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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Luís de Carvalho Cascaldi A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO DANO POR TEMPO PERDIDO Doutorado em Direito Civil São Paulo 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Luís de Carvalho Cascaldi

A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO DANO POR TEMPO PERDIDO

Doutorado em Direito Civil

São Paulo

2018

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Luís de Carvalho Cascaldi

A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO DANO POR TEMPO PERDIDO

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de DOUTOR em Direito Civil, sob a

orientação do Prof. Doutor Rogério Donnini

São Paulo

2018

3

AUTOR: Luís de Carvalho Cascaldi

TÍTULO: A reparação autônoma do dano por tempo perdido

Tese para obtenção do título de Doutor em Direito Civil

OBJETIVO: O objetivo deste trabalho é demonstrar que o tempo constitui um bem

jurídico autônomo, digno de proteção e tutela pelo ordenamento jurídico nacional, bem

como estabelecer critérios e diretrizes para assegurar a justa reparação do dano por

tempo perdido, em harmonia com as regras e princípios que regem a responsabilidade

civil.

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Direito Civil

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ORIENTADOR: Prof. Dr. Rogério Donnini

São Paulo

2018

4

AUTOR: Luís de Carvalho Cascaldi

TÍTULO: A reparação autônoma do dano por tempo perdido

Tese para obtenção do título de Doutor em Direito Civil

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Direito Civil

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ORIENTADOR: Prof. Dr. Rogério Donnini

__________________________________________

(Local/Data)

Banca examinadora:

___________________ ___________________ ___________________

(Assinatura) (Assinatura) (Assinatura)

___________________ ___________________

(Assinatura) (Assinatura)

5

A Deus, por todo e cada tempo que me concede para

desfrutar a vida com saúde e liberdade, ao lado de

pessoas absolutamente incríveis que preenchem a

minha vida com amor e alegria.

6

AGRADECIMENTOS:

Ao meu professor, orientador e amigo, Rogério Donnini, por todo aprendizado,

paciência, apoio e dedicação ao meu desenvolvimento e à minha formação

acadêmica.

Aos professores Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Nelson Nery Junior, por

me introduzirem na vida acadêmica e pela inspiração que representam a mim e a

tantos outros.

Aos meus pais, Marina e Rui Cascaldi, por me ajudarem com ideias, dúvidas e

com a revisão deste trabalho e, obviamente, por tudo o que incondicionalmente

fizeram e ainda fazem por mim.

Aos meus irmãos, Amadeu, Gigio e Marcela, que, mesmo longe, e às vezes em

silêncio, estão sempre ao meu lado.

Ao meu sogro, professor Osmar Avanzi, pelos constantes apoio, incentivo e

preocupação para com este projeto.

Por fim, à minha esposa, Thaís, pela paciência, carinho e, acima de tudo, por me

inspirar todos os dias a tentar ser uma pessoa melhor.

7

AUTOR: Luís de Carvalho Cascaldi

TÍTULO: A reparação autônoma do dano por tempo perdido

RESUMO: Ao longo do presente trabalho procuramos chamar a atenção para a

importância do tempo no nosso atual estágio socioeconômico, demonstrando que a

sua violação representa uma ofensa aos direitos da personalidade, em especial, à

vida e à liberdade. Através de uma análise do papel da responsabilidade civil em

nossa sociedade, enquanto ferramenta de proteção e prevenção de lesões,

pretendemos demonstrar a necessidade de reparação dos danos por tempo perdido,

bem como estabelecer os requisitos, critérios e metodologia para sua apuração e justa

indenização. Analisaremos também a forma com que a jurisprudência nacional tem

tratado o tema e ofereceremos críticas no intuito de melhorar e conferir maior

eficiência ao nosso sistema jurídico. Para sustentar a tese proposta neste estudo,

procuraremos, ainda, individualizar o dano por tempo perdido, segmentando-o em

uma categoria própria, como uma espécie autônoma de dano extrapatrimonial,

distinguindo-o do dano moral puro e dos demais danos imateriais. Ao final,

procuraremos nos antecipar e responder possíveis críticas que poderão ser

apresentadas à tese proposta, trazendo as conclusões a que chegamos.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil. Tempo. Tempo perdido. Dano por

tempo perdido. Dano temporal. Direitos da personalidade. Vida. Liberdade.

Reparação. Indenização. Prova. Funções da responsabilidade civil. Danos

extrapatrimoniais. Dano moral agravado pelo decurso do tempo. Critérios de

reparação do dano por tempo perdido.

8

AUTHOR: Luís de Carvalho Cascaldi

TITLE: The independent indemnification of lost time damage

ABSTRACT: Throughout the present study, we sought to call attention to the

importance of time in our current socioeconomic stage, demonstrating that its violation

represents an offense to individual rights, especially the right to life and freedom.

Through an analysis of the role of civil liability in our society, as a tool for protection

against and prevention of injuries, we intend to demonstrate the need to restore

damages for lost time, as well as establishing the requirements, criteria and

methodology for its determination and fair compensation. We will also analyze how

national jurisprudence has addressed the issue and offer criticisms in order to improve

and make our legal system more efficient. In order to support the thesis proposed in

this study, we will also seek to single out damage for lost time, separating it into a

category of its own, as an autonomous form of non-economic damages, distinguishing

it from pure moral damages and other immaterial damages. At the end, we will try to

anticipate and answer possible criticisms that may be presented to the proposed

thesis, leading to the conclusions we have reached.

KEYWORDS: Civil liability. Time. Lost time. Lost time damage. Temporal damage.

Individual rights. Life. Freedom. Restoration. Indemnification. Proof. Civil liability roles.

Non-economic damages. Moral damages worsen by the course of time. Criterions for

restoration of lost time damage.

9

AUTORE: Luís de Carvalho Cascaldi

TITOLO: La riparazione autonoma del danno del tempo perduto

RIASSUNTO: Nel corso del presente lavoro, cerchiamo di richiamare l'attenzione

sull'importanza del tempo nella nostra attuale fase socioeconomica, dimostrando che

la sua violazione rappresenta un'offesa ai diritti della personalità, in particolare alla vita

e alla libertà. Attraverso un'analisi del ruolo della responsabilità civile nella nostra

società come strumento per la protezione e la prevenzione degli infortuni, intendiamo

dimostrare la necessità di riparare i danni per il tempo perduto, nonché stabilire i

requisiti, i criteri e la metodologia per la loro determinazione ed equo compenso.

Analizzeremo inoltre la maniera come la giurisprudenza nazionale affronta la

questione e offriremo critiche al fine di migliorare e rendere più efficiente il nostro

sistema legale. Per sostenere la tesi proposta in questo studio, cercheremo anche di

identificare il danno per il tempo perduto, separandolo in una categoria a sé stante,

come una specie autonoma di danno fuori bilancio, distinguendolo dal puro danno

morale e da altri danni immateriali. Alla fine, cercheremo di anticipare e rispondere alle

possibili critiche che possono essere presentate alla tesi proposta, portando le

conclusioni che abbiamo raggiunto.

PAROLE CHIAVE: Responsabilità civile. Tempo. Tempo perduto. Danno per il tempo

perduto. Danno temporaneo. Diritti della personalità. Vita. Libertà. Riparazione.

Compensazione. Prova. Responsabilità. Funzioni della responsabilità civile. Danno

morale aggravato dal tempo. Criteri per la riparazione dei danni dovuti a perdite di

tempo.

10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 12

2 O CONTEXTO ESPAÇOTEMPORAL DO PRESENTE TRABALHO ........... 14

3 O PAPEL DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTEXTO

SOCIOECONÔMICO ATUAL .......................................................................... 23

4 O HOMEM E O TEMPO: O TEMPO QUE NOS INTERESSA ...................... 35

5 O TEMPO COMO ATRIBUTO DA PERSONALIDADE ................................ 42

6 O DANO POR TEMPO PERDIDO ................................................................ 51

7 A REPARAÇÃO DO TEMPO: O BEM JURÍDICO, O DANO E SUA

EXTENSÃO ...................................................................................................... 64

8 A REPARAÇÃO DO TEMPO PERDIDO NA EXPERIÊNCIA NACIONAL ... 72

9 A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO TEMPO PERDIDO (EM RELAÇÃO AO

DANO MORAL) ............................................................................................... 83

10 DISTINÇÃO ENTRE DANO POR TEMPO PERDIDO E DANO MORAL

AGRAVADO PELO DECURSO DO TEMPO ................................................... 93

11 OS CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO DANO POR

TEMPO PERDIDO ........................................................................................... 97

12 RESPOSTAS A POSSÍVEIS OBJEÇÕES À TESE PROPOSTA ............. 116

12.1 Ausência de previsão legal expressa

12.2 Dificuldade em atribuir um valor ao tempo enquanto medida

quantitativa da vida

12.3 Enriquecimento sem causa da vítima

11

12.4 A mercantilização da justiça e o incentivo à “indústria das

indenizações”

12.5 Bis in idem – quando a lesão por tempo perdido já é contemplada no

dano moral subjetivo

12.6 Perda de tempo como mero incômodo ou dissabor

13 CONCLUSÃO ........................................................................................... 134

14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 138

12

1 INTRODUÇÃO

Ousamos dizer que o tempo é o bem mais precioso de que dispomos. É a

verdadeira moeda de troca de absolutamente toda e qualquer atividade que

desempenhamos. Apesar disso, é muito comum relegarmos a sua importância,

direcionando todas as nossas atenções para a enxurrada de afazeres cotidianos que,

incessantemente, surgem diante de nós. Porém, não são raras as vezes em que

somos implacavelmente surpreendidos com o rigor da sua escassez e da sua finitude.

O tempo pode ter diversos contextos e significados, mas, sem dúvida,

representa, para nós, seres humanos, a medida quantitativa das nossas vidas, o

período da nossa existência. Quem perde tempo, portanto, desperdiça momentos de

vida.

Bem é verdade que a cada um de nós é dado utilizar o tempo de nossas vidas

conforme nossos próprios interesses e escolhas. Bem ou mal, cabe a cada um decidir

como desfrutá-lo. No entanto, a ninguém é dado o direito de interferir, injusta ou

ilicitamente, na forma com que o outro escolhe utilizar ou gastar o seu tempo ou, em

outras palavras, na forma com que cada indivíduo escolhe viver a sua vida. Quem

perde tempo, perde, na realidade, a liberdade de gerir a própria vida durante

determinado período, perde a autonomia de fazer livremente as escolhas que estão à

sua frente. Desse modo, quem perde tempo por indevida ação de terceiro, perde,

acima de tudo, a liberdade de viver a vida conforme suas próprias e livres escolhas,

perde um tempo de vida que não volta mais, sofre um prejuízo certamente irreparável.

Portanto, ao longo deste estudo, vamos cuidar das pessoas que, tendo a

garantia dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal, em seu

art. 5º, bem como dos direitos da personalidade tutelados pelo Código Civil, não

conseguem desfrutar desses direitos e exercer a autonomia sobre a sua vida, no

tempo e espaço devidos, em face de ação de terceiros contrária ao ordenamento

jurídico. E, destes direitos, vamos destacar aqueles de cujas fruições estão

intimamente ligadas ao decurso do tempo: vida e liberdade.

O plano da obra se assenta no direito de reparação do dano por tempo perdido,

isto é, pelo tempo que à pessoa era garantido usufruir de forma livre e autônoma, mas

que lhe foi injustamente retirado ou obstado por ação de outrem.

13

Procuraremos demonstrar, a partir dos estudos iniciados por Rogério Donnini,

na obra Responsabilidade civil na pós-modernidade, a importância do tempo para o

ser humano e, a partir daí, propor critérios e metodologias para garantir a sua efetiva

proteção e a sua reparação à luz do nosso ordenamento jurídico.

Ao longo do presente trabalho, defenderemos que o dano por tempo perdido

constitui uma categoria autônoma de dano extrapatrimonial, distinta e independente

do dano moral propriamente dito. Abordaremos, também, as características e os

requisitos para a configuração dessa espécie de dano, sobretudo, o papel

fundamental que a liberdade e a autodeterminação exercem na conformação do dano

por tempo perdido.

Procuraremos nos debruçar, ainda, sobre as análises casuística e jurisprudencial

do tempo perdido, trazendo críticas, sugestões e orientações de como tratar o tema

de forma atual e prática.

Estamos habituados a tutelar os bens materiais e já muito bem acostumados a

tutelar interesses extrapatrimoniais, como a vida, a liberdade, a imagem, a honra, a

saúde, dentre outros atributos da personalidade, mas ignoramos por completo a

proteção do tempo como um elemento autônomo e independente, merecedor de tutela

específica, que nada mais é do que uma fração da vida e uma expressão da nossa

liberdade.

14

2 O CONTEXTO ESPAÇOTEMPORAL DO PRESENTE TRABALHO

O “tempo” está presente em nossas vidas, desde o nosso nascimento, até a hora

de nossa morte, assim como o “espaço”, conceitos esses que vamos desenvolvendo

ou aprendendo a conhecer, desde o instante em que viemos ao mundo.

No sentido mais comum, o primeiro é a duração relativa das coisas, que cria no

ser humano a ideia de presente, passado e futuro, período contínuo no qual os

eventos se sucedem. Já o segundo, é a extensão ideal que contém todas as

extensões finitas e todos os corpos ou objetos existentes ou possíveis.1

A noção de tempo e de espaço pode ser encontrada já nas primeiras horas de

nossas vidas, quando procuramos o seio materno para nos alimentar e nos

reconfortar. Já aí, percebemos, ainda que por instinto, que, de tempos em tempos,

precisamos nos alimentar e, desde então, já sabemos onde está a fonte para saciar

as nossas necessidades iniciais.2

Apesar disso, quando recém-nascidos, ainda não compreendemos a noção de

tempo e espaço, muito embora eles já estejam presentes. O dia e a noite nos passam

indiferentes e, aos poucos, vamos adquirindo os primeiros hábitos que nos permitem,

senão entender, efetivamente, utilizar o tempo a nosso favor, como, por exemplo,

dormir à noite.

Ainda pequenos, nossos objetos (nossos brinquedos) que saem de nosso campo

de visão escapam ao nosso mundo, e acabamos por nos desinteressar de localizá-

los; mas, aos poucos, vamos entendendo que eles estavam no mundo, sim, porém,

1 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, verbetes

tempo e espaço. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 2 De acordo com Gerald James Whitrow, “não há evidências de que nascemos com qualquer sentido de consciência temporal, mas nosso sentido de expectativa se desenvolve se desenvolve antes de nossa consciência da memória. Quando um bebezinho chora de fome, tem sua primeira experiência de duração, mas essas experiências temporais são isoladas. Já se sugeriu que o tempo relativamente longo que o bebê leva para começar a andar tem grande influência sobre o nosso sentido de tempo, uma vez que a ânsia para agarrar o que não é capaz de alcançar dá origem à primeira noção primitiva de tempo, associada a um espaço que não pode ser transposto.” (O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 17).

15

dentro de um armário, numa caixa, atrás do sofá, ou seja, num espaço que, até então,

ignorávamos existir.

E disso tudo nós só nos apercebemos com o passar das primeiras experiências

sensoriais, quando começamos a interagir com nossos primeiros objetos, jogando-os

longe para logo o recuperamos, pela ação paciente de nossos pais, voltando a jogá-

los novamente, até que, finalmente, aprendemos a andar para alcançar, por conta

própria, aquilo que é objeto de nosso desejo.3 Essa experiência vai moldando a nossa

noção de espaço e de tempo: quanto mais longe são arremessados os objetios, maior

a distância e o tempo para recuperá-los.

Estamos, desde então, segundo Jean Piaget,4 construindo a nossa concepção

de espaço (distância) e de tempo, posteriormente, utilizada na vida adulta, seja para

atravessarmos de um lado ao outro de uma rua, seja para descansar, seja para

calcularmos a produtividade de um determinado equipamento etc.

O corpo humano constitui o ponto de partida de toda noção de espaço e tempo.

Aliás, há importantes estudos que evidenciam que a percepção de sucessão temporal

(entre passado, presente e futuro) é uma das faculdades mentais mais importantes

para distinguir o homem das outras criaturas vivas.5 Entretanto, é preciso que todo

recém-nascido construa esses conceitos ao longo da sua vida para que possa situar

a si mesmo dentro do quadro da realidade e, a partir daí, conduzir suas ações de

forma a melhor se adaptar às particularidades do meio em que está inserido,6 o que

bastaria para entrever a importância do tempo na vida das pessoas e a necessidade

de sua tutela de forma mais efetiva do que, atualmente, ocorre.

Não temos a pretensão de nos aprofundar nos aspectos filosófico e físico da

noção de espaço e tempo, mas, sim, de utilizarmos esses conceitos, na medida em

que eles nos sejam úteis à solução do tema a que nos propusemos dissertar, valendo,

3 A primeira intuição da duração do tempo se manifesta como um intervalo que se situa entre a criança e a realização de seus desejos. (WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 18). 4 PIAGET, Jean. A noção de tempo na criança. Rio de Janeiro: Record, 2002. 5 WHITROW, Gerald James. O que é tempo? Uma visão clássica sobre a natureza do tempo. Trad. Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 17. 6 SILVA, João Alberto da; e FREZZA, Júnior Saccon. A construção das noções de espaço e tempo nas crianças da educação infantil. Revista Conjectura, v. 15, n. 1, p. 46, jan.-abr. 2010.

16

desde logo, anotar que esses são os elementos intuitivos fundamentais de nossa

razão (Vernunft), apontados por Immanuel Kant7 como elementos pelos quais nos

apercebemos dos fatos (realidade) que nos cercam.

Roger Verneaux,8 ao estudar o pensamento kantiano, explica que o espaço e o

tempo são formas puras da experiência sensível, ou seja, são os elementos através

dos quais a percepção humana entende e formula os seus conhecimentos sobre o

mundo fenomênico, de tal modo que toda forma de representação e de percepção do

mundo é constituída em um determinado espaço e tempo.

Falar que vivemos, atualmente, em um período de constantes e intensas

transformações, de longe, não é nenhuma novidade. E isso, de fato, ocorre tanto do

ponto de vista sociocultural, como, também, nas mais diversas áreas do conhecimento

humano (economia, política, ciência, tecnologia, medicina, engenharia etc.). Mas, ao

dizermos “atualmente”, já estamos transmitindo uma noção de tempo (presente), e

quando nos referimos a “transformações que, de longe, não são novidade”, estamos

a dizer que, em tempos passados, já desenvolvemos ações que resultaram em

verdades pretéritas, sugerindo, implicitamente, que ainda existirão novas verdades

(futuras), que também encontrarão o seu lugar no tempo e no espaço.

Tudo ocorre em certo tempo e ocupa certo espaço, desde os primórdios da

civilização. Uma boa distinção entre espaço e tempo nos dá o filósofo francês, Michel

de Montaigne. Se hoje perdemos um parente ou um amigo, podemos dizer que mais

de mil anos os separam, por exemplo, dos soldados romanos que caíram mortos em

campos de batalha do século II. Mas, se assim ocorre no aspecto temporal, tal não se

dá quando encaramos os fatos pelo lado do espaço que os separa de nós: a distância

que nos separa de quem morreu há mais de mil anos, de quem morreu hoje, é

exatamente a mesma, pois em qualquer dos casos os pessoas estão, igualmente,

inatingíveis.9

As inflexões do tempo sobre nossas vidas sempre foram marcantes, e não

apenas porque ele nos conduz à morte, mas, principalmente, porque o tempo é o

7 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 147. 8 VERNEAUX, Roger. Immanuel Kant: las tres criticas. Madrid: Editorial Magisterio Español, 1982. p. 27. 9 GIDE, André. O pensamento vivo de Montaigne. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Livraria Martins. 1953. p. 139.

17

espaço em que a vida se desenvolve, assumindo, portanto, um papel preponderante

na aleatoriedade dos acontecimentos e fatos sociais, isto é, na condução e na

construção da nossa história.

Do ponto de vista físico ou cosmológico, espaço e tempo estão íntima e

indissociavelmente interligados.10 A teoria da relatividade, proposta por Albert

Einstein, mostrou que o tempo e o espaço caminham juntos, combinando-se para

formar o que se denomina de espaço-tempo, isto é, um espaço contínuo de quatro

dimensões, que segmenta um evento específico em quatro coordenadas (dimensões),

sendo três delas espaciais (largura, comprimento e altura ou linha, superfície e

volume) e a quarta, temporal, utilizada para determinar a exata posição de um

fenômeno.11

É somente no espaço e no tempo (ou espaço-tempo) que a vida de cada ser

humano acontece. Às vezes, o espaço-tempo é o palco de grandes feitos históricos,

às vezes, de tristes tragédias. Em outras situações, o espaço-tempo corre

discretamente, simplesmente porque nada relevante sucede. Contudo, todos esses

momentos são igualmente importantes. Não para fins de registro histórico, mas,

certamente, para o desenvolvimento saudável da vida de quem se encontra inserido

naquele espaço-tempo.

Em diversas situações, “damos tempo ao tempo”, seja para que uma dor que

nos atormenta esmoreça e não mais nos incomode, seja para que possamos conhecer

uma pessoa que se nos apresenta como amigo, para colher algo que plantamos ou

para nos restabelecer de alguma doença que nos aflige.12 Em outras hipóteses,

grandes acontecimentos (de maior ou menor expressão) se revelam em certo espaço

10 HAWKINGS, Stephen. O universo numa casca de noz. 6. ed. São Paulo: Arx, 2002. p. 33. 11 HAWKINGS, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. p. 35-40. 12 Trata-se, aqui, da visão eclesiástica do tempo. Eclesiastes é o terceiro livro da terceira seção da Bíblia hebraica e um dos livros poéticos e sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia cristã. Eclesiastes 3:1-8: “Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz.”

18

e em certo tempo, resultado da ação de pessoas que, permita-nos usar o jargão

popular, souberam “fazer a hora”.

A vida se desenrola no espaço e no tempo num processo constante, ininterrupto

e irreversível de transformações. Não importa o que fazemos no tempo, nós e tudo o

que está ao nosso redor se transforma, instante após instante. Essa percepção de

mutabilidade constante e implacável do tempo e da vida é bem descrita no

pensamento pré-socrático de Heráclito de Éfeso,13 sintetizado na expressão: “não se

pode descer duas vezes no mesmo rio”, pois as águas já são outras e nós já não

seremos os mesmos.

Realmente, se analisarmos a história da humanidade, perceberemos que essas

mudanças sempre foram constantes. O homem sempre esteve e sempre vai estar em

contínua transformação. Envelhecemos a cada instante, nosso corpo e nossa mente

se modificam. Estamos em constante movimento. Enxergamos, ouvimos e sentimos.

Nossos órgãos sensoriais trabalham ininterruptamente, absorvendo todas as

informações que estão ao seu alcance. Absorvemos as informações quase que

inconscientemente e as transformamos em experiências, e essas experiências

também nos transformam a todo tempo. A vida, por si só, é uma experiência de

contínuas interações e transformações. Certamente, ninguém sai dela do mesmo jeito

que entrou.

Além disso, é da natureza do ser humano, cada qual na sua exclusiva

singularidade, ser insatisfeito. Sempre querermos mais alguma coisa. Queremos

evoluir, mudar, aprender, inovar, crescer, comprar, sentir. Sempre há algo que

buscamos. Somos ávidos caçadores dessas transformações. E essa é uma

característica que pode ou não ser consciente e varia de intensidade conforme cada

pessoa, mas a sua essência é inata à condição humana.14 É como a nossa respiração,

exercemos certo controle, mas não conseguimos voluntariamente evitar. Em maior ou

menor grau, é exatamente isso que move cada indivíduo e, via de consequência, é o

13 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 1. p. 35-36. 14 Até mesmo aquelas pessoas que vivem em isolamento total (por exemplo, monges e eremitas) estão buscando mais alguma coisa. Buscam mais silêncio, mais espiritualidade, mais paz interior.

19

que move e transforma a nossa sociedade. Foi dessa forma que chegamos onde

estamos hoje e, dessa forma, que chegaremos, aonde quer que seja, amanhã.

De fato, não importa qual é a situação financeira, o status social, a religião, a

idade, a saúde, a atividade exercida ou o nível de desenvolvimento intelectual, o ser

humano é, permanentemente, consumido por algum querer insaciável. E, na busca

por saúde, riqueza, conforto, paz, sossego, sucesso, segurança, produtividade,

competitividade, o homem evolui e transpõe os obstáculos que surgem à sua frente.

Idealizamos uma situação e buscamos os meios para alcançá-la, e o que

fazemos para transformar o nosso desejo e nossas necessidades em realidade muda

o mundo. Para nos alimentarmos, nos aquecermos e nos protegermos, tivemos que

dominar o fogo. Precisávamos transportar mais peso do que homens e animais

podiam carregar e criamos a roda. Para marcar o tempo, inventamos o relógio; para

nos comunicar entre longas distâncias, o telefone, a televisão e a internet. E assim

por diante.

Ironicamente, uma vez alcançada a situação considerada ideal, esta passa a nos

ser comum. A partir daí, uma nova condição passa a ser objeto de nosso desejo e

uma nova busca se inicia, até que esse novo objetivo seja concluído e, então, uma

nova meta aparece. E assim sucessivamente, num círculo virtuoso sem fim, mas tudo

a seu devido tempo, no seu devido espaço.

Curiosamente, todos esses movimentos e transformações só ocorrem porque

percebemos a finitude e a escassez de nossas vidas, do nosso tempo. Se vivêssemos

eternamente, o tempo não teria o mesmo significado que hoje tem para os homens.

Sua importância seria desprezível e o progresso ficaria, muito provavelmente, para o

dia seguinte e, assim, certamente, nunca chegaria.

Ocorre, no entanto, que a velocidade com que a humanidade vem se

transformando e se atualizando é cada vez maior. Vivemos, atualmente, a era da

instantaneidade e da volatilidade, onde o espaço é cada vez mais encurtado ou

comprimido pelo tempo e os processos cada vez mais descorporificados, no que

Zygmunt Bauman15 denominou software ou “modernidade leve”, caracterizada pela

15 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 144-154.

20

ausência de barreiras territoriais e um espaço virtual onde tudo ocorre de forma

imediata.

No passado mais distante, as transformações eram lentas e graduais, fazendo

com que várias gerações vivessem mais ou menos sob as mesmas condições e

hábitos das gerações anteriores.

Todavia, sobretudo nos últimos duzentos anos, após a revolução industrial, e

ainda mais intensamente nos últimos trinta anos, essas transformações se tornaram

tão rápidas e acentuadas que uma mesma geração tem suas condições e hábitos

significativamente alterados pelo menos uma dezena de vezes ao longo da vida.

Charles Darwin nunca foi tão atual com a sua teoria da seleção natural,16 que assegura

a sobrevivência não ao mais forte nem ao mais inteligente, mas, sim, ao mais

suscetível às mudanças, àquele que tem a melhor capacidade de se adaptar às novas

situações.

Nos últimos trinta anos, inovações cada vez mais rápidas proliferaram por toda

parte do mundo, transformando a vida das pessoas, seus hábitos, seus costumes,

seus trabalhos, suas crenças. Claramente essas transformações e evoluções se

intensificaram exponencialmente à medida que fomos nos desenvolvendo.

E, muito embora todo esse volume de transformações e evoluções esteja

prolongando cada vez mais a vida humana, garantindo-nos cada vez mais tempo para

permanecer neste mundo, não há dúvida de que, cada vez mais, temos menos tempo

à nossa disposição. E é nesse contexto que o “tempo” passa a ter cada vez mais

relevância em nossas vidas.

“Tempus fugit”, diziam os romanos.17 E, hoje, com muito maior razão,

constatamos essa realidade. A velocidade e intensidade cada vez maior dos

acontecimentos, assim como do volume dessas transformações e informações, é

outro fator que se atrela ao tempo, deixando-o cada vez mais escasso.

16 DARWIN, Charles. A origem das espécies. São Paulo: Madras, 2017. 17 A expressão foi usada pela primeira vez no Livro III, das Geórgicas, do poeta romano Públio Virgílio Maro: “Sed fugit interea fugit irreparabile tempus”.

21

A simples análise da duração dos períodos históricos em que a humanidade

evoluiu e está dividida evidencia muito bem o que se quer dizer.

Os períodos históricos diminuem e se concentram com o passar do tempo. A

Pré-História durou, aproximadamente, 2,5 milhões de anos, já a Idade Antiga ou

Antiguidade durou, aproximadamente, 4.500 anos. A Idade Média, por sua vez,

aproximadamente 1.000 anos, enquanto a Idade Moderna durou 336 anos.

Atualmente, estamos na Idade Contemporânea, que contabiliza 228 anos, mas muitos

historiadores defendem que o fim dessa época ocorreu em 1945 e que, atualmente,

já estamos na Era Pós-Moderna ou Pós-Industrial.

Obviamente que a história é dividia em marcos apenas para fins didáticos e que

a evolução é constante e gradual, mas cada um desses períodos é marcado por

mudanças sociais, políticas e tecnológicas, representativas de transformações

relevantes e que acontecem de forma cada vez mais rápida, intensa e condensada.

Apenas para se ter uma dimensão do que estamos a dizer, segundo pesquisas

da empresa IBM,18 90% das informações geradas pela humanidade (ao longo de toda

nossa história) foram produzidas apenas nos últimos dois anos.

Raymond Kurzweil, respeitado cientista norte-americano e considerado por

muitos o maior futurista da atualidade, explica, com apoio na Lei de Moore,19 que a

cada 12 a 18 meses, a tecnologia disponível dobra de capacidade, de tal modo que,

em 10 anos, a tecnologia existente será mais de mil vezes mais avançada do que é

hoje e, em 20 anos, será mais de um milhão de vezes mais desenvolvida.20

Não há dúvida sobre os benefícios que essas transformações trazem para

nossas vidas. Contudo, toda essa evolução demanda constante atualização, para o

que precisamos nos adaptar às novas necessidades, aos novos costumes e

tecnologias. Há cada vez mais coisas para se fazer e cada vez mais tecnologia para

18 Disponível em: <https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/08/21/em-um-mundo-conectado-dados-armazenados-tornam-se-protagonistas/>. Acesso em: 16/08/2018. 19 De acordo com Gordon Earl Moore, cofundador da empresa norte-americana INTEL, os computadores em geral dobram de potência a cada 18 meses. Essa afirmação foi feita em 1965 e se confirmou até os dias atuais, recebendo o nome de Lei de Moore. Não se sabe ao certo por quanto tempo ela vai se sustentar, mas ainda é válida até hoje. 20 Disponível em: <http://theemergingfuture.com/docs/Speed-Technological-Advancement.pdf>; e <https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2014/07/evolucao-tecnologica-como-sera-nossa-vida-daqui-20-anos.html>. Acesso em: 16/08/2018.

22

fazer as coisas com maior velocidade e, portanto, em menor tempo, para podermos

fazer ainda mais coisas no tempo que nos “sobra”. E, ainda assim, o tempo está cada

vez mais escasso.

Somos guiados pelo nosso próprio instinto a fazer cada vez mais coisas em

menos tempo, para que assim tenhamos mais tempo para fazer ainda mais outras

coisas. Chega a ser paradoxal, mas é essa a realidade.

Transformamos o mundo, os alimentos, os remédios, absolutamente tudo o que

nos cerca, para vivermos mais, ou seja, para termos mais tempo aqui nesta vida

terrena. Investimos uma infinidade de recursos em pesquisas e estudos para vivermos

mais e com mais qualidade. Apesar disso, não cuidamos e não damos atenção ao

tempo do “agora”, que, na verdade, é o único tempo que concretamente possuímos.

E a que vêm todas essas considerações? Para mostrar, tão somente, a

importância do tempo em nossa sociedade, para mostrar que os fatos e eventos

ocupam o seu espaço e o seu tempo na história, assim como em cada uma de nossas

vidas, com maior ou menor importância histórica e, também, para mostrar que o tempo

pertence e tem a sua relevância a cada um de nós e que a ninguém é permitido violá-

lo.

Convém, portanto, revelar que o objetivo desta tese não são os acontecimentos

cronológicos da vida de uma pessoa, mas o espaço e o tempo em que ela teve

oportunidade de dispor da sua vida e da sua liberdade e não conseguiu, por

circunstâncias alheias a sua vontade, decorrente de uma ação ou omissão ilícita de

um terceiro qualquer.

23

3 O PAPEL DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO

ATUAL

De acordo com o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagano, o termo

“responsabilidade” significa prever as consequências do próprio comportamento ou

do comportamento de outras pessoas e de corrigi-lo com base em tal previsão.21 O

conceito carrega a ideia de que a pessoa (responsável) inclui nos motivos de

determinado comportamento a previsão dos possíveis efeitos dele decorrentes.

Traduz, portanto, a ideia de garantia e de promessa, que resulta na obrigação de

responder pelos seus próprios atos, por atos alheios ou coisa confiada.

A origem da palavra responsabilidade vem do latim responsus, respondere, e

remonta ao direito romano pré-clássico com a Lex Aquilia. É composta pela conjunção

dos termos re, que significa para trás, de volta, mais spondere, que significa prometer,

garantir.22 Ou seja, significa garantir ou restituir o estado anterior das coisas quando

alterado ou ainda reestabelecer uma relação ou equilíbrio rompido.23

É importante ter presente que a ideia de responsabilidade está, intimamente,

ligada a uma escolha e, portanto, ao conceito de “liberdade limitada”,24 segundo o

qual, diante das inúmeras possibilidades de ações que podemos livremente tomar em

cada situação de nossas vidas, devemos sempre responder pelas consequências das

escolhas que fazemos.

Cada ação humana produz algum tipo de consequência ou resultado. E, ao

agirmos de determinada forma, ao nosso livre-arbítrio, assumimos os resultados

produzidos por nossas ações.25

21 ABBAGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 855. 22 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2015. p. 78. 23 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. 82. 24 A liberdade está limitada na liberdade e nos direitos dos outros, ou seja, naquilo que é considerado socialmente justo e equilibrado. Se a liberdade fosse absoluta, conceitos como justiça, igualdade, equidade, mérito, honestidade se tornariam irrelevantes (ABBAGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 610-612 e 855). 25 WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Trad. Leônidas Hegemberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1967. p. 113.

24

Já evoluímos muito no conceito de responsabilidade civil, que, orginalmente,

baseava-se na ideia de vingança26 e se consolidou mais tarde na responsabilidade

aquiliana, que se sustentava quase que exclusivamente nos três pilares: culpa, dano

e nexo causal.27 Devido à insuficiência desse sistema, passamos, então, como bem

pontuou Anderson Schreiber,28 por uma fase de erosão dos filtros tradicionais da

reparação, que levou à relativização da prova da culpa e, também, do nexo causal

como condições para o ressarcimento do dano. Houve um efetivo desvio de direção

da responsabilidade civil, que passou a se interessar muito mais pelo dano

propriamente dito do que pela culpa do agente ofensor. Passou-se, assim, a olhar e a

proteger com mais eficácia a vítima.

Desenvolveu-se, a partir da França,29 a teoria do risco, que culminou na

responsabilidade civil objetiva. Estava, portanto, criada a responsabilidade sem culpa,

26 No princípio, a responsabilidade civil tinha como base a Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”), depois, evoluiu-se e o devedor, para pagar sua conta, tinha que trabalhar de forma escrava para o seu credor. Aos poucos, o Estado foi interferindo nessas relações, interpondo-se entre credor e devedor, de forma a humanizar as formas de reparação civil. Seguindo essa trilha, ousamos dizer que os danos já eram, de certa forma, reparados, nos primórdios da humanidade, pela ideia de reciprocidade, quando pela morte de um filho, estava o pai autorizado a tirar a vida do filho de seu ofensor (Lei de Talião). Aqui, o “dano” era reparado pelo mesmo prejuízo causado ao outro pai. Todavia, na medida em que os danos deixaram de ser reparados na base da reciprocidade dos atos (“olho por olho, dente por dente”), as reparações, paulatinamente, passaram a contemplar mais o aspecto material e econômico do dano, justamente pela insuficiência do modelo anterior que, com o passar do tempo, se mostrou incompatível com a evolução social da humanidade. 27 “A responsabilidade civil subjetiva (aquliana) é aquela inspirada na qualidade da conduta ou comportamento do agente, isto é, no pressuposto de que o dano tenha decorrido de uma ação ou omissão culposa ou dolosa. (...) De acordo com a teoria da culpa (também chamada de teoria clássica), a responsabilidade civil subjetiva ocorre quando a conduta culposa do agente é causa do dano suportado pela vítima. E por estar intimamente ligada ao comportamento do sujeito causador do dano, tal responsabilidade é chamada de subjetiva. (...) Repare que, em se tratando de responsabilidade civil subjetiva, é a conduta culposa do agente que causa dano à vítima. É preciso que haja uma relação de causa e consequência entre a conduta culposa, correspondente a um ato ilícito e o dano. Portanto, para que nasça o dever de indenizar em razão da responsabilidade civil subjetiva exige-se o preenchimento dos seguintes requisitos (pressupostos): (a) conduta comissiva ou omissiva do agente; (b) culpa (lato sensu); (c) dano; e (d) nexo de causalidade.” (ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 593-594). 28 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 11. 29 Vide SALEILLES, Raymond. Étude sur la théorie générale de l’obligation. Paris: Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1925. p. 438; JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Trad. Raul Lima. Rio de Janeiro: Forense, 1941. p. 61.

25

fundamentada, exclusivamente, no risco da atividade. Como bem explica Raymond

Saleilles:30

A lei deixa a cada um a liberdade de seus atos; ela não proíbe senão aqueles que se conhecem como causa direta do dano. Não poderia proibir aqueles que apenas trazem em si a virtualidade de atos danosos, uma vez que se possa crer fundamentalmente que tais perigos possam ser evitados, à base de prudência e habilidade. Mas, se a lei os permite, impõe àqueles que tomam o risco a seu cargo a obrigação de pagar os gastos respectivos [decorrentes dos danos], sejam ou não resultados de culpa. Entre eles e as vítimas não há equiparação. Ocorrido o dano, é preciso que alguém o suporte. Não há culpa positiva de nenhum deles. Qual seria, então, o critério de imputação do risco? A prática exige que aquele que obtém proveito da iniciativa lhe suporte os encargos, pelo menos a título de sua causa material [enquanto criador da situação], uma vez que essa iniciativa constitui um fato que, em si e por si, encerra perigos potenciais contra os quais os terceiros não dispõem de defesa eficaz. É um balanceamento a fazer. A justiça quer que se faça inclinar o prato da responsabilidade para o lado do iniciador do risco.

Marcel Plainol e Georges Ripert explicam que a teoria do risco ou da

responsabilidade objetiva foi bem-sucedida, em razão da simplicidade de sua fórmula

e pelos grandes resultados práticos que advêm da sua aplicação. De acordo com os

citados autores, essa teoria oferece a vantagem de afastar a difícil análise de certas

condutas e da intenção dos agentes, assegurando uma proteção muito mais eficaz

aos interesses violados, transmitindo uma ideia mais clara de solidariedade.31

No Brasil, Alvino Lima foi importante defensor da teoria do risco, sustentando

que a teoria objetiva da responsabilidade civil procura trazer segurança e equilíbrio

para as relações jurídicas, diante da manifesta desigualdade existente entre aqueles

que, pela sua atividade ou características, criam riscos para a sociedade e aqueles

que, de outro lado, suportam os efeitos nocivos dos perigos criados.32

30 SALEILLES, Raymond apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 63. 31 PLAINOL, Marcel; RIPERT, Georges. Tratado práctico de derecho civil francês. Havana: Cultural, 1940. t. VI. p. 669-670. 32 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 329-330.

26

Posteriormente, a teoria do risco ganhou algumas vertentes, como a teoria do

risco proveito,33 do risco criado,34 do risco integral35 etc.

Mas isso ainda não era suficiente. O risco passou a integrar e a ser diluído no

preço dos produtos e serviços colocados no mercado. Isso porque a responsabilidade

civil não se dissocia dos princípios que regem a econômica e o mercado. Em outras

palavras, a responsabilidade civil e a sua consequente reparação dos danos não

podem inviabilizar a atividade econômica.36 Por isso, criaram-se fundos públicos,

fundos privados e seguros específicos para garantir a reparação dos danos, num

movimento que ficou conhecido como socialização ou coletivização dos riscos.

Em uma sociedade massificada, os riscos não são individuais. O risco é social.

Em geral, quanto maior o risco, maior deve ser a contribuição para o fundo ou seguro,

sempre com o objetivo de garantir a reparação de dano eventual ou potencial.

Teresa Ancona Lopez37 explica que a doutrina da socialização dos riscos tem

fundamento ético na solidariedade social como necessidade de reparação integral de

todos os danos para garantir proteção às vítimas. Os riscos criados não são mais

considerados simples riscos individuais. São riscos abrangentes e, portanto, sociais,

e não é justo que os homens respondam por eles individualmente. Segundo a autora,

a regra do neminem laedere tem muito mais um caráter social do que individualista.

33 De acordo com a teoria do risco proveito, aquele que, ao explorar a sua atividade, aufere algum tipo de benefício ou proveito, deve responder pelos riscos daí decorrentes, reparando os respectivos danos causados. 34 De acordo com a teoria do risco criado, aquele que, no exercício da sua atividade, expõe alguém ao risco de sofrer um dano, deve reparar os prejuízos que causar, ou seja, se e quando o risco se consumar em dano. Pouco importa, aqui, se o agente auferiu algum proveito ou vantagem com a conduta. Se o exercício da atividade de risco causou dano a terceiros, esse dano deverá ser indenizado, mesmo que a conduta tenha, também, trazido prejuízos à atividade do agente. 35 Segundo a teoria do risco integral, a extensão da responsabilidade pelo risco da atividade não pode ser mitigada nem mesmo pelas excludentes de responsabilidade decorrentes de caso fortuito ou força maior. 36 “Poucos têm em exata dimensão a importância do seguro no mundo econômico moderno; mais do que meio de preservação do patrimônio, tornou-se, também, instrumento fundamental de desenvolvimento. Não fora a segurança que só o seguro pode dar, inúmeros empreendimentos seriam absolutamente inviáveis, dada a enormidade dos riscos que representam. Bastaria, por exemplo, uma única plataforma de extração de petróleo incendiada, ou apenas uma aeronave acidentada, para abalar irremediavelmente a estabilidade econômica das empresas que exploram tais tipos de atividade”. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 417-418). 37 LOPEZ, Teresa Ancona. Responsabilidade civil na sociedade de risco. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP), v. 105, p. 1.232, 2010.

27

O que importa é que se repartam as consequências danosas entre todos os membros

da sociedade. O risco se coletiviza e se socializa a responsabilidade.

E tendo em vista a imprevisibilidade da extensão e a infinita variedade de danos

existentes na sociedade atual, é economicamente razoável e justo que haja a diluição

desse risco na sociedade. Com isso, garante-se a reparação dos danos, sem

inviabilizar a atividade econômica.

No entanto, ainda que seja importante garantir a reparação dos danos, melhor

ainda é evitar que eles ocorram. E essa também é uma importante, senão a mais

importante, função da responsabilidade civil atual.38

A partir desse novo entendimento, passou-se a reconhecer juridicamente outros

instrumentos de ação da responsabilidade civil. Nessa linha, podemos destacar a

prevenção e a precaução, que visam, justamente, a identificar antecipadamente o

risco ou a potencialidade de dano em determinada conduta ou atividade e eliminá-lo

antes que ele se concretize.

A noção de prevenção está relacionada à ideia de evitar danos em uma

determinada atividade ou conduta sabidamente arriscada ou potencialmente lesiva ou

perigosa (riscos concretos). Já a precaução, que deriva do termo “precaver”, por sua

vez, traz consigo as ideias de cautela e prudência e recomenda a ação proativa e

investigatória sobre se determinada conduta ou atividade pode ou não causar dano.

Pretende, portanto, antecipar riscos, mesmo diante de situações de total incerteza.39

Como bem pontifica José Cretella Neto, “a precaução tem como substrato emocional,

basicamente, o medo do desconhecido”.40

Atualmente, já se fala, também, na função social da responsabilidade civil, que

impõe um profundo exame desse instituto à luz do papel que desempenha na

sociedade, principalmente no que se refere aos aspectos da responsabilização e

38 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 32-34. 39 LOPEZ, Tereza Acona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 103. 40 CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial do Comércio – OMC. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 227.

28

indenização. Constitui o conjunto de caracteres que satisfazem socialmente a

reparação civil.

Como bem definiu Antonio Junqueira de Azevedo, a função social da

responsabilidade civil deve ser encarada juntamente com uma análise do meio

(ambiente econômico-social) que o cerca, atentando-se para os objetivos que as

indenizações assumem perante o meio social e que não podem ser separados da

proteção da pessoa humana e da sua dignidade como valor fundamental.41

A responsabilidade civil não pode aparecer dissociada da proteção da pessoa

humana e da sua dignidade como princípio capital do nosso ordenamento jurídico.

Digno é não sofrer dano; em contrapartida, é indigno sofrê-lo e não ser devidamente

reparado. Assim, em atenção à dignidade humana, a responsabilidade civil deve

buscar, sempre, um responsável e uma eficaz e concreta reparação para toda e

qualquer lesão.

Como assevera René Savatier, o princípio que rege uma sociedade civilizada é

aquele segundo o qual ninguém tem o direito de prejudicar os outros (neminem

laedere). Qualquer que seja o dano causado por um membro da sociedade a outro,

de uma maneira que o primeiro poderia prever e evitar, dá origem, portanto, a uma

presunção de culpa e de responsabilidade.42

A função social da responsabilidade civil, como ferramenta de alcance da

dignidade da pessoa humana e da justiça social, impõe que se trate o instituto de

forma aprofundada, perquirindo todos os seus aspectos, de modo a extrair de cada

reparação o máximo de ressarcimento, de educação, de prevenção e de punição,

conferindo, assim, ao instituto o máximo de utilidade e eficácia social.43 O ideal,

portanto, da responsabilidade civil é evitar (prevenir) que danos e riscos se

41 JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 5, n. 19, p. 211-218, 2004. 42 Em original: “Le principe qui régit une société civilisée, c'est que personne n'a le droit de nuire à autrui. Tout dommage causé par un membre de la société à un autre, d'une manière que le premier pouvait prévoir et éviter, engendre donc une présomption de faute et de responsabilité.” (SAVATIER, René. Traité de la responsabilitá civile em droit français. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939. t. 1. p. 49). 43 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 637-638.

29

concretizem, mas caso, inevitavelmente, venham a ocorrer, que eles sejam

exemplarmente reparados.

Essa nova forma de pensar a responsabilidade civil está revolucionando o

instituto e acarretando, no mundo inteiro, uma significativa ampliação da

ressarcibilidade dos danos, tanto no seu aspecto quantitativo, como no qualitativo.44

Essa noção é muito bem sintetizada no pensamento do jurista francês Louis

Josserand, para quem existe uma constante revolução em matéria de

responsabilidade civil, de modo que “a verdade de ontem não é mais a de hoje, que

deverá, por sua vez, ceder o lugar à de amanhã”.45

Cada vez mais pessoas buscam ter acesso ao Poder Judiciário (valendo-se da

universalização do acesso à justiça) e, também, a métodos alternativos de resolução

de conflitos, o que vem contribuindo para um aumento dos pedidos indenizatórios e,

via de consequência, a uma reparação de danos cada vez mais elevada e, por que

não dizer, mais eficaz.

O valor das indenizações, principalmente daquelas de natureza extrapatrimonial

(logo, sem um fundamento material objetivo que as justifique do ponto de vista

financeiro) também está aumentando. Os Tribunais, cada vez mais acostumados e

confortáveis com os pedidos indenizatórios imateriais ou extrapatrimoniais, passam a

compreender melhor o papel da responsabilidade civil nesse tipo de demanda e a

acolher patamares mais altos de indenização,46 de acordo com as peculiaridades do

caso concreto, visando sempre à justa e integral reparação do dano.

Além disso, cresce, também, significativamente, a variedade de interesses

reconhecidamente dignos de tutela jurisdicional, pautada, sobretudo, na consolidação

da proteção da dignidade da pessoa humana e que vai abrindo espaço nas mais

diversas culturas jurídicas,47 para que se aceite, cada vez mais, novas espécies de

44 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 83-85. 45 JOSSERAND, Louis apud WALD, Arnoldo. A evolução da responsabilidade civil e dos contratos no direito francês e no brasileiro. Revista da EMERJ, v. 7, n. 26, p. 106, 2004. 46 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2011-ago-29/cresce-numero-acoes-danos-morais-tj-rio>. Acesso em: 22/06/2018. 47 A expansão dos danos ressarcíveis pode ser verificada tanto nos países que possuem ordenamento jurídico com sistema fechado (típico ou restrito) ou aberto (atípico ou amplo) em relação aos interesses dignos de proteção e de ressarcimento de dano. Na França, podemos destacar o préjudice d’agrément

30

dano suscetíveis de ressarcimento e cujo limite, aparentemente, são, exclusivamente,

a criatividade humana e o prudente arbítrio dos aplicadores do direito.

De acordo com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,

o cerne da preocupação dos atuais dias desenvolve-se no sentido de não mais restar “irressarcido” nenhum dano ao qual estejamos, todos nós, expostos (...) ou pelo menos, que haja uma progressiva, mas incessante, diminuição das hipóteses de “irressarcibilidade”.48

Patrice Jourdain, ao tratar da responsabilidade civil sem culpa, explica que o

direito deve, sempre, se adaptar às transformações da sociedade e às exigências

novas da reparação dos danos, pois o ser humano recusa o fortuito e exige a

reparação por tudo o que (injustamente) sofre em termos de dano, apoiado em uma

valorização cada vez maior da pessoa humana.49

Danos de natureza extrapatrimonial que até pouco tempo atrás jamais seriam

dignos de tutela jurisdicional, passam a conquistar seu espaço na doutrina e

jurisprudência.

Já se admite, hoje em dia, tranquilamente, o dano à imagem, à honra, o dano

estético e o dano decorrente da perda de uma chance. Fala-se, também, em dano

biológico e dano existencial. Timidamente, já existem vozes defendendo os danos

decorrentes de bullyng, stalking e mobbing. E, mais recentemente, de forma ainda

embrionária, o dano por tempo perdido.

No entanto, esses “novos danos” dependem, ainda, de um período de maturação

para serem aceitos em nosso tradicional e conservador sistema jurídico, que,

infelizmente, ainda insiste em seguir lentamente o seu ritmo de desenvolvimento, à

distância das velozes evoluções econômico-sociais.

(dano ao gozo dos prazeres da vida); na Itália, o danno per il figlio non voluto (dano pelo nascimento de filho indesejado); na Alemanha, o dano decorrente da destruição de líquido seminal em banco de sêmen; nos Estados Unidos, o loss of amenities of life (perda dos prazeres da vida). 48 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil: o estado da arte, no declínio do segundo milênio e albores de um tempo novo. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao Professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 185. 49 JOURDAIN, Patrice. Les principes de la Responsabilité Civile (Coletion ‘Connaissance du droit’). 5. ed. Paris: Éditions Dalloz, 2000. p. 18.

31

Como bem pontua o filósofo italiano Norberto Bobbio, “o problema fundamental

em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de ‘justificá-los’, mas o de

‘protegê-los’. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.50

Essa conclusão de Bobbio jamais poderia ser tão atual, sobretudo no Brasil. Por

aqui, todos têm direitos, somos excelentes criadores de normas que pretendem

assegurar as mais diversas proteções aos cidadãos em nosso território. Criam-se leis

como se a simples edição normativa, por si só, pudesse produzir algum tipo de efeito

concreto. Criam-se, portanto, direitos que sabidamente não serão garantidos. A

Constituição Federal é o maior exemplo do nosso fracasso normativo. Há nela uma

infinidade de direitos e garantias tão distantes da nossa realidade que se fossem

excluídos do texto constitucional, poucos perceberiam algum efeito prático, já que não

existem de fato.

A verdade é que somos uma nação essencialmente de direitos, mas não de

obrigações nem de deveres. Todos têm direito a tudo e, ao mesmo tempo, ninguém

tem obrigação de nada. É fácil notar, portanto, que essa equação está totalmente

desbalanceada e, portanto, falida. Só se pode falar em direitos se existir a

correspondente obrigação. Sem a força coercitiva para se garantir as obrigações, não

há que se falar em direitos. De que adianta o credor possuir um título executivo, se

não consegue cobrar o devedor? De que adianta uma legislação trabalhista

ultraprotetiva, se não há emprego? De forma geral, no Brasil, os direitos existem

apenas na teoria, na prática, ainda são muito poucos os que realmente conseguem

exercê-los.

Claramente, a incoerência do nosso sistema jurídico está nas bases

fundamentais do nosso Estado e da nossa cultura. Curiosamente, a nossa

Constituição Federal, Carta Maior da República, em toda a sua extensão, trata, de

forma incompreensível, exclusivamente de direitos. Não há um capítulo sequer

destinado aos deveres e obrigações dos cidadãos, dos nossos governantes, das

empresas etc. Há, exatamente, 168 referências a direitos na Constituição Federal,

enquanto apenas 10 referências à palavra “dever”, sendo quase todas elas

50 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24.

32

direcionadas, genericamente, ao Estado enquanto garantidor dos direitos dos

cidadãos.

Enquanto as obrigações e deveres não forem prioridade e proporcionais e,

igualmente, intensas em relação aos direitos, seremos relegados à arruinada condição

de sujeito de direitos vazios, ocos, efetivamente não tuteláveis.

O direito de cada um só existe na medida em que existe a correspondente

obrigação. E é justamente por esse motivo que se deve buscar, primeiro, que cada

cidadão seja cumpridor das suas obrigações e de seus deveres, para depois, então,

assegurar a proteção dos seus direitos.

O papel atual da responsabilidade civil vai muito além de proteger direitos

violados. Antes de tudo, deve desempenhar o papel de garantir que os danos

causados por qualquer pessoa sejam efetiva, eficaz e integralmente reparados. A

responsabilidade civil deve assegurar que os agentes causadores de danos sejam

efetivamente responsabilizados, que eles respondam, sempre, por seus atos e que

eles reparem, sempre e de forma exemplar e completa, os danos que vierem a causar.

Não se pode mais negar que o instituto da responsabilidade civil seja parte de

um sistema global aberto, composto por experiências sociais diversas, completo,

coerente e dinâmico na sua essência (isto é, impossível de ser contido em si mesmo).

É um sistema móvel e fluido, cujo movimento permite a sua constante e perene

renovação, adaptando-o e o atualizando aos novos anseios e necessidades sociais,

oriundos de um novo tempo, mas sempre sobre a mesma premissa elementar, que é

a busca eterna e incansável da realização do justo e do equânime.51

Nesse contexto, não podemos mais olvidar de entender o tempo como sendo o

patrimônio imaterial mais importante que possuímos enquanto seres humanos. Tudo

o que somos e possuímos só existe em função do tempo [de vida] que temos por aqui.

O tempo é, essencialmente, o nosso padrão de riqueza, é a nossa verdadeira moeda

de troca em toda e qualquer relação humana ou jurídica que estabelecemos.

51 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil: o estado da arte, no declínio do segundo milênio e albores de um tempo novo. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao Professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 197.

33

Chega a ser paradoxal pensar que a discussão sobre a proteção do tempo, em

pleno século XXI, seja, ainda, tão embrionária. Protegemos a vida de embriões em

seus estágios mais iniciais e o patrimônio de quem sequer nasceu. Discutimos,

também, intensamente se estudos científicos com células-tronco pré-embrionárias

devem ou não ser desenvolvidos e em quais condições, mas descuidamos de proteger

o tempo que efetivamente cada um de nós tem por aqui e que nada mais é que o

tempo de nossas existências, ou seja, a nossa vida.

Não se pode mais admitir, em tempos atuais, com tamanho conhecimento

cultural e desenvolvimento social e tecnológico, que ainda existam lesões que fiquem

de fora do sistema da responsabilidade cível e, portanto, insuscetíveis de reparação.

Nosso atual estágio evolutivo impõe que deixemos de lado velhos formalismos

meramente burocráticos e aquela ideia já muito superada de um positivismo

exacerbado, para buscar a implementação de um sistema jurídico prático e eficaz,

capaz de se adaptar às rápidas transformações sociais, o que passa,

necessariamente, pela evolução do instituto da responsabilidade civil que não pode

mais se limitar a tutelar restritivamente apenas aquilo que consta expressamente no

texto legal.

Nesse sentido, Catlin Sampaio Molholland52 observa que o papel da

responsabilidade civil contemporânea deve ser analisado à luz de um novo paradigma

que investiga o dano, não só a partir do ato ilícito (viés tradicional), mas, também e

principalmente, a partir da lesão injustamente sofrida pela vítima.

Maria Celina Bodin de Morais,53 apoiada nas lições (não tão recentes, porém, já

modernas) de Orlando Gomes,54 explica que a responsabilidade civil teve um giro

conceitual do ato ilícito para o dano injusto, que permite ressarcir outros danos que

não apenas aqueles que resultam da prática de um ato ilícito. Substitui-se, assim, a

condição (para fins de responsabilização) de ato ilícito pela de dano injusto, que

contém um espectro de irradiação de efeitos muito mais amplo e mais social. Dessa

forma, o dano, mesmo quando decorrente de uma conduta lícita, será considerado

52MOLHOLLAND, Catlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ Editoria, 2009. p. 24. 53 MORAIS, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Processo, 2017. p. 177. 54 GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em homenagem ao Professor Sílvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 293-295.

34

injusto, se afetar aspecto fundamental da dignidade humana e, ao mesmo tempo, não

for razoável que a vítima o suporte sem o respectivo ressarcimento, observados e

sopesados os interesses contrapostos.

Finalmente, Paulo de Tarso Sanseverino,55 em obra destinada ao estudo do

princípio da restitutio in integrum, explica que

a reparação do dano injustamente causado constitui uma exigência de justiça comutativa, como já fora vislumbrado por Aristóteles na Ética a Nicômaco, devendo ser a mais completa possível, o que se chama, modernamente, de princípio da reparação integral do dano.

Assim sendo, o papel da responsabilidade civil atual não se limita mais apenas

à identificação do dano e de seu responsável nem aos critérios dessa correspondente

reparação, mas, antes de tudo, o de ser um eficiente instrumento de proteção e

pacificação social, aberto, completo e flexível, capaz de acompanhar com agilidade e

eficácia o desenvolvimento social, econômico e tecnológico, com foco na prevenção

de dano e evitando, o máximo possível, qualquer tipo de dano, que não seja razoável

e justo à vítima suportar.

55 SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19.

35

4 O HOMEM E O TEMPO: O TEMPO QUE NOS INTERESSA

O homem passou a medir o tempo para melhorar e prolongar a sua vida, dentro

daquilo que podemos chamar de instinto de sobrevivência. Portanto, para comer

melhor, dormir, proteger-se etc. Começou a perceber os movimentos cíclicos da

natureza e a sua recorrência (estações do ano, fases da lua etc.), assim como os mais

diversos efeitos que essas variações produziam sobre suas vidas.

Da Pré-História até a Antiguidade (aproximadamente até 476 d.C.) o homem

compreendia a passagem do tempo, exclusivamente, por meio dos astros e de

fenômenos naturais. Foi então que surgiram os primeiros calendários e relógios.

Instrumentos que utilizavam o sol, a sombra, a água, a lua, as estrelas para medir o

tempo.56 Os egípcios formularam o seu calendário com base na variação anual do

nível do rio Nilo e na posição do sol. Já os babilônios e os gregos utilizavam a lua e

suas respectivas fases.57

Naquela época, o tempo assumia um caráter mitológico e divino. As variações

dos fenômenos da natureza eram atribuídas, quase que exclusivamente, às

divindades e relevantes alterações nos fenômenos naturais, em relação àquilo que

era considerado normal (por exemplo, secas, dilúvios, eclipses, incêndios, pragas,

doenças etc.), representavam a forma com que os desuses puniam ou agraciavam os

homens por seus feitos, ruins ou bons.58

Na mitologia greco-romana, Cronos (Saturno) é o grande deus do tempo e é

representado pelo seu aspecto destrutivo: o tempo impiedoso que rege os destinos e

a tudo devora e consome.

56 Como estavam baseados puramente na percepção da natureza, já que observam apenas a repetição de fenômenos naturais, continham apenas um aspecto cíclico, sem a noção atual de sucessão e continuidade temporal. Os marcadores de tempo mais antigos eram imprecisos e descontínuos. Foi somente a partir do século XVII, com a invenção do relógio mecânico (no caso, o relógio de pêndulo, desenvolvido pelo cientista holandês, Christian Huygens), que o homem contou com um marcador de horas preciso, capaz de mostrar a passagem do tempo de forma contínua e por anos a fio. A partir daí, o tempo passou a ser compreendido de forma linear, isto é, de progressiva sucessão e não mais cíclica. (WHITROW, Gerald James. O que é tempo? Uma visão clássica sobre a natureza do tempo. Trad. Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 28-29). 57 WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 38-66. 58 WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 38-47.

36

De acordo com a mitologia, Cronos casou-se com a sua irmã, Reia, que lhe deu

seis filhos, dentre os quais Zeus. No entanto, como tinha medo de ser destronado,

Cronos engolia os filhos ao nascerem, em uma clara metáfora à sua força impiedosa

que a tudo consome, inclusive a própria prole.59 Comeu a todos, exceto Zeus, que

Reia conseguiu salvar e que, mais tarde, tornou-se senhor do céu e divindade

suprema entre os deuses do Olimpo.60

Embora o tempo tenha muitas definições e significados, com vieses nos campos

da filosofia, da espiritualidade, da religião e da física, basicamente, podemos

conceituá-lo, de acordo com o senso comum, como sendo um momento exato ou

como um intervalo, isto é, como um período de duração entre dois pontos referenciais

(acontecimentos quaisquer) não simultâneos.

O tempo, portanto, é uma construção histórica do homem para registrar os

acontecimentos. É um instrumento de referência e medida (assim como o metro, a

milha, o litro, o quilo, a escala centígrada etc.), criado e largamente utilizado para

organizar melhor a vida humana. Uma convenção social. O tempo como nós

conhecemos nada mais é que uma “régua” ou uma “balança”, mas, em vez de medir

distância ou peso, mede momentos ou movimentos.

Podemos dizer, ainda, que existem duas espécies de tempo: o tempo do relógio

(tempo atômico) e o tempo pessoal (vivido).61 O tempo do relógio é o tempo técnico,

criado pelo homem, medido em unidades e que é comum a todas as pessoas e sobre

as quais todos estão de acordo. Já o tempo pessoal é a sensação subjetiva que cada

um de nós tem do passar do tempo do relógio, como se tivéssemos um marcador

interno próprio e singular, que varia de um dia para o outro e de hora para hora. É

somente nesse tempo pessoal que dias parecem durar anos e anos parecem passar

em uma fração de segundo. O tempo pessoal é a experiência única e individual que

temos do nosso próprio tempo. É, portanto, a vivência que temos do tempo. Não se

trata, contudo, de uma medida confiável. Varia conforme o nosso humor, sentidos,

59 MÉNARD, René. Mitologia greco-romana. São Paulo: Opus, 1991. v. 1. p. 25. 60 BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: a idade da fábula. São Paulo: Martin Claret, 2013. p. 30-31. 61 JÖNSSON, Bodil. Dez considerações sobre o tempo. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2004. p. 29.

37

pensamentos, idade e ambiente. Cada pessoa é livre para viver e sentir o tempo à

sua maneira.62

O tempo é, por assim dizer, uma abstração que se concretiza sempre no

presente momento, isto é, no agora. Eckhart Tolle63 explicar que passado e futuro não

têm realidade própria, que nada jamais aconteceu no passado e que nada jamais

acontecerá no futuro. Tudo acontece no “agora”, sendo que o passado é uma

lembrança (um traço da memória) de um agora anterior, enquanto que o futuro não

passa de uma projeção da mente sobre um agora imaginado. Segundo Albert Einstein,

“a distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente

ilusão”.64 Em termos de tempo, concretamente, só existe o agora. O passado e o futuro

são pura ficção.

De acordo com a teoria da relatividade proposta por Albert Einstein, largamente

aceita nos dias de hoje e validada por um grande número de experimentos, o tempo

é uma quarta dimensão, intrincadamente interligada com as três dimensões especiais,

formando, assim, o que se denomina de espaço-tempo.65

Em termos físicos, o tempo é apenas uma coordenada de posição para situar

(localizar) de forma precisa um determinado espaço (tridimensional) no espaço-tempo

(quadridimensional).

De modo bem simplificado, as três dimensões espaciais são representadas por

três eixos: vertical, horizontal e de profundidade (altura, largura e comprimento). Se

estabelecermos um sistema de referência com três eixos perpendiculares entre si,

qualquer ponto do espaço pode ser definido por três números quaisquer, que

representam as coordenadas do ponto em relação aos eixos. Tudo o que acontece,

62 “Nosso sentimento de duração [do tempo] é afetado não apenas pelo grau em que concentramos nossa atenção no que estamos fazendo, mas por nosso próprio estado físico em geral. Em particular, pode ser distorcido por drogas ou pelo confinamento, por longos períodos, em ambientes frios ou escuros, sem recurso a relógios. Entre os fatores que influenciam nosso sentido de duração, porém, o mais amplamente experimentado é nossa idade, pois há um reconhecimento geral de que, à medida que ficamos mais velhos, o tempo, tal como o registram o relógio e o calendário, parece passar cada vez mais depressa.” (WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 17). 63 TOLLE, Eckhart. O poder do agora: um guia para a iluminação espiritual. Rio de Janeiro: Sextante,

2002. p. 52. 64 Disponível em: <https://super.abril.com.br/historia/o-que-e-o-tempo/>. Acesso em: 07/05/2018. 65 EINSTEIN, Albert. A teoria da relatividade especial e geral. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.

38

porém, acontece em certo tempo. Portanto, para descrever com precisão um

acontecimento no espaço, é preciso mais um marco, que represente uma medida de

tempo, isto é, o “quando”.66

A partir da teoria de Albert Einstein, o tempo deixou de ser absoluto ou universal.

Deixou-se para trás o modelo até então vigente, que havia sido proposto por Isaac

Newton, em que o tempo era considerado um elemento absoluto, externo em relação

ao universo e independente dele, uma reta que se estende infinitamente em ambas

as suas direções.67

Na teoria da relatividade, o espaço e o tempo estão interligados e são dinâmicos

e curvos, de modo que a estrutura do espaço-tempo afeta o modo como os corpos se

movem e as forças que sobre eles atuam, ao mesmo tempo em que o espaço-tempo

é afetado por tudo o que acontece no universo.68

Mas o tempo, agora, está intimamente ligado ao espaço e, portanto, ao universo,

representando medições dentro e em função dele, de tal modo que o tempo,

concebido dentro do universo, muito provavelmente, tem um valor mínimo e um

máximo, um começo e um fim.69 A história do tempo é, portanto, a história do universo,

que teve início com o Big Bang70 e um dia, possivelmente, terá fim, talvez, com o Big

Crunch.71

Seja como for, também na teoria da relatividade geral, assim como já previa a

teoria newtoniana, o tempo tem apenas um único sentido evolutivo, caminha em uma

única direção e, irreversivelmente, não volta atrás.72

66 Para ilustrar, podemos citar o seguinte exemplo: se marcamos uma reunião no 23º andar do edifício

situado no nº 1.000 da Av. Paulista, em São Paulo, temos, com precisão, a localização espacial do encontro, que, no entanto, pode não ocorrer, caso não seja estabelecido o momento (tempo) exato do evento. Isso porque, de nada adiantaria os participantes estarem no local (espaço) correto em momentos (tempos) distintos. 67 Principia mathematica proposta por Isaac Newton, publicada em 1687, conforme HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. 11. ed. São Paulo: ARX, 2002. p. 32. 68 HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. p. 51-52. 69 HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. 11. ed. São Paulo: ARX, 2002. p. 32-41. 70 Há, aproximadamente, 15 bilhões de anos. 71 Nome dado a um dos possíveis cenários de fim do universo, quando espaço e matéria implodirão nas suas próprias gravidades para formar buracos negros. 72 De acordo com a teoria da relatividade geral proposta por Albert Einstein, em tese, seria possível viajar no tempo, caso fosse possível viajar em velocidade superior à velocidade da luz. No entanto, na prática, de acordo com essa mesma teoria, ultrapassar a velocidade da luz seria algo absolutamente impossível, na medida em que quanto mais rápido um objeto se move, mais a sua massa aumenta e

39

O que se percebe, portanto, é que da mesma forma que, para a física, o tempo

é um referencial de posição de um dado espaço,73 para nós, seres humanos, o tempo

é um referencial da nossa vida, na medida em que identifica a localização exata da

nossa existência no espaço.

A medida do tempo, tal como concebida pelo homem, requer um parâmetro.

Esse parâmetro ou referência é, no nosso caso, o calendário e o relógio,

universalmente uniformizados (ainda que com algumas distinções culturais

secundárias) para viabilizar a padronização da marcação e da referência.

Se o parâmetro erra ou para, quando, por exemplo, um relógio atrasa ou fica

sem bateria, perdemos a referência, mas o tempo propriamente dito (aquilo que

chamamos de tempo) continua, instante após instante, não importa o que aconteça.

Tudo isso para falar que o tempo, enquanto medida de duração de momentos

ou instantes, é uma criação do homem para referência, é algo relativo (tanto do ponto

de vista físico, como social). O tempo é a percepção que o homem tem da sucessão

de acontecimentos, instantes ou “agoras”. Recém-nascidos ou certos doentes mentais

não têm percepção do tempo, mas, mesmo assim, a ele se sujeitam. Percebemos o

tempo de forma diferente e sob circunstâncias diversas (tempo pessoal – momentos

de prazer, de tensão, de tristeza etc.), mas ele está igualmente lá, não importa o que

aconteça e independentemente das nossas percepções (tempo do relógio).

Interessante questionarmos se uma pessoa nascida em 01/01/2000, às 7h00,

em São Paulo, é mais nova ou não do que uma pessoa nascida em 31/12/1999, às

21h00, no Havaí. Instintivamente, todos dirão que sim. No entanto, muito embora os

relógios estejam marcando horas, dias, meses e anos diferentes, essas datas

representam exatamente o mesmo momento (o mesmo “agora”) nas duas localidades.

O mesmo fenômeno se verifica quando analisamos a Linha Internacional de Data

(LID), que cruza o pacífico do Polo Norte ao Polo Sul (no antimeridiano de Greenwich

ou meridiano 180º) e que se for “atravessada” de leste para oeste ganha-se um dia e,

no sentido contrário, perde-se um dia.

um objeto na velocidade da luz teria massa infinita e, portanto, precisaria de energia infinita para se mover nessa velocidade. 73 Ou seja, é a localização exata no espaço-tempo de um determinado evento.

40

Isso demonstra que o conceito de tempo criado pelo homem para organizar a

sua vida em sociedade (tempo do relógio) não passa de uma firme e persistente

ilusão. O tempo, efetivamente, só existe no agora. Nessa mesma linha, conforme

conceitua Martin Heidegger,74 o tempo é um “fluxo contínuo de agoras” e o tempo

acessível nos relógios nada mais é do que a simples marcação da multiplicidade e

sucessão de “agoras”.

Essa criação não deixa de ser uma forma de tentar ter mais controle sobre a vida

e mais eficiência dos pontos de vista econômico e social – em administração, se diz

que “aquilo que você não mede você não controla” (William Edwards Deming). O que

só reforça a ideia tratada incialmente, de que o homem começou a perceber e marcar

o tempo para prolongar e melhorar a sua existência.

Dessa forma, ainda que seja considerado uma ficção criada pelo homem, o

tempo não deixa de ser um bem ou, no mínimo, um parâmetro para medir a vida,

assim considerada o instante ou sucessão de instantes (tempo) entre o nascimento e

a morte do sujeito ou qualquer outra fração compreendida entre esses dois momentos.

Se tempo é a referência criada pelo homem para medir, entre outras coisas, a

vida, tempo também é vida. Ou melhor, vida é tempo, é o tempo que temos à nossa

disposição aqui nesse universo. É o período de existência do ser no espaço. A perda

de tempo implica, portanto, em perda de vida, perda de existência. E se o direito

protege a vida, necessariamente, tem que proteger o seu tempo.

A física sueca, Bodil Jönsson,75 esclarece, com muita propriedade, que uma vida

dura em média (na Suécia) trinta mil dias e que esse período de tempo é a nossa

verdadeira riqueza, o nosso mais valioso capital. Ainda de acordo com a autora, o

dinheiro não é o padrão-ouro da vida, mas sim o tempo. O tempo é a nossa principal

riqueza e nossa moeda de troca, é a única coisa que temos que pode ser convertido

em simplesmente qualquer outra coisa. Explica-se, o tempo pode ser convertido em

trabalho, em dinheiro, em relações humanas, em interação com a natureza, em

74 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 10. ed., Petrópolis: Vozes, 2017. p. 505, 513 e 515. 75 JÖNSSON, Bodil. Dez considerações sobre o tempo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 11-13.

41

aprendizagem e conhecimento, em desenvolvimento espiritual e sentimental, em

lazer, em descanso, enfim, em simplesmente tudo.

O tempo é, portanto, o instrumento fundamental para o desempenho de toda e

qualquer atividade humana.76 É o recurso finito e não renovável que é alocado,

sucessiva e ininterruptamente, por todos os indivíduos em seus afazeres cotidianos,

dos mais simples aos mais complexos. Como diria Baltazar Gracián,77 o tempo é a

única coisa que temos de nosso.

Há um tempo para crescer, para estudar, para entrar no mercado de trabalho,

para sair de férias, para se aposentar, para desfrutar da aposentadoria etc. Enfim, há

tempo para se plantar e colher. Todos implicam em ter a experiência da passagem do

tempo, ou seja, em viver. Impossível, portanto, que o direito não o proteja o que temos

de mais precioso, o tempo.

76 MARQUES, Claudia Lima. Apresentação. In: BORGES, Gustavo; MAIA, Maurilio Casas (Orgs.). Dano temporal: o tempo como valor jurídico. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 15. 77 GRACIÁN, Baltazar. L’Homme de cour apud DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017. p. 127.

42

5 O TEMPO COMO ATRIBUTO DA PERSONALIDADE

Ao longo de sua vida, o homem, nas diversas relações jurídicas que estabelece,

adquire direitos e contrai obrigações que podem ou não ter valor econômico, mas que

pela sua natureza são destacáveis da pessoa de seu titular, isto é, que de alguma

forma lhe podem ser retirados.

Esses direitos destacáveis ou descoláveis, em geral de caráter patrimonial, são

aqueles que podem ser cedidos ou transmitidos a terceiros, a título gratuito ou

oneroso, não se encontrando enraizados à essência humana de seu titular. É o caso,

por exemplo, do direito de propriedade, ao crédito, à herança etc.

Em contraposição a essa modalidade de direitos, existem outros que são

próprios e inerentes a toda a pessoa humana como consequência de sua existência,

não se admitindo que exista sequer um único indivíduo que deles não seja titular.

Orlando Gomes78 explica que esses são direitos considerados indispensáveis a toda

pessoa humana, a fim de resguardar a sua dignidade. São direitos normalmente sem

projeção econômica, ligados de forma constante e definitiva a qualquer ser humano

pelo simples fato dele existir (estar vivo).

São os denominados direitos da personalidade aqueles que, pela sua

importância para todos os seres humanos, coletiva ou individualmente considerados,

o ordenamento jurídico confere tratamento diferenciado, pois dizem respeito ao

sentido próprio e original da natureza humana. Compõem o grupo de direitos

considerados essenciais ao ser humano, sem os quais os outros direitos perderiam

relevância e que, portanto, constituem o mínimo necessário e imprescindível à vida

humana.79 Não se trata, pois, de um direito subjetivo em si, mas da própria fonte e

pressuposto de todos os direitos subjetivos.80

78 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 134. 79 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Morais, 1961. p. 17. “(...) é reservada àqueles direitos subjetivos cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o minimum necessário e imprescindível ao seu conteúdo. Por outras palavras, existem certos direitos sem os quais à personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais os outros direitos subjetivos perderiam o interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados ´direitos essenciais`, com os quais se identificam, precisamente os direitos da personalidade.” 80 RUGGIERO, Roberto de. Instituições. São Paulo: Saraiva, 1971. v. 1. p. 305.

43

Caio Mário da Silva Pereira,81 ao tratar dos direitos da personalidade, explica

que

não constitui esta “um direito”, de sorte que seria erro dizer-se que o homem tem direito à personalidade. Dela, porém, irradiam-se direitos, sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações.

Goffredo Telles Júnior82 e Limongi França83 definem os direitos da personalidade

como sendo os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio (no

sentido daquilo que lhe é íntimo e essencial), ou seja, a sua integridade física (vida,

alimentos, corpo); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria

artística, científica e literária) e sua integridade moral (liberdade, honra, recato,

imagem, nome, segredo pessoal, profissional e doméstico, identidade pessoal,

familiar e social).

A personalidade é, de fato, um conceito aberto e de máxima abrangência, nela

se incluindo tudo o que é próprio e essencial à natureza humana. Seu rol é meramente

exemplificativo (numerus apertus). São pacificamente considerados direitos da

personalidade84 os direitos à vida, à liberdade, à saúde, à honra, à imagem, à

integridade física e intelectual, à privacidade, à intimidade, ao nome, à identidade. O

patrimônio é mera projeção econômica da personalidade.

Os direitos da personalidade são regulados e protegidos de forma sistemática

pelo ordenamento jurídico, encontrando fundamento concreto não só na esfera do

Código Civil (arts. 11 a 21), mas, também, na Constituição Federal, na qualidade de

direitos e princípios fundamentais.

De fato, o Código Civil de 2002 inaugurou, de forma inovadora, um capítulo

dedicado, exclusivamente, aos direitos da personalidade, o que revela a intenção do

81 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1, p. 241. 82 TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito subjetivo. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, 1977. v. 28. p. 315-316. 83 FRANÇA, Limongi. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 403. 84 Os direitos da personalidade distribuem-se em duas categorias: os adquiridos (ou derivados) e os inatos. Os primeiros são aqueles obtidos ao longo da vida e que existem em função e na extensão de disposição normativa, ou seja, conforme a lei estabelece (por exemplo, o direito ao voto – somente os brasileiros maiores de dezesseis anos podem exercê-lo; estrangeiros e presos não podem votar). Em oposição aos adquiridos, os direitos da personalidade inatos nascem com o indivíduo e decorrem da sua própria existência.

44

legislador de conferir importância e proteção máxima a interesses e prerrogativas

individuais indispensáveis ao pleno exercício da sua dignidade.

Paralelamente, temos que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,

III, CF/1988) também constitui cláusula geral de tutela da personalidade, assim como

o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/1988), ao proclamar a igualdade, traduz a

noção de personalidade como atributo natural de todo ser humano.85

Os direitos fundamentais e os direitos da personalidade são instrumentos para a

proteção e promoção (concretização) da dignidade da pessoa humana, esta que é o

valor supremo e fundamental do Estado Democrático de Direito.

Como se pode notar, os direitos da personalidade estão profunda e

indissociavelmente ligados à dignidade da pessoa humana, representando o seu

núcleo elementar. Podemos dizer, portanto, que os direitos da personalidade integram

a dignidade humana e constituem o ponto de contato desta com o mundo fenomênico,

nas mais diversas relações e situações jurídicas.

Para Antônio Junqueira de Azevedo,86 a pessoa humana é um “bem” e a

dignidade, o seu “valor”. Comparativamente, podemos dizer que é na “pessoa

humana” que estão inseridos os diretos da personalidade e que a dignidade é o reflexo

ou a projeção da sua qualidade. Nesse contexto, a incerteza ou imprecisão está em

saber o que é digno para a pessoa humana, ou seja, para sua personalidade.

Desse modo, temos que a transgressão aos direitos da personalidade,

invariavelmente, resultará em ofensa à dignidade da pessoa humana.87

Rogério Donnini esclarece que se poderia até imaginar que, diante da proteção

constitucional da dignidade humana, os direitos da personalidade não teriam mais

sentido. No entanto, com precisão, explica que, na verdade, a partir da

constitucionalização da dignidade humana como valor fundamental, os direitos da

personalidade ganharam amplitude e ainda mais relevância, pois, na medida em que

85 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 87. 86 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. In: Estudos e pareceres de direito privado. Saraiva: São Paulo, 2004. 87 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 153.

45

exercem função primordial de prevenção e proteção de danos à pessoa humana, os

direitos da personalidade asseguram a concretização da dignidade enquanto

princípio. Ainda segundo o autor, é a partir da transgressão de qualquer direito da

personalidade que se verifica a violação da dignidade humana e que nasce a

obrigação de reparar o dano sofrido.88

Não pretendemos, aqui, discorrer ou esgotar o tema acerca da dignidade da

pessoa humana, posto que foge ao cerne do presente estudo e já foi objeto de nosso

outro trabalho.89

Mas aqui, para o objeto desta dissertação, é fundamental ter presente que os

direitos da personalidade representam a expressão da dignidade humana e que é

através da sua proteção que se concretiza o seu valor.

E essa proteção deve, necessariamente, ser a mais ampla e abrangente

possível, pois, como leciona Maria Celina Bodin de Moraes,90

a tutela da pessoa humana não pode ser fracionada em isoladas hipóteses, microssistemas, em autônomas fattispecie não-intercomunicáveis entre si, mas deve ser apresentada como um problema unitário, dado o seu fundamento, representado pela unidade do valor da pessoa. Esse fundamento não pode ser dividido em tantos interesses, em tantos bens, como é feito com as teorias atomísticas. A personalidade é, portanto, não um “direito”, mas um valor, o valor fundamental do ordenamento, valor que está na base de uma série (aberta) de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela. Por isso não pode existir um número fechado (numerus clausus) de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa, sem limites, salvo aqueles postos no seu interesse e no interesse de outra pessoa humana. Nenhuma previsão especial pode ser exaustiva, porque deixaria de fora, necessariamente, novas manifestações e exigências da pessoa, que, com o progredir da sociedade, passam a exigir uma consideração positiva.

Os direitos da personalidade nos interessam, justamente, porque é através deles

que se alcança a dignidade, no que certamente estão contemplados os valores dados

à vida e à liberdade, expressões maiores desse arcabouço jurídico.

88 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 154. 89 CASCALDI, Luís de Carvalho. O conteúdo e a abrangência do princípio da dignidade da pessoa humana. In: BATISTA, Alexandre Jamal (Coord.). Princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados nos institutos de direito privado – Homenagem ao Professor Doutor Francisco José Cahali. São Paulo: Editora IASP, 2017. p. 69-93. 90 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. 2. ed., Rio de Janeiro: Editora Processo, 2017. p. 121.

46

Os direitos da personalidade são as ferramentas de defesa da integridade física,

intelectual e moral dos homens e se encontram em patamar acima das disposições

legislativas, transcendendo os limites do ordenamento jurídico.

Como se pode notar, é pacífica na doutrina91 a compreensão de que a vida e a

liberdade são atributos ou valores inatos da personalidade.

Aliás, é apenas com a vida (nascimento com vida) que nasce a personalidade e

apenas a morte a extingue. Enquanto viva, toda e qualquer pessoa natural é dotada

de personalidade. E a liberdade, aqui compreendida como o livre-arbítrio ou a

autonomia para determinar seus próprios atos dentre as inúmeras variáveis

possíveis,92 é condição ontológica do ser humano.93

Cabe, portanto, questionarmos agora, como e em que medida o tempo se

relaciona com a personalidade humana.

Temos para nós que tempo é vida e liberdade. Portanto, se a vida e a liberdade

são conceitos pacificamente aceitos em qualquer campo jurídico como elementares à

personalidade humana, consequentemente, o tempo também o é. Explica-se.

A vida é o bem maior entregue a cada ser humano independente da sua vontade,

mas que uma vez concretizado, a ninguém é dado tirá-la, ainda que expressamente

autorizado pela própria pessoa.94

Para o nosso ordenamento jurídico, que segundo a doutrina tradicional adotou a

teoria natalista para fins de determinação do começo da personalidade natural,

91 Nesse sentido: AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 305; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1. p. 119-120; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1, p. 241; dentre outros. 92 Conforme conceito de liberdade limitada de Nicola Abbagnano, op. cit., p. 855. 93 “Queremos definir o ser do homem na medida em que condiciona a aparição do nada, ser que nos apareceu como liberdade. Assim, condição exigida para nadificação do nada, a liberdade não é uma propriedade que pertença entre outras coisas à essência do ser humano [...] A liberdade humana precede a essência do homem e torna-a possível: a essência do ser humano acha-se em suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos liberdade não pode se diferenciar do ser da „realidade humana‟. O homem não é primeiro para ser livre depois: não há diferença entre o ser do homem e seu „ser-livre‟[...] precisamos enfocar a liberdade em conexão com o problema do nada e na medida estrita que condiciona sua aparição.” (SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 68). 94 No Brasil, tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são proibidos.

47

somente o nascimento com vida é que dá início à personalidade (art. 2º do Código

Civil).95

Nesse passo, considera-se nascido com vida o indivíduo que, separado do

ventre materno, tem respiração. O que se exige, aqui, é que seja desfeita a unidade e

o grau de dependência com a genitora, de modo que o filho tenha vida autônoma em

relação à mãe. Para tanto, precisa respirar (encher os pulmões de ar). A respiração é,

aqui, sinônimo de vida autônoma. Dessa forma, se o indivíduo respirou, ele viveu,

ainda que tenha falecido logo em seguida e mesmo que o cordão umbilical não tenha

sido cortado. Nesse período de vida, por mais curto que seja, adquiriu personalidade

jurídica, tornou-se sujeito de direito. Todavia, se o nascituro não respirar, não viveu e,

assim, não adquiriu personalidade jurídica.96

A vida pode ser representada do ponto de vista material pela autonomia biológica

do ser em relação à mãe. Já do ponto de vista quantitativo, a vida é representada

justamente pelo período em que essa autonomia biológica perdura, ou seja, pelo

tempo de existência do ser, até que cesse irreversivelmente a atividade biológica com

a sua morte.

O tempo, portanto, é a medida quantitativa da vida. É a quantidade de vida que

temos neste mundo terreno.

Sob o viés da física, conforme conceitos tratados nos capítulos iniciais deste

trabalho, a vida se expressa no espaço-tempo (quadridimensional) em que o espaço

é “onde” a vida acontece, e o tempo, o “quando”.

Mesmo que o tempo possa ser considerado uma criação fictícia do homem

(tempo do relógio), o tempo não deixa de ser um bem, um valor ou, no mínimo, um

parâmetro para medir a vida, assim considerada o instante (tempo) entre o nascimento

e a morte do sujeito ou qualquer outra fração compreendida entre esses dois

momentos.

95 O artigo 2º do Código Civil estabelece, expressamente, que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”. 96 CASCALDI, Luís de Carvalho. O conteúdo e a abrangência do princípio da dignidade da pessoa humana. In: BATISTA, Alexandre Jamal (Coord.). Princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados nos institutos de direito privado – Homenagem ao Professor Doutor Francisco José Cahali. São Paulo: Editora IASP, 2017. p. 69-93.

48

E se o tempo é a referência criada pelo homem para medir, entre outras coisas,

a vida, tempo é vida. Ou melhor, vida é tempo, é o tempo que temos aqui neste

universo. É o período de existência do ser. A perda de tempo implica, portanto, em

perda de vida, perda de existência. E se o direito protege a vida, necessariamente,

tem que proteger o tempo em que ela se exercita.

Ironicamente, recebemos a vida sem pedir e sem jamais saber quanto dela ainda

nos resta. Tempo é, por assim dizer, o conteúdo da vida, mas que não vem com rótulo

nem embalagem, mostrando a sua quantidade disponível.

Sabemos que um dia deixaremos de existir, mas, nunca saberemos quando. A

vida se exerce num prazo incerto, que é variável de uma pessoa para outra. Podemos

até supor estarmos perto do fim de nossa existência, quando atingimos uma idade

avançada, ou contraímos uma doença terminal. Mas, o exato instante em que isso

ocorrerá, será sempre uma incógnita.

O tempo que, verdadeiramente, possuímos é apenas o agora, o passado,

irreversivelmente, já não mais existe e o futuro é absolutamente incerto. Não por

acaso, é assim, também, que compreendemos a vida.

A vida é o tempo que temos enquanto existimos e o que fazemos com esse

tempo, enquanto dele aqui dispomos, representa o exercício da nossa liberdade, do

nosso direito de autodeterminação.

Consequentemente, a perda de vida, não, significa, necessariamente, a morte,

pode significar, simplesmente, que houve perda da liberdade que se exerce sobre a

própria vida ou sobre a própria gestão do tempo.

Cada ser humano é livre para usar ou gastar o tempo que possui (vida) como e

com o que quiser, seja para o bem, seja para o mal, para o trabalho, para o lazer, para

o ócio, enfim, para o que melhor lhe convier, de acordo com as limitações legais (ou,

até onde começam os direitos das outras pessoas), respondendo, sempre, pelas suas

escolhas.

Fazer alguém perder tempo implica interferir na liberdade, na livre-escolha, na

autodeterminação da pessoa sobre o seu tempo, ou seja, sobre a sua vida. Inclusive,

o tempo é medida estrutural do direito penal. A pena privativa de liberdade, mais do

49

que restringir a liberdade do infrator, retira-lhe tempo, tempo de gozar a vida

livremente.

A liberdade para usufruir da vida e, portanto, do tempo como cada um entende

mais adequado é das garantias mais fundamentais do nosso Estado Democrático de

Direito. Cada um é livre para ser o que quiser e isso significa dizer que cada um é livre

para aproveitar como quiser o tempo e a vida que tem.97

Cada escolha carrega, intrinsecamente, um custo de oportunidade, e se uma

injusta interferência externa desvia ou redireciona uma escolha de uma determinada

pessoa, esse desvio de percurso tem, sem sombra de dúvida, um custo temporal.

Representa um gasto de vida, que poderia ser aproveitado em outra atividade ou em

outra direção mais alinhada com os interesses próprios da pessoa lesada.

Limitar injusta ou indevidamente a vida, ou seja, o tempo, e interferir na liberdade

que cada cidadão tem de fazer o que quiser com a sua vida e com o seu tempo,

representa gravíssima, senão a mais grave ofensa à dignidade humana.

Rogério Donnini98 preleciona que a violação ao tempo de outrem “configura

violação de um tempo que não volta mais, que não pode ser recompensado, em que

não há restitutio in integrum, mas momentos de vida que se esvaem”. E o autor conclui

que

esse dano provoca, em verdade, menos momentos de felicidade, seja esta entendida como ócio, mais trabalho, prática esportiva, convívio familiar, com amigos ou momentos de solidão.

O tempo é algo escasso, finito, inacumulável, ininterrompível e irrecuperável. O

tempo é, em última instância, a única coisa que cada um de nós tem para dar ao

mundo em troca do que quer que seja que o mundo tem para nos retribuir. É

verdadeiramente a única moeda de troca que existe. É no tempo que a vida acontece

e se desenrola até o seu desfecho, quando, enfim, o tempo acaba. E é nesse mesmo

tempo que a liberdade é exercida para a autodeterminação da própria vida.

97 Segundo Robert Alexy, a liberdade de escolha e de autodeterminação somente pode ser restringida ou limitada se houver razões suficientes (direitos de terceiros, interesses coletivos) que fundamentem ou justifiquem essa restrição (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 357-358). 98 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 157.

50

Em sendo assim, se tempo é vida e o que fazemos com ele é a expressão da

nossa liberdade, podemos dizer, seguramente, que o tempo é o nosso principal

patrimônio. Todos os bens, direitos e obrigações que possuímos nós só efetivamente

os possuímos enquanto estamos vivos, enquanto livremente dispomos do nosso

tempo aqui nesta vida terrena. Se o tempo que temos acaba (se morremos), acabam,

consequentemente, todos os bens, obrigações e direitos.

O tempo é, verdadeiramente, a medida de tudo; se não há tempo, se não há

vida, não há nada. Ou como bem pontuou Guy Debord,99 “o homem é idêntico ao

tempo”, pois é somente no tempo que o homem se concretiza. Todas as coisas têm o

“seu tempo” e, como todo e qualquer ente intramundano, só podem ter tempo porque

são e estão “no tempo”.100

É inegável, portanto, que o tempo, assim como a vida e a liberdade, é atributo

da personalidade e, como tal, deve ser defendido e protegido, como medida de

alcance ao valor fundamental da dignidade humana.

O bem ou valor que aqui se tutela, portanto, não é a vida em contraposição à

morte nem a liberdade de ir e vir ou de pensamento. Com efeito, o que se tutela,

enquanto atributo da personalidade, é o tempo, que se concretiza na vida e liberdade

de cada indivíduo, isto é, o direito que cada cidadão tem de utilizar o seu tempo de

vida livremente, conforme suas próprias escolhas e aspirações.

A tutela do tempo é, por assim dizer, a tutela do direito que cada ser humano

tem de utilizá-lo livremente, da forma que entender melhor.101

O tempo aparece como sinônimo de quantidade de vida (ou de tempo de vida) e

a tutela diz respeito à liberdade que se exerce sobre essa vida, isto é, sobre a forma

com que se utiliza o tempo.

99 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017. p. 111. 100 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2017. p. 515. 101 TARTUCE, Fernanda; COELHO, Caio Sasaki Godeguez. Reflexões sobre a autonomia do dano temporal e a sua relação com a vulnerabilidade da vítima. In: BORGES, Gustavo; MAIA, Maurilio Casas (Orgs.). Dano temporal: o tempo como valor jurídico. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 112.

51

6 O DANO POR TEMPO PERDIDO

Conforme conclui Rogério Donnini, em sua obra Responsabilidade civil na pós-

modernidade, trabalho fruto da sua tese de livre-docência e que serve de paradigma

doutrinário para o presente estudo, a perda de tempo configura, antes de tudo, uma

lesão a um direito da personalidade e, como tal, é passível de indenização.102

Resta definir, portanto, em quais situações a perda de tempo configura

propriamente um dano ou uma lesão a algum direito da personalidade. Ou seja,

quando a perda de tempo viola interesses personalíssimos, afetando, negativamente,

a vida ou a liberdade do indivíduo (conforme defendemos no capítulo precedente), a

ponto de justificar e demandar uma correspondente e justa reparação.

Como se sabe, é pacífico no ordenamento jurídico nacional103 que o dano é

elemento indispensável, condição sine qua non, à verificação e execução da

responsabilidade civil e, portanto, do dever de indenizar. Sem o dano (ainda que pelo

viés da ameaça ou do risco dele ocorrer), não há responsabilidade civil.104

Consequentemente, o dano por tempo perdido precisa ser bem definido e

caracterizado, até mesmo como pressuposto para sua reparação.

102 “A importância do tempo, sua utilização e a brevidade da vida, enaltecida há milênios por filósofos, poetas e cientistas, tem significado primacial nessa era digital que estamos a presenciar, uma vez que a sensação de que o tempo (e a vida) passa de forma cada mais célere se funda no fato de que a natureza humana, que é flexível, imperfeita e desorganizada, se defronta com um mecanismo inflexível, perfeito e organizado da máquina computadorizada, conectada a uma rede mundial, com consequências na intensidade do trabalho, no acúmulo de tarefas, na falta de lazer, da perda de tempo livre, atingindo até mesmo aqueles que pouco ou nada fazem. [...] O princípio da responsabilidade segue essa visão contemporânea, que se coaduna com a terceira fase da responsabilidade civil, que abarca a proteção da pessoa humana, em consonância, portanto, com a iustitia proctetiva, decorrente dos direitos fundamentais, que impõe uma vida digna, vinculada aos direitos sociais, assim como o princípio neminem laedere, que tem por escopo evitar comportamentos antissociais e visa à prevenção e precaução de danos [...]. Portanto, há real liame entre o princípio da responsabilidade, uma vida feliz, harmoniosa, no plano coletivo, além de uma justa indenização para a violação de direitos, incluindo o tempo perdido (tempo livre), um dos novos direitos da personalidade, que também é protegido pelo direito constitucional ao lazer.” (DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 163-165). 103 “O dano é, dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil, o que menos suscita controvérsia. Com efeito, a unanimidade dos autores convém em que não pode haver responsabilidade sem existência de um dano, e é verdadeiro truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde não que reparar.” (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 2. p. 393). 104 “Condição da existência de responsabilidade civil, como sabemos, é a verificação de um dano ou prejuízo a ressarcir. Apenas em função do dano o instituto [da responsabilidade civil] realiza a sua finalidade essencialmente reparadora e reintegrativa.” (ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das obrigações. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1979. P. 390).

52

Atualmente, há muita discussão na doutrina e na jurisprudência sobre quais

espécies de danos são ressarcíveis em nosso ordenamento jurídico, especialmente

no que diz respeito aos danos de caráter extrapatrimonial. Entendemos, contudo, que

o tempo, representativo da vida e da liberdade humana, é atributo da personalidade

e, portanto, digno de proteção, nos termos do artigo 12 do Código Civil.105

De todo modo, ainda que assim não fosse, fato é que o ordenamento jurídico

pátrio adotou o sistema aberto (ou atípico) de responsabilidade civil, o que significa

dizer que é amplo e abrangente em termos de extensão qualitativa de danos

ressarcíveis, não se limitando a hipóteses legais predeterminadas pelo legislador

(numerus clausus).

De acordo com os ensinamentos de Anderson Schreiber,106 nos ordenamentos

jurídicos considerados atípicos, o legislador prevê tão somente cláusulas gerais de

responsabilidade, que deixam ao Poder Judiciário ampla margem de avaliação no que

diz respeito ao merecimento de tutela do interesse alegadamente lesado. Enquanto

isso, nos sistemas típicos (fechados), o legislador limita o dano ressarcível a certos

interesses previamente definidos, restringindo a atuação judicial.

No caso do ordenamento jurídico brasileiro, justamente, não há qualquer

limitação ou tipificação restritiva de interesses cuja violação possa originar um dano

ressarcível. Pelo contrário, nosso sistema está construído sobre uma cláusula geral

de ressarcimento (conforme artigo 186 do Código Civil,107 ancorado no artigo 5º, V e

X, da Constituição Federal),108 que prevê de forma abstrata o ressarcimento a danos

em geral, sejam patrimoniais, ou extrapatrimoniais, que venham a ser suportados pela

vítima.109

105 Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. 106 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 102. 107 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 108Art. 5º [...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 109 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 102-103.

53

No Brasil, tradicionalmente, o ordenamento jurídico reconhece de forma

positivada apenas duas espécies de danos: os danos patrimoniais e os morais. No

entanto, como explica Clóvis do Couto e Silva, embora a Constituição Federal de 1988

tenha representado um avanço em termos de referência expressa e pacificação da

reparação do dano moral, acabou trazendo, por outro lado, uma visão limitada da

responsabilidade civil, porque na expressão "dano moral", não necessariamente,

estão contemplados todos os danos (do ponto de vista conceitual) de natureza

extrapatrimonial, que devem ser protegidos pelo nosso sistema jurídico.110

Por conta da limitação terminológica do nosso ordenamento, doutrina e

jurisprudência acabaram por contornar a imprecisão técnica normativa, acolhendo sob

o pálio do dano moral (em sentido amplo), danos extrapatrimoniais, não

necessariamente, morais, como é o caso do dano estético, do dano existencial e do

dano biológico. Situação totalmente normal e aceitável dentro de um sistema aberto

de ressarcimento.

Assim sendo, em razão das características do nosso sistema atípico de

reparação de danos e da crescente ampliação da ressarcibilidade verificada nos

últimos anos, ocorreu que a expressão “dano moral” acabou por atrair e açambarcar

toda e qualquer espécie de dano de caráter não patrimonial. Uma espécie de

“categoria subsidiária” para aqueles danos cuja classificação não esteja

sistematicamente consolidada.

Nesse contexto, certamente, o dano por tempo perdido se insere na categoria

de danos extrapatrimoniais, já que o bem jurídico “tempo”, na sua essência, enquanto

dimensão quantitativa da vida e expressão da liberdade, não tem valor econômico.

No entanto, ainda que estejamos falando de um sistema aberto, que admite e

tutela interesses que não estão expressamente previstos no nosso ordenamento, no

que, certamente, poderíamos incluir o dano por tempo perdido como um interesse não

patrimonial, é certo que a tutela do tempo, necessariamente, sempre estará atrelada

110 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 667, p. 7-16, maio 1991.

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à tutela da vida e da liberdade, que são interesses imateriais expressamente

contemplados e protegidos em nosso ordenamento.111

Dessa forma, não vislumbramos qualquer possibilidade do dano causado a uma

pessoa por indevida perda de tempo não ser passível de reparação e ressarcimento

à luz da responsabilidade civil, seja porque o nosso sistema jurídico é atípico (aberto)

e admite a tutela de novas espécies de dano não tipificadas, seja porque o tempo é

atributo da personalidade (representativo da vida e da liberdade) e, como tal, conta

com expressa proteção legal e constitucional.

Além disso, para que não haja qualquer tipo de dúvida quanto à correta

inteligência das normas constitucionais e infraconstitucionais que regulam a matéria

em estudo, o artigo 5º da atual Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que

disciplina a hermenêutica jurídica, expressamente, determina que “na aplicação da lei,

o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Há, portanto, clara e indiscutível orientação legal no sentido de que as normas

de direito, quaisquer que sejam elas, devem ser interpretadas de forma a atender ao

fim social para o qual a regra foi criada, assim como às exigências do bem comum.112

Ao comentar o citado artigo, Maria Helena Diniz113 esclarece que

ao se interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir (LINDB, art. 5º). O ato interpretativo não se resume, portanto, em simples operação mental, reduzida a meras inferências lógicas a partir da norma, pois o intérprete deve levar em conta o coeficiente axiológico e social nela contido, baseado no momento histórico em que está vivendo. Dessa forma, o intérprete, ao compreender a norma, descobrindo seu alcance e significado, refaz o caminho da fórmula normativa ao ato normativo; tendo presentes os fatos e os valores dos quais

111 Nesse sentido: (i) art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; (ii) art. 21 do Código Civil: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. (iii) art. 954 do Código Civil: “A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente”. (grifos nossos) 112 CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Tese de Mestrado defendida na PUC-SP, 2012. p. 113. 113 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 153.

55

a norma advém, bem como os fatos e os valores supervenientes, ele a compreende, a fim de aplicar em sua plenitude o significado nela objetivado.

Conforme já tivemos a oportunidade de escrever em outro trabalho,114 o artigo

5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, confere ao magistrado método

interpretativo flexível que lhe permite conferir um alcance mais justo e socialmente útil

à norma que se pretende aplicar, tendo em vista os valores socioculturais presentes

na sociedade no momento da aplicação da norma.

Desse modo, se o tempo, sobretudo nos dias de hoje, é considerado o bem ou

recurso de maior valor e importância para todo e qualquer indivíduo, eis que poder ser

transformado e convertido em simplesmente tudo o que está ao nosso alcance, não

pode o direito, sob o pretexto de ausência de expressa previsão legal, escusar-se de

tutela-lo, principalmente quando o próprio ordenamento jurídico já nos fornece as

ferramentas próprias para protegê-lo, como vimos acima.

Questão das mais complexas, todavia, é determinar as situações em que a

violação do tempo configura um dano passível de indenização, isto é, quando e em

quais circunstâncias o tempo perdido deve ser reparado.

Entendemos que haverá dano ao tempo de uma pessoa sempre que houver uma

ilícita115 interferência externa na liberdade de gerir ou utilizar o seu próprio tempo ou,

no caso, a sua própria vida, como melhor lhe interessar. E haverá dano, também,

enquanto perdurarem os efeitos dessa indevida interferência.

Cada pessoa é livre para fazer as suas escolhas e determinar as suas próprias

ações. Assim é a vida de todos nós. Porém, somos afetados, instante após instante,

pelas mais diversas influências do mundo exterior em nosso poder de

autodeterminação, diante do que somos chamados a fazer escolhas nem sempre

fáceis, que implicam aceitar ou rejeitar as quase infinitas possibilidades de ações que

se apresentam à nossa frente.

114 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef de; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 52 e ss. 115 Nos termos do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” e “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

56

Diariamente, fazemos escolhas, das mais simples às mais complexas, e cada

escolha tem um custo de oportunidade116 e um impacto único, determinante e

irreversível no rumo de nossas vidas. O desenrolar da vida é determinado por nossas

escolhas e uma irônica e imprevisível dose de acaso. É o que se chama de “teoria do

caos”,117 mais comumente conhecida como “efeito borboleta”.

Se vamos levantar da cama quando o despertador tocar, se vamos tomar café e

em que lugar, se vamos dar “bom dia” às pessoas que encontramos e se vamos

cumprimentá-las de forma alegre ou indiferente, qual caminho pegar para ir ao

trabalho, se vamos pagar a fatura do cartão de crédito, qual carro vamos comprar e

se o pagamento será feito à vista ou parcelado, enfim, essas mais variadas escolhas

116 Custo de oportunidade é o preço que se paga ao fazer escolhas, já que cada escolha implica em uma ou mais renuncias à outras escolhas possíveis. Custo de oportunidade é um conceito que usamos todos os dias sem perceber. Imagine que, após um grande período de trabalho, você consegue alguns dias de folga e logo imagina uma viagem para descansar. Ao iniciar o planejamento, no entanto, lembra-se de um evento familiar importante no mesmo período. O que fazer? Avaliam-se os prós e contras de cada oportunidade. Viajar vai proporcionar descanso e novas paisagens, mas o fará perder a chance da companhia dos familiares queridos. Abortar a viagem representará um ótimo tempo em família, mas adeus descanso e novas experiências. Resumindo: abdica-se dos benefícios de uma escolha em favor de outra. Isso é custo de oportunidade. Saindo da perspectiva individual e passando para o social, pode-se pensar no custo de oportunidade como a escolha da alocação dos recursos disponíveis. Ao pensarmos em um recurso natural não renovável, como o petróleo e o granito, por exemplo, e um processo de transformação irreversível, como a queima do petróleo e sua transformação em combustíveis, percebe-se que a alocação dos recursos na produção de algum bem ou serviço levará à renúncia de várias outros. Isso vale, também, para qualquer bem finito. Se tomarmos os terrenos cobertos por mangue ou floresta nativa e decidir-se realizar uma obra no local, um bem será gerado ao mesmo tempo que algumas renúncias. Ao comprar um automóvel o interessado abre mão de aplicar o dinheiro em qualquer outro investimento, como uma aplicação financeira, em troca dos benefícios que aquele bem proporciona. É a eterna avaliação que devemos fazer antes de tomar qualquer decisão. Disponível em: <https://www.btgpactualdigital.com/blog/investimentos/custo-de-oportunidade-o-que-e-tipos-e-como-calcular>. Acesso em: 08/07/2018. 117 A ideia central da teoria do caos é que uma pequenina mudança no início de um evento qualquer pode trazer consequências enormes e absolutamente desconhecidas no futuro. Por isso, tais eventos seriam praticamente imprevisíveis – caóticos, portanto. Parece assustador, mas é só dar uma olhada nos fenômenos mais casuais da vida para notar que essa ideia faz sentido. Imagine que, no passado, você tenha perdido o vestibular na faculdade de seus sonhos porque um prego furou o pneu do ônibus e você não chegou a tempo ao seu destino. Desconsolado, você entra em outra universidade. Então, as pessoas com quem você vai conviver serão outras, seus amigos vão mudar, os amores serão diferentes, seus filhos e netos podem ser outros. No final, sua vida se alterou por completo, e tudo por causa daquele prego! Esse tipo de imprevisibilidade nunca foi segredo, mas a coisa ganhou ares de estudo científico sério no início da década de 1960, quando o meteorologista americano Edward Lorenz descobriu que fenômenos aparentemente simples têm um comportamento tão caótico quanto a vida. Ele chegou a essa conclusão ao testar um programa de computador que simulava o movimento de massas de ar. Um dia, Lorenz teclou um dos números que alimentava os cálculos da máquina com algumas casas decimais a menos, esperando que o resultado mudasse pouco. Mas a alteração insignificante, equivalente ao “prego” do nosso exemplo, transformou completamente o padrão das massas de ar. Para Lorenz, era como se “o bater das asas de uma borboleta no Brasil causasse, tempos depois, um tornado no Texas”. Com base nessas observações, ele formulou equações que mostravam o tal “efeito borboleta”. Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/o-que-e-a-teoria-do-caos/>. Acesso em: 13/05/2018.

57

estão sempre à nossa frente e cada uma delas traz uma consequência única para

nossas vidas, inexplicavelmente temperada com uma pitada, as vezes maior ou

menor, de sorte ou azar.

A verdade é que o homem é livre para tomar suas próprias decisões e fazer suas

próprias escolhas, e essa liberdade, como vimos, é condição da sua existência digna.

Essa liberdade de escolha carrega, veladamente, uma enorme dose de

responsabilidade, pois todas essas escolhas trazem consequências, muitas vezes,

imprevisíveis, mas pelas quais somos obrigados a responder. Justamente por isso é

que algumas pessoas tomam as rédeas da vida e guiam sua trajetória de forma mais

incisiva e ativa, enquanto outras preferem adotar uma postura mais passiva, deixando

que o acaso faça a sua parte (“deixando a vida nos levar”, como se diz popularmente).

Não há certo nem errado, mas há, claramente, livres escolhas em cada uma dessas

posturas.

Para Jean-Paul Sartre,118 a liberdade se confunde com a angústia das escolhas

que estão diante de cada um de nós, angústia de determinar suas decisões, atos ou

omissões, por sua conta e risco. Quando não há liberdade de escolha, isto é, quando

só há um único caminho a ser seguido, não há angústia, pois não há conflito, não

existe aí responsabilidade na escolha, justamente porque não há alternativa. A

liberdade carrega, desse modo, um alto grau de responsabilidade. Como bem explica

Franklin Leopoldo e Silva:119 “ser livre, nesse sentido, é sentir o peso de sua

responsabilidade sobre seus ombros, sem ter a quem culpar. É nesse aspecto que

Sartre diz que a liberdade impõe uma ‘responsabilidade opressiva’”.

Portanto, temos para nós que sempre que houver uma ilícita interferência nessa

liberdade de escolha, com repercussão direta na forma com que cada pessoa utiliza

ou gasta o seu tempo, haverá, certamente, um dano que comportará uma

correspondente reparação.

118 “É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou, se se prefere, a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesmo em questão.” (SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 72). 119 LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Ética e literatura em Sartre: ensaios introdutórios. São Paulo: Unesp, 2004. p. 31.

58

Sempre que houver a ação ou omissão voluntária de alguém que injustamente

retire da pessoa o seu livre arbítrio ou o poder de autodeterminação sobre o seu

próprio tempo e lhe consuma tempo de vida, limitando a sua autonomia, haverá dano

à personalidade. Haverá, nessa situação, interferência no tempo da pessoa e,

portanto, um tempo que para ela foi perdido e que demanda reparação.

Na verdade, o tempo nunca é propriamente “perdido”, pois o tempo, em si,

realmente existiu e foi consumido. O tempo perdido, no sentido figurado que aqui se

emprega, significa que o tempo não foi utilizado conforme a própria vontade do seu

titular, em função de uma interferência externa ilícita. Para nós, tempo perdido,

significa, consequentemente, tempo desperdiçado, tempo consumido em desacordo

com vontade (livre-escolha) de seu titular. É a mudança no seu plano de vida, a

intromissão indevida que faz a pessoa gastar o seu tempo em desacordo com o seu

querer original.

O tempo perdido é, por assim dizer, o tempo de vida que foi empregado para

determinada atividade ou circunstância que não estava no planejamento ou anseio da

pessoa, que se vê obrigada, contra a sua vontade, a adotar providências diversas

daquelas que seriam tomadas não tivesse ocorrido a ilícita intervenção externa.

Cada indivíduo tem o direito de escolher, livremente, como quer ou prefere alocar

o tempo de que dispõe, de tal modo que não pode ser obrigado ou forçado a alocar o

seu tempo na contramão de seus interesses.

Obviamente, que, se o tempo não puder ser utilizado como a pessoa quer, em

razão de uma justa e lícita interferência (por exemplo, em decorrência de sua prisão

por um crime que tenha praticado) ou por força do acaso (por exemplo, se ficou presa

no trânsito mais do que previa), não se poderá falar em responsabilidade. Mas sempre

que a interferência na forma com que se utiliza o tempo (e, portanto, a vida) decorrer

de ilícita ação ou omissão de terceiro, esse terceiro deverá responder pelo dano que

causou à vítima.

O dano, portanto, está na perda da liberdade de utilizar o tempo (vida) como bem

se quiser, de determinar os rumos da própria vida, de escrever a própria história.

59

Se o titular do direito não puder fazer as escolhas que se colocam à sua frente

por culpa de terceiro, há clara interferência deste na forma com que a vítima usa o

seu tempo e, via de consequência, a sua vida.

Oportuno, nesse momento, trazer as lições de Cees Van Dam,120 para quem o

que está em jogo e que é aqui mais importante do que qualquer coisa é o direito de

autodeterminação (self-determination) e o direito de escolher o modo de viver a vida

(right to choose their way of life).

Essas escolhas que fazemos diariamente constroem o nosso caminho no tempo,

edificando a história das nossas vidas. Todas essas escolhas, por mais rápidas e

simples que sejam, demandam alguma fração de tempo e, portanto, consomem a

nossa existência. E se usamos a nossa vida de forma diversa daquela que

gostaríamos, estamos, invariavelmente, perdendo tempo, desperdiçando o bem mais

precioso e fugaz que possuímos.

Desse modo, enquanto houver livre-escolha, enquanto o titular puder determinar,

livremente, a sua condição, o tempo estará sendo gasto conforme a sua vontade. No

entanto, se essa liberdade não existir ou se a liberdade for extremamente comprimida

a ponto de não deixar escolhas minimamente razoáveis, o seu titular não estará

dispondo do seu tempo e, portanto, a interferência ilícita causará dano suscetível de

reparação.

Entendemos, assim, que são requisitos para a conformação de dano por tempo

perdido: (i) a interferência antijurídica na liberdade de escolha (ato ilícito); (ii) que essa

interferência seja forte o bastante para limitar significativamente a liberdade da vítima;

e (iii) uma mínima quantidade de tempo em que essa liberdade ou autonomia não

pode ser exercida plenamente por seu titular em razão daquela interferência (dano).

Estando, simultaneamente, presentes esses requisitos (além, é claro, dos requisitos

gerais da responsabilidade civil), haverá perda de tempo passível de ressarcimento,

pois o tempo não foi gasto conforme a livre-vontade de seu titular.

No primeiro requisito, estamos diante de um ato ilícito tradicional, na forma dos

artigos 186 e 187 do Código Civil, com impacto direto na liberdade de escolha ou de

120 VAN DAM, Cees. European tort law. Second edition. New York: Oxford University Press, 2013. p. 194.

60

autodeterminação da vítima. O segundo requisito diz respeito à intensidade da

intervenção, que tem que, efetivamente, retirar da vítima a liberdade e o poder de

fazer as próprias escolhas. Finalmente, o terceiro e último requisito é o dano,

representado pela existência de um intervalo de tempo em que a liberdade de escolha

ou de autodeterminação foi aniquilada ou extremamente limitada.

Vejamos a seguir alguns exemplos que resumem a presença desses três

requisitos: a pessoa que, em razão de um acidente de trânsito, fica acamada por

meses não está apta para dispor, livremente, do tempo que possui nesse período de

internação. O mesmo ocorre com as vítimas de um naufrágio que ficam à deriva no

mar, à espera do resgate. Idem, no caso de uma pessoa que fica por horas presa

dentro de um elevador, em razão do seu mau funcionamento. Havendo a culpa e/ou

a responsabilização pela conduta lesiva, a perda de tempo que se segue completa o

requisito para o ressarcimento do dano por tempo perdido.

Em todas as situações dos exemplos acima, a liberdade da vítima foi aniquilada.

A interferência foi forte o bastante para retirar da vítima a autonomia de utilizar o tempo

conforme seu próprio interesse, representando uma supressão de tempo de vida. Não

houve liberdade de escolha nem livre-disposição do seu tempo pelo período em que

duraram os efeitos da indevida intervenção. Em todos os casos, as vítimas foram,

efetivamente, obrigadas a consumir o seu tempo de vida de modo diverso do que

pretendiam originalmente e assim foi, justamente, em razão da ilícita intervenção de

terceiro.

Ocorre, no entanto, que, em muitas situações, essa ilícita intervenção não

elimina totalmente a liberdade de escolha ou de autodeterminação da vítima, mas a

limita e restringe consideravelmente, afetando a forma com que a vítima usa o seu

tempo, fazendo com que ela venha a utilizá-lo, ainda que com certa

discricionariedade, mas não da forma com que o utilizaria em uma situação sem

aquela interferência.

Nessas hipóteses, embora mais complexas as suas aferições, também haverá

perda de tempo passível de indenização. É o caso, por exemplo, de um cancelamento

de voo em que a vítima se vê obrigada a aguardar longamente no aeroporto, ou em

um hotel, até o novo embarque. A vítima, no caso, até possui algumas escolhas a seu

61

dispor, pode tentar adquirir de última hora uma passagem por outra companhia, pode

ir fazer compras, ler um livro ou comer algo enquanto aguarda, mas, invariavelmente,

a ilícita intervenção alterou a forma com que a vítima gozaria o seu tempo naquela

situação. O mesmo ocorre quando uma pessoa sofre um grave trauma e tem que se

submeter a inúmeros exames, tratamentos e consultas médicas. Novamente, aqui a

vítima tem a opção de não realizar esses procedimentos, mas se vê quase que

obrigada a fazê-los para minimizar os danos sofridos. É fácil perceber que, em ambos

os exemplos, a vítima tem certa autonomia, mas não uma autonomia plena, pois sua

liberdade de escolha foi comprometida e está orientada a minimizar os efeitos da

intervenção ilícita. Nesses casos, a vítima teve que gastar o seu tempo para corrigir o

curso da sua vida, que foi, indevidamente, alterado. Há, claramente, um “custo

temporal”, na medida em que foi levada a empregar esforço e tempo, que jamais lhe

serão restituídos, para sanar a injusta intervenção ou os efeitos dela decorrentes. De

todo modo, essa intervenção limitou a liberdade da vítima e fez com que o tempo não

fosse gasto de acordo com a sua livre-vontade.

É importante notar que a falta de autonomia e liberdade sobre a gestão do tempo

é elemento fundamental para a caracterização do dano por tempo perdido. Enquanto

houver autonomia e liberdade, não há dano por tempo perdido, pois, se não houve

intervenção na autonomia e na liberdade, o tempo foi gasto de acordo com a vontade

da vítima, ainda que aquela forma de utilizar o tempo não fosse considerada ideal.

É por esse motivo que entendemos que situações, como a de longas esperas

para atendimentos em call centers ou em instituições financeiras ou, ainda, em

procedimentos burocráticos para solução de problemas cotidianos, via de regra, não

configuram dano por tempo perdido. É necessário perceber que, nesses casos, (na

grande maioria das vezes) o indivíduo livremente optou, dentre as inúmeras escolhas

que tinha à sua frente, por gastar o seu tempo naquela atividade, exercendo,

certamente, um juízo de valor, ponderando que o custo-benefício de dedicar o seu

tempo àquela finalidade lhe era mais vantajoso do que se não o fizesse. E, se exerceu

a liberdade, gastou o seu tempo e, portanto, viveu como queria.

Para a caracterização do dano por tempo perdido, a vítima deve,

necessariamente, perder a gestão ou autonomia de alocar seu tempo em

conformidade com a sua livre-vontade. Enquanto estiver gastando o seu tempo

62

conforme as suas livres-escolhas, ainda que aquela alocação de tempo não seja a

sua predileta, não haverá dano ao tempo, justamente porque não houve intervenção

na liberdade ou autonomia de escolha em relação à sua utilização.

Sendo assim, para nós, uma analogia interessante seria falar em reparação civil

por “apropriação indevida” do tempo alheio. Empresta-se parcialmente o conceito de

apropriação indébita do direito penal, sem, contudo, confundir os temas, já que,

claramente, a apropriação indevida do tempo alheio não constitui o tipo penal do artigo

168 do Código Penal.

Para Guilherme de Souza Nucci,121 apropriar-se significa apossar-se ou tomar

como sua coisa que pertence a outra pessoa. A expressão carrega, claramente, a

ideia de tirar algo do controle, da posse ou da propriedade de seu titular. No caso de

intervenções indevidas no tempo de vida de determinada pessoa, o tempo é,

justamente, a coisa que sai da esfera de controle do seu titular (a vítima perde a

autoridade que exerce sobre o seu tempo), com a diferença de que aquele tempo não

é transferido para outra pessoa para dele [tempo] se beneficiar. Nesse caso, o tempo

simplesmente passa, se esvai sem retorno. Mas sem a menor dúvida o tempo acaba

sendo empregado, se não em favor do terceiro, certamente em função dele que

causou a ilícita intervenção.

Como sabemos, o tempo não pode ser apreendido nem objeto de propriedade

ou de posse de quem quer que seja, não se transfere a titularidade, muito menos o

direito de usá-lo ou fruí-lo, tampouco se pode levar ao pé da letra a expressão “tempo

perdido”, pois o tempo não se perde. O tempo, como vimos, existiu, esteve lá, não foi

propriamente perdido, mas foi irreversivelmente utilizado (gasto, alocado, consumido)

de forma diferente da que seria, caso não tivesse ocorrido a injusta interferência

externa. O que ocorre é uma espécie de esbulho ou turbação do tempo. Essa é, sem

dúvida, uma outra interessante analogia, no entanto, como o tempo não pode ser

restituído, como ocorre com a posse ou a propriedade de um bem, então o termo

apropriação (na expressão: apropriação indevida do tempo alheio) nos parece mais

adequado para esclarecer o conceito de perda de tempo que pretendemos aqui

121 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 620.

63

empregar, sem prejuízo da comparação para fins didáticos que os termos perda,

esbulho ou turbação representam no caso concreto.

64

7 A REPARAÇÃO DO TEMPO: O BEM JURÍDICO, O DANO E SUA EXTENSÃO

Inicialmente, para viabilizarmos a correta reparação do dano por tempo perdido,

é preciso primeiro delimitar o bem jurídico passível de lesão.

No caso, estamos tratando do tempo, isto é, da quantidade de vida de que

dispomos. Um bem jurídico singular, único, sem semelhança alguma com qualquer

outro bem entre nós existente. O tempo que para nós interessa é o tempo do homem,

é a medida de todas as coisas, porque tudo o que nos cerca e nos diz respeito existe

e acontece em função do tempo que possuímos. E o tempo do homem é, justamente,

a sua vida, ou melhor, o seu período de vida, o interregno entre dois instantes,

qualquer tempo verificado entre o marco inicial da vida, com o nascimento, e o seu

termo final, com a morte.

É, destarte, o espaço em que o homem se projeta enquanto sujeito de direitos e

obrigações. Todos os bens, direitos e obrigações que o ordenamento jurídico tutela

só se justificam em face desse tempo. Se não existir tempo, não existirão os bens

nem direitos ou obrigações, não existirá nada.

Desse modo, o tempo que se pretende tutelar é, justamente, o tempo de vida de

cada indivíduo, o período momentâneo ou transitório pelo qual o homem se torna

sujeito de direitos e obrigações, ou seja, o período em que existimos, é o tempo

enquanto medida quantitativa da vida.

A essência do bem que tratamos neste estudo é, portanto, a vida ou, como

vimos, o tempo que dela dispomos. Ocorre, no entanto, que o tempo de vida é um

bem jurídico abstrato, imaterial, que não pode ser alcançado ou controlado pelo

homem. Logo, a tutela em relação ao bem jurídico tempo é feita através da garantia

do seu exercício, que se dá pela liberdade de dispor do tempo e de conduzir nossas

vidas (nesse tempo que dispomos) conforme os nossos mais íntimos e próprios

interesses. Liberdade de fazer as escolhas que se apresentam à nossa frente e de

autodeterminar as nossas ações, de conduzir o nosso destino e de gerir a nossa

própria vida no tempo (finito e incerto) que possuímos. Por isso, em última análise, o

bem aqui tutelado é a liberdade de viver, pelo viés do tempo, que é, precisamente, o

conteúdo (quantitativo) da vida.

65

Importante destacar que não é objeto deste estudo nem se pretende discutir

aqui, a tutela do tempo do ponto de vista produtivo, de trabalho ou de consumo. Isso

porque, sob essas circunstâncias, o tempo apresenta características materiais e

econômicas concretas, que revelam e traduzem o tempo como ordem de grandeza

patrimonial. Logo, o dano ao tempo produtivo, de trabalho ou de consumo, não é dano

à vida nem à liberdade, é dano material puro.

Também não é objeto deste estudo o tempo sob seu aspecto qualitativo, isto é,

o tempo subjetivo, psicológico ou interno de cada ser humano, que se percebe e se

manifesta diferentemente em cada pessoa, em cada circunstância e sob diferentes

estados de espírito. A percepção subjetiva do tempo, que faz com que segundos

pareçam durar horas e horas passem num piscar de olhos, não é tutelável pelo direito,

senão enquanto angústia, dor ou sofrimento. Porém, nessas situações, a lesão ao

interesse sensitivo não está associada à quantidade de tempo perdido, mas sim ao

estado anímico da vítima, enquadrando-se como dano moral puro ou subjetivo. O

tempo, qualitativamente falando, independe do tempo concreto e objetivo, mas sim do

estado psicofísico da pessoa e, desse modo, não é passível de reparação, a não ser

que o evento danoso se traduza em dano moral propriamente dito.

Não se ignora que o fator temporal é fundamental para a compreensão e

dimensão, tanto do dano material, como do dano moral puro. Mas não é desse tempo

que estamos cuidando neste trabalho.

O tempo que nos interessa como bem passível de tutela é a medida objetiva

dele, aquele que pode ser controlado e confirmado conforme uma regra ou critério

uniforme, comum a todas as pessoas e de fácil acompanhamento e marcação. É, por

assim dizer, o tempo medido pelo relógio e pelo calendário,122 o tempo cronometrado,

despido de qualquer valor sensitivo e pecuniário, portanto, sem qualquer juízo de

valor. Por isso que insistimos em dizer, o bem jurídico tempo é a quantidade limitada

de vida que possuímos e sobre a qual impera a nossa liberdade de agir e de fazer

escolhas conforme nossos interesses.

122 Como vimos no capítulo 4, o relógio e o calendário são criações (ferramentas) humanas para padronizar e medir o tempo.

66

O bem jurídico “tempo” (de vida) distingue-se dos demais bens pelo conjunto dos

seguintes atributos ou características: é intangível, ininterrompível, irreversível,

irrecuperável, irrestituível, limitado (ou escasso), inacumulável, inalienável, e,

finalmente, financeiramente inestimável, ou seja, sem conteúdo econômico.

O tempo é intangível porque não se pode tocar, ver e nem apreender. É um

pouco como a luz que projeta todas as coisas existentes: sabemos que ela existe e

está lá, percebemos a sua presença, mas não se pode alcançá-la.123 O tempo também

não pode ser objeto de interrupção, claramente não pode ser parado nem suspenso,

tampouco acelerado ou retardado, o tempo simplesmente flui na sua velocidade

constante, aconteça o que acontecer.124 É, ainda, irreversível, pois o tempo que se foi

não se pode mais recuperar, tampouco se pode acrescer o tempo perdido ao tempo

que está por vir, de tal forma que o tempo revela-se, também, irrestituível. É, também,

limitado, na medida em que é um bem finito para nós, seres vivos, sendo que, mais

cedo ou mais tarde, invariavelmente, ele terminará para cada um de nós. É, desse

modo, um bem escasso e finito, com a peculiaridade de ser impossível saber quanto

dele ainda nos resta para consumir. O tempo também não pode ser economizado ou

poupado, não se pode acumular tempo para gastá-lo em outra oportunidade.

Outrossim, o tempo é inalienável e irrenunciável, e não porque o direito assim o

determina, mas porque a lei da natureza (física) assim nos impõe. Não se pode

transferir o tempo de uma pessoa para outra nem recusá-lo ou dele abdicar.

Finalmente, o tempo é inestimável, pois não possui conteúdo econômico, não pode

ser medido por valor de mercado.

Em síntese, essas são as características próprias do tempo que aqui nos

interessa, do tempo que cerca o homem e que representa a medida quantitativa da

sua vida.

123 PIETTRE, Bernard. Filosofia e ciência do tempo. Trad. Maria Antonia Pires de Carvalho Figueiredo, Bauru: Edusc, 1997. p. 218. 124 Obviamente que estamos tratando, aqui, do tempo natural do homem na terra, pois, como preceitua a teoria da relatividade de Albert Einstein, em condições extraordinárias (por exemplo, próximo a massas e gravidades extremamente elevadas), o tempo pode ser deformado, desviado ou ter sua velocidade alterada (HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. 11. ed. São Paulo: Arx, 2002. p. 11 e 24).

67

O dano ao tempo afeta a forma como cada indivíduo aproveita os momentos

(tempo) de vida de que dispõe, desviando a vítima do caminho desejado e produzindo

efeitos sobre o seu destino. O dano ao tempo equivale, se tomarmos como exemplo

uma partida de xadrez, a fazer um movimento errado com alguma peça do tabuleiro,

que conduzirá a um resultado indesejado, sem mais volta.

Diz respeito à conduta ilícita de terceiro, que representa uma interferência

externa indevida na liberdade da vítima escolher como gastar ou gerir o próprio tempo.

Pressupõe, portanto, uma ação ou omissão externa, cujo resultado ou efeito

impossibilita que a vítima utilize o seu tempo de vida como melhor lhe convenha.

Decorre da violação da liberdade de ação do indivíduo, que o impede de fazer as

escolhas que naturalmente se apresentam diante de si. Podemos dizer, ainda, que se

trata de um óbice indevido na livre-gestão e na livre-iniciativa sobre a própria vida e,

consequentemente, sobre a forma de gastar o próprio tempo.

Como se pode notar, o dano ao tempo é aquele que retira da vítima a liberdade

de gastar o tempo como bem quiser, de viver a vida conforme suas próprias e íntimas

aspirações. A conduta que se pretende reprimir é toda aquela que obstrui ilicitamente

o livre-arbítrio e a autonomia do indivíduo para determinar seus próprios atos dentre

as inúmeras e aleatórias variáveis possíveis.

Todos nós somos livres para gastar o nosso escasso e precioso tempo da forma

que achamos melhor e, assim, conduzir a nossa vida. E sempre que houver uma

conduta externa, ilícita, que interfira nessa liberdade, retirando do indivíduo o poder

de autodeterminação, haverá dano ao tempo a ser indenizado.

Dessa forma, pode-se dizer que o dano ao tempo estará configurado sempre

que existir uma circunstância externa limitadora da liberdade de ação, forte o

suficiente em termos de intensidade, que retire da vítima o direito que ela possui de

escolher a forma de consumir o seu tempo.

O dano, portanto, limita o gozo do tempo, limita a livre-disposição da vida.

Ocorre que essa indevida interferência externa nem sempre vai limitar,

totalmente, a liberdade de escolha da vítima, mas, ainda assim, mesmo nas hipóteses

em que essa limitação for parcial, mas desde que relevante, haverá dano ao tempo.

68

Contudo, não é toda e qualquer limitação parcial na liberdade individual que vai

configurar lesão por tempo perdido. Essa limitação parcial, sem a menor dúvida,

precisa ser, significativamente, relevante para representar efetivamente um dano ao

tempo.

Nas situações em que a liberdade da vítima é totalmente aniquilada fica mais

fácil identificar o dano ao tempo, pois o sujeito fica absolutamente sem escolhas, como

a pessoa que, em razão de um acidente de trânsito, fica acamada por meses não está

apta para dispor livremente do tempo que possui nesse período. O mesmo ocorre no

exemplo das vítimas de naufrágio que ficam à deriva no mar, à espera do resgate. E,

também, com a pessoa que fica por horas presa dentro de um elevador em razão do

seu mau funcionamento.

Em todos os casos acima descritos, a ação ilícita de terceiro retirou da vítima

praticamente toda e qualquer autonomia que ela possuía sobre como gastar ou gerir

o seu tempo naquele período. Às vítimas, não restavam praticamente nenhuma

alternativa, senão aceitar a situação imposta e aguardar o seu desfecho. A liberdade

sobre o que fazer com o próprio tempo (com a vida naquele intervalo) foi totalmente

retirada da vítima.

Porém, nas situações em que a liberdade não é totalmente eliminada, a

constatação do dano é mais difícil, pois nos deparamos com a subjetiva tarefa de

avaliar o grau de autonomia e liberdade que restou à vítima nas circunstâncias

potencialmente lesivas. Ou seja, é preciso perquirir até que ponto a intervenção

externa retirou da vítima o poder de livre-escolha e foi determinante para desviar a

vítima de seu rumo natural.

Nesses termos, considerando os fundamentos que embasam a presente tese

(no sentido de que a lesão ao tempo decorre da violação da liberdade que se tem para

gastar ou gerir o livremente o próprio tempo de vida), entendemos ser essencial que

a liberdade de agir e de escolher seja significativamente comprimida pela ilícita

intervenção de terceiro, deixando a vítima quase que sem alternativas ou com

alternativas que lhe sejam todas prejudiciais, forçando a vítima a optar por aquela que

lhe é menos gravosa, algo parecido com a coação.

69

A restrição à liberdade de agir e fazer as próprias escolhas deve ser relevante e

expressiva para haver dano por tempo perdido e deve, realmente, prejudicar

sensivelmente a liberdade de ação. Enquanto houver liberdade de escolha ou

caminhos razoáveis para a vítima optar em termos de condução da sua vida no tempo,

não haverá lesão a esse bem.

A limitação deve restringir, consideravelmente, a liberdade da vítima, afetando a

forma com que ela gasta o seu tempo, fazendo com que ela venha a utilizá-lo, ainda

que com certa discricionariedade, não da forma com que o utilizaria em uma situação

sem aquela ilícita intervenção.

Nessas hipóteses também haverá perda de tempo passível de indenização. É o

caso, como já vimos, do cancelamento injustificado de voo em que a vítima,

normalmente sem ter o que fazer ou para onde ir, perde a liberdade de escolher como

gastar seu tempo, vendo-se obrigada a aguardar indefinidamente até o novo

embarque. Ou quando uma pessoa sofre um grave trauma e tem que se submeter a

inúmeros exames, tratamentos e consultas médicas, que o impedem de fazer outras

coisas que normalmente faria naquele tempo.

Essas situações diferem muito dos problemas cotidianos onde gastamos certo

tempo para resolver, sobretudo, problemas relacionados à prestação de serviços em

massa, como telefonia, instituições financeiras, cartão de crédito etc.

Problemas e contratempos fazem parte da vida. Por isso, o tempo que gastamos

para corrigir ou resolver alguns problemas que se apresentam diante de nós nem

sempre será considerado tempo perdido passível de reparação. Esses problemas,

ainda que representem uma interferência externa ilícita, em geral, não afetam a

liberdade de o indivíduo conduzir a sua vida. Em outras palavras, é o próprio indivíduo

que escolhe gastar tempo naquela atividade, ainda que pudesse estar fazendo outra

que lhe fosse mais agradável. Mesmo nessas circunstâncias, o indivíduo faz um juízo

livre de valor e de custo-benefício, ele livremente opta em gastar tempo naquela

atividade, porque ela de alguma forma lhe convém. Nesses casos, o indivíduo, ainda

que contrariado, tem as rédeas da vida em suas mãos, é senhor do próprio tempo e

livremente escolhe gastá-lo com aquela atividade ou tarefa.

70

Mesmo em situações de relação de consumo, em que há um ato ilícito do

fornecedor (por exemplo, um serviço mal prestado) esse ato ilícito, via de regra, não

restringe a liberdade de ação e de escolha da vítima, que se dispõe a gastar seu tempo

para resolver a situação ilicitamente criada, mesmo podendo optar por outros

afazeres.

Nesses casos, normalmente, não há dano ao tempo, pois, via de regra, a

liberdade do consumidor não é afetada. De forma geral, nessas situações, o

consumidor está no livre-exercício da sua vontade e, normalmente, opta por gastar

certo tempo com determinada tarefa burocrática, embora nada prazerosa, porque

aquilo para ele é importante. Mas não haverá dano por perda de tempo, pois a escolha

sempre esteve nas mãos do consumidor, que, livremente, optou por seguir aquele

caminho. Obviamente que, se há ilícito ou abuso por parte do fornecedor do serviço

ou produto, o consumidor poderá pleitear os danos materiais ou morais próprios. Mas

dano ao tempo, certamente, não haverá.

Como se pode notar, a intervenção ilícita deve atuar, enquanto requisito para a

configuração do dever de reparação, justamente sobre a liberdade que a vítima tem

de escolher como gastar o seu tempo; do contrário, não haverá dano por tempo

perdido.

Delimitado o bem jurídico passível de tutela e as características do dano, passa-

se a analisar a real extensão do dano por tempo perdido, assim compreendida como

a quantidade de tempo indevidamente retirada da vítima. Se, nos termos do art. 944

do Código Civil, a indenização mede-se pela extensão do dano, obviamente que

compreender o dano em toda sua dimensão é fundamental para assegurar a sua

adequada e justa reparação.

Felizmente, diferentemente do que ocorre no dano moral, a extensão do dano

ao tempo é de muito mais fáceis percepção e medição, já que se trata de um conceito

com medida objetiva, segundo critérios universalmente padronizados: segundos,

minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas etc. Não há, na extensão do

tempo (logo na extensão do dano), subjetivismo na sua apreciação, ou seja, não há

presunção nem intepretações do estado anímico ou psicológico da vítima, como sói

acontecer com o dano moral subjetivo ou com o dano estético.

71

A extensão do dano por tempo perdido é simples e exatamente a quantidade

objetiva de tempo indevidamente desperdiçada por ação de terceiro. É o resultado de

uma habitual e descomplicada operação matemática que revela em sua equação a

quantidade de tempo perdido, ou seja, a extensão do dano ao tempo. A extensão do

dano é, portanto, o produto (quantidade de tempo) resultado da diferença apurada

entre o tempo total disponível e o tempo desperdiçado em decorrência de ilícita

intervenção externa. O resultado dessa equação é, justamente, a extensão do dano,

o tempo perdido, a quantidade de vida que foi suprimida da vítima, ou melhor, que foi

injustamente gasta na contramão dos seus interesses, o tempo em que não foi

possível exercer livremente a sua vontade.

Esse tempo, resultado da equação mencionada, é o dano objeto de reparação

de acordo com o nosso estudo e que encontra amparo em nosso ordenamento

jurídico. Não tão simples, contudo, é a delimitação dos critérios para fixação da

indenização que visa à sua reparação, mas isso será objeto de capítulo específico

mais adiante.

72

8 A REPARAÇÃO DO TEMPO PERDIDO NA EXPERIÊNCIA NACIONAL

O tema, genericamente falando, certamente, não é nenhuma novidade em

nossos Tribunais. Ainda que de forma bastante tímida, a jurisprudência nacional tem

caminhado, já há alguns anos, no sentido de reconhecer a possibilidade de reparação

do tempo perdido.

Conforme bem adverte o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, do

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,

o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização.125

Nesse mesmo sentido, o Desembargador Soares Levada, do Tribunal de Justiça

de São Paulo, apoiado no escólio de Rogério Donnini, explica que o “tempo perdido

indevidamente configura lesão à personalidade da vítima, que viveu menos”126 e que,

portanto, deve ser objeto de reparação.

Ocorre, no entanto, que, apesar da reparação do tempo injustamente perdido já

ser um tema minimamente recorrente em nossos tribunais, a jurisprudência não tem

dado a atenção e a importância que o assunto requer. Infelizmente, os julgados que

já abordam o assunto o têm tratado não de forma percuciente, como seria desejável,

mas de forma muito superficial e limitada, restringindo, por demais, a reparação do

tempo indevidamente perdido, tratando o tempo não como um bem em si, mas como

fato de segunda grandeza e importância, restrita a um determinado segmento social

e valorizado, apenas, na proporção de suas supostas qualidades materiais.

125 CARVALHO, Luiz Fernando Ribeiro de. Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual. AMAERJ Notícias Especiais, n. 20, jun. 2004. 126 TJSP, Apelação 1000388-50.2016.8.26.0348, Relator Desembargador Soares Levada, Data do

Julgamento 15/05/2018.

73

Diversos já são os julgados, sobretudo nos Tribunais de Justiça de São Paulo e

do Rio de Janeiro, em que se reconhece a necessidade de se indenizar a perda de

“tempo útil”127 ou “tempo livre”.128

127 1. “Não se pode negar que a conduta das rés tem subtraído do consumidor um valor precioso, que é seu tempo útil, situação que gera dano e, por isso, passível de indenização” (TJSP, Apelação 0000931-10.2014.8.26.0326; Relator Desembargador Sérgio Shimura, Data do Julgamento: 14/02/2017). 2. “Reclamações não atendidas pela via administrativa, ficando claro o desgaste e a perda do tempo útil a configurar o dano moral indenizável. A indenização a título de dano moral pela perda do tempo útil não só atende a sua finalidade compensatória, como também prestigia a finalidade pedagógica, que também reveste aludida indenização, pois visa coibir a reincidência da conduta lesiva, notadamente porque tinha a apelada condições de resolver administrativamente o problema, 2 ALSD preferindo, no entanto, em flagrante desrespeito aos direitos do consumidor, escolher o cômodo caminho da inércia, ignorando ou negligenciando na apuração das reclamações levadas a efeito pelo consumidor, ora apelante, o forçando a buscar, pela via judicial, solução que facilmente seria encontrada pela via administrativa.” (TJRJ, Apelação Cível 0002766-28.2016.8.19.0077, Relator Desembargador Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, Data de julgamento: 20/06/2018). 3. “APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE SERVIÇOS TELEFÔNICOS E INTERNET. COBRANÇA POR SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS. ABORRECIMENTOS E FRUSTRAÇÕES QUE ENSEJAM A COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS EXPERIMENTADOS. A insistência de cobrança de serviços não contratados é abusiva e enseja o pagamento de indenização por danos morais, porquanto gera frustrações e perda de tempo útil que suplantam os aborrecimentos cotidianos. Se o consumidor contratou determinado serviço, a emissão de faturas insistindo na cobrança de valores pertinentes a outros serviços não contratados, além de indevidos é absolutamente inconveniente e irritante, sobretudo quando mantida após reclamação e ajuizamento de ação. Evidente dissabor sofrido, considerando a perda do tempo útil e o desfrute despreocupado do serviço. Questão que não pode desaguar no judiciário sem a devida reprimenda, sendo certo que poderiam ter sido evitadas de forma administrativa, através de simples atenção por parte do fornecedor do serviço. Honorários advocatícios invertidos e fixados consoante o trabalho desenvolvido em grau recursal. Conhecimento e provimento do recurso.” (TJRJ, APELAÇÃO CÍVEL 0203701-21.2016.8.19.0001, Relator Desembargador Rogerio de Oliveira Souza, Data de julgamento: 12/06/2018). 128 1. “No âmbito da indenização por dano moral, tem sido admitida pela jurisprudência a indenização pela perda do tempo livre do consumidor, denominada de 'Desvio Produtivo do Consumidor' – A indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para solucionar problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores – Tendo a ré se recusado injustificadamente a alterar o endereço de ligação da linha telefônica, bem como em virtude da ausência de impugnação específica às afirmações do autor de que efetuou diversas ligações buscando a solução do problema, que perdurou cerca de três meses, caracterizados os danos morais sofridos pelo autor, em razão da perda do tempo livre do consumidor.” (TJSP, Apelação 1006221-17.2016.8.26.0003, Relator Desembargador Salles Vieira, Data do julgamento: 29/06/2017). 2. “Não é demais anotar a nova teoria que permite responsabilização também pela perda do tempo livre, elemento que deve ser considerado para a fixação da indenização. Modernamente, em era de globalização e de tecnologia, não apenas as distâncias ficaram diminutas, mas especialmente o tempo restou escasso para a realização das diversas e imediatas tarefas a que estamos ligados e dependentes no cotidiano. Na situação, por certo, além da insegurança de ver-se cobrado reiteradamente pelo que não devia, o apelante também precisou despender de seu tempo livre para resolver o problema, que apenas encontrou algum norte pela prestação jurisdicional. Ora, para solução do problema, o apelante realizou diversos contatos, precisando realizar mais de um em alguns meses, conforme histórico não impugnado reunido às fls. 14, com evidente perda do tempo livre.” (TJSP, Apelação 0003212- 75.2012.8.26.0368, Relator Desembargador Sá Moreira de Oliveira, Data de julgamento: 10/04/2013). 3. “CONSUMIDOR – Prestação de serviços de telefonia móvel – Desconstituição de valores lançados em faturas mensais – Reiteração de lançamentos indevidos mesmo após intervenção do PROCON e ANATEL – Linha bloqueada – Dano moral constatado em razão do tempo livre perdido para dirimir a

74

Ocorre, no entanto, que não é apenas o “tempo útil” ou o “tempo livre” que devem

ser objetos de proteção e tutela pelo ordenamento jurídico vigente. O tempo

considerado útil e o tempo livre são, sem a menor dúvida, dignos de proteção. No

entanto, do nosso ponto de vista, para fins de reparação, pouco importa a qualidade,

a natureza ou a finalidade do tempo violado. O tempo, como vimos, é medida da vida

e o que cada um faz com ele integra o direito de liberdade de opções que tem o ser

humano.

Não concordamos com o emprego da expressão “perda de tempo útil”, na

medida em que ela carrega, no mínimo, uma ideia falsa de que existe, em

contraposição, um tempo não útil (inútil), isto é, um tempo que não pode ser

aproveitado ou utilizado e que, portanto, não seria objeto de proteção nem de

reparação. Mas isso seria um enorme erro, pois o tempo é, sempre e invariavelmente,

útil, ainda que ele possa ser desperdiçado com afazeres, por assim dizer, pouco

nobres. Fato é que não cabe a ninguém, nem mesmo ao Poder Judiciário, julgar como

cada um utiliza o seu tempo.

Se o tempo é a medida da vida, cabe, exclusivamente, a cada um avaliar e

determinar como deseja utilizar o próprio tempo. E, dessa forma, útil ou não (usado

para fins virtuosos ou ordinários), o tempo, se indevidamente suprimido de alguém,

deve, sempre, ser objeto de proteção e reparação.

Ainda que a expressão “perda de tempo útil” possa, numa interpretação mais

abrangente, significar, também, perda de tempo disponível (isto é, que se tem à

disposição para gastar), o emprego dessa expressão, mesmo assim, nos parece

inadequada para o fim a que se destina, pois, nesse caso, soa como redundância.

Isso porque, materialmente falando, não existe outro tempo que não aquele de que

dispomos a cada momento em que vivemos. Não existe um tempo considerado

indisponível. O tempo futuro é incerto, é uma mera expectativa, enquanto que o tempo

passado já se esvaiu. Ambos não existem, a não ser em nossas mentes. Logo, a

expressão tempo útil, qualquer que seja o seu significado, não serve para qualificar

questão – Demonstração do total descaso da operadora de telefonia com a consumidora – Indenização fixada em R$ 13.500,00 – Apelo provido.” (TJSP, Apelação 9086031-89.2008.8.26.0000, Relator Desembargador Ricardo Negrão, Data de julgamento: 09/05/2011).

75

nem para explicar a existência de um tempo específico, que deva ser objeto de

proteção pelo ordenamento jurídico.

Por sua vez, a expressão “perda de tempo livre” nos parece menos equivocada,

se considerarmos que existe, de fato, um tempo considerado livre, que é aquele (na

acepção mais ampla do termo) dedicado ao lazer,129 e outro tempo ocupado com

afazeres e tarefas não tão prazerosas ou dedicado ao trabalho. Mas, novamente, aqui

se incorre na imprecisão técnica de se admitir como tutelável apenas o tempo livre, e

não o tempo ocupado com o trabalho ou com outras atividades do dia a dia, como se

este último (tempo ocupado ou tempo de trabalho) possuísse uma natureza jurídica

distinta daquele e fosse indigno de proteção.

Aliás, nessa situação, identificamos, ainda, a difícil, quiçá impossível, tarefa de

distinguir o que é prazer ou lazer e o que não é. Mesmo que, à primeira vista,

possamos ter a impressão de que o tempo dedicado aos amigos, à família e ao

descanso, sejam exemplos de um tempo de lazer, ao passo que o tempo dedicado ao

trabalho seria um tempo não tão prazeroso assim, para muitas pessoas, é justamente

o inverso. Em muitos casos, o trabalho é algo extremamente prazeroso, algumas

vezes, é até a razão de viver da pessoa. Enquanto isso, para tantas outras, a família

ou o próprio tempo ocioso é um enorme fardo. Novamente, não cabe a ninguém julgar

o que é lazer ou prazer para as pessoas, quando se está avaliando o tempo por elas

perdido. O sentimento ou a percepção qualitativa que temos sobre como utilizamos o

tempo são totalmente irrelevantes para a avaliação da existência de dano por tempo

perdido.

O tempo é medida objetiva de lapso temporal, é o espaço que existe entre dois

momentos ou instantes determinados. A qualificação do tempo em útil, livre ou de

lazer não se justifica para fins de apuração de eventual lesão ao tempo de uma pessoa

e a necessidade de reparação. Logo, útil ou não, dedicado ao lazer, ao trabalho ou ao

ócio, o tempo deve ser, sempre, um bem passível de proteção pelo nosso

ordenamento jurídico.

Assim sendo, com o devido respeito às opiniões contrárias, os julgados que

tratam da proteção do tempo útil e do tempo livre, embora já representem um

129 Prazeres da vida, alimentação, higiene, descanso, ócio etc.

76

significativo avanço em matéria de proteção dos direitos da personalidade, ainda está

longe do ideal. A restrição jurisprudencial à tutela do tempo útil e do tempo livre contém

intrinsecamente uma limitação gigantesca à ampla reparação do tempo, assim

qualificado como atributo da personalidade, pois deixa de fora do arcabouço jurídico

uma infinidade de situações em que o tempo é violado.

Outro ponto que nos chama a atenção em relação aos julgados que tratam do

tema é que a quase totalidade dessas decisões resumem-se a tutelar apenas

situações acobertadas pelo Código de Defesa do Consumidor, ou seja, relacionadas

a situações em que há efetiva vulnerabilidade do consumidor em face de seus

fornecedores, sejam eles da esfera privada ou pública. Para esses julgados, o tempo

parece ser um bem jurídico, apenas quando há hipossuficiência ou desequilíbrio de

força entre as partes, como acontece nas relações consumeristas e nas relações entre

o Estado e seus administrados, onde estes são reiteradamente vítimas de abusos e

danos diversos.

Infelizmente, ainda são muito escassos os julgados que abordam a reparação

do tempo perdido em relações contratuais paritárias ou não acobertadas pelo Código

de Defesa do Consumidor e em relações jurídicas extracontratuais. Mas não deveria

ser assim. Não há motivo para esse tipo de discriminação. Ao que nos parece, existe

aqui, na realidade, muito mais um juízo de conveniência e comodidade, do que

propriamente uma limitação ou restrição material à ampla reparação do tempo

perdido. E essa conveniência ou comodidade está presente tanto naqueles que

pleiteiam em juízo, quanto naqueles que julgam, na medida em que se sentem mais

confortáveis em tratar do tema “tempo perdido”, quando amparados no Código de

Defesa do Consumidor, contexto historicamente mais inovador, permissível e

tolerante em matéria de responsabilidade civil.

Em se tratando de tempo perdido, fundamentada no Código de Defesa do

Consumidor, a jurisprudência tem acolhido até com certa facilidade os pleitos

indenizatórios.130

130 “APELAÇÃO. COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS PELA INTERNET. AÇÃO DE

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Atraso de quase 8 (oito) meses na entrega dos produtos. Consumidor que solicitou, por diversas vezes, o cancelamento da compra e a devolução das quantias pagas, sem, contudo, obter êxito. Teoria do tempo perdido. Dano moral configurado em razão do tempo perdido pelo consumidor na busca, sem sucesso, pelo produto desejado.” (TJSP, Apelação 1003713-

77

É curioso notar, nesses julgados, que não há nenhum grande raciocínio jurídico

ou exercício interpretativo para fundamentar a reparação do tempo perdido do

consumidor. Basta estar comprovada a relação de consumo e a situação que

evidencia a injusta e indevida perda de tempo para que se imponha a condenação ao

fornecedor infrator.

Não há uma única norma jurídica no diploma consumerista que autorize,

expressamente, a reparação do tempo perdido e, mesmo assim, os tribunais aceitam

aplicá-lo, reconhecendo efetivamente que o tempo, indevidamente desperdiçado por

conduta de terceiro, representa um dano, como se infere do seguinte julgado:

o tempo é um bem precioso e vem se tornando um recurso cada vez mais escasso na sociedade contemporânea, sendo justa e legítima a indenização do tempo perdido e desperdiçado pela prática de conduta lesiva do fornecedor”.131

E nessa mesma linha destacamos: “não se pode negar que a conduta das rés

tem subtraído do consumidor um valor precioso, que é seu tempo útil, situação que

gera dano e, por isso, passível de indenização”.132

Mais recentemente, a discussão também chegou ao Superior Tribunal de Justiça

e ganhou força através da aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor,133

que defende que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de

problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável.

69.2017.8.26.0066, Relator: Costa Wagner, 18/12/2018); e “APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – APELO DO AUTOR BUSCANDO MAJORAR A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Argumentos do apelante que, em parte, convencem – Autor que buscou resolver a questão administrativamente, mas não foi atendido – Tempo perdido que jamais será restituído ao consumidor – Indenização por danos morais majorada para R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando-se a extensão dos danos, grau de culpa do ofensor e necessidade, ainda que indireta, de que a indenização também surta efeito pedagógico – Verba ora fixada em importe inferior ao pleiteado, mas que bem atende aos fins a que se destina.” (TJSP, 1012881-59.2018.8.26.0002, Relator: Sérgio Gomes, 28/08/2018). 131 TJRJ, Apelação Cível 0003826-23.2013.8.19.0083, Relator: Desembargador Nagib Slaibi, de 16/05/2018. 132 TJSP, Apelação 0000931-10.2014.8.26.0326, Relator: Desembargador Sérgio Shimura, de 14/02/2017. 133 A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, criada pelo advogado Marcos Dessaune, estabelece que: “O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-mar-26/tempo-gasto-problema-consumo-indenizado-apontam-decisoes>. Acesso em: 22/06/2018.

78

O tema já foi abordado em quatro recentes decisões do Superior Tribunal de

Justiça, sendo a mais hodierna delas134 do Ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do

Agravo em Recurso Especial 1.260.458/SP, que confirmou a decisão do tribunal local,

reconhecendo, no caso concreto, a ocorrência de danos morais com base na Teoria

do Desvio Produtivo do Consumidor. De acordo com o ministro Marco Aurélio Bellizze,

citando o escólio de Marcos Dessaune,

especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei. Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar.

As demais decisões do Superior Tribunal de Justiça que abordam,

expressamente, o tema, são dos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,135 Antônio

Carlos Ferreira136 e Fátima Nancy Andrighi,137 todas elas também atreladas às

situações de relação de consumo.

Importante extrair dessas decisões e, também, das decisões dos tribunais locais

que não existe, em nenhuma delas, um fundamento jurídico especial, tampouco

qualquer construção jurídica mais complexa, que justifique a reparação do tempo

perdido, muito menos condicionando a reparação do tempo, injusta ou indevidamente

perdido, exclusivamente, a situações acobertadas pelo direito do consumidor.

Não há qualquer justificativa para que a teoria do tempo perdido, do tempo útil,

do tempo livre, ou do desvio produtivo, fique atrelada apenas às situações de

consumo, pois isso equivaleria a dizer que o tempo fora do espectro da relação

consumerista não seria um bem jurídico objeto de proteção.

Se o ordenamento jurídico não restringe a tutela do tempo a situações de

consumo, não pode haver nenhuma barreira à reparação do tempo em situações não

acobertadas pelo Código de Defesa do Consumidor. E, ainda que houvesse algum

tipo de restrição, esta, certamente, seria inconstitucional, pois o tempo é vida (é um

134 Até o presente momento, com data de 25/04/2018. 135 STJ, AREsp 1.132.385/SP, de 03/10/2017. 136 STJ, AREsp 1.241.259/SP, de 27/03/2018. 137 STJ, REsp 1.634.851/RJ, de 18/10/2017.

79

bem que integra a personalidade) e a Constituição Federal, protegendo a vida de toda

e qualquer pessoa, como bem de valor, igualmente, protege o tempo em que ela se

exerce.

A proteção extraordinária que o Código de Defesa do Consumidor confere aos

consumidores definitivamente não tem o condão de tutelar o tempo de forma diferente

para quem está acobertado pelo referido diploma. Quando muito, a norma

consumerista deve facilitar, em relação ao consumidor, a defesa desse bem jurídico

(tempo) visando a corrigir eventuais vulnerabilidades ou hipossuficiências apuradas

no caso concreto (art. 6º, VIII, do CDC).138

Claramente, o Código de Defesa do Consumidor tem funcionado como um

facilitador da tutela do tempo em situações por ele resguardadas. Os jurisdicionados

e os aplicadores do direito, a toda evidência, sentem-se mais à vontade para viabilizar

a tutela do tempo na seara consumerista. Trata-se de um ambiente jurisdicional mais

permissivo e complacente, mais aberto para inovações e novidades que visam a

proteger ou conferir mais garantias aos consumidores. Verifica-se aqui, portanto, a

força extrema do protecionismo do Código de Defesa do Consumidor, a garantir uma

tutela de direitos mais adequada e eficaz a apenas uma classe da sociedade.

A crítica que aqui se apresenta não deve, de forma alguma, ser mal interpretada.

O reconhecimento do tempo como bem jurídico nas relações de consumo é de suma

importância para a responsabilidade civil. É, talvez, a porta de entrada para a ampla

tutela do tempo em nosso ordenamento jurídico. No entanto, a crítica ora formulada é

pontual e direcionada, exclusivamente, a uma incompreensível e injustificada

ausência de tutela do tempo perdido em relações jurídicas não acobertadas pelo

Código de Defesa do Consumidor. Demos vivas, portanto, ao Código de Defesa do

Consumidor!

Mas, essa situação, longe de ser um cenário ruim, é, sem a menor dúvida, uma

condição ainda injusta, que deve ser corrigida o mais rápido possível, ampliando-se

138 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos,

inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

80

ao máximo o espectro de situações jurídicas em que o tempo violado efetivamente

comporte algum tipo de reparação.

Finalmente, a principal crítica que se faz à forma com que a jurisprudência

nacional trata do tema, é que a totalidade desses julgados não considera o tempo

perdido como um dano autônomo, como uma categoria própria de dano

extrapatrimonial, com concretude em si mesmo, mas apenas como um dos aspectos

ou uma mera circunstância agravante do dano moral.

Sem nenhuma exceção, todos os julgados pesquisados alocam, quase que

automaticamente (sem nenhuma justificativa ou fundamentação), a reparação do

tempo perdido dentro da indenização por danos morais, como se fossem a mesma

coisa. Nos raros julgados em que a indenização autônoma por tempo perdido chegou

a ser debatida, as decisões foram simples e objetivas, apenas esclarecendo que a

violação do tempo configura dano moral.139 De acordo com alguns desses julgados, a

indevida perda de tempo representa uma frustração, um sentimento de indignação e

impotência que extrapola o mero dissabor e que irradiam reflexos diretos ao

patrimônio moral da vítima.140

139 Nesse sentido, vale comentar o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no recurso de apelação 1002012-67.2015.8.26.0220, de relatoria do Desembargador Pedro Kodama, em que se decidiu que a reparação pelo tempo perdido não comporta pedido de indenização autônomo, pois já integra a indenização por danos morais. De acordo com o citado acórdão, o tempo indevidamente despedindo pela vítima já é levado em consideração no momento de fixação da indenização pelos danos morais: “o pedido de indenização pelo tempo perdido foi devidamente apreciado pela magistrada a quo, a qual entendeu que tal ressarcimento integra os danos morais fixados (...). Não comporta acolhimento o pedido de condenação da ré ao pagamento de indenização por tempo perdido, isto porque as intercorrências que os autores tiveram para resolver a questão de sua bagagem já foram levadas em consideração na imposição da indenização por danos morais, vez que as situações que passaram contribuíram para a lesão moral cuja reparação foi determinada. Diferente do que sustentam os autores, não há necessidade de fixação de indenização autônoma para o tempo perdido, conforme bem destacou a ilustre sentenciante: A perda de tempo útil, também conhecida como o ‘desvio produtivo do consumidor’, se configura quando este, diante de uma situação de mau atendimento, é obrigado a desperdiçar seu tempo útil e desviar-se de seus afazeres, situação que também constitui lesão a direito imaterial do consumidor: o tempo perdido não pode em princípio ser medido financeiramente mas abala as esferas imateriais da vida individual, integrando também todos os aspectos relacionados ao dano moral”. (TJSP, Apelação 1002012-67.2015.8.26.0220, Relator: Desembargador Pedro Kodama, de 20/09/2016). 140 PELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDENIZAÇÃO MORAL – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DA REQUERIDA – TÓPICO NÃO RECORRIDO – TEMA

INCONTROVERSO – RESPONSABILIDADE CIVIL DA RÉ E DANO EXTRAPATRIMONIAL – CONFIGURAÇÃO – COBRANÇAS INDEVIDAS REITERADAS E PERDA DE TEMPO ÚTIL PELO

CONSUMIDOR – QUANTUM INDENIZATÓRIO – JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA – MARCO INICIAL. – Não havendo Recurso das partes em relação ao tópico da Sentença que reconheceu a falha na prestação de serviços da Operadora de telefonia, não cabe ao Tribunal a análise dessa questão, que se tornou incontroversa. – As reiteradas cobranças indevidas de valores e a perda de tempo útil

81

Mas a verdade é que a perda de tempo em nada se confunde com o dano moral

puro (dano moral stricto sensu).

O dano ao tempo de uma pessoa, como vimos nos tópicos precedentes, é dano

que afeta a forma com que a vida e a liberdade do indivíduo são exercidas. É um dano

à forma com que o tempo é utilizado. Consequentemente, não se confunde com o

dano moral puro. Trata-se de conceitos distintos. Aliás, essas duas espécies de danos

podem, inclusive, coexistir, como veremos melhor no próximo capítulo.

A expressão “dano moral” quando interpretada de forma abrangente (latu senso),

isto é, quando contraposta à expressão danos patrimoniais (portanto, como sinônimo

de dano imaterial), contempla a lesão a interesses da personalidade e pode, nessa

situação, abarcar a lesão por tempo perdido, assim como outros danos imateriais. No

entanto, a expressão “dano moral” quando empregada de modo restrito (como

sinônimo de dano moral puro ou subjetivo, assim considerada a lesão, ou abalo ao

corpo físico, ou psíquico da vítima), em nada se confunde com a lesão ao tempo, na

medida em que o tempo em si não integra o patrimônio físico nem psicológico da

vítima, pelo contrário, é a própria quantidade de vida da vítima ou, no mínimo, uma

parte dela. E quando analisamos um caso prático para fins de apuração do dano e da

correspondente reparação, é essa segunda interpretação que interessa ao direito.

Portanto, claramente estamos diante de bens jurídicos distintos que não podem ser

confundidos.

Além disso, a quantificação do dano por tempo perdido não tem a ver com o

preço da dor (pretium doloris), mas sim com o preço da vida e da liberdade da vítima,

ou seja, o preço efetivo do tempo que cada um de nós dispõe aqui nesta vida terrena

e em que somos livres para tomar as decisões e fazer as escolhas que melhor nos

interessem.

do Consumidor, nos âmbitos administrativo e judicial, para solucionar o problema em relação às essas exigências irregulares, acarretam ao Consumidor os sentimentos de impotência, frustração e indignação, que extrapolam o mero dissabor. – O quantum da indenização por lesão extrapatrimonial deve ser arbitrado de forma proporcional às circunstâncias do caso, com razoabilidade e moderação, e em atenção aos parâmetros adotados pelos Tribunais. – Sobre o montante da condenação por danos morais, em se tratando de relação contratual, devem incidir os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, além de correção monetária, pelos índices da CGJ/MG, desde a data da Decisão que arbitrar a respectiva indenização, nos termos da Súmula nº 362, do STJ. (TJMG, Apelação 10145150118324001, Relator: Desembargador Roberto Vasconcellos, DJ 03/10/2017).

82

O tempo perdido é mais claro e objetivo que o dano moral. Contém um nível de

abstração intermediário, entre o dano material e o dano moral. É materialmente

aferível pela própria marcação do tempo, pelo resultado da diferença apurada entre o

tempo total disponível e o tempo indevidamente desperdiçado em decorrência de

conduta ilícita de terceiro. O resultado dessa equação é, justamente, o tempo perdido,

a quantidade de vida que deixou de ser livremente vivida, que foi suprimida da vítima,

ou melhor, que foi injustamente gasta de forma contrária ou desalinhada com seus

interesses.

O grande problema é que, apesar da concretude do dano ao tempo, esse bem

jurídico, assim como já ocorre no dano moral, não tem equivalência pecuniária direta.

A dificuldade reside, justamente, em conferir um valor para esse tempo. Mas, isso não

é tarefa impossível. Nada que já não tenhamos superado com relativo sucesso

quando surgiram as primeiras discussões em torno da reparação dos danos morais,

do dano estético e do dano à imagem, há não muito tempo.

Mas, a bem da verdade, é muito melhor tratar a perda de tempo como dano

moral, ainda que, segundo nosso ponto de vista, de forma equivocada, do que

simplesmente ignorar a sua existência e não proteger nem reparar esse dano.

A jurisprudência nacional está, sem sombra de dúvida, no caminho certo, apesar

de caminhar a passos lentos. Cabe à doutrina fornecer os subsídios necessários para

encurtar esse caminho e garantir que o tempo seja, o mais brevemente possível,

objeto de ampla e adequada tutela jurisdicional.

83

9 A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO TEMPO PERDIDO (EM RELAÇÃO AO DANO

MORAL)

Não pretendemos, neste trabalho, discutir as categorias ou espécies de dano

contempladas em nosso ordenamento, pois, como já nos referimos anteriormente

neste estudo, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema aberto (ou atípico)

em termos de responsabilidade civil e está construído sobre uma cláusula geral141 de

ressarcimento, o que significa dizer que é amplo e abrangente em termos de extensão

qualitativa de danos ressarcíveis, garantindo a todos os cidadãos a proteção e

reparação de toda e qualquer espécie de lesão, não importando a sua nomenclatura

ou a qual categoria o dano pertença.

Tanto é assim que surgiram nos últimos anos novas espécies de danos que vêm

sendo acolhidos, em maior ou menor grau, pela doutrina e jurisprudência nacionais.

É o caso do dano estético, dano existencial e do dano biológico, por exemplo.

De todo modo, é importante destacar que entendemos que existem duas

macrocategorias de dano: os danos patrimoniais (ou materiais) e os danos

extrapatrimoniais (ou imateriais). Essas categorias se distinguem pela natureza

jurídica do dano.

A primeira categoria inclui todos os bens e direitos suscetíveis de valoração

pecuniária direta e imediata, ou seja, que são apreciáveis em dinheiro142. A

equivalência econômica ou o valor de mercado é sua condição. Dentro dessa primeira

categoria, estão os danos emergentes, os lucros cessantes, a perda de uma chance,

sem prejuízo de novas subespécies de danos patrimoniais que eventualmente

venham a surgir, mas tenham a mesma noção de patrimônio econômico.

A segunda categoria, por sua vez, parece-nos ter uma espécie de competência

residual, a contemplar todo e qualquer tipo de dano que não possua essa associação

patrimonial ou pecuniária direta e imediata (danos, portanto, não patrimoniais).143 São

141 Conforme artigo 186 do Código Civil, ancorado no artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. 142 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 2. p. 398-399. 143 Como já ocorre na classificação do Direito Português e Italiano, vide, respectivamente, ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 1979. p. 291, e CUPIS, Adriano de. El daño. Traducción de la 2ª edición italiana. Barcelona: Bosch Ed., 1975. p. 120.

84

danos cuja condição e característica comum está justamente na ausência de

equivalência financeira do bem violado e da impossibilidade de reestabelecimento do

status quo ante. Incluem-se, assim, na categoria de danos extrapatrimoniais ou

imateriais, o dano moral puro (stricto sensu), o dano estético, o dano à imagem, o

dano existencial, o dano biológico e, porque não, o dano por tempo perdido.

Há não muito tempo, doutrina e jurisprudência nacional admitiam,

exclusivamente, o dano patrimonial e o dano moral, este último em sentido amplo.

Qualquer que fosse o dano deveria estar enquadrado em uma ou outra categoria para

ser ressarcido.

Contudo, a expressão “dano moral” mostrou-se insuficiente para acomodar todas

as espécies de danos não patrimoniais existentes em nossa sociedade, sobretudo em

razão da sua flagrante impropriedade semântica, que dificultava e limitava, ao menos

do ponto de vista terminológico, a reparação de interesses que não necessariamente

estavam ligados à esfera subjetiva e íntima da personalidade.144

Basta lembrar o calvário do dano estético, que antes era visto como uma

subespécie de dano moral, mas que depois de anos de embates doutrinário e

jurisprudencial, encontrou seu espaço e foi elevado à categoria de dano autônomo e

independente do dano moral, admitindo-se, inclusive, a sua cumulação com este

último.145

Essa mesma situação é constatada, também, nas questões relacionadas ao

dano à imagem, que a própria Constituição Federal cuidou de distinguir e dar

tratamento autônomo em relação ao dano moral (vide art. 5º, V, da CF).

Apesar de o nosso ordenamento jurídico prever, ainda hoje, expressamente,

apenas duas categorias de danos: o dano patrimonial e o dano moral; a noção de

dano moral (lato sensu) acabou sendo, doutrinaria e jurisprudencialmente, ampliada

para a categoria de danos extrapatrimoniais (ou imateriais),146 independentemente de

144 SOARES, Flávia Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 98. 145 Súmula 387 do STJ: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. 146 Conforme lições de Judith Martins-Costa: “A legislação brasileira utiliza a expressão ‘dano moral’ para referir-se a todas as espécies de danos não-patrimoniais, assim constando do art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal, do art. 186 do Projeto do Código Civil, ora em tramitação final na Câmara dos Deputados e da legislação especial, antes referida. (...) Entendo efetivamente que, sendo mais

85

um dispositivo legal específico para essa finalidade. Isso porque, como já vimos,

nosso ordenamento jurídico é aberto e não restritivo, de modo a viabilizar melhor a

sua adaptação ao progresso sociocultural, econômico e tecnológico.

Vale trazer à baila as lições de Rogério Donnini147 que, com propriedade, explica

que

inexiste a necessidade de criação de um dispositivo legal para contemplar essas categorias de danos extrapatrimoniais, pois basta à doutrina e à jurisprudência a especificação dessas subcategorias de danos imateriais, o que, bem de ver, já vem sucedendo, mesmo porque, como dissemos, a reparação do dano, ex vi legis, pode ser estendida a qualquer hipótese em que tenha sido violado um valor inerente à pessoa.

A discussão sobre a forma correta de categorizar os danos ganhou relevância,

não só para atender interesses didáticos, mas, sobretudo, para fins práticos, com o

escopo de melhor definir as espécies (ou subespécies) de danos e,

consequentemente, melhor precisar a sua extensão e valoração148 com vistas a

assegurar a sua completa e adequada reparação.

Como bem pontuou Ruy Rosado de Aguiar,149

independente da nomenclatura aceita quanto ao dano extrapatrimonial, e sua classificação em dano moral, dano à pessoa, dano psíquico, dano estético, dano sexual, dano biológico, dano fisiológico, dano à saúde, dano à vida de relação etc. cada um constituindo, com autonomia, uma espécie de dano, ou todos reunidos sob uma ou outra dessas denominações, a verdade é que, para o juiz, essa disputa que se põe no âmbito da doutrina, essa verdadeira “guerra de etiquetas”, de que nos fala Mosset Iturraspe (“El daño fundado en la dimensón del hombre en su concreta realidade” Revista de Derecho Privado y Comunitário, 1/9) somente interessa para evidenciar a multiplicidade de aspectos que a realidade apresenta, a fim de melhor perceber como cada uma delas pode e deve ser adequadamente valorizada do ponto de vista jurídico.

ampla, a expressão ‘danos extrapatrimoniais’ inclui, como subespécie, os danos à pessoa, ou à personalidade, constituído pelos danos morais em sentido próprio (isto é, os que atingem a honra e a reputação), os danos à imagem, projeção social da personalidade, os danos à saúde, ou danos à integridade psicofísica, inclusos os ‘danos ao projeto de vida’, e ao ‘livre desenvolvimento da personalidade’, os danos à vida de relação, inclusive o "prejuízo de afeição" e os danos estéticos. Inclui, ainda, outros danos que não atingem o patrimônio nem a personalidade, como certos tipos de danos ambientais.” (MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação. Revista, da Faculdade de Direito da UFRGS, v.19, p. 191 e 194, mar. 2001). 147 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 110. 148 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2015. p.104. 149 Vide acórdão proferido nos autos do REsp 65.393/RJ.

86

Importante esclarecer que compartilhamos do entendimento de que existe uma

imprecisão terminológica em nosso ordenamento jurídico, sobretudo em nossa

Constituição Federal e no Código Civil, que fazem referência a “danos morais” de

forma genérica para se referir, na verdade, a “danos extrapatrimoniais”.

E tanto é assim que a jurisprudência nacional já tem muito bem consolidado o

entendimento de que o dano à imagem, o dano estético e o dano existencial são

categorias autônomas de dano (extrapatrimoniais), distintas e independentes do dano

moral.

A designação do termo “dano moral” para contrapor genericamente os “danos

patrimoniais” em nosso ordenamento jurídico se dá por influência francesa.150

Contudo, temos para nós que a simples importação do direito francês do termo

dommage moral, isolado do sistema jurídico no qual estava inserido, é inadequado e

gera mais dúvidas do que soluções.151 O modelo de classificação adotado, por

exemplo, na Itália, em Portugal e na Alemanha, que divide os danos em duas

macrocategorias, patrimoniais (materiais) e não patrimoniais (extrapatrimoniais ou

imateriais), parece-nos muito mais simples e correto, pois adota um critério de

classificação escalonado, conforme as características gerais comuns de cada grupo.

Ainda que o sistema alemão seja mais rigoroso e exija que a lei aponte de forma

específica quais danos não patrimoniais devam ser tutelados,152 os sistemas

150 Segundo a doutrina de René Savatier, entende-se por “dommage moral toute souffrance humaine qui n'est pas causée par une perte pécuniaire.” – tradução livre: todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. SAVATIER, René. Traité de la responsabilitá civile em droit français. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939. t. 2. p. 101. 151 “Os questionamentos a respeito do conceito do dano moral não são novos. Durantes muitos anos, em razão de um simples problema terminológico decorrente da importação, com pura e simples tradução, do termo francês dommage moral, o dano extrapatrimonial foi reduzido, unicamente, ao dano moral, o que gerou não apenas uma longa paralisia quanto ao desenvolvimento dos danos à pessoa, como também uma celeuma quando ao aludido conceito de dano moral.” (SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 97). 152 O direito civil alemão, apesar de aceitar a reparação dos prejuízos extrapatrimoniais, adota uma posição mais restritiva em relação ao direito italiano e português, limitando a indenização dessa espécie de dano às hipóteses expressamente previstas em lei. Desde a introdução do Código Civil Alemão (BGB – Bürgerliches Gesetzbuch), em 1900, a reparação do dano não patrimonial é expressamente prevista, em seu parágrafo 253, que assim disciplina: Wegen eines Schadens, der nicht Vermögensschaden ist, kann Entschädigung in Geld nur in den durch das Gesetz bestimmten Fällen gefordert werden (“por um dano que não é um dano patrimonial, a compensação em dinheiro não pode ser demandada fora dos casos previstos em lei” – tradução livre).

87

italiano153 e português154 são mais permissíveis e confiam ao aplicador do direito o

encargo de determinar, no caso concreto, quais danos não patrimoniais são

merecedores de tutela.

Seja como for, esse modelo de classificação (dano patrimonial vs. dano não

patrimonial) acaba por abranger no segundo grupo, tranquilamente, além dos danos

morais propriamente ditos, quaisquer outros danos não patrimoniais passíveis de

reparação.

Inserem-se, assim, na categoria dos danos não patrimoniais, todas as

subcategorias de danos que não possuem patrimonialidade, como é o caso do dano

moral puro e das outras subespécies como, o dano à imagem, o dano existencial, o

dano biológico etc.

Essa forma de classificação nos parece mais correta do ponto de vista

terminológico, didático e prático, pois viabiliza a tutela de qualquer interesse não

patrimonial. E nesse cenário, perfeitamente ajustável ao ordenamento jurídico pátrio

(que como visto é aberto e atípico), o dano por tempo perdido se insere como uma

subcategoria autônoma de dano não patrimonial (extrapatrimonial ou imaterial),

exatamente ao lado do dano moral puro, do dano à imagem, dano existencial e do

dano biológico.

Portanto, como já tratado no tópico precedente, entendemos que o dano ao

tempo não se confunde com dano moral. Pode, quando muito, ser uma subcategoria

deste, somente nos casos em que se estiver diante da expressão dano moral lato

sensu, como sinônimo ou equivalência de dano não patrimonial. Mas invariavelmente

não se confunde com dano moral puro (ou subjetivo), que é o dano moral propriamente

dito, efetivamente passível de reparação pelo nosso ordenamento jurídico.

153 Francesco Galgano esclarece que a Corte de Cassação Italiana, já há algum tempo, tem aceitado a reparação dos danos não patrimoniais, mesmo quando não estes não estiverem previstos em lei, tomando como base o fundamento constitucional de proteção da pessoa humana: “Ma la Cassazione ha, da qualche tempo, esteso la risarcibilità del danno non patrimoniale ad ogni caso di danno alla persona, anche se non previsto dalla legge, argomentando sulla base della tutela costituzionale della persona.” (GALGANO, Francesco. Istituzioni di diritto privato. 6. ed. Padova: Antonio Milani, 2010. p. 342). 154 O Código Civil português rejeitou a expressão generalizada “dano moral”, em benefício da expressão “dano não patrimonial” que abrange tanto os danos morais propriamente ditos, como os danos estéticos, os sofrimentos físicos etc. (ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das obrigações. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1979. p. 396).

88

Enquanto o tempo é a medida objetiva da vida ou de parte dela, compreendido

na noção de liberdade que se exerce no espaço que existe entre dois instantes ou

marcos temporais, o dano moral indenizável é o dano moral puro, que representa a

violação de um direito da personalidade, como a honra ou a integridade psíquica da

vítima, com efeitos sensoriais, intelectuais ou psicológicos, que resulta em dor, aflição,

sofrimento, tristeza, constrangimento ou humilhação decorrente da lesão. Enquanto o

primeiro está caracterizado pela perda da liberdade que se exerce sobre a vida

durante um determinado tempo, o segundo está relacionado à afetação do estado

anímico da pessoa. Coisas distintas, portanto.

A ilícita violação do tempo de uma pessoa acarreta perda de tempo que não volta

mais, um dano muito diferente do dano moral puro, já que na análise da perda de

tempo não há avaliação da integridade física ou psíquica da vítima, senão uma análise

puramente objetiva, quase que matemática, da quantidade de tempo desperdiçada

em decorrência da conduta lesiva.

A quantificação do dano decorrente da perda de tempo, como já afirmado, não

tem a ver com o estado de espírito da vítima, muito menos com o preço da dor (pretium

doloris), mas sim com o preço da vida da vítima, ou seja, o preço efetivo do tempo que

cada um de nós livremente dispõe aqui nesta vida terrena.

O dano moral puro (ou subjetivo) transita em uma zona nebulosa, muitas vezes,

de difícil percepção, tanto é que doutrina155 e jurisprudência156 pacificaram o

entendimento de que não se prova o dano moral em si, mas as circunstâncias que

evidenciam ou que fazem presumir a sua ocorrência.

155 Quanto à prova, a lesão ou do moral é fenômeno que se passa no psiquismo da pessoa e, como tal, não pode ser concretamente pesquisado. Daí porque não se exige do autor da pretensão indenizatória que prova o dano extrapatrimonial [leia-se moral]. Cabe-lhe apenas comprovar a ocorrência do fato lesivo, de cujo contexto o juiz extrairá a idoneidade, ou não, para gerar dano grave e relevante, segundo a sensibilidade do homem médio e a experiência da vida.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 5. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 9. 156 “A jurisprudência do STJ vem se orientando no sentido de ser desnecessária a prova de abalo psíquico para a caracterização do dano moral, bastando a demonstração do ilícito para que, com base em regras de experiência, possa o julgador apurar se a indenização é cabível a esse título.” (STJ, REsp 1.109.978/RS, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 01/09/2011); e “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o dano moral prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato e da experiência comum”. (STJ, AgRg no REsp 810.779/RJ, Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, DJ 28/06/2011).

89

O tempo perdido é, como já dissemos, mais claro e objetivo que o dano moral.

Contém um nível de abstração intermediário, entre o dano material e o dano moral. É

materialmente aferível pela própria marcação do tempo, pelo resultado da diferença

apurada entre o tempo total disponível e tempo indevidamente desperdiçado em

decorrência de conduta injusta ou ilícita de terceiro. O resultado dessa equação é

justamente o tempo perdido, a quantidade de vida que deixou de ser livremente vivida,

que foi suprimida da vítima, ou melhor, que foi injustamente gasta de forma contrária

ou desalinhada aos seus interesses.

No dano provocado por tempo perdido, cabe à vítima provar, objetivamente, a

quantidade de tempo em que a sua liberdade de escolha ou autodeterminação foi

totalmente tolhida, suprimida ou consideravelmente reprimida em razão de uma

indevida intervenção de terceiro. Para que ocorra o ressarcimento por tempo perdido,

é necessário provar o período no qual perdurou essa intervenção e, se for o caso, o

período pelo qual os seus efeitos repercutiram impedindo o aproveitamento do tempo

pela vítima. Ou seja, a pessoa lesada precisa provar o tempo que lhe foi tomado. Essa

prova é fundamental e constitui condição essencial para o ressarcimento. Tem que

provar a vida que foi gasta em decorrência da ilícita intervenção supressora do tempo.

Não há na prova do tempo perdido, as circunstâncias que acarretem dor, medo,

emoção, vergonha, tortura física ou moral, desprestígio, humilhação, há, pura e

simplesmente, prova de um gasto de tempo e de uma liberdade que não pode ser

exercida e que nada tem a ver com possíveis alterações do estado físico ou

psicológico da vítima.

Obviamente que um mesmo fato que origina um dano ao tempo de uma pessoa

pode, também, lhe causar um dano moral subjetivo. Mas são danos totalmente

distintos e independentes, com origem e efeitos diversos. Enquanto o dano moral puro

(ou subjetivo) decorre de uma interferência externa que afeta o estado anímico da

vítima, com reflexos na sua psique, o dano por tempo perdido tem origem na injusta

interferência sobre o pleno exercício da liberdade e da autodeterminação, ou seja,

sobre o direito de fazer escolhas e conduzir a vida conforme seus interesses, com

repercussão negativa direta na quantidade de vida (tempo) livremente vivida.

Ocorre, no entanto, que, assim como o dano moral subjetivo, o dano por tempo

perdido não possui equivalência pecuniária direta. Não existe um valor de mercado

90

para o tempo que cada um de nós possuímos. Quanto vale uma hora, um dia ou um

ano na vida de uma pessoa? Certamente não estamos diante da apuração do preço

da dor, mas, sim, diante da apuração do valor do tempo de vida.

Eis aqui um dos grandes desafios: estabelecer um valor para o tempo.

E não estamos falando aqui do tempo enquanto medida de produção de riqueza

e de trabalho, pois, nesse caso, o tempo constitui dano patrimonial ou material, na

grande maioria das vezes qualificado como lucros cessantes (como no caso do taxista

ou do médico que ficam impossibilitados de exercer sua profissão por determinado

período ou, ainda, de uma empresa que ficou impossibilitada de produzir, por certo

período, em razão de problemas na matéria-prima).

O tempo que aqui nos interessa é o tempo de vida desperdiçado, o tempo que

se foi, que se esvaneceu e que dinheiro nenhum consegue trazer de volta.

Como se pode notar, o único ponto de contato entre o dano moral puro e o dano

por tempo perdido é a ausência de materialidade ou patrimonialidade do prejuízo

suportado. Não há valor de mercado para a moral nem para o nosso tempo de vida.

Por isso, ambos os danos devem ser classificados como danos não patrimoniais. No

entanto, nos demais aspectos, são danos totalmente distintos, em mais nada se

confundem.

O tempo em si não integra o patrimônio físico e nem o psicológico da vítima; pelo

contrário, é o período de projeção da própria vida da vítima ou, no mínimo, de uma

parte dela. Trata-se, portanto, de bens jurídicos distintos e que merecem atenção e

tratamento jurídico próprios.

Nada impede, porém, que o dano por tempo perdido e o dano moral subjetivo

coexistam num mesmo caso concreto, como já ocorre com o dano estético, com o

dano à imagem e o dano existencial. Mas cada um ocupa a sua posição e espaço de

forma independente, cada qual com suas causas, requisitos e consequências.

É necessário destacar e individualizar os danos, separar o dano por tempo

perdido do dano moral puro e dos demais danos de natureza extrapatrimonial, para

garantir a sua correta apuração (existência e extensão) e reparação no caso concreto.

A generalização gera ignorância e ausência de reparação (omissão). Trata-se de um

91

princípio básico em administração de empresas,157 que pode muito bem ser aplicado

ao mundo jurídico: segmentar e categorizar para melhor compreensão do cenário e

dos objetivos para efetivo alcance do resultado almejado.

Além de serem danos totalmente distintos, tanto em sua origem, quanto em

termos de efeitos, o que, por si só, já seria suficiente para justificar a reparação do

tempo de forma independente e autônoma em relação ao dano moral puro, importante

mencionar, também, que a individualização dos danos atende, ainda, a um interesse

reflexivo e de fundamentação, de forçar as partes e o aplicador da norma a se

debruçar de forma específica sobre o tema, dando a importância que o assunto requer.

Essa reflexão invariavelmente se estende sobre todos os critérios, condições e

extensão do dano e de seu ressarcimento (indenização), garantindo a adequada

fundamentação e justificativa das decisões (princípio da motivação das decisões

judiciais), inclusive para fins de atendimento à regra do art. 489 do Código de Processo

Civil.158

O ordenamento jurídico não pode tratar direitos ou interesses distintos de formas

iguais. Não se pode ressarcir o dano por tempo perdido, como se ressarce o dano

moral nem incluir neste a reparação daquele, como se fossem uma única espécie de

dano, sob pena de deixar o tempo à margem de tutela jurídica adequada. Em última

instância, inviabiliza-se o objetivo maior do direito, que é justamente alcançar a paz e

a justiça social.

157 Conforme conceitos trazidos por Peter Drucker, na obra: O melhor de Peter Drucker. (Nobel, 2002). 158 Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da

contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com

a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no

caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a

conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos

determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem

demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

92

É necessário segmentar e individualizar para se chegar o mais próximo da

realidade, para compreender melhor as circunstâncias do caso concreto e, assim,

aplicar melhor o direito e garantir que o nosso ordenamento jurídico atenda aos

anseios de justiça da sociedade atual.

É por esses motivos que entendemos que o dano por tempo perdido tem espaço

no campo da responsabilidade civil ao lado do dano moral propriamente dito, do dano

à imagem, do dano estético e do dano biológico, como subcategoria dos danos não

patrimoniais (extrapatrimoniais ou imateriais), merecedor de tutela própria e autônoma

em relação aos demais danos.

93

10 DISTINÇÃO ENTRE DANO POR TEMPO PERDIDO E DANO MORAL

AGRAVADO PELO DECURSO DO TEMPO

Para que o tema possa ser bem compreendido pela perspectiva apresentada

neste trabalho, entendemos importante explicar, também, a distinção entre dano por

tempo perdido e dano moral agravado (ou atenuado) pelo fator tempo.

Como tivemos a oportunidade de observar no capítulo precedente, o dano por

tempo perdido constitui uma lesão direta à liberdade que o indivíduo tem de utilizar o

seu tempo de vida conforme a sua livre-escolha e de forma autônoma e independente.

Representa uma verdadeira afronta à liberdade de viver, uma violação de um tempo

que foi vivido em desacordo com os interesses de seu titular, revelando um prejuízo

temporal que não pode mais ser corrigido. Por sua vez, o dano moral puro (ou

subjetivo) configura lesão ou violação a um dos direitos da personalidade, com efeitos

sensoriais, intelectuais ou psicológicos, que resulta em dor, aflição, sofrimento,

tristeza, constrangimento ou humilhação decorrente da lesão. Portanto, um dano ao

estado anímico da vítima.

No caso do dano por tempo perdido, o fator tempo é exatamente o elemento

central do dano, é o espaço no qual a liberdade individual não pode ser exercida e a

vida (tempo de vida) se esvaiu, por ação ilícita de terceiro, sem controle ou autonomia

de seu titular.

O tempo perdido, aqui, é a própria concretização do dano ou a medida do dano

à liberdade de viver. Quando se perde liberdade de vida, se perde, na verdade, a

própria vida (ou uma parte dela), um tempo de vida que jamais poderá ser reposto ou

vivido novamente. Esse é o dano por tempo perdido, que se constata quando a

liberdade de fazer as próprias escolhas e de determinar a direção que se pretende

seguir é obstruída por injusta ação de terceiro, representando um tempo de vida gasto

em desconformidade com a livre-vontade de seu titular, um tempo e uma vida que

foram e que não voltam mais.

No dano por tempo perdido é totalmente irrelevante se a perda de tempo causou

qualquer abalo sensorial, intelectual ou psicológico. Interessa apenas se existiu efetiva

interferência da liberdade de viver e de fazer as próprias escolhas durante

94

determinado período de tempo. O estado anímico da pessoa lesada é totalmente

irrelevante.

Assim sendo, se um indivíduo, por exemplo, é submetido a cárcere privado por

certo período, deixou de exercer, durante esse cativeiro, a sua livre-vontade, deixou

de poder fazer livremente escolhas que normalmente faria, deixou de ser senhor do

seu próprio tempo e da sua própria vida. Passou a ser refém de uma situação injusta

e ilicitamente criada por terceiro, que lhe retirou a liberdade de conduzir a sua vida e

de gastar o seu tempo como melhor lhe aprouvesse.

Fácil notar que a vítima, no caso, perdeu a liberdade de gastar o tempo de que

dispõe conforme sua livre-vontade. O tempo, ou melhor, a liberdade de fazer o que

quiser com o tempo que dispunha (de como viver) saiu da esfera de controle do seu

titular.

Neste mesmo exemplo é possível perceber que existe, concomitantemente ao

dano por tempo perdido, outro dano à vítima, no caso, o dano moral puro ou subjetivo,

decorrente da aflição, sofrimento e humilhação que presumivelmente advêm desse

tipo de aprisionamento. Todavia, este dano moral não está atrelado à liberdade que a

vítima exerce sobre o seu tempo de vida, mas sim às alterações do estado psicofísico

da vítima naquela circunstância específica.

O tempo é o recurso limitado, no qual exercemos a liberdade de viver conforme

nossas próprias escolhas. Por isso, o tempo perdido é o dano que aflora e que se

configura a partir da injusta violação da liberdade de fazer escolhas e de

autodeterminar os rumos da sua própria vida, que se projeta no espaço e no tempo

em que estamos inseridos e que está a nossa disposição enquanto vivemos.

Muito diferente, todavia, é o efeito do fator tempo no dano moral.

Conforme consolidado entendimento doutrinário,159 o dano moral (puro ou

subjetivo) decorre da violação de um dos direitos da personalidade, capaz de gerar

efeitos sensoriais, intelectuais ou psicológicos na vítima e que resulta em dor, aflição,

angústia, sofrimento, tristeza, constrangimento ou humilhação.

159 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 104.

95

É fácil notar, de plano, que o elemento tempo está totalmente fora do conceito

do dano moral. Não existe nenhum vínculo ou condição relacionada ao decurso de

tempo como requisito para configuração do dano moral. Todavia, o tempo pode ter

um importante papel agravante ou atenuante em relação ao dano moral em si, na

medida em que o dano que resulta em dor, aflição, angústia, sofrimento, tristeza,

constrangimento ou humilhação pode produzir efeitos por mais ou menos tempo,

conforme o caso concreto.

Pensemos, por exemplo, no caso do indivíduo que foi negativado indevidamente

em algum órgão de proteção de crédito. A doutrina e a jurisprudência são pacíficas

quanto à existência de dano moral nessa situação,160 desde que a vítima não possua

outros apontamentos considerados corretos.161 O dano moral por negativação

indevida fere o nome, a imagem e a boa fama da vítima, que terá (ainda que de forma

presumida) restrição ou dificuldade para realizar inúmeras operações comerciais,

como fazer compras, emitir cheques, adquirir cartão de crédito, contrair empréstimos

etc.

O dano moral se configura imediatamente a partir da conduta lesiva (que no caso

é a negativação indevida), mas os efeitos desse dano podem se prolongar no tempo,

agravando ou atenuando a lesão moral. Basta perceber que, se a negativação

indevida perdurou por um ou dois dias apenas, o dano produziu efeitos muito mais

restritos do que se permanecesse por um mês ou mais.

Outro exemplo de indenização por dano moral agravada pelo tempo é, por

exemplo, a demora exacerbada em atendimentos em geral, como assistências

técnicas, call centers e instituições financeiras, que são normalmente campões de

reclamação de seus clientes.162 Nos casos em que a demora no atendimento ou na

solução do problema tome muito tempo da vítima, fazendo-a esperar e despender

mais tempo e energia do que o razoável para solucionar o seu problema e obter o

160 “A jurisprudência do STJ é firme e consolidada no sentido de que o dano moral, oriundo de inscrição ou manutenção indevida em cadastro de inadimplentes ou protesto indevido, prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato.” (STJ, REsp 1.707.577/SP, Relator: Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 19/12/2017). 161 Súmula 385/STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. 162 SINDEC – Dados atualizados até 01 nov. 2018. Disponível em: <http://sistemas.procon.sp.gov.br>.

Acesso em: 11/12/2018.

96

resultado desejado, não se tratará de dano por tempo perdido. Isso porque, no caso,

a vítima não teve a sua liberdade afetada ou limitada, mas livremente optou por

despender aquele tempo naquela atividade porque entendeu (e nisso fez um livre-

juízo de valor e de custo-benefício) que aquilo lhe era importante e mais vantajoso do

que não fazê-lo. E se essa situação lhe causou algum tipo de aborrecimento,

problema, aflição, sentimento de impotência ou humilhação fora do que seja

considerado razoável, o dano, então, é claramente um dano moral puro (ou subjetivo)

que, dependendo da situação, poderá ser agravado ou até mesmo atenuado em

função do tempo, mas não que o tempo seja elemento nuclear do dano.

O tempo, nessas situações, embora desempenhe um papel relevante na

configuração do dano, claramente não é objeto nem condição da lesão moral. O tempo

se apresenta como um referencial de duração da lesão, um elemento, portanto,

externo e que auxilia na dosimetria da extensão do dano e da respectiva indenização.

Essa mesma noção pode ser emprestada em relação aos danos materiais ou

patrimoniais em que o fator tempo também é utilizado para apurar a extensão do dano,

mas que, na realidade, nada tem a ver com o núcleo ou requisito do dano em si. É o

caso, por exemplo, das indenizações de encargos locatícios, de lucros cessantes, dos

juros de mora etc., que, em vários casos, são cobrados periodicamente e o decurso

do tempo é apenas a medida de um dano mais ou menos grave, de uma indenização

maior ou menor. Novamente aqui, o tempo não é o bem objeto de tutela.

É fundamental que se compreenda essa distinção, para que indenizações

decorrentes de dano por tempo perdido não se banalizem e não sejam uma

“roupagem” da indenização por dano moral agravadas pelo fator tempo. O que é muito

diferente.

Casuisticamente falando, de acordo com a tese aqui proposta, as hipóteses de

reparação de dano por tempo perdido não são tão largas. Pelo contrário, são restritas

às situações bem específicas onde a liberdade de viver e de gerir o próprio tempo é

incisivamente restringida por uma ilícita conduta de terceiro. Fora dessas hipóteses o

tempo não é elemento central do dano, mas um elemento secundário, uma referência

de medida de outros danos ou circunstância agravante ou atenuante destes.

97

11 OS CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO DANO POR TEMPO

PERDIDO

Por ser o tempo um bem inestimável, a sua reparação é uma das avaliações

mais desafiadoras do presente trabalho, não só pela fase ainda embrionária dos

estudos doutrinários sobre o tema, mas, também, em decorrência da absoluta

ausência de parâmetros e de bens jurídicos equivalentes para orientar a reparação,

ainda que sob o viés da compensação financeira, através do arbitramento de uma

indenização.

De todo modo, como bem pontuava Pedro Lessa,163

o fato da inconversibilidade do dano moral em moeda, por falta de denominador econômico para o direito violado, não podia ter por efeito deixá-lo sem reparação. De fato, não há equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento. A condenação do responsável visa apenas resguardar, decerto imperfeitamente, mas pela única forma possível, o direito lesado.

De forma irretocável, a mesma lição de quase um século atrás vale, aqui, para a

reparação do tempo perdido, da mesma forma com que já acontece nas reparações

dos demais danos extrapatrimoniais (dano estético, dano existencial e dano biológico).

Indenizar é tornar indene, isto é, sem dano, desfazendo o prejuízo causado. Nem

sempre, contudo, isso será possível, pois, evidentemente, alguns danos não podem

ser simplesmente desfeitos. Nesses casos, no que certamente se inclui a reparação

do tempo perdido, o objetivo é minimizar, o máximo possível, o dano causado.

A indenização é a recomposição patrimonial do dano por quem o causou, ou lhe

foi responsável. Nosso ordenamento jurídico agasalha a teoria da restitutio in

integrum, segundo a qual a indenização deve ser a mais completa possível, isto é,

deve ocorrer da melhor forma a recompor o lesado em toda a extensão do dano (art.

944 do Código Civil).

Isso significa dizer que a indenização deve ser equivalente ao prejuízo suportado

pela vítima, ou seja, nem maior nem menor, mas na sua exata medida.164 Desse

163 Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 28/08/1919, na Revista de Direito, v. 61, p. 90, conforme nota de rodapé 1.329, em DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 2. p. 427. 164 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 278.

98

modo, se existe dano, qualquer que seja a sua espécie ou natureza e,

independentemente de ser um dano maior ou menor, o ordenamento jurídico pátrio

impõe que a vítima seja restabelecida ao status quo ante, ou o mais próximo dele.

A respeito do tema, Clayton Reis165 esclarece:

A nossa experiência é o resultado de um equilíbrio de forças no plano material e espiritual, por decorrência das diversas relações que mantemos com as pessoas nos vários níveis afetivos e negociais. Na natureza não é diferente, quando observamos que no universo, onde impera a força da atração gravitacional entre os corpos celestes, é o equilíbrio entre a força centrípeta e a centrífuga que mantém os planetas em suas respectivas órbitas em torno de um astro maior.

No plano jurídico, o rompimento desse equilíbrio natural, decorrente da ação antijurídica de terceiros, acarreta perdas na esfera do patrimônio material e imaterial das pessoas. Para restabelecer o prejuízo gerado, é preciso detectar os efeitos produzidos pela ação lesiva do agente ofensor, para o fim de restituir a ordem violada à sua situação original. Todavia, em se tratando de bens extrapatrimoniais, a reposição do prejuízo não será possível nos moldes contidos no princípio da reposição integral.

No entanto, essa impossibilidade existente no mundo material não justifica a irressarcibilidade desses bens subjetivos. Daí por que, nesse caso, sendo impraticável a reposição pelo equivalente absoluto, será juridicamente legítimo que se proceda à indenização através de uma compensação pecuniária que seja capaz de satisfazer de forma completa a vítima. Por esse motivo, somente mediante a exata compreensão do amplo conceito de dano [sua extensão] é que será possível compreender o sentido da indenização pretendida na esfera dos danos imateriais.

Importante, também, a lição de Agostinho Alvim166 para o dano moral e que aqui

se aplica, igualmente, de forma perfeita, para a temática do dano por tempo perdido:

Não é por causa desta o daquela hipótese, mais ou menos ridícula, que havemos de rejeitar um instituto são e útil. Na realidade, não se pode admitir que o dinheiro faça cessar a dor, como faz cessar o prejuízo patrimonial. Mas, em muitos casos, o conforto que possa proporcionar mitigará, em parte, a dor moral, pela compensação que oferece.

Dessa mesma forma, podemos dizer que não devemos rejeitar o dano ao tempo

só porque sua reparação não encontra equivalência material, mas sua perda pode

muito bem ser mitigada por alguma compensação em dinheiro que se estabeleça.

Nessa linha, assim como não se espera que no dano moral ou no dano estético

a indenização tenha o condão de desfazer o dano irreparável, também no dano ao

165 REIS, Cleyton. Os novos rumos da indenização do dano moral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 111. 166 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. São Paulo: Saraiva, 1949. p. 208.

99

tempo, a indenização não tem como objetivo trazer de volta o tempo perdido, senão

oferecer um conforto ou lenitivo para a vítima, para que, com a indenização recebida,

possa ela ter condições de melhor aproveitar o seu tempo futuro, minimizando o

impacto do dano.

No escólio de Jaime Briz,167

reparar un daño no es siempre rehacer lo que se há destruído; casi siempre suele ser darle a la victima la possibilidad de procurarse satifcacciones equivalentes a lo que ha perdido. El verdadero caracter del ressarcimiento de los daños y prejuicios es un papel “sactisfatorio”.

Na reparação do dano por tempo perdido, portanto, a indenização não tem a

característica de tornar indene o prejuízo ou a lesão, não há a possibilidade de retorno

ao status quo ante ou de recomposição in natura, tampouco de retorno equivalente.

Logo, a indenização do dano por tempo perdido, assim como já acontece nas demais

indenizações por danos extrapatrimoniais, tem caráter predominantemente

compensatório (em relação a quem recebe), associado a inúmeras possibilidades que

os recursos financeiros podem proporcionar em termos de satisfação e prazeres.168

Toda a evolução doutrinária e jurisprudencial por qual passamos desde quando,

no início do século passado, começou-se a falar mais concretamente em reparação

do dano moral e que, depois, se consolidou com o advento da Constituição Federal

de 1988 e, na sequência, evoluiu para contemplar a reparação do dano à imagem, do

dano estético, do dano existencial e do dano biológico, demonstra que já superamos,

há muito tempo, o preconceito e as dificuldades conceituais que as reparações por

danos extrapatrimoniais carregam, ou melhor, carregavam.

Hoje, o momento é de assegurar, àquele que sofre um dano, a justa e devida

reparação. De garantir que quem quer que seja que cause um dano a alguém seja

efetivamente responsabilizado. Não importa a natureza ou característica do dano. Se

houve dano, então, necessariamente, deve haver reparação e, consequentemente,

alguém deve ser responsabilizado. Hoje, não é mais tempo de se olhar

primordialmente para quem cometeu o dano, mas, sim, para quem o sofreu,

167 BRIZ, Jaime Santos. La responsabilidade civil. 3. ed. Mardid: Montecorvo, 1981. p. 438. 168 REIS, Clayton. Dano moral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 88.

100

priorizando a reparação e a prevenção do dano, antes de querer encontrar um porquê

ou um culpado.169

Não pretendemos, aqui, nos alongar demais nos motivos pelos quais o dano por

tempo perdido, enquanto subcategoria de dano extrapatrimonial, deve ser reparado.

Por se tratar de um dano extrapatrimonial, os fundamentos da indenização, para

compensar e minimizar os efeitos do dano que não podem ser desfeitos, são, como

brevemente vimos acima, exatamente os mesmos que se aplicam ao dano moral puro

(ou subjetivo), ao dano à imagem, ao dano estético, ao dano existencial e ao dano

biológico.

Impõe-se, agora, discutir os critérios e as formas de se reparar o tempo, por meio

da fixação de uma indenização, isto é, de como encontrar uma forma razoável e

coerente de se estabelecer um valor justo para o tempo de cada um de nós.

Não existe, atualmente, na jurisprudência, nenhum critério para a fixação de

indenização para reparação do dano por tempo perdido. Aliás, nem para os outros

danos extrapatrimoniais. Talvez por isso, nos casos em que a jurisprudência já

reconhece a lesão ao tempo, a sua reparação, sem nenhuma exceção, é feita de

forma confusa e obscura, sem qualquer critério, justificativa ou fundamento, dentro da

indenização por dano moral, como se ambos os danos decorressem de interesses

idênticos ou de uma mesma ordem de grandeza. E, como vimos em capítulos

precedentes, definitivamente, não são.

Talvez a jurisprudência aja dessa forma por uma questão de comodidade ou

talvez pela falta de parâmetro ou orientação doutrinária a respeito do assunto. Isso

169 Nesse sentido, destacamos, na doutrina nacional: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 95; DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil pós-contratual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 51; GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Responsabilidade civil pelo risco da atividade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33-35; VENTURI, Thaís Gouveia Pascoaloto. Responsabilidade civil preventiva. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 64; MORAES, Maria Cleina Bodin de. A constitucionalização do direito privado e seus efeitos sobre a responsabilidade civil. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (Orgs.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 240. Na doutrina estrangeira, em linha com esse entendimento, também podemos destacar: GHERSI, Carlos Alberto. Teoria general de la reparación de daños. Buenos Aires: Astrea, 1997. p. 26; STARCK, Boris. Essai d’une théorie générale de la responsabilité civile considéreé en sa double fonction de garantie et de peine priveé. Paris: L. Rodstein, 1947. p. 39-40; e BIANCA, Massimo. Diritto civile: la responsabilità. Milano: Giuffrè, 1994. p. 687.

101

porque a doutrina atual também não traz nenhum parâmetro ou direcionamento para

orientar a reparação dos danos por tempo perdido.

Marcos Dessuane tratou do tema em sua obra Teoria aprofundada do desvio

produtivo do consumidor, mas lá abordou o dano ao tempo como se fosse dano moral,

aproveitando exatamente os mesmos critérios e balizas já conhecidos dessa categoria

de dano (moral) para fixação da indenização por tempo perdido. Importa destacar que,

nessa mesma obra, o autor sugere, ainda, a possibilidade de indenizar o tempo

perdido com base no critério de “valor médio da riqueza produzido” pela vítima.170

Todavia, acreditamos que o tempo não pode ser reparado em conjunto ou de

forma integrada ao dano moral puro, pois são bens jurídicos independentes e

totalmente diferentes, como já vimos em capítulo anterior deste trabalho. E mais, em

relação ao critério “valor médio da riqueza produzida”, para fins de reparação de tempo

perdido, entendemos que, nessa situação, o dano ao tempo seria reparado, na

realidade, como uma lesão ao tempo de trabalho ou de produção (de riqueza), e,

nesse caso, não estaríamos mais diante de dano extrapatrimonial, mas, sim, de dano

material puro, qualificável como lucro cessante.

Não existe, e nos arriscamos em dizer que nunca existirá, nenhuma fórmula ou

um critério puramente racional de perfeita equivalência para a fixação de valor de

indenização por danos extrapatrimoniais. A indenização, nesses casos, será feita,

sempre e invariavelmente, por arbitramento.

Porém, é importante notar que não há necessidade de se estabelecer um critério

objetivo específico para se indenizar todo e qualquer tipo de dano extrapatrimonial. A

equivalência racional e prática empregada na reparação do dano material nunca vai

existir na reparação dos danos extrapatrimoniais. É preciso se desvincular e se despir

da concepção materialista de exata proporção entre dano e reparação.

A reparação dos danos extrapatrimoniais, seja do dano moral puro (ou subjetivo),

do dano estético, do dano existencial, do dano biológico, do dano por tempo perdido

ou de qualquer outro que surja, será, sempre, por arbitramento, pois a característica

170 DESSUANE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor. 2. ed. Vitória: Edição Especial do Autor, 2017. p. 266.

102

uniforme dessas subcategorias de danos é, justamente, a ausência de equivalência,

de conteúdo econômico ou de valor de mercado.

Por sua vez, o arbitramento da indenização na reparação dos danos

extrapatrimoniais pressupõe um juízo de razoabilidade e proporcionalidade,

devidamente fundamento, caso a caso, na adequação entre critério e medida e entre

causa e fim.

Como bem leciona Paulo de Tarso Sanseverino,171

o melhor critério para quantificação da indenização por prejuízos extrapatrimoniais em geral, no atual estágio do direito brasileiro, é por arbitramento pelo juiz, de forma equitativa, com fundamento no postulado da razoabilidade.

A razoabilidade pressupõe, como explica Humberto Ávila, a harmonização da

norma geral às individualidades do caso concreto em virtude das suas características

específicas, valendo como diretriz de equidade, congruência e equivalência, na

interpretação das regras como decorrência do princípio da justiça.172

A relação entre critério e medida do postulado da razoabilidade está presente no

caso dos danos extrapatrimoniais em geral, na medida em que é absolutamente

razoável e justo, inclusive diante das normas já existentes em nosso ordenamento

jurídico, que todo e qualquer dano (ainda que não expressamente previsto em nosso

ordenamento) seja objeto de reparação por quem lhe deu causa ou lhe é responsável.

Está totalmente em harmonia com o nosso ordenamento jurídico que o dano por

tempo perdido, mesmo sem estar expressamente previsto em lei, seja objeto de

indenização, pois não é justo que uma vítima de uma lesão fique sem a respectiva e

proporcional reparação.

Além disso, na reparação dos danos extrapatrimoniais, conforme lição de

Fernando Noronha,173 segue-se o princípio da satisfação compensatória, pois o

quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um

171 Conforme acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no julgamento do Recurso Especial 959.780/ES, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/04/2011. 172 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 194-201. 173 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 569.

103

preço, mas será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento

infligido, ou uma compensação proporcional à ofensa à vida ou à integridade física.

O exame da proporcionalidade, ou máxima da proporcionalidade, como sugere

Robert Alexy,174 deve procurar, sempre, otimizar175 a aplicação das possibilidades

jurídicas, considerando a relação de causalidade entre um meio e um fim,176 através

da adequação,177 da necessidade178 e da proporcionalidade em sentido estrito179.

Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho explicam que a equidade

é o parâmetro que o Código Civil, nos respectivos parágrafos únicos dos artigos 944

e 953, forneceu ao juiz para a fixação da indenização que não possua equivalência

material.180

Esse arbitramento equitativo deverá ser, sempre, pautado pelos princípios (ou

postulados) da razoabilidade e proporcionalidade, deixando a cargo do juiz atribuir um

montante econômico justo para reparar a agressão ou violação a um bem jurídico de

natureza extrapatrimonial (no caso, do dano por tempo perdido), considerando,

sempre, as peculiaridades e especificidades do caso concreto.

A reparação do dano por tempo perdido, assim como do dano moral puro, é

casuística. Só se estabelece no caso concreto, conforme as características peculiares

da demanda sub judice.

Não existe fórmula mágica. Não existe tabelamento. Aliás, isso facilitaria muito

a vida não só de quem pleiteia, mas, também e principalmente, de quem julga. Mas,

certamente, traria grandes injustiças, pois muitos casos ficariam à mercê de uma tutela

174 ALEXY, Robert. Princípios formais: e outros aspectos da teoria discursiva do direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 5-6. 175 No sentido de criar condições mais favoráveis ou tirar o melhor partido possível. 176 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 205. 177 Também referida como “aptidão” ou “pertinência”, exige que haja coerência entre a flexibilização da norma e a finalidade que a norma deseja alcançar. 178 Que impõe o menor sacrifico possível para se atingir a finalidade da norma, evitando custos ou sacrifícios desnecessários (“evitáveis”). 179 Que busca a solução mais justa para o caso concreto, avaliando dentre as inúmeras soluções possíveis, aquela que trará mais benefícios (otimização das possibilidades jurídicas). 180 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 13. p. 348.

104

jurídica adequada e justa. A jurisdição é inafastável (proibição do non liquet)181 e

compete ao aplicador do direito se valer das ferramentas que o ordenamento jurídico

lhe disponibiliza para encontrar a decisão mais justa possível para o caso concreto.

Julgar nunca foi tarefa fácil. Sopesar e analisar as mais diversas situações

jurídicas sob a ótica parcial dos causídicos, em busca da verdade, do equilíbrio e da

justiça, é, certamente, uma das funções mais árduas e espinhosas do direito, mas, ao

mesmo tempo, uma das mais nobres e belas.

O que, todavia, podemos e devemos discutir, do ponto de vista acadêmico, são

as formas e critérios para nortear o arbitramento da indenização por danos

extrapatrimoniais. E, no caso do dano por tempo perdido, essas diretrizes, ainda que

longe de serem pragmáticas e objetivas, são bem mais simples e práticas do que os

critérios para a valoração dos demais danos imateriais, como o dano moral puro (ou

subjetivo).

Os pressupostos gerais da responsabilidade civil consolidados pela doutrina e

jurisprudência são: o ato ilícito (ou conduta ilícita), o dano e o nexo de causalidade.

Eventualmente, a culpa aparece como um quarto requisito nos casos em que não

estivermos diante da responsabilidade objetiva. Esses são os requisitos básicos para

qualquer reparação civil e se aplicam, igualmente, para o caso da reparação de danos

por tempo perdido.

Em se tratando de responsabilidade civil por tempo perdido, o ato ilícito fica

caracterizado pela conduta de terceiro capaz de interferir indevidamente na liberdade

que a vítima tem de usufruir o seu tempo de vida. É a interferência que retira da vítima

sua autonomia e seu poder de autodeterminação, que lhe retira a gestão sobre o seu

tempo e sobre a sua vida e que a impede de fazer as escolhas que naturalmente se

apresentam diante de si. O ato ilícito representa, portanto, uma ação ou omissão

externa, contrária ao ordenamento jurídico (arts. 186 e 187 do Código Civil),182 cujo

181 A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CF/88). 182 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

105

resultado ou efeito impede que a vítima empregue o seu tempo de vida como melhor

lhe convenha.

O dano, como já analisamos, é a própria perda de tempo, um tempo que foi

(injustamente) utilizado, uma vida que foi (indevidamente) vivida, sem que a vítima

pudesse livremente escolher o que fazer nesse período. É, portanto, uma lesão à

liberdade e à autonomia que todo indivíduo tem de gastar o tempo como bem quiser

e de viver a vida conforme suas próprias aspirações. É, em última instância, um dano

à liberdade de fazer o que bem entender com o tempo e a vida que tem à sua

disposição. Um tempo de vida que, uma vez perdido, jamais poderá ser recuperado,

restituído ou revivido.

O nexo de causalidade, por sua vez, se apresenta como a relação de causa e

efeito entre o ato ilícito e o dano, a fim de se determinar se o resultado (prejuízo) é,

de algum modo, imputável ao agente da conduta ilícita. Ou seja, é necessário apurar,

no caso concreto, se a conduta ilícita, efetivamente, interferiu na liberdade que a vítima

tem de escolher como gastar o seu tempo e se essa conduta, efetivamente, acarretou

uma perda de tempo, isto é, se impediu a vítima, durante certo período, de livremente

escolher como usufruir esse seu tempo.

Finalmente, o requisito culpa, que obviamente não se aplica nos casos de

responsabilidade civil objetiva, revela-se na conduta voluntária do agente contrária a

um determinado dever jurídico.183 Ou seja, se o agente causador do dano agiu com

negligência, imprudência ou imperícia, produzindo um evento danoso, ainda que

involuntário, cujo resultado era previsto ou previsível.184

Da mesma forma que se aplicam à reparação do tempo perdido os requisitos ou

pressupostos básicos da responsabilidade civil, também se aplicam, aqui, as

excludentes de ilicitude.

183 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 394. 184 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 34.

106

As excludentes de responsabilidade são circunstâncias que atuam sobre o fato

lesivo e que extinguem ou atenuam o dever de reparação em razão do rompimento,

total ou parcial, do nexo de causalidade.

São excludentes de responsabilidade civil: a culpa exclusiva da vítima; o caso

fortuito e a força maior; o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular

de direito e o estrito cumprimento de dever legal; o fato de terceiro; e a cláusula de

não indenizar.

Por conseguinte, uma vez verificada, no caso concreto, qualquer das hipóteses

de excludentes de responsabilidade civil, há rompimento da relação de causa e efeito,

pois o dano advindo decorre de conjectura não imputável ao agente supostamente

responsável. Salvo nos casos em que a lei ou a jurisprudência não lhes admitam

aplicação,185 as excludentes de responsabilidade, também nos casos de dano por

tempo perdido, eliminam o dever de reparar ou indenizar.

No entanto, em se tratando de reparação de dano por tempo perdido, faz-se

necessário perquirir paralelamente outros elementos, a fim de assegurar a adequada

e justa reparação do dano, com o correto arbitramento da correspondente

indenização.

Entendemos nós que, para a correta fixação (arbitramento) da indenização

decorrente de dano por tempo perdido, o aplicador do direito deve observar, no caso

concreto, além dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, também as

seguintes circunstâncias ou condições essenciais que se aplicam de modo geral para

os danos extrapatrimoniais, a saber: i) a quantidade objetiva de tempo desperdiçado;

ii) a gravidade da conduta lesiva; iii) a eventual vantagem auferida pelo lesante; iv) a

repetição da conduta lesiva; v) a qualidade ou situação econômica das partes

185 Por exemplo: art. 51, I, do Código de Defesa do Consumidor: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”; e art. 734 do Código Civil: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”.

107

envolvidas (ofensor e vítima); e vi) eventual esforço e eficiência do lesante para evitar

o dano ou minimizar os seus efeitos.

Somente após cuidadoso exame de todos esses pressupostos e elementos é

que a reparação dos danos por tempo perdido será a mais correta e completa

possível, com o máximo de utilidade e eficácia social. A fixação da indenização para

qualquer tipo de dano extrapatrimonial é tarefa que exige ponderação e sopesamento

de interesses e circunstâncias do caso concreto e implica, portanto, análise por meio

de critérios subjetivos por parte do aplicado do direito.186

Para que o instituto da responsabilidade civil se apresente com o máximo de

efeito e de utilidade social, é indispensável que a reparação do tempo seja feita de

forma criteriosamente fundamentada e detalhada, perquirindo, passo a passo, todos

os elementos que envolvem o dano a ser reparado, atribuindo, a cada um deles, valor

e importância específicos, peculiar à situação sub judice, para que, através da análise

conjunta de todos esses elementos, se possa chegar à correta extensão do dano e,

consequentemente, à reparação justa e ideal do tempo.

Nesses termos, a primeira e mais importante circunstância a ser avaliada é a

quantidade material de tempo que foi gasta, perdida ou desperdiçada em decorrência

da ilícita intervenção. Esse é, certamente, o único critério efetivamente objetivo na

reparação do tempo e que é resultado de uma simples e rápida operação matemática.

A quantidade de tempo é o produto resultado da diferença apurada entre o tempo

total disponível e o tempo desperdiçado em decorrência de indevida intervenção de

terceiro. O resultado dessa equação é, justamente, o dano, o tempo perdido, a

quantidade de vida que foi suprimida da vítima, que foi injustamente gasta na

contramão dos seus interesses, sem que fosse possível exercer livremente a sua

vontade.

No caso concreto, compete à parte lesada comprovar a quantidade de tempo em

que sua vida e sua liberdade foram, total ou parcialmente, atingidas (suprimidas) em

razão dessa ilícita intervenção.

186 BONILINI, Giovanni. Il danno non patrimoniale. Milano: Giuffrè, 1983. p. 76.

108

Objetivamente falando, o dano ao tempo de uma pessoa que ficou acamada em

hospital por três meses em decorrência de um acidente, é muito maior do que, por

exemplo, o cárcere privado de uma pessoa injustamente presa pelo período de uma

semana. Pode-se até dizer (e com razão) que a vida no cárcere é mais arriscada, com

riscos próprios do chamado “estado paralelo”, que faz o preso viver sob contínua

tensão, muito mais difícil de suportar do que o restabelecimento em um leito hospitalar.

Porém, essa tensão que ocorre na vida no cárcere, que também pode ocorrer no leito

hospitalar, dependendo da gravidade do estado do paciente, que aflige o encarcerado

e o internado, nada tem a ver com o tempo perdido, mas com um dano psicológico e,

talvez, moral. Nosso foco é o dano ao tempo, ao tempo puro e simples, ao tempo pelo

tempo transcorrido, despido das ocorrências fáticas e emocionais que nele

acontecem.

Portanto, quanto maior o tempo indevidamente apropriado ou perdido, maior a

lesão ao bem jurídico tutelado. Consequentemente, maior deve ser o valor da

indenização arbitrada.

A gravidade da conduta lesiva, enquanto critério para a balizar a fixação da

indenização por tempo perdido pode ser qualificada como um juízo de censura, um

juízo de desvalor dirigido ao agente, em razão da prática de um determinado ato,

quando ao agente foi dada a possibilidade de ter decidido diferentemente, ou seja, de

ter agido em harmonia com o direito, em vez de optar (intencionalmente ou não) pela

prática do ato ilícito.

Dessa forma, quanto mais grave e reprovável for a conduta infratora, maior

deverá ser a indenização, demonstrando aí a repulsa e a resposta do ordenamento

jurídico de forma proporcional à conduta do agente causador do dano.

O terceiro critério a ser avaliado é o da eventual vantagem auferida pelo lesante,

mostrando, aqui, uma preocupação em assegurar que a prática daquela conduta

lesiva não seja fonte de vantagens ou benefícios indevidos para aquele que lesa. É

por isso que não estamos nos referindo tão somente a proveito econômico-financeiro

direto (aquilo que ganhou ou deixou de perder), mas a qualquer tipo de vantagem,

seja política, comercial, concorrencial etc., que direta ou indiretamente beneficie o

lesante em função do ato lesivo praticado.

109

Assim sendo, uma vez verificada a vantagem obtida pelo agente causador do

dano, a reparação deverá ser graduada de modo a “compensar” o benefício

experimentado, caso não haja outra forma eficaz de anulá-lo.

Obviamente que a intenção, aqui, é anular o benefício obtido, justamente para

que aquela conduta não tenha valido a pena e, com isso, desestimular outras práticas

dessa mesma natureza.

A repetição da conduta lesiva pelo autor do dano é outro elemento que precisa

ser considerado no momento da fixação da indenização para a reparação do dano por

tempo perdido.

Se, por ocasião da reparação do dano, se chegar à conclusão de que aquela

conduta do ofensor é reiterada ou frequente, a indenização deverá ser aumentada por

conta de tal reincidência, de forma a proporcionar ao lesante uma efetiva repressão,

que o iniba de voltar a praticar novamente atos dessa natureza.

Novamente, aqui, o que se pretende é deixar claro que aquela conduta reiterada

não é admitida pelo ordenamento jurídico, desestimulando o infrator a prosseguir com

a tal prática lesiva.

O quinto critério a ser analisado pelo magistrado diz respeito às características

econômicas das partes, tanto do lesante quanto da vítima. Não que o tempo de cada

um de nós tenha um valor diferente nem que deva o juiz fazer um juízo de valor sobre

como cada pessoa utiliza ou gasta o próprio tempo. Mas essa análise pessoal da vida

de cada uma das partes deve ser feita apenas para que a reparação seja dosada de

forma equilibrada, para que a indenização não se revele insignificante ou insuportável,

dependendo das características do agente causador do dano e da vítima, viabilizando,

assim, que a reparação alcance plenamente as suas funções.

Como a indenização do tempo se dá através de um valor monetário sem

qualquer relação direta de equivalência com o valor do tempo, é fundamental que o

montante da indenização tenha um mínimo de repercussão em quem a paga e em

quem a recebe, trazendo de um lado (da vítima) a justa e razoável sensação de

satisfação e reparação e, de outro (do lesante), justa e razoável sensação de punição

e repreensão.

110

A qualidade econômica do ofensor deve ser levada em consideração na fixação

da indenização por dano ao tempo, para que, dessa forma, o lesante, qualquer que

seja a sua condição econômica, sinta e suporte a reprimenda do Estado ao ato lesivo

praticado, como resultado das funções punitiva, pedagógica e preventiva da

responsabilidade civil.

Atente-se que não se está pretendendo punir mais duramente quem tem melhor

condição econômica, pelo simples fato de serem ricos. No entanto, esse critério se

mostra importante e necessário para que aqueles mais afortunados não passem ilesos

pela repressão do Estado aos seus atos ilícitos e possam, efetivamente, sofrer as

mesmas consequências que as demais pessoas, menos afortunadas. O que se está

a dizer é que os atos ilícitos, sobretudo aqueles que causam danos extrapatrimoniais,

não têm um preço que somente pode ser pago pelos mais afortunados. O

ordenamento jurídico deve reprimir e punir qualquer ato atentatório ao patrimônio

imaterial das pessoas, seja ele praticado por pessoas com poder econômico mais alto

ou mais baixo.

Todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, da Constituição Federal) e, para

que o princípio da isonomia seja atendido na sua plenitude (tratar desigualmente os

desiguais, na medida da desigualdade), a indenização para a repressão dos danos

extrapatrimoniais causados pelos mais afortunados pode e deve ser abalizada,

conforme o caso concreto, de acordo com a condição econômica do ofensor. Do

contrário, haverá um incentivo ou, ao menos, maior complacência com os danos

extrapatrimoniais causados pelos mais ricos, o que, definitivamente, não é o que

pretende o nosso ordenamento jurídico.187

Por outro lado, se a condição econômica do agente ofensor for precária, deverá,

também, ser levada em consideração, para que a reparação não se mostre

insuportável, dada a sua pior situação financeira. Nessas condições, cabe ao juiz

ponderar, à luz das circunstâncias fáticas da hipótese sub judice, a suportabilidade da

indenização, para que a reparação não seja pesada demais para o lesante a tal ponto,

187 CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Tese de Mestrado defendida na PUC-SP, 2012, p. 92.

111

por exemplo, de privar a sua família do mínimo necessário para uma vida digna

(TJARS, 95:260 e RJTJRS, 163:261).

No entanto, essa perspectiva deve ser analisada com certa cautela, pois não se

pode deixar de reparar adequadamente o dano, pelo simples fato de o autor do dano

ser pobre. Aí estaríamos a ser complacentes com os danos causados pelos menos

afortunados, o que também não é o sentido buscado pelo sistema jurídico vigente e o

que violaria, também, o princípio constitucional da isonomia.188

As situações devem ser analisadas cum grano salis, para que injustiças não

sejam cometidas. A majoração ou a redução da indenização pelo critério da qualidade

econômica do lesante não deve ocorrer de forma automática em todo e qualquer caso.

Dependerá da demonstração nos autos de que a indenização normalmente fixada

para aquele caso, consideradas as suas circunstâncias, será desproporcional, isto é,

pesada demais ou insignificante, diante do patrimônio do responsável pelo dano.

Dessa mesma forma, o aplicador do direito deve observar, também, a qualidade

econômica da vítima, para que a indenização também tenha uma repercussão em seu

patrimônio, de modo que não configure esmola ou um valor insignificante nem

enriquecimento sem causa.

Finalmente, o último critério a ser analisado diz respeito aos eventuais esforço e

eficiência do lesante para evitar o dano ou minimizar os seus efeitos. Trata-se de

critério que procura beneficiar o lesante, reduzindo-lhe o valor da reparação, nos

casos de “arrependimento eficaz” (emprestando termo do direito penal) em que há

uma comprovada conduta do lesante tendente a anular o ato ou os efeitos do ato

lesivo.

Esse critério é importante porque também estimula que as pessoas tentem

corrigir ou anular o ato ofensivo praticado, antes que ele produza todos os seus efeitos

ou que ele produza seus efeitos em grau ainda maior.

188 A indenização fixada deverá ser suportada pelo lesante, tal qual uma indenização por dano material. Se o lesante não tiver condições para pagar, a vítima ficará com o crédito, exatamente como se tivesse uma dívida material, até porque a indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez fixada, se torna tão material e concreta quanto uma indenização por danos materiais, pelo que não vemos nenhuma distinção a ser feita nesses termos.

112

Ao que entendemos, esse benefício decorre da boa-fé objetiva, exigida no artigo

422 do Código Civil, presente no espírito do agente que, arrependido, tentar

imediatamente corrigir o seu ato e minimizar os danos que a sua conduta irá causar.

Ainda que, num primeiro momento, haja um ato ilícito, onde inexiste a boa-fé no

espírito do lesante, essa se encontrará presente no momento em que ele tomar uma

atitude inversa à primeira, que seja tendente a anulá-la ou a reduzir seus efeitos.

É evidente que não se está perdoando a primeira conduta que causou o dano,

mas apenas reconhecendo que o seu esforço, desde que minimamente eficiente189

para evitar a propagação do dano ou para minimizá-lo, é uma atitude valorizada pelo

direito e pela sociedade, a ponto de merecer uma maior complacência quando da

fixação da indenização.

Como se pode notar, a reparação do dano ao tempo (assim como ocorre nos

demais danos extrapatrimoniais) pressupõe uma profunda e criteriosa análise dos

elementos acima descritos, balanceando-os em busca de uma relação de equilíbrio e

proporção entre a conduta lesiva e o dano suportado, tudo à luz das funções

compensatória, punitiva, pedagógica e preventiva da responsabilidade civil.190

Somente a partir desse cuidadoso exame é que se poderá alcançar ou, ao

menos, chegar o mais próximo possível da reparação ideal do tempo perdido, que

venha a atender à função moderna da responsabilidade civil, conferindo ao instituto o

máximo de utilidade e eficácia social.

Muito refletimos sobre a possibilidade e a pertinência de a idade de uma pessoa

interferir no arbitramento do valor da indenização por lesão ao tempo. Como se a idade

da vítima pudesse ser mais um critério para ponderação do magistrado no momento

da fixação do valor da indenização. No entanto, concluímos que tal circunstância não

tem o condão de interferir no valor da indenização do tempo. Explica-se.

189 Aqui se deve considerar tão somente a conduta do agente que seja efetivamente eficaz na contenção do dano ou na redução ou limitação dos seus efeitos, pois o arrependimento ineficaz, aquele que não gera efeito algum, não pode repercutir em favor daquele que criou o dano. Se o dano não foi evitado ou minimizado sob nenhum aspecto relevante, é como se o arrependimento não tivesse existido, pois não produziu efeitos concretos. E se não produziu efeitos em favor da vítima, não poderá produzir efeito algum em benefício do lesante. 190 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil, a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

113

Somos, todos nós, produto da natureza ou da criação divina (conforme a crença

de cada um) com prazo de validade incerto. Nenhum de nós tem um estoque de tempo

que possa ser controlado. Cada dia ou segundo de vida é um verdadeiro presente.

Alguns de nós não passam dos primeiros minutos de vida, enquanto outros vivem

mais de um século. Logo, um idoso pode muito bem ter mais tempo de vida do que

uma criança qualquer. Ainda que possamos trabalhar com a expectativa média de

vida das pessoas, trata-se de mera expectativa, que pode não se concretizar. E essa

reflexão nos leva à seguinte questão: o tempo para um idoso vale mais ou menos do

que para uma criança?

Intuitivamente, podemos pensar que a resposta certa para essa questão é que

o tempo vale mais para o idoso, já que, para ele, o tempo é um bem teoricamente

mais escasso do que para uma criança. Mas se lembrarmos de que o tempo que se

indeniza é uma parte da vida da pessoa, de uma vida já passada e vivida, fica difícil,

quiçá impossível, afirmar que a vida de um idoso vale mais do que a de uma criança

para fins de reparação da lesão sobre o tempo. Objetivamente falando, o tempo, em

ambos os casos, tem o mesmo valor e a mesma repercussão; nas duas situações

significa menos tempo.

A idade da vítima não interfere na lesão, porque a medida da lesão é,

exclusivamente, o tempo que foi suprimido da vítima, um tempo já usufruído, e não

um tempo que ainda se vai viver. O tempo não é reposto com a indenização. Ele já

está perdido e apenas terá que ser compensado economicamente, no que a

expectativa de vida futura da vítima (se resta muito tempo de vida para a pessoa

usufruir da indenização ou não; se ela é jovem ou velha) pouco importa.

Da mesma forma, para a fixação da indenização dos danos por tempo perdido,

diferentemente do que ocorre no dano moral subjetivo e no dano existencial, pouco

importa a intensidade do sofrimento da vítima ou a repercussão da ofensa. Esses

critérios, importantes na reparação dos danos morais puros e do dano existencial, não

têm qualquer valia na reparação do tempo perdido, que, novamente repetimos, tem a

ver, exclusivamente, com a quantidade de tempo perdido. Na lesão ao tempo,

entendemos nós que não existe interferência de fatores psicológicos e emocionais

que certamente têm relevância na fixação de indenizações de outros danos

extrapatrimoniais.

114

Portanto, para fins de fixação de indenização, única forma possível de se reparar

o tempo perdido, deve-se levar em consideração: i) a quantidade objetiva de tempo

desperdiçado; ii) a gravidade da conduta lesiva; iii) a eventual vantagem auferida pelo

lesante; iv) a repetição da conduta lesiva; v) a qualidade ou situação econômica das

partes envolvidas (ofensor e vítima); e vi) eventuais esforço e eficiência do lesante

para evitar o dano ou minimizar os seus efeitos; a fim de calibrar o arbitramento da

indenização para que ela tenha uma justa, razoável e proporcional às circunstâncias

que envolvem o caso sub judice.

Finalmente, vale destacar, considerando a abordagem dada neste trabalho, no

sentido de que o tempo é a medida quantitativa da vida, que as empresas e, portanto,

pessoas jurídicas em geral, apesar de serem entes dotados de personalidade jurídica,

não sofrem lesão ao tempo.

As pessoas jurídicas não têm vida como nós, seres humanos e, por esse motivo,

não podem ser vítimas de dano ao tempo. O tempo, para elas, não é um recurso ou

bem finito. As empresas existem por tempo indeterminado, pelo tempo que seus

proprietários, acionistas, sócios, determinarem. Há diversos registros de empresas

milenares.191 O tempo, para elas, é apenas uma medida de produção de riqueza ou

de prejuízo. Logo, toda e qualquer interferência indevida no tempo das pessoas

jurídicas só tem relevância para o direito se importar em prejuízo econômico e, nessa

situação, estaremos diante de dano material puro, com total equivalência financeira,

ainda que apurá-la possa não ser tarefa das mais fáceis.

Se uma empresa qualquer sofre um dano que implique em perda de tempo, só

existirá dano se da conduta lesiva emergir algum prejuízo financeiro para empresa.

Imaginemos, por exemplo, uma empresa que tem a sua fábrica fechada ou uma

máquina com defeito em mal funcionamento por conduta ilícita de terceiro. Essa

empresa perde a autonomia que exerce sobre o meio produtivo e, durante certo

tempo, a sua produtividade fica comprometida. Ainda que o período de tempo relativo

àquela determinada produção tenha ficado irreversivelmente para trás, o tempo

perdido em si não configura dano. O dano, no caso, é tão somente os prejuízos

materiais que advêm da redução da sua produtividade naquele período e que se

191 Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/10-empresas-com-1-000-anos-ou-mais-sim-voce-leu-certo/>. Acesso em: 07/11/2018.

115

revela dano material ou patrimonial puro, ressarcível por meio de uma indenização

cabal, exatamente equivalente ao resultado decorrente da diminuição da produção.

As pessoas jurídicas são apenas aquilo que o seu objeto social define e aquilo

que os seus respectivos administradores e funcionários delas fazem. E, sendo assim,

ainda que se trate de pessoas jurídicas sem fins lucrativos ou de pessoas jurídicas

que mais se assemelham a pessoas físicas, como as sociedades unipessoais,

pequenos comerciantes, microempresas constituídas pelos próprios familiares

(pequenos bares, quitandas etc.), mesmo assim, não se poderá falar em dano por

tempo perdido, pois lhes carece o elemento essencial do bem jurídico tutelável que é,

justamente, o tempo de vida e a liberdade que se exerce sobre ele.

De todo modo, fato é que as pessoas jurídicas não sofrem dano por tempo

perdido, assim como não sofrem dano estético nem danos existencial ou biológico,

ressalvada a possibilidade de sofrerem dano moral objetivo (Súmula 227 do Superior

Tribunal de Justiça).

116

12 RESPOSTAS A POSSÍVEIS OBJEÇÕES À TESE PROPOSTA

Apesar do nosso entendimento a respeito da correta reparação do dano por

tempo perdido, conforme critérios delineados nos capítulos precedentes, não

podemos deixar de reconhecer que, certamente, advirão objeções, críticas ou

questionamentos à tese ora defendida, razão pela qual aqui nos antecipamos,

tentando rebater algumas delas que, neste momento, já conseguimos antever.

De forma geral, a parcela mais conservadora da doutrina terá dificuldade em

reconhecer a possibilidade de reparação do tempo perdido, sobretudo da maneira

aqui proposta, considerando a reparação autônoma e independente em relação ao

dano moral subjetivo.

Entre as críticas mais prováveis, destacamos:

a) Ausência de previsão legal expressa;

b) Dificuldade em atribuir um valor ao tempo enquanto medida quantitativa da

vida;

c) Enriquecimento sem causa da vítima;

d) Mercantilização da justiça e incentivo à “indústria das indenizações”;

e) Bis in idem – na medida em que a lesão ao tempo já é contemplada no dano

moral puro (ou subjetivo); e

f) Perda de tempo como mero incômodo ou dissabor.

Todavia, em que pesem eventuais entendimentos contrários, entendemos que

essas possíveis críticas não prosperam e decorrem de uma visão superada da

responsabilidade civil, que está muito mais apegada à ultrapassada concepção

materialista da reparação dos danos do que à moderna função social que o instituto

exerce.

Desse modo, muito embora entendamos que algumas dessas críticas já tenham

sido respondidas ao longo do presente trabalho, a seguir, passamos a apresentar

diretamente os motivos pelos quais entendemos que elas não merecem subsistir.

117

12.1 Ausência de previsão legal expressa

Certamente, muito se questionará sobre se a falta de previsão legal expressa

acerca da indenização em razão de dano por tempo perdido, como uma categoria

autônoma de dano extrapatrimonial, constitui óbice para sua reparação.

Nesse contexto, poder-se-á argumentar, ainda, que essa nova modalidade de

indenização não poderia prevalecer, pois seria equiparável à sanção civil, isto é, a

uma efetiva punição do lesante sem prévia lei a seu respeito, ferindo, portanto, o

princípio da anterioridade da lei, segundo o qual nulla poena sine praevia lege (artigo

5º, XXXIX, da Constituição Federal).

Discordamos, no entanto, dessa posição.

Como já salientamos ao longo do presente trabalho, o ordenamento jurídico

pátrio é adepto do sistema aberto (ou atípico) de responsabilidade civil, de tal modo

que é abrangente no que diz respeito aos interesses merecedores de tutela, isto é,

em termos de extensão qualitativa (espécies) dos danos ressarcíveis.192

Nesse sentido, nossos tribunais já reconheceram a viabilidade de se acolher

indenização autônoma de danos que não estão, expressamente, previstos em nosso

192 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 102.

118

ordenamento jurídico, como são os casos do dano estético193 e, de forma mais

contida, do dano existencial194 e do dano biológico.195

Diante desse contexto e fazendo referência à Maria Celina Bodin de Morais,

podemos dizer que, modernamente, a responsabilidade civil busca, cada vez mais,

193 Súmula 387 do STJ: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. 194 “Caso conhecido como das ‘pílulas de farinha’, sendo de se anotar que o fato de o STJ admitir a indenização em ação civil pública promovida pelos danos decorrentes da ingestão do anticoncepcional Microvlar, da Schering [REsp 866.636/SP], referendando-a em ação individual [Resp. 1.096.325 SP], constrói modalidade de sentença de efeito erga omnes quanto ao tema jurídico, desautorizando

decisões diversas quando as situações fáticas se assemelham – Hipótese em que a autora, com a

juntada de carteia e duas drágeas restantes que não possuíam os princípios ativos a que se destinavam, prova ter engravidado pela falha da indústria em não destruir os produtos manufaturados para testes [placebos] da máquina empacotadora recém adquirida [sic] e pela culpa quanto à guarda

desse material que, infelizmente, foi inserido no comércio como produto regular – Dever de compensar

a mulher pela concepção indesejada ou inesperada, como espécie de dano existencial, conforme já admitido pelo Tribunal Superior, inclusive em lide ajuizada por defeito de outro anticoncepcional produzido pela Schering [Resp. 918.257 SP] e de pagar pensão à filha, aceita essa fórmula de indenizar como reparação pela perda de chance de cumprir o princípio do cuidado previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional sobre os Direito da Criança. Agravo retido não provido e provimento em parte dos recursos [apenas para consignar que a correção monetária do dano moral tem início a partir da sentença que arbitrou o quantum e para elevar a verba honorária para 10% do valor atualizado das condenações.” (TJSP, Apelação Cível 9114254-23.2006.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator: Des. Ênio Zuliani, j. 29/01/2009) (grifos nossos). 195 “ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONTAMINAÇÃO DO CORPO DE AGENTE DE CONTROLE DE ENDEMIAS POR DDT. DANO MORAL CONFIGURADO. PRAZO PRESCRICIONAL QUE TEM INÍCIO NA DATA EM QUE O SERVIDOR TEM CONHECIMENTO DA EFETIVA CONTAMINAÇÃO DO SEU ORGANISMO. 1. Na origem, trata-se de Ação Ordinária ajuizada por servidor da Funasa, que anteriormente trabalhou na Sucam, com pedido de indenização por danos biológicos e materiais que lhe teriam sido causados pelo contato prolongado com substâncias de alta toxicidade. O pedido de indenização por danos biológicos foi rejeitado, por falta de provas, tendo o de indenização por dano moral sido julgado procedente, diante da prova da contaminação do corpo do autor por DDT. A indenização foi fixada em R$ 3.000,00 por ano de exposição desprotegida ao produto. 2. A jurisprudência do STJ é de que, em se tratando de pretensão de reparação de danos morais e/ou materiais dirigidas contra a Fazenda Pública, o termo inicial do prazo prescricional de cinco anos (art. 1º do Decreto 20.910/1932) é a data em que a vítima teve conhecimento do dano em toda a sua extensão. Aplica-se, no caso, o princípio da actio nata, uma vez que não se pode esperar que alguém ajuíze ação para reparação de danos antes de ter ciência desses danos. Nesse sentido, AgRg no AREsp 790.522/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10/2/2016; AgRg no REsp 1.506.636/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 3/9/2015. 3. No caso concreto, embora o recorrido certamente soubesse que havia sido exposto ao DDT durante os anos que trabalhou em campanhas de saúde pública, pois falava-se até em ‘dedetização’ para se referir ao processo de borrifamento de casas para eliminação de insetos, as instâncias ordinárias consideraram que o dano moral decorreu da ciência pelo servidor de que o seu sangue estava contaminado pelo produto em valores acima dos normais, o que aconteceu em 2009, apenas dois anos antes do ajuizamento da ação. 4. Se já se poderia cogitar de dano moral pelo simples conhecimento de que esteve exposto a produto nocivo, o sofrimento psíquico surge induvidosamente a partir do momento em que se tem laudo laboratorial apontando a efetiva contaminação do próprio corpo pela substância. 5. As regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, referidas no art. 335 do CPC/1973, levam à conclusão de que qualquer ser humano que descubra que seu corpo contém quantidade acima do normal de uma substância venenosa, sofrerá angústia decorrente da possibilidade de vir a apresentar variados problemas no futuro. 6. Recurso Especial não provido.” (STJ, Recurso Especial 1.642.741/AC, Relator: Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 14/03/2017) (grifos nosso).

119

critérios indenizatórios amplos, açambarcando todo e qualquer interesse digno de

tutela e que, razoavelmente, não possa permanecer irressarcido.196

Além disso, se a indenização deve ser medida, nos termos do artigo 944 do

Código Civil, pela extensão do dano (princípio da reparação integral), toda vez que o

tempo for objeto de lesão proveniente de conduta ilícita de terceiro, necessariamente

deverá ser ele indenizado em toda a sua extensão.

Outrossim, se o ordenamento jurídico tutela a vida e a liberdade, e se esses

interesses são violados toda vez que se verifica ofensa ou dano ao tempo (porquanto

este é o espaço em que aqueles se projetam), então o que se tutela, em última

instância, aqui, são a vida e a liberdade, cujas proteção e indenização estão,

expressamente, previstas em nosso ordenamento.

Desse modo, temos que o tempo, representativo da vida e da liberdade humana,

é atributo da personalidade e, portanto, digno de proteção legal, expressa, nos termos

do artigo 12 do Código Civil.197

A reparação ou indenização do tempo nada mais é que uma medida da

reparação da vida e da liberdade do indivíduo, que deixa de ter autonomia sobre esses

bens (vida e liberdade), durante certo tempo que não volta mais. Esses interesses

(vida e liberdade) já são protegidos pelo nosso ordenamento, que, inclusive, garantem

a reparação integral (ou a mais integral possível) em toda a extensão do dano.

A questão a ser analisada, aqui, é a correta e adequada reparação daquele que

sofre dano em seu tempo de vida e na liberdade de gastar o tempo conforme a sua

livre-disposição. A não reparação do tempo (quando assim demandar o caso

concreto), invariavelmente, acarretará violação das normas constitucionais e

infraconstitucionais que garantem a proteção, em toda a sua extensão, justamente,

da vida e da liberdade da pessoa.

Finalmente, e para espancar qualquer viés de dúvida, o art. 5º da Lei de

Introdução às Normas de Direito Brasileiro confere ao magistrado método

196 MORAIS, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Processo, 2017. p. 178-179. 197 Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

120

interpretativo flexível que lhe permite conferir um alcance mais justo e socialmente útil

à norma que se pretende aplicar, garantindo, assim, que o ordenamento jurídico

vigente seja interpretado de forma a agasalhar a tutela jurisdicional do tempo.

Assim sendo, entendemos que a falta de previsão normativa expressa sobre a

indenização decorrente de dano por tempo perdido não constitui óbice algum para sua

reparação. A reparação, no caso, decorre da própria essência do direito tutelado, isto

é, da proteção dos danos à vida e à liberdade, expressões máximas, da personalidade

e da dignidade da pessoa humana, devidamente respaldadas e expressamente

protegidas pelo nosso ordenamento, seja no texto constitucional, seja na legislação

infraconstitucional.

12.2 Dificuldade em atribuir um valor ao tempo enquanto medida quantitativa da

vida

Muito se pode discutir, também, quanto à dificuldade de se atribuir um valor ao

tempo, para fins de quantificação de sua indenização.

A primeira dificuldade seria, já de plano, destacar o tempo como um bem jurídico

autônomo, desprovido de qualquer valor qualitativo. O tempo puro e simples,

enquanto medida quantitativa da vida. Nessa situação, quanto valeria a vida ou uma

parte dela? Será que as qualidades e virtudes do homem devem interferir na

valorização do seu tempo?

Sem sombra de dúvidas, essas são questões complexas e sobre as quais cabem

pontos de vista diferentes.

Porém, sem rodeios, pensamos ser impossível atribuir um valor

matematicamente equivalente ao tempo do homem. Assim como já acontece no dano

moral subjetivo, no dano estético, no dano à imagem e no dano existencial, o tempo

é um bem sem valor econômico, sem preço de mercado.

Apesar disso, comporta uma atribuição pecuniária, porque esta é a única forma

de reparar ou minimizar os impactos de um dano a um interesse extrapatrimonial.

Como leciona Patrice Jourdain, para reparar o que é irreparável, mas que, no

entanto, não pode ficar sem reparação, nos casos em que o prejuízo não possua valor

121

econômico, deve-se conceder uma condenação financeira simbólica (não no sentido

de módica, mas de ausência de equivalência), com a finalidade de expressar a

reprovação social pelo ato praticado.198

O que não se pode admitir é que um bem jurídico de tamanha relevância, como

é o caso do tempo, possa, diante de uma situação de dano, ficar sem reparação, sob

o pretexto de não ser possível atribuir-lhe um valor.

Sobre o tema, importante trazer à baila a lição de António Menezes Cordeiro,

que explica que o único caminho que resta para quem sofre um dano extrapatrimonial

(no caso em estudo: dano por tempo perdido) reside na exigência de uma indenização,

pois, de outro modo, os bens extrapatrimoniais ficariam sem qualquer proteção.199

Dessa forma, entendemos que a questão da dificuldade de atribuição de um

valor ao tempo não pode ser óbice para sua reparação. Seria um retrocesso tremendo,

após tudo o que evoluímos em termos de responsabilidade civil, com a indenização

dos danos morais, estéticos, à imagem e, mais recentemente, com os danos

existenciais e biológicos, inviabilizar a reparação do tempo perdido, um interesse de

imensa magnitude, com argumentos que só faziam algum sentido no início do século

passado.

Hoje em dia, não se pode mais negar a importância do tempo e a sua relevância

para nós, seres humanos, enquanto bem jurídico autônomo passível de tutela. A

reparação do tempo, através da atribuição de uma indenização, por mais abstrata que

seja, é tarefa que cabe ao julgador avaliar, de forma razoável e proporcional,

ponderando os fatos e critérios que envolvem o caso específico.

E, apesar das dificuldades iniciais (com é normal acontecer com tudo o que é

novo), após certo tempo, com a prática, a atividade valorativa ficará mais fácil, como,

hoje, já acontece com os danos morais subjetivos e demais danos imateriais, apesar

das críticas que essas quantificações até hoje recebem.

12.3 Enriquecimento sem causa da vítima

198 JOURDAIN, Patrice. Les principes de la responsabilité civile. 4. ed. Paris: Dalloz, 1998. p. 132. 199 CORDEIRO, António Menezes. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. p. 340.

122

Outro argumento contrário à tese de reparação autônoma do dano ao tempo é o

de que o valor da indenização geraria o enriquecimento sem causa, indevido ou

injustificado da vítima.

Mais uma vez, ousamos discordar daqueles que defendem esse tipo de

argumento.

Primeiramente, o que se percebe em relação àqueles que defendem a existência

de enriquecimento sem causa nos danos extrapatrimoniais (e, aqui, em especial no

caso dos danos por tempo perdido), é que o argumento utilizado configura, na

realidade, um sofisma, uma falácia de relevância ou uma falácia de petição de

princípio (petitio principii), por meio da qual se constrói uma retórica argumentativa

circular, em que se adota, na própria premissa, a conclusão do argumento.

O argumento falacioso parte de duas premissas: (i) que o ordenamento jurídico

proíbe o enriquecimento sem causa e (ii) que a perda de tempo (ou outro prejuízo

extrapatrimonial) não tem conteúdo econômico para justificar (dar causa) uma

reparação financeira (enriquecimento); para concluir, (iii) que o ordenamento jurídico

proíbe, portanto, a indenização por perda de tempo, pois isso configuraria

enriquecimento sem causa.

Nota-se que o argumento, aparentemente correto e lógico, apresenta uma

estrutura interna inconsistente e imperfeita, na medida em que adota como premissa

para o seu argumento a própria conclusão a que pretende alcançar; no caso, de que

o tempo perdido não configura causa para enriquecimento. Portanto, a conclusão

desse raciocínio apenas salienta o que já foi assegurado nas premissas, de modo

que, embora válido, o raciocínio se revela totalmente inútil e incapaz de estabelecer a

verdade da sua conclusão.200

Portanto, o argumento, embora possa apresentar um apelo sensível e

psicológico relevante, capaz, inclusive, de gerar um efeito persuasivo real, não possui

concretude lógica. Nele, nada se prova. O argumento é circular, pois, ao colocar a

conclusão na premissa, dá como provado, justamente, aquilo que se pretende

200 COPI, Irving Marmer. Introdução à lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978. p. 74-84.

123

provar.201 Sua construção é, portanto, imperfeita, resultado de uma ilusão

argumentativa empregada para estimular a nossa sensibilidade sobre o tema, e não

a nossa razão.

Superada essa questão inicial, é válido esclarecer que entendemos que toda e

qualquer reparação pecuniária de danos extrapatrimoniais, sejam eles oriundos de

dano moral subjetivo, dano à imagem, dano estético, dano à existência ou dano por

tempo perdido, gerará, sempre, um enriquecimento. Isso porque os danos

extrapatrimoniais não têm equivalência pecuniária, não decorrem de um prejuízo

financeiramente aferível, mas, ainda assim, demandam uma compensação que só se

pode realizar mediante o pagamento de uma indenização que agregará um valor ao

patrimônio do lesado, gerando, via de consequência, um enriquecimento financeiro.

No entanto, não se trata de enriquecimento ilícito nem indevido, muito menos

injustificado ou sem causa. Pelo contrário, essa indenização configura um

enriquecimento lícito e, mais do que isso, justo, pois decorre de um dano sofrido no

seu patrimônio imaterial.

Assim sendo, qualquer que seja o valor da reparação do dano extrapatrimonial,

a quantia fixada configurará enriquecimento da vítima, pelo simples fato de o

patrimônio imaterial não ser objeto de precificação, de inexistir equivalência entre o

prejuízo imaterial e uma soma em dinheiro.

A noção de enriquecimento sem causa está ligada diretamente a uma ideia de

proveito ou benefício econômico, sem uma correspondente motivação. Ou seja, há

um enriquecimento sem motivo justo, um enriquecimento sem relação de causa e

efeito (sem nexo de causalidade).202

Mas, no caso em estudo, assim como nos demais danos extrapatrimoniais, o

enriquecimento ou o benefício econômico oferecido (indenização) correspondem à

compensação de um efetivo prejuízo suportado pela vítima, que é a perda do tempo

(com a vida e a liberdade nele contida). A falta de correspondência significa, no caso,

a falta de uma exata equivalência entre o tempo perdido (dano) e a reparação

correspondente. Daí a necessidade da análise daqueles requisitos de que tratamos

201 ATIENZA, Manuel. As razões do direito. Teoria da argumentação jurídica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 115-116. 202 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 258-262.

124

no capítulo anterior, para que não se dê nem mais nem menos do que o necessário à

justa reparação.

O enriquecimento, por assim dizer, ocorre apenas em termos materiais. No

entanto, do ponto de vista do equilíbrio das relações jurídicas e da justiça social, existe

uma clara e perfeita justificativa para o enriquecimento: o dano. Estamos, por assim

dizer, diante de uma relação de causa e efeito: uma conduta positiva (indenização)

para anular uma conduta negativa (dano), trazendo essa equação o mais próximo

possível do resultado zero. A consequência é a indenização que tem como causa, ou

justo motivo, o dano extrapatrimonial (no caso em estudo, o dano por tempo perdido).

Sob essa ótica, o enriquecimento é mais do que justo, é absolutamente

necessário e totalmente lícito.

Como assevera Rogério Donnini,203 nessas hipóteses, o enriquecimento é, na

realidade, “com causa”, isto é, com causa no dano injustamente sofrido pela vítima,

que fica credora de uma indenização, pois essa é a única forma possível de minimizar

os impactos dos prejuízos extrapatrimoniais sofridos, ainda que de forma imperfeita.

O enriquecimento (indenização) se justifica, nesses casos, sempre como

consequência direta de um acontecimento antijurídico (conduta) que gerou o resultado

negativo (dano).

A par disso, em diversas situações, o ordenamento jurídico confere à vítima um

efetivo enriquecimento, isto é, um benefício econômico, sem que haja o

correspondente prejuízo, caso o ofensor tenha alguma conduta antijurídica, injusta,

reprovável, infringindo normas de conduta.

Nesse sentido, há expressa previsão legal no artigo 940 do Código Civil,204 que

estabelece o pagamento em dobro para aquele que demanda por dívida já paga, bem

como impõe o pagamento daquilo que pedir a mais do que lhe for devido. Além disso,

203 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 88-97. 204 Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

125

o artigo 81 do Código de Processo Civil205 estabelece o pagamento de multa e

indenização à parte contrária por aquele que, em processo judicial, for condenado em

litigância de má-fé (artigo 80 do Código de Processo Civil).

Não fosse isso o bastante, as astreintes, previstas nos artigos 499, 500, 536, §

1º, e 814, do Código de Processo Civil,206 e 84 do Código de Defesa do Consumidor,207

para os casos de descumprimento de obrigações de fazer e não fazer, também

revertem em favor da parte contrária.208

Em todos esses exemplos, há evidente enriquecimento por parte da vítima, na

medida em que a vantagem econômica recebida não decorre de um correspondente

(ou equivalente) prejuízo econômico experimentado. No entanto, em nenhum desses

casos se questiona o enriquecimento sem causa ou indevido ou, ainda, o

enriquecimento ilícito.

Na verdade, o que o ordenamento proíbe é o enriquecimento sem causa. O

enriquecimento com causa é permitido e, até mesmo, encontra respaldo em nosso

sistema normativo.

205 Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. 206 Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação. Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial [...]. Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida. 207 Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa 208 CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Tese de mestrado defendida na PUC-SP, 2012, p. 137.

126

No caso da reparação do dano por tempo perdido é a mesma coisa, o valor da

indenização, elevado ou modesto, não terá equivalência econômica exata com o

prejuízo suportado. O mesmo também ocorre nas outras hipóteses de reparação a

danos extrapatrimoniais. Em todas essas situações, a reparação não terá a pretensão

de ser cabal, mas tão somente de representar uma repulsa ao dano verificado e uma

justa compensação a quem sofre a lesão.

Consequentemente, não se deve questionar que o valor indenizado nessas

circunstâncias foi além ou ficou aquém do dano extrapatrimonial efetivamente sofrido,

pois como este é incomensurável, aquele também o é, daí falarmos ser ele um “valor

ideal”, estabelecido de forma a restaurar o equilíbrio violado através da reparação que

venha a ser a mais completa e útil para a vítima e para a sociedade como um todo,

respeitando, sempre, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na sua

fixação. Trata-se, portanto, de enriquecimento lícito e justo, cuja extensão da

indenização deverá ser a mais razoável e proporcional possível ao prejuízo causado,

conforme as circunstâncias do caso concreto demandarem.

Nesses termos, de acordo com os critérios delineados no presente estudo, não

há que se falar em enriquecimento indevido ou injusto na reparação dos danos por

tempo perdido.

12.4 A mercantilização da justiça e o incentivo à “indústria das indenizações”

Outra possível crítica à aplicação da tese aqui proposta é no sentido de que a

reparação dos danos por tempo perdido incentivaria ainda mais o ajuizamento

aleatório e irresponsável de ações indenizatórias absurdas ou infundadas,

transformando o Poder Judiciário em loteria e criando o que muitos chamam de

“indústria das indenizações”.

Porém, novamente, aqui discordamos daqueles que assim enxergam a situação.

De fato, é bem possível que o reconhecimento do tempo como um bem jurídico

autônomo, passível de dano e de reparação independente, provoque um aumento no

número de ações judiciais buscando a tutela desses interesses supostamente

violados.

127

No entanto, não vemos nisso mal algum. Muito pelo contrário, nada mais

saudável e natural do que as pessoas ingressarem em juízo, visando à reparação do

mal que injustamente sofreram. Em se tratando de danos extrapatrimoniais, o

exercício do direito de ação é exercício de cidadania e solidariedade, na medida em

que constitui mecanismo individual de tutela de interesse social. Quanto maior o

número de ações, maior o controle por parte da sociedade contra atos que violem ou

desrespeitem o patrimônio imaterial dos cidadãos, pois tal conduta, em última análise,

desestimula a prática de novos atos ilícitos, em plena consonância com o princípio da

prevenção.

Se as pessoas se sentirem encorajadas para requerer a tutela jurisdicional para

a proteção do seu patrimônio imaterial (qualquer que seja ela, inclusive, o tempo), isso

repercutirá imediatamente na outra ponta, mostrando para toda a sociedade que as

condutas lesivas aos interesses extrapatrimoniais são corretamente tuteladas pelo

Poder Judiciário.

Na verdade, o argumento de que a mera possibilidade de se tutelar mais uma

espécie de dano extrapatrimonial incentivaria a denominada indústria das

indenizações é absolutamente impróprio e impertinente, sobretudo no atual estágio

social, de universalização do acesso à justiça, inclusive, com a criação dos juizados

especiais, que sucedeu a implantação de um sistema de proteção ao consumidor,

com o advento do Código de Defesa do Consumidor.

Ora, será que aqueles que defendem essa tese acreditam que desestimular o

exercício do direito de ação das pessoas é o melhor caminho para a paz e o equilíbrio

social? Será que, realmente, existe a crença de que a universalização do acesso à

justiça e a possibilidade de tutela de todos os interesses passíveis de lesão pode

acarretar a sua própria banalização?

É evidente que não. Se não pudermos pleitear em juízo a proteção total dos

nossos legítimos interesses violados ou em risco, aí sim estaremos desamparados e

a justiça restará banalizada. Felizmente, o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal,

garante, em cláusula pétrea, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito.

128

Portanto, pensamos que a correta proteção ao tempo perdido incentivará as

pessoas a, efetivamente, tutelarem seu patrimônio imaterial, de forma a gerar um

benefício para a sociedade como um todo, funcionando como real desincentivo à

prática de novas condutas lesivas. O ajuizamento de ação é, portanto, ferramenta de

controle e policiamento dos atos ilícitos, com reflexo direto no meio social.

Como bem colocou André Gustavo Corrêa de Andrade,209

o problema da propositura de ações de indenização temerárias, que buscam especular com o dano moral [o que vale para todos os danos extrapatrimoniais], tentando incluir no conceito os fatos mais corriqueiros ou banais, é inerente à democracia e ao princípio do acesso à justiça. É necessário possibilitar a todos o acesso à justiça para que aqueles que tenham efetivamente direito possa vê-lo satisfeito ou realizado.

Além disso, como tivemos a oportunidade de observar, a reparação do tempo

perdido não deve ser aleatória, tampouco se aplica a todo e qualquer caso. Antes,

deve observar parâmetros e critérios concretos, à luz das circunstâncias específicas

de cada caso, segundo um juízo crítico de razoabilidade e proporcionalidade do

magistrado. Inclusive, o próprio magistrado tem plenos poderes e condições de

reconhecer uma ação abusiva, irresponsável ou aleatória e, caso isso aconteça, o

próprio Código Civil e o Código de Processo Civil já preveem sanções, no intuito de

desestimular ações temerárias, impondo, assim, responsabilização àqueles que

litigam em juízo inadvertidamente (vide artigo 940 do Código Civil e artigos 80 e 81 do

Código de Processo Civil).

Ainda, o próprio Código de Processo Civil prevê inúmeros recursos para os

litigantes em geral pleitearem a revisão dos julgados, sempre que não concordarem

com o seu conteúdo.

Conforme explica Rogério Donnini,210

o fato de existirem muitos pleitos indenizatórios e alguns deles absolutamente descabidos não justifica a asserção genérica de que entre nós os pleitos indenizatórios são exagerados e criados com o intuito de enriquecimento injusto. Embora existam situações dessa natureza, inegavelmente a grande

209 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 295. 210 DONNINI, Rogério. A prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 499.

129

maioria dos pedidos atinentes a indenizações decorre da efetiva violação de direitos patrimoniais ou da personalidade.

Não é porque algumas pessoas tentam tirar injusto proveito através de uma

determinada medida judicial que a mesma deva ser sumariamente barrada. O Poder

Judiciário não pode negar o acesso à justiça a quem quer que seja e tem o dever de

dar a adequada tutela jurisdicional aos pleitos que se lhe apresentam, no que se inclui,

também, punir aqueles que tentarem tirar vantagem indevida, através do abusivo

exercício do direito de ação.

Sendo assim, a questão do incentivo ao ajuizamento de ações não nos parece

um problema, pelo contrário, é algo que trará maior e melhor controle dos atos lesivos

e, via de consequência, acarretará na prevenção de novos danos, em flagrante

benefício para a sociedade em geral.

Não fosse isso suficiente, para rechaçar de vez o argumento de mercantilização

da justiça através da criação da “indústria das indenizações”, vale extrair das lições

de Rogério Donnini importante trecho que desmascara a verdade sobre o assunto.

Segundo o citado professor,

propaga-se a falsa ideia de uma indústria das indenizações que, em verdade, não existe, pois o que se constata é uma frequente e desmesurada violação de direitos por parte do Estado, dos fornecedores, nas relações entre particulares e, em vários casos, a fixação de valores indenizatórios que, contrariamente ao princípio neminem laedere, incentiva novos eventos danosos. Não raro, grandes empresas deixam de investir na segurança de seus produtos e serviços, cientes dos baixos valores fixados nas ações de reparação de danos. Estamos, assim, diante de uma indústria das lesões.211

Portanto, deve-se ficar atento, para que o argumento de criação de uma

“indústria das indenizações” não encubra nem enseje a maléfica e nociva “indústria

das lesões”, que tão comumente aflige diversos segmentos da sociedade. Até porque,

entre as duas “indústrias”, é melhor e mais seguro ficarmos com a primeira, que, além

de tudo, necessariamente, passa pelo controle do Poder Judiciário.

Concluindo, não é razoável que se pretenda criar dificuldades de acesso ao

Judiciário ou excluir importante instrumento de defesa da cidadania (como é o caso

211 DONNINI, Rogério. A prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 499.

130

da ação de indenização por tempo perdido), a pretexto de desestimular as demandas

temerárias. Se o preço a pagar pela efetividade ou concretização dos princípios

constitucionais de proteção à vida e à liberdade é possibilitar a propositura de ações

temerárias e infundadas, então esse será um preço razoável a ser pago.212

12.5 Bis in idem – quando a lesão por tempo perdido já é contemplada no dano

moral subjetivo

Imaginamos, aqui, também, que se possa questionar a existência de dupla

sanção sobre um mesmo fato (bis in idem), já que, nas reparações por dano moral

puro (ou subjetivo), o fator tempo já é, em alguns casos, levado em consideração

quando da fixação da indenização a esse título.

Questiona-se, portanto, que nas reparações por dano moral, muitas vezes, já se

considera o fator tempo, pelo que permitir a indenização pelo tempo perdido de forma

autônoma seria ensejar a sobreposição de indenizações a um mesmo título (bis in

idem).

Pois bem, não se discute que o fator tempo é, em muitos casos, levado em

consideração quando da fixação de indenizações por danos morais de forma geral.

Tal circunstância, no entanto, não é incompatível e em nada atrapalha a tese

defendida neste trabalho.

Isso porque, nas situações de dano moral propriamente dito, o fator tempo não

é um bem jurídico passível de tutela. O tempo, nessas situações, funciona como

condição agravante ou atenuante do dano moral e não se confunde com o tempo que

pretendemos aqui tutelar.

Explica-se. Em toda e qualquer hipótese de dano moral subjetivo, o tempo está

intimamente ligado aos efeitos do dano moral, isto é, ao tempo de duração da dor, do

sofrimento, da angústia etc. Dessa forma, quanto maior o tempo de duração dessa

dor, sofrimento ou angústia, maior será o dano moral sofrido pela vítima. O tempo,

nesses casos, não é um bem jurídico, mas apenas e tão somente uma forma de medir

o dano moral, isto é, uma característica atenuante ou agravante do dano.

212 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 296.

131

O tempo que pretendemos tutelar é, como já demonstrado, um bem jurídico

autônomo, que representa o espaço em que a vida e a liberdade do homem irradiam

seus efeitos. É a quantidade de vida que possuímos aqui na terra e na qual somos

livres para fazer as escolhas que se apresentam à nossa frente e determinar o nosso

próprio caminho.

A tutela jurisdicional desse tempo em nada se identifica com a intensidade do

dano moral subjetivo, em função do tempo em que duram seus efeitos. Mesmo porque

é totalmente possível que uma pessoa sofra um dano moral subjetivo durante um certo

período de tempo, sem sofrer qualquer tipo de interferência em seu tempo de vida

pessoal e de exercício de sua liberdade. É o caso dos pais que perdem um filho em

um acidente. A dor e o sofrimento, muito provavelmente, jamais deixarão de existir

(durarão pelo resto de suas vidas – e, portanto, por muito tempo), mas não haveria

perda de tempo na acepção que estamos a defender neste trabalho, pois não houve,

no exemplo, qualquer interferência no tempo de vida dos pais nem na liberdade de

gerir suas vidas.

O mesmo raciocínio se aplica aos danos materiais, em que o prejuízo patrimonial

é calculado em função do tempo, como é o caso do taxista que fica por 20 dias com

seu veículo parado em conserto. O tempo, nessa hipótese, não é o bem jurídico

tutelado, mas apenas um instrumento para medir a extensão do dano material (lucros

cessantes).

Sob esse panorama, é fácil perceber que uma mesma conduta pode muito bem

causar dano por tempo perdido (puro e simples, objeto da nossa tese), lucros

cessantes (dano material) e dano moral subjetivo agravado pelo fator tempo/duração

do dano, sendo que o fator tempo terá funções diferentes em cada uma dessas

hipóteses de reparação civil.

O princípio do ne bis in idem impede que um mesmo ato receba duas vezes a

mesma punição, o que é bastante diferente de receber diversas punições distintas. O

bem jurídico tempo, autônomo e concreto, somente é objeto de reparação nas

condições aqui propostas.

Portanto, não há como se confundir a reparação do tempo, enquanto bem

jurídico, com o tempo pelo qual se mede a intensidade do dano moral ou mesmo de

132

algum outro dano extrapatrimonial ou material. Nestes casos, o tempo é uma das

medidas do prejuízo (moral ou material); já no dano por tempo perdido, o tempo é o

próprio bem jurídico lesado.

12.6 Perda de tempo como mero incômodo ou dissabor

Por fim, vale abordar, também, questão comumente debatida em nossos

tribunais, relativa à caracterização da perda de tempo como mero incômodo ou

dissabor cotidiano.

De fato, há inúmeros julgados que consideram algumas situações do nosso

cotidiano um simples aborrecimento ou contratempo, incapaz de configurar dano

indenizável, como se percebe no trecho a seguir, extraído de acórdão do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro,213 mas que é repetido em diversas decisões Brasil afora:

o mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situação não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Há que se questionar se esse mesmo argumento poderia ser aproveitado para

rechaçar a reparação do dano por tempo perdido. Pensamos, todavia, que não.

O tempo gasto à espera em longas filas ou aguardando cumprimento de

obrigações contratuais ou, ainda, solucionando problemas causados por terceiros no

fornecimento de produtos e serviços, salvo hipóteses em que haja efetiva interferência

na liberdade de a vítima escolher como gastar seu tempo, não configura dano por

tempo perdido.

Em geral, essas situações podem configurar dano moral puro, desde que fique

evidenciado que a situação em questão gerou, ou ao menos tinha potencial de gerar,

uma lesão a um dos direitos da personalidade da vítima.

213 TJRJ, Recurso Inominado 0078763-52.2013.8.19.0067, data de publicação 19/03/2015.

133

Essas situações devem ser analisadas caso a caso. E, se houver significativa

desproporção na condição imposta à vítima, então, o mero incômodo, dissabor,

aborrecimento ou transtorno se converterá em efetivo dano (moral) indenizável.

Entretanto, as situações de dano por tempo perdido, tal como proposto neste

trabalho, em nada se assemelham às hipóteses de incômodos, dissabores,

aborrecimentos e transtornos que a jurisprudência, habitualmente, classifica como

situações cotidianas incapazes de gerar dano.

Até porque, como se pode notar, as próprias palavras (incômodos, dissabores,

aborrecimentos e transtornos) sugerem e revelam um sentimento, um estado de

espírito da vítima, relacionado à determinada situação. Se houve incomodo, dissabor,

aborrecimento ou transtorno, há um juízo de valor qualitativo sobre aquela situação.

No entanto, na lesão por tempo perdido, não há juízo qualitativo da perda de tempo,

há simples análise quantitativa de tempo perdido, em face de uma conduta lesiva

capaz de retirar da vítima a liberdade de gerir o próprio tempo.

Por isso, quando muito, é possível apenas discutir se uma situação concreta de

dano por perda de tempo muito pequena (por exemplo, por poucos minutos ou mesmo

algumas horas) seria passível de indenização e em qual medida.

Mas a resposta a essa pergunta acaba sendo mais fácil, pois, se houve,

efetivamente, um dano, por menor que ele seja, comporta uma reparação

correspondente e proporcional. Saber se temos que nos conformar com isso, por ele

ser irrisório, já é uma questão de justiça, que haverá de ser bem ponderada

casuisticamente, pois, como diziam os romanos, summum jus, summa injuria.

A questão em torno dos dissabores ou aborrecimentos cotidianos está contida,

justamente, na ausência de dano ou ausência de potencial lesivo de algumas

situações jurídicas consideradas triviais e próprias da sociedade ou do mundo

contemporâneo.

Seja como for, essas situações não se confundem com as hipóteses de

reparação de danos por tempo perdido.

134

13 CONCLUSÃO

Para concluirmos este trabalho, considero importante destacar a célebre frase

de Santo Agostinho, que confessou que, se ninguém lhe perguntasse, ele sabia o que

o tempo era; porém, se lhe perguntassem, e fosse tentar explicar, teria que admitir

que não sabia.214 Embora haja, de fato, muitas ideias importantes a respeito do tempo,

só o próprio tempo tem a peculiar característica de nos fazer sentir, por intuição, que

o compreendemos perfeitamente, desde que ninguém nos peça para explicá-lo.215

Mesmo assim, o tempo sempre foi um elemento fundamental no

desenvolvimento humano. Entretanto, a partir do século XVII, passou a adquirir cada

vez mais importância no pensamento moderno, sobretudo após a revolução industrial

e, mais intensamente, nos dias atuais, quando passou a constituir elemento essencial

do progresso individual e social.

O tempo é, hoje, mais do que nunca, a nossa verdadeira riqueza, é o que dá

lastro para toda e qualquer relação humana, para tudo o que somos e tudo o que

possuímos. Toda e qualquer interação humana só se concretiza no tempo e a partir

dele. Não é possível, portanto, que o ordenamento jurídico deixe de fora do sistema

de tutela legal a proteção do tempo que, como vimos, é um bem ou valor da maior

importância para todo e qualquer indivíduo e integra a sua personalidade.

O ordenamento jurídico nacional está totalmente pronto e apto, tanto do ponto

de vista constitucional quanto do infraconstitucional, para garantir a tutela do tempo,

da mesma forma com que a jurisprudência pátria também já está minimamente

familiarizada com o assunto.

Resta, portanto, garantir que o tempo tenha tratamento adequado nas cortes do

país, garantindo a toda e qualquer pessoa a correta proteção que ele demanda em

suas mais diversas facetas e interações com o homem.

Cuidamos, neste trabalho, de demonstrar que o tempo perdido constitui uma

espécie de dano com características próprias, autônomo e independente, com o que

o qualificamos como uma subcategoria dos danos extrapatrimoniais, ao lado do dano

214 AGOSTINHO DE HIPONA, Santo. Confissões. Bragança Paulista: Vozes, 2011. Livro XI. p. 296. 215 WHITROW, Gerald James. O que é tempo? Uma visão clássica sobre a natureza do tempo. Trad. Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 15.

135

moral propriamente dito, do dano à imagem, do dano estético e do dano biológico,

podendo, inclusive, ser cumulado com estes.

O tempo, enquanto bem ou valor jurídico autônomo, representa uma parcela da

vida (do tempo de vida) de toda e qualquer pessoa e o que fazemos com esse tempo

representa a expressão máxima da nossa liberdade. Desse modo, o tempo deve ser

protegido sempre que for constatada uma violação ou interferência injusta e direta à

liberdade de gastá-lo e de geri-lo, em que a livre-escolha e o poder de

autodeterminação em relação à sua utilização estejam seriamente comprometidos por

uma conduta externa. A proteção do tempo garante que a vida e a liberdade da vítima

sejam resguardadas, bem como que haja, dentro do possível, uma justa reparação

pelos danos decorrentes de sua perda.

Importante não confundir o dano por tempo perdido com o dano moral agravado

pelo fator tempo. Como vimos, são coisas totalmente distintas. No primeiro caso, o

tempo é o bem jurídico violado, enquanto no segundo, o tempo é um medidor de

intensidade, um elemento secundário (externo) que atua sobre o dano, podendo

resultar no seu agravamento ou atenuação.

Essa distinção é fundamental para que se possa perceber que o dano por tempo

perdido não é toda e qualquer lesão em que uma pessoa gasta o seu tempo em

desacordo com a sua vontade. Para que haja dano por tempo perdido, é fundamental

que a liberdade da vítima esteja comprometida, que a conduta lesiva retire da vítima

o poder de escolha e de autodeterminação, tirando dela as rédeas da carruagem que

a conduzem pela estrada da vida. Isso porque, enquanto a vítima estiver no comando

da sua vontade, fazendo livremente suas escolhas, ainda que elas não representem

a sua primeira e mais forte vontade, ainda assim, estará na gestão do seu tempo,

inexistindo, portanto, o dano por tempo perdido.

O tempo não pode ser apreendido nem objeto de propriedade ou de posse de

quem quer que seja; não se transfere a titularidade, muito menos o direito de usá-lo

ou fruí-lo. O tempo também não pode ser restituído nem interrompido ou recuperado.

Tampouco possui qualquer valor econômico. Logo, a única forma de se reparar o

tempo perdido é através de uma indenização, cujo montante deve ser apurado após

uma criteriosa e equilibrada avaliação do caso concreto, levando em consideração,

136

além dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, os seguintes elementos: i) a

quantidade objetiva de tempo desperdiçado; ii) a gravidade da conduta lesiva; iii) a

eventual vantagem auferida pelo lesante; iv) a repetição da conduta lesiva; v) a

qualidade ou situação econômica das partes envolvidas (ofensor e vítima); e vi)

eventual esforço e eficiência do lesante para evitar o dano ou minimizar os seus

efeitos; garantindo, assim, o arbitramento da indenização de forma justa, razoável e

proporcional, tanto para quem lesa quanto para quem foi lesado.

A importância que o tempo assume em nossas vidas impõe que o direito e seus

operadores se debrucem sobre esse tema, de forma a garantir a sua correta proteção,

não apenas enquanto bem ou valor jurídico passível de tutela de forma autônoma e

independente, conforme modelo aqui proposto, mas, também, nas implicações que o

fator tempo exerce nas conformações dos demais danos, seja de natureza material

ou extrapatrimonial.

É fundamental que possamos compreender bem o tempo e a sua relevância para

todos os indivíduos, para que lhe possamos dar o tratamento adequado, garantindo

que esse interesse, quando efetivamente violado (perdido), seja adequadamente

reparado como dano autônomo, como uma subcategoria dos danos extrapatrimoniais,

ao lado do dano moral puro, do dano à imagem, do dano existencial e do dano

biológico. Para isso, é fundamental compreender a distinção que existe entre o dano

por tempo perdido e o tempo como circunstância agravante ou atenuante do dano

moral propriamente dito.

Não podemos mais admitir que, nos dias atuais, existam lesões que não sejam

alcançadas pela tutela jurisdicional. O direito deve, sempre, acompanhar as

transformações da sociedade, que cada vez mais repudia o fortuito e demanda a

reparação por tudo o que (injustamente) sofre em termos de danos, apoiado em uma

valorização cada vez maior da pessoa humana.

O papel atual da responsabilidade civil exige que se assegure a proteção de toda

e qualquer lesão, com efetiva responsabilização dos agentes que por ela foi

responsável, para que respondam, sempre, por seus atos e reparem, de forma

completa, todos os danos que vierem a causar.

137

Desse modo, se o tempo de uma pessoa é violado, se injustamente lhe retiram

o direito de usufruí-lo de acordo com a sua livre-vontade, o direito deve assegurar uma

justa e harmoniosa indenização, para que essa grave e injusta lesão ao tempo de uma

pessoa não fique sem uma correspondente e autônoma reparação.

Percebe-se, diante de todo o exposto neste trabalho, a necessidade de uma

atenção e abrangência maiores quanto à reparação que está a demandar o dano

praticado contra o patrimônio temporal de uma pessoa, quiçá o bem da vida mais

precioso que temos.

138

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