uma vez herói

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FOTO: DIVULGAÇÃO 60 + MONET + AGOSTO AGOSTO + MONET + 61 por josé gabriel navarro A saga do gladiador rebelde Spartacus ganha nova armadura em série cheia de violência, sensualidade e alguma política Uma vez herói ... O ano era 1960 e SpartacuS chegaVa ÀS SaLaS de cinema nos eUa para fazer história. não só pela qualidade técnica da obra, mas pelo contexto. Dez anos antes, uma dezena de pessoas havia entrado para a primeira “lista negra de hollywood”: gente oficialmente exilada da indústria cinematográfica americana e condenada a um ano de prisão por se recusar a confirmar se tinha alguma ligação com o Partido comunista. eram os tempos difíceis da “caça às Bruxas”. o lançamento rompeu com o boicote. apoiado pelo produtor-executivo e ator principal, Kirk Douglas, o roteirista Dalton Trumbo resolveu assinar o roteiro com seu nome verdadeiro em vez de usar um pseudônimo como outros “lista- dos” faziam (incluindo o próprio, alguns anos antes). Salto no tempo para 2010, ano em que Spartacus: Blood and Sand vai ao ar com exclusividade no globosat hD. a série trata do mesmo perso- nagem histórico do filme de Stanley Kubrick, mas as semelhanças param aí. as cenas de luta possuem a violência e a tecnologia de uma referência próxima: 300, de Zack Snyder. Para o papel-título veio andy Whitfield, 36 anos. ator há seis, o galês é formado em engenharia e trabalhava com inspeção de obras. ao seu l ado, interpretando Lucrécia, esposa do dono do centro de treinamento de gladiadores, está Lucy Lawless, eter- nizada no imaginário popular por Xena, a princesa Guerreira. Sangue, como sugere o nome do seriado, não falta. em cada luta, porções generosas do líquido jorram dos músculos feridos. aliás, mús- culos também não faltam, assim como não faltam belas curvas femini- nas. Tudo explicitado em cenas discretas de sexo e nus frontais para contar a vida do escravo nascido na Trácia (região que hoje engloba partes da Bulgária, grécia e Turquia) que liderou uma revolta de pri- sioneiros contra a autoridade romana por volta de 72 a.c. entre tantas estratégias para conquistar audiência, sobra espaço para o eco político presente no filme que inspirou a série? “ao aproximar a saga de Spartacus dos tempos modernos, o que vejo é o grande abismo entre muito ricos e muito pobres – especialmente nos eUa, onde parece que a classe média está desaparecendo. há mul- timilionários e gente que não pode nem pagar pela assistência médica. esse tipo de sistema dos ‘que têm’ e dos que ‘não têm’ é parecido com o da roma antiga, onde havia a classe privilegiada e os escravos.” a explicação vem de Steven S. DeKnight, produtor-executivo e um dos roteiristas de Spartacus: Blood and Sand, que vai além. “Vejo também um paralelo com a questão da imigração ilegal. nós, americanos, temos construções, plantações, onde o trabalho é executado por estrangeiros, a maioria em situação irregular. o governo toma medidas enérgicas contra, mas são eles que tocam este país adiante. É como na república romana: oprimiam os escravos, mas eram dependentes deles.” SEM CENSURA – a preocupação de DeKnight com temas políticos, po- rém, não vai mais longe. “gosto de me prender tanto quanto possível à história”, diz ele, esclarecendo que o programa é baseado nas pesqui- sas sobre a vida de Spartacus, e não no romance de howard Fast que inspirou o famoso filme. “Mas, no fim, o que faço é entretenimento. Mudamos alguns fatos históricos para fins dramatúrgicos. Todos o fizeram, inclusive Stanley Kubrick quando dirigiu Spartacus.” o cria- dor da série se importa ainda menos com a censura. a respeito da vigilância sobre a TV em seu país, chegou a afirmar ao site do canal Starz, que transmite Spartacus: Blood and Sand nos eUa: “censor SPARTACUS: BLOOD AND SAND , dia 7, sábado, 23h, Globosat HD, 501 groups and religious watchdogs can kiss my crea- tive ass”. em português suavizado, seria algo como “censores e defensores da moral religiosa podem ir ver se minha criatividade está lá na esquina”. ele se explica à MoneT: “alguns personagens falam muitos palavrões; outros, não. alguns são muito promíscuos sexualmente; outros, não. Para um canal pago, acho superapropriado. adul- tos precisam ter opção de diversão que não seja para crianças também. e eles têm total respon- sabilidade de manter os filhos longe daquilo que consideram inapropriado”. e olha que DeKnight já colaborou com os roteiros de séries mais pala- táveis, como Smallville, Buffy e angel. na dúvida, só há uma saída: assistir à novidade e descobrir se as emoções fortes e o tom político foram bem dosados. Mas, claro, se divertir sem- pre, enquanto os pequenos estão dormindo. n

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por josé gabriel navarro

A saga do gladiador rebelde Spartacus ganha nova armadura em série cheia de

violência, sensualidade e alguma política

Uma vez herói...

O ano era 1960 e SpartacuS chegaVa ÀS SaLaS de cinema nos eUa para fazer história. não só pela qualidade técnica da obra, mas pelo contexto. Dez anos antes, uma dezena de pessoas havia entrado para a primeira “lista negra de hollywood”: gente oficialmente exilada da indústria cinematográfica americana e condenada a um ano de prisão por se

recusar a confirmar se tinha alguma ligação com o Partido comunista. eram os tempos difíceis da “caça às Bruxas”. o lançamento rompeu com o boicote. apoiado pelo produtor-executivo e ator principal, Kirk Douglas, o roteirista Dalton Trumbo resolveu assinar o roteiro com seu nome verdadeiro em vez de usar um pseudônimo como outros “lista-dos” faziam (incluindo o próprio, alguns anos antes).

Salto no tempo para 2010, ano em que Spartacus: Blood and Sand vai ao ar com exclusividade no globosat hD. a série trata do mesmo perso-nagem histórico do filme de Stanley Kubrick, mas as semelhanças param aí. as cenas de luta possuem a violência e a tecnologia de uma referência próxima: 300, de Zack Snyder. Para o papel-título veio andy Whitfield, 36 anos. ator há seis, o galês é formado em engenharia e trabalhava com inspeção de obras. ao seu lado, interpretando Lucrécia, esposa do dono do centro de treinamento de gladiadores, está Lucy Lawless, eter-nizada no imaginário popular por Xena, a princesa Guerreira.

Sangue, como sugere o nome do seriado, não falta. em cada luta, porções generosas do líquido jorram dos músculos feridos. aliás, mús-culos também não faltam, assim como não faltam belas curvas femini-nas. Tudo explicitado em cenas discretas de sexo e nus frontais para contar a vida do escravo nascido na Trácia (região que hoje engloba partes da Bulgária, grécia e Turquia) que liderou uma revolta de pri-sioneiros contra a autoridade romana por volta de 72 a.c. entre tantas estratégias para conquistar audiência, sobra espaço para o eco político presente no filme que inspirou a série?

“ao aproximar a saga de Spartacus dos tempos modernos, o que vejo é o grande abismo entre muito ricos e muito pobres – especialmente nos eUa, onde parece que a classe média está desaparecendo. há mul-

timilionários e gente que não pode nem pagar pela assistência médica. esse tipo de sistema dos ‘que têm’ e dos que ‘não têm’ é parecido com o da roma antiga, onde havia a classe privilegiada e os escravos.” a explicação vem de Steven S. DeKnight, produtor-executivo e um dos roteiristas de Spartacus: Blood and Sand, que vai além. “Vejo também um paralelo com a questão da imigração ilegal. nós, americanos, temos construções, plantações, onde o trabalho é executado por estrangeiros, a maioria em situação irregular. o governo toma medidas enérgicas contra, mas são eles que tocam este país adiante. É como na república romana: oprimiam os escravos, mas eram dependentes deles.”

SEM CENSURA – a preocupação de DeKnight com temas políticos, po-rém, não vai mais longe. “gosto de me prender tanto quanto possível à história”, diz ele, esclarecendo que o programa é baseado nas pesqui-sas sobre a vida de Spartacus, e não no romance de howard Fast que inspirou o famoso filme. “Mas, no fim, o que faço é entretenimento. Mudamos alguns fatos históricos para fins dramatúrgicos. Todos o fizeram, inclusive Stanley Kubrick quando dirigiu Spartacus.” o cria-dor da série se importa ainda menos com a censura. a respeito da vigilância sobre a TV em seu país, chegou a afirmar ao site do canal Starz, que transmite Spartacus: Blood and Sand nos eUa: “censor

SPARTACUS: BLOOD AND SAND , dia 7, sábado, 23h, Globosat HD, 501

groups and religious watchdogs can kiss my crea- tive ass”. em português suavizado, seria al go como “censores e defensores da moral religiosa podem ir ver se minha criatividade está lá na esquina”.

ele se explica à MoneT: “alguns personagens falam muitos palavrões; outros, não. alguns são muito promíscuos sexualmente; outros, não. Para um canal pago, acho superapropriado. adul-tos precisam ter opção de diversão que não seja para crianças também. e eles têm total respon-sabilidade de manter os filhos longe daquilo que consideram inapropriado”. e olha que DeKnight já colaborou com os roteiros de séries mais pala-táveis, como Smallville, Buffy e angel.

na dúvida, só há uma saída: assistir à novidade e descobrir se as emoções fortes e o tom político foram bem dosados. Mas, claro, se divertir sem-pre, enquanto os pequenos estão dormindo. n