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UnisulVirtualPalhoça, 2016

Estudos Socioculturais

Universidade Sul de Santa Catarina

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Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul

ReitorSebastião Salésio HerdtVice-ReitorMauri Luiz Heerdt

Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de ExtensãoMauri Luiz HeerdtPró-Reitor de Desenvolvimento InstitucionalLuciano Rodrigues MarcelinoPró-Reitor de Operações e Serviços AcadêmicosValter Alves Schmitz Neto

Diretor do Campus Universitário de TubarãoHeitor Wensing JúniorDiretor do Campus Universitário da Grande FlorianópolisHércules Nunes de AraújoDiretor do Campus Universitário UnisulVirtualFabiano Ceretta

Campus Universitário UnisulVirtual

DiretorFabiano Ceretta

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e ServiçosAmanda Pizzolo (coordenadora)Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Educação, Humanidades e ArtesFelipe Felisbino (coordenador)Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e AgroindústriaAnelise Leal Vieira Cubas (coordenadora)Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar SocialAureo dos Santos (coordenador)

Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos Moacir HeerdtGerente de Ensino, Pesquisa e ExtensãoRoberto IunskovskiGerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos Márcia LochGerente de Prospecção Mercadológica Eliza Bianchini Dallanhol

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Livro didático

UnisulVirtualPalhoça, 2016

Designer instrucionalMarina Melhado Gomes da SilvaIsabel Zoldan da Veiga Rambo

Estudos Socioculturais

Cláudio Damaceno Paz

Elvis Dieni Bardini

Jaci Rocha Gonçalves

Tade-Ane de Amorim

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Livro Didático

Copyright © UnisulVirtual 2016

Professora conteudistaCláudio Damaceno Paz Elvis Dieni Bardini Jaci Rocha Gonçalves Tade-Ane De Amorim

Designer instrucionalMarina Melhado Gomes da Silva Isabel Zoldan da Veiga Rambo

Projeto gráfico e capaEquipe UnisulVirtual

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

E84Estudos socioculturais : livro didático / [conteudistas] Cláudio

Damaceno Paz, Elvis Dieni Bardini, Jaci Rocha Gonçalves, Tade-Ane de Amorim ; design instrucional [Marina Melhado Gomes da Silva], Isabel Zoldan da Veiga Rambo. – Palhoça : UnisulVirtual, 2016.

XX p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Ciências sociais. 2. Cultura – Aspectos sociais. 3. Sociedades. I. Paz, Cláudio Damaceno. II. Bardini, Elvis Dieni. III. Gonçalves, Jaci Rocha. IV. Amorim, Tade-Ane. V. Silva, Marina Melhado Gomes da. VI. Rambo, Isabel Zoldan da Veiga. VII. Título.

CDD (21. ed.) 301

DiagramadorJosué Lange

RevisorPerpétua Guimarães Prudêncio Diane Dal Mago

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Sumário

Capítulo 1Cidadania e Direitos Humanos 9

Capítulo 2Identidade e culturas 23

Capítulo 3Sociedade: teorias clássicas e contemporâneas 43

Capítulo 4Práticas culturais e processos midiáticos 53

Considerações Finais | 67

Referências | 69

Sobre o Professor Conteudista | 73

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Introdução

Caro(a) estudante,

Você inicia agora o estudo da Unidade de aprendizagem Estudos socioculturais, com o intuito de procurar compreender a dinâmica e a diversidade das sociedades humanas, para agir responsavelmente nos diferentes contextos sociais. Nesse sentido, nosso objetivo é que você tenha elementos para analisar e compreender contextos diversos, estabelecendo diálogos com diferenças socioculturais.

Os conteúdos aqui reunidos, além dos demais materiais disponíveis nos tópicos de estudo do Espaço Virtual de Aprendizagem seguem uma temática, bem como uma abordagem relacionada à sociedade e à cultura.

Especificamente, por meio de quatro roteiros de estudo, você estuda teorias clássicas e contemporâneas relativas à sociedade; a questão do Estado e da cidadania, da ética e dos direitos humanos; acerca da cultura e da identidade; das práticas culturais e dos processos midiáticos. Este livro e os demais materiais disponíveis não têm pretensão de esgotar assuntos tão complexos, mas tão somente se pretende desenvolver uma abordagem didática, sistemática e parcial. Procure ampliar seus conhecimentos sobre as temáticas abordadas, consultando os textos originais dos pensadores citados, dicionários e outras obras, sempre que considerar pertinente. Desejamos-lhes boa aprendizagem!

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Capítulo 1

Cidadania e Direitos Humanos

Cidadania como conquista de direitosCláudio Damaceno Paz

A vida em sociedade constitui um imperativo, pois as interações entre os humanos e com o meio em que estão inseridos não são escolha, mas necessárias para a potencialização das suas capacidades. Porém, pela divergência de interesses, essas relações tendem a se tornar conflituosas. Em decorrência, para viabilizar suas existências, os humanos têm desenvolvido mecanismos que viabilizem a resolução de conflitos. Diversos são os meios criados e utilizados para disciplinar as condutas na busca da harmonia social, entre eles podemos destacar o Direito.

É o Direito que deve garantir os interesses de cada um e impedir que uns sejam prejudicados pelos outros. A pessoa que tem um direito violado está sofrendo uma perda de alguma espécie. E quando uma pessoa que teve um direito ofendido não reage, isso pode encorajar a ofensa de outros direitos seus, pois sua passividade leva à conclusão de que ela não pode ou não quer defender-se. (DALLARI, 1985).

A caminho do trabalho, no dia 1º de dezembro de 1955, uma costureira negra, de 42 anos, Rosa Parks (1913-2005), moradora de Montgomery, capital do Alabama, nos EUA, tomou um ônibus, sentou-se numa poltrona situada ao meio para frente do veículo de transporte coletivo. Minutos depois, o motorista exigiu que ela e outros três trabalhadores negros cedessem seus lugares para passageiros brancos, os quais embarcaram no ponto seguinte. Rosa Parks negou-se a cumprir a ordem do motorista. Foi, então, retirada do ônibus, detida e levada para a prisão. Em decorrência do seu ato, Rosa Parks enfrentou ameaças de morte, humilhações e teve até de se mudar de estado por não conseguir arranjar emprego no Alabama.

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Capítulo 1

No entanto, a atitude de resistência pacífica de Rosa Parks deflagrou uma série de protestos contra a discriminação racial nos EUA. Trabalhadores negros recusaram-se a embarcar em ônibus enquanto estivesse em vigor, no estado do Alabama, a lei discriminatória que impunha aos negros ocuparem os lugares do fundo dos transportes coletivos, enquanto aos brancos eram reservados os lugares dianteiros. Durante os protestos, era comum encontrar grupos de trabalhadores negros dirigindo-se a pé para o trabalho, acenando e cantando nas ruas, enquanto eram xingados pelos brancos.

O exemplo emblemático de Rosa Parks e os avanços ocorridos nos EUA em relação aos direitos civis nas décadas subsequentes demonstram que os direitos nascem das lutas dos seres humanos contra as formas de opressão. No entanto, são conquistas gradativas que se configuram no processo histórico.

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 1992, p.5).

Compreender os direitos humanos como conquista e construção humana ao longo da história afirma o protagonismo das pessoas na luta pelos direitos a serem positivados como direitos fundamentais. Ressalta-se que as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” são frequentemente utilizadas como sinônimos.

Segundo a sua origem e significado, poderíamos distingui-los da seguinte maneira: direitos do homem [humanos] são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; [...] os direitos fundamentais seriam [são] os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. (CANOTILHO, 1998). Partindo do pressuposto de que os direitos humanos resultam de conquistas que se materializam no processo histórico, pela ação humana, evidencia-se a importância das Revoluções Liberais (Inglesa, Americana e Francesa) para a emancipação dos indivíduos e das coletividades no contexto de construção da modernidade e da criação dos direitos.

No processo da Revolução Inglesa, em 1689, o Parlamento inglês apresentou à monarquia uma declaração de direitos (Bill of Rights), que assegurava aos indivíduos os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade, como garantia frente ao poder soberano – e arbitrário – do Estado absolutista.

A Bill of Rights impunha limites ao poder real ao deslocar para o Parlamento as competências de legislar e criar tributos. Ao mesmo tempo, instituía a separação de poderes para evitar o autoritarismo do poder absolutista do monarca.

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No entanto, ao consentir em manter a imposição de uma religião oficial, a anglicana, – estabelecida pelo rei Henrique VIII – muitos ingleses, sem a liberdade de professar e manifestar sua crença religiosa, distinta da oficial, viram-se constrangidos a migrar para terras distantes, temerosos de perseguições. Para os puritanos (calvinistas ingleses), a América consistiu em alternativa para viver em liberdade, conforme suas crenças.

Depois de estabelecidos na “nova Canaã”, como denominavam a América do Norte, os agora colonos americanos foram constrangidos, em 1765, pelas imposições fiscais da autoridade metropolitana – que contrariava o estabelecido na Bill of Rights – a recolher uma série de impostos para cobrir o déficit da Coroa que havia se envolvido na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) contra a França.

Em 1773, na cidade de Boston, ocorreu a The Boston Tea Party. Colonos que viviam do comércio, por se sentirem prejudicados com a Lei do Chá, disfarçaram-se de índios peles-vermelhas, assaltaram os navios da companhia de transporte, que estavam ancorados no porto de Boston, lançando o carregamento de chá no mar. A reação inglesa foi imediata e mesmo violenta. Em 1774, os rebelados criaram um exército comum entre as colônias, demonstrando a fragilidade das suas relações com a metrópole inglesa, fato que abriu caminho para a independência.

Em 1776 foi elaborada a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, afirmando que todos os seres humanos são livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a segurança, registrando o início do nascimento dos direitos humanos na história. (COMPARATO, 2003).

A referida Declaração de Direitos, que abriu caminho para a independência dos EUA, ocorrida em 4 de julho de 1776, proclamada na Filadélfia, positivada na Constituição da República dos Estados Unidos da América em 1787, afirmou que o governo tem de buscar a felicidade do povo, definiu a separação de poderes, estabeleceu o direito dos cidadãos à participação política, à liberdade de imprensa e a livre escolha da religião, conforme a consciência individual. No entanto, a pátria da liberdade manteve a mácula da escravidão que deixou a herança da segregação racial.

A prática da escravidão foi abolida nos Estados Unidos da América em 1863, com a Declaração de Emancipação promulgada pelo presidente Abraham Lincoln, no contexto de uma guerra civil, a Guerra da Secessão. No entanto, a discriminação racial, mesmo com a abolição, assumiu na cultura estadunidense um caráter segregacionista, que deu origem a inúmeras ações afirmativas e reações violentas.

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Capítulo 1

Em virtude das manifestações decorrentes do protesto pacífico de Rosa Parks, em 13 de novembro de 1956, a Suprema Corte aboliu a segregação racial nos transportes coletivos de Montgomery, tornando também ilegal essa discriminação racial em todo o território dos EUA. Em 21 de dezembro de 1956, o ativista negro Martin Luther King e o sacerdote branco Glen Smiley entraram juntos num ônibus e ocuparam lugares na primeira fila.

Martin Luther King organizou e liderou marchas que reivindicavam para os negros o direito ao voto, o fim da segregação e das discriminações, bem como a conquista de outros direitos civis básicos. A maior parte desses direitos foi, mais tarde, agregada à constituição estadunidense, com a aprovação da Lei de Direitos Civis (1964) e da Lei de Direitos Eleitorais (1965).

Em 4 de abril de 1968 Martin Luther King foi assassinado em Memphis, no Tennessee. Em 20 de janeiro de 2009 Barack Obama tomou posse da presidência dos Estados Unidos como primeiro negro eleito para o comando executivo do mais influente Estado-nação do mundo:

Neste dia, estamos reunidos porque escolhemos a esperança acima do medo, a unidade de objetivos acima do conflito e da discórdia. Neste dia, vimos proclamar o fim dos sentimentos mesquinhos e das falsas promessas, das recriminações e dos dogmas desgastados que por tanto tempo estrangularam nossa política. (OBAMA, 2009).

A sociedade organizada com justiça é aquela em que os encargos e os benefícios são partilhados entre todos, pois os direitos, para além da sua criação histórica e positivação jurídica, precisam constituir-se em prática social. A Declaração de Direitos do Povo da Virgínia (1776) consistiu numa ação pioneira na luta pelos direitos humanos ao reivindicar direitos políticos e justiça social, porém, apresentava, na época, como referido, caráter seletivo. No entanto, foi a Declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Nacional francesa, no contexto revolucionário, em 1789, que exerceu grande influência sobre os movimentos emancipacionistas e libertários na modernidade, pelo seu caráter de universalidade.

A França quer ser exemplar, não para ensinar, mas porque é a história dela, é sua mensagem. Exemplar para as liberdades fundamentais: é a sua luta, é também sua honra. Esta é a razão pela qual a França vai continuar a realizar todas essas lutas: para a abolição da pena de morte, pelos direitos das mulheres à igualdade e dignidade, para a descriminalização universal da homossexualidade, que não deve ser reconhecida como um crime, mas, pelo contrário, reconhecida como uma orientação.

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[...]. Todos os países membros [da ONU] têm a obrigação de garantir a segurança de seus cidadãos, e se um país adere a esta obrigação, então é imperativo que nós, nas Nações Unidas, facilitemos os meios necessários para fazer essa garantia. Estas são as questões que a França vai levar e defender nas Nações Unidas. Digo isso com seriedade. Quando há paralisia e inação, então a injustiça e a intolerância podem encontrar o seu lugar. (HOLLANDE, 2012).

Os revolucionários franceses de 1789 iniciaram a Declaração de Direitos do Homem afirmando, no artigo primeiro, que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”, e no artigo quarto enfatizam que

A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Outro aspecto relevante da Declaração de Direitos criada pelos franceses está explicitado no artigo dezesseis, nos seguintes termos: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.” (DALARI, 1985, p. 53-54).

O século XX foi marcado por duas grandes guerras de proporções mundiais. Na origem dessas guerras está o choque entre interesses imperialistas das potências capitalistas e seus asseclas. A ambição pelo poder e pela riqueza, somada ao desprezo aos direitos humanos, explicam os horrores gerados pelos referidos conflitos, materializados em privações das liberdades e das garantias individuais e sociais, crises de desabastecimento, bombardeios, destruição, terror e mortes físicas e psicológicas.

O trauma causado pelas referidas guerras impeliu as lideranças mundiais à criação e consolidação de uma organização (ONU) com o propósito de: assegurar, por meios pacíficos, a manutenção da paz internacional; lutar pela defesa dos direitos humanos; estabelecer relações amistosas entre as nações, com base no princípio de autodeterminação dos povos; gerar mecanismos de cooperação entre os países na busca de solução para os problemas internacionais de ordem econômica, social, cultural e humanitária; e constituir-se em centro de convergência das ações dos Estados-nação na luta por objetivos comuns.

Para que fosse permanentemente relembrado o valor da pessoa humana e para estabelecer o mínimo necessário que todos os países e todas as pessoas devem respeitar, a ONU encarregou um grupo de pessoas muito respeitadas, entre as quais havia filósofos, juristas, cineastas, políticos, historiadores, de várias partes do mundo, para redigir uma nova Declaração de Direitos.

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Capítulo 1

Esses estudiosos reuniram-se, pediram a opinião de muitas outras pessoas e prepararam um documento que proclama os Direitos Humanos, os quais devem ser considerados fundamentais. (DALLARI, 1985, p. 51 e 52).

Os autores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, evitaram redigir uma mera carta de intenções. Nos artigos da referida declaração foram incluídas exigências que devem ser atendidas para que a dignidade humana seja respeitada. O artigo terceiro, por exemplo, lembra que “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Em decorrência, no artigo quarto está expressamente ordenado que “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada por países do mundo inteiro, inclusive pelo Brasil, valendo como um compromisso moral desses países. É necessário que o maior número possível de pessoas conheça a Declaração, para cobrar de seus governos o respeito ao compromisso assumido. (DALLARI, 1985, p. 52).

Leia na íntegra os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/index.html#deconu

A ênfase da referida Declaração está na internacionalização dos direitos humanos, fixando-o no contexto internacional dos direitos fundamentais, ensejando a prevalência desse no ordenamento jurídico dos Estados signatários do referido documento e daqueles que se integram à comunidade das nações unidas como filiados da ONU.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, criado em 2006, em substituição à Comissão das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, criticada pela tolerância com Estados cujas ações constituíam desrespeito aos direitos humanos, tem como objetivo combater as violações aos direitos humanos em todo o mundo.

O Brasil, membro da ONU, signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, define na Constituição Federal, promulgada em 1988, os direitos fundamentais no título II, Dos Direitos e Garantias fundamentais. O capítulo I dos Direitos Individuais e Coletivos é constituído pelo artigo 5º, com 78 incisos, alinhados com o referido documento da ONU. No caput deste artigo lê-se: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...].”

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A dificuldade da concretização dos direitos humanos, entre outros fatores, reside na adoção, pelos Estados-nação, de políticas seletivas, dando prioridade a alguns direitos e postergando a positivação de outros.

Ressalta-se que os direitos humanos foram sendo positivados de maneira gradativa. Estudiosos do tema, para fins didáticos, sem desconsiderar o princípio estrutural de indivisibilidade, apontam para quatro gerações de direitos que foram sendo criados e incorporados às constituições dos Estados-nação ao longo do processo histórico-social na modernidade.

Na escala evolutiva dos direitos, legislados ao longo dos séculos XIX e XX, há quatro gerações sucessivas de direitos fundamentais:

• Os direitos de primeira geração: Os direitos de liberdade foram os primeiros a constar dos instrumentos normativos constitucionais, a saber: os direitos civis e políticos. Os direitos de liberdade têm por titular o indivíduo. Os direitos de liberdade fazem ressaltar, na ordem dos valores políticos, a nítida separação entre a Sociedade e o Estado, e a submissão do segundo à primeira. Essa geração de direitos corresponde aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por exemplo: vida, dignidade, honra, liberdade. Basicamente, a Constituição de 1988 os prevê no art. 5º, tão significativo para todos os brasileiros.

• Os direitos de segunda geração: decorrem dos efeitos provocados pelas transformações econômicas e sociais gerados pela industrialização e urbanização. São os direitos sociais vinculados aos econômicos, bem como os direitos coletivos e os de coletividades. Nasceram em decorrência das lutas dos trabalhadores e estão articulados ao princípio da igualdade. A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas deu lugar a que se buscasse outra dimensão dos direitos fundamentais, aquela que se assenta sobre a fraternidade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade.

• Os direitos de terceira geração: tendem a cristalizar-se enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou determinada sociedade, pois seu destinatário primeiro é o gênero humano e sua existencialidade concreta. Emergiram da reflexão sobre temas referentes à autodeterminação dos povos, incluindo o direito ao desenvolvimento, à paz, à dignidade humana, o combate às diferentes formas de discriminação, bem como a necessidade de universalizar o acesso aos bens necessários para a vida digna, ao meio ambiente equilibrado, ao patrimônio comum da humanidade.

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Capítulo 1

• Os direitos de quarta geração: constituem-se no direito à democracia, à informação, à defesa da vida, à proteção da intimidade, o direito à diferença e o respeito ao pluralismo num mundo multicultural. (Texto adaptado de palestra proferida por Paulo Bonavides, quando do aniversário de quinze anos da Constituição Federal do Brasil, promulgada em outubro de 1988.).

Considerando este resumo, você, caro aluno(a), pode alargar sua compreensão sobre os Direitos Humanos e sua positivação na legislação brasileira. São muitas as possibilidades para aprofundar estudos nesta área. Selecionamos no EVA para vocês o texto do autor SARMENTO, Jorge. AS GERAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS E OS DESAFIOS DA EFETIVIDADE. Leia e destaque alguns avanços e possibilidades de efetividade dos Direitos Humanos na vida dos brasileiros.

Apesar de inúmeras dificuldades produzidas historicamente, o Brasil tem buscado, em meio às desigualdades econômicas e sociais, promover ações destinadas à emancipação dos indivíduos na busca e efetivação dos direitos fundamentais. A discussão dos direitos humanos e as ações políticas e práticas empreendidas por meio de programas governamentais e iniciativas da sociedade civil tem criado condições objetivas para a promoção da cidadania e o respeito aos direitos humanos. No entanto, ainda existem brasileiros sem acesso aos meios que os assegurem usufruir dos direitos fundamentais.

Direitos humanos como prática social 1 Valéria Rodineia Zanette

Em tempos de pluralidade de valores, como é o caso da contemporaneidade, é bastante complexo estabelecer conteúdos gerais a que todos devem seguir, mesmo que esses conteúdos sejam os direitos humanos. Ocorre que tais direitos conseguem até se fazer presentes nos ordenamentos jurídicos de muitos Estados. Prova disso é o fato de um grande número deles terem assinado a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas a verdade é que, no cotidiano das pessoas, os direitos humanos, muitas vezes, estão ausentes ou inexistem.

1 Extraído de: ZANETTE, V.R. Schulze. Desafios da cidadania e dos direitos humanos na contemporaneidade. In: Ética, cidadania e direitos humanos. Livro digital, 5ª ed. Palhoça: UnisulVirtual, 2012.

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É consenso, entre muitos autores que tratam do tema dos direitos humanos, que a democracia e o Estado de direito são elementos indispensáveis para a realização desses direitos. No entanto, como já deve ser de seu conhecimento, existe mais de um tipo de Estado de Direito, bem como mais de um tipo de democracia. Qual Estado e qual sistema democrático praticam melhor os direitos humanos? Aliás, algum desses pode realizar tais direitos?

Como uma resposta à própria evolução histórica, podemos observar que muito se tem evoluído na garantia dos direitos humanos, no próprio entendimento do que eles são e de sua importância na sociedade mundial e brasileira.

Tendo feito essa análise dos direitos humanos até o presente, cabe agora pensar: quais são os desafios dos direitos humanos, hoje? E amanhã? Mais ainda: pode-se afirmar que os direitos humanos são efetivamente garantidos no Brasil? E no mundo? A resposta mais rápida e fácil a ser dada é que, evidentemente, os direitos humanos não são garantidos de maneira efetiva como um todo; e nem para todos, como podemos ver a seguir.

No passado, o Brasil vivia em um Estado escravagista, em que o negro africano não merecia direitos porque não era visto como pessoa, mas sim como propriedade. Para ter direitos, tinha-se que preencher requisitos importantes como: o sexo, a cor da pele, a classe social, as relações de poder, a religião etc.

O que vemos atualmente é um Brasil bastante evoluído, mas distante, muito distante, de ser chamado de um país alheio às discriminações. O que falar das inúmeras leis que tentam garantir um tratamento digno aos homossexuais, que, no fundo, ainda enfrentam, diariamente, situações discriminatórias? E, no caso da mulher que os relatórios estatísticos de violência revelam a grave desigualdade de gênero? E da diferença salarial entre homens e mulheres? E o nordestino que escuta diariamente piadinhas de sua origem? E, pior ainda, daqueles que, pelo simples fato de serem pobres, são taxados de marginais?

Tais circunstâncias são corriqueiras e fazem parte do cotidiano de todos nós, de forma tão natural que nem parece uma verdadeira afronta aos direitos humanos. A conscientização de todos em relação a isso é um processo demorado. De qualquer forma, o Brasil tem trabalhado bastante na elaboração de um sistema normativo que prima pelos direitos fundamentais, assim como na ratificação e engajamento aos direitos humanos no plano internacional. Sendo assim, o que falta então?

O problema está no cumprimento das normas jurídicas criadas, sejam elas de direitos humanos ou fundamentais. Bem como assevera Norberto Bobbio (1992, apud PIOVESAN, p. 110), o problema dos direitos humanos hoje: “não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.

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Capítulo 1

Uma constatação negativa é que ainda temos trabalho escravo em todas as regiões do país, como descreve Breton (2002, p. 25):

Hoje em dia as coisas são um pouco mais sutis. Você não possui a pessoa, você apenas a usa por quanto tempo precisar dela. É a escravidão por dívida. Funciona assim: oferecem um emprego para o cara, dão um adiantamento, e ele começa a trabalhar. Quando chega o dia do pagamento, ele descobre que está endividado. Tem de descontar o adiantamento, o pagamento do transporte e o que deve na cantina – alimentos, ferramentas e remédios – a dívida não termina nunca.

Com isso, as pessoas trabalham, horas a fio, no meio do nada, correndo risco de vida e, ao final, o que recebem é muito pouco. A boa notícia é que a Justiça Federal está condenando fazendeiros por terem submetido trabalhadores a condições semelhantes à escravidão: pessoas que vivem sem remuneração, presas a relações de dívidas forjadas e as mais variadas condições degradantes de trabalho, expostas a existência de alojamentos precários, instalações sanitárias em péssimo estado de conservação, não fornecimento de água potável, não fornecimento de equipamentos de proteção individual, entre outras. São muitas as situações sendo superadas pela ação dos órgãos que combatem o trabalho análogo a escravo.

Outro exemplo são as ações afirmativas, como o sistema de cotas nas universidades. Esse sistema foi criado com o intuito de promover a igualdade material, já que as pessoas negras, constantemente, formam um número muito inferior nas universidades. Isso pode ser justificado como uma consequência das desigualdades econômicas, pois as pessoas negras não têm acesso a uma educação fundamental de qualidade, precisam trabalhar para seu próprio sustento e de sua família, ficando impossibilitadas de competir, em grau de igualdade, com os outros com melhores condições e preparo.

Nesse contexto,

[...] o Estado abandona sua tradicional posição de neutralidade e de mero espectador dos embates que se travam no campo da convivência entre os homens e passa a atuar ativamente na busca de concretização da igualdade positivada nos textos constitucionais. (GOMES, 2001, p. 20).

Mesmo parecendo um caminho simples, muitos brasileiros, na verdade, são contra esse tipo de ação. Não conseguem entender que tudo isso faz parte de um círculo vicioso e que, se não forem promovidas ações discriminatórias positivas em favor dos desprivilegiados, possivelmente o caminho ainda será mais longo para se alcançar a igualdade. O caso do acesso ao ensino superior ilustra, bem, isso.

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Estudos Socioculturais

Uma das principais argumentações contra o “sistema de cotas” era que, mesmo conseguindo entrar na universidade, os cotistas acabariam por desistir, ou mesmo que isso acabaria por prejudicar o próprio andamento do curso, já que esses não conseguiriam acompanhar os outros estudantes em decorrência do déficit no ensino médio. No entanto, pesquisas produzidas, por exemplo, Mandelli (2010), destacam o fato de que, mesmo vindo de um ensino médio defasado, o esforço dos cotistas é tamanho que apresentam bom desempenho acadêmico.

As mulheres também são objeto desse tipo de ação, como é o caso de se destinar a elas um número de cadeiras no executivo. Essa ação afirmativa em benefício das mulheres também é uma forma de promover o tratamento igualitário entre homens e mulheres, possibilitando-se que ambos tenham acesso na administração do nosso país.

Mas, certamente, há alguns passos importantes a serem dados nessa busca da igualdade entre homens e mulheres, já que, infelizmente, a mulher ainda recebe salários inferiores (mesmo exercendo a mesma função), ocupa menos cargos de chefia (mesmo quando apresenta alto grau de instrução), entre outras situações corriqueiras a serem conquistadas pelo gênero feminino. A violência doméstica e familiar contra a mulher é uma das evidências mais graves das desigualdades de gênero.

Considerando isso e verificando a elevação dos índices de violência e a frágil segurança pública a que o povo brasileiro tem sido remetido, seu direito está longe de ter a proteção necessária.

A vida e a boa convivência social são essenciais para a humanidade e compete a todos nós, sociedade e organizações do Estado, zelarmos pela sobrevivência saudável e sustentável, nossa e do meio ambiente.

Outro elemento que contribui para o direito à vida saudável é o acesso à saúde. O Brasil conta com um sistema único de saúde (SUS) reconhecido internacionalmente pela sua cobertura e universalização do acesso, no entanto, ele não possibilita atendimento satisfatório. Além da falta de atendimento, os profissionais da saúde regularmente protestam por “melhores condições de trabalho”. No concernente ao saneamento básico, a realidade evidencia que metade dos domicílios brasileiros não possuem qualquer ligação com a rede coletora de esgoto, sendo que quanto mais pobre a região, maior o descaso.

Também está entre os basilares dos direitos civis o direito de “não ter o lar violado”. Isso vai depender de uma série de circunstâncias para que realmente seja respeitado, tais como: o bairro em que mora, o tipo de policial que está em atividade e, até mesmo, o momento histórico. Tudo isso pode ser comprovado se nos lembrarmos das invasões que ocorrerem nas favelas dos grandes centros, em que absolutamente todos os “barracos” são invadidos, mesmo ali morando pessoas de bem. Essas acabaram pagando por estarem no lugar e no momento errado.

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Capítulo 1

Muitas pessoas constroem suas moradas em áreas de risco, de preservação ambiental, em lugares que geram perigos à vida. A violação do direito à moradia/ habitação é constante. Acompanhamos diariamente despejos forçados sem cumprir as determinações internacionais de realojar essas pessoas, pois, na prática, elas são retiradas por meio de força policial (que nada mais é do que o braço do próprio Estado). Irresponsabilidades pessoais, privadas e do Estado gerando insegurança às famílias, regiões, cidades, pela falta de condições de um habitar seguro.

Os direitos humanos são a melhor forma de se defender e garantir a liberdade pública, assim como de se proporcionarem as condições mínimas para uma existência digna. E, para isso, conta-se com os poderes executivo, legislativo e judiciário, voltados para o fortalecimento da democracia e da paz social.

O poder judiciário é o último guardião dos direitos humanos, isso porque é a ele que o indivíduo, provado de seu direito, vai buscar guarida. E, por isso, é tão importante que todos esses poderes estejam preparados para tamanha responsabilidade: a de garantir os direitos humanos fundamentais.

A busca pela efetividade dos direitos humanos – principalmente dos direitos econômicos, sociais e culturais – passa pela efetivação de políticas públicas e pela responsabilidade de todas as instâncias e poderes. Muito ainda precisa ser feito, principalmente visando à busca da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, porque o desrespeito aos direitos civis e políticos e a ausência dos direitos econômico-sociais remete a preconceitos, exclusão e desigualdades evidentes. Aqueles em situação de maior vulnerabilidade social são os mais atingidos. São aqueles que vivem em locais com precárias condições de vida, sem instrução, sem segurança, às margens da sociedade, os mais suscetíveis à violência da criminalidade comum, são vítimas de balas perdidas, de violência na escola, de doenças relacionadas à falta de saneamento básico, entre outras violações.

Essas desigualdades ficam ainda mais evidentes quando relacionadas às minorias, porque, por mais que sejam promovidas leis com o intuito de promover a igualdade, ainda enfrentam grandes obstáculos, diariamente.

Vejamos o caso das mulheres, das crianças e dos idosos. As mulheres, como já dito, ainda estão num processo intenso de busca de valorização. Profissionalmente, precisam provar que são tão capazes quanto os homens para merecerem respeito, quando em muitas circunstâncias são muito mais capacitadas. Em casa, nem todas mantêm relações de respeito e igualdade na divisão das responsabilidades.

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As crianças ainda são as que mais sofrem as vicissitudes da miséria e da violência, já que, por si só, não possuem maturidade para lutarem pela sua própria subsistência e proteção. E, quando acontece de lutarem, a falta de estrutura sempre leva a caminhos bastante tortuosos, que o digam as crianças de rua nas cidades brasileiras, entregues ao abandono, aos vícios, aos abusos.

Os idosos também têm sido objeto de legitimação, na tentativa de a sociedade ou os órgãos públicos promover-lhes certa qualidade de vida quando chegam à terceira idade. O fato é que a realidade ainda está distante de acompanhar as normas. Constatam-se abandonos, descasos, fragilidades, violências tanto por parte das famílias quanto por parte do Estado.

Quanto aos direitos políticos, esses não são amplamente assegurados quando o povo não tem um mínimo de instrução para entender a importância de seus atos e de suas escolhas, quando prevalece nas práticas dos gestores públicos práticas de manobras conduzidas pelos interesses pessoais, políticos partidários, de grupos privilegiados acima dos interesses coletivos e da república.

Podem ser citados muitos outros direitos que são violados diariamente em nosso país, os quais são resultados de muitos fatores, entre eles deve ser ressaltada a falta de informação e até de educação da população quanto aos seus direitos humanos. A importância de nos percebermos como sujeitos transformadores da vida, dos ambientes de convivência, do local onde moramos, da cidade, do país.

A paz, a solidariedade, a sustentabilidade a democracia são pilares de uma sociedade que todos precisamos visualizar e ajudar a construir. Muito já avançamos, precisamos continuar nos colocando como protagonistas da vida e da história.

Existem muitas iniciativas que evidenciam a responsabilidade do Estado e da sociedade com os Direitos Humanos, veja algumas iniciativas no site da Secretaria de Direitos Humanos: http://www.sdh.gov.br e no site da Secretaria de Políticas para Mulheres: http://www.spm.gov.br. Os links estão disponíveis no EVA.

Assim, entendemos que: não basta a incorporação dos direitos humanos ao ordenamento jurídico brasileiro se esse não for do conhecimento de todos. Faz-se necessária a promoção da educação para os direitos humanos, a fim de que a população em geral possa conhecê-los para então buscá-los, respeitá-los e vivenciá-los.

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Capítulo 2

Identidade e culturas Jaci Rocha Gonçalves

Identidade, ethos cultural e relações pluralistas

As teorias clássicas da sociologia mostram um macro-olhar sobre a realidade dos grupos humanos e de suas organizações. É da placenta da sociologia que nasce a antropologia social ou também chamada Antropologia cultural.

Essa ciência auxilia os profissionais de todas as áreas a elaborarem um olhar atento para a miudeza, para o micro das sociedades humanas que, muitas vezes, passa despercebido aos profissionais em sua área específica de conhecimento. É como se buscássemos o constitutivo próprio do humano, dando-lhe identidade entre os seres da criação, ou seja, configurando-lhe um jeito-de-ser, um ethos cultural capaz de gerar respostas diferentes para necessidades iguais.

Foi o que aconteceu recentemente com um aluno de ciências contábeis da UNISUL, ao auxiliar uma comunidade mbyá-guarani na atualização da personalidade jurídica criada para a aldeia. Foram dois anos de troca de saberes. No período de visitação e observação, o acadêmico passou por vários estágios, até que descobriu naquele povo a existência de uma etno-matemática. Fez a experiência de estranhamento 1, questionando o porquê havia apenas aprendido a matemática greco-romana e arábica. Pesquisou, então, no TCC, intitulado Contador pluralista: ensaio de contabilidade com os mbyá-guarani das aldeias Ka´akupé e kuri´y sobre a etno-matemática guarani. A banca lhe deu nota em guarani. Foi outra surpresa. Os docentes mostraram ao formando a importância de fortalecer esse olhar antropológico-cultural de pesquisador pluralista de ciências contábeis. 2 Portanto, o encontro com o diferente cultural pode revelar nossa identidade, nosso jeito de ser eternos aprendizes.

1 Segundo Laplantine (2005, p. 3) “estranhamento (depaysement) é essa experiência de perplexidade provocada pelo encontro das culturas que são para nós as mais distantes, e cujo encontro vai levar a uma modificação do olhar que se tinha sobre si mesmo.”

2 Consulte o TCC de SILVA JUNIOR, Ivo. O contador pluralista (…) no blog Revitalizandoculturas: blogspot.com.br

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Capítulo 2

Quanto à construção identitária pessoal, podemos utilizar a análise filológica dos termos antropologia e cultura, seguindo o que dizem alguns filósofos, como Leonardo Boff (2001). Eles nos advertem que palavras como antropologia e cultura “estão grávidas de significados existenciais porque reúnem infindáveis experiências, positivas e negativas, de busca, de encontro, de certeza, de perplexidade e de mergulho no ser. Com os dados da filologia, podemos desentranhar sentidos das palavras com suas riquezas escondidas.” (BOFF, 2001, p. 83).

Para nossa identidade, interessa-os a análise do significado de antropologia. Vem do grego Άντθρωπος (ánthropos), que significa humano. Desse termo podemos deduzir o que os antigos pensavam de si mesmos, e dos seres humanos. De fato, Άντθρωπος (ánthropos) é composto pelo prefixo Άν, que quer dizer, todo aquele que (com ideia de desejo, possibilidade, que afirma ou interroga de maneira suave). A outra parte vem do verbo Τρέφω (tréfo), que significa crescer.

Portanto, os antigos davam o nome de ánthropos ao ser humano enquanto ser que cresce se desenvolve, é bem nutrido, educado, tem força e está disposto. É o oposto de átrofos, ser que está impedido de crescer, ou seja, definha, atrofia. Assim, ánthropos é o humano enquanto ser que inclusive enfrenta o átrophos, a atrofia. É como a origem do termo “humano”, em português. Vem do latim homo, do substantivo húmus que significa terra fértil. Assim, húmus=homo=humano; portanto, os humanos nascem para ser como o húmus, terra fértil.

Como se vê pela filologia, os sentidos de homo e de ánthropos se encontram, embora elaborados em lugares e culturas diferentes. Em ambas as culturas, o humano é visto como ser que cresce, ser bem nutrido, ser que previne e supera atrofias.

Cabe, pois, a todo profissional, o direito e dever de construir uma visão, um olhar antropológico-cultural pluralista de dualidade sobre o humano como ser holístico e diverso. Tanto nas pesquisas interativas das ciências biológicas, ciências sociais, tecnológicas como na saúde. De um lado, aprender a arte da inteireza de ser e, de outro, capacitar-se a ver a diversidade como um constitutivo do universo, da biodiversidade e, sobretudo, do humano. Porque só ao humano é dado, como ser consciente, ter um viver pluralista, multicultural.

Na verdade, o pluralismo, acrescenta à pluralidade sua aceitação consciente e procurada. A pessoa pluralista opta pelo diálogo. O diálogo abre horizontes e supõe corações abertos. Quem tudo sabe, não dialoga; só ensina. Quem se considera melhor, não dialoga, só julga. É a atitude da humildade (parecer-se com o HUMUS) que nos convida à opção pelo diferente. (GONÇALVES, 1995).

Nesse modo-de-ser humano, de ser ánthropos, é determinante a inteligência relacional.

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Para uma performance eficiente, deve investir no cuidado adequado das relações culturais consigo, com o outro e o mundo; daí, sua saúde ético-ontológica (HEIDEGGER apud GONÇALVES-IUNSKOVISKI, 2015). A primeira relação do sujeito é com o seu ethos cultural, ou seja, o modo particular de viver e de habitar eticamente o mundo que uma comunidade tem ao fazer sua história.

Consequentemente, passa a ser também fundamental a endoculturação, ou seja, o processo de cultivo do ethos cultural por meio de uma sadia interação de quem valoriza seu contexto vital. Endoculturação sublinha a relação positiva do sujeito ao interno de sua cultura semelhante à socialização - do vocabulário sociológico e psicológico (AZEVEDO, 1986, p. 413). Esse cuidado endocultural é importante não só para cada pessoa mas, sobretudo, para agregar valor a toda pessoa estudiosa, como nós, denominada pelo filósofo italiano Antonio Gramsci, como pessoa intelectual orgânica. Optando pela formação universitária, o indivíduo resolveu construir um perfil crítico-criativo e solidário-pluralista na sociedade em que vive.

É uma postura saudável para nutrir o ethos pessoal e sociocultural na convivência com o outro diferente, possibilitando também viver uma adequada aculturação. Essa relação designa todo processo de transformações que se verificam numa pessoa ou grupo pelo contato com uma cultura que não é a sua ou pela interação de duas ou mais culturas distintas, sem perder sua identidade. A pesquisa antropológica, sem nunca se substituir aos projetos e às decisões dos próprios atores sociais deve propor instrumentos que os ajudem a reagir ao “choque da aculturação, isto é, ao risco de um desenvolvimento conflituoso, levando à violência negadora das particularidades econômicas, sociais e culturais de um povo.” (LAPLANTINE, 1997). O mesmo autor pede atenção para outras duas urgências que fazem a nossa diferença identitária pessoal e comunitária, sobretudo, enquanto intelectuais orgânicos pluralistas.

A primeira urgência é a preservação dos patrimônios culturais locais ameaçados. Lutamos contra o tempo para que a transcrição dos arquivos orais e visuais possa ser realizada a tempo, enquanto os últimos depositários das tradições ainda estão vivos. A segunda urgência é promover a restituição aos habitantes das diversas regiões nas quais trabalhamos, do seu próprio saber e saber-fazer. (LAPLANTINE apud GONÇALVES, 2016a, p. 49). A Constituição Brasileira de 1988 (arts 215-216) pede resposta a essas urgências.

Essas urgências pedem ruptura com a concepção assimétrica da pesquisa, ou seja, baseada apenas na captação unilateral de informações sem se importar com a reciprocidade entre os sujeitos envolvidos na pesquisa, dispostos a não perder formas originais e únicas de pensamento e de atividades. Essas urgências se acentuam no Brasil com relação não só aos povos originários mas também aos afro e de descendência euro-asiáticas.

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Capítulo 2

Darcy Ribeiro (2006) resume essas urgências na sentido de “negar as negações” seculares e, na mesma proporção, fortalecer as afirmações das ricas diferenças de saberes e fazeres próprias dos trópicos.

Podemos concluir essa reflexão sobre as relações com o diferente cultural, analisando relações etnocêntricas tão comuns na construção histórica de nossa identidade de povo brasileiro. Existente na humanidade, essas relações etnocêntricas tomaram contornos mundiais nos últimos 600 anos de modernidade, ou seja, a partir das Grandes Navegações e da invenção da prensa. Seguiu-se uma dupla ideologia pendular entre fascínio e recusa da alteridade originária ameríndia e africana. Elas resultaram em complexas relações crônicas de negação de identidades que ainda repercutem em nosso cotidiano atual. Somos refratários da intolerância, fruto do chamado etnocentrismo ou transculturação.

É uma relação de possível ou efetiva transferência unilateral e, eventualmente, impositiva, de sentidos e valores, de símbolos, padrões e instituições, de uma cultura específica para outras culturas. Transculturação, nesta acepção, conota, de algum modo, uma postura etnocêntrica e/ou dominante da cultura emissora, autossuficiente na consciência da própria superioridade cultural. A cultura que assim opera, afetando as outras profundamente, tende, contudo, a não se deixar influenciar por elas. (AZEVEDO, 1986, p. 413).

As conseqüências das relações etnocêntricas ao longo da história de ontem e de hoje são caóticas. A colonização certamente não foi a única, mas, a mais marcante. Como exemplos de visão eurocêntrica pode-se transcrever a opinião de Cornelius de Pauw (1774), sobre os índios da América do Norte. Diz ele que os americanos têm “temperamento tão úmido quanto o ar e a terra onde vegetam”, isso explica que eles não têm nenhum desejo se xual. Em suma, são “infelizes que suportam todo o peso da vida agreste na escuridão das florestas; parecem mais animais do que vegetais”. (PAUW, 1774, apud LAPLANTINE, 2005, p. 43).

Hegel em Introdução à Filosofia da História (1830) se horroriza com os povos extra-europeus: os originários das Américas e da Ásia e, sobretudo, da África do interior pertencem a uma infra-humanidade: “Ele cai”, escreve Hegel, “para o nível de uma coisa, de um objeto sem valor”. (Idem, p. 47).

Esta visão transculturadora, etnocêntrica deixou marcas de etnocídios históricos como no México entre 1532-1568 de mais de 14 milhões de mortos e que tem sido objeto de estudiosos, como Enrique Dussel (1986).

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Abordamos fatos e causas dos etnocídios a partir do Diário de Bordo de Colombo; também ele, o comandante, entre a admiração religiosa e a violência que você pode aprofundar. (GONÇALVES, 2016a, p.41-45). Seguiu-se um interminável genocídio ou etnocídio feito pelos conquistadores, como o lembrado acima no México. Dussel (1986) comenta que se fizesse a busca estatística do mesmo fenômeno de extermínio e genocídio na América do Norte, o horror seria, provavelmente, bem maior.

No Brasil, os atos praticados pela colonização desde 1500 aos 900 povos originários sustentaram um genocídio com extinção paulatina: dos cinco milhões, hoje restam 350 mil originários e cerca de 250 etnias. De acordo com os números referidos pelo etnógrafo Francisco Dias Tano, os Bandeirantes, nas ofensivas entre 1636-1638 às vinte e cinco reduções indígenas dos Sete Povos das Missões, transformaram em escravos e/ou mataram trezentos mil índios.

Sete Povos das Missões é o nome que se deu ao conjunto de sete aldeamentos indígenas fundado pelos Jesuítas espanhóis no Continente do Rio Grande de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, composto pelas reduções de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio.

Outro horror legalizado pela jurídica eurocêntrica transculturadora na história brasileira foi com os africanos forçados a trabalharem aqui como escravos desde 1550. Gonçalves (1995, p. 76) mostra que essa coisificação legalizada de pessoas teve sua garantia jurídica pela Lei do Padroado português. As Constituições da Bahia de 1707 restringem os direitos à cidadania do originário, do judeu, do negro e das pessoas com deficiência. Eles não poderiam ter acesso às ordens sacras, por exemplo. No Título LIII, art. 224, as alíneas determinam esses impedimentos. (GONÇALVES, 2016a, p. 41-45).

Na Guerra do Paraguai (1860-1870) acontece mais um genocídio negro-guarani oficial. Junto aos 75% dos guarani do Paraguai mortos para completar no genocídio indígena de 1750-1763, cem anos antes, a Guerra do Paraguai matou 40% da população negra brasileira, cerca de um milhão de negros. Foi a primeira vez na História do Brasil que os negros diminuíram em números proporcionais e absolutos em relação à população branca. Em 1800 havia um milhão de negros no país; em 1860, 2,5 milhões; em 1872, apenas 1,5 milhão. Um verdadeiro processo de arianização ou embrancamento do Império. (GONÇALVES, 1995, p. 59).

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Os estudos sobre a negritude e o escravismo no Brasil foram muito prejudicados pelo decreto do Ministro Rui Barbosa, em 1890. Ele ordenou a destruição de todos os documentos relacionados com a escravidão. Além dos documentos destruídos e desaparecidos, há os que permanecem sepultados nos arquivos. (GONÇALVES, 2016a, p. 52-53).

Nesse contexto histórico marcado pela transculturação, você tem conhecimento, é claro, das reações desses povos afrodescendentes. Cada vez mais conhecidos, os quilombos estiveram presentes por todo o território nacional; os negros também estiveram presentes nas confrarias. Ainda pouco estudadas, estão vivas a resistência estética do samba e de suas escolas, as terapias e medicinas religiosas do terreiro; as artes e sabedorias da capoeira.

Hoje, os movimentos políticos de afrodescendentes pós 1975 têm protagonizado um processo de negação das negações de identidade e, com os povos originários, vão além: procuram a afirmação de sua rica diversidade.

Os movimentos de afirmações internacionais seguem pelo mesmo caminho desde a década de 1960, na política, com Martin Luther King nos EUA, Léopold Senghor no Senegal e Mandela na África do Sul. Além disso, políticas de reparação com afirmações estéticas na diáspora africana contribuíram para a Declaração do Direito Universal à Diversidade Cultural, pela ONU em Durban, setembro de 2001, na África do Sul. Após 53 anos, finalmente se obedece ao sonho plantado no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

A própria criação de etnos-filosofias tem respondido às sabedorias do norte do Equador com uma nova assertiva aos cartesianos, por exemplo. Isso vem bem resumido pelo pensador Eboussi Boulaga, quando afirma que na identidade africana, em personagens como Muntu da obra La crisi Du Muntu, vale o Eu penso, logo, existo! de Descartes, mas, sobretudo, o Eu Danço, então, e vivo! das sabedorias ancestrais africanas.

Diante desse percurso, vale retomar os sonhos das possíveis e necessárias relações adequadas com o diferente cultural, superando conceitos de raça e de distinção dos humanos por características físicas. O que nos identifica é o cultural de nosso ethos, cuja riqueza constitui-se pela diversidade de respostas para necessidades iguais. Esse nosso ethos cultural merece que nos eduquemos a uma visão pluralista e multicultural para um bem viver mais justo e feliz.

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O cultural no humano: conceitos, escolas antropológicas e métodos essenciais

Ser cultural é o natural do humano. Aprofundamos agora o ser cultural como o natural e específico modo de ser do humano. Esse jeito de ser característico que nos possibilita gerar respostas diferentes para necessidades iguais demanda uma cuidadosa análise dos conceitos sobre o cultural no ánthropos. Como constata o pai do Estruturalismo Claude Lévi-Strauss: “pois se há algo natural nessa espécie particular que é a espécie humana, é sua aptidão à variação cultural.” (LÉVI-STRAUSS apud LAPLANTINE, 2005, p. 9)

Por isso, é preciso aprofundar o difícil conceito de cultura, como explica Eagleton (2005, p. 9) “cultura é considerada uma das duas ou três palavras mais complexas de nossa língua”. Achar uma definição única é algo impossível, pois sua própria diversidade de interação, representação e interpretação, dificultam e pluralizam seu conceito.

Mais uma vez, com apoio da filologia, (BOSI, 2015), podemos ver como a palavra cultura se formou em nossa língua. Vem do verbo latino colere conjugado no presente do indicativo colo (eu cultivo a terra) e no particípio passado cultus (aquilo que foi cultivado e tornado culto no rito religioso). Do particípio futuro culturus se extraem os adjetivos culturus, a, um (o que ainda vai ser cultivado). Três palavras que na língua latina amarram o presente, passado e futuro. Portanto, culturus tem raiz em colo (presente) e em cultus (passado). (GONÇALVES, 2016b, p. 5)

O antropólogo brasileiro Roberto Damatta (GONÇALVES, 2016b, p. 37) explica ser fundamental para o olhar antropológico-cultural “estranhar aquilo que nos parece familiar, para assim descobrir o exótico que está congelado dentro de nós pela reificação, ou seja, a redução à coisa natural do que, na verdade, é cultural, bem como pelos mecanismos de legitimação.” Importa, pois, fazer constantes incursões sobre essa busca cada vez mais consciente do cultural em nós, como a nossa forma de ser com DNA característico entre as demais espécies.

Sobre a teoria da cultura, muita reflexão se tem produzido desde que em 1871, Edward B. Tylor (1871, vol. I, p. 1) descreveu cultura como “o conjunto complexo, a totalidade de conhecimentos, crenças, artes, leis, moral, costumes e qualquer capacidade e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade.” Hoje, aceita por todos os estudiosos do ramo.

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Capítulo 2

Vale também lembrar que o cultural, próprio do humano, é dinâmico. Clifford Geertz acentua o aspecto da transformação que o ser humano, consciente e livremente, realiza na natureza, tanto na própria quanto na alheia, visando ao seu aperfeiçoamento. Por isso diz que a cultura “não é um complexo de comportamentos concretos mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras, instruções (que os técnicos de computadores chamam programa) para governar o comportamento”. No entanto, C. Klukhohon e A. L. Kroeber recenseando 164 definições de cultura, entre cerca de 300 citadas na sua obra, reconhecem que “a cultura entendida como ‘totalidade compreensiva’ de toda a vida do grupo social, é algo que ‘atualmente é aceita com universalidade’”. (KLUKHOHON-KROEBER, 1972, p. 88)

Você pode ter agora uma visão geral das escolas ocidentais mais conhecidas que se sucederam, objetivando estudar o cultural no humano nesses cerca de 215 anos de buscas de sistematização dos estudos sobre o cultural no ánthropos. O primeiro laboratório da nascente ciência antropológica foi a Escola do Evolucionismo Social de matriz inglesa, berço das ciências da natureza.

Na Midiateca do EVA, você pode estudar sobre Teorias da Cultura, de autoria da profª Dra. Maria Terezinha da Silva Sacramento. A socióloga dialoga com pensadores expoentes de várias escolas de antropologia cultural e da sociologia sobre conceitos, métodos, problemas e prospectivas das questões culturais dos brasileiros e outros povos.

A partir de agora, seguem adaptadas as sinopses bem elaboradas do antropólogo Dr. Vagner Gonçalves da Silva, para facilitação de seus estudos.

Fonte: SILVA, Vagner Gonçalves da. Antropologia. Disponível em: http://www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html> Acesso em: 14 maio 2016.

Quadro 1.1 - Escola do Evolucionismo Social

Escola/Paradigma Evolucionismo Social

Período Século XIX

Características Sistematização do conhecimento acumulado sobre os “povos primitivos”. Predomínio do trabalho de gabinete. Método comparativo das variações culturais. Método Comparativo ou Etnológico.

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Estudos Socioculturais

Temas e Conceitos Unidade psíquica do homem. Evolução das sociedades das mais “primitivas” para as mais “civilizadas”. Busca das origens (Perspectiva diacrônica). Estudos de Parentesco /Religião /Organização Social. Direitos do Matriarcado. Substituição gradativa do conceito de raça pelo de cultura. Primeira definição e conceito de cultura.

Alguns representantes  e obras de referência

Maine (“Ancient Law” - 1861).  Herbert Spencer (“Princípios de Biologia” - 1864).  Edward Burnet Tylor (“A Cultura Primitiva” - 1871).  Lewis Henry Morgan (“A Sociedade Antiga” - 1877).  James Frazer (“O Ramo de Ouro” - 1890).

Johann Jakob Bachofen (1815 – 1887). (“Mother Right: an investigation of the religious and juridical character of matriarchy in the Ancient World” - 1861) e Adolf Bastian (1826-1905) Controversen in der Ethnologie, 1893.

Fonte: SILVA, 2016.

As escolas de antropologia vão nascendo como filhas de discussões abertas. Seu primeiro objeto é estudar as populações que não pertencem à civilização ocidental. Demonstram que todos os seres humanos descendiam de um único ancestral comum e pertenciam a uma única espécie. A crítica posterior é a acentuação progressionista que eleva o modo de ser do povo europeu sobre as outras sociedades. (GONÇALVES, 2016b, p. 8-15)

A Escola Sociológica Francesa reúne os primeiros críticos ao pensar evolucionista da Antropologia biológica ou física a partir da jovem ciência da sociologia.

Quadro 1.2 - Escola Sociológica Francesa

Escola/Paradigma Escola Sociológica Francesa

Período Século XIX

Características Definição dos fenômenos sociais como objetos de investigação sócio-antropológica.  Definição das regras do método sociológico. Método genealógico – desenvolve o estudo do parentesco e suas implicações sociais. Interesse e pesquisa de campo de sociedades distantes.

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Capítulo 2

Temas e conceitos Representações coletivas. Solidariedade orgânica e mecânica. Formas primitivas de classificação (totemismo) e teoria do conhecimento. Busca pelo fato social total (biológico + psicológico + sociológico). A troca e a reciprocidade como fundamento da vida social (dar, receber, retribuir). Trabalhar minúcias.

Alguns representantes  e obras de referência

Émile Durkheim: “Regras do método sociológico”- 1895; “Algumas formas primitivas de classificação” - c/ Marcel Mauss - 1901; “As formas elementares da vida religiosa” - 1912.  Marcel Mauss: “Esboço de uma teoria geral da magia” - c/ Henri Hubert - 1902-1903; “Ensaio sobre a dádiva” - 1923-1924; “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de eu”- 1938); “Manual de Etnografia” - 1930.

Fonte: Silva, 2016.

É tradição desses pesquisadores/as estudarem as sociedades não ocidentais deixando o gabinete e viajando em busca do humano não europeu: eles confirmam que a variação cultural constitui a experiência social humana. Claude Lévi-Strauss (1993) destacou que foi Émile Durkheim o primeiro a introduzir nas ciências do homem a exigência de olhar as especificidades. Dessa forma, a Antropologia se diferencia da Sociologia, pois, à Antropologia importa focar o minucioso, valorizar o micro. À Sociologia, interessa o macrossocial.

Coube a Marcel Mauss, discípulo e sobrinho de Durkheim, mostrar essa importância do minucioso. Para ele é possível observar e anotar, de forma sistemática, o repertório de respostas de cada povo na elaboração de suas respostas diferentes a necessidades iguais entre os humanos. Mauss demonstra, por exemplo, no Ensaio sobre a dádiva, que “toda representação é relação – isto é, funda-se sobre a união de uma dualidade de contrários” (LANNA, 2000, p. 175). É a dádiva que produz alianças, tanto matrimoniais como políticas (trocas entre chefes ou diferentes camadas sociais), religiosas (como nos sacrifícios, entendidos como um modo de relacionamento com os deuses), econômicas, jurídicas e diplomáticas (incluindo-se aqui as relações pessoais de hospitalidade).

Exemplo brasileiro típico é o cunhadismo, apontado pelo antropólogo brasileiro Darcy

Ribeiro (1995). O cunhadismo, semelhante ao fenômeno observado por Mauss, é a

instituição social do milenar uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade

ameríndia e no Brasil pré-cabraliano. (GONÇALVES, 2016b, p. 18).

Para esses cientistas, primeiros antropólogos, o aspecto sociológico constitui todos os seres vivos, mas o cultural é percebido como exclusivo do ánthropos. À nossa ciência cabe interessar-se pelo cultural como específico do humano. (GONÇALVES, 2016b, p. 14)

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Estudos Socioculturais

A Escola Funcionalista contribui com a visão de totalidade e o funcionamento por sistemas observados. Voltamos ao outro lado do Canal da Mancha, na Inglaterra, berço das ciências da natureza nos tempos do Empirismo.

Quadro 1.3 - Escola Funcionalista

Escola/Paradigma Escola Funcionalista

Período Século XX - anos 20

Características  Modelo de etnografia clássica (Monografia). Ênfase no trabalho de campo (Observação participante). Sistematização do conhecimento acumulado sobre uma cultura. Método Funcionalista – desenvolve o estudo das culturas a partir de sua funcionalidade dentro de um universo cultural mais amplo.

Temas e conceitos Cultura como totalidade. Interesse pelas Instituições e suas funções para a manutenção da totalidade cultural. Ênfase na Sincronia x Diacronia. Síntese integrada. Unidade na diversidade.

Alguns  representantes  e obras de referência

Bronislaw Malinowski (“Argonautas do Pacífico Ocidental” -1922).  Radcliffe Brown (“Estrutura e função na sociedade primitiva” - 1952-; e “Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e Casamento”, org. c/ Daryll Forde - 1950).  Evans-Pritchard (“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” - 1937; “Os Nuer” - 1940).  Raymond Firth (“Nós, os Tikopia” - 1936; “Elementos de organização social - 1951). Max Glukman (“Ordem e rebelião na África tribal”- 1963). Victor Turner (“Ruptura e continuidade em uma sociedade africana” - 1957; “O processo ritual” - 1969). Edmund Leach - (“Sistemas políticos da Alta Birmânia” - 1954).

Fonte: Silva, 2016.

É o antropólogo polonês naturalizado inglês Bronislaw Malinowski (1884-1942) quem se sobressai nessa ótica britânica do estudo da organização dos sistemas sociais. A Escola Funcionalista mantém o método da etnografia clássica de estudo sistemático, a monografia, e afirma a importância da ênfase ao trabalho de campo com a observação participante na pesquisa antropológico-cultural. Como os franceses, esses cientistas do ánthropos se desalojam: enfrentam os mares e vão residir e conviver com povos distantes.

Malinowski atrai a atenção sobre a antropologia quando publica Os Argonautas do Pacífico Ocidental, em 1922. É o primeiro a viver com as populações que estudava e a recolher materiais de seus idiomas. Radicalizou essa compreensão por dentro, para isso, procurou romper ao máximo os contatos com o mundo europeu.

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Capítulo 2

Malinoviski representa a postura cientificamente rigorosa em arriscar-se a compreender de dentro, por uma verdadeira busca de despersonalização, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que não é nossa.

Hoje, todos os etnólogos estão convencidos de que as sociedades diferentes da nossa são humanas tanto quanto a nossa. Os homens e mulheres que nelas vivem são adultos e se comportam de forma apenas diferente da nossa; não são primitivos, autômatos e atrasados (em todos os sentidos dos termos), que pararam em uma época distante e vivem presos a tradições estúpidas.

Mas pensar assim nos anos 20 era uma postura revolucionária adotada por Malinowski. Optando por observar e analisar essa coerência interna em cada sociedade, Malinowski elabora a teoria do funcionalismo que tira seu modelo das ciências da natureza. Assim, os padrões culturais determinariam o surgimento do estatuto, que é o liame entre as intuições. Neste processo de análise da realidade, Malinowski vê como fundamentais três procedimentos metodológicos: 1) a observação de todos os costumes dos nativos; 2) a apreensão das narrativas orais; e 3) a utilização do método estatístico. Ele mostra também como ponto essencial na observação do comportamento dos nativos é estar atento aos imponderáveis da vida real, ou seja, os elementos não abarcados pela análise estatística e que, na verdade, são a carne e o sangue da arquitetura teórica de toda pesquisa científica. (GONÇALVES, 2016b, p. 26).

Importa agora que aprofundemos os métodos e técnicas da ciência antropológico-cultural e que significa, antes de tudo, ouvir Franz Uri Boas (1858-1942), conhecido como o Pai da Antropologia Americana e fundador da Escola Culturalista. Boas teve como alunas e colegas Ruth Benedict, Edward Sapir, Alfred Louis Kroeber, Robert Lowie, Melville Jean Herskovits, Paul Radin e como obra A formação da antropologia americana 1883-1911: antologia.

Franz Boas, físico, geógrafo e historiador muito contribuiu com sua escola à crítica do Método Comparativo ou Etnológico e seus reducionismos. Sugeriu o acréscimo de certa dose do que chamou de relativização. O relativismo inclui que os resultados obtidos na etnografia passem pelo crivo dos estudos históricos das culturas, das condições psicológicas e dos ambientes onde se desenvolvem essas culturas.

Por essa relativização, Franz Boas abre os olhos para os perigos de falsas interpretações das teorias deterministas do fenômeno cultural. Fruto das críticas de Franz Boas e de sua escola a esse possível comportamento reducionista de generalização foi o contraponto da necessidade de analisar os elementos culturais em seu contexto de conjunto, já que o vício comum era inferir-se a uma totalidade a partir de uma parcela mínima da cultura.

Boas acreditava que a comparação deveria ser restrita a um pequeno território.

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Estudos Socioculturais

Dessa forma, passou a ser um importante crítico do evolucionismo e do funcionalismo por causa do excesso de uso do Método Comparativo para dedução de indícios culturais. Por isso, alertava para o fato de que fenômenos iguais podem ter causas e sentidos diferentes: “cada máscara é única,” sua célebre frase.

Depois que Franz Boas convidou os antropólogos americanos formados em sua Escola Culturalista a observar cada fenômeno como resultante de acontecimentos históricos, estes estudiosos passaram a “elaborar conceitos definidos para o estudo dos fatos da difusão cultural, sem deixarem, no entanto, de continuar a acumular uma massa impressionante de dados” (MERCIER, 2000, p. 56).

Como as escolas anteriores, evolucionista e funcionalista, Boas valoriza, na Antropologia Cultural, o seu modo característico de olhar o microssociológico. Para ele, tudo deve ser anotado com descrição minuciosa e devem ser colhidas todas as versões. Cada cultura é uma unidade autônoma e um costume só tem significado frente ao contexto no qual se insere.

No entanto, é na Escola do Estruturalismo de Claude Lévi-Strauss que podemos clarear melhor os métodos e técnicas para uma adequada aproximação científico-cultural. Claude Lévi-Strauss (1908-2009), com sua mulher, Dina Dreifruss, deixou marcas profundas na fundação da disciplina de Antropologia Cultural no Brasil enquanto participante do grupo de docentes franceses criador da USP (Universidade de São Paulo) (GONÇALVES, 2016b, p. 51). Sua escola traz a visão da busca das regras estruturantes das culturas presentes na mente humana, sintetizando muitas contribuições de escolas anteriores, visando a dar autonomia à nossa ciência da Antropologia Cultural.

Quadro 1.4 - Escola Estruturalista

Escola/Paradigma Escola do Estruturalismo

Período Século XX -  anos 40

Características Busca das regras estruturantes das culturas presentes na mente humana. Teoria do parentesco/Lógica do mito/Classificação primitiva. Distinção natureza x cultura. 

Temas e Conceitos Princípios de organização da mente humana: pares de oposição e códigos binários. Reciprocidade.

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Capítulo 2

Alguns representantes  e obras de referência 

Claude Lévi-Strauss: “As estruturas elementares do parentesco” - 1949.  “Tristes Trópicos”- 1955. “Antropologia estrutural” – 1958.  “Pensamento selvagem” - 1962.  “O cru e o cozido” – 1964. “O homem nu” – 1971 - Saudades do Brasil. “Antropologia estrutural dois” – 1973.  Lévi-Bruhl, Marcel Griaule, Dieux d’Eau, Germaine Dieterlen e Le Renard Pâle.

Fonte: Silva, 2016.

Alguns a consideram uma “super teoria”, mas também sofreu críticas e questionamentos principalmente em relação à utilização dos modelos, pois ao observar as relações sociais se utiliza de modelos que podem explicar todos os fatos observados. Por isso, o estruturalismo pode ser considerado tanto como uma linha de análise antropológica quanto um método de análise. Marconi (1992, p. 277) cita esses pontos importantes do estruturalismo:

1. Visão sincrônica e sistêmica da cultura.

2. Visão globalizante do fenômeno cultural (o conhecimento do todo leva à compreensão das partes).

3. Adoção das noções de estrutura social e relações sociais.

4. Utilização de modelos na análise cultural.

5. Unidade de análise: estruturas mentais inconscientes.

6. Compreensão ampla da realidade cultural.

Laplantine (2005, p. 25) resume a visão de Lévi-strauss sobre o Método antropológico-cultural. São três etapas:

1. ETNOGRAFIA: É a coleta direta, e o mais minuciosa possível, dos fenômenos que observamos, por uma impregnação duradoura e contínua e um processo que se realiza por aproximações sucessivas. Esses fenômenos podem ser recolhidos tomando-se notas, mas também por gravação sonora, fotográfica ou cinematográfica.

2. ETNOLOGIA: Consiste no primeiro nível de abstração: através da analise dos materiais colhidos, fazer aparecer a lógica específica da sociedade que se estuda.

3. ANTROPOLOGIA: Consiste num segundo nível de abstração: construir modelos que permitam comparar as sociedades entre si. (LÉVI-STRAUSS apud LAPLANTINE 2005, p. 25).

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Estudos Socioculturais

Você pode aprofundar também sobre os métodos e técnicas aplicáveis em sua área de conhecimento profissional, porque são frutos da interdisciplinaridade. A técnica de pesquisa trata-se, sinteticamente, de um modo de conseguir os dados sem nenhuma intermediação de outros registros, sejam eles os dos historiadores, viajantes, missionários, médicos, assistentes sociais ou funcionários do governo que estiveram antes na região ou grupo em pesquisa. Nenhuma técnica dispensa a da Observação Participante pelo profissional responsável. Observe, no quadro que segue, algumas técnicas de vários métodos de ciências afins do estudo sobre o humano e com as quais podemos interagir:

Quadro 1.5 - Métodos e Técnicas com interface para a ciência da Antropologia Cultural

Método Histórico: procura investigar acontecimentos passados, a fim de compreender aspectos ou modos de vida do presente. Para isso, usa coleta de documentos materiais e imateriais;

Método Monográfico ou Estudo de Caso: desenvolve estudo aprofundado de determinado caso ou grupo humano em todos os seus aspectos;

Método Funcionalista: desenvolve o estudo das culturas a partir de sua funcionalidade dentro de um universo cultural mais amplo.

Técnica Estatística: os dados coletados são transformados em termos quantitativos e dispostos em tabelas, quadros e gráficos para uma análise posterior;

Técnica da Genealogia: desenvolve o estudo do parentesco e de suas implicações sociais.

Técnica da observação: sistemática e participante.

Técnica da entrevista: dirigida e livre. Fonte: Adaptação do Autor, 2016.

A Antropologia Cultural, nesse sentido, vem diversificando seus temas de abordagem e se aproximando cada vez mais da Linguística, da Psicologia, da História, da Sociologia como vimos mencionando até aqui. A análise antropológico-cultural nessas etapas tripartites propostas por Lévi-Strauss deve levar em consideração os dados históricos, os fatos econômicos, os conflitos políticos e o todo que constitui esse complexo fenômeno do cultural no humano. Por isso, nossa análise não pode se desprender do diálogo científico interdisciplinar.

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Capítulo 2

Desafios para a saúde cultural planetária e brasileira

Nossos estudos sobre identidade e culturas propõem como essencial, para o bem viver humano individual e planetário, um adequado tratamento da relação com o cultural para que o ánthropos aconteça em cada pessoa de forma consciente e lhe garanta reprodução e qualidade de vida sustentável. E o desafio maior está indicado e mapeado na própria filologia do sentido de cultural. Você lembra que a palavra cultura está ligada ao particípio futuro latino do verbo colere (cultivar), ou seja, culturus = o que vai ser trabalhado e cultivado. É, pois, um termo que une passado e presente. Cultura supõe, sobretudo, uma consciência grupal operosa e operante que desentranha da vida presente os planos para o futuro = dimensão de projeto (jectus = jogado, arremessado; pro = para frente).

O sonho de convivência adequado entre diferentes culturas é constatável há milênios. Exemplo claro está no histórico diciodeontológico de leis e mandamentos nas culturas conhecidas no Oriente e Ocidente. Eles aparecem como respostas teimosas de esperança na organização do material caótico deixado por situações crônicas de histórico de guerras e de invasões, apontando para o convívio impossível com o diferente cultural. A mais recente carta de esperança vai completar 70 anos. É a resposta às tragédias de crueldade indescritível imposta a milhões de vítimas nas duas guerras mundiais do século XX: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.

Os autores aprofundam essa difícil implantação e vivência ética dos Direitos Humanos e da natureza. Aqui o nosso foco são os direitos culturais e socioambientais. Tudo o que vimos refletindo já mostra a complexidade, a escassez de pesquisa e a urgência de dedicação ao estudo, em vista de saudáveis relações entre culturas diferentes vistas como riqueza e não como ameaças. O sonho da realização dos direitos culturais já está definido no Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948:

“1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.”

A implementação do Artigo 27 dá um primeiro passo no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), tratado multilateral que só foi adotado pela ONU em 16 de dezembro de 1966, e em vigor dez anos depois, em 3 de janeiro de 1976. A obediência à regulamentação do Artigo 27 passa ainda por um lento mas insistente processo de concretização do sonho na Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais (MONDIACULT),

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Estudos Socioculturais

no México, em 1982; isso se fortalece na Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento no documento Nossa Diversidade Criadora, 1995, e na Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento em Estocolmo, 1998.

Todos os esforços levaram à Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural de setembro de 2001, em Durban, na África do Sul. Na Assembleia Geral da ONU de 20 de dezembro de 2002, a Res. 57/249 Cultura e desenvolvimento declara 21 de maio como o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e Desenvolvimento. Tamanho passo foi ofuscado pelos acontecimentos do 11 de setembro no World Trade Center (nos EUA).

O primeiro resultado foi o acolhimento dos avanços da ciência da Antropologia Cultural sobre o conceito de cultura:

A cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. (UNESCO, preâmbulo, 2001, Cf. outros aspectos no próprio documento).

O passo mais urgente da humanidade em relação à riqueza da diversidade cultural, no entanto, ocorre em 13 de setembro de 2007. É a Declaração Universal do Direito dos Povos Indígenas. A Declaração com 46 artigos visa a proteger mais de 370 milhões de pessoas que integram essas comunidades, as mais vulnerabilizadas e marginalizadas no planeta.

É um marco histórico para o movimento indígena após 20 anos de pressão nos corredores das Nações Unidas. Os quatro votos contrários foram dos Estados Unidos, Canadá, Rússia e Nova Zelândia. Nesses países, porém, as populações nativas como os inuit (esquimós), maoris e aborígenes mantêm movimentos organizados de resistência política e cultural. A declaração estabelece os padrões mínimos de respeito aos direitos dos povos indígenas do mundo. Os Estados devem assegurar o reconhecimento e a proteção jurídica das terras, territórios e recursos. Também, não podem proceder a nenhum traslado “sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados, sem nenhum acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa”.

A Declaração garante ainda outros direitos humanos fundamentais, como o respeito às diferenças culturais e às tradições; manutenção e fortalecimento de suas próprias instituições políticas de decisão. Ela busca eliminar a discriminação, a exclusão e o preconceito de que os indígenas são vítimas, como consequência do processo de colonização que sofreram durante séculos.

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Capítulo 2

A parlamentar do Peru, do povo quechua Juana Huancahuari diz: “O que se aprovou é um marco internacional sobre os direitos inalienáveis e indestrutíveis dos povos indígenas que todos os Estados estão moralmente obrigados a cumprir.” Reconhece ainda os direitos individuais, e coletivos relativos à educação, à saúde e ao emprego. Assegura a melhoria contínua das condições econômicas e sociais dos anciãos, mulheres e crianças, e destaca a importância da educação bilíngue.

Já estudamos como a diversidade é um constitutivo do universo, da biodiversidade e do humano. Educar-se a um perfil pessoal, profissional e coletivo de cidadão pluralista, significa acrescentar à pluralidade nossa aceitação consciente e procurada, como vimos acima.

Nesse contexto de obediência ao Artigo 27 da Declaração de 1948, a caminhada brasileira registra significativa atuação proativa na Constituição Cidadã de 1988. Ela antecipa aquele conceito de culturas, da futura declaração de 2001, lembrada acima. Assim, os constituintes dão uma guinada hermenêutica, interpretativa, por exemplo, sobre o conceito de patrimônio: antes reduzido a histórico, passa agora a ser entendido como patrimônio cultural.

De fato, até então, as leis utilizavam o conceito de cultura redutivo a patrimônio histórico. Agora, os artigos 215 e 2016 adotam, de vez, o conceito dos antropólogos sobre cultura como o conjunto complexo de saberes e fazeres de um povo, ou seja, seu patrimônio cultural incluindo os de ordem histórica. Esses artigos embasam as posteriores e revolucionárias Leis de Incentivo à Cultura. É possível valorizar, desde então, tanto os bens de natureza material como imaterial, tombados individualmente ou em conjunto. Consagra-se o fato de que esses bens são portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Vejamos:

Art. 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:

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Estudos Socioculturais

I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional.

Após clarear esse horizonte humano pluralista, os constituintes incluem, minuciosamente, como numa jurídica antropológico-cultural, a lista das produções do patrimônio histórico de ordem material. Passa-se, pois, à ampliação de olhar para outras memórias imateriais, igualmente simbólicas, pois são constitutivas fundamentais do cultural do ánthropos. Essas memórias patrimoniais são responsáveis pela autoestima e fortalecimento das identidades das culturas dos povos constitutivos da nação brasileira. Vejamos:

Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - As formas de expressão; II - Os modos de criar, fazer e viver; III - As criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - As obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

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Capítulo 2

O último parágrafo revoluciona ainda mais, quando os constituintes mostram a real importância do cultural para a saúde integral do ánthropos. Passam a exigir fomento e financiamento, garantindo novos nichos de mercado para os bens culturais.

§ 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.

Quanto aos Povos Originários, cf. os artigos 230 e 231, da Constituição Cidadã de 1988, também antecipam a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas de 2007.

Nesse sentido, nosso último tópico aprofunda ainda as relações do cultural do ánthropos e as possibilidades que as novas tecnologias de comunicação oferecem para acolher, editar e divulgar as riquezas das culturas deste Brasil de muitos brasis, como dizia Darcy Ribeiro.

Pode-se concluir redizendo que o conceito de cultura ligado a projeto de futuro pode significar mais saúde holística em nosso ethos pessoal e cultural, porque harmoniza-nos unindo o cultus e o colo. A memória do passado (cultus), que não é neutra porque é testemunha de construção, de tomada de consciência e de luta por sonhos, tem a força simbólica no imaginário cultural. Força simbólica, isto é, de sin + bolein = aquilo que une, oposto à força diabólica, ou seja, diá + bolein = aquilo que divide. Os símbolos carregam memórias capazes de alienar ou transformar. Por isso, o filósofo Agostinho dizia que “a memória é o ventre da alma”, da força que move o ethos humano cidadão na direção dos sonhos, das utopias factíveis já iniciadas (no cultus) e ainda em execução (no colo). Viver o ethos cultural implica crescer numa consciência grupal operosa e criativa que desentranha da vida presente as riquezas da diversidade cultural por uma sociedade pluralista sustentável (culturus).

Abraçando a alma do ánthropos, pode-se tornar uma pessoa e profissional pluralista. Conscientes da limitação, mas indomáveis na luta como disse aos 94 anos o velho sábio Edgar Morin, passando em terras brasileiras: “Podemos não chegar ao melhor dos mundos, mas a um mundo melhor.” (MORIN, DC, 13/08/2011). E pode-se acrescentar: mais justo, igualitário e alegre.

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Capítulo 3

Sociedade: teorias clássicas e contemporâneas Tade-Ane de Amorim

Concepções de sociedade: autores clássicos

O que nos mantém juntos? Por quais motivos nós, homens e mulheres, vivemos em sociedade? A palavra sociedade deriva do latim societas e significa “associação amistosa com outros”. Assim, uma definição mais geral de sociedade pode ser um conjunto de interações humanas padronizadas culturalmente. Dessa forma, pode-se pensar em sociedade como valores, cultura, sistema de símbolos.

A sociedade não é apenas um conjunto de indivíduos que vivem juntos em determinado local. Designa, também, o pertencimento a uma dada organização social compartilhada entre seus membros, com a presença de instituições e leis que regem a vida de cada indivíduo e da coletividade. A sociedade é objeto de estudo de diferentes áreas das ciências sociais, como Sociologia, História, Geografia e Antropologia. Também é amplamente estudada pela Filosofia.

O sociólogo Norbert Elias (1994, p.13) apresenta-nos uma questão bastante interessante:

Que tipo de formação é esse, esta “sociedade” que compomos em conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos? Ela só existe porque existe um grande número de pessoas, só continua a funcionar porque muitas pessoas, isoladamente, querem e fazem certas coisas, e no entanto sua estrutura e suas grandes transformações históricas independem, claramente, das intenções de qualquer pessoa em particular.

Essa é uma das questões que a Teoria Social vem buscando responder desde o início de sua trajetória. Mobilizaremos as teorias de sociólogos considerados os clássicos da Sociologia: Emile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, para discutirmos por que vivemos juntos!

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Capítulo 3

Emile Durkheim

Para Durkheim, a sociedade constituía-se como um reino social, com individualidade distinta dos reinos animal e vegetal. Dessa forma, a sociedade não é apenas a soma dos indivíduos que a compõem; ela é uma síntese que se encontra em cada elemento que compõe os diferentes aspectos da vida.

Durkheim definiu sociedade como um complexo integrado de fatos sociais, que são as maneiras de agir, pensar e sentir, como práticas coletivas de um grupo, e que exercem coerção sobre os indivíduos. Além disso, os fatos sociais dizem respeito ao caráter objetivo da sociedade, isto é, são independentes dos indivíduos.

Durkheim esforçou-se muito para afirmar a exterioridade dos fatos sociais, isto é, para separá-los de razões pessoais ou de impulsos da consciência individual. Segundo ele:

Fato social é toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter. (DURKHEIM,1978, p. 13).

Assim, para o autor a sociedade seria resultado da ligação existente entre as partes e o todo, sendo que o todo predomina sobre as partes. Nesse sentido, o fundamento da vida social estaria na sociedade e não no indivíduo. As estruturas sociais, uma vez que foram criadas pelo homem, passariam a funcionar independentes dele. E mais: passariam a condicionar suas ações.

O predomínio da sociedade sobre a ação individual é o que mais se destaca no entendimento de sociedade de Durkheim. Para o autor, homens e mulheres não agem como desejam agir, mas são condicionados pela sociedade, que exerce um poder coercitivo sobre as ações individuais.

Dessa forma, o modo como o indivíduo age é sempre condicionado pela sociedade, pois o agir individual origina-se no exterior, ou seja, na sociedade. Ele é imposto pela sociedade ao indivíduo, por isso é coercitivo, tem existência própria e independente da existência do indivíduo, que age como a sociedade gostaria que ele agisse.

Durkheim chamou esse processo de coerção social, isto é, a sociedade dita regras e os indivíduos as seguem, e na maior parte das vezes sem nem perceber que estão seguindo regras impostas.

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Pense, por exemplo, que, antes de dormir, você “naturalmente” vai escovar os dentes. Esse ato de escovar os dentes não é “natural” e, sim, imposto como uma regra que deve ser seguida por todos. Mas, como não pensamos se devemos ou não escovar os dentes ao irmos dormir, já interiorizamos essa regra, de tal modo que ela não parece mais uma coerção social. E é exatamente no momento no qual não a sentimos mais como impositiva que a regra obtém o sucesso.

De acordo com Durkheim, os fatos sociais têm objetividade porque eles têm existência independente dos indivíduos. A sociedade, nesse sentido, é mais do que a soma dos indivíduos, sendo uma espécie de síntese que não se encontra em nenhum dos elementos que compõem os diferentes aspectos da vida.

Uma vez constituído um fenômeno, ele tem uma forma que cada elemento individual não possui. A sociedade, nesse sentido, é mais do que a soma das partes. Por isso, os fenômenos, uma vez combinados e fundidos, fazem nascer algo completamente novo, o qual não está mais nas motivações individuais e nem é o resultado das partes colocadas mecanicamente uma ao lado da outra.

A interação entre os indivíduos possui uma força peculiar capaz de gerar novas realidades. Durkheim mostra que a mentalidade do grupo não é a mesma coisa que a mentalidade individual; que o estado de consciência coletiva não é a mesma coisa que o estado de consciência individual e que um pensamento encontrado em todas as consciências particulares ou um movimento repetido por todos, não é, em si, um fato social.

Para ter um caráter social, é necessário que sua origem esteja na coletividade e não nos membros da sociedade. A exterioridade do fato social é dada pela possibilidade de entendê-lo como objeto de observação, independentemente das ações dos indivíduos.

Os fatos sociais constituem-se a partir de causas externas que se processam nas interações grupais, na pluralidade de consciência e como obra coletiva, com ascendência sobre os indivíduos, e que, por isso, são externos a eles.

Como reconhecer se um fato é social ou não? Podemos reconhecê-lo pela coerção que ele exerce sobre os indivíduos. Para Durkheim, o organismo social precisa manter o estado saudável e identificar os fenômenos doentes, a fim de orientar sua cura. O caráter coercitivo nem sempre é percebido pelos indivíduos.

A presença desse poder é reconhecível pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer empreendimento individual que tenda a violentá-lo, ou pela difusão geral que se apresenta no interior do grupo.

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Capítulo 3

Em cada indivíduo só existe um fragmento da sociedade. Se olharmos os indivíduos isoladamente, nunca compreenderemos a sociedade. É o todo que tem precedência sobre as partes.

Na concepção de Durkheim, é a sociedade que pensa, deseja, sente, embora o faça sempre por meio dos indivíduos. Mas estes são resultados diretos do que é a sociedade.

Uma assembleia não é a soma dos indivíduos, mas é a produção de algo novo, nas palavras de Durkheim, algo “Sui Generis”. A realidade Sui Generis da sociedade pode ser chamada de representação coletiva de um fenômeno, ou seja, a forma como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia, por meio de suas lendas, mitos, concepções religiosas e suas crenças morais.

A partir das representações coletivas, encontramos as bases nas quais se originam os conceitos, que são traduzidos nas palavras do vocabulário de uma comunidade, de um grupo ou de uma nação. Note que, para Durkheim, os conceitos e categorias são sociais e não individuais; assim, as percepções do belo, do feio, do agradável não são inatas ao indivíduo, mas passadas pela sociedade.

Para o autor, até mesmo em um momento extremo, em que o indivíduo resolve acabar com sua própria vida, é a sociedade que se manifesta nesse desejo.

Geralmente, atribuímos o ato do suicídio a um problema estritamente de ordem individual. Contrariamente a essa ideia, e de forma bastante original, Durkheim apontou que o suicídio deve-se a fatores sociais.

Marx

Karl Marx viveu no século XIX, no período da consolidação do sistema capitalista, que imprimiu uma nova maneira de ser da sociedade. Suas formulações teóricas sobre a vida social, com destaque para as análises que fez da sociedade capitalista da sua época, causaram repercussões entre os intelectuais, a ponto de a Sociologia Ocidental Moderna preocupar-se basicamente em confirmar ou negar as questões levantadas por ele.

Ele cumpriu o papel de desvendar o sistema capitalista de forma ampla, analisando seus aspectos políticos, sociais e econômicos, com a utilização do método dialético. Isso é tão marcante que se pode afirmar que o conceito de realidade social de Marx é dialético.

Caracterizando o método, Marx (1982, p. 179) afirmava que “o movimento do pensamento é o reflexo do movimento real, transportado e transposto no cérebro do homem”. É o movimento da matéria, da realidade social e da vida do ser humano que é objetivamente dialético.

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Marx reencontrou a dialética na sua unidade, isto é, no conjunto de seu movimento. A realidade em estado de movimento, a realidade em processo, impulsionada pela superação de elementos contraditórios que a permeiam, é uma ideia básica no método dialético. Para ele, tudo parecia levar à própria contradição e, por consequência, à mudança, à transformação.

Para os historiadores, as teorias ou abstrações são representações que os homens fizeram para si mesmos na história. Nesse aspecto, elas são o resultado da história humana, estando ao mesmo tempo destinadas a descrevê-la e a permitir sua continuidade ou descontinuidade. Portanto, são contextualizadas e podem ser modificadas, porque toda história traz em si o germe da sua própria destruição.

A dinâmica das relações sociais, o movimento das mudanças e transformações constantes, e a dialética da realidade e do pensamento constituem a força motora da história. As circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias. Ao produzir seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material e social, processo que implica o surgimento de contradições. Nesse sentido, o sociólogo poderia compreender a sociedade capitalista e a direção na qual ela estaria transformando-se, graças as suas contradições internas.

Na verdade, Marx nunca tratou da produção em geral, mas referiu- se à produção num estágio de desenvolvimento social, como sendo a produção dos indivíduos que vivem em sociedade. A sociedade depende do estágio de desenvolvimento social, de suas forças produtivas e das relações sociais de produção, conforme citação que segue:

[...] os homens não são livres árbitros de suas forças produtivas, pois toda força produtiva é uma força adquirida, produto de uma atividade anterior. Portanto, as forças produtivas são os resultados da energia prática dos homens, [...] determinada pelas condições em que os homens se encontram colocados, pelas forças produtivas já adquiridas [...]. (MARX apud QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA, 2001, p. 71).

A maneira pela qual os homens produzem seus meios de existência depende da natureza dos meios de existência já conhecidos e que precisam ser reproduzidos ou substituídos. A compreensão dos processos históricos não pode ser feita sem referência à maneira como os homens produzem sua sobrevivência material. Por isso, o conceito de trabalho é fundamental para o entendimento, pois é nesse processo que se estabelece a interação com a natureza e é por meio do trabalho que o homem a transforma.

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Capítulo 3

Na concepção marxista, o homem trabalhando é considerado como força de trabalho, significando a energia despendida no processo de trabalho, por meio do qual chega ao produto. E é o trabalho que atribui ao produto um valor determinado.

Weber e a sociedade

Diferentemente de Marx e Durkheim, Weber apontou que, para compreendermos a sociedade, precisamos centrar a análise no sujeito, pois é a partir da ação individual que se dará a constituição da sociedade.

Weber não apresentou uma teoria geral sobre a sociedade, estando mais preocupado em discutir situações sociais concretas. Desse modo, esse pensador partiu da ideia de que o indivíduo é o elemento primordial para compreender a realidade social. E essa análise passava pelo comportamento dos indivíduos, já que tudo que existe na sociedade é resultado da vontade e da ação dos indivíduos. É em suas condutas individuais que o agente associa um sentido orientado pelo comportamento dos outros. Leia as palavras do próprio autor:

Falaremos de ação na medida em que o indivíduo atuante atribua um significado subjetivo ao seu comportamento– seja ele claro ou disfarçado, omissão ou aquiescência. A ação é “social” na medida em que o seu significado subjetivo leva em conta o comportamento dos outros e é por ele orientado em seu curso. (WEBER, 1994, p. 4). A ação social está, deste modo, profundamente ligada ao conceito de relação social. A expressão ‘ação social’ será usada para indicar o comportamento de uma pluralidade de atores na medida em que, em seu conteúdo significativo, a ação de cada um deles leva em conta a ação de outros, e é orientada nesses termos. (IDEM, p. 26).

Weber deu ênfase à relação na qual a atribuição de sentido é uma ação necessária e até mesmo fundadora do intercâmbio social. É por isso que ele firmava ser a Sociologia uma ciência voltada para a compreensão interpretativa da ação social e para a explicação causal no seu transcurso e nos seus efeitos.

É o sentido que os homens estabelecem em suas ações que, segundo Weber, fundamenta a ordem social. Assim, o homem passa a ter, na teoria de Weber, como indivíduo, um significado e uma especificidade que não encontramos no positivismo. Não existe nesse autor a mesma oposição presente em Durkheim entre sociedade e indivíduo. Em Weber, as normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam nos indivíduos sob a forma de uma motivação.

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Cada indivíduo é levado a agir por um motivo que é dado pela tradição, por interesses racionais ou pela emotividade.

Weber deixou dito que, por mais individual que seja a ação, o fato de o indivíduo agir segundo a expectativa do outro faz com que a sua ação tenha um caráter coletivo e social. É o que ele denominou ação social.

Quando esse sentido da ação social é compartilhado, temos a relação social. Isso é diferente da ação individual e, para que se estabeleça uma relação social, é preciso que haja um sentido compartilhado.

A ação social é a conduta do agente que está orientada pela conduta do outro, pela expectativa que você possui sobre o que o outro espera que você faça. Na relação social, a conduta de cada qual entre múltiplos agentes envolvidos orienta-se por um conteúdo de sentido reciprocamente compartilhado.

Ainda é preciso considerar que essa relação orienta-se pelas ações dos outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas como futuras (vingança por ataques anteriores, réplica a ataques presentes, medidas de defesa diante de ataques futuros). Porém, nem toda espécie de ação, incluindo a ação externa, é social. A conduta humana é ação social somente quando ela está orientada pelas ações dos outros. Por exemplo: um choque de dois ciclistas é um simples evento como um fenômeno natural. Por outro lado, haveria ação social na tentativa dos ciclistas se desviarem, ou na briga, ou, ainda, considerações amistosas subsequentes ao choque.

Pensamento contemporâneo

Discutimos três diferentes perspectivas da análise da relação entre indivíduo e sociedade. Emile Durkheim apontou para a coerção que a sociedade exerce sobre os indivíduos. Para Karl Marx, a discussão maior se colocou sobre a inserção dos indivíduos em suas classes sociais. E Max Weber discutiu as ações individuais como constituintes da sociedade. Mesmo olhando a sociedade e os indivíduos por diferentes perspectivas, todos os autores clássicos da sociologia procuraram explicar como se dá a constituição da sociedade.

Contemporaneamente, vários outros sociólogos vêm discutindo essa interessante relação entre indivíduos e sociedade. A ênfase mais contemporânea é tentar superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade, ou seja, mostrar que não são as ações individuais que determinam a sociedade e nem a sociedade que determina a ação social, mas que há uma relação entre sociedade e indivíduo, que nessa relação há uma constante transformação tanto da sociedade como dos indivíduos. Dessa forma, os indivíduos modificam a sociedade ao mesmo tempo em que são modificados por ela.

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Um dos sociólogos que discute essa relação é o francês Pierre Bourdieu (1983), que desenvolveu o conceito de habitus. Segundo esse autor, habitus significa:

[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]. (BOURDIEU, 1983, p. 65).

A questão central de Bourdieu (1983) é mostrar a articulação entre como os indivíduos vivem e suas condições de existência e percepções dentro e fora de grupos sociais. Assim, o conceito de habitus relaciona-se com as práticas cotidianas, com as formas de organização social dos indivíduos sua vida concreta como indivíduo e suas condições predeterminadas pela sociedade, como sua condição de classe. Assim, ele explica que as condições objetivas e pré-determinadas pela sociedade fundem-se com as condições subjetivas. A superação da oposição entre indivíduo e sociedade na obra de Bourdieu (1983) é, assim, proporcionada por meio do conceito de habitus:

[...] o todo social não se opõe ao indivíduo. Ele está presente em cada um de nós, sob a forma do habitus, que se implanta e se impõe a cada um de nós através da educação, da linguagem... Tudo o que somos é produto de incorporação da totalidade. (BOURDIEU, 2002, p. 33).

O conceito de habitus concilia o que outros sociólogos colocaram como oposição: a relação ente realidade exterior e as realidades individuais. O sociólogo explica que habitus é um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes). Tais disposições e experiências são adquiridas pelas experiências práticas, em condições sociais que são definidas pela existência. O habitus é estruturado pelas instituições que atuam na socialização do ator social (a família, a escola, são exemplos de instituições sociais).

Outro sociólogo que fez significativas contribuições para a discussão sobre o estudo das sociedades foi o inglês Anthony Giddens. O autor desenvolveu a teoria da estruturação, procurando resolver a dicotomia entre indivíduo e sociedade. (GIDDENS, 1989).

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Estudos Socioculturais

Como já foi discutido anteriormente, alguns autores destacam a importância dos atores e do sentido ao qual tais atores atribuem as suas ações. Por outro lado, há autores que mostram que a estrutura social sobrepõe-se ao indivíduo. Giddens (1989) procurou superar as teorias deterministas, as quais reduzem a ação individual à coerção da sociedade, sendo essa considerada autônoma e coercitiva. Dessa forma, o autor levou a um entendimento de reprodução social como mecânica, entendendo o ator como totalmente livre dos condicionantes sociais. Giddens (1989), portanto, entendeu que tal antagonismo pode ser superado com a proposta teórica que articula estrutura e ação. Nas palavras do autor:

Cada investigação realizada nas ciências sociais ou na história está envolvida em relacionar a ação à estrutura, em traçar, explicitamente ou não, a conjunção ou as disjunções de consequências premeditadas ou impremeditadas da atividade, e em verificar como elas afetam o destino de indivíduos. Nenhum malabarismo com conceitos abstratos poderá substituir o estudo direto de tais problemas nos contextos reais de interação. Pois as permutas de influências são intermináveis, e não há um (único) sentido em que a estrutura ‘determine’ a ação ou vice -versa. A natureza das coerções a que os indivíduos estão sujeitos, os usos que eles dão às capacidades que possuem e as formas de cognoscitividade que revelam são todos eles manifestamente variáveis do ponto de vista histórico. (GIDDENS, 1989, p. 178-179).

Na Teoria da Estruturação, proposta por Giddens em seu livro “A Constituição da Sociedade” (publicado originalmente no ano de 1986), ele procurou mostrar que a relação entre indivíduo e sociedade é dinâmica. Para o autor, a sociedade (estrutura) e o indivíduo (ator social) estão em constante processo de mudança mútua. Entende-se estrutura como um coletivo de regras e recursos que se constituem na reprodução social. “As estruturas são conjuntos de regras que ajudam a constituir e regular as atividades, definindo-as como de uma certa espécie e sujeitas a uma determinada gama de sanções”. (GIDDENS, 1989, p. 102).

É importante destacar que, para o autor, as regras que regulam as atividades não podem ser assumidas como apenas restritivas ou coercitivas. “A estrutura não deve ser equiparada à restrição, à coerção, mas é sempre, simultaneamente, restritiva e facilitadora”. (GIDDENS, 1989, p. 30). Nessa concepção, não há indivíduos independentes da estrutura social, bem como não existe estrutura dada, prévia à ação dos indivíduos. Assim, para entendermos os processos sociais, temos de compreender a ação individual e a relação de tal ação com as estruturas sociais. As estruturas são significadas por meio da ação individual e a ação efetiva-se estruturalmente.

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Capítulo 3

As teorias de Bourdieu e de Giddens foram desenvolvidas no intuito de superar a oposição entre objetivismo e subjetivismo, ou ação e estrutura. E ambas analisam a ação social como um processo em constante mudança, em que há o peso da sociedade, mas há também capacidade de os indivíduos constituírem sua história. Para Pierre Bourdieu as estruturas objetivas são determinantes na organização do mundo social e, consequentemente, nas práticas do ator social. Já para Giddens, o ator social age no mundo a partir das suas representações e está constantemente alterando suas práticas, a partir de informações renovadas, o que ele chama de reflexividade da vida social. É importante destacar que os dois autores apresentam aproximações e distanciamentos.

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Capítulo 4

Práticas culturais e processos midiáticos Elvis Dieni Bardini

As tecnologias de informação e comunicação no século XXI: a sociedade em rede

A Globalização e o advento da sociedade em rede

A globalização contemporânea consiste em um fenômeno impulsionado pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação que intensificaram a velocidade e o alcance da interação entre as pessoas ao redor do mundo. (GIDDENS, 2005).

Com os avanços das tecnologias de informação e comunicação, houve uma profunda transformação na abrangência e na intensidade dos fluxos de comunicação. Nunca foi produzida e nem veiculada tanta informação. A capacidade de armazenamento de informação em pequenos suportes é uma realidade, assim como processadores mais poderosos funcionando em dispositivos móveis. A tecnologia a cabo tornou-se mais eficiente e menos dispendiosa, e o desenvolvimento de cabos de fibra ótica tem expandido o número de canais transmitidos.

A comunicação por satélite também foi importante para a disseminação das comunicações internacionais. Hoje, há uma rede de mais de 200 satélites instalados para facilitar a transferência de informação em todo o mundo. A globalização tem reflexos na nossa vida cotidiana, mesmo que às vezes nem nos demos conta. A internet surgiu como o instrumento de comunicação que teve o maior crescimento em todos os tempos. Duas pessoas situadas em lados opostos do planeta, além de conversarem em tempo real, podem enviar documentos, fotos, imagens, tudo com a ajuda do satélite. Cada vez mais, pessoas estão conectando-se por meio dessas tecnologias, mesmo em lugares que antes eram isolados.

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Capítulo 4

A economia global não é mais predominantemente agrícola ou industrial, mas, cada vez mais, ganha força a atividade virtual. Essa economia é a única que tem a sua base na informação, como é o caso dos softwares de computador.

Esse novo contexto da economia tem sido descrito como sociedade pós-industrial, era da informação, economia da informação, revolução da microeletrônica e da informática. Algo que está relacionado a uma base crescente de consumidores, tecnologicamente aptos e que integram, em seus cotidianos, os novos avanços da computação, entretenimento e telecomunicações.

Para serem mais competitivos nas condições globalizantes, os negócios e as corporações reestruturam-se a fim de ganharem flexibilidade, fazem parcerias, e a participação nas redes de distribuição globais tornou-se essencial para se fazer negócios em um mercado em constante mudança.

No plano do fluxo de informações, os indivíduos estão agora mais conscientes de sua conectividade com os outros e mais propensos a se identificarem com questões e processos globais do que no passado. Como membros de uma comunidade global, as pessoas percebem cada vez mais que a responsabilidade social não para nas fronteiras nacionais, mas se estende além delas. Os desastres e as injustiças que as pessoas enfrentam do outro lado do globo não são somente infortúnios que devem ser suportados, mas motivo para ação e intervenção. (GIDDENS, 2005). Enquanto no passado os instrumentos da integração foram a caravela, o barco à vela, o barco a vapor e o trem, seguidos do telégrafo e do telefone, a globalização recente faz-se pelos satélites e pelos computadores ligados à internet.

Segundo Giddens (2005), duas das mais influentes forças das recentes sociedades modernas, a tecnologia da informação e os movimentos sociais, uniram-se produzindo resultados surpreendentes. Os movimentos sociais espalhados pelo globo conseguem unir-se em imensas redes regionais e internacionais que abrangem organizações não governamentais, grupos religiosos e humanitários, associações que lutam pelos direitos humanos, defensores dos direitos de proteção ao consumidor, ativistas ambientais e outros que agem em defesa do interesse público.

Essas redes eletrônicas de contatos agora têm uma capacidade, nunca vista, de reagir imediatamente aos acontecimentos, de acessar e compartilhar fontes de informação, além de pressionar corporações, governos e organismos internacionais.

A internet esteve na vanguarda dessas mudanças, embora os telefones celulares, o fax e a transmissão via satélite também tenham apressado sua evolução. Ao aperto de um botão, histórias locais são disseminadas internacionalmente, recursos são compartilhados, experiências são trocadas e as ações são coordenadas em conjunto.

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Estudos Socioculturais

A habilidade de coordenar campanhas políticas internacionais é a mais inquietante para os governos e a mais estimulante para aqueles que participam dos movimentos sociais. Os movimentos sociais internacionais apresentaram um crescimento constante com a difusão da internet, por meio dos protestos a favor do cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, das campanhas pela proibição das minas terrestres explosivas, confirmando a capacidade de unir defensores além das fronteiras nacionais e culturais.

Para alguns observadores, a era da informação está produzindo uma migração do poder dos Estados-nações às novas alianças e coalizões não governamentais. Existem os movimentos on-line que visam à difusão de informações sobre corporações, políticas de governos ou efeitos de acordos internacionais, para públicos que poderiam não estar a par desses assuntos.

Alguns governos, mesmo democráticos, consideram as guerras em rede uma ameaça assustadora. Um relatório do exército norte-americano afirma que: uma nova geração de revolucionários, radicais e ativistas está começando a gerar ideologias da era da informação nas quais as identidades e as lealdades do Estado-nação podem ser transferidas para o nível transnacional da sociedade global. (CASTELLS, 2055).

Mídia e comunicações de massa: jornais, televisão e internet

A expressão “meios de comunicação de massa” é ampla e refere-se à imprensa escrita, à televisão, ao rádio, às revistas, ao cinema, à publicidade, aos videogames e aos cds. As palavras “mídia” e “meios” podem ser usadas como sinônimo, e ambas se referem ao processo de transmissão de comunicação para uma pessoa ou grupo de pessoas, que não é feito diretamente, ou face a face, mas necessita de tecnologia para mediar na transmissão de mensagens. A palavra “massa” significa que o meio atinge muita gente.

Jornais

De acordo com Bryn (2006), o primeiro sistema de escrita surgiu no Egito e na Mesopotâmia há cerca de 5500 anos. Os jornais no formato moderno começaram a circular no século XVIII, e, no século XIX, a imprensa tornou-se de massa, com uma tiragem diária lida por milhares de pessoas.

Os jornais representaram um avanço para a mídia moderna, pois um só veículo conseguia concentrar assuntos da atualidade, entretenimento e bens de consumo, somando-se a isso a facilidade de reprodução.

Foi nos Estados Unidos que a população viu surgir o primeiro jornal impresso com preços acessíveis à boa parte de seus moradores.

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Isso aconteceu no ano de 1830. O diário de “um centavo” foi originado em Nova York e rapidamente copiado em outras grandes cidades. No Brasil, foi somente com a chegada da família real, em 1808, que foi criada a Imprensa Régia Brasileira, e o primeiro jornal a circular foi a Gazeta do Rio de Janeiro, um órgão oficial da imprensa portuguesa. (BRYN, 2006).

Durante mais de meio século, os jornais foram soberanos como principal forma de transmitir informação de maneira rápida e abrangente. A maior parte das mídias eletrônicas surgiu no século XX. O primeiro sinal de TV foi transmitido em 1925, quatorze anos depois foi criada a primeira rede de TV, nos Estados Unidos. A internet comercial é de 1991. Com o surgimento do rádio, do cinema, da televisão e da internet, os jornais diminuíram sua influência. (BRYN, 2006).

É possível que a comunicação eletrônica leve a uma diminuição na circulação de jornais impressos, pois as notícias estão agora disponíveis on-line e atualizadas constantemente, ou a “cada minuto”. A maior parte dos jornais de médio e grande porte tem suas versões eletrônicas, nas quais a maioria dos acessos são gratuitos, mas a quantidade de publicidade é elevada.

Televisão

Junto com a internet, a TV é o grande fenômeno dos meios de comunicação de massa nos últimos 50 anos. É possível que uma criança que nasça hoje passe mais tempo de sua vida, quando acordado, em frente à TV do que fazendo qualquer outra atividade. Praticamente todos os lares brasileiros têm TV e ficam ligados por mais de 5 horas diárias. O número de canais de televisão vem crescendo com os avanços na tecnologia de satélites e cabos.

Com o advento da globalização, a televisão vem sofrendo mudanças importantes, fazendo com que programas de TV atinjam um nível mais global. Lugares em que o sistema de programas de televisão e o número de aparelho de TV eram baixos, como a antiga União Soviética, partes da África e da Ásia, por exemplo, nos últimos anos expandiram sua capacidade de transmissão, sobretudo, importando programas de outras redes de televisão. É bastante conhecido do público o sucesso das novelas brasileiras em países da África, por exemplo.

Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas para tentar compreender os efeitos dos programas de televisão. Entre os tópicos mais pesquisados, está a forma de transmissão de notícias na TV. Como uma grande parte dos indivíduos não tem o hábito da leitura de jornais impressos, boa parte da informação sobre o que acontece no mundo é recebido por noticiários da TV. De acordo com Giddens (2005), as pesquisas mais conhecidas sobre o assunto são as desenvolvidas pelo Glasgow Media Group (Grupo de Mídia de Glasgow), da Universidade de Glasgow.

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O grupo publicou uma série de livros sobre a apresentação de notícias. O primeiro é baseado na análise de noticiários, dos três canais de TV do Reino Unido da época, entre os meses de janeiro e junho do ano de 1975.

Nas palavras de Giddens (2005, p. 372):

O objetivo era oferecer uma análise sistemática e imparcial dos conteúdos das notícias e do modo como elas eram apresentadas. [...] Bad News conclui que as notícias sobre as relações industriais foram sempre apresentadas de maneira seletiva e tendenciosa. Termos como ‘desordem’, ‘radical’ e ‘greve inútil’ sugeriram visões anti-sindicalistas. Os efeitos das greves, provocando transtornos para o público, foram bem mais relatados que as suas causas. As imagens utilizadas faziam muitas vezes com que as atividades dos manifestantes parecessem irracionais e agressivas. [...] O livro também chamou atenção para o fato de que aqueles que constroem as notícias agem como ‘porteiros’ do que entra na agenda – em outras palavras, tudo o que o público ouve.

Com um conteúdo tão controverso, esse livro foi motivo de intensos debates. Alguns pesquisadores acusaram o grupo da Universidade de Glasgow de estar sendo parcial; outra crítica afirmava que a pesquisa não era confiável, pois os cinco meses em que o grupo analisou os noticiários não foram representativos.

De qualquer forma, as pesquisas foram válidas no sentido de mostrar que as notícias jornalísticas não são apenas uma ‘descrição’ de um determinado fato, mas uma interpretação. E essa interpretação sobre a realidade é a que é mostrada ao público.

Internet

A internet é um novo fenômeno de mídia. Não se sabe exatamente o número de pessoas que a utilizam, mas há estimativas de que mais de 100 milhões de pessoas espalhadas no mundo inteiro podem acessá-la. Seu crescimento é de aproximadamente 200% em cada ano, desde 1985. O acesso à internet é extremamente desigual tanto em termos de países, como regiões dentro do Brasil.

De acordo com o mapa da inclusão da Internet World Usage, os Estados Unidos possuem mais de 280 milhões de usuários, por volta de 87% da população total, enquanto no Brasil, atualmente 58% da população é usuária da internet, o que significa pouco mais de 117 milhões de indivíduos com acesso à rede mundial de computadores. Há uma variação regional grande, com concentração de usuários, ou internautas, nas regiões urbanas do sudeste e sul do país.

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Capítulo 4

Figura 4.1 – Mapa da inclusão

BRAZIL

BR - 204,259,812 Population (2015) - Country Area: 8,544,418 sq km

Capital City: Brasilia - population 2,593,886 (2012)

117,653,652 Internet users as of Dec/14, 57.6% penetration, per IWS.

202,944,033 Mobile cellular subscribers as of Dec/10, 99.8% penetration, per ITU.

103,000,000 Facebook users on Nov 15/2015, 50.4% penetration rate.

UNITED STATES OF AMERICA

US - 321,368,864 Population (2015) - Area: 9,629,047 sq km

Capital City: Washington D.C. - population 603,860 (2012)

280,742,532 Internet users as of Nov.15, 2015, 87.4% penetration, per IWS.

192,000,000 Facebook subscribers on Nov 15/15, 59.7% penetration rate.

Fonte: Internetworldstats, 2016

A exclusão digital representa mais uma forma de exclusão, pois leva à desigualdade de oportunidades, já que o acesso a tecnologias de informação e comunicação foi a base para a sociedade do conhecimento.

Outra forma de desigualdade de acesso à internet no Brasil está relacionada à questão de cor. Os dados do IBGE apontam que, em 2003, a cor “branca” representava 53,74% da população brasileira, seguida de pardos – 38,45%, pretos – 6,21%, outras – 0,71%, amarela – 0,45% e indígena – 0,43%. Entre os que têm mais acesso à internet estão os amarelos, com 41,66%, seguidos dos brancos, com 15,14% de indivíduos conectados à rede; daí em diante estão os pardos, com 4,06%; pretos, com 3,97%; indígenas, com 3,72%; e outros, com 7,25%. Com esses dados, podemos verificar que, no Brasil, um branco tem 168% a mais de chances do que um não branco de ter acesso à internet.

As implicações sociais da internet

Nesse momento de mudanças tecnológicas tão surpreendentes, ninguém sabe ao certo o que o futuro reserva-nos. Alguns apontam os internautas como integrantes do “ciberespaço”, isto é, espaço de interação formado pela rede global de computadores que configura a internet.

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Por vezes, parece que, no ciberespaço, a mensagem é mais importante que as pessoas, pois, sem a identificação do usuário, não há como saber se nos comunicamos com mulheres, homens, ou em qual lugar do mundo essa pessoa está. Giddens (2006, p.382) fala de um famoso cartum, sobre a internet, no Reino Unido. O cartum traz um cachorro sentado na frente de um computador e a seguinte legenda: “O melhor da internet é que ninguém fica sabendo que você é um cachorro.”

Figura 4.2 - Cartum de Peter Steiner

Fonte: Webmanario, 2009.

A internet trouxe novos desafios de interpretação para os sociólogos. Há pesquisadores que a veem de forma entusiástica, apontando que no mundo on-line há mais possibilidades de relacionamentos, pois o meio eletrônico complementaria as interações face a face. Como não considerar o sucesso de sites de relacionamento como o Facebook, o qual muitas vezes possibilita o reencontro de colegas antigos, promove encontros e agrupa pessoas com os mesmos interesses?

Há também os teóricos, menos otimistas, os quais apontam que à medida que as pessoas dedicam mais tempo a comunicações on-line, elas estariam dedicando menos tempo a interações no mundo físico.

Outro problema da internet seria a diminuição do limite entre trabalho e vida doméstica, já que muitos trabalhadores continuam nas suas casas acessando e-mails ou concluindo atividades pendentes, reduzindo, assim, o tempo para contatos humanos. Quais dos grupos de teóricos estão com a razão?

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Possivelmente os dois e nenhum dos dois, ou seja, existem fundamentos de verdade nas duas análises, mas nenhuma delas sozinha é capaz de interpretar essa realidade. A internet não é boa nem ruim. Da mesma forma que ocorreu anteriormente com o advento da TV, a internet provoca temores e esperanças. Até o momento, temos indicadores que não seremos “tragados” do mundo real para o mundo virtual.

O ciberespaço

A história está repleta de exemplos de tecnologias que favoreceram a comunicação e a interação entre os humanos. As sociedades ocidentais desenvolveram-se e transformaram-se com base nessas tecnologias, produzindo novas formas de relacionamento social e, consequentemente, alterando desde a formação da subjetividade coletiva até a produção cultural e a vida cotidiana.

O alfabeto, inventado na Grécia por volta do século VI a.C., constitui “a base para o desenvolvimento da filosofia ocidental e da ciência como conhecemos hoje” (CASTELLS, 2005). Isso proporcionou a estrutura mental para a comunicação cumulativa baseada em conhecimento.

Na contemporaneidade, está em curso a integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa. O que se configura nas palavras de Castells (2005, p. 413) é “a formação de um hipertexto e uma metalinguagem, que pela primeira vez na história integra no mesmo sistema as modalidades escritas, oral, e audiovisual da comunicação humana”. Algo que se evidencia nas mudanças observadas no caráter da comunicação e na cultura.

Ainda, segundo o autor:

como a cultura é mediada e determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo (...) o surgimento de um novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo alcance global, integração de todos os meios de comunicação e interatividade potencial está mudando e mudará para sempre nossa cultura. (CASTELLS, 2005, p.414).

Mais do que nunca, o início do século XXI (como preconizado pela ficção científica, porém, com diferenças pontuais) apresenta uma série de fenômenos decorrentes das tecnologias de informação e seus impactos nas sociedades contemporâneas.

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Na atualidade, essas tecnologias, denominadas como TICs (tecnologias de informação e comunicação), promovem o que Giddens (2005, p. 62) chama de “Compressão” do tempo e do espaço. Esse fenômeno caracteriza-se por diminuir as fronteiras espaço-temporais ao “encurtar” distâncias com a utilização de ferramentas que promovem o fluxo de informação numa velocidade nunca antes vista, como imagens em tempo real circulando pelo globo e, consequentemente, alterando a forma como percebemos a sociedade e como nos inserimos nela.

Para Castells (1999, p.67-68), essas tecnologias consistem em um “(...) conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica. (...)”, desencadeando o processo atual de transformação tecnológica que “expande-se exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem digital comum, na qual a informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida”.

Como todos os processos são mediados por máquinas ou interfaces 1, a construção social agora se amplia para outro campo, o mundo virtual, ou como também se denomina, o ciberespaço.

De acordo com Pereira e Bernard (2011), o ciberespaço,

pode ser compreendido como um ambiente tecnológico que abarca múltiplos contextos de uso e significados culturais. Mais de 2 bilhões de pessoas, segundo dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT) de 2011, alimentam com textos, imagens, sons e outros códigos o turbilhão de informações que circula pela rede mundial de computadores interconectados.

A etimologia da palavra remete-nos ao romance de ficção científica Neuromante, de Willian Gibson, escrito em 1984, cujo título é um termo imediatamente emprestado pelos usuários e criadores de redes digitais. Levy (1999, p. 92) define o ciberespaço como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores e de memórias dos computadores”.

Ainda, para o autor,

O ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os serres humanos que navegam e alimentam esse universo.(LEVY, 1999, p. 17).

1 De acordo com Levy (1999, p.36), todos os aparatos materiais que permitem a interação entre o universo da informação digital e o mundo ordinário.

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Uma de suas principais funções é o acesso a distância aos diversos recursos de um computador. “Esse novo meio tem a vocação de colocar em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de gravação, de comunicação e de simulação”. (LEVY, 1999, p. 93).

Várias outras são as funções do ciberespaço, como a transferência de dados e upload, troca de mensagens, conferências eletrônicas etc. Ou seja,

O ciberespaço permite a combinação de vários modos de comunicação. Encontramos, em graus de complexidade crescente: o correio eletrônico, as conferências eletrônicas, o hiperdocumento compartilhado, os sistemas avançados de aprendizagem ou de trabalho cooperativo e, enfim, os mundos virtuais multiusuários. (LEVY, 1999, p. 104).

O surgimento do ciberespaço deve-se, principalmente, à criação da mais avançada mídia da atualidade, a internet. Desenvolvida pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA), do Departamento de Defesa dos EUA, inicialmente com finalidade militar, a internet hoje é resultado da convergência de várias tecnologias eletrônicas no campo da comunicação. Nas palavras de Castells (2005, p. 82), “talvez o mais revolucionário meio tecnológico da Era da Informação”, a internet é o meio de comunicação com o mais veloz índice de penetração entre as pessoas nos EUA. Em apenas três anos superou a marca de sessenta milhões, algo só conseguido pela televisão após quinze anos e o rádio em pelo menos trinta (CASTELLS, 2005). No entanto, extremamente desigual em relação ao acesso entre todas as pessoas do globo.

Figura 4.3 – Globalização na cibercultura

Fonte: Blogrtvi110, 2016.

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As redes sociais digitais

No ciberespaço, o fenômeno mais evidente é o das redes sociais. Objeto que desperta o interesse de várias ciências sociais como a Antropologia, a Sociologia, a economia etc., haja vista sua potencialidade em termos alteração no comportamento dos indivíduos.

Nas redes sociais, novos atores sociais surgem representados por ferramentas como weblog, fotolog, facebook, twitter etc.; ou seja, “espaços de interação, lugares de fala construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua personalidade ou individualidade”. (RECUERO, 2009).

Como cita Recuero, “Uma rede social é definida por um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos) e suas conexões (interações ou laços sociais)”. (WASSERMAN & FAUST, 1994 apud RECUERO, 2009, p. 82).

Assim como a Revolução Industrial do séc. XVIII, a Revolução Tecnológica, que caracteriza o que se batizou como a “Era da Informação” (constituída pelas tecnologias da informação, processamento e comunicação), impactou de forma determinante na economia, nos modos de produção, na sociedade e na cultura. A diferença de paradigma situa-se entre as novas fontes de energia emergentes com primeira Revolução, em relação à tecnologia da informação na atualidade

As redes sociais são anteriores à internet, que apenas ampliou o “espaço” para as interações. Isso só foi possível a partir da criação do aplicativo WWW (World Wide Web) no início dos anos noventa do século passado. Essa ferramenta possibilitou organizar os conteúdos da rede por sítios de informação, expandindo a utilização dessas tecnologias para além dos ambientes militar e científico, que as originaram.

Para Castells (1999, pp. 565-566),

Redes constituem a nova morfologia das nossas sociedades, e a difusão da lógica da rede modifica substancialmente a operação e os produtos nos processos de produção, experiência, poder e cultura. Enquanto que a forma de rede de organização social existiu noutros tempos e noutros espaços, o paradigma da nova tecnologia de informação fornece o material de base para sua expansão hegemônica por toda a estrutura social. (...) As redes são estruturas abertas, com o potencial de se expandirem sem limites, integrando novos nós desde que sejam capazes de comunicar dentro da rede, nomeadamente desde que partilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com base na rede é um sistema altamente dinâmico e aberto, susceptível de inovar sem ameaçar o seu próprio equilíbrio. Redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada

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na inovação, globalização e concentração descentralizada para o trabalho, trabalhadores e empresas voltadas para a flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução contínuas (...) e para uma organização social que vise a suplantação do espaço e invalidação do tempo.

Numa visão um pouco mais simplificada, Recuero (2009, p. 102) define sítios de redes sociais como “sistemas que permitem 1) a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal; 2) a interação através de comentários e 3) a exposição pública da rede social de cada autor”.

A partir desses pressupostos, tornam-se evidentes as implicações sociais das redes sociais (principalmente a ocidental), que despertam temas relacionados a novas formas de sociabilidade e de organização de movimentos sociais. Mais especificamente, apresentam-se como passíveis de discussão e análise questões como a privacidade no mundo virtual; a segurança nas transações comerciais, a exposição pública de informações pessoais e o acesso irrestrito a todo tipo de conteúdo. Ou seja, a discussão acerca das redes sociais digitais tem relação com diversos temas. Entre os principais podemos destacar: questões relacionadas à privacidade, à possibilidade da movimentação e organização política, à segurança nas transações realizadas na Internet (bancos e sites de compras), ao uso patológico das redes sociais digitais e suas implicações psicológicas (depressão e ansiedade), à exposição de informações pessoais, ao acesso irrestrito a todo tipo de conteúdo, e até mesmo o contato com pessoas desconhecidas .(PARADA, 2010).

São temas e questões que permeiam o debate sociológico acerca do ciberespaço e que podem ser classificadas (assim como na análise anterior acerca das implicações da internet) em duas linhas de análise: uma otimista, na qual se elencam os benefícios que as novas tecnologias de informação e comunicação promoveram nesta sociedade baseada na informação e no conhecimento; e outra mais crítica. Nesta, Egler (2010, p. 210-211), aponta a possibilidade de as TICs e a nova organização em rede configurarem um novo formato de dominação dos países desenvolvidos sobre os países em desenvolvimento, haja vista o domínio tecnológico e a posse do capital informacional dos primeiros.

O autor também pondera sobre essas duas linhas, expondo que:

Trata-se, portanto, de duas formas de interpretar a sociedade da informação, uma primeira que faz a sua crítica associada ao desvendamento de estratégias que definem as formas como são utilizadas as redes, para ampliar o poder de dominação econômica e política. Um segundo posicionamento mais otimista que procura analisar seus efeitos sobre a vida cotidiana, a formação de identidades, as possibilidades de estabelecer um lugar-comum, e observam suas potencialidades na formação de novos espaços de cooperação que busquem, na experiência das redes, a formação de um novo espaço público de ação coletiva que se forma em benefício da emancipação social. (EGLER, 2010, p. 210-211).

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Pierre Levy, em seu livro Cibercultura, procura responder de forma positiva algumas das questões que surgem a partir de uma análise mais crítica da sociedade em rede. Para o fato de essas novas tecnologias tornarem-se fonte de exclusão, o autor aponta caminhos como a necessidade de observar a tendência de conexão e não seus números absolutos, considerando o fato de o número de pessoas que participam da cibercultura haver aumentado de forma exponencial desde o fim dos anos 80, sobretudo entre os jovens.

Outra questão é a possibilidade de tornar os avanços tecnológicos cada vez mais baratos e acessíveis entre os estratos sociais menos favorecidos.

Em relação a possíveis ameaças à diversidade das línguas e das culturas pelo ciberespaço, Levy pondera que:

certamente seria técnica e politicamente possível reproduzir no ciberespaço o dispositivo de comunicação das mídias de massa. Porém, parece-me mais importante registrar as novas potencialidades abertas pela interconexão geral e pela digitalização da informação. (LEVY, 1999, p. 239).

Nesse sentido, ele defende o fim dos monopólios da expressão pública, pois no ciberespaço o indivíduo possui a liberdade e os meios para, por exemplo, “propor suas sínteses e sua seleção de notícias sobre determinado assunto”. (LEVY, 1999, p. 240); existe uma crescente variedade de modos de expressão (vide as novas formas de escrita); são progressivos a disponibilidade de instrumentos de filtragem e de navegação e o desenvolvimento das comunidades virtuais e dos contatos interpessoais a distância por afinidade, sendo que o “principal fato a ser lembrado é que os freios políticos, econômicos ou tecnológicos à expressão mundial da diversidade cultural jamais foram tão fracos quanto no ciberespaço”. (LEVY, 1999, p. 240).

Um exemplo que corrobora a tese de Levy evidencia-se no que ficou conhecida em 2011 como ”a primavera árabe”, denominação dada aos protestos populares contra governos do mundo árabe, mais especificamente Egito, Tunísia, Líbia, Iêmen e Barein, que teve na internet, em particular as redes sociais, um poderoso suporte para o chamamento e organização da população civil. Para Muzammil M. Hussain, professor do Centro de Comunicação e Engajamento Civil da Universidade de Washington, “ao contornar as restrições de organização política e social no mundo real em regimes autoritários, as mídias sociais fizeram com que as pessoas nesses países se sentissem fortes e poderosas para promover mudanças no mundo real”.

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Capítulo 4

Em consonância com esse fenômeno, Machado (2007, p.268) afirma que:

A possibilidade de comunicação rápida, barata e de grande alcance faz atualmente da Internet o principal instrumento de articulação e comunicação das organizações da sociedade civil, movimentos sociais e grupos de cidadãos. A rede se converteu em um espaço público fundamental para o fortalecimento das demandas dos atores sociais para ampliar o alcance de suas ações e desenvolver estratégias de luta mais eficazes.(...) Em suma, a rede é um espaço público que possibilita novos caminhos para interação política, social e econômica.

Mas o tema não se esgota nestas poucas laudas. Longe disso, pelo fato de ser um fenômeno em pleno desenvolvimento e ainda com pouca produção analítica, as ciências sociais ainda tecem neste momento os possíveis instrumentos teóricos e a delimitação de problemas e hipóteses mais precisas para abordar os temas que surgem das novas relações sociais mediadas pelas interfaces digitais.

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Considerações Finais

Parabéns pelos estudos desenvolvidos até aqui, pelas soluções propostas, em conformidade com diversos problemas contextualizados pelas sociedades e pelas culturas. Seu comprometimento, entusiasmo e dedicação foram combustíveis para o seu êxito. Você deve ter percebido que não existem respostas prontas para os problemas que vivenciamos nas nossas diferentes realidades, na contemporaneidade, no nosso mundo globalizado, marcado pelas transformações, pelos desafios e pela corresponsabilidade.

Por outro lado, também deve ter percebido que as habilidades de análise e compreensão de contextos, de diálogo com as diferenças socioculturais, de produção acadêmica são fundamentais para compreender a dinâmica e a diversidade das sociedades humanas, visando a agir responsavelmente nos contextos sociais. Estamos felizes por esse seu exercício, passível de contribuir para um mundo cada vez melhor. Desejamos-lhes sucesso no curso e felicidade na vida!

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Referências

Capítulo 1

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BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de janeiro: Zahar, 2008.

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BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.

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Sobre o Professor Conteudista

Claudio Damaceno Paz Mestre em Educação, professor nos cursos de Direito, Relações Internacionais e de Licenciaturas na Unisul. Elvis Dieni Bardini Mestre em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.Especialista em Artes e Ciências Humanas pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Licenciado em Música pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná – EMBAP. Experiência na docência de graduação e pós-graduação desde 1999, ministrando disciplinas de Sociologia, História da Arte e Estágios supervisionados em Sociologia I e II. Professor na UnisulVirtual desde 2004, também atua com pesquisa em projetos de PUIP e orientação de trabalhos de TCC. Atualmente exerce a função de coordenador do curso de Sociologia pelo PARFOR em Araranguá e participa como aluno especial do programa de Doutorado em Sociologia Política na UFSC. Jaci Rocha Gonçalves Graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1975), Licenciatura plena em Filosofia - Faculdades Associadas do Ipiranga (1973), mestrado em Jornalismo e Comunicação Social pelo Centro Internazionale Studi Opinione Pubblica - Roma (1986), mestrado em Missiologia (Teologia e culturas) pela Pontifícia Universidade Urbaniana (1986) e doutorado pela Pontifícia Universidade Urbaniana (1997). É professor de Ética, Antropologia Cultural, Ciências da Religião e Experiência do Sagrado, na Unisul desde 1998. Coordena o Grupo de Pesquisa e Programa de Extensão Revitalizando Culturas/Unisul. Palestrante nacional e internacional sobre direitos humanos. Presidente do Homo Serviens, Instituto Bio-cultural. [email protected]; [email protected]. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4709063H1 Tade-Ane de Amorim Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (1999), mestrado em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e doutorado em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Tecnologia e Sociedade, Ciência e Sociedade e atuando principalmente nos seguintes temas: riscos, nanotecnologia, educação a distância.

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