade ao empregar a força ilocutória nas repetições e nas paráfrases, com o

propósito de reforçar a imagem negativa do maníaco, sem mesmo ter descrito sua forma

de atuação. Isso serve para deixar mais intenso o clima de suspense que envolve a

narrativa e prender a atenção do ouvinte.

As repetições asseguram e facilitam a compreensão de tal forma que acabam por

fornecer pistas para compreensão do real conteúdo que permanece implícito no texto.

Nesse segmento, pode-se constatar a função argumentativa asseverada pela repetição,

mediante o fato de ocorrer maior volume de linguagem idêntica, em posição idêntica.

Podemos observar isso na reiteração dos advérbios de intensidade sempre, e o de modo,

o mesmo modo, seguidos da paráfrase a mesma maneira, que afirmam a necessidade do

narrador explicitar e reafirmar o argumento no discurso, quanto à forma de atuação do

maníaco.

Excerto (5):

(20) [...] (M) demônio: (R) demônio ele tem cara de anjinho::

Com a finalidade de mostrar que o maníaco aproximava-se das vítimas como um

simples cidadão que busca informações para chegar a determinado local, o narrador

introduz uma metáfora para asseverar que, embaixo da “ingênua” aparência daquele

homem, havia um homem obcecado em violentar. Assim, outro clichê é ativado: O lobo

em pele de cordeiro.

Nesse exemplo, o narrador apresenta repetições contíguas com segmentos

semelhantes para recategorizar o maníaco como “demônio”, uma entidade maligna do

imaginário cristão. A metáfora cumpre a função argumentativa de contrastar que o

homem parecia “um anjo”, mas era um “demônio”. O argumento usado para comparar a

atitude e a intenção do homem não limita o efeito de realidade, pois a descrição de cada

detalhe deve provocar comoção, chocar e suscitar sentimentos que confirmem o repúdio

desse tipo de comportamento na sociedade.

De acordo com Perrelman & Tyteca (2002, p. 193), para reconhecer a metáfora

como recurso argumentativo, “cumpre conceber a passagem do habitual ao não-habitual

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e a volta a um habitual de outra ordem, o produzido pelo argumento, no mesmo

momento em que termina”.

Excerto (6)

(22) “[...] foi no dia (M) vinte e um de fevereiro

(23) deste ano:: na cidade de Cachoeira Paulista:: Vale do Paraíba:: no interior de

(24) São Paulo:: Cachoeira Paulista:: foi no dia:: (R) vinte e um de fevereiro::

vinte e

(25) (R) um fevereiro deste ano:: que foi registrado pelo menos a primeira

queixa::[...]”.

Como podemos observar nas linhas acima, o locutor retoma o que já havia

enunciado na linha (8), quando mencionou o dêitico temporal – Fevereiro de 2005 - .

Ele volta a repetir a mesma informação, sempre pensando em situar o ouvinte na

história. Enquanto que, na L8, ele introduziu o mês e o ano em que o caso ocorreu, nas

L24 e 25, ele repete para destacar, precisamente, o dia e que fora registrado a primeira

queixa de uma das vítimas. Assim, as repetições do dêitico temporal e espacial

(Cachoeira Paulista) têm como objetivo reafirmar o argumento que essa data foi

marcada por haver a primeira queixa registrada na polícia de uma das vítimas do

maníaco.

Excerto (7)

(27) “[...] calmamente:: calmamente:: ele parou aquele carro:: abaixou o

(29) “[...] naquela rua:: ele perguntou com a voz:: suave[...]”

(31) [...] (M) mas ele fingiu que não ouviu :(R) ele fingiu que não

(32) entendeu [...] e fez sinal com a mão[...]”

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Observe-se que a L31 temos a R de construção oracional próxima à (M) e com

variação: [...] ele fingiu que não entendeu [...]. Interligada à matriz, temos a presença de

um operador argumentativo MAS que estabelece uma relação de contrajunção entre

enunciados de orientações discursivas diferentes. De acordo com Koch (1996, p. 66),

prevalece a força argumentativa do enunciado introduzido pelo operador mas, porém,

contudo, todavia etc. No contexto, a repetição da construção oracional é usada como

argumento que contrasta com as reais intenções do maníaco. Aparentemente, ele finge

que está perdido, todavia, quando a mulher se aproxima para orientá-lo, ele a faz refém.

Excerto (8)

(29) “[...] (M) por favor como é que eu

(30) chego na Via Dutra como é (R) que eu pego a Dutra? [...]”

(34) “[...] como é

(35) (R) que faço para pegar a Dutra?

(61) “[...] mesma:: ele pára o carro: e pergunta “por favor por favor oh:: moça

por

(62) favor como é que eu chego na Dutra [...]”

Observa-se que, nos fragmentos das linhas (28) e (29), temos uma série de

repetições de orações com paráfrases: como é que eu chego / como é que eu pego (como

faço para pegar). Na linha (62), GG reitera a mesma oração: como é que eu chego.

Essas repetições oracionais contíguas são construídas para facilitar a compreensão do

ouvinte em relação à forma como o maníaco abordava a vítima.

O enunciador usa da repetição das mesmas estruturas oracionais para reafirmar

o argumento que, ninguém deixaria de fornecer informação a alguém que se

aproximasse de maneira educada, dizendo: por favor, moça.

Excerto (9):

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(42) “[..]aquele monstro:: estupra:: violenta:: judia:: além de estuprar (M) ele

levava com

(43) um membro masculinho de borracha:: (R) ele levava um membro masculino

(44) de borracha (M) ele judia da mulher:: (R) ele judia:: depois disso ele libera:: e

[...]”

Como se observa, nas L42, 43 e 44, o verbo judiar foi repetido em orações

próximas, para destacar os maus tratos e o sofrimento a que a vítima era violentamente

submetida, quando subjugada pelo agressor. Nas L42 e 43, o narrador relata que o

tarado causa o sofrimento das vítimas, usando um “membro masculino de borracha”.

Nota-se que há duas construções oracionais repetidas nas L42 e 43: ele levava um

membro masculino de borracha, usadas como argumento para reafirmar a atitude

“monstruosa” do tarado. Além disso, temos, na L44, a oração (M): ele judia ocorrendo

repetição contígua, na mesma linha, ele judia da mulher em virtude de intensificar a

falta de caráter do maníaco. Depois de estuprar, violentar e judiar da vítima é que o

maníaco a libera.

Excerto (10)

(45) ameaça:: (M) se você me denunciar:: (R) se você me denunciar eu volto:: eu

sei

(46) aonde você mora:: (R) se você me denunciar eu VOLto e te MATO [...]”

Para reforçar o tom de ameaça, o narrador usa a repetição, conforme se observa

nas frases: se você me denunciar”, “eu volto e te mato”, com o intuito de coagir a

vítima a não denunciá-lo. O excerto (10) mostra-nos claramente a ênfase dada a esse

enunciado, em virtude de que o narrador reproduz a matriz com repetições oracionais

próximas: se você me denunciar eu volto / se você me denunciar eu volto e te mato.

Dentro dessa construção condicional, tem-se a oração que exprime condição

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(subordinada) e a que exprime o que é condicionado (principal). A oração condicional

está anteposta à principal, configurando-se em uma potencialidade argumentativa que,

imediatamente, remete a resolução do fato: MORTE.

As repetições das orações contíguas, se você me denunciar / se você me

denunciar / se você me denunciar, confirmam a estratégia argumentativa empregada

para deixar patente a condição que o maníaco impunha como uma forma de a mulher

manter-se calada.

Nessa ocorrência, percebe-se que o operador argumentativo e é empregado para

estabelecer uma relação de adição entre os enunciados envolvidos, bem como

contrastar com a ideia principal de que ela não pode denunciá-lo. Isso significa dizer

que há uma relação de sentido em que o elemento e constitui uma indicação explícita de

que o segundo segmento se acresce ao primeiro (volto e mato).

Aqui, a ordem inversa da oração subordinada condicional causa maior impacto

porque a oração consecutiva está expressa pela oração principal e funciona como um

dado novo para o ouvinte. De fato, a conjunção – e – precedida ao verbo matar destaca

a grave conseqüência do ato de denúncia, caso a vítima resolvesse fazê-la.

Excerto (11):

(48) [...] vítima chorando vai para casa:: esta vítima -- (M) não sei se foi a primeira::

(R) não

(49) sei se foi a primeira: (R) só sei que foi a primeira a dar queixa [...].

Nota-se aqui outra construção de repetição argumentativa, usada para contestar a

atitude corajosa da vítima. O enunciador, ao retomar o termo não sei se foi a primeira,

introduz um novo dado em seu discurso: só sei que foi a primeira a dar queixa. Para

Galembeck (1999, p. 178), a expressão “não sei se” é denominada um marcador de

rejeição, usada para apresentar uma antecipação do locutor em “neutralizar possíveis

reações desfavoráveis ou interpretações contrárias” que o ouvinte venha a ter.

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Ao utilizar a repetição da oração, implicitamente, o enunciador exalta a coragem

da vítima em prestar queixa. É interessante notar que a repetição consiste num recurso

usado pelo narrador para organizar o discurso e contribuir para a formação de cadeias

discursivas. Esse exemplo mostra como a repetição é usada para dar ênfase à matriz, à

medida que reforça a ideia de que poderia haver várias mulheres violentadas, mas, pelo

menos, “essa mulher” havia tomado a atitude correta.

Nesses fragmentos das linhas (48) e (49), temos caso de polifonia, em que

observamos a presença de três enunciadores (E): E¹ - [...] vítima chorando vai para

casa:: / E² - não sei se foi a primeira:: não sei se foi a primeira:: / E³ - só sei que foi a

primeira a dar queixa::[...]. No mesmo excerto há outra evidência de ironia, em que a

fala do enunciador se opõe à fala de negação que se dá inicialmente. Pode-se dizer que o

E¹ é a voz da polícia, uma vez que os casos provêm da delegacia de polícia. Quanto ao

E², é o próprio locutor que enuncia sobre as mulheres, que sofrem estupro, mas não dão

deixa à polícia dos agressores.

A repetição da mesma oração, em que nega o desconhecimento sobre a queixa

da primeira vítima, reforça que o enunciador isenta-se da responsabilidade da fala de

outro enunciador, “colocando-o em cena em sua enunciação”. Assim, no momento em

que afirma “valoriza sua própria enunciação” (Maingueneau, 2001, p. 174-175).

Excerto (12):

(56) dois três quatro cinco seis:: seis casos com queixa claro que não tem queixa

(57) claro que não tem queixa [...]”

Ao contabilizar o número de queixas de mulheres vitimadas pelo estuprador, o

narrador destaca a quantidade de casos registrados, até aquele momento, e menciona

que a impunidade pode aumentar. Torna-se muito mais enfático ao elaborar o enunciado

pelo uso numérico: um, dois, três, quatro, cinco, seis:: seis casos com queixa,

promovendo a repetição contígua do último segmento com o propósito de mostrar um

número em aberto.

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Nesse caso, tem-se o contraste imediatamente, após a enunciação afirmativa,

sobre a existência de seis casos com queixa, quando o narrador contra-argumenta, ao

inferir a ideia de que são poucas mulheres que denunciam os agressores.

Por isso que, nas linhas (56) e (57), GG repete de forma ostensiva: claro que não

tem queixa/ claro que não tem queixa, para ironizar, de certa forma, o próprio

enunciado, haja vista que as vítimas não prestam queixa por vergonha e por medo de

sofrerem algum tipo de represália.

Interessante observar que a repetição cumpre papel importante na condução da

argumentação, como nesse excerto, em que a repetição da mesma oração contribui para

contrastar com a ideia primeiramente anunciada. Nesse fragmento, podemos notar a

presença da polifonia em decorrência de duas vozes presentes, implicadas na construção

irônica do enunciado: a voz que afirma (seis casos com queixa) e a que nega (claro que

não tem queixa / claro que não tem queixa).

Maingueneau (2001, p. 174-5) postula que o enunciador repete o texto inicial

para “desqualificá-lo”, desencadeando a ironia como efeito que contraria, no mesmo

instante, o enunciado proferido. Portanto, a ironia liga-se ao caso da polifonia porque,

esse tipo de enunciação, é “uma espécie de encenação em que o enunciador expressa

com suas palavras a voz” da personagem “do qual ele se distancia, pela entonação e pela

mímica, no instante mesmo em que lhe dá a palavra.

Excerto (13)

(68) “[...](M) ele abusou de uma garotinha de treze

(69) de apenas treze anos [...]”

(75) (R) o maldito:: o maldito violentou aquela garota

(76) de treze anos de idade [...]”.

Nesse excerto, temos a reiteração de construções oracionais em enunciados

distantes, nas linhas (68) e (75), com segmentos discursivos semelhantes, porque

consideramos que o verbo abusar e violentar assegura a mesma equivalência semântica

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de estupro. A repetição assume o caráter de intensificar a idade da garota e reafirmar o

argumento que dá mais precisão à ideia central que, para o maníaco, não havia idade

definida para ser a vítima. Precisa ser somente do sexo feminino.

Em se tratando da repetição como função argumentativa, Marcuschi (1992)

expõe que o traço fundamental “é reproduzir uma matriz que opera como assertiva

básica na argumentação em andamento”. (p. 145). Nesse sentido, GG usa o advérbio

apenas para reforçar o conceito de restrição quanto à idade da garota, e o uso do sufixo

(inha) de “garotinha” de modo afetivo, para causar comoção do ato perverso do

maníaco.

O uso do advérbio funciona como um modalizador de opinião e é usado como

estratégia argumentativa, além de revelar a subjetividade do narrador em relação à

inocência infantil. Por causa disso, o narrador é incisivo, ao retomar a designação do

referente como o maldito.

Veja-se a linha (75), em que se tem a repetição da correferenciação 37

(designação) - o maldito:: o maldito::. Note que o segundo segmento é repetido para

intensificar que esse “tipo” é indesejado e por causa de seus atos merece ser punido,

uma vez que personifica o mal.

Excerto (14):

(83) “[...] uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos

(84) Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava::

(85) tranquilamente ela caminhava:: Itatiaia:: foi quando:: ela ia pela calçada::

(86) foi quando surgiu [...]

(87) [...] ele pára o carro era o tarado da Dutra a menina não [...]

(88) sabia a jornalista (lógico) não sabi::a [...]”

37 Para Marcuschi (2006): “Uma remissão que retoma o referente como sendo o mesmo indivíduo ou objeto é uma correferenciação. No caso de retomadas por repetição, sinônimos ou designações alternativas pra o mesmo referente (apelidos) temos correferenciação” (p. 397).

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(93) “[...] estuprador sem saber lógico que é o estuprador e ela iria explicar [...]

Nesse trecho, temos muitos exemplos de repetições. A linha (83) traz um caso de

repetição lexical adjacente para enfatizar que a próxima vítima é uma jornalista e, pela

primeira vez em toda a narrativa, acrescentar dados novos referentes à sua identidade.

Ao mesmo tempo em que intensifica o nome, idade e profissão, a repetição serve para

estabelecer elo coesivo e retomada do referente - uma jornalista > Viviane dos Santos.

Da mesma forma que isso não concorre para a progressão do texto, mas vale

como um esclarecimento do fato, no caso, revelar quem é a personagem. O narrador

sabe que, como jornalista, a vítima deveria estar a par dos últimos acontecimentos. No

entanto, nesse momento, GG reformula o referente “Viviane”, tratando-a por “menina”,

maneira afetiva para explicar a suposta “ingenuidade” dela ao aproximar-se do homem

(com cara de anjinho).

O narrador repete, [...] a menina não sabi::a jornalista lógico não sabia [...]

sem saber lógico que é o estuprador, para refutar uma suposta conclusão do ouvinte em

face da jornalista não saber que havia um estuprador que agia nas imediações. O

narrador usa o operador argumentativo lógico para contra-argumentar que a mesma,

não tinha como saber que o homem tratava-se de um estuprador.

Excerto (15):

(91) “[...] ele finge que não ouve ele finge que não entende [...]”

As repetições oracionais com paráfrase no segmento asseveram a opinião do

narrador quanto ao fato de que o maníaco simula não ter ouvido a resposta da vítima, no

instante em que é interpelada sobre a direção de como chegar à via Dutra.

O narrador repete a estrutura oracional com variação com a finalidade de

reafirmar o argumento de que o maníaco vale-se, seja porque não ouviu, seja porque

não entendeu a resposta, fazendo com que a vítima aproxime-se para que o som seja

audível ao maníaco.

Excerto (16):

(105) Viviane:: ela mentalmente pede a Deus “me ajude” ela vai tentar um tudo

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(106) ou nada:: ela reza::ela pede a Deus que a ajude e em seguida desesperada e

(107) corajosamente:: ela abre a porta do seu lado e se atira em plena via Dutra::

Durante esse planejamento falado, percebemos que o narrador frequentemente

retoma a coisa já dita a fim de dramatizar ainda mais a cena de ação. Verificamos que as

repetições de orações contíguas idênticas, ela pede a Deus “me ajude” / ela reza (a

Deus)/ ela pede a Deus que a ajude, também cumprem o papel argumentativo na fala do

narrador que prepara o ouvinte para a tentativa de fuga da jornalista.

Depois de acentuar que a jornalista reza, pede à Deus, cria-se o suspense para o

fato seguinte: e em seguida desesperada e corajosamente ela abre a porta do seu lado e

se atira[...]. A expressão em seguida constitui-se num elemento próprio da narração

para introduzir a cena posterior e proporcionar o encadeamento da história.

No entanto, o encadeamento é marcado por dois advérbios modalizadores

afetivos interligados por um operador argumentativo, de relação conjuntiva (e) para

salientar que, numa atitude de desespero, a jornalista encontrou coragem para tentar

escapar das mãos do maníaco.

Dessa maneira, todas as repetições de cunho argumentativo colaboram para a

progressão do texto que culmina com o desfecho da cena em que a jornalista abre a

porta do seu lado e se atira em plena via Dutra, na linha (114). O fator surpresa

consiste justamente em saber que a Via Dutra é a única rodovia que liga São Paulo ao

Rio de Janeiro. Logo, o fluxo de carro é intenso, tornando-se muito perigosa.

Ao finalizar os registros marcados pelas repetições argumentativas,

depreendemos que o recurso da repetição, além de constituir um fenômeno natural da

língua, que promove maior envolvimento com o interlocutor, também tem seu uso

voltado para gerar intensa comoção do público.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como principal objetivo identificar as estratégias de

progressão e retroação presentes na formulação textual de uma narrativa selecionada de

um programa popular, cujo locutor é o repórter policial Gil Gomes, respeitado por

ouvintes que pertencem às classes sociais C, D e E, pelo modo singular de elaborar a

linguagem no radiojornalismo.

O público o elegeu como “justiceiro”, “advogado” dos oprimidos das classes

populares porque ele considera que GG fala a verdade e luta em favor dos pobres.

Também sabemos que subjacente à vida e às ações dos homens há uma intencionalidade

da própria instância midiática em induzir os ouvintes a diversos graus de comoção. E é

nesse sentido que o locutor busca lhe proporcionar o desvendamento do caso com sua

solução.

Para tanto, o repórter se utiliza de recursos linguísticos que promovem vínculos

interativos com ouvinte, levando-os a identificar-se com a realidade social que se revela

no formato de uma crônica policial. Diante desse fato, a narrativa radiofônica não deve

ser considerada somente como uma forma de relatar histórias, mas sua finalidade é

esclarecer e resgatar preceitos morais culturalmente estabelecidos, como no caso da

narrativa “O Maníaco da Via Dutra, que repudia e execra o ato violento do estupro.

Neste estudo, pudemos constatar que a ideologia transpassa o discurso, cuja base

está na informação do caso policial, material fecundo em que se mostra as tragédias e

misérias humanas. O conteúdo e a forma de falar de Gil Gomes constituem um discurso

de poder, sobre as ações de desvios que rompem os padrões sociais da boa convivência.

Por conseguinte, a narrativa da crônica policial cumpre a função “socializadora”,

ou seja, o rádio, como instituição social, dita condutas e comportamentos aceitáveis na

sociedade. Isso significa que, ao contar um crime, essencialmente, constrói-se um

discurso firmado nas normas sociais.

Para identificarmos as estratégias na superfície do texto, tivemos que nos basear

na Linguística Textual, uma vez que a narrativa evidenciou-se terreno fértil para

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encontrarmos variados elementos elaborados para a progressividade do texto. Por ser o

texto falado, o planejamento do que será dito é uma atividade que se dá localmente,

tendo em vista o meio e o público-ouvinte que se quer alcançar.

Como produtor do texto, o locutor dispõe de várias estratégias ou procedimentos

que são destinados a assegurar uma continuidade de referentes que, aos poucos, são

introduzidos no texto. No constante movimento de avançar e retroceder, verificamos

que esses elementos são ativados na memória de trabalho do ouvinte durante o

processamento textual.

Assim, cria-se toda uma permanente cadeia coesiva de significados porque os

elementos sempre fazem alguma referência necessária à interpretação do ouvinte.

Pudemos observar que os referentes acionados pela escolha do locutor obedeciam às

restrições impostas pelas condições culturais, sociais e históricas do público alvo, que é

a classe popular.

A observação de todos os elementos que comprovamos, como procedimentos,

que corroboram para a progressão do texto, um em específico nos chamou a atenção,

desde o começo desta pesquisa: a Repetição.

Para compreendê-la, recorremos à Análise da Conversação. Na construção do

texto falado, que selecionamos, constatamos que a repetição é uma estratégia importante

na formulação do discurso oral porque seu uso expressa o nível de interação

desenvolvido. Ela estabelece e fortalece laços interativos com o público à medida que

ocorre localmente, tornando o discurso de fácil compreensão.

Para o locutor, a estratégia da repetição é necessária no discurso para “aliviar a

densidade da informação” (Preti, 2004, p. 128). Para o ouvinte, a repetição disponibiliza

um tempo importante para que a informação seja processada, principalmente, quando a

taxa informacional é alta.

Vale ressaltar que se apagarmos todos os elementos repetitivos constatados no

corpus da pesquisa, deixaríamos reduzido apenas seu caráter cognitivo-informativo

básico: o lead, que é o relato do fato principal de uma notícia e que responde às

perguntas: quem fez o quê, a quem, quando, onde, como, por quê e para quê (cf. Lage,

2005, p. 27).

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ANEXO Transcrição da narrativa policial – O maníaco da Via Dutra (18 de janeiro de 2007, às 24:00). Linha nº

1. Ela sentiu:: o pior estava para acontecER::... ou seria estupra::da:: ou seria

2. assassinada::... medo... ou pavor... ou estupro.... ou assassinato... ela estava

3. ATERRADA... ela estava::... assusTAda:: um Caso:: que está chamando a

4. atenção no interior de São Paulo:: do Vale do Paraíba e também parte do

5. Estado do Rio de Janeiro::... quem é:: quem é aquele ho::mem:: um maníaco

6. doente: (batida) ou seria um demôniO:: quem é:: quem é aquele homem::

7. (batida) ele começou agora ou será que não:: (batida estridente) ou será que

8. antes atacava em outro lugaR:: Fevereiro de 2005 (batida) ele apareceu

9. garotas:: adolescentes:: mulheres assusTAdas:: apavoRAdas:: um ho::mem::

10. ho::mem:: meio gordo: meio gordo branco cabelos pretos curtos:: es-tu-pra-

11. dor este ho::mem:: meio gordo:: branco:: cabelos pretos curtos:: está

12. estuprando:: sem parar:: e as características:: a maneira de agir:: sempre a

13. mesma coisa sempre ele age do mesmo do mesmo modo da mesma maneira

14. isto mes::mo este homem:: o estuprador ele tem um Fiat Uno branCO:: ele/os

15. vidros com aquele:: insufilm com aquele plástico não é plástico:: é:: é:: uma

16. aplicação de plástico se sabe que é:: fica bem escuro:: um Fiat Uno branco

17. insufilm:: aquele carro:: aquele carro é o carro do estuprador:: em São Paulo

18. no estado de São Paulo:: ele já atacou:: em Cachoeira Paulitas:: em Cruzeiro

19. em Caçapava:: não muito longe de Apareci::da:: (música de suspense) ele

20. ataca:: ele aTAca:: demônio:: demônio ele tem cara de anjinho:: ele sempre

21. atAca segunda ou sexta-feira:: nunca atacou de sá::bado domin::go terça

22. quarta quin::ta segun::da:: e sexta feira foi no dia vinte e um de fevereiro

23. deste ano:: na cidade de Cachoeira Paulista:: Vale do Paraíba:: no interior de

24. São Paulo:: Cachoeira Paulista:: foi no dia:: vinte e um de fevereiro:: vinte e

25. um de fevereiro deste ano:: que foi registrado pelo menos a primeira queixa::

26. foi registrado:: o primeiro estupro:: do monstro:: do monstro:: do Fiat Uno

27. branco:: calma::mente:: calma::mente:: ele parou aquele carro:: abaixou o

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28. vidro do carro:: e fez uma pergunta para uma mulher:: que caminhava

29. naquela rua:: ele perguntou com a voz:: suave “por favor como é que eu

30. chego na Via Dutra? como é que eu pego a Dutra?” a mulher de longe

31. respondeu:: explicou:: mas ele fingiu que não ouviu:: ele fingiu que não

32. entendeu:: “por favor::” e fez sinal com a mulher para que a mulher se

33. aproxiMAsse:: sem:: desconfiar de absolutamente nada:: sem desconfiar de

34. na::da:: a mulher que seria a vítima dele:: se aproximou do caRRo “como é

35. que faço para pegar a Dutra?” quando a mulher:: se aproximou:: quando a

36. mulher chegou mais perto:: ele ele saca de um revólver “entra:: entra::”

37. música de pânico) apavorada:: a moradora de Cachoeira Paulista

38. apavorada aquela mulher:: entra no carro “entra::” que ameaça:: era terrível::

39. “ou entra no carro:: ou morre::” ela entrou a mulher tremendo:: atendeu

40. aquele maníaco:: atendeu o que o maníaco havia ordenado:: manDADO em

41. seguida:: ele sobe:; o vidro:: ele leva a mulher para um local ermo e ali::

42. aquele monstro:: estupra:: violenta:: judia:: além de estuprar:: ele levava com

43. ele um membro masculino de borracha:: ele levava um membro masculino

44. de borracha ele judia da mulher:: ele judia:: depois disso ele libera:: e

45. ameaça:: “se você me denunciar:: se você me denunciar eu volto:: eu sei

46. aonde você mora:: se você me denunciar eu VOLto e te MATO (música

47. fúnebre) aí:: então ele vai embora com o Fiat Uno branCO:: a vítima:: a

48. vítima chorando vai para casa:: esta vítima (não sei se foi a primeira:: não

49. sei se foi a primeira: só sei que foi a primeira a dar queixa) ela vai:: aquela

50. mulher vítima do maníaco do Fiat do maníaco da Dutra:: aquela mulher vai

51. a Delegacia de Cachoeira Paulista e presta queixa:: o doutor Mário Celso

52. Ribeiro delegado de Cachoeira Paulista:: registra o boletim de ocorrência::

53. e começa a investigar:: da mesma maneira:: aquele homem:: aquele monstro

54. ataca em cidades do Estado do Rio de Janeiro num curto espaço de tempo

55. num curtíssimo espaço de tem::po ele atacou em Itatiaia em Resende:: um

56. dois três quatro cinco seis:: seis casos com queixa claro que não tem queixa

57. claro que não tem queixa:: demônio:: ele atacava:: sempre: sempre:: da

58. mesma maneira:: um homem branco:: meio gordo:: de cabelos pretos e

59. curtos:: atacava sempre no mesmo automóvel:: no Fiat Uno branco:: e o

60. modo de agir:: o modo operandi:: a mesma maneira de agir:: sempre a

61. mesma:: ele pára o carro: e pergunta “por favor por favor oh:: moça:: por

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62. favor como é que eu chego na Dutra:: como não entendi eh:: fala mais perto

63. dona” e aí então acontece (suspense) aí rapidamente:: ele saca a sua arma e

64. obriga a mulher:: e obriga a pessoa:: a entrar no seu automóvel rapidamente::

65. a notícia correu:: e o maníaco foi batizado de o TARADO da DUTRA::

66. que sempre ele pergunta da mesma maneira:: “como chegar:: como chegar

67. Via Dutra:: como chegar na Via Dutra::” num dos casos:: num dos casos

68. que aconteceu na cidade de Itatiaia:: ele abusou de uma garotinha de treze

69. de apenas treze anos:: (suspense) ele usou a mesma maneira de agir:: ele

70. usou a mesma malandragem:: “ei menina menina como é que chego na Via

71. Dutra Na Dutra:: não entendi:: chega mais perto:: e aquela garo::tinha::

72. aquela garotinha de treze anos:: se aproximou:: o demônio:: com uma arma::

73. ameaçou:: fez com que ela entrasse no seu Fiat no Fiat Uno branco com

74. vários:: cobert/com várias coberturas:: com várias coberturas:: com os vidros

75. cobertos por aquela película de insufilm o maldi::to violentou aquela garota

76. de treze anos de idade lá em Itatiaia no Rio:: depois liberou a garota da

77. mesma maneira:: ameaça:: “se você denunciar se você denunciar:: eu sei

78. aonde você mora eu sei:: eu volto” violentou:: ameaçou e fugiu: no Fiat Uno

79. branco: o maníaco não pára: sempre de segunda ou sexta-feira ele ataca:: a

80. polícia civil a polícia militar de Itatiaia vão a campo:: as polícias civil e

81. militar:: vão a camPO tentanto localizar o taRAdo da Du::tra:: chegamos no

82. dia vinte e um de março chegamos no dia vinte um de março desse ano::

83. Itatiaia:: Itatiaia:: uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos

84. Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava::

85. tranqüilamente ele caminhava:: Itatiaia:: foi quando:: ela ia pela calçada::

86. foi quando surgiu aquele Fiat Uno branco:: aquele Uno:: um homem:: meio

87. gordo:: ele pára o carro:: ele pára o carro era o tarado da Dutra a menina não

88. sabia a jornalista (lógico) não sabi::a e a pergunta foi feita outra vez “por

89. favor como é que eu faço para chegar na via Dutra? como é que eu faço para

90. chegar na Dutra?” a jornalista responde:: mas aquele homem:: ele finge:: ele

91. finge que não ouve:: ele finge que não entende:: vinte um de março à tarde::

92. uma segunda-feira e ela para se explicar melhor:: ela se aproxima do

93. estuprador (sem saber lógico que é o estuprador) e ela iria explicar como se

94. chegava na Dutra:: foi quando o maníaco:: foi quando ele sacou outra vez

95. aquele revólver e falou “entra senão eu te mato” a jornalista Viviane ela

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96. fica apavorada e atende:: estupefata:: perplexa:: ela atende o que aquele

97. homem manda:: ordena:: ele:: ele então põe o carro em movimento e começa

98. a ir no Fiat Uno branco:: e vai:: na direção da Via Dutra:: ele vai falando::

99. “você é muito bonita” ele vai falando “você é muito bonita:: você vai

100. passar bons momentos coMIGO” monstro:: ele guia o carro com uma

101. mão e na outra mão ele segura o revólver:: ele atinge a Via Dutra sentido

102. São Paulo Rio:: a jornalista Viviane está tensa:: apavorada:: ela sabe que

103. vai ser estuprada:: e quem sabe até assassina::da:: quando aquele elemento

104. quando o bandido quando o estuprador atinge a via Dutra com o Fiat Uno::

105. Viviane:: ela mentalmente pede a Deus “me ajude” ela vai tentar um tudo

106. ou nada:: ela reza: ela pede a Deus que a ajude e em seguida desesperada e

107. corajosamente:: ela abre a porta do seu lado e se atira em plena Via Dutra::

108. se joga do carro em movimento:: isto mesmo:: Viviane:: pula daquele Fiat

109. em movimento:: como se fosse num filme:: ela cai na rodovia na via pública

110. na Dutra:: logo em seguida ela rolou:: correu e saiu gritando “socorro

111. socorro soco::RRO” Viviane havia escapado um popular apareceu:: um

112. comerciante foi em socorro de Viviane:: quando o maníaco viu/ele tinha

113. parado o carro:: quando ele viu ele acelera e vai embora:: fugiu:: desapareceu

114. aquele comerciante que socorreu Viviane:: aquele comerciante que socorreu

115. a jornalista ligou telefonou para a PM de Itatiaia:: os PMS do trigésimo

116. sétimo batalhão vão para o local:: toda a região é avisada:: pelo que Viviane

117. descreveu os PMS não tiveram dúvida:: era ele de novo:: era ele de novo::

118. era o maníaco:: da Dutra:: Viviane declarou “não aconteceu nada comigo

119. porque eu apelei ao Deus maior porque existe um Deus muito forte:: assim o

120. dia passando chegou a noite do mesmo dia:: noite de vinte e um de março:: a

121. polícia:: diligenciava atrás do maníaco:: Jardim das Rosas:: cidade vizinha a

122. cidade de Penedo:: vizinha:: a Itatiaia:: aonde a moça havia sido atacada mas

123. com o maníaco não se consumou o estupro ele não se/satisfez:: ele não

124. sossegou:: o Jardim das Rosas:: na cidade vizinha de Penedo:: ele vai atacar

125. de novo:: ele vai atacar de novo:: só que:: só que:: quase a polícia o pegou

126. antes mas ele atacou ele atacou:: ele pegou uma senhora que estava com a

127. filhinha pequena ele pegou a mulher:: estuprou a mulher na frente da filha

128. pequena:: na volta:: na volta havia uma blitz os PMS do trigésimo sétimo

129. batalhão do Rio haviam cercado tudo:: paravam carro por carro

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130. principalmente Fiats brancos:: ele:: o maníaco:: não sabia (lógico) logo ele

131. cai na rede da polícia:: ele é intimado a parar:: a polícia parou o carro:: um

132. homem uma mulher e uma criança:: os PMS viram aquele homem

133. transportada uma mulher e uma criança ninguém sabia que era ele::

134. ninguém sabia um PM que parou o carro perguntou para aquela mulher

135. “tudo bem senhora” e a mulher começou “NÃO não tá tudo bem eu fui

136. estuprada este homem me estuprou:: estuprou agora:: esse homem é o

137. estuprador:: SOCO::rro:: os PMS vieram correndo os outros/armas

138. apontadas para o motorista “desce:: desce” imediatamente ele desce::

139. armas apontadas para ele:: era o fim:: era a prisão do maníaco da DUTRA::

140. dentro do carro uma pistola:: de brinquedo:: arma com a qual ele atacava::

141. embora parecesse de verdade era de mentira: era uma pistola de brinQUEDO

142. o estuprador preso ele mora aqui na capital ele mora aqui em São Paulo

143. Sérgio Verdini é o nome dele Sérgio Verdini trinta e seis anos que trabalha

144. como consultor de seguros:: aquela mulher que também caiu na conversa

145. dele sobre como chegar na via Dutra ela foi estuprada na frente de sua

146. filhinha uma criança:: ah:: foi pega perto pertinho de uma universidade no

147. bairro Manejo na cidade do Rio de Janeiro:: ele ia a Resende Itatiaia Penedo

148. Cachoeira ia pra todo lado:: Resende:: tomo mundo sabe que é uma cidade

149. vizinha a Penedo Itatiaia:: o tara::do:: da Dutra que de cara confessou havia

150. estuprado aquela mulher:: ele não negou:: não:: nem tinha como negar:: a

151. mulher tava lá falando:: o monstro:: foi levado para a delegacia de Itatiaia::

152. aonde a jornalista:: aonde Viviane que fugiu:: aonde Viviane estava:: ela

153. também o reconheceu:: ela reconheceu Sérgio trinta e seis anos o

154. estuprador:: ele confessou também:: o delegado:: o delegado doutor Vicente

155. Maximiliano:: não teve dúvidas autuou o tarado da Dutra em flagrante::

156. outras vítimas foram levadas até o distrito e reconheceram o monstro:: seis

157. vítimas já reconheceram:: foram atacadas pelo Sérgio:: seis além daquelas

158. ele diz que violentou sete mulheres desde fevereiro:: ele conta a história

159. contou a história dele:: Sérgio contou que mora em São Paulo:: é separado

160. tem um filho de cinco anos de idade:: ele conta:: a história (se é verdade não

161. sei) a história se repete:: ele conta que quando era garotinho:: quando tinha

162. sete anos apenas sete anos de idade:: ele foi vítima de violência sexual desde

163. então ele ficou traumatizado:: a polícia encontrou no carro dele aquele

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164. membro de borracha uma bíblia:: e uma cópia de artigo de magia negra::

165. feitiçaria:: a polícia da cidade de Itatiaia no Rio foi procurada pela polícia de

166. Cachoeira Paulista:: a placa:: tinham anotado a placa:: a placa do carro CFL

167. 1290 a placa de São Paulo:: a mesma:: estupros do maníaco da Dutra São

168. Paulo-Rio:: São Paulo-Rio:: a polícia:: acredita:: que Sérgio Verdini cometeu

169. vários outros casos:: segundo se levantou ele atacava só de segunda e sexta

170. feira:: (sabe por que:: sabe por que?) ele mora em São Paulo ele saia de sua

171. casa em São Paulo para trabalhar:: ele trabalha como consultor de seguros

172. em Volta Redonda no Rio de Janeiro:: então quando ele ia para Volta

173. Redonda ele parava:: atacava:: na sexta-feira quando voltava para São Paulo

174. ele atacava na ida e na volta::/este homem este homem precisa ser melhor

175. investigado:: eu agradeço:: as pessoas de Resende jornalistas que me

176. enviaram material para que eu contasse esta história e agora tem que se ver

177. quem é esse Sérgio Verdini aonde morava aqui em São Paulo:: ele tem

178. ataques aqui na capital paulista:: Sérgio Verdini:: alguém conhece:: alguém

179. conhece me informe:: ligue aqui:: me informe:: ligue aqui:: o maníaco da

180. Dutra está preso:: está na carceragem da delegacia da cidade de Valença::

181. no Rio:: a polícia de São Paulo e do Rio:: estão investigando:: as polícias

182. investigando:: agora ele precisa ser melhor identificados:: vários ataques

183. e sempre da mesma maneira:: é um maníaco:: trinta e seis anos de idade::

184. já sete vítimas confirmadas mas tem muito mais:: Sérgio Verdini:: trinta

185. e seis branco separado consultor:: morava em São Paulo e trabalhava em

186. Volta Redonda:: esta é uma história que não parou por aqui não:: tem

187. muita coisa ainda para acontecer nesta história:: tem muita coisa para

188. acontecer nesta história::

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ANEXO: As normas para transcrição foram desenvolvidas pelo Projeto NURC (USP-SP), sob a coordenação do professor Dino Preti.

Ocorrência Sinais Exemplificação * Incompreensão de palavras ou segmentos

( )

do nível de renda... ( ) nível de renda nominal...

Hipótese do que se ouviu

(hipótese)

(estou) meio preocupado (com o gravador)

Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)

/

e comé/e reinicia

Entonação enfática

maiúsculas

porque as pessoas reTÊM moeda

Prolongamento de vogal e consoante (como s,r)

:: podendo aumentar para::: ou mais

ao emprestarem os... éh::: .... o dinheiro

Silabação _

por motivo tran-sa-ção

Interrogação ?

e o Banco... Central... certo?

Qualquer pausa

...

são três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha moeda... existe uma... retenção

Comentários descritivos do transcritos

(minúscula)

... a demanda de moeda - - vamos dar essa notação - - demanda de moeda por motivo

Superposição, simultaneidade de vozes

{ligando as

linhas

A. na casa da sua irmã B. sexta-feira? A. fizeram lá B. cozinharam lá

Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início, por exemplo.

(...)

(...) nós vimos que existem

Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação

“ ”

Pedro Lima... ah escreve na ocasião... “O cinema falando em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós”...

Observações: 1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc). 2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, uhn, tá (não por está:tá? Você está brava?) 3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados. 4. Números por extenso. 5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa). 6. Não se anota o cadenciamento da frase. 7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa). 8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto final,

dois-pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa, conforme referido na introdução.