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Ensaios de Cosmologia – Henrique Pontes Brant – 01/06/2010 A Radiação de Fundo de Microondas Modelo de Gamow Em 1946 George Gamow (com colaborações de Ralph Alpher e Robert Herman) estudava a abundância cósmica dos elementos. Durante seu estudo, ao perceber que o universo primordial era denso e quente o bastante para que uma sequência de reações pudessem ocorrer, propôs que uma sequência de reações nesse universo recente poderia explicar a curva de abundância dos elementos observados. Apesar de seu modelo não estar correto, já que previa que o elemento estável mais pesado que poderia ser formado era o He 2 4 , ele foi o primeiro a prever a radiação de fundo. O modelo do universo primordial consistia em um universo extremamente denso e quente em que o livre caminho médio dos fótons deveria ser pequeno o bastante para manter um equilíbrio termodinâmico. Sob essas condições o campo de radiação tem o espectro de um corpo negro. Em 1948 Alpher e Herman publicaram como essa radiação de corpo negro deveria se esfriar com a expansão do universo e previram que este deveria estar preenchido por uma radiação a uma temperatura de 5 K. A radiação de fundo 1 Fig. 1: Abundância cósmica dos elementos

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Ensaios de Cosmologia – Henrique Pontes Brant – 01/06/2010

A Radiação de Fundo de Microondas

Modelo de Gamow

Em 1946 George Gamow (com colaborações de Ralph Alpher e Robert Herman) estudava a

abundância cósmica dos elementos. Durante seu estudo, ao perceber que o universo primordial era

denso e quente o bastante para que uma sequência de reações pudessem ocorrer, propôs que uma

sequência de reações nesse universo recente poderia explicar a curva de abundância dos elementos

observados. Apesar de seu modelo não estar correto, já que previa que o elemento estável mais

pesado que poderia ser formado era o He24 , ele foi o primeiro a prever a radiação de fundo.

O modelo do universo primordial consistia em um universo extremamente denso e quente

em que o livre caminho médio dos fótons deveria ser pequeno o bastante para manter um equilíbrio

termodinâmico. Sob essas condições o campo de radiação tem o espectro de um corpo negro. Em

1948 Alpher e Herman publicaram como essa radiação de corpo negro deveria se esfriar com a

expansão do universo e previram que este deveria estar preenchido por uma radiação a uma

temperatura de 5 K.

A radiação de fundo 1

Fig. 1: Abundância cósmica dos elementos

Resfriamento do universo após o Big Bang

A expressão para o resfriamento da radiação de fundo pode ser obtida considerando a

densidade de energia u=a T 4 e sabendo que a densidade de energia de radiação hoje se relaciona

com a densidade em um instante onde o fator de escala é R pela relação R4 urad=r rad 0 . Logo,

temos que R4 a T 4=aT 04 RT =T 0 .

Uma maneira de estimar teoricamente o valor da temperatura da radiação hoje em dia é

considerar a temperatura e a densidade de massa bariônica que devia prevalecer no universo inicial,

quando os átomos de hélio começaram a ser formados a partir do hidrogênio fundido. A temperatura

necessária para a fusão de núcleos de hidrogênio é da ordem de T≈109 K e a densidade de

bárions deve ser da ordem de b≈10−2 kg⋅m−3 . O parâmetro de escala pode ser dado por

R≈b0

b 1 /3

=3,47⋅10−9 , sendo b0=4,17⋅10−28kg⋅m−3 , para h = 0,71. Isso leva a uma

temperatura atual de T 0≈3,47 K , valor parecido aos 5 K encontrados por Alpher e Hermann.

Ainda podemos calcular, pela lei de Wien, o comprimento de onda de pico da curva do espectro de

corpo negro:

max=0,00290 m⋅K

T 0≈8,36⋅10−4 m

Como esse máximo se encontra na faixa de microondas, dizemos que temos uma radiação de

microondas.

A descoberta da radiação de fundo de microondas

Em 1964, quase 15 anos após a previsão de Alpher e Herman para a temperatura atual da

radiação de fundo ser de 5 K, Arno Penzias e Robert Wilson descobriram, por acaso, essa radiação

enquanto testavam uma enorme antena usada para comunicar com o novo satélite Telstar.

A radiação de fundo 2

Fig. 2: Antena de Penzias e Wilson.

Após um ano de trabalho para tentar se livrar desse fundo de radiação, que achavam ser

algum defeito do equipamento ou ruído vindo de algum outro objeto, o mesmo não deixava de

existir. Era um sinal contínuo que vinha de todas as direções no céu e permaneceu mesmo após os

pesquisadores limparem bem sua antena. Eles sabiam que um corpo negro a 3 K produziria a

interferência que eles estavam detectando, mas não sabiam qual poderia ser a fonte dessa radiação.

Nessa mesma época, Robert Dicke e seu aluno Peebles seguiram os passos de Alpher e Herman e

calcularam que a radiação de fundo do universo deveria ter uma temperatura da ordem de 10 K. Ao

ficar sabendo dessa teoria de Dicke, Penzias o convidou para seu laboratório e, finalmente, em 1965

as peças do quebra-cabeça se juntaram. Penzias e Wilson haviam descoberto a radiação de corpo

negro de fundo que preenche o universo, com um comprimento de onda máximo de

max=1,06 mm , na região de microondas do espectro eletromagnético. Após isso, Dicke e seus

colaboradores escreveram um artigo à Astrophysical Journal Letters contando as descobertas e

enfatizando que a mesma era uma forte comprovação do modelo do Big Bang.

A descoberta dessa radiação foi o golpe de misericórdia na teoria do estado estacionário,

teoria essa que tinha grande número de seguidores nessa época.

Em 1991 medidas feitas com o satélite COBE (que continha um espectrômetro sensível na

ampla faixa de 0,1-10 cm) confirmaram com extrema precisão que o espectro da radiação de fundo

era realmente o mesmo de um corpo negro. Com esse espectro também determinaram com precisão

o comprimento de onda máximo e, assim, a temperatura atual T0. Com ele foi possível obter

T 0=2,275±0,002K , um valor bem próximo dos 3,47 K obtidos na aproximação feita

anteriormente.

A radiação de fundo 3

Fig. 3: Dados obtidos com o COBE.

A anisotropia de dipolo da radiação de fundo

A radiação de fundo não emana de qualquer objeto. Ela permeia todo o universo, já que foi

criada junto com o mesmo. Apesar de isotrópica, existe uma anisotropia gerada pelo desvio

Doppler, devido ao movimento peculiar do observador em relação ao fluido cósmico (fluido

Hubble). De acordo com a lei de Wien, um desvio no comprimento de onda gera um desvio na

temperatura medida por um certo observador. A relação entre a temperatura medida por um

observador com velocidade v em relação ao fluido cósmico e a temperatura medida por um outro

observador em repouso em relação a esse fluido é:

T movimento=T repouso1−v2/c2

1−v / ccos

Ambos os observadores medem um espectro de corpo negro, mas aquele em movimento

mede uma temperatura levemente maior. Se v << c, temos que:

T mov≈T rep1− vc

cos

anisotropiade dipolo

Tal termo de anisotropia foi medido pelo satélite WMAP ( T /T≈10−3 ) e, quando

subtraído da radiação detectada, a radiação de fundo é extremamente isotrópica e uniforme.

Referências Bibliográficas:

• Introdução à Cosmologia – Souza, Ronaldo E. de. Edusp (2004).

• Carrol, Bradley W. & Ostlie, Dale A. An introduction to Modern Astrophysics, Addison-Wesley Pub.

Co. (1996).

• http://pt.wikipedia.org/wiki/Radia%C3%A7%C3%A3o_c%C3%B3smica_de_fundo

Acesso em 01/06/2010.

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