a proteção internacional dos direitos humanos e o direito

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A proteção internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional do meio ambiente Valerio de Oliveira Mazzuoli 1 1 Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Franca. Doutorando em Direito Internacional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor de Direito Inter- nacional Público na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Professor de Direito Internacional Público e Direitos Humanos no Instituto de Ensino Jurídico Professor Luiz Flávio Gomes (Curso LFG), em São Paulo. Professor dos cursos de Especialização da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI), da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD) e coordenador jurídico da Revista de Derecho Internacional y del Mercosur (Buenos Aires). Resumo O estudo faz um paralelo entre o sistema in- ternacional de proteção dos direitos humanos e a arquitetura internacional de proteção do meio ambiente, versando particularmente as similitudes na aplicação interna das normas internacionais de direitos humanos e de direito ambiental, estudando a internalização dos ins- trumentos de proteção respectivos no direito brasileiro. Conclui o autor serem os tratados internacionais de proteção ao meio ambiente tratados também direitos humanos, os quais devem ter garantia de privilégio hierárquico no ordenamento jurídico nacional. Palavras-chave: Proteção internacional do meio ambiente. Tratados internacionais; direitos humanos. Incorporação dos tratados no Brasil. Abstract The study makes a parallel between the interna- tional system for the protection of the human rights and the international architecture for the protection of the environment, mainly exami- ning the similarities in the internal application of the international norms of human rights and environmental law, studying the internali- zation of the respective protections tools in the Brazilian Law. The author concludes that the international treaties for the protection of the environment that also discussed human rights must have guarantee of hierarchic privilege in the national legal system. Keywords: International protection of the en- vironment. International treaties, Human rights. Incorporation of the treaties in Brazil. Revista Amazônia Legal de estudos sócio-jurídico-ambientais Cuiabá Ano 1 n. 1 p. 169-196 jan.-jun. 2007

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Page 1: A proteção internacional dos direitos humanos e o direito

A proteção internacional dos direitos humanos e o direito Internacional

do meio ambiente

Valerio de Oliveira Mazzuoli 1

1 MestreemDireitoInternacionalpelaFaculdadedeDireitodaUniversidadeEstadualPaulista(UNESP)–CampusdeFranca.DoutorandoemDireitoInternacionalnaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul(UFRGS).ProfessordeDireitoInter-nacionalPúbliconaUniversidadeFederaldeMatoGrosso(UFMT).ProfessordeDireitoInternacionalPúblicoeDireitosHumanosnoInstitutodeEnsinoJurídicoProfessorLuizFlávioGomes(CursoLFG),emSãoPaulo.ProfessordoscursosdeEspecializaçãodaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul(UFRGS)edaUniversidadeEstadualdeLondrina(UEL).MembrodaSociedadeBrasileiradeDireitoInternacional(SBDI),daAssociaçãoBrasileiradeConstitucionalistasDemocratas(ABCD)ecoordenadorjurídicodaRevista de Derecho Internacional y del Mercosur(BuenosAires).

ResumoOestudo fazumparalelo entreo sistema in-ternacionaldeproteçãodosdireitoshumanose a arquitetura internacional de proteção domeio ambiente, versando particularmente assimilitudes na aplicação interna das normasinternacionaisdedireitoshumanosededireitoambiental,estudandoainternalizaçãodosins-trumentos de proteção respectivos no direitobrasileiro. Conclui o autor serem os tratadosinternacionais de proteção ao meio ambientetratados também direitos humanos, os quaisdevemtergarantiadeprivilégiohierárquiconoordenamentojurídiconacional.

Palavras-chave: Proteção internacional domeioambiente.Tratadosinternacionais;direitoshumanos.IncorporaçãodostratadosnoBrasil.

AbstractThestudymakesaparallelbetweentheinterna-tionalsystemfortheprotectionof thehumanrightsandtheinternationalarchitecturefortheprotectionof theenvironment,mainlyexami-ningthesimilaritiesintheinternalapplicationof the international norms of human rightsandenvironmental law,studying the internali-zationof therespectiveprotectionstoolsintheBrazilian Law. The author concludes that theinternationaltreatiesfortheprotectionof theenvironmentthatalsodiscussedhumanrightsmusthaveguaranteeof hierarchicprivilegeinthenationallegalsystem.

Keywords:Internationalprotectionof theen-vironment.Internationaltreaties,Humanrights.Incorporationof thetreatiesinBrazil.

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1 IntroduçãoAproteçãointernacionaldosDireitosHumanoseoDireitoInternacionaldo

MeioAmbientesão,dentrodocontextodomodernoDireitoInternacionalpúblico,osdoisprimeirosgrandestemasdaglobalidade.Masemquepeseamaturidadebiológicadeambosessestemas,asquestõesrelativasàinter-relaçãodeumeoutroaindanãoestãototalmentemadurasedevidamenteesclarecidasdentrodoâmbitodasrelaçõesinternacionaiscontemporâneas.

OmodernoDireitoInternacionalpúblico,que tambémpodeserchamadode novo Direito Internacional, é uma conquista do período pós-Segunda GuerraMundial.AdoutrinasegundoaqualoDireitoInternacionalreguladiretamenteasrelaçõesdosEstadosemseuconjunto,eindiretamentepormeiodaatuaçãodasorganizaçõesinternacionaisintergovernamentais,vaiperdendoespaçoparaocrescenteaparecimentodetextosinternacionaisque,alémdeerigirosindivíduosà condição de sujeitos de Direito Internacional, flexibilizando (senão abolindo) o conceitotradicionaldesoberaniaestatalabsoluta,tambémlhesgaranteoacessoaostribunaisinternacionais,pormeiodofornecimentodeinstrumentosjurídicoscom os quais podem vindicar e fielmente defender os seus direitos fundamentais violados2.

Dentrodessecontexto,duasdisciplinarizaçõesimpulsionadasporessenovoDireitoInternacionalsãoparticularmenterelevantes,emerecemserestudadasconjuntamente.Sãoelas:aproteçãointernacionaldosdireitoshumanoseoDireitoInternacionaldomeioambiente.Essestemas,aoladodademocracia,passaramamarcar,demaneiraamplaeinovadora,anovaagendainternacionaldoséculoXXI3,notadamenteapósasgrandesmudançasocorridasnoplanetaemvirtudedoprocessodeglobalização4, cujos reflexos são marcantes e decisivos para o en-tendimentodosnovosfenômenosglobaissurgidosnoplanetadesdeentão.

Aaproximaçãodatemáticadosdireitoshumanoscomadomeioambienteéfeita,entreoutros,porAntônioAugustoCançadoTrindade,paraquem“emboratenhamosdomíniosdaproteçãodoserhumanoedaproteçãoambientalsidotratadosatéopresenteseparadamente,énecessáriobuscarmaioraproximaçãoentre eles, porquanto correspondem aos principais desafios de nosso tempo, a afetarememúltimaanáliseosrumosedestinosdogênerohumano”5.Emsentido

2 Vide,sobreoassunto,Mazzuoli,ValeriodeOliveira,Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira,SãoPaulo:JuarezdeOliveira,2002,p.212-219.

3 Cf.Doc.ONUE/CN.4/Sub.2/1994/9,Human rights and the environment: final report,§1.º,6July1994,p.03.4 Sobreoassunto,cabeumaanáliseemARAÚJO,LuisIvanideAmorim,Da globalização do Direito Internacional público: os choques

regionais,RiodeJaneiro:LumenJuris,2000,p.47-64.5 CançadoTrindade,AntônioAugusto.Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional.PortoAlegre:

SergioAntonioFabrisEditor,1993,p.23.

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idêntico,comoassinalaCelsoD.deAlbuquerqueMello,aproteçãointernacionaldomeioambientedeveestarligadaaosdireitosdohomem,sobpenadesechegaraoassassinatodohumanismo6.DaíaproteçãointernacionaldosdireitoshumanoseoDireitoInternacionaldomeioambienteteremsidoconsiderados,porGuidoFernandoSilvaSoares,comoosdoisprimeirosgrandestemasdaglobalidade7.

Neste novo cenário internacional, que aparece finda a Segunda Guerra Mundial, mereceespecialdestaqueaConferênciadasNaçõesUnidassobreMeioAmbienteeDesenvolvimento,realizadanoRiodeJaneiro,de3a14dejunhode1992,queficou conhecida como Rio-92, tendo a ela comparecido delegações nacionais de 175países.AConferênciaRio-92foiaprimeirareuniãointernacionaldemagnitudea se realizar após o fim da Guerra Fria. A reunião não foi apenas conseqüência deumintensoprocessodenegociaçõesinternacionaisacercadequestõesligadasà proteção do meio ambiente e ao desenvolvimento. Seus resultados significa-ram, também, a reafirmação de princípios internacionais de direitos humanos, comoosdaindivisibilidadeeinterdependência,agoraconectadoscomasregrasinternacionaisdeproteçãoaomeioambienteeaosseusprincípiosinstituidores.Os compromissos específicos adotados pela Conferência Rio-92 incluem duas convenções,umasobreMudançadoClimaeoutrasobreBiodiversidade,etam-bémumaDeclaraçãosobreFlorestas,alémdeumplanodeaçãoquesechamoudeAgenda 21,criadoparaviabilizaraadoçãododesenvolvimentosustentável(eambientalmenteracional)emtodosospaíses.

OBrasiljáhaviaparticipado20anosantes,daConferênciadasNaçõesUnidassobreoMeioAmbienteHumano,realizadaemEstocolmo,naSuécia,em1972,especialmentenosdoisanosdeseuperíodopreparatório,ondeaparticipaçãobrasileirafoiefetivanoquetangeàinserçãodatemáticadodesenvolvimentonofocodasquestõesenvolvendoomeioambiente.

NaConferênciadoRiodeJaneiro,aocontráriodoqueocorreraemEsto-colmo, os conflitos de entendimentos foram deixados de lado para dar lugar à cooperação,namedidaemquefoiabertoodiálogoparaumuniversomaisamplodaquiloqueoriginalmenteforapretendido,deixandoentrever-sequeaproteçãointernacionaldomeioambienteéumaconquistadahumanidade,quedevevencerosantagonismosideológicos,emproldobem-estardetodosedaefetivaproteçãodoplaneta.

A conseqüência de todo esse processo normativo internacional no campo ambiental tem reflexos, portanto, na seara da proteção internacional dos direitos humanos,aindamaisquandoselevaemconsideraçãoqueodireitoaomeioam-

6 Cf.Mello,CelsoD.deAlbuquerque.Curso de Direito Internacional público,2.ºvol.,13.ªed.rev.eampl.RiodeJaneiro:Renovar,2001,p.1278.

7 Cf.,sobreoassunto,Soares,GuidoFernandoSilva,Curso de Direito Internacional público,vol.1.SãoPaulo:Atlas,2002,respec-tivamentecapítulos15e16,p.335-437.

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bienteecologicamenteequilibrado,apesardenãotersidoexpressamentecolocadonotextodaDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos,de1948(ondesomenteconstamdireitoscivisepolíticosedireitoseconômicos,sociaiseculturais),pertenceao“blocodeconstitucionalidade”dos textosconstitucionaiscontemporâneos,dentreeles,otextoconstitucionalbrasileirode1988.Acredita-se,contudo,queaDeclaraçãoUniversalde1948certamentemencionariaodireitoaomeioambiente,sefossenegociadahoje.AatualtendênciadoDireitoInternacionalmodernoéqueasdeclaraçõessobrecadaesferadeproteçãotambémsejamcadavezmaisamplas,cedendoespaçoparaqueosvínculosentreasdiversascategoriasdedireitossedesenvolvam,comodemonstrouoRelatóriodaSecretaria-GeraldaOrganizaçãodosEstadosAmericanos(OEA),Direitos humanos e Meio Ambiente,de4deabrilde2002,sobreocumprimentodaAG/Res.1819(XXXI-O/01),adotadanaterceirasessãoplenáriadaOEA,realizadaem5dejunhode20018.

Oprincípiosegundooqualtodapessoatemdireitoaumaordemsocialein-ternacionalemqueosdireitoseliberdadesestabelecidosnaDeclaraçãoUniversalpossamserplenamenterealizados,constantedoart.28daDeclaraçãode1948,passaaserintegrado,também,peloDireitoInternacionaldomeioambiente.So-mentecomagarantiaefetivadeumambienteecologicamenteequilibradoéqueosdireitoseliberdadesestabelecidosnaDeclaraçãode1948podemserplenamenterealizados,nãoobstanteodireitoaomeioambientenãotersidoincluídonotextodaDeclaração,àépocadesuaredação.

2 A proteção internacional dos direitos humanosOsistema internacionaldeproteçãodosdireitoshumanos, foiarquitetado,

desdeacriaçãodaOrganizaçãodasNaçõesUnidas, em1945, emrespostaàsbarbárieseàsatrocidadescometidaspelosnazistascontraosjudeus,noperíododo Holocausto, fato este que marcou profundamente a comunidade mundialcomoomaisabruptoebestialdentretodosaquelesligadosaviolaçõesdedireitoshumanosdomundocontemporâneo9.ComaaprovaçãodaDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos,em1948,oDireitoInternacionaldosDireitosHumanoscomeçaadarensejoàproduçãodeinúmerostratadosinternacionaisdestinadosaprotegerosdireitosfundamentaisdosindivíduos.Trata-sedeumaépocacon-sideradacomoverdadeiromarcodivisordoprocessodeinternacionalizaçãodosdireitoshumanos.Antesdisso,aproteçãodosdireitosdohomemestavamaisou

8 Cf.Doc.ConselhoPermanentedaOEA,ComissãodeAssuntosJurídicosePolíticos.RelatóriodaSecretaria-GeralsobreoCumprimentodaAG/Res.1819(XXXI-O/01),Direitos humanos e Meio Ambiente,porPeterQuilter,AssessordoSecretário-Geral,GabinetedoSecretário-Geral.OEA/Ser.G,CP/CAJP-1898/02,4abril2002,p.1-2.

9 Cf.,sobreoassunto,Lafer,Celso,A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de hannah Arendt,SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2001,p.117-166;e Rawls,John,O direito dos povos,Trad.LuísCarlosBorges,SãoPaulo:MartinsFontes,2001,p.26-30.

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menosrestritaaalgumaspoucaslegislaçõesinternasdospaíses,comoainglesade1684,aamericanade1778eafrancesade1789.Asquestõeshumanitáriassomenteintegravamaagendainternacionalquandoocorriaumadeterminadaguerra,maslogosemencionavaoproblemadaindevidaingerênciainternaemumEstadosoberanoeadiscussãomorriagradativamente.Assiméquetemascomoorespeitoàsminoriasdentrodosterritóriosnacionaisedireitosdeexpressãopolíticanãoeram praticamente abordados, a fim de não se ferir o até então incontestável e absolutoprincípiodesoberania.

Surge,noâmbitodaOrganizaçãodasNaçõesUnidas,umsistemaglobaldeproteção dos direitos humanos, tanto de caráter geral (a exemplo dos PactosInternacionaisdosDireitosCivisePolíticosedosDireitosEconômicos,SociaiseCulturais,ambosde1966),comodecaráterespecífico(v.g.,asConvençõesinter-nacionaisdecombateàtortura,àdiscriminaçãoracial,àdiscriminaçãocontraasmulheres,àviolaçãodosdireitosdascriançasetc.).Revolucionou-se,apartirdestemomento,otratamentodaquestãorelativaaotemadosdireitoshumanos.Co-locou-seoserhumano,demaneirainédita,numdospilaresatéentãoreservadosaosEstadoseàsorganizaçõesinternacionais,elevando-oàcategoriadesujeitodeDireitoInternacionalpúblico.

Paradoxalmente,oDireitoInternacional, feitopelosEstadoseparaosEsta-dos, começoua tratardaproteção internacionaldosdireitoshumanoscontraopróprio Estado, único responsável reconhecido juridicamente, querendo significar essenovoelementoumamudançaqualitativaparaasociedadeinternacional,umavezqueodireito das gentesnãomaissecingiriaaosinteressesnacionaisparticulares,passandoadizerrespeitotambémaosdireitosdosindivíduosnocontextojurídicointernacional.

Masaestruturanormativadeproteçãointernacionaldosdireitoshumanos,alémdosinstrumentosdeproteçãoglobal,dequesãoexemplos,dentreoutros,aDecla-raçãoUniversaldosDireitosHumanos,oPactoInternacionaldosDireitosCivisePolíticoseoPactoInternacionaldosDireitosEconômicos,SociaiseCulturais,ecujocódigobásicoéachamadaInternationalBill of human Rights,abrangetambémosinstrumentosdeproteçãoregional,aquelespertencentesaossistemaseuropeu,americanoeafricano(v.g.,nosistemaamericano,merecedestaqueaConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos,de1969).Damesmaformaqueocorrecomosistemadeproteçãoglobal,aquitambémseencontraminstrumentosdealcancegeraleinstrumentosdealcanceespecial.Geraissãoaquelesquealcançamtodasaspessoas,aexemplodostratadosacimacitados;especiais,aocontrário,sãoosquevisamapenasdeterminadossujeitosdedireito,oudeterminadacategoriadepessoas,

10Vide,arespeitodossistemasglobal eregionais deproteçãodosdireitoshumanos,Piovesan,Flávia,Direitos humanos e o direito constitucional internacional,4.ªed.,SãoPaulo:MaxLimonad,2000,p.159-228;eWeis,Carlos.Direitos humanos contemporâneos.SãoPaulo:MalheirosEditores,1999,p.66-108.

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aexemplodasconvençõesdeproteçãoàscrianças,aosidosos,aosgruposétnicosminoritários, às mulheres, aos refugiados, aos portadores de deficiência etc.10

ODireitoInternacionaldosDireitosHumanos,comonovoramodoDireitoInternacional Público, emerge com princípios próprios, autonomia e especificidade. Suasnormaspassamateracaracterísticadaexpansividade,decorrentedaaberturatipológicadeseusenunciados.Alémdomais,essenovodireitorompecomarígidadistinçãoexistenteentreDireitoPúblicoeDireitoPrivado,libertando-sedosseusclássicosparadigmas.

Destemomentoemdiante,omundopassouapresenciarumaverdadeiraprolife-raçãodetratadosinternacionaisprotetivosdosdireitosdapessoahumana,tantonosseusaspectoscivisepolíticos,comonaquelesligadosàsáreasdodomínioeconômico,socialecultural.ComodesenvolvimentoprogressivodoDireitoInternacionaldosDireitosHumanos,ênfaseparticulartambémfoidada,nocontextodasrelaçõesinternacionaiscontemporâneas,àconclusãodeinúmerostratadosdeproteçãoaomeioambiente,emtodasassuasvertentesecomtodososseusconsectários.

A preocupação com o meio ambiente, em plano global, somente torna-sequestão de cunho internacional alguns anos depois de finda a Segunda Guerra Mundial,tendosidofeitaumaprimeiramençãoaomeioambientenoart.12doPactoInternacionaldeDireitosEconômicos,SociaiseCulturais,de1966,ondeapareceodireito à saúde aoladododireitoaumníveldevidaadequado.Nãoobs-tantetersidoindiretaareferênciafeitaaomeioambiente,nãosepodedeixardereconheceraimportânciaqueteveamençãoàsaúdenotextodoreferidoPactode1966, como querendo significar que o direito a uma vida digna também é corolário deummeioambientesadioeequilibrado.ComodestacaCançadoTrindade,apartirdessemomento“pareciaabertoocaminhoparaoreconhecimentofuturododireitoaummeio-ambientesadio”11.

3 O direito Internacional do meio ambiente e os instrumentos internacionais de proteção

Apósoperíododopós-Guerra,comocomplementoaosdireitosfundamentaisdohomem,começaramaaparecer,nocenáriointernacional,asprimeirasgrandes

11CançadoTrindade,AntônioAugusto.Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional.op.cit.,p.84.12Vide,nodireitobrasileiro,aobraclássicadeSoares,GuidoFernandoSilva,Direito Internacional do meio ambiente: emergência, obrigações

e responsabilidades,SãoPaulo:Atlas,2001,ondesãoabordadoscomprofundidadeostemascentraiscontemporâneosligadosàproteçãointernacionaldomeioambiente.Cf.,também,NascimentoeSilva,GeraldoEuláliodo,Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial,RiodeJaneiro:Thex,1995,ondesãoabordadososfundamentos do Direito Internacional, os impasses ambientais que marcaram a história recente e o sentido filosófico dos desafios globais, no tocante ao desenvolvimento, à degradação da qualidade de vida e ao avanço técnico-científico das nações industrializadas. Em relação à bibliografia européia, vide Romani,CarlosFernandezdeCasadevante,La protección del medio ambiente en derecho internacional, derecho comunitario europeo y derecho español,Vitoria-Gasteiz:ServicioCentraldePublicacionesdelGobiernoVasco,1991;Mathieu,Jean-Luc,La protection internationale de l’environnement,Paris:PressesUniversitarairesdeFrance,1991;Badiali,Giorgio,La tutela internazionale dell’ambiente, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1995; e Kiss, Alexandre & Shelton,Dinah,traité de droit européen de l’environnement,Paris:Frison-Roche,1995.

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normasdeproteçãointernacionaldomeioambiente,dandoensejoàformaçãodessenovoramododireito,chamadoDireitoInternacionaldoMeioAmbiente12.Apartirdeentão,tantoosdireitosrelativosàpessoahumanacomoosatinentesao meio ambiente passaram a ser prioridades inequívocas da agenda interna-cionalmoderna,comoatestaramaConferênciadasNaçõesUnidassobreMeioAmbienteeDesenvolvimento,realizadanoRiodeJaneiro,emjunhode1992,eaConferênciaMundialdasNaçõesUnidassobreDireitosHumanos,realizadaemViena,emjunhode199313.

OBrasilépartedosprincipaistratadosinternacionaissobremeioambienteconcluídos sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Muito antesda promulgação da Constituição de 1988, o Brasil já havia ratificado os mais importantes tratados internacionais relativosaoDireitoInternacionaldomeioambiente, o que veio intensificar-se posteriormente à entrada em vigor do atual textoconstitucional.

Dentretodososinstrumentosinternacionaisemmatériademeioambienteratificados pelo Brasil, merecem destaque algumas convenções internacionais recentes,dentreasquaispodemsercitadas:a)aConvenção-QuadrodasNaçõesUnidassobreMudançadoClima,adotadapelasNaçõesUnidas,emNovaYork,em09.05.1992,aprovadanoBrasilpeloDecretoLegislativon.1,de03.02.1994,epromulgadapeloDecreton.2.652,de01.07.1998;b)oProtocolodeQuiotoàConvenção-QuadrodasNaçõesUnidassobreMudançadoClima,adotadoemQuioto, Japão,em14.12.1997,porocasiãodaTerceiraConferênciadasPartesdaConvenção-QuadrodasNaçõesUnidassobreMudançadoClima,tendosidoaprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 144, de 20.06.2002, e ratificado em23.08.2002e;c)aConvençãosobreDiversidadeBiológica,adotadanacidadedoRiodeJaneiro,em05.06.1992,aprovadanoBrasilpeloDecretoLegislativon.º2,de03.02.1994,epromulgadapeloDecreton.º2.519,de16.03.1998,14tendoentradoemvigorinternacionalem29dedezembrode1993.

Estesinstrumentosinternacionais,assimcomotodososoutrostratadosinter-nacionaissolenessobrequaisquermatériascelebradospeloBrasil,antesdeseremintegradosaonossodireitointerno,têmquepassarpelostrâmitesprópriosdoDireitoInternacionaledodireitoconstitucionalbrasileiro,noquetangeàpro-cessualística de sua celebração, para somente depois adquirirem eficácia jurídica e executoriedadeinternas.Taisfases,pelasquaistêmdepassarostratadossolenesatéasuaconclusão,podemserbasicamentedivididasemquatromomentosdistintos,

13Cf.CançadoTrindade,AntônioAugusto.Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional,op.cit.,p.23-38;eLindgrenAlves,JoséAugusto,Os direitos humanos como tema global,SãoPaulo:EditoraPerspectiva/FundaçãoAlexandredeGusmão,1994,p.23-35.

14Ostextos integraisdesses tratados,acompanhadosdenotassobresuacelebraçãoeentradaemvigornoBrasil, sãoencontradosemMazzuoli,ValeriodeOliveira(Org.),Coletânea de Direito Internacional,SãoPaulo:EditoraRevistadosTribunais,2003,p.582-632.

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abstraídosdaconjugaçãodasregrasprópriasdoDireitodosTratadoscomasdaConstituiçãode1988,quaissejam:

a) negociaçõespreliminares(asquaisnormalmenteocorrem,tratando-sedemeioambiente,numaconferênciainternacionalespecialmentedestinadapara esta finalidade);

b) assinatura ou adoção pelo Executivo (nos termos da Constituiçãode 1988, como expresso no seu art. 84, VIII, esta competência éprivativa,podendohaverdelegaçãodoPresidentedaRepúblicaaumplenipotenciárioseu,sendonormalmentefeitaaoMinistrodasRelaçõesExterioresouaoschefesdemissãodiplomática);

c) aprovaçãoparlamentar(referendum)porpartedecadaEstadointeressadoemsetornarpartenotratado(entrenós,amatériavemdisciplinadapelo art. 49, I, daConstituição,quediz competir exclusivamente aoCongresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atosinternacionaisqueacarretemencargosoucompromissosgravososaopatrimônionacional”15;e,

d) ratificação ou adesão do texto convencional, concluída com a troca dos instrumentosqueaconsubstanciam16.

No Brasil, após a sua ratificação, o tratado, ainda, é promulgadopordecretodoPresidentedaRepública,epublicadonoDiário Oficial da União.Sãoetapascomple-mentaresadotadaspeloEstadobrasileiroparaqueostratadospossamteraplica-bilidadeeexecutoriedadeinternas.Trata-sedeumapráticaquevemsendoseguidadesdeoprimeirotratadocelebradonoBrasil,naépocadoImpério.

Ostratadosinternacionaisdeproteçãodosdireitoshumanos,assimcomoosdeproteçãodomeioambiente,comoveremos,dispensamdasistemáticadesuaincorporaçãoestafasesuplementar,porteremaplicação imediata apartirdesuasrespectivas ratificações, nos termos do art. 5.º, § 1.º da Constituição de 1988.

Osinstrumentosinternacionaisdeproteçãoaomeioambiente,pelasregrasdanossaConstituição(art.5.º,§§1.ºe2.º),têmumaformaprópriadeincorporaçãonoordenamentojurídicobrasileiro,pelofatodeelesfazerempartedoroldoschamadostratadosinternacionaisdeproteçãodosdireitoshumanoslato sensu,emrelaçãoaosquaisaConstituiçãoatribuiumaformaprópriadeincorporaçãoeumahierarquiadiferenciadadosdemaistratados(consideradoscomunsoutradicionais)ratificados pelo Brasil.

15Sobreasdiscussõesacercadacorreta interpretaçãodessedispositivo,videaexcepcionalobradeCachapuzdeMedeiros,AntônioPaulo,O poder de celebrar tratados,PortoAlegre:SergioAntonioFabrisEditor,1995,p.382-397.

16ParaumestudodetalhadodasfasesdecelebraçãodetratadosnoBrasil,videMazzuoli,ValeriodeOliveira,tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969,2.ªed.SãoPaulo:JuarezdeOliveira,2004.

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ComodestacaGuidoFernandoSilvaSoares,asnormasdeproteçãointernacio-naldomeioambiente“têmsidoconsideradascomoumcomplementoaosdireitosdohomem,emparticularodireitoàvidaeà saúdehumana”, sendobastanteexpressiva“apartedadoutrinacomsemelhanteposicionamento,especialmentedaquelesautoresquesetêmdestacadocomograndesambientalistas”17.

Tal posicionamento é reafirmado pelos grandes textos de Direito Internacio-naldomeioambiente,ondeseencontramváriasreferênciasaodireitoàvidaeàsaúde.Comoexemplo,podesercitadaaDeclaraçãodoRiodeJaneirosobreMeioAmbienteeDesenvolvimento,de1992,quefazreferênciaà“vidasaudável”noseuPrincípio 1.

4 O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano

fundamentalApercepçãodequequestõesligadasàproteçãodomeioambientenãoseli-

mitamàpoluiçãoadvindadaindustrialização18,masabrangemumuniversomuitomaisamploecomplexo,queenvolvetodooplanetaepodemcolocaremriscoasaúdemundial,foidecisivaparaainserçãodotema“meioambiente”naesferadeproteçãodoDireitoInternacionaldosDireitosHumanos19.

AproteçãodomeioambientenãoématériareservadaaodomínioexclusivodalegislaçãodomésticadosEstados,masdeverdetodaacomunidadeinternacional.Aproteçãoambiental,abrangendoapreservaçãodanaturezaemtodososseusaspectos relativos à vida humana, tem por finalidade tutelar o meio ambiente em de-corrênciadodireitoàsadia qualidade de vida,emtodososseusdesdobramentos,sendoconsideradoumadasvertentesdosdireitosfundamentaisdapessoahumana20.

OdireitofundamentalaomeioambientefoireconhecidonoplanointernacionalpelaDeclaraçãosobreoMeioAmbienteHumano21,adotadapelaConferênciadasNaçõesUnidassobreoMeioAmbienteHumano,emEstocolmo,de5a16dejunhode1972,cujos26princípiostêmamesmarelevânciaparaosEstadosque

17Soares,GuidoFernandoSilva.A proteção internacional do meio ambiente.Barueri-SP:Manole,2003,p.173.18 Cf., a propósito, Rangel, Vicente Marotta, “Poluição e seus reflexos internacionais: questões preliminares”, In: Problemas

Brasileiros,11(123),SãoPaulo,1973,p.22-35;Ballenegger,Jacques,La pollution en droit international: la responsabilité pour les dommages causés par la pollution transfrontière.Genève:LibrairieDalloz,1975;etambémMarinho,IlmarPenna,“Preservaçãodomeioambienteecombateàpoluição”,inBoletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional,anosXXXIXaXLI,1968/1989,n.69/71,p.143-163.

19Cf.CançadoTrindade,AntônioAugusto.“Thecontributionof internationalhumanrightslawtoenvironmentalprotection,withspecialreferencetoglobalenvironmentalchange”,inEnvironmental change and international law: new challenges and dimensions,Toquio:UnitedNationsUniversityPress,1992,p.244-312.

20Cf.Silva,JoséAfonsoda.Direito ambiental constitucional,3.ªed.SãoPaulo:Malheiros,2000,p.58.21TextoemCançadoTrindade,AntônioAugusto,Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional.op.

cit.,p.247-256.

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teveaDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos,adotadaemParis,em10dedezembrode1948,pelaResolução217daAssembléiaGeraldaONU,servindodeparadigmaereferencialéticoparatodaacomunidadeinternacional,noquetangeàproteçãointernacionaldomeioambientecomoumdireitohumanofun-damentaldetodos22.

ADeclaraçãodeEstocolmode1972,comolecionaJoséAfonsodaSilva,“abriucaminhoparaqueasConstituiçõessupervenientesreconhecessemomeioambienteecologicamenteequilibradocomoumdireito humano fundamentalentreosdireitossociaisdoHomem,comsuacaracterísticadedireitos a serem realizadosedireitos a não serem perturbados”23.Portermaterializadoosideais comunsdasociedadeinternacionalnoquetocaàproteçãointernacionaldomeioambiente,aDeclaraçãodeEstocolmode1972abriuespaçoparaqueessestemas,antesafetosaodomínioexclusivoeabsolutodosEstados,pudessempassarasertratadosdentrodeumaperspectivaglobal,notadamenteligadaàproteçãointernacionaldosdireitoshumanos.

AntesdaConferênciadeEstocolmo,omeioambienteeratratado,emplanomundial,comoalgodissociadodahumanidade.ADeclaraçãodeEstocolmode1972 conseguiu, portanto, modificar o foco do pensamento ambiental do planeta, mesmonãoserevestindodaqualidadede tratado internacional,enquadrando-se,aoladodasváriasoutrasdeclaraçõesmemoráveisdasNaçõesUnidas–dequesãoexemplosaDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanosde1948(nocampodosdireitoshumanos)eaDeclaraçãodoRiodeJaneirosobreMeioAmbienteeDesenvolvimentode1992(naesferadaproteçãointernacionaldomeioambiente)–noâmbitodaquiloqueseconvencionouchamardesoft lawoudroit doux(direitoflexível), governado por um conjunto de sanções distintas das previstas nas normas tradicionais,emcontrapontoaoconhecidosistemadohard lawoudroit dur(direitorígido).Apesardenãoseterainda,nadoutrinainternacionalista,umaconceituaçãoadequadadesoft law, pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todasaquelasnormasquevisamregulamentarfuturoscomportamentosdosEsta-dos,semdeteremostatusde“normajurídica”,equeimpõemalémdesançõesdeconteúdomoral,tambémoutrasquepodemserconsideradascomoextrajurídicas,emcasodedescumprimentoouinobservânciadeseuspostulados24.

Aasserçãododireitoaomeioambienteaostatus dedireitohumanofundamentaldecorredoPrincípio 1daDeclaraçãodeEstocolmode1972,segundooqual:

22Cf.Soares,GuidoFernandoSilva.“Direitoshumanosemeioambiente”,InO cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do homem.AlbertodoAmaral JúnioreCláudiaPerrone-Moisés (Orgs.).SãoPaulo:Edusp,1999,p.131;Soares,GuidoFernandoSilva.Direito Internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades,cit.,p.55;eSilva,JoséAfonsoda.Direito ambiental constitucional,3.ªed.,cit.,p.58-59.

23Silva,JoséAfonsoda.Direito ambiental constitucional,3.ªed.,op.cit.,p.67.24Sobreasoft law e a dificuldade de sua conceituação, vide Soares,GuidoFernandoSilva,A proteção internacional do meio ambiente.

op.cit.,p.91-94.

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O homem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e adequadascondições de vida, num meio ambiente cuja qualidade permita uma vida dedignidadeebemestar,etemasoleneresponsabilidadedeprotegeremelhoraromeioambiente,paraapresenteeasfuturasgerações.Atalrespeito,aspolíticasdepromovereperpetuaroapartheid,asegregaçãoracial,adiscriminação,aopressãocolonial e suas outras formas, e a dominação estrangeira, ficam condenadas e devemsereliminadas.

Umavitóriaimportantedospaísesmenosdesenvolvidosconsistiunoreco-nhecimentodasoberaniadosEstadosnaexploraçãodosseusprópriosrecursosenoestabelecimentodeseusmecanismosdeproteçãoambiental.NostermosdoPrincípio 21daDeclaração,“osEstadostêm,deacordocomaCartadasNaçõesUnidaseosprincípiosdoDireitoInternacional,odireitosoberanodeexplorarseusprópriosrecursos,conformesuasprópriaspolíticasrelativasaomeioambien-te,earesponsabilidadedeassegurarquetaisatividadesexercidasdentredesuajurisdição,nãocausemdanosaomeioambientedeoutrosEstadosouaáreasforadoslimitesdajurisdiçãonacional”25.Ficouaquiconsagradooprincípiocostumei-rosegundooqualapropriedadedeveserutilizadadetalformaanãoprejudicarterceiros(sic utere tuo ut alienum non laedas),sendocertoquesuaviolaçãoacarretaaresponsabilidadecivildoEstadoviolador.

OimpactodaDeclaraçãodeEstocolmoparaosanosqueseseguiramàCon-ferênciasefezsentirprincipalmentenoquetangeàimpressionanteavalanchedetratadosinternacionaisconcluídosnosúltimostempos(tantomultilaterais,comobilaterais e regionais) relativosàproteção internacionaldomeioambiente lato sensu,sendopraticamenteimpossíveldeterminarcomexatidãoonúmeroprecisodessesinstrumentosinternacionaisatualmente26.

A inter-relaçãodaproteçãoambientalcomoefetivogozodosdireitoshu-manosfoireconhecidapelaOrganizaçãodosEstadosAmericanos,pormeiodoRelatóriodecorrentedaAG/Res.1819 (XXXI-O/01),Direitos humanos e Meio Ambiente (OEA/Ser.G,CP/CAJP-1898/02),de4abrilde2002.NostermosdocitadoRelatório:“OPrincípio1daDeclaração de Estocolmo,de1972,podeseramaisantigadeclaraçãodiretaquevinculadireitoshumanoseproteçãoambiental,ao afirmar o direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida adequadas,nummeioambientedequalidadetalquepermitaumavidadedig-nidadeebem-estar.AConferênciadasNaçõesUnidassobreoMeioAmbienteHumano, de 1972, declarou que ‘o meio ambiente humano, o natural e o artificial, sãoessenciaisparaobem-estardohomemeparaogozodosdireitoshumanos

25Cf.,apropósito,Prieur,Michel,“Protectionof theenvironment”,inBedjaoui,Mohammed(Org.),International law: achievements and prospects,London:MartinusNijhoff Publischers,1991,p.1017-1018.

26Cf.Soares,GuidoFernandoSilva.Direito Internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades.SãoPaulo:Atlas,2001,p.56.

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fundamentais, inclusiveodireitoàprópriavida’.Desdeentãoumconsiderávelnúmerodeinstrumentosdedireitoshumanos,regionais,globaisenacionais,re-conhecemdealgummodoodireitoaummeioambientequesejasadio.Tambémháumcrescentecorpodejurisprudêncianocontextodosdireitoshumanos,quereconhece o flagelo da degradação ambiental, na medida em que afeta o gozo dos direitosestabelecidos.Institucionalmente,asNaçõesUnidaslevaramessaquestãomaislongequeoutrasorganizações,quando,emmeadosdadécadade90,criaramocargodeRelatorEspecialdeDireitosHumanoseMeioAmbiente,cujotrabalhoecujosdocumentosestabelecemdiretamenteavinculação”27.

Ainda no ano de 1972, é firmada a Convenção Relativa à Proteção do Patrimô-nioMundial,CulturaleNatural(promulgadanoBrasilpeloDecreton.º80.978,de12.12.1977).AConvenção,nostermosdoseuart.1.,consideracomopatrimônioculturalasobrasmonumentaisdearquitetura,esculturaoupintura,oselementosouestruturasdenaturezaarqueológica,osconjuntosarquitetônicosoupaisagísticosdevaloruniversalexcepcional,eoslugaresnotáveis.Porpatrimônionatural,nostermosdoseuart.2.,entendem-seosmonumentosnaturaisdevaloruniversaldoponto de vista estético ou científico, as áreas que constituam o habitatdeespéciesanimaisouvegetaisameaçadasouquetenhamvalorexcepcionaldopontodevistadaciênciaoudaconservação,eoslugaresnotáveis,cujaconservaçãoénecessáriaparaapreservaçãodabelezanatural.AindasegundoamesmaConvenção,osEs-tados-partes comprometem-se a identificar, proteger, conservar e legar às futuras geraçõesopatrimônioculturalenatural,apresentandoao“ComitêdoPatrimônioMundial”(art.8.º,§§1.ºa3.º),umroldosbenssituadosemseuterritórioquepossamserincluídosnalistadebensprotegidoscomo“PatrimônioMundial”28.

AConvenção sobre aDiversidadeBiológica,de5 junhode1992,por suavez,garanteàspresentesefuturasgeraçõesapreservaçãodabiosfera,visandoaharmonia ambiental do planeta. Efetivamente, como destaca Fábio Konder Com-parato,“agrandeinjustiçanessamatériaresidenofatodeque,emboraosgrandespoluidoresnomundosejamospaísesdesenvolvidos,sãoasnaçõesproletáriasquesofremmaisintensamenteosefeitosdadegradaçãodomeioambiente”[…].Taisfatosdemonstram,sobejamente,aíntimaligaçãoentredesenvolvimentoepolíticado meio ambiente, e justificam a necessidade de se pôr em prática, no mundo inteiro,umapolíticadedesenvolvimentosustentável.Éessaaboaglobalizaçãopelaqualsomosconvidadosalutar,emtodosospaíses”29.

27Doc.ConselhoPermanentedaOEA,ComissãodeAssuntosJurídicosePolíticos.RelatóriodaSecretaria-GeralsobreoCumprimentodaAG/Res.1819(XXXI-O/01),Direitos humanos e Meio Ambiente.op.cit.,p.2.

28Vide Comparato, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos,3.ªed.rev.eampl.,SãoPaulo:Saraiva,2003,p.379-390.

29 Comparato, Fábio Konder. 2003, p. 422-423.

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NopreâmbulodareferidaConvenção,selêque“osEstadossãoresponsáveispelaconservaçãodesuadiversidadebiológicaepelautilizaçãosustentáveldeseusrecursos biológicos”, ficando enfatizada, também, “a importância e a necessidade depromoveracooperaçãointernacional,regionalemundialentreosEstadoseasorganizaçõesintergovernamentaiseosetornão-governamentalparaaconservaçãodadiversidadebiológicaeautilizaçãosustentáveldeseuscomponentes”.Portanto,aConvençãode1992colocaaquestãodabiodiversidadedentrodoenfoquedodesenvolvimentosustentadodetodaahumanidade.

Talvez aqui residaoponto-chavedas controvérsias envolvendoosdireitoshumanoseodireitoaodesenvolvimento30.DaíasugestãodeGuidoFernandoSilvaSoares,nosentidodeque“oconceitoquepoderáevitarumconfrontocruelentredireitoshumanosedireitoaodesenvolvimentosejaodedesenvolvimentosustentável”.Masestemesmointernacionalistaalertaparaofatodequedar-seaodesenvolvimentoumadimensãoderespeitoaomeioambientepoderá,talvez,amenizar os conflitos, mas não extirpá-los. Segundo Guido Soares o abandono “deumaposturaancoradanumaantropologiaunilateral,centradacomegoísmona vidahumana, embenefíciodeumaposturabaseada emuma antropologiasolidária,naqualhajaumirrestritorespeitoaquaisqueroutrasformasdevida,além da humana, parece-nos ser mais conseqüência de uma postura ética do que resultantedenormasjurídicasexistentes,e,portanto,dependerádaboavontadedosEstadosedaspessoas”31.

Osproblemasatinentesàinter-relacionariedadedaproteçãointernacionaldosdireitoshumanoscomoDireitoInternacionaldomeioambiente,entretanto,aindacarecemdemaiorconvergênciadoutrinária.ComodemonstradopeloRelatóriodaOEAdecorrentedacitadaAG/Res.1819,osautoresque“escreveramsobreamatériageralmentecoincidememqueodanoaomeioambientedefatoafetaosdireitoshumanosdaspessoas”,estandoadiferença“naformadetrataroproble-ma”.Nessesentido,aindasegundooRelatório,“épossívelfalardeduasescolas:umaesposaassoluções‘substantivas’,aoutra,assoluções‘processuais’.Assoluçõessubstantivasabrangeriamessencialmenteanovalegislaçãoqueconscientementejuntaosdoisassuntosdemaneiradeclaratória.Osrecursosprocessuaissevoltamparaasdimensõespráticasdoproblema,comoacriaçãoouofortalecimentodosdireitosdeacessoàinformaçãoeàparticipação,demaneiraquegruposmargi-

30Aesserespeito,cabeumaanáliseproveitosaemCançadoTrindade,AntônioAugusto,“Meioambienteedesenvolvimento:formulaçãoeimplementaçãododireitoaodesenvolvimentocomoumdireitohumano”.InBoletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional,anoXLV,jul./nov./1992,n.81/83,p.49-76.

31Soares,GuidoFernandoSilva.A proteção internacional do meio ambiente.op.cit.,p.175-176.32Cf.Doc.ConselhoPermanentedaOEA,ComissãodeAssuntosJurídicosePolíticos.RelatóriodaSecretaria-Geralsobreo

CumprimentodaAG/Res.1819(XXXI-O/01),Direitos humanos e Meio Ambiente.op.cit.,p.2.Paraadiscussãodoassunto,vide Anderson, Michael R., “Human rights approaches to environmental protection: an overview”, In: Boyle, Alan E. & Anderson,MichaelR.(edits.),human Rights Approaches to Environmental Protection(1996),p.3-10.

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nalizados (que são com freqüência desproporcionalmente afetados pelos danos ambientais)possamprocurarreparaçãonosmecanismosexistentes”32.

Masnãoésomentenoplanointernacionalqueodireitoaomeioambientetornou-seumdireitohumanofundamental,reconhecidoeprotegidojuridicamentepor declarações e tratados internacionais específicos.

Noplanododireitointernobrasileiro,odireitoaomeioambienteecologi-camenteequilibradoveminsculpidonoart.225,caput,daConstituiçãode1988,queassimdispõe:

todostêmdireitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado,bemdeusocomumdopovoeessencial à sadia qualidade de vida,impondo-seaoPoderPúblicoeàcoletividadeodeverdedefendê-loepreservá-loparaaspresentesefuturasgerações[grifonosso].

Estedispositivodotextoconstitucionalconsagratambémoprincípiosegundooqualomeioambienteéumdireito humano fundamental,namedidaemquevisaprotegerodireitoàvidacomtodososseusdesdobramentos,incluindoasadiaqualidadedeseugozo.Trata-sedeumdireitofundamentalnosentidodeque,semele,apessoahumananãoserealizaplenamente,ouseja,nãoconseguedesfrutá-losadiamente,paraseutilizaraterminologiaempregadapelaletradaConstituição.

Nosentidoempregadopeloart.225,caput,dotextoconstitucional,odireitoaomeioambienteecologicamenteequilibradoéumpriuslógicododireitoàvida,semoqualestanãosedesenvolvesadiamenteemnenhumdosseusdesdobramen-tos.Édizer,obemjurídicovidadepende,paraasuaintegralidade,entreoutrosfatores,daproteçãodomeioambientecomtodososseusconsectários,sendodeverdoPoderPúblicoedacoletividadedefendê-loepreservá-loparapresentesefuturasgerações.

Dentrodestaperspectiva,odireitoaummeioambientesadioeequilibradoconfigura-se uma extensão ou corolário lógico do direito à vida, sem o qual nenhum serhumanopodevindicaraproteçãodosseusdireitosfundamentaisviolados.

AvidatuteladapelaConstituição,portanto,transcendeosestreitoslimitesdesua simples atuação física, abrangendo tambémodireito à sadiaqualidadedevidaemtodasassuasvertenteseformas.Sendoavidaumdireitouniversalmentereconhecidocomoumdireitohumanobásicooufundamental,oseugozoécon-diçãosine qua non paraogozodetodososdemaisdireitoshumanos,aquiinclusoodireitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado33.

33Cf.CançadoTrindade,AntônioAugusto.Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional.op.cit.,p.71.

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Noplanoinfraconstitucionaldalegislaçãobrasileira,aLein.°6.938,de31deagostode1981,quedispõesobreaPolíticaNacionaldoMeioAmbiente,apresentaoseguinteconceitodemeioambiente,asaber:

Art.3.°[…].I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações deordemfísica,químicaebiológica,quepermite,abrigaeregeavida em todas as suas formas”[grifonosso].

Estanormajurídica,consideradaummarconaproteçãojurídicadomeioam-bientenoBrasil,editadaàégidedaConstituiçãode1967,sobaEmendan.1,de1969,foirecepcionadapelaConstituiçãode1988,comoquenumtipodereforçoaoentendimentosegundooqualavidatuteladapelanormaconstitucionaltemumsentidoamplo,abrangendotantoavidadapessoahumanacomotodososseusdesdobramentos,aexemplodomeioambienteecologicamenteequilibrado,essencialàsadiaqualidadedeseugozoefruição.

Aquelesimportantestratadosinternacionaisdeproteçãoaomeioambiente,aosquaisjánosreferimos(Convenção-QuadrodasNaçõesUnidassobreMudançadoClimaeConvençãosobreDiversidadeBiológica,ambasconcluídasem1992,bemcomo todos os demais tratados sobre matéria ambiental já ratificados ou a serem ratificados pelo Brasil), também visam expressamente proteger a “vida em todas as suasformas”.Taisinstrumentosinternacionais,portanto,integramecomplementamaregradeproteçãoaomeioambienteinsculpidanoart.225,caput,daConstituiçãode1988,incorporando-seaodireitointernobrasileirocomumstatusdiferenciadodasdemaisnormasinternacionaistradicionais(v.tópicon.º7,infra).

Ostratadosinternacionaisemmatériademeioambiente,tiveramsuaimpor-tânciareconhecidapeloPrincípio 24 daDeclaraçãodeEstocolmode1972,segundooqual“acooperaçãoatravésdeconvêniosmultilateraisoubilaterais,oudeou-trosmeiosapropriados,éessencialparaefetivamentecontrolar,prevenir,reduzireeliminarosefeitosdesfavoráveisaomeioambiente,resultantesdeatividadesconduzidasemtodasasesferas,levando-seemcontaasoberaniaeinteressesdetodososEstados”.

5 O direito ao meio ambiente sadio no sistema interamericano de direitos humanos

Odireitoaummeioambientesadioéassegurado,nosistemainteramericanodedireitoshumanos,peloart.11doProtocoloAdicionalàConvençãoAmeri-cana sobre Direitos Humanos em Matéria deDireitos Econômicos, Sociais eCulturais(conhecidoporProtocolo de San Salvador),de17denovembrode1988,nestestermos:

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Art.11.Direito a um meio ambiente sadio.1.Todapessoatemdireitoaviveremmeioambientesadioeacontarcomosserviçospúblicosbásicos.

2.OsEstados-partespromoverãoaproteção,preservaçãoemelhoramentodomeioambiente34.

Nosistemainteramericano,alémdaregrasupra sobreodireitoaum“meioam-bientesadio”,comodenominadopeloProtocolodeSanSalvador,ajurisprudênciatambémtemdadoasuacontribuição,noquedizrespeitoaoassunto.SeguindooexpostonocitadoRelatóriodaOEA(Ser.G,CP/CAJP-1898/02),sobreDireitos humanos e Meio Ambiente,sãodoisoscasosquesedestacam,envolvendoajuris-prudênciadosistemainteramericano:

1) Resoluçãon.º12/85,Cason.º7615(Brasil),5demarçode1985,constantedoRelatórioAnualdaCIDH1984-85,OEA/Ser.L/V/II.66,doc.10rev.1,1outubro,1985,24,31(CasoYanomami),envolvendoaconstruçãodeumaestradaquepassavapeloterritórioYanomami,quesedescobriutertrazidodoençasetc.,paraosintegrantesdessatribo.Constatou-se,nestecaso,váriasviolaçõesàDeclaraçãoAmericanadosDireitoseDeveresdoHomem,noquedizrespeitoaodireitoàvida,àliberdadeeàsegurançapessoaleaodireitoàpreservaçãodasaúdeedobem-estar;

2) ComunidadeindígenaAwasTingniMayagna(Sumo)contraaNicarágua,tendo sido o caso encaminhado pela Comissão Interamericana deDireitos Humanos à Corte Interamericana, alegando-se que o fracassoda demarcação e reconhecimento do território, face à perspectiva dodesmatamento sancionado pelo governo nessas terras, constituía umaviolaçãodaConvençãoAmericana,tendoaCortedecidido,emagostode2001,queoEstadoviolaraosarts.21e25daConvençãoAmericana(direito à propriedade privadaeproteção judicial, respectivamente),ordenandoqueomesmodemarcasseasterrasdosAwasTingni35.

Tambémsãocitadas,nomesmodocumento,outrasreferênciasselecionadasnosistemainteramericanodedireitoshumanossobreainterseçãodedireitoshuma-nosemeioambiente,quaissejam:a)RelatóriodaOEA2000sobreaGuatemala,Capítulos III & XI, OEA/Ser.L/V/II.111 Doc. 21, rev. 6, abril 2001, Original: inglês/espanhol;b) Relatório da OEA 2000 sobre o Paraguai, Capítulos V & IX

34TextoemMazzuoli,ValeriodeOliveira(Org.),Coletânea de Direito Internacional.op.cit.,p.536.35VideDoc.ConselhoPermanentedaOEA,ComissãodeAssuntosJurídicosePolíticos.RelatóriodaSecretaria-Geralsobreo

CumprimentodaAG/Res.1819(XXXI-O/01),Direitos humanos e Meio Ambiente,cit.,p.3.NostermosdomesmoRelatório:“Poroutrolado,umaleiturarazoáveléqueaCorteEuropéiadeDireitosHumanossequerseaproximoudosistemaintera-mericanonoreconhecimentodessavinculação.Masmesmoaqueleorganismodecidiuqueodanoambiental(porexemplo,apoluiçãosonora)podeviolaroartigo1doProtocolo1daComissãoEuropéia,seodanoresultarnumadesvalorizaçãodapropriedade.Alémdisso,podeviolaroartigo8(1)secausardanosaodomicílio,àvidaprivadaefamiliar”(Idem,ibidem).

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OEA/Ser.L/V/II.110Doc.529,março2001;c)RelatóriodaOEA1999sobreoPeru,CapítuloVIOEA/Ser.L/V/II.106Doc.59rev.2,junho2000;d)CapítuloV,“AcompanhamentodasrecomendaçõesformuladaspelaComissãoInteramericanadeDireitosHumanosemseusrelatóriossobreasituaçãodosdireitoshumanosnosEstadosmembros”,Seçãol(Equador),parágrafos109,118;in RelatórioAnualdaComissãoInteramericanadeDireitosHumanos,de1998;e)RelatóriosobreasituaçãodosdireitoshumanosnoEquador,CapítuloIX,Questõesdedireitoshumanosdeespecialrelevânciaparaoshabitantesindígenasdopaís,RelatóriodePaísesdaOEA,documentoOEA/Ser.L/V/II.96(1997);f)ComissãoInterameri-canadeDireitosHumanos,RelatórioAnual(1997),OEA/Ser.L/V/II.98,p.46;g)RelatóriosobreasituaçãodosdireitoshumanosnoBrasil,CapítuloVI,RelatóriodePaísesdaOEA(1996);h)RelatóriodaOEAsobreaColômbia,1992,CapítuloXI,OEA/Ser.L/V/II.84Doc.39rev.14,outubrode1993;i)ComissãoIntera-mericanadeDireitosHumanos,RelatórioAnual1979-1980,OEAdocumentoOEA/Ser.L/V/II.50Doc.13rev.1(CIDH1980);j)ComissãoInteramericanadeDireitosHumanos,resoluçãosobrepovosindígenas(1972),p.90-91,documentoOEA/Ser.P.,AG/doc.305/7336.

6 A inter-relação dos direitos humanos com o meio ambiente em outros instrumentos

internacionaisAProfessoraDinahShelton,daUniversidadedeNotreDame,noDocumento

deAntecedentesn.º1e2,intituladoQuestões ambientais e direitos humanos nos tratados multilaterais adotados entre 1991 e 2001,preparadoparaoSeminárioConjuntodePeritosemDireitosHumanoseMeioAmbiente(PNUMA-ACDH),realizadoemGenebra,emjaneirode2002,expõecompropriedadealgunsinstrumentosinter-nacionaisquetrazemexplicitamenteregrasdeinter-relaçãodosdireitoshumanoscomaproteçãointernacionaldomeioambiente.Arelaçãoaseguirfoiextraída,comalgumapoucavariação,docitadoRelatóriodaOEA(Ser.G,CP/CAJP-1898/02)sobredireitoshumanosemeioambiente.

Vejamos,pois,osnúcleosdeinter-relaçãoentredireitoshumanosemeioam-bienteemtextosinternacionais:

1) O Princípio 1 da Declaração de Estocolmo estabeleceu os fundamentosdavinculaçãoentredireitoshumanoseproteçãodomeioambiente, aodeclararque:“Ohomemtemodireitofundamentalàliberdade,igualdadeeadequadascondiçõesdevida,nummeioambientecujaqualidadepermitaumavidadedignidadeebemestar…”.Tambémanunciouaresponsabilidade

36Cf.Doc.ConselhoPermanentedaOEA.Idem,p.3-4.37 Ver também United Nations (UN), Res. 45/94, que reafirma essa linguagem vinte anos mais tarde.

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decadapessoadeprotegeremelhoraromeioambienteparaageraçãoatualeasgeraçõesfuturas37.

2) OPrincípio 10daDeclaraçãodoRiodeJaneirosobreMeioAmbienteeDesenvolvimento, de 1992, estabelece que: “A participação pública noprocessodecisórioambientaldeveserpromovidaeoacessoàinformaçãofacilitado”.Vincula-se,aqui,oassuntoemtermosprocessuais,medianteodireitodoindivíduoàinformaçãorelacionadacomomeioambientequeestejaemmãosdasautoridadespúblicas38.

3) AConvenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça nas Questões Ambientais(Aarhus,25dejunhode1998),assinadapor35EstadoseaComunidadeEuropéia,adotaumenfoqueamplo,apoiando-seemtextosanteriores,especialmentenoPrincípio 1daDeclaraçãodeEstocolmo.SeuPreâmbulo declara que “toda pessoa tem o direito de viver num meioambienteadequadoasuasaúdeebem-estareodever,tantoindividualmentequantoemassociaçãocomoutros,deprotegeremelhoraromeioambienteembenefíciodageraçãoatualedasgeraçõesfuturas”.

4) A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (Nova York, 20denovembrode1989)fazreferênciaaosaspectosdaproteçãoambientalrelacionadoscomodireitodacriançaàsaúde.Oseuart.24dispõe,entreoutrascoisas,que:“1.OsEstados-partesreconhecemodireitodacriançadegozardomelhorpadrãopossíveldesaúdeedosserviçosdestinadosaotratamentodasdoençaseàrecuperaçãodasaúde.OsEstados-partesenvidarãoesforçosnosentidodeassegurarquenenhumacriançasevejaprivadadeseudireitodeusufruirdessesserviçossanitários.[…]2.OsEstados-partesgarantirãoaplenaaplicaçãodessedireitoe,emespecial,adotarãoasmedidasapropriadascomvistasa:[…]c)combaterasdoençaseadesnutrição,dentrodocontextodoscuidadosbásicosdesaúdemediante,inter alia,aaplicaçãodetecnologiadisponíveleofornecimentodealimentosnutritivosedeáguapotável,tendoemvistaosperigoseriscosdapoluiçãoambiental”39.

5) ACarta Africana dos Direitos humanos e dos Povos,(Banjul,26dejunhode1991)incluiváriasdisposiçõesrelacionadascomodireitoaomeioambiente

38Napagina5,notan.º4,doRelatóriodaOEA,lê-se:“AmesmalógicaseaplicaàConvenção-QuadrodasNaçõesUnidassobreMudançaClimática(4dejunhode1992),aoProtocolo de Cartagena sobre Biossegurança à Convenção sobre Diversidade Biológica (Montreal,29dejaneirode2000),artigo23,aoartigo10.1,daConvenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (Estocolmo,22demaiode2001),àConvenção de Espoo sobre Avaliação do Impacto Ambiental num Contexto transfronteiriço,adotadaem25defevereirode1991,nodecorrerdospreparativosparaaConferênciadoRio,àConvenção sobre Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Atividades Perigosas ao Meio Ambiente (Lugano,26dejunhode1993),CapítuloIII,compreendendoosartigos13a16,aoConvênio Norte-Americano sobre Cooperação Ambiental (Washington,D.C.,13desetembrode1993),artigo2.1,a,14.TambémconhecidocomoacordocomplementaraoNAFTA,otratadoincluiacordosinstitucionaisparaparticipaçãopúblicaeéoprimeiroacordoambientalaestabelecerumprocedimentoparaapresentaçãodequeixasdeindivíduoseorganizaçõesquantoadeixaroEstadodefazervalersualegislaçãoambiental,inclusiveaquedecorradeobrigaçõesinternacionais”.

39TextoemMazzuoli,ValeriodeOliveira(Org.),Coletânea de Direito Internacional.op.cit.,p.510.

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sadio.Oart.24,porexemplo,declaraque:“Todosospovostêmdireitoaummeioambientegeralsatisfatório,propícioaoseudesenvolvimento”.

6) Oart.27daCarta dos Direitos Fundamentais da União Européiadispõeque:“TodasaspolíticasdaUniãodevemintegrarumelevadoníveldeproteçãodoambienteeamelhoriadasuaqualidade,eassegurá-losdeacordocomoprincípiododesenvolvimentosustentável”.

7) Oart.111dotratado para o Estabelecimento da Comunidade da África Oriental,por fim, estabelece que “um meio ambiente limpo e sadio é precondição paraodesenvolvimentosustentável”40.

Estebreveparaleloentreosinstrumentosinternacionaiscontemporâneoscita-dosbemdemonstraoimpulsoàinter-relaçãodosdireitoshumanoscomaproteçãointernacionaldomeioambiente,noatualcontextodasrelaçõesinternacionais.

Dentretodosestesinstrumentosinternacionais,aquelesqueserevestemdaqualidadedetratadostêmumaformaprópriadeingressoeaplicabilidadenoor-denamentojurídicobrasileiro,nostermosdaregrado§2.ºdoart.5.º,danossaConstituição. É importante, então, que nós verifiquemos as regras constitucionais brasileirasdeincorporaçãodostratadosinternacionaisdeproteçãodosdireitoshumanos,onde indubitavelmente se incluem (como já explicamos) asnormasinternacionaisdeproteçãodomeioambiente.

7 A Constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de direitos humanos

AConstituiçãobrasileirade1988,alcunhadade“cidadã”,foiomarcofun-damentalparaoprocessodainstitucionalizaçãodosdireitoshumanosnoBrasil.Erigindoadignidade da pessoa humanaaprincípiofundamental,peloqualaRepú-blicaFederativadoBrasildeveseregernocenáriointernacional,instituiuaCartabrasileiraumnovovalorqueconferesuporteaxiológicoatodoonossosistemajurídicoequedevesersemprelevadoemcontaquandosetratadeinterpretarquaisquerdasnormasconstantesdoordenamentojurídicopátrio.

Nessaesteira,aCartade1988,seguindoatendênciadoconstitucionalismocontemporâneodeseigualarhierarquicamenteostratadosdeproteçãodosdireitoshumanosàsnormasconstitucionais,deuumgrandepassorumoaaberturadosistemajurídicobrasileiroaosistemainternacionaldeproteçãodedireitos,quando,no§2.ºdoseuart.5.º,deixouestatuídoque:

40Doc.ConselhoPermanentedaOEA,ComissãodeAssuntosJurídicosePolíticos.RelatóriodaSecretaria-GeralsobreoCumprimentodaAG/Res.1819(XXXI-O/01),Direitos humanos e Meio Ambiente,cit.,Seção5,baseadanoDocumentodeAntecedentesdaProfessoraDinahShelton,daUniversidadedeNotreDame,n.1e2,Questões ambientais e direitos humanos nos tratados multilaterais adotados entre 1991 e 2001,preparadoparaoSeminárioConjuntodePeritosemDireitosHumanoseMeioAmbientePNUMA-ACDH,realizadoemGenebra,emjaneirode2002.

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Osdireitosegarantiasexpressos nesta Constituiçãonãoexcluemoutrosdecor-rentesdoregimeedosprincípiosporelaadotados,ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte[grifonosso].

Ainovação,emrelaçãoàsConstituiçõesbrasileirasanteriores,dizrespeitoàreferênciaaostratados internacionaisemqueaRepúblicaFederativadoBrasilsejaparte.NasConstituiçõesanteriores,emdispositivossemelhantes,nãoconstavaareferênciaaos“tratadosinternacionais”comoconstanaatualConstituição.Talmodificação, referente a estes instrumentos internacionais, além de ampliar os mecanismosdeproteçãodadignidadedapessoahumana,veiotambémreforçareengrandeceroprincípiodaprevalênciadosdireitoshumanos,consagradopelaCartade1988comoumdosprincípiospeloqualaRepúblicaFederativadoBrasildeveseregeremsuasrelaçõesinternacionais(CF,art.4.º,II).Eistofezcomquese modificasse sensivelmente, no Brasil, a interpretação relativa às relações do DireitoInternacionalcomodireitointerno,noquetocaàproteçãodosdireitosfundamentais,coletivosesociais.BastapensarqueainserçãodosEstadosemumsistema supraestataldeproteçãodedireitos,comseusorganismosdecontrole internacio-nal,fortaleceatendênciaconstitucionalemlimitaroEstadoeseupoder,emproldaproteçãoesalvaguardadosdireitoshumanosuniversalmentereconhecidos.

Oprocessodeinternacionalizaçãodosdireitoshumanos,assim,tevefundamen-talimportânciaparaaabertura democrática do Estado brasileiro, que passou a afinar-se comosnovosditamesdanovaordemmundialapartirdeentãoestabelecida.Essaabertura,porsuavez,contribuiuenormementeparaainserçãoautomáticadostratadosinternacionaisdedireitoshumanosnaordemjurídicabrasileiraeparaaredefinição da cidadania no âmbito do direito brasileiro.

Odireitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado,quetambémintegraocontextodosdireitoshumanosfundamentais,éumdireitoqueseencontraexpressonaConstituição.Nostermosdojácitadoart.225,caput,daConstituição:“Todostêmdireitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado,bemdeusocomumdopovoeessencialàsadiaqualidadedevida,impondo-seaoPoderPúblicoeàcole-tividadeodeverdedefendê-loepreservá-loparaaspresentesefuturasgerações”.Assimsendo,namedidaemque,nostermosdoart.5.º§2.ºdaConstituição,osdireitosegarantiasnelaexpressos(“expressosnestaConstituição”)nãoexcluemoutrosdecorrentes“dostratadosinternacionaisemqueaRepúblicaFederativadoBrasilsejaparte”,aconclusãoquesechegaéqueostratadosinternacionaisde

41Paraumestudodetalhadodaincorporaçãodostratadosinternacionaisdedireitoshumanosnoordenamentojurídicobrasileiro,vide Mazzuoli,ValeriodeOliveira,Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira.op.cit.,p.233-252.Pelostatusconstitucionaldostratadosinternacionaisdedireitoshumanos,videtambém:CançadoTrindade,AntônioAugusto,“AinteraçãoentreoDireitoInternacionaleodireitointernonaproteçãodosdireitoshumanos”,inA incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro,2.ªed.,SanJosé,CostaRica.Brasília:IIDH(etall.),1996,p.210ess;Piovesan,Flávia,Direitos humanos e o direito constitucional internacional.op.cit.,p.73-94,etemas de direitos humanos,SãoPaulo:MaxLimonad,1998,p.34-38;Silva,JoséAfonsoda,Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição,SãoPaulo:Malheiros,2000,p.195-196.

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proteçãoaomeioambientedetêmumstatusdiferenciadodentrodonossosistemajurídico, integrando-se ao ordenamento brasileiro com hierarquia de “normasconstitucionais”41.

Odireitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado,expressonoart.225,caput,daConstituição,portanto,podesercomplementadoporoutrosprovenientesdetratadosinternacionaisdeproteçãoaomeioambiente.Seosdireitosegarantiasexpressosnotextoconstitucional“nãoexcluem”outrosprovenientesdostrata-dosinternacionaisemqueoBrasilsejaparte,éporque,namedidaemquetaisinstrumentospassamaassegurarcertosdireitosegarantias,aConstituição“osinclui”noseucatálogodedireitosprotegidos,ampliando,assim,oseu“blocodeconstitucionalidade”42.

Gozandotaisinstrumentosinternacionaisdehierarquia constitucional,eingres-sando,consequentemente,nochamado“blocodeconstitucionalidade”,ouseja,nocatálogo dos direitos e garantias fundamentais protegidos, fica também impedida, porpartedoSupremoTribunalFederal,qualquerdeclaraçãodeinconstitucionalida-denoquedizrespeitoaosdireitosegarantiascontidosnessestratados43.Portanto,namedidaemquetaistratadosdetêmostatus de“normasconstitucionais”,dá-sepordesprezadoqualquerargumentoquepossasustentaroseunão-cumprimentoouasuanão-aplicação.

Ahierarquiaconstitucionaldostratadosdeproteçãodosdireitoshumanos,nãoserveapenasdecomplementoàpartedogmáticadaConstituição,implicando,

42EstatambéméaopiniãodoProf.CelsoLafer,manifestadaemsubstanciosoparecerproferidonohabeas Corpusn.º82.424-RS,doSupremoTribunalFederal,cujocasoligava-seàpráticadocrimederacismo(queéimprescritívelnostermosdoart.5.º,inc.XLII,daConstituição),cometidoporsujeitopropagadordeidéiasnazistaseanti-semitaspormeiodelivrospublicadosporeditoradesuapropriedade.AotratardaintegraçãodaConvençãoparaaEliminaçãodeTodasasFormasdeDiscriminaçãoRacial,de1965,noordenamentojurídicobrasileiro,oProf.Lafer,citandoanossadoutrina,assimleciona:“O§2.ºdoart.5.ºdaConstituiçãode1988determina,emmatériadedireitosegarantias,arecepção,peloDireitobrasileiro,doqueestipulamosTratadosInternacionaisemqueaRepúblicaFederativadoBrasiléparte.NocasodaConvençãode1965,suavigênciaeaplicaçãoemnossopaísantecedeaConstituiçãode1988eoseuregimeéinteiramentecompatívelcomotextoconstitucionaleasuacorrespondentelegislaçãoinfra-constitucional.Nestesentido,podesedizerqueaConvençãode1965integrao‘blocodeconstitucionalidade’àmaneiradoqueobservaValeriodeOliveiraMazzuoliinvocandoBidartCampos.EstaintegraçãodaConvençãode1965ao‘blocodeconstitucionalidade’nãoéproblemática,poisnãosuscitanemoproblemadasantinomiasnemadiscussãosobreamudançadaConstituição,deformadistintadaprevistaparaasemendasconstitucionais,temascomosquaissepreocuparamosMinistrosMoreiraAlveseGilmarMendesetambém,nocampodoutrinário,oProf.ManoelGonçalvesFerreiraFilho”.(Lafer,Celso.Parecer.“Art5.º,XLIIdaConstituição–Art.20daLei7.716/89,comaredaçãodadapela Lei 8.081/90, que define os crimes resultantes de preconceito de raça e cor – Interpretação do alcance e conteúdo do crimedepráticadoracismo”,de24demarçode2003,p.94-95,inSTF–habeas Corpusn.º82.424-RS,indeferidopormaioria,rel.orig.Min.MoreiraAlves,rel.paraacórdãoMin.MaurícioCorrêa,julg.em17.09.2003).

43Oart.102, III,b,daConstituiçãobrasileirade1988,confereaoSupremoTribunalFederalacompetênciapara“julgar,medianterecursoextraordinário,ascausasdecididasemúnicaouúltimainstância,quandoadecisãorecorrida:b)declararainconstitucionalidadedetratadoouleifederal”.Deacordocomonossoentendimento,estedispositivonãopodeseraplicadonocasodostratadosinternacionaisdeproteçãodosdireitoshumanos,ondetambémseenquadramostratadosinternacionaisdeproteçãodomeioambiente,postoquenãosedeclaraainconstitucionalidadededireitosegarantiasfundamentais.Taisdireitosegarantiasfundamentaissãocláusulas pétreasnodireitobrasileiro,nãopodendoserabolidosnemmesmopelaviadeEmendaàConstituição.Ascláusulaspétreasimpõemlimitesmaterialmenteexplícitosdereformaconstitucional.Essaslimitações materiais explícitasconstantesdo§4.ºdoart.60daConstituiçãoimpedem,naviadeemendaconstitucional,qualquerpropostatendenteaabolir:(I)aformafederativadoEstado;(II)ovotodireto,secreto,universaleperiódico;(III)aseparaçãodosPoderes;e(IV)osdireitosegarantiasindividuais.Observe-seque,nesteúltimocaso,arespectivacláusulapétreasóalcançaosdireitosegarantiasindividuaisenãooscoletivos.

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ainda,noexercícionecessáriodetodoopoderpúblico–aíinclusoojudiciário–,emrespeitaregarantiraplenavigênciadessesinstrumentos.DistodecorrequeaviolaçãodetaistratadosconstituinãosóemresponsabilidadeinternacionaldoEstado,mastambémnaviolaçãodaprópriaConstituiçãoqueoserigiuàcategoriadenormasconstitucionais.

Aquelesqueresistemaestasolução–tantonoBrasil,comoemoutrospaísesqueelegeramostratadosdeproteçãodosdireitoshumanoscomonormaspre-valentes–apelam,namaioriadasvezes,paraatãoantigadoutrinadasoberaniaestatal absoluta – que a seus juízos ficaria desvirtuada ou prejudicada –, bem como para a supremacia da Constituição. Não falta, também, a invocação aopoderconstituinte,sobainfundadaalegaçãodeque,admitirqueostratadosin-ternacionaisdeproteçãodosdireitoshumanostêmstatusdenormaconstitucional(ousupraconstitucionalselevarmosemcontaatendênciamundialdeproteçãodedireitos),seriaomesmoqueanulardevezaparticipaçãodosórgãosdopoderconstituídonoprocessodeformaçãodasleis.

Taisargumentos,naspalavrasdeGermanJ.BidartCampos,traduzem“umaescassíssima capacidade de absorção das tendências que, aos fins de nosso século, exibemoDireitoInternacionaleoDireitoConstitucionalcomparado”.Ademais,aindasegundoBidartCampos,nãorevisarosconceitoseosmodelostradicionaisdo poder constituinte e da supremacia constitucional a fim de introduzir-lhes os reajustesqueoritmohistóricodotempoeascircunstânciasmundiaisreclamam,significa “paralisar a doutrina constitucional com congelamentos que eqüivalem aatraso”44.

Noquedizrespeitoaostratadosinternacionaisdeproteçãodomeioambien-te, existe ainda um outro forte argumento que justifica o seu caráter especial e o tratamentojurídicoprivilegiadoquelhesfoiatribuídopelotextoconstitucionalbrasileiro,queéaconsideraçãodeseromeioambienteumdireitodenaturezadifusa,quetranscendeoslimitesterritoriaisdasoberaniadosEstados,ultrapassan-doassuasfronteirasfísicas45,passandoasermatériaafetaàproteçãodoDireitoInternacionaleobjetoprópriodesuaregulamentação,oquesepodenotarpelooadventodosinúmerostratadosinternacionaisconcluídos,nosúltimosanos,paraessa específica finalidade. Ademais, o processo de internacionalização da proteção domeioambiente,quetemacompanhadoainternacionalizaçãodosdireitoshuma-

44BidartCampos,GermanJ.El derecho de la Constitucion y su fuerza normativa.BuenosAires:EdiarSociedadAnónimaEditora,1995,p.455-456.

45Veja-se,porexemplo,aquestãodapoluição edosváriosdesastres atômicos jásofridospeloplanetanosúltimosanos,quechegamaafetarregiõesinteirasdogloboterrestre,desconhecendofronteiraselimitesfísicos.Veja-se,ainda,asituaçãodasespéciesanimaisevegetaisemperigodeextinção,asituaçãodosriostransfronteiriçosedoslagosinternacionais,bemcomoaquestãodacamada de ozônio, responsável pela filtragem dos raios solares prejudiciais ao homem. Cf., nesse sentido, Soares, Guido FernandoSilva,Curso de Direito Internacional público,v.1.,op.cit.,p.407-408.

46Cf.,arespeito,CançadoTrindade,AntônioAugusto.Direitos humanos e meio-ambiente: paralelodossistemasdeproteçãointer-nacional.op.cit.,p.39-51.

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nos no plano global, fortalece e intensifica a tese da erosão do chamado domínio reservadodosEstados,segundoaqualotratamentoqueoEstadoconfereaosseusnacionaiseaoseumeioambienteématériaafetaàsuajurisdiçãoexclusiva46.

Matériasdasmaisrelevantesparaomeioambiente,cujaproteçãoseencontraasseguradaportratadosinternacionais,comoasquestõessempreatuaisatinentesàmudançadoclimae àdiversidadebiológica47,portanto,passama integrarodireitobrasileirocomíndoleenívelconstitucionais,ampliandoefortalecendooroldosdireitos fundamentaisdohomemconstitucionalmenteprotegidospelotextoconstitucionalbrasileiro.

ComosejánãobastasseostatusconstitucionalatribuídopelaCartade1988aostratadosinternacionaisdeproteçãodosdireitoshumanos,éaindadeseres-saltarquetaistratados,pordisposiçãotambémexpressadaConstituição,passamaincorporar-seautomaticamenteemnossoordenamento,apartirdesuasrespectivasratificações. É a conclusão que se extrai do mandamento do § 1.º do art. 5.º da nossa Carta Magna, segundo o qual: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentaistêmaplicaçãoimediata”.

Frise-sequeo§1.ºdoart.5.ºdaConstituiçãode1988,dáaplicaçãoimediataa todososdireitosegarantias fundamentais, sejamestesexpressosno textodaConstituiçãoouprovenientesdetratados,vinculando-setodoojudiciárionacionalaestaaplicação,eobrigando,porconseguinte,tambémolegislador,aíincluídoolegisladorconstitucional.Édizer,seuâmbitomaterialdeaplicaçãotranscendeocatálogodosdireitos individuaisecoletivos insculpidosnosarts.5.ºa17daCartadaRepública,paraabrangeraindaoutrosdireitosegarantiasexpressosnamesmaConstituição(masforadocatálogo),bemcomoaquelesdecorrentesdoregimeedosprincípiosporelaadotadosedostratadosinternacionaisemqueaRepúblicaFederativadoBrasilsejaparte,tudo,consoantearegrado§2.ºdoart.5.º,daConstituição.

Éjustamenteesteúltimocaso(aplicaçãoimediatadostratadosinternacionaisdedireitoshumanos)queinteressaparticularmenteaesteestudo.Ora,seasnor-mas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez ratificados, por tambémconteremnormasquedispõemsobredireitosegarantiasfundamentais,terão,dentrodocontextoconstitucionalbrasileiro,idênticaaplicaçãoimediata.Damesmaformaquesãoimediatamenteaplicáveisaquelasnormasexpressasnosarts.5.ºa17daConstituiçãodaRepública,osão,deigualmaneira,asnormascontidasnostratadosinternacionaisdedireitoshumanosdequeoBrasilsejaparte.

47Sobretaisassuntosvide Mello,CelsoD.deAlbuquerque,Curso de Direito Internacional público,v.2,op.cit.,p.1290-1293;Soares,GuidoFernandoSilva,Direito Internacional do meio ambiente…op.cit.,p.70-93e127-129;eClabot,DinoBellorio,tratado de derecho ambiental,BuenosAires:Ad-Hoc,1997,p.500-503.

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Atribuindo-lhesaConstituiçãoanaturezade“normasconstitucionais”,passamostratadosinternacionaisdeproteçãodomeioambiente,pelomandamentodocitado§1.ºdoseuart.5º,ateraplicabilidade imediata,dispensando-se,destaforma,aediçãodedecretodeexecuçãoparaqueirradiemseusefeitostantonoplanointernocomonoplanointernacional.Jánoscasosdetratadosinternacionaisquenãoversemsobredireitoshumanos,estedecreto,materializando-osinternamente,faz-senecessário.Emoutrapalavras,comrelaçãoaostratadosinternacionaisdeproteçãodosdireitoshumanos,foiadotadonoBrasilomonismo internacionalista kelseniano, dispensando-se da sistemática da incorporação, o decreto executivopresidencialparaseuefetivocumprimentonoordenamentopátrio,deformaquearatificaçãodotratadoporumEstado,comodepósitodosseusinstrumentosnoórgãodepositárioounoorganismointernacionalresponsável,importanaincor-poraçãoautomáticadesuasnormasàrespectivalegislaçãointerna.

Éaindadeseressaltarquetodososdireitosinseridosnosreferidostratados,incorporando-seimediatamentenoordenamentointernobrasileiro(CF,art.5.º,§ 1.º), por serem normas também definidoras dos direitos e garantias fundamentais,passamasercláusulas pétreasdotextoconstitucional,nãopodendosersuprimidosnemmesmoporemendaàConstituição(CF,art.60,§1.º,IV).Éoqueseextraidoresultadodainterpretaçãodos§§1.ºe2.º,doart.5.ºdaLeiFundamental,emcotejocomoart.60,§4.º,IV,damesmaCarta.

Enfim, aceitar o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos(aquiinclusosostratadosemmatériaambiental)comhierarquiadenormaconstitucional significa, ao contrário do que pensam os autores adeptos da velha doutrinadasoberaniaestatalabsoluta,deixaraConstituiçãomaisintensaecommelhoraptidãoparaoperarcomoDireitoInternacionalpúblico,emgeral,ecomoDireitoInternacionaldomeioambiente,emespecial.

8 ConclusõesODireitoInternacionaldomeioambiente,assimcomoaproteçãointerna-

cionaldapessoahumana,éumaconquistadahumanidade,notadamenteadvindadopós-SegundaGuerraMundial,momentoemqueacomunidadeinternacionalcomeçouaesboçaraestruturanormativadosistemainternacionaldeproteçãodosdireitosdohomem.Destemomentoemdiante,omundopassouapresenciarumaverdadeiraproliferaçãodetratadosinternacionaisprotetivosdosdireitosdapessoahumana,tantonosseusaspectoscivisepolíticos,comonaquelesligadosàsáreasdodomínioeconômico,socialecultural.

Ainserçãodotema“meioambiente”naesferadeproteçãodosdireitoshuma-nosdecorreudapercepçãodequequestõesligadasàproteçãodomeioambientenãoselimitamàpoluiçãoadvindadaindustrialização,masabrangemumuniverso

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muitomaiscomplexo,queenvolvetodooplanetaepodemcolocaremriscoasaúdemundial.

ADeclaraçãodeEstocolmo,de1972,devesercompreendidaemparalelocomaDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos,de1948.Aconjugaçãodeambosostextosdemonstraocaráterdedireito humano fundamentaldomeioambienteeco-logicamenteequilibrado,aindamaissecotejadocomadisposiçãodoart.225,caput,daConstituiçãobrasileirade1988,queimpõeaoPoderPúblicoeàcoletividadeodeverdedefenderepreservaromeioambiente,queébemdeusocomumdopovoeessencialàsadiaqualidadedevida,paraaspresentesefuturasgerações.

Deoutrabanda,pode-sepensarnaresoluçãodascontrovérsiasenvolvendoosdireitoshumanoseodireitoaodesenvolvimentocomautilizaçãoadequada(oqueenvolvebomsensoerazoabilidade,porpartedosEstadosedaspessoas)doconceitodedesenvolvimentosustentável,quepoderáamenizarsobremaneiraos conflitos daí decorrentes. O ponto de partida, para isto, é deixar de lado uma posturabaseadanumaantropologiaunilateral,focadademodoegoístanavidahumana,embenefíciodeumaposturafundadaemumaantropologiasolidária,ondepossamserrespeitadasoutrasformasdevida,alémdahumana.

Odireitoaummeioambientesadioeecologicamenteequilibradoéumaexten-sãoeumcoroláriológicododireitoàvida,semoqualnenhumserhumanopodevindicaraproteçãodosseusdireitosfundamentaisviolados.Oconceitode“vidahumana”devetranscenderosestreitoslimitesdesuaatuaçãofísica,paratambémabrangerdireitoàsadiaqualidadedevidaemtodasassuasvertenteseformas.

Nosistemainteramericanodedireitoshumanosassegura-seodireitoaummeioambientesadio,noart.11doProtocoloAdicionalàConvençãoAmericanasobreDireitosHumanosemMatériadeDireitosEconômicos,SociaiseCulturais(Protocolo de San Salvador),de17denovembrode1988,bemcomonajurisprudênciadaCorteInteramericanadeDireitosHumanos,aindaqueaquiseestejadandotão-somenteosprimeirospassosrumoaumafuturaemaisamplaintegraçãodeambosessestemas.Nosistemaglobal,ainter-relaçãodosdireitoshumanoscomaproteçãointernacionaldomeioambientesefazsentiremváriasdeclaraçõesetratadosinternacionaisdedireitoshumanosqueconsagramregrasprotetivasdomeioambiente,evice-versa.Aindaquemuitacoisatenhadeserfeita,jásepodevislumbrarasprimeirasmanifestaçõescontemporâneasrumoaumaconjunçãoefetivadeambosossistemasdeproteção.

Odireitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado(queéumdireitoex-pressonotextoconstitucional,constantedoart.225,caput),quandointerpretadoàluzdoart.5.º,§2.º,daConstituição,deveserentendidonosentidodequeneleseincluemtodasasnormasdeproteçãoaomeioambienteprovenientesdostratadosinternacionais ambientais ratificados pelo Brasil. Tais tratados, assim como todos

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os outros instrumentos de proteção de direitos humanos ratificados pelo Brasil (tratadosinternacionaissobredireitoscivisepolíticosesobredireitoseconômicos,sociaiseculturais),passamadeterostatusdenormasconstitucionais,incorpo-rando-seautomaticamentenoordenamentojurídicobrasileiro.Alémdisso,taistratadospassamaserfontedosistemaconstitucionaldeproteçãodedireitos,poringressaremnaordemjurídicabrasileiracomíndoleenívelconstitucionais.

AConstituiçãode1988estáperfeitamenteaptaaoperarcomoDireitoInter-nacional,bastandoqueosoperadoresdodireitopercebamograndepassodadopelolegisladorconstituintenoquetangeàincorporaçãodostratadosdeproteçãodosdireitoshumanosnoordenamentojurídicobrasileiro.Omesmosedigaemrelaçãoàproteçãointernacionaldomeioambienteeseusinstrumentosdeprote-ção.Éoquesedeseja.Maisnada.

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