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31 RESUMO Rev. Sociol. Polít. , Curitiba, 16, p. 31-49, jun. 2001 A REINVENÇÃO DAS CIDADES NA VIRADA DE SÉCULO: AGENTES, ESTRATÉGIAS E ESCALAS DE AÇÃO POLÍTICA 1 Tomando como pano de fundo a globalização, o presente artigo procura mostrar que as mudanças impulsionadas por este fenômeno não se restringem ao mundo econômico, mas afetam a produção do espaço urbano e atingem diretamente a formulação e legitimação de paradigmas nas políticas urbanas. Diante dessa constatação, procurou-se enfatizar a mútua dependência entre os procedimentos materiais e simbólicos tomados aqui como estratégias de agentes envolvidos nos processos de reestruturação urbana. A abordagem proposta enfatiza a articulação entre os interesses globais e a formação de um mercado mundial de cidades. PALAVRAS-CHAVE: reestruturação urbana; cidade-mercadoria; patriotismo de cidade; luta simbólica. Fernanda Sánchez Universidade Federal do Rio de Janeiro I. A CIDADE-MERCADORIA E AS NOVAS ESTRATÉGIAS ESPACIAIS As chamadas “cidades-modelo” são imagens de marca construídas pela ação combinada de governos locais, junto a atores hegemônicos com interesses localizados, agências multilaterais 2 e redes mundiais de cidades. A partir de alguns centros de decisão e comunicação que, em variados fluxos e interações, parecem conformar um campo político de alcance global, os atores que participam desse campo realizam as leituras das cidades e constroem as imagens, tornadas dominantes mediante estratégias discursivas, meios e instrumentos para sua difusão e legitimação em variadas escalas. Entretanto, quando tomadas isoladamente, as imagens das “cidades-modelo” parecem, para o senso comum, apresentar dito estatuto de “modelos” como resultado apenas do desempenho dos governos das cidade que, através de “boas práticas”, conseguiram destacar-se na ação urbanística, ambiental ou nas práticas de gestão das cidades. Essa aparência constrói a represen- tação do processo de transformação de determina- dos projetos de cidade em “modelos”, como processo que se dá de dentro para fora, como se fosse construído apenas e essencialmente a partir da ação local dos governos e cidadãos e, posterior- mente, descoberto por agentes externos, difundido em outros âmbitos e escalas. No caso de Curitiba, a essa leitura imediata contrapõem-se outras, que se têm consubstanciado em trabalhos situados no campo da crítica ao modelo, e que dão visibilidade analítica ao conjunto de agentes das elites locais e às suas estratégias políticas e territoriais para explicar as possibilidades 1 Uma primeira versão deste texto foi apresentada na sessão “Ambiente urbano: representação e poder” durante o Simpósio Cidade e poder, realizado entre 23 e 24 de abril de 2001 na Universidade Federal do Paraná, promovido pela Revista de Sociologia e Política e pelo Grupo de Estudos Cidade, Poder e Sociedade, sob coordenação do Prof. Dr. Nelson Rosá- rio de Souza. O texto recolhe argumentos de duas recentes comunicações de congressos, “La reinvención de los lugares: relaciones entre cultura y economía en los procesos de reestructuración urbana” (8º EGAL, Santiago de Chile, março de 2001) e “Cidades reinventadas para um mercado mundial: estratégias trans-escalares nas políticas urbanas” (9º ENANPUR, Rio de Janeiro, maio de 2001). A versão revisada recupera comentários e sugestões dos pareceristas da Revista de Sociologia e Política, além de questões surgidas no debate por ocasião do supracitado Simpósio. 2 Agências multilaterais são organismos de caráter internacio- nal e ação global, que operam como centros de pensamento, difusão e financiamento de políticas públicas: BID, BIRD – Banco Mundial, a ONU – Organização das Nações Unidas e suas agências (p. ex.: Agência HABITAT, CENUEH – Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos). Seu poder político está associado à atuação simultânea em diversas escalas: nacional e supranacional, regional e local.

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RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 16, p. 31-49, jun. 2001

A REINVENÇÃO DAS CIDADESNA VIRADA DE SÉCULO:

AGENTES, ESTRATÉGIAS E ESCALAS DE AÇÃO POLÍTICA1

Tomando como pano de fundo a globalização, o presente artigo procura mostrar que as mudançasimpulsionadas por este fenômeno não se restringem ao mundo econômico, mas afetam a produção do espaçourbano e atingem diretamente a formulação e legitimação de paradigmas nas políticas urbanas. Diantedessa constatação, procurou-se enfatizar a mútua dependência entre os procedimentos materiais e simbólicostomados aqui como estratégias de agentes envolvidos nos processos de reestruturação urbana. A abordagemproposta enfatiza a articulação entre os interesses globais e a formação de um mercado mundial de cidades.

PALAVRAS-CHAVE: reestruturação urbana; cidade-mercadoria; patriotismo de cidade; luta simbólica.

Fernanda SánchezUniversidade Federal do Rio de Janeiro

I. A CIDADE-MERCADORIA E AS NOVASESTRATÉGIAS ESPACIAIS

As chamadas “cidades-modelo” são imagensde marca construídas pela ação combinada degovernos locais, junto a atores hegemônicos cominteresses localizados, agências multilaterais2 eredes mundiais de cidades. A partir de alguns

centros de decisão e comunicação que, emvariados fluxos e interações, parecem conformarum campo político de alcance global, os atoresque participam desse campo realizam as leiturasdas cidades e constroem as imagens, tornadasdominantes mediante estratégias discursivas,meios e instrumentos para sua difusão elegitimação em variadas escalas.

Entretanto, quando tomadas isoladamente, asimagens das “cidades-modelo” parecem, para osenso comum, apresentar dito estatuto de“modelos” como resultado apenas do desempenhodos governos das cidade que, através de “boaspráticas”, conseguiram destacar-se na açãourbanística, ambiental ou nas práticas de gestãodas cidades. Essa aparência constrói a represen-tação do processo de transformação de determina-dos projetos de cidade em “modelos”, comoprocesso que se dá de dentro para fora, como sefosse construído apenas e essencialmente a partirda ação local dos governos e cidadãos e, posterior-mente, descoberto por agentes externos, difundidoem outros âmbitos e escalas.

No caso de Curitiba, a essa leitura imediatacontrapõem-se outras, que se têm consubstanciadoem trabalhos situados no campo da crítica aomodelo, e que dão visibilidade analítica ao conjuntode agentes das elites locais e às suas estratégiaspolíticas e territoriais para explicar as possibilidades

1 Uma primeira versão deste texto foi apresentada na sessão“Ambiente urbano: representação e poder” durante oSimpósio Cidade e poder, realizado entre 23 e 24 de abril de2001 na Universidade Federal do Paraná, promovido pelaRevista de Sociologia e Política e pelo Grupo de Estudos Cidade,Poder e Sociedade, sob coordenação do Prof. Dr. Nelson Rosá-rio de Souza. O texto recolhe argumentos de duas recentescomunicações de congressos, “La reinvención de los lugares:relaciones entre cultura y economía en los procesos dereestructuración urbana” (8º EGAL, Santiago de Chile,março de 2001) e “Cidades reinventadas para um mercadomundial: estratégias trans-escalares nas políticas urbanas”(9º ENANPUR, Rio de Janeiro, maio de 2001). A versãorevisada recupera comentários e sugestões dos pareceristasda Revista de Sociologia e Política, além de questões surgidas nodebate por ocasião do supracitado Simpósio.

2 Agências multilaterais são organismos de caráter internacio-nal e ação global, que operam como centros de pensamento,difusão e financiamento de políticas públicas: BID, BIRD –Banco Mundial, a ONU – Organização das Nações Unidas esuas agências (p. ex.: Agência HABITAT, CENUEH – Centrodas Nações Unidas para os Assentamentos Humanos). Seupoder político está associado à atuação simultânea em diversasescalas: nacional e supranacional, regional e local.

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de realização histórica do projeto de modernizaçãourbana (SÁNCHEZ, 1997; SOUZA, 1999;OLIVEIRA, 2000). Além dos atores locais, umconjunto de agentes e estratégias territoriaisinterescalares comparecem para erigir a imagemda “cidade-modelo”, numa rede que, ao serdescoberta, evidencia um complexo mercado noqual as imagens são construídas e postas emcirculação em variadas escalas (local, nacional einternacional), com mútuas influências de diversaordem (SÁNCHEZ, 1997; SÁNCHEZ & MOURA,1999).

Efetivamente, o processo de produção doespaço social é ao mesmo tempo objetivo esubjetivo. Como parte da nova racionalidade docapitalismo, capaz de potencializar a eficiênciaeconômica e a reorganização territorial, sãointroduzidas formas modernas de dominação etécnicas de manipulação cultural (BOURDIEU,1998; SANTOS, 2000). Deste modo, o espaçotoma forma também através de representações eimagens adequadas, o que explica a importânciaque vem adquirindo o city marketing comoinstrumento das políticas urbanas.

Assim, a retórica planetária dos atoreshegemônicos associados ao que seria um “governodo mundial”3 (PARAIRE, 1995), contribui para arealização dos imperativos do capitalismo atual eda reestruturação econômica global. Trata-se deuma retórica persuasiva que, em sua vertenteurbana, configura uma agenda para as cidades,tornada dominante, com pautas definidas paraações e programas, em uma afirmação política dahegemonia do pensamento e ação sobre as cidades.Como instrumento de consolidação dessa agendaurbana, são desenvolvidas políticas de promoçãoe legitimação de certos projetos de cidade. Essesprojetos são difundidos como emblemas da épocapresente. Sua imagem publicitária são as chamadas“cidades-modelo” e seus pontos de irradiaçãocoincidem com as instâncias políticas de produçãode discursos: governos locais em associação comas mídias; instituições supranacionais, como aComunidade Européia e agências multilaterais.

É por intermédio dessas instâncias e atoresdominantes que os discursos dão-se como“inteligência global” (SANTOS, 2000, p. 100),exercida com base em um conjunto de parâmetros

arbitrários que medem, avaliam e classificam cadaprojeto de modernização urbana com pretensõesde reinserção global. Às relações de força entreos atores que orientam as escolhas econômicas eespaciais são acrescidas as relações de forçapropriamente simbólicas, capazes de disputar aconstrução e a difusão de “discursos fortes”(Goffmann, apud BOURDIEU, 1998, p. 136) juntoa imagens fortes, frutos dos arranjos de poderque compareceram para produzi-los.

A análise de diversas publicações e documentospermite identificar, de fato, um grandecomprometimento das agências de cooperação einstituições multilaterais com a difusão doschamados “modelos” e seu ideário, dentre os quaisdestacamos, por exemplo, para o chamado“modelo-Barcelona”, a obra Barcelona: un modelode transformación urbana publicada peloAyuntamiento de Barcelona e Oficina Regional paraAmérica Latina e Caribe do Programa de GestãoUrbana das Nações Unidas, Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento – PNUD e BancoMundial. Já para o caso do “modelo-Curitiba”,neste texto também focalizado, é notável aseqüência de premiações outorgadas à PrefeituraMunicipal pelas mesmas agências, além dedestaques em seus relatórios anuais e numerososartigos de difusão internacional elaborados porconsultores do Banco Mundial e da ONU(SÁNCHEZ, 2001).

A identificação desses elos políticos entre asagências multilaterais de cooperação e alguns dosprincipais ideólogos encarregados da difusão do“novo modelo de gestão urbana” (constitutivamen-te vinculado às representações e práticas daCidade-mercadoria), permite-nos o entendimentodas conexões entre o chamado “pensamentoglobal” e a ideologia neoliberal: “un gouvernementmondial en formation qui a trouvé dans la ‘penséeglobale’ le masque scientifique nécessaire à sonidéologie néolibérale” (PARAIRE, 1995, p. 180)4 .De fato, os consultores alçados à condição de ex-perts internacionais, e sua atuação junto a organis-mos supranacionais, parecem desempenhar umimportante papel na difusão e legitimação político-ideológica da idéia de cidade transformada emmercadoria. A importância e alcance dessa ação

3 Para o autor, entram nessa categoria as agências multilateraiscomo o FMI, a OMC, o Banco Mundial e a ONU.

4 “Um governo mundial em formação que tem encontradono ‘pensamento global’ a máscara científica necessária à suaideologia neoliberal”.

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combinada parece estar relacionada com acapacidade dos atores na articulação de diferentesescalas de ação política.

Através da análise de alguns processos dereestruturação urbana da década de 90, em suarelação com os respectivos governos de cidade esuas políticas urbanas5 , é possível identificarinteressantes convergências. Essas convergênciasdizem respeito às estratégias utilizadas pelo poderpolítico para “vender” as cidades. De fato, a partirde um determinado momento histórico, aquiidentificado com os anos 90, as cidades passarama ser “vendidas” de modo semelhante, o que sugereque o espaço das cidades se realiza agora enquantomercadoria.

A transformação das cidades em mercadoriasvem indicar que o processo de mercantilização doespaço atinge outro patamar, produto dodesenvolvimento do mundo da mercadoria, darealização do capitalismo e do processo deglobalização em sua fase atual. A existência deum mercado de cidades, como um fenômenorecente, mostra a importância cada vez maior doespaço no capitalismo – a orientação estratégicapara a conquista do espaço, que agora alcançacidades como um todo, postas em circulação nummercado mundial – evidencia a produção globaldo espaço social.

A nova inspiração encontrada pelo capitalismona conquista do espaço compreende a compra evenda do espaço na escala mundial. Essa orientaçãoestratégia, como afirma Lefebvre (1998), temmuito mais importância que a simples venda deparcelas do espaço, pois procura realizar umareorganização abrangente da produção subordinadaàs cidades e aos centros de decisão. Aí pareceestar o que tem de novo o fenômeno do mercadode cidades: a produção global do espaço.

Essa estratégia global encontra uma novadinâmica para a reprodução do capitalismo: aconstrução da cidade-mercadoria que, sob a égidedo poder político dos governos locais, perfila-seatravés dos processos de reestruturação urbana(como exigência da economia competitiva) eatravés da construção de imagem para vendê-la,

para inseri-la no mercado. Como mercadoria espe-cial, envolve estratégias especiais de promoção:são produzidas representações que obedecem auma determinada visão de mundo, são construídasimagens-síntese sobre a cidade e são criados dis-cursos referentes à cidade, encontrando na mídiae nas políticas de city marketing importantesinstrumentos de difusão e afirmação. As represen-tações do espaço e, baseadas nelas, as imagens-síntese e os discursos sobre as cidades, fazemparte, pela mediação do político, dos processosde intervenção espacial para renovação urbana.

As imagens-síntese e os discursos sobre ascidades referem-se a estratégias baseadas naracionalidade dos processos de reprodução daeconomia global. Desse modo, estão referidas aestratégias globais. Imagens e discursos baseiam-se em uma visão de mundo que justifica e permitea realização das necessidades impostas pelo estágioatual da produção, aquele que se refere àconstrução do mercado mundial e do espaçomundial. Sob a égide da globalização, transformadaem paradigma de entendimento do mundomoderno, constrói-se um discurso que a justificae que está na base de sua sustentação.

A fase atual do capitalismo só se realizaproduzindo um novo espaço, pressionado pelasnovas exigências da acumulação, mediante suaslógicas e estratégias à escala mundial. Na produçãodesse espaço operam agentes e interesses combi-nados em diferentes campos políticos e arranjosterritoriais para cada caso. Sujeitos, instituições,práticas e produtos circulam, de maneira relaciona-da, no âmbito de diferentes mercados, materiais esímbolos. Efetivamente, a análise do mercado decidades permite identificar a produção, circulaçãoe troca de bens materiais junto à produção, circula-ção e troca de imagens, linguagens publicitárias ediscursos. Assim, o mercado mundial de cidadesé movido por e, ao mesmo tempo, movimentaalguns outros mercados:

a) mercado para empresas com interesseslocalizados: empresas e corporações avaliam, emdetalhe, pequenas diferenças entre lugares paratomar decisões locacionais. O elenco de fatoreslocacionais é cuidadosamente mensurado porempresas vinculadas ao capital financeiro, indus-trial, comercial e de serviços como também é ava-liado na localização de novas sedes de organismosinternacionais. As diferenças são submetidas àordem do capital que tira proveito delas. Nessesentido é que vários autores (HARVEY, 1994;

5 Particularmente nas cidades de Curitiba (Brasil) e Barcelo-na (Espanha), mas também em cidades francesas como Mont-pellier, Lille e Nantes, inglesas como Oxford e Manchester,e norte-americanas como Baltimore, Boston e Chicago.

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SANTOS, 1996) procuram mostrar que o espaçoé, na atual fase de desenvolvimento do capitalismo,mais importantes do que nunca;

b) mercado imobiliário: a crescente mobilidadedo capital imobiliário permite fluidez noagenciamento de grandes operações localizadas,com investimentos de capital internacional6 ;

c) mercado de consumo: a consagração ecirculação de imagens de “cidades-modelo” tendea agilizar os fluxos de consumo interno (de espaços“renovados” e de mercadorias) e externo (visitan-tes, consumidores de serviços especializados);

d) mercado do turismo: tem fortes imbricaçõescom o mercado de cidades e, apoiado nesta relação,constrói suas segmentações e grupos-alvo nomercado, como o turismo urbano (com o consumodos espaços modernizados), o turismo de negócios,o turismo cultural, o turismo de compras, dejovens ou de terceira idade;

e) mercado das chamadas “boas práticas”: asagências multilaterais, sob manifestos objetivostécnicos, têm implícitos interesses político-ideológicos na promoção e difusão internacionalde imagens de “cidades-modelo”. Mediante alegitimação de “administrações urbanas compe-tentes”, “gestões competitivas” ou “planejamentourbano estratégico”, as agências perseguem a re-formatação do campo da administração pública edo Estado;

f) mercado de consultoria em planejamento epolíticas públicas: atores locais, como prefeitos,lideranças ou experts internacionais em planeja-mento, constroem seus projetos políticos atravésda projeção e reconhecimento de sua atuação que,referida à escala do “local” necessita, entretanto,de legitimação em simultâneas escalas. As estraté-gias territoriais para exportar know how, por partede governos locais e de consultores identificadoscom certas “experiências de sucesso” constroem-se no campo simbólico, onde o que está em jogoé o poder propriamente político.

II. AS LEITURAS DA CIDADE NUM CAMPODE LUTA SIMBÓLICA

O tema das leituras da cidade é de interesseem nossa abordagem do campo simbólico, onde

se trava a luta política pela imposição, mediadasempre por conflitos e tentativas de construçãode hegemonia, de uma leitura frente às muitasoutras que estão em permanente disputa nestecampo. Pensamos que essa luta simbólica possase tratar de um dos processos políticos relevantesna compreensão daqueles mobilizados para areconstrução de lugares, em relação dialética comos processos materiais de modernização urbana.

A relevância conferida ao tema está centradano resgate dessa relação dialética. As lutassimbólicas não são mera expressão das relaçõesde poder; elas atuam sobre o campo das práticas,elas reelaboram as práticas. Por seu lado, aspráticas materiais ligadas à modernização dosespaços da cidade não se impõem facilmente. Pelocontrário, a legitimação dos projetos associados àmodernização depende de estratégias discursivase retóricas que parecem centrais. Desse modo,desconstruir leituras e discursos do espaço éinterpelar seu léxico, seu padrão argumentativo.

Se ler a cidade significa ter uma representaçãode cidade, construir uma imagem de cidade signi-fica também compreender e interpretar e, sobre-tudo, sintetizar, dada a complexidade do fenômenoobservado. Porém, “leituras”, no plural, implicamque a cidade pode ser representada, ou melhor,imaginada, a partir de diversos olhares. Não háuma única leitura possível. O que se vê dependede onde se olha e para onde se olha (RIBEIRO,1999), e a análise deve identificar de quem sãoesses olhares ou quem realiza essas leituras.

As imagens-síntese oficiais, aquelas que seimpõem como dominantes em cada cidade ondeopera um projeto de modernização urbana definidoe explicitado7 , não deixam margem para dúvidasou interpretações diversas sobre a informação queveiculam; não oferecem alternativas à suadecodificação. Organizam, a seu modo, a cidade,tornando-a simbolicamente eficiente, uma espéciede publicidade que concretiza o modo de reconhe-cê-la e avaliá-la. Leituras oficiais da cidade, queconfiguram imagens, costumam ser mostradascom aparência de objetividade, apresentando fatossociais como inquestionáveis. Entretanto, são umadas linguagens do poder, convenção social e

6 Exemplares, neste caso, são as grandes operações imobiliá-rias de Barcelona no período olímpico (1986-1992) e pós-olímpico (1992 até o presente), em sua maioria, frutos decapitais externos, dos EUA e da Comunidade Européia .

7 Referimo-nos aos casos paradigmáticos, como o deBarcelona a partir do ano 1986, quando a cidade foi designadapara sediar os Jogos Olímpicos de 1992; ou o caso de Curitiba,Brasil, com a modernização urbana iniciada na década de 70.

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política questionável (DUNCAN & LEY, 1993;MASSEY, 1993). Seu aparente realismo é, emessência, ideológico, pois passa como natural aqui-lo que é um fato cultural.

Como referências para a ação, as representa-ções constroem-se a partir de uma dada posiçãosocial e orientam-se a determinados objetivos.Aparentes noções “neutras” escondem abordagensseletivas do real, assim como a atribuição oudestituição de sentido aos lugares (NOVAIS, 1999).Efetivamente, não existe um mundo neutro, visível,unívoco. Cada representação é uma verdadeparcial, construída a partir de um “conjunto coe-rente de valores e orientações”. Essa espécie dematriz que condiciona as representações estáexpressa na noção de habitus desenvolvida porBourdieu (1999, p. 191). Mais que uma noção,trata-se de uma orientação metodológica quecolabora no sentido de transcender a mitologia damimese, pois permite a percepção de que o que évisto através das imagens não é uma realidadedada, objetiva, mas um conjunto de informaçõesparciais, construídas a partir de uma determinadaperspectiva, através de representações.

Neste ponto, parece central recuperar a refle-xão lefebvriana acerca da produção do espaço: énecessário entender não apenas como os lugaresadquirem qualidades materiais, mas também comoadquirem valor simbólico através de atividades derepresentação. As representações influenciam ava-liações e rankings de lugares e determinam parteconsiderável das escolhas locacionais. Veja-se, porexemplo, a transcendência que foi dada pelosveículos oficiais e pela mídia local em Curitiba àpesquisa divulgada pela revista Exame, sobre as“Dez melhores cidades para se fazer negócios”(2000), na qual Curitiba aparece em primeiro lugar,dando lugar à produção e veiculação de mais umade suas imagens-síntese, “Curitiba, a melhorcidade para os negócios” (SÁNCHEZ, 2001).

Nas palavras de Harvey, “as possibilidadespolítico-econômicas da reconstrução de lugaresestão coloridas pela maneira evaluativa da repre-sentação dos lugares” (HARVEY, 1993, p. 22).Materialidade, representação e imaginação não sãomundos separados. Nessa recusa à segmentaçãodo conhecimento do espaço reside a força da cons-trução de Lefebvre (1998). Como opção metodoló-gica, evidencia as imbricações desses três domí-nios na produção do espaço, em processos demútua transformação.

Há um complexo intercâmbio entre atransformação material e o simbolismo cultural,entre a reestruturação de lugares e a construçãode identidades. Desse modo, a cultura é o meioque relaciona a textura da paisagem ao texto social.Como afirma Novais (1999, p. 2), o caráter dialé-tico do processo de produção do espaço está dadopela imbricação do real com suas representações.As representações que os sujeitos têm do realinfluem na construção da realidade ao mesmo tem-po que as práticas materiais são a base para novasrepresentações do real.

As representações são também carregadas deintencionalidade: visam à produção de efeitos narealidade social. Assim, a construção de imagensopera necessariamente com sínteses, seletivas eparciais, que dão relevância a alguns aspectos eomitem outros, respondendo ao universo especialde interesses dos sujeitos que a constroem e aosobjetivos que se pretendem.

Sujeitos, instituições, práticas e produtos circu-lam no âmbito de um “mercado material” e de um“mercado simbólico”, de modo relacionado(BOURDIEU, 1999; LEFEBVRE, 1998, p. 86).Efetivamente, a produção, circulação e troca debens materiais é diferente mas não separada daprodução, circulação e troca de signos, linguagense discursos (LEFEVRE, 1998, p. 100). Ao produ-zir um objeto material na cidade, uma praça, ummonumento, um edifício, produz-se também a ma-neira como será consumido, através das práticasideológicas que produzem o objeto sob a formade discurso e imagem. Assim, a reelaboraçãosimbólica que um discurso efetiva é parte integralda realidade social e, por essa razão, tal realidadeé também constituída ou determinada pela própriaatividade de simbolização.

O poder das representações está em sua pre-sença material, literalmente solidificada na arquite-tura e no urbanismo. As geografias da chamadarenovação urbana são geradas por processos mate-riais mas também simbólicos, cujos idealizadores,planejadores e profissionais do marketing, codifi-cam as formas construídas em códigos de consu-mo para receptores que irão reinterpretá-los.

Se há muitas possíveis leituras da cidade, issoimplica que pode haver e que, de fato, exista dispu-ta. A representação da cidade é um objeto cobiçadoe disputado. Afinal, como nos diz RIBEIRO(1999), “representar a totalidade, o todo social,implica poder: implica construção de hegemonia,

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capacidade de convencimento, criação deconsenso”. Nesse sentido é que atribuímos altarelevância à reflexão sobre comunicação einformação, pois as imagens produzidas, tornadasdominantes, são territórios de investimentossimbólicos que necessitam ser permanentementedisputados na conquista e reprodução do consensoe na atração de novos investimentos.

Essa luta pela hegemonia do chamado “discur-so forte” (BOURDIEU, 1998, p. 136), enquantointerpretação da realidade e legitimação dos projetosde futuro, está associada à elaboração de imagens,enquanto sínteses discursivas: um campo dedisputas ampliadas visando, ao mesmo tempo, àconquista e à reprodução do poder político eeconômico.

A mídia, em sua relação com os governos ecoalizões dominantes, é um ator importante nocenário cultural e político atual nas cidades. Temum papel importante nos processos queacompanham a renovação urbana, que interage einterfere no curso dos acontecimentos através deimagens publicitárias, mobilizações e campanhassociais. Exerce um verdadeiro fascínio sobre asociedade civil e política, e tem força de pressãona elaboração de imagens coletivas que possamser absorvidas nas representações de indivíduos egrupos. Tem também poder para construir oudestruir a identidade de atores individuais oucoletivos.

Em seu papel de mediadora entre os cidadãose a cidade, a mídia é estratégica para os governoslocais, pois realiza a espetacularização da cidade emolda as representações acerca de sua transfor-mação. Ela produz signos de bem-estar esatisfação no consumo dos espaços de lazer, criacomportamentos e estilos de vida e promove avalorização de lugares, bem como os usosconsiderados “adequados”. Em outras palavras,celebra os novos lugares transformando-os emespetáculo. O caso de Curitiba é paradigmáticona simbiose entre governo e mídia, com apromoção orquestrada de fragmentos renovadosdo espaço da cidade junto à difusão dos usossociais considerados adequados, de acordo como que se poderia chamar de ethos do “curitibanotípico”: na leitura oficial da cidade, aquele cidadãoque freqüenta parques, bosques ou os edifíciosculturais e de lazer mais emblemáticos damodernização urbana da última década, como aRua 24 Horas, as Ruas da Cidadania, o Jardim

Botânico ou o Memorial da Cidade (SÁNCHEZ,1997).

III. RENOVAÇÃO URBANA, CULTURA EECONOMIA

As considerações da sessão anterior permitemevidenciar que as políticas culturais de lugares vêmsendo cada vez mais alinhadas às políticaseconômicas. É nesse sentido que pensamos, comalguns autores, que o poder das representações éferozmente disputado e tão fundamental aosprojetos de reestruturação urbana ou aos chamadosprocessos de “re-invenção de lugares” quantotijolos e concreto (DUNCAN & LEY, 1993, p. 27;HARVEY, 1993, p. 23, WARD, 1998, p. 233).

Ousamos dizer que, nos casos das cidades deCuritiba e Barcelona aqui referidos, a mobilizaçãopolítica para a reestruturação das cidades deve-setanto a atividades no campo simbólico quanto aatividades materiais. O sentido de pertencimentoao lugar, estimulado pelos “projetos de cidade”em curso, tem significados políticos – evidênciade que o poder político pode ser mobilizado eexercido através de atividades de modernizaçãourbana tanto nas mentes quanto no chão.

Verificamos, nesses casos, que as liderançaspolíticas protagonistas dos projetos modernizado-res investem, particularmente, em construçõesdiscursivas de lealdades afetivas. Em virtude desseinvestimento no lugar e da associação, trabalhadanos planos simbólico e afetivo, entre a liderançapolítica, os cidadãos e o lugar, parece haver umsignificativo ganho de poder para tais lideranças.De fato, pensamos, na direção de Massey (1999,p. 292), que o poder social é necessariamenteespacializado; as várias formas de poder socialsão constituídas espacialmente. Nesse sentido, éimportante lembrar, para o caso de Curitiba, asrepresentações recorrentes em campanhaseleitorais, desde os anos 80, que procuravamcontrapor os candidatos como “o Prefeito daCidade” (Jaime Lerner) ao “Prefeito de um partido”(Roberto Requião), procurando construir asuperioridade do primeiro frente ao segundo.

Com significativa recorrência nos processoslocais, o primeiro passo para a auto-definição é adefinição do “outro” de modo excludente eestereotipado. A desqualificação do “outro”, sejamcidades ou regiões, parece ser uma ferramentapara a qualificação do “nós”, para a construçãodo sentido de pertencimento. O processo de

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representar a diferença, o outro, é uma práticapolítica e a desqualificação de outros lugares gerapoder para os sujeitos do próprio lugar.

Porém, essa oposição binária entre nós e osoutros, se por um lado reforça e define aidentidade do lugar, por outro lado,simultaneamente, ordena a diferença complexaatravés de uma simplificação mais facilmenteapropriada. As múltiplas identidades e diferentesformas de vida social, que coexistem na cidade,são simplificadas, depuradas numa única identidadeque se pretende sintética.

A questão das leituras da cidade parece ter, defato, implicações no alargamento do campo dapolítica em sua relação com o espaço. Pensamoscom Massey (idem, p. 281) que uma dascaracterísticas cruciais do “espacial” é apossibilidade de existência de multiplicidade deleituras e narrativas. Espaço, no argumento desseautor, é a esfera do encontro, ou não, de múltiplastrajetórias, a esfera onde elas coexistem, afetamumas às outras, entram em conflito. É a esferatanto de sua independência, coexistência, quantode sua inter-relação. Assim, a diversidade deleituras da cidade não corresponde somente àdiversidade de representações mas também àexistência mesma de diferentes realidades sociaisno espaço.

Segundo essa interpretação, as imagens-síntese da cidade, aquelas às quais se atribui opoder de falar por ela, constituem-se na negaçãoda possibilidade de existência de outras imagens ede outras leituras. Ao operar com imagens-sínteseretira-se da cidade o que lhe é politicamenteessencial: a multiplicidade enquanto coexistênciae possibilidade de conflito, de exercício da política.Se espaço e multiplicidade constituem-semutuamente, uma de suas expressões sociais podeser a diversidade de leituras sobre a cidade, compotenciais desdobramentos em diversidade deprojetos e abertura do futuro.

A leitura da cidade e sua disputa expressam apolítica, são fatos essencialmente políticos. Asidentidades são relacionalmente construídas comoparte do processo político mediante relações depoder, mapas do poder, geometrias do poder. Essereconhecimento pode levar à renegociação dessasidentidades, pois reformular o modo através doqual se representa o espaço é também uma açãopolítica.

Sínteses e imagens fazem parte da retóricaoficial que acompanha os processos dereestruturação. Subjacente a essas síntesesencontra-se a proposta de uma ordem urbana quepretende fazer impensáveis e impossíveis outrasformas de viver na metrópole, conflitivas com osparâmetros da cidade-mercadoria e da cidade-empresa que se busca consolidar. Tudo aquilo quenão adere a essa dinâmica é interpretado comoingovernabilidade, como perturbação da ordemurbana que deve ser desalojada do panorama damodernização.

Ações para potencializar o consenso e esvaziaro dissenso são desenvolvidas para assegurar aviabilidade do projeto modernizador. Areestruturação urbana só é possível quandoacompanhada de uma reestabilização do governodo urbano: reestruturação e governabilidade dosocial são as duas caras da moeda da ordemurbana. As tecnologias do controle, aliadas aoscircuitos da comunicação social, emanam umfluxo ininterrupto e constantemente atualizado, deinformações que ordenam a vida social.

De fato, a potenciação dos processos deinformação tem sido transformada em peça-chavedos governos das cidades e a informação midiática,através de múltiplas modalidades, tem sidoescolhida como forma privilegiada da relação entrea administração pública e os cidadãos. Essesprocessos técnicos de informação configuram um“circuito propriamente político entre dominantese dominados”, através dos diversos “aparelhos deprodução simbólica” (BOURDIEU, 1999).

Entretanto, a cidade nunca está totalmentetomada pelo poder do Estado midiático, pois hásempre espaço para possíveis ações. Processosconstitutivos de sujeitos coletivos expressammaneiras de viver e reapropriações da cidadeafastadas das previsões da ordem urbana promovi-da pela imagem oficial. Os sujeitos sociais, me-diante esses diferentes modos de participação,lêem a cidade de modo diferente, fazem usosdivergentes do território. Reformulam o modoatravés do qual se imagina e se representa o espaçoe a espacialidade, reformulação que está associada,efetivamente, a uma ação política.

Os lugares são repletos de diferenças internase conflitos, que podem ser expressos em leiturasdissonantes em disputa de espaço político. Se nascidades há múltiplas identidades que podem ser“recurso de riqueza ou fonte de conflito”

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(MASSEY, 1993, p. 65) é necessário, portanto,questionar a idéia da “identidade do lugar” comose fosse única, ou da “imagem-síntese do lugar”,idéias-força do discurso urbano dominante que setornam armadilhas e fetiches. Elas inevitavelmentecarregam uma leitura feiticizada e reducionista dasrelações sociais, pois, nas operações de síntese,prevalecem aqueles traços identitários instru-mentais às relações dominantes de poder.

A hegemonia é construída ao evocar umaidentidade territorial homogênea, que precisa deproteção contra o diferente-externo. Essaidentidade unificadora em torno ao lugar é evocadapela intelligentsia urbana vinculada ao novoprojeto modernizador. Está presente em obrasconsideradas referenciais para a difusão do modelode reestruturação urbana contemporâneo comoanalisado, por exemplo, em Borja e Castells (1997)ou Borja (1995). Esses autores assumem umaperspectiva teórica, com evidentes desdobra-mentos políticos e culturais, que valoriza a constru-ção do sentido de lugar associada à construção deuma identidade unificadora. A questão daidentidade consensuada é apresentada comocondição de sobrevivência e êxito da cidade faceà globalização. Segundo os mesmos autores, senão for vigorosamente perseguida essa identidade“de todos” junto a uma atitude competitivaagressiva, será difícil desviar-se de um cenário defuturo apocalíptico.

Nossa argumentação é que a ordem necessáriapara impor os projetos de modernização constrói-se em larga medida mediante o controle sobre aprodução simbólica, sobre a produção dasrepresentações espaciais. Os discursos reguladorescontidos nas novas políticas e interpretações sobrea cidade e o mundo permeiam os espaços mentaise são, portanto, parte das representações do poder,da ideologia e do controle.

Nesse sentido, representar o espaço é, portanto,um ato de poder simbólico. Como observa Novais(1999, p. 2), o espaço está em disputa, inclusiveno nível das representações. Trata-se de uma lutapelas representações dominantes, uma disputa paraimpor visões de mundo manipulando imagens doreal.

Entendimentos particulares de certos conceitose noções tornam-se apropriados em momentosespecíficos do espaço-tempo e a partir de perspec-tivas políticas particulares. Nesses momentos, asformas de representar o espaço são ativamente

mobilizadas. Diante dessa mobilização, há tambémmaneiras de defender formas particulares de pensare entender o espaço, como recusa às armadilhasde formulações hegemônicas prévias, abrindoterreno para novas questões que politicamenteprecisam ser apresentadas. Segundo Massey, essarecusa às formas dominantes de representar epensar o espaço estaria contribuindo também paraconstruções mais abertas de futuro (MASSEY,1999, p. 285).

IV. UMA NOVA LINGUAGEM SOBRE ASCIDADES: ATORES E GEOGRAFIA DADIFUSÃO

A difusão, na escala mundial, de representaçõese leituras sobre as cidades, sobre a crise e sobreos projetos de reestruturação, encontra-se associa-da à difusão de uma nova linguagem planetária,“produto de um imperialismo propriamentesimbólico” (BOURDIEU & WACQUANT, 2000).O chamado “imperialismo simbólico” é, para essesautores, uma violência cultural que se apóia noalargamento e agilização das relações de comuni-cação. Uma das expressões desse fenômeno é queele universaliza os particularismos, as representa-ções particulares sobre as relações entre as cidadese o mundo, e as faz serem reconhecidas comouniversais.

Pensamos que o city marketing e a imposiçãode imagens urbanas tornadas dominantes contribuipara o exercício da violência, especialmente emsua forma simbólica, pelas vias da comunicação edo conhecimento, violência nem sempre percebidapor suas próprias vítimas.

Com efeito, a discussão acerca dos processosde reestruturação urbana e da “necessidade deinserção competitiva das cidades” vem acompa-nhada por uma significativa mudança na linguagemrelativa ao planejamento e à gestão. Nessa sentido,como nota Oliveira (1999, p. 141), “as metáforase analogias próprias do novo discurso se destacampela grande potência que têm mostrado no sentidode imprimir novas direções ao pensamento e àsexperiências na gestão”. Cidade-empresa, cidade-mercadoria são algumas das analogias que emer-gem e se afirmam nesse novo repertório, com per-ceptíveis influências nas representações sociais enas relações de poder na cidade. Metáforas consti-tutivas do novo discurso sobre o urbano na viradade século tornam o city marketing um imperativo,um instrumento de difusão de determinadasrepresentações que estariam sendo afirmadas.

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Outro aspecto que evidencia a manipulaçãosimbólica operada pela nova linguagem é asubordinação do debate ao chamado desempenhoeficaz da administração pública, em termos deefetiva integração competitiva. Essa subordinação“responde a uma versão tecnocrática da sociedadeque esvazia a dimensão política do Estado,subsumindo as demandas sociais na esfera técnica”(idem, p. 150).

A nova retórica associada ao projeto dominantede modernização urbana, que tece as figuras delinguagem em discursos e imagens da reestrutu-ração, entretece também interpretações e leiturasdo mundo que lhe dão sustentação. A reestrutura-ção das cidades é apresentada como um imperativoda reestruturação produtiva no “mundo-globali-zado”. Para tratar as questões das cidades atravésdo discurso supostamente mais renovador, aquelecapaz de ter maior alcance, há também uma dispu-ta pelo sentido do contexto, pelas representaçõesdo mundo que se pretendem tornar categorias deanálise do mundo. Desse modo, as metáforas eanalogias que ordenam o discurso da cidade têmimbricações com as metáforas e analogias que or-denam determinada visão de mundo: “é precisoafirmar a síntese ‘mundo-globalizado’ para afir-mar a metáfora ‘cidade-empresa’” (idem, p. 154).

Metáforas e figuras de linguagem, com o tem-po, podem ser naturalizadas e incorporadas comomoeda corrente na interpretação das questõesrelativas às cidades. Entretanto, a pertinência dametáfora é construída socialmente, inserida emvisões de mundo que estão em permanente disputa.

O sentido figurativo pode transformar-se emliteral no curso da disputa para tornar dominantedeterminada visão de mundo. Como observa Oli-veira, “literal” e “figurado” não são esferas distin-tas, mas os limites de um continuum metafóricoem que “a linguagem começa como metáfora eapenas depois de longo uso endurece ou congelacomo literalidade”. Assim, o emprego recorrenteda metáfora “cidade-empresa” poderia conduzir,com o tempo, à transformação da metáfora narepresentação social dominante de cidade, não mais“como se fosse” uma empresa mas já como “umtipo singular” de empresa (ibidem).

A construção de uma ponte cognitiva entrecidade e empresa ou entre cidade e mercadoriaestabelece relações entre atributos de uma e deoutra que impulsionam uma nova maneira derepresentar mas também de administrar a cidade.

Os novos significados transformam-se em vetorespois favorecem certas práticas sociais e políticasem detrimento de outras. A manipulação simbólicaoperada pela linguagem celebra determinadaspalavras-chave que reafirmam, pela repetiçãoexaustiva, as receitas contemporâneas para ascidades.

Nessa luta simbólica, não parece estar em jogoa compreensão da complexidade da cidade, vistoque, segundo nos lembra Lefebvre (1998, p. 98),a terminologia figurativa utilizada é muito mais me-tafórica do que propriamente conceitual. Trabalharcom as diferentes leituras do espaço da cidadeexige, metodologicamente, a distinção clara entrepensamento e discurso sobre o espaço (palavras,imagens, símbolos) e pensamento adequado aoentendimento do espaço (fundado em conceitos)(idem, p. 104). A metaforização tem instrumentali-dade, eficácia para responder aos quesitos de umanova ordem, mas não propriamente potencialidadepara o entendimento do espaço.

As noções que fundamentam os atuais projetosde reestruturação urbana servem de referencialpara compreender o mundo globalizado e elaborarações para nele vencer. Estão sujeitas a manipula-ções e a tentativas de imposição de visões de mun-do. Podem ser interpretadas como “formas progra-madas – ideológicas – de conhecer e agir no mun-do” (NOVAIS, 1999, p. 14).

As idéias mais recorrentes sobre a globalizaçãotêm em comum a ênfase no capital e na empresacomo motores do processo ou seja, o mundoglobal é aquele “dominado pela rede de conexões– de idéias, dinheiro, comunicação – que sãocentradas no mundo desenvolvido”. Entretanto,cada globalização, segundo a perspectiva a partirda qual seja lida, constrói um mundo diferente apartir de certas idéias-força (idem, p. 10).

A propósito da possibilidade de encontrardiversos mundos, e diversas visões de mundo,que escapem à crença de que o mundo apresentadoé o verdadeiro, parece pertinente a orientação deSantos: “[...] devemos considerar a existência depelo menos três mundos num só. O primeiro seriao mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalizaçãocomo fábula; o segundo seria o mundo tal comoele é: a globalização como perversidade; e oterceiro, o mundo como ele pode ser: uma outraglobalização” (SANTOS, 2000, p. 18).

A retórica ligada à globalização responde a uma

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ideologia que, decididamente, comparece paraconstruí-la, com um notável papel na produção,disseminação, reprodução e manutenção daglobalização atual (BOURDIEU, 1998; SANTOS,2000). Entretanto, a racionalidade dominante, queapresenta a globalização como fato inexorável, temseus limites, que devem ser avaliados e explicita-dos, para resgatar a relevância e potencialidadesda política bem como as condições para a mudança.

Se é notável, no discurso dominante sobre ourbano, a emergência de lugares-comuns planetari-zados, mundializados, eles parecem referir-se acondições históricas e políticas particulares, quepropiciaram a difusão de uma determinada leitura,tornada hegemônica, tacitamente constituída emmodelo e medida de todas as coisas. Impondo aomundo todo determinadas categorias de percepçãoe representação, os atores dominantes na produçãode modelos e políticas urbanas refazem o mundoà sua imagem, com uma colonização mental quese opera através da difusão dessas categorias erepresentações, produzidas e reproduzidas numprocesso de luta simbólica.

Em determinadas circunstâncias, asrepresentações sobre as cidades podem serpoderosas em suas conseqüências locais,regionais, nacionais e internacionais. Podem terdesdobramentos geopolíticos e econômicos querepercutem em variadas e simultâneas escalas.Devido a essa dimensão, não costumam serpautadas pelos parâmetros e objetivos definidosapenas pelas autoridades dos governos municipais.Para a sua elaboração acurada comparecemnecessariamente saberes de experts provenientesde campos cada vez mais especializados. Publi-citários, consultores em marketing, produtoresculturais, conselheiros em comunicação e pesqui-sadores de mercado são os agentes exemplaresque emergem como figuras centrais associadas àgestão empresarial das cidades. Têm como missãodar forma mercadológica aos projetos políticosdas coalizões com interesses localizados.

As representações e discursos devem, tam-bém, o essencial de sua força de convicção aoprestígio dos sujeitos e instituições a partir dosquais emanam e circulam como fluxos. Sãoapresentados em toda parte, simultaneamente, apartir das instâncias pretensamente neutras dopensamento neutro que são os grandes organismosinternacionais como o Banco Mundial, a ComissãoEuropéia, a ONU e as grandes mídias,

distribuidoras desta “língua franca passe-partout”(BOURDIEU & WACQUANT, 2000).

Diversos níveis institucionais e diferentes cor-pos de agentes altamente especializados, públicose privados, respondem a funções determinadas noprocesso de produção simbólica. As atividades nocampo simbólico devem ser capazes de assegurar,mediante técnicas e métodos articulados, a difusãode discursos e imagens que façam valer os interes-ses dominantes e que construam a adesão socialem torno de determinados projetos. O que estáem jogo no campo simbólico é o poder propria-mente político. Linguagens especiais encobrem ascondições objetivas e as bases materiais em quetal poder se funda.

Grandes empresas de publicidade e marketinge os principais veículos da mídia dominam osconteúdos e sua divulgação, daí porquê osprincipais agentes a elas relacionados concentramimenso poder, que não é simplesmente o poder dodinheiro, mas o poder que a riqueza exerce sobreos espíritos, sobre as mentes. É algo que amplia adefinição dos campos de poder, diferentementedo poder político ou econômico.

A luta simbólica é travada também pelo reco-nhecimento de autoridade para falar sobre a cidade.No discurso da “cidade-empresa” e da “gestãoempresarial da cidade”, há uma construçãomitificada da figura do líder carismático, do admi-nistrador erudito, da liderança política enaltecidasobretudo pela competência técnica capaz de situá-lo acima da política, requisitos tidos comoindispensáveis do “Prefeito empreendedor” ou dosagentes portadores da missão de desencadearplanos e projetos estratégicos associados àreestruturação urbana.

A apresentação do perfil técnico ou erudito dedeterminada liderança qualifica-a como portadorade aparente imparcialidade e conhecimentocientífico sobre as questões urbanas. Trata-se damanipulação política do denominado “discursocompetente”, discurso com aparência científicaque permite a dissimulação de práticas desubordinação. São exemplares as representações,já mitológicas, que cercam as figuras dos ex-Prefeitos, ambos por longos períodos, PasqualMaragall (Barcelona) e Jaime Lerner (Curitiba).

A leitura técnico-material das cidades não está,portanto, fora da luta das representações e, naforma de um “discurso competente”, pode partici-

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par da difusão de um conjunto de idéias convenien-tes e interesses particulares. As noções e represen-tações a respeito da cidade impõem-se pela autori-dade de quem as divulga e pela repetição incessantede sua pseudo-verdade, a fim de garantir suavisibilidade e aceitação cultural (NOVAIS, 1999,p. 10).

Parece claro que as representações do espaçorelacionam-se com as condições políticas,culturais e materiais dominantes das diferentesépocas. Quanto à época presente, nossa análisedas políticas de promoção das cidades, ou, comopreferem alguns autores, da “re-invenção dascidades” (WARD, 1998), parece indicar aemergência de um conjunto de representações quedesenham uma cidade ideal, fruto de umacompetição imagética, de uma luta simbólica queprocura dotar esta cidade ideal das quantidadesapropriadas de valores hegemônicos. Efetiva-mente, há suficientes indicadores da existência deuma rede global onde operam fluxos informacio-nais ligados a representações de uma urbanidade-modelo, ao nosso ver, descolada e imposta à urba-nidade social complexa. Nessa esfera da circulaçãosimbólica, discursos, imagens e políticas de citymarketing acompanham e alimentam processosde reestruturação produtiva e de atração de capitaisinternacionais.

V. O PATRIOTISMO DE CIDADE

A participação dos cidadãos, o sentido de per-tencimento à cidade, a adesão aos novos projetosou serviços oferecidos, o elevado grau de aceitaçãoe aprovação pública dos “projetos de cidade” e,principalmente, a aparente unanimidade que algunsprojetos têm alcançado são elementos reiterada-mente apresentados pelos governos municipaisatravés das imagens hegemônicas de Barcelona eCuritiba, para mostrar o êxito de seus projetos.

Entretanto, torna-se necessário deter-se na na-tureza dessa participação: trata-se de uma partici-pação efetiva ou representada, passiva ou ativa,legitimadora ou transformadora dos projetos ofi-ciais? Essas perguntas parecem centrais paraaqueles que reivindicam a necessidade de deco-dificar os projetos de renovação urbana. Torna-senecessário deter-se na relação entre projeto políticode cidade e criação de patriotismo urbano, tratadosnesta seção através desses dois casos específicos.

Ao interpretar a produção de imagens e aspolíticas de city marketing como instrumentos delegitimação dos projetos de modernização e de

promoção da coesão social, destaca-se que o poderpolítico através da mídia parece exercer umcrescente domínio sobre a vida coletiva nascidades. Os projetos de cidade construídos eafirmados também enquanto projetos decomunicação, por serem de mão única, parecemcomprometer o jogo democrático mais amplo,aquele que se estabelece pelo confronto de atorese projetos políticos na e pela cidade.

A publicidade em televisão, rádio, imprensa edemais meios de comunicação e informação que,nos casos analisados, têm sido intensamente utiliza-dos como veículos construtores de determinadasleituras da cidade, intervêm decisivamente na cria-ção de valores culturais e de representações sociaisque, por sua vez, promovem determinados com-portamentos e formas de utilização dos espaçospúblicos (SÁNCHEZ, 1997, p. 66-68). A ilusãode objetividade, a aparência de ordem “natural”,permitem a aceitação passiva de valores culturais,políticos e morais dos grupos ligados ao projetopolítico dominante frente aos demais grupossubordinados.

Ao tratar da renovação urbana de Barcelonano período olímpico e pós-olímpico, P. López Sán-chez (1993, p. 103) refere-se à “fabricação deuma cidadania” ajustada ao projeto, como um deseus principais pilares políticos, visando a garantira ordem social na cidade. Para ele, o estímulo aessa condição cidadã fabricada é motor do projeto,iniciado em 19868 , da “Barcelona competitiva”.

Desse modo, a coalizão dominante procuralegitimar o projeto de cidade na medida em que“faz cidade”9 e, ao mesmo tempo, fabrica cida-dãos à sua medida. Essa representação da cidadee da vida social está presente nos documentosoficiais que apresentam como “princípio básico”da política e da ação na cidade a “Generación deun patriotismo de la ciudad que permita a suslíderes, actores y conjunto de la ciudadanía asumircon orgullo su pasado y su futuro, y especialmentesu actividad presente [...]” (BORJA, 1990, p. 62).

Nesse documento, lado a lado com a geraçãode patriotismo de cidade, está a “definição de um

8 Ano da denominação de Barcelona como cidade anfitriãpara as Olimpíadas de 1992.

9 A expressão “fazer cidade” se impôs na Espanha e naAmérica Latina como uma das representações mais fortesassociadas ao urbanismo de resultados, à demonstração dosespaços de modernização produzidos.

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projeto de cidade que mobilize recursos, energiase ilusões” (ibidem). Projeto de renovação e patrio-tismo de cidade estão encadeados. Na configuraçãodo espaço político da metrópole em renovação, éevidente o caráter regulador do governo da cidade:sob o aspecto ideológico, através do reforço aopatriotismo de cidade; sob o aspecto prático,através da implementação do projeto de cidade eda instrumentalidade dos espaços modernizados;sob o aspecto tático-estratégico, através dasubordinação do projeto aos objetivos políticos dereposicionamento territorial de Barcelona nosistema urbano europeu.

Desse ponto de vista, a comunicação socialtem sido um dos elementos centrais dos projetosde reestruturação urbana tanto em Barcelonaquanto em Curitiba. Ela tem desempenhado umpapel fundamental na busca do necessárioconsenso social ao redor dos projetos, melhorandosua efetividade, sobretudo se for considerado quea implementação dos mesmos acarretou períodosde mudanças profundas e muito rápidas.

Assim, a participação da população, estimuladaatravés da mídia e do conjunto de campanhas decomunicação, é uma participação vinculada àadesão a programas e políticas oficiais, umaparticipação legitimadora e não transformadoradessas políticas. Essa idéia de participação écoincidente com aquela que impera no governomunicipal de Curitiba, por exemplo nas campanhasde educação para o trânsito ou nas campanhas dereciclagem de lixo. A construção de um projetode cidade respaldado por um aparente consensoencobre práticas autoritárias e tecnocráticas nasdefinições das políticas, com escassas possibi-lidades de influência da sociedade civil.

VI. O PAPEL DAS CAMADAS MÉDIAS NADEFESA DA CIDADE-PÁTRIA

As campanhas oficiais que acompanham aspolíticas destacam, com ênfase, a vontade deenvolver os cidadãos nos projetos de renovaçãourbana. De fato, em ambas as cidades, os grupospolíticos que vêm detendo o poder nos governosmunicipais há décadas10 criaram para a maioriada população um sentimento de orgulho e depertencimento à cidade. Esse sentimento gera,entretanto, mais do que uma participação ativa,

uma participação contemplativa da cidade. Comefeito, cabe pensar que a assistência ao espetáculocria uma forte ilusão de participação.

Observa-se que os cidadãos sentem-separtícipes e beneficiados por essas políticas; nãoobstante isso, assistem a um espetáculo detransformações para o qual são convidados paraum lugar aparentemente preferencial, mas queresulta ser apenas uma parte do cenário. Oscidadãos contemplam a cidade modernizada comoos “figurantes de um grande anúncio de griffeurbanística” (SÁNCHEZ, 1997, p. 44).

Efetivamente, muitos investimentos, públicose privados, concentrados territorial e socialmente,que poderiam gerar conflitos pela distribuição derecursos, são apresentadas como, “a longo prazo,bons para todos”. A identificação entre os cidadãose a “imagem de marca” de sua cidade têm-noslevado a aceitar com maior facilidade os transtor-nos ou sacrifícios em sua vida quotidiana, apesarde que em muitos casos tenha sido possível identi-ficar os significativos custos sociais derivados dasremodelações urbanas11 , caracterizando a seletivi-dade da modernização. Por trás da aparente unani-midade em torno dos benefícios da modernização,é possível encontrar expressões reveladoras dasoutras faces da mesma, como indicam estes tre-chos: “En Barcelona se han reducido las desigual-dades, pero no por un proceso de movilidadascendiente de las clases populares, sino porquebuena parte de éstas está siendo, poco a poco,sustituida o expulsada por quienes tienen mayorpoder adquisitivo. Barcelona será cada día una ciu-dad más rica porque se debe contar con recursospara vivir en ella, y con una población más enveje-cida, ya que los que se tienen que marchar son losjóvenes” (FAVB, 1992, p. 60). “Durante estos años,la construcción de las grandes infra-estructurasviarias ha aumentado objetivamente la accesibili-dad – en coche privado – de la periferia al centrode la ciudad. Desde luego, la atención y rigor paramejorar las condiciones de habitabilidad no hanestado a la altura del resto de las obras realizadasdurante la década pré-olímpica en Barcelona”(idem, p. 67).

10 Em Barcelona, desde o ano de 1979; em Curitiba, desde1971, com apenas um período de descontinuidade políticanos anos 80 (1983-1989).

11 Falamos, por exemplo, da renovação de bairros que estáimplicando a expulsão de parte de sua população original,ou do aumento do custo da moradia provocada por processosde repentina revalorização que conduzem a umatransformação substancial da composição social doshabitantes da cidade.

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De fato, junto aos que de uma ou outra maneiraobtêm vantagens dos efeitos da renovação urbanae, portanto, estão interessados em promovê-la, háamplos setores da população que não participamdiretamente dos benefícios mas que, mesmoassim, terão que assumir seus custos. Para eles,o acesso aos benefícios da modernização é possívelapenas no plano do imaginário. Com a veiculaçãoexacerbada dos hábitos da classe média, a virtuali-dade do usufruto constitui um elemento de fixaçãoda linguagem mítica aparentemente tão relevantequanto o usufruto ou consumo efetivos.

A difusão de valores e modos de vida própriosdas camadas médias contribui para a consolidaçãoda representação da vida urbana construída combase na imagem de uma ordem urbana harmoniosae sem conflito. A forte veiculação das imagens-síntese da cidade intensifica a idéia do socialmentepleno usufruto dos novos espaços – produtos damodernização – e implicitamente sugere a existên-cia de uma vida de classe média para todos oshabitantes.

De fato, estudos acerca do uso social dosespaços públicos de renovação em Curitiba mos-tram uma forte afluência das camadas médias euma composição social bastante seletiva nos mes-mos, particularmente nos novos espaços culturais(SÁNCHEZ, 1997). Freqüentemente, as formasde uso desses espaços podem ser lidas enquantosínteses do novo padrão de vida coletiva veiculadapelo city marketing. Respondem a valores culturaisfortemente associados ao estilo de vida dascamadas médias. A capacidade de “capturar” essesetor da sociedade reside na evidente adequaçãoentre os significados dos novos espaços e o con-junto de representações dos cidadãos – seus consu-midores. O espaço é consumido como outroproduto qualquer e para intensificar esse consumoos governos municipais, através do marketing,utilizam-se de mecanismos de sedução associadosà oferta do produto-espaço.

Com efeito, as imagens dos novos espaços pro-duzem maior ressonância junto àqueles aos quaisimplicitamente se dirigem. As camadas médias ne-las identificam-se, refletem-se, o discurso projeta-se sobre o outro que lhe serve de espelho e identifi-ca-se com ele. Há uma identificação mútua entreeste projeto de cidade e as camadas médias, recen-temente capturado pelo olhar da literatura, que es-pelha “o conservadorismo pós-moderno do cida-dão curitibano”: “Nesta cidade fortemente oficial

o que não se integra pela mídia não se converteem notícia, não aparece e, portanto, não existe[...]. Vive-se a estreiteza do dia-a-dia, com a trivia-lidade de indivíduos podados em sua auto-afirma-ção” (TEZZA, 2001). “Às vezes penso que Curitibaé uma cidade exacerbadamente mental. Trazemosessa Curitiba entranhada na cabeça, tão ou maisreal do que a feita de areia, pedra e cimento. É aessa Curitiba que pertencem os limites de nossaautofagia, de nossa frieza, de nossa soberba pro-vinciana. O que está em curso aqui é a confirmaçãodos valores máximos da classe média brasileira.Assim, Curitiba atrai mais o igual do que o diferen-te, mais o conservador do que o ousado, mais oconsumidor do que o criador” (DALA STELLA,2000).

Esta identificação das camadas médias com oprojeto de cidade mostra-se também clara emlevantamentos qualitativos realizados em Barcelo-na. Um exemplo é “Barcelona a 100” (AROCA &VILLALONGA, 1997), publicação resultante decem entrevistas a profissionais de diferentes áreascom idades entre 30 e 40 anos, identificados, pelasautoras, como “protagonistas de uma nova geração,o futuro mais imediato desta Barcelona que experi-mentou uma revolução urbanística e que crescetão vertiginosamente como eles” (idem, p. 7). Osgostos, expectativas e projetos das camadasmédias, das quais esse grupo de profissionaisparece representativo, têm uma sobreposição comaquelas representações que constroem as imagensoficiais, sendo pouco presentes imagens confli-tantes, críticas ou divergentes.

As camadas médias procuram espetáculos ebons serviços buscando a constante elevação donível de vida. Assim, nesses projetos de cidade, oconsumo do espaço parece estar fortemente asso-ciado ao consumo da cultura e ao consumo acele-rado de bens e serviços. Os cidadãos de classemédia, no usufruto dos novos espaços, parecemencontrar-se a si mesmos; parecem dizer algo desi mesmos para si mesmos. Tanto no plano daspráticas espaciais quanto no plano ideológico éesse setor da sociedade que, na reprodução cotidia-na e silenciosa dos valores e representações domi-nantes, na defesa irredutível do projeto de cidade,encarna com mais força o conservadorismo e adespolitização produzidos pela cidade-pátria.

VII. A ENGENHARIA DO CONSENSO

O notável grau de identificação do cidadão com

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sua cidade12, sem dúvida um dos objetivosexplícitos dos gestores de imagens, tem comoconseqüência a imposição de barreiras aoexercício da participação crítica. Ainda mais, omodelo comunicacional adotado, os recursos delinguagem utilizados bem como o peso dos agenteseconômicos envolvidos nos projetos de cidadedistanciam os cidadãos da tarefa de elaboração dofuturo coletivo.

De fato, as políticas de comunicação socialtêm o efeito de produzir na população a sensaçãode viver num meio privilegiado, o qual, levado aoseu limite, tem colocado de manifesto em algunsmomentos um sentimento ufanista dos cidadãoscom sua cidade. Em algumas ocasiões, essasdemonstrações de exaltação ao lugar aparecem demodo bastante explícito, como num vídeo depromoção das transformações de Barcelonaprotagonizado por um casal de namorados – elabarcelonesa, ele estrangeiro, o qual, depois depassear pelas áreas renovadas da cidade, exclama:“Do you realize how lucky you are to live inBarcelona?”13 (Barcelona, una passió, 1992).

Essa hábil engenharia do consenso, tão caraàs políticas urbanas de virada de século, estátambém presente como instrumento legitimadordos planos estratégicos de cidade. Com efeito,dentre os fatores apresentados para explicar o êxitodos planos em algumas cidades, Borja destaca:“acordo entre atores urbanos, públicos e privados”e “vontade conjunta e consenso entre os cidadãospara que a cidade desse um salto, tanto do pontode vista físico como do econômico, social ecultural” (BORJA, 1996, p. 84).

Essa idéia do consenso-cidadão ou, em outraspalavras, da sustentabilidade social do projeto, nãotem apenas a função de ser um cimento socialindispensável na escala local. Passa a ser também,no mercado externo, um elemento de medida dacapacidade de atuação e do grau de confiança quemerecem as elites locais para viabilizar futurosinvestimentos, ou seja, um elemento mais deatratividade locacional. Nesse sentido, a mídiaincide, especialmente, através de notícias de oti-

mismo econômico, de harmonia social, de qualida-de ambiental e de cooperação governamental coma iniciativa privada, sugerindo um entorno propíciopara os investimentos.

A necessidade de transmitir a existência de umaatmosfera propícia aos negócios fica bem explícitaem Barcelona, onde o governo municipal publicauma revista, em catalão, espanhol e inglês, dirigidaao mundo empresarial internacional, com osignificativo nome de Barcelona, buenas notícias,com a finalidade de dar conhecimento de fatoseconômicos exclusivamente positivos, tais comoempresas estrangeiras que investem em Barcelona,empresas barcelonesas que se implantam no exte-rior, novas infra-estruturas logísticas, melhoriasurbanísticas ou resultados do ano turístico. Emorientação semelhante, Curitiba vem sendo divul-gada como “a melhor cidade brasileira para sefazer negócios”.

As diretrizes que norteiam a atuação municipalna área da comunicação seguem uma lógica essen-cialmente técnica, que se manifesta por uma con-cepção específica de participação. Ela tem, antesde mais nada, valor instrumental para o aperfeiçoa-mento dos projetos administrativos e é consideradaimprescindível para a implementação eficaz dosmesmos, uma vez que cria uma certa pressão mo-ral e ética para o cuidado com a cidade. A mobiliza-ção popular não se refere à tomada de decisõespolíticas; ela acontece apenas na fase de implemen-tação dos projetos. A competência e eficiência dogoverno municipal, destacadas ad nauseum nacomunicação oficial, servem para deslegitimarquaisquer outras formas de participação que ver-dadeiramente disputem espaço político. Assim, ocultivo ao patriotismo de cidade tem a sua contra-face, que é o esvaziamento da política.

Tanto em Curitiba como em Barcelona operaum viés ideológico comum: trata-se do uso daemoção como instrumento político, dentro dasestratégias de criação de identidade local (FREY,1996, p. 123). A construção, mediante fortesaparatos de comunicação, de uma relação emotivae afetiva entre a população, o governo municipal ea cidade parece central para explicar o êxito dessesprojetos políticos nos anos 90. O reforço dessarelação emotiva procura assegurar a sustentação(passiva) da população para a política municipal,assim como a disposição da população em partici-par da implementação dos projetos da Prefeitura.

Aos habitantes da cidade-pátria, essa coleção

12 Esta ampla identificação pode ser verificada em pesquisasde opinião, pesquisas de popularidade dos prefeitos ou mesmo,resultados de eleições municipais. Ver, a esse respeito Arocae Villalonga (1997) e Sallas (1999).

13 “Você se dá conta da sorte que você tem por viver emBarcelona?”

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de indivíduos que vivem juntos, porém isolados,receptores de notícias e anúncios em domicílio(uma vez que triunfa a forma cultural da “ícone-dependência”) (JAMESON, 1995, p. 103), resulta-lhes difícil escapar à condição de espectadores econsumidores de imagens. Nesse sentido, comoobserva López Sánchez (1993), a mercantilizaçãoda cidade e sua linguagem promocional constran-gem os terrenos de intervenção social nos espaçosurbanos.

A política de comunicação social, além deinstrumento para a renovação urbana, visa aconstruir uma ordem urbana sob a qual as formasde viver a cidade que não se adaptem à cidade-pátria são interpretadas como “ingovernabilidade”,desordem. Sob essa orientação, quando as pesqui-sas de opinião acerca das obras da Barcelona-92mostravam significativas críticas, o governo muni-cipal apontou a necessidade de reconduzir a opiniãopública (idem, p. 7). O instrumento escolhido paratal recondução foi precisamente aquele da cidadedo marketing: uma impressionante ofensiva publi-citária promovida por Barcelona Holding Olím-pico e pelo Ayuntamiento de Barcelona. Tambémem Curitiba as políticas de marketing têm procura-do reforçar o elo afetivo entre os cidadãos e oprojeto de cidade com marcantes campanhascomo a do “coração curitibano” nos anos 80 ou,no ano 2000, com a escolha da música-tema cujofragmento mais reiterado era “quando a gente ama,claro que a gente cuida”. Subjacente a essas repre-sentações afeto-cidade-cidadão está a idéia de quequalquer pensamento ou ação que ameaça oconsenso pode ser representada como desamor àcidade, e não desacordo com o projeto dominante.

O alcance da comunicação como instrumentopolítico desses governos de cidade parece cres-cente. As estruturas tecnológicas de informaçãoe comunicação são peças-chave na construção dopatriotismo de cidade, equipamentos do poder,dispositivos centrais na produção da subjetividadecoletiva. O seguinte fragmento, selecionado deentrevista, parece sintetizar a dimensão deste poder:“Lo que ves acá es un peligro. Nosotros tenemosla lista de cuales son las prioridades de los ciuda-danos, elaboradas con base en las encuestas deenero. Primera, la vivienda, segunda, el empleo.Si nosotros en febrero hacemos una gran campañasobre ambiente y calidad de vida, sabemos que laencuesta que hagamos en marzo nos va a traerese tema como una de las prioridades de la ciudad,de los ciudadanos. Hay una posibilidad de mani-

pulación, puedes de hecho cambiar la percepciónque tiene el ciudadano de las cosas. Tu inviertessensaciones que tiene la gente de algo que funcionamal. Tu lo inviertes al mejorar el problema, alactuar, pero inviertes mucho más las opiniones alcomunicar que va a mejorar, al saber comunicar”(NAVARRO, 1997).

VIII. CONFLITOS, ANTAGONISMOS, TEN-SÕES: PARA ALÉM DA CIDADE-PÁTRIA

De fato, tanto no caso de Curitiba quanto nocaso de Barcelona, as representações tornadasdominantes são cuidadosamente desenhadas paramostrar uma cidade homogênea e apagar asdiferenças políticas, culturais, de classe ou deorigem étnica presentes no território urbano. Osdiscursos da cidade-pátria e do consenso-cidadão,da sociedade urbana como um bloco homogêneosem conflitos de interesses, orientada para umgrande objetivo comum, são forjados no interiordas políticas urbanas, com o apoio incondicionaldos meios e com o uso amplo de variados instru-mentos publicitários, atuando como elementos-chave na regulação social e no controle políticoda população. Como expressa López Sánchez: “Lahomologación del ‘todos’ a una mayoría normali-zada de ciudadanos pretende redundar en la opa-cidad o desaparición de las contradicciones metro-politanas y en el secuestro del antagonismo, yaque la constitución de esa mayoría normalizadase maneja para invalidar los flujos sociales nocapturados en la ilusión colectiva” (LÓPEZSÁNCHEZ, 1993, p. 110).

Pesquisa qualitativa realizada com jovens deCuritiba, entre 14 e 20 anos mostra alguns dadosque indicam de fato um sentimento de exclusão ede mal-estar em relação à cidade, por exemplo,por parte de jovens negros (SALLAS, 1999, p.52). Se o quadro de referência majoritário, entreos jovens, está extremamente pautado pela açãodo marketing das últimas décadas, há porém sinaisde resistência e de recusa à reprodução da imagemoficial por parte de alguns setores da populaçãojovem. Indicador expressivo são os dados organi-zados segundo extrato sócio-econômico e de cordos entrevistados. Eles revelam que quanto maispobres e de pele mais escura, menos os jovensgostam da cidade, além de identificarem “a açãoviolenta da polícia” como o principal problema deCuritiba (idem, p. 56).

A construção das representações é um proces-so complexo e contraditório. Há nas representações

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dos jovens fortes disjunções e tensões quecombinam leituras favoráveis relativas à cidade,positivas para o público externo, com leiturasbastante críticas associadas à cidade do cotidianoe aos problemas que diretamente eles vivenciam.

Com efeito, os projetos de renovação urbanaorientados para atender aos grandes interesses demercado, promovidos como necessários para a“inserção competitiva da cidade”, caracterizam-se pela seletividade. Nesses projetos muitosfragmentos da cidade-metrópole são esquecidos,riscados da modernização. Por outro lado, aquelesfragmentos eleitos como canteiros midiáticos parailustrar o chamado “renascimento urbano” têm sidoespaços reconfigurados social, econômica eculturalmente, representando, para muitos, adestruição de seus próprios modos, divergentes,de viver o urbano.

Assim, os projetos de renovação dos espaçosacolhem variados tipos de investimentos imo-biliários, culturais e comerciais, redesenhando ageografia e a história social dos lugares. Os espaçosrenovados são vendidos como espaços “seguros”,que vêm restabelecer a ordem, a civilidade, comocontraface das áreas estigmatizadas como “deca-dentes”. As representações excludentes reforçamos processos de gentrificação, como uma “revan-che contra trabalhadores precarizados, imigrantes,sem-teto” que ameaçam o projeto modernizador(SMITH, 1996). Os processos de rápida valoriza-ção desses espaços e o súbito encarecimento damoradia têm, de fato, expulsado as populaçõespobres das áreas centrais, o que vem ser corro-borado por Tello (1994), que evidencia, para ocaso de Barcelona, francos processos de expulsãopara as periferias metropolitanas14.

O seqüestro do antagonismo passa pelatentativa de neutralização dos conflitos e peloobscurecimento das manifestações urbanascontrárias aos projetos e obras da renovação. Se

na cidade-pátria são consentidas apenas asdiferenças domesticadas, aquelas que são captu-radas pelo espetáculo, ainda assim o urbano nãoperde sua característica de lugar de contradiçõese de agregação conflitiva. O mal-estar associávelàs cidades para além da cidade-pátria pode serconsiderado ruído, aviso de irrupções e movimen-tos sociais com crescente presença política.

IX. CONCLUSÕES: AGENTES E ESTRATÉ-GIAS EM DISPUTA

Nesta virada de século, o que parece explicara aproximação de certas políticas urbanas é aorientação dos respectivos governos para atransformação das cidades em mercadorias, juntoà transformação da base material das cidades parao novo padrão de acumulação, sob as pressõesuniformizadoras dos atores hegemônicos para arealização do mundo atual. Como resposta a essaspressões, os projetos de cidade, os modelos dedesenvolvimento construídos pelos governoslocais junto a agentes privados com interesseslocalizados, parecem guardar, de fato, semelhançassignificativas.

O esforço político de alguns prefeitos egovernos de cidade em vender sucesso e promovera re-invenção dos lugares encontra-se diretamenteassociado aos arranjos particulares de interessesoriginados naqueles mercados, que guardamrelações com o mercado de cidades. Esse esforçodos governos também está orientado pelanecessidade de dar visibilidade internacional a seusprojetos e ações urbanas, visando a um trânsitonotável junto às agências multilaterais – que, porsua vez, garantirão futuros financiamentos paranovos projetos. A construção de imagens-modeloe a conquista de expressão no mercado de cidadestorna-se fundamental nesse contexto.

Através de diversas tendências perfilam-se asestratégias contidas nas políticas urbanas, tantoas locais quanto aquelas da agenda urbanainternacional: a adaptação técnica do território coma renovação de infra-estruturas de mobilidade ede telecomunicações, a apresentação de algumasexperiências de renovação urbana como modelos,a construção de espaços seletivos voltados aosnegócios, ao consumo e à habitação.

Os agentes econômicos privados com interes-ses localizados e a crescente mundialização dosfluxos e conexões relativos aos mercados pressio-nam os governos locais para o exercício de sua

14 Rosa Tello (1994, p. 74) mostra que o encarecimento dopreço da habitação nos anos que sucederam à denominaçãode Barcelona como cidade olímpica constituiu-se em fatorde homogeneização social e de segregação daqueles segmentosda população que dispõem de pouca ou nenhuma capacidadede endividamento. Segundo a autora, o preço da habitaçãoconverteu-se num instrumento de controle social, o qualtende a estreitar as possibilidades de existência de uma cidadeplural, do ponto de vista da composição sócio-econômica dapopulação.

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capacidade racionalizadora, de modo que os fluxoscontinuem a operar. Trata-se de um complexo feixede relações comerciais que incidem na configura-ção do espaço político para o qual os governos,através de estratégias transescalares nas políticasurbanas, assumem um caráter regulador, sob trêsaspectos:

a) ideológico: mediante a difusão das estratégiasdos organismos internacionais, construção de re-presentações, imagens e discursos associados àreprodução do modus operandi das chamadas“cidades-modelo”, venda das cidades enquantomercadoria;

b) prático: através do caráter instrumental doespaço e dos meios de ação utilizados, o Estadosubmete o espaço a uma logística que atende ainteresses de mercado;

c) tático-estratégico: com a subordinação dosrecursos do território urbano aos objetivos políticosde valorização e reordenamento dos diferentesmercados que incidem no lugar.

A visão de mundo dominante que constrói a“cidade da virada de século” procura, a partir dadifusão de “modelos”, normatizar as cidades, con-figurá-las de acordo com os parâmetros da cidadecompetitiva, da cidade-empresa, da cidade-mercadoria e da cidade-pátria, desconsiderando acomplexidade sócio-espacial e a multiplicidade deprojetos políticos em cada território urbano. Diantedessa marcada tendência, parece haver um sentidopolítico na análise e desconstrução crítica dos pro-cessos que a acompanham, como contribuição dopensamento crítico à possibilidade de representaro espaço de maneira que supere os limites dasrepresentações dominantes.

Ainda que o livre jogo político, democrático eplural pareça bastante constrangido pelos dispo-sitivos da ordem urbana associados à cidade-pátria,podem ser identificados comportamentos, mani-festações e movimentos que indicam e afirmamque o campo de possíveis ações que é o espaçourbano nunca estará totalmente capturado pelasestratégias de poder de seus governos midiáticos.

Como qualquer cultura tornada hegemônica emcertas condições históricas, políticas, técnicas eeconômicas, a cultura urbana que hoje parecedominante por certo não é nem será internalizadapassivamente. A possibilidade de ela ser negociada,resistida e seletivamente apropriada pelas pessoasno cotidiano está sempre presente, a desafiar a

aparente inexorabilidade dos cenários que aponta.

Os movimentos sociais urbanos, em suas lutase conquistas, demonstram a capacidade de partici-par desta luta simbólica ao criar um ideário decidade, de representação de cidade, que disputa o“pensamento hegemônico” sobre a mesma. Parti-dos políticos e alianças construídas na perspectivade campanhas para as eleições municipais tambémtêm importante papel na luta simbólica, disputandoprojetos alternativos de cidade.

Alternativas críticas podem ser também formu-ladas pelas várias correntes no âmago do denomi-nado pensamento crítico. Pensamos que o campoda produção simbólica, da cultura e da imagem,relacionados dialeticamente com a produçãomaterial das cidades, adquirem hoje centralidadeno confronto com a leitura hegemônica de cidade.

A possibilidade de confronto vem do notávelimbricamento desses campos com o projeto hege-mônico, com a leitura dominante de cidade e,principalmente, do fato de se tratarem de camposem disputa (RIBEIRO, 1999). Diante dessa possi-bilidade de questionamento e confronto, a reflexãoabre-se, no campo da cultura, para processosrelevantes que precisam ser desvendados: a visãode mundo que sustenta as políticas de marketingurbano, a mercantilização da cultura, o envolvi-mento da cultura com a promoção de serviços emercadorias, a inserção da cultura em processosde “gentrificação” – valorização de áreas da cidadee de segmentos sociais em detrimento de outros,a relação entre cultura e reprodução de processosde inclusão-exclusão social.

No campo da imagem, os processos que ne-cessitam de desvendamento parecem ser: a cons-trução de relações entre comunicação, poder eimagem; a mercantilização da imagem da cidade ea circulação do discurso das “cidades-modelo”;as estratégias de difusão de imagens em múltiplase mutuamente constituídas escalas espaciais; osprincipais agentes produtores da imagem da cidadee suas relações constituídas através do habitus; ainscrição de filtros sociais e espaciais na organiza-ção da imagem da cidade; as práticas materiais eos valores que pressionam para a atualização dasimagens; a emergência de leituras e imagensalternativas.

A análise desses campos, ou melhor, o seudesvendamento pode colaborar para que ocorra onecessário refazer do pensamento crítico sobre a

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cidade e, desse modo, ajudar a reinscrever possí-veis projetos críticos, capazes de disputar hege-

monia na leitura do urbano.

Recebido para publicação em 15 de maio de 2001.

Fernanda Sánchez ([email protected]) é Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Paraná(UFPR), Doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP) e Pesquisadora do Instituto dePlanejamento e Pesquisa Urbana e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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