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A queda do Muro de Havana
Paulo Márcio Reis Santos
Advogado. Professor de Direito Internacional da Universidade FUMEC
Após vinte e cinco anos da queda do Muro de Berlim, que culminou com o fim da
abominável rivalidade política entre Leste e Oeste, decretando o fracasso dos planos
esquerdistas na Europa, outro “muro” político foi derrubado ao final de 2014. Os Estados
Unidos e Cuba retomaram suas relações diplomáticas, ultrapassados mais de cinquenta anos
da ruptura política. A reaproximação pretende criar um novo capítulo das relações entre esses
países. Segundo Barack Obama, a barreira ideológica e econômica entre os dois países,
existente desde a Guerra Fria, não mais se justifica.
O presidente de Cuba, Raúl Castro, se pronunciou favorável ao restabelecimento
das relações diplomáticas com os Estados Unidos, propondo “a adoção de medidas neutras
baseadas nas leis cubanas”. Para Castro, “o embargo continua por enquanto, causando
prejuízos enormes ao nosso povo. Isso precisa acabar.”
As barreiras ao comércio e às relações políticas entre os dois países foram
impostas pelos EUA após a adesão de Cuba ao bloco comunista dirigido pela extinta União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O embargo econômico é renovado anualmente
e foi inspirado na Lei de Comércio com o Inimigo, de 1917. A partir de 1963, foi
desenvolvida a legislação de “Regulação de Controle dos Bens Cubanos”. O embargo imposto
pelos EUA a Cuba impede a maioria das trocas comerciais. Há leis norte-americanas que
proíbem o envio de alimentos ao país caribenho, exceto em casos de ajuda humanitária, e que
permitem punições judiciais a empresas que tenham relações financeiras com Cuba.
Entre as mudanças a serem adotadas, está previsto o relaxamento do fluxo
comercial, mediante o aumento do valor de dinheiro que poderá ser enviado dos Estados
Unidos para Cuba, bem como a facilitação das viagens de cidadãos norte-americanos para a
ilha. Os EUA também planejam a abertura de embaixada em Cuba. Para tanto, Obama já
incumbiu o secretário de Estado, John Kerry, para negociar o processo em Havana. Serão
também iniciados novos esforços para melhorar o acesso de Cuba às telecomunicações,
especialmente à internet.
O Presidente dos EUA advertiu que a suspensão do embargo econômico
dependerá da aprovação do Congresso e solicitou que o Legislativo inicie um debate
“honesto” e “sério” sobre a questão. Não se pode perder de vista que maioria republicana no
Congresso poderá ser obstáculo para os planos de Obama em 2015.
Os dados estatísticos apontam que em 2013, as sanções econômicas dos Estados
Unidos contra Cuba geraram prejuízos de US$ 3,9 bilhões no comércio exterior. Estima-se
que durante os 55 anos do embargo econômico, as perdas são cerca de US$ 1,1 trilhão.
É importante registrar a figura do papa Francisco, que se envolveu diretamente
nas negociações entre Obama e Raul Castro, com o envio de cartas aos chefes de governo e o
recebimento de delegações diplomáticas de ambos os países no Vaticano. A intervenção do
papa contribuiu para Cuba libertar o norte-americano, Alan Gross, preso há cinco anos na
ilha, e soltar um agente de inteligência norte-americano preso por quase 20 anos. Os EUA,
por sua vez, libertaram três agentes de inteligência cubanos, presos desde 1998. O papa
parabenizou os dois países e se comprometeu a apoiar o fortalecimento das relações políticas
entre eles.
Segundo Obama, “a mudança é difícil nas nossas vidas e na vida das nações. E a
mudança é ainda mais difícil quando nós carregamos a carga pesada da história nos nossos
ombros. Mas hoje nós estamos fazendo essas mudanças porque é a coisa certa a fazer.” Raul
Castro reconheceu que ainda persistem “profundas diferenças” entre os dois países,
“fundamentalmente em matéria de soberania nacional, democracia, direitos humanos e
política exterior”. Contudo, afirmou que o seu governo está disposto a “dialogar sobre todos
esses temas.”
O restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, especialmente
pelos prejuízos sofridos pelos cubanos, revela o amadurecimento das políticas internacionais
no continente americano e o reconhecimento da importância do modelo de economia de
mercado como instrumento propício e legítimo para o alcance da dignidade aos povos. Que
esse exemplo sirva de lição para ratificar que o contexto político e econômico global não mais
se coaduna com arcaicas ideologias divisórias de direita ou de esquerda, tampouco produz
resultados eficientes em modelos populistas e ditatoriais.
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