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NÚCLEO DE ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR – NAJUP Porto Alegre – RS / [email protected] A PROPRIEDADE PRIVADA NO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO - UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA CIVIL- CONSTITUCIONAL À LUZ DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 1 Tiago Fensterseifer Mestrando em Direito pela PUCRS – Bolsista CNPq Membro do Grupo de Estudos Constituição e Direitos Fundamentais da PUCRS (CNPq) Membro do NEPAD – Núcleo de Estudos e Pesquisa Ambiente e Direito da PUCRS 1. Introdução – Um desassossego no ar; 2. A herança napoleônica, a codificação do Direito Civil e os microssistemas legislativos; 3. A Constitucionalização do Direito Civil em face da dicotomia entre Direito Público e Direito Privado: dois universos que convergem para um mesmo centro gravitacional axiológico; 4. O Direito Civil em tempos de crise – um olhar sobre a realidade humana; 5. Humanização do Direito Civil – do sujeito de direito abstrato ao sujeito de carne e osso; 6. A propriedade como elemento concretizador de direitos humanos fundamentais; 7. Uma conclusão imposta pela realidade brasileira e pela nova ordem constitucional: a função social da propriedade como elemento constitutivo do direito de propriedade; 8. Referências bibliográficas. 1. INTRODUÇÃO – UM DESASSOSSEGO NO AR Há um desassossego no ar. 2 A nova ordem jurídica civilista, sob o prisma de um Direito Civil-Constitucional, emerge comprometida com realidade social brasileira para denunciar e romper paradigmaticamente com o modelo liberal-individualista do Direito 1 Dedico o presente ensaio a JACQUES TÁVORA ALFONSIN, paradigma ético e intelectual que levo comigo e compartilho com os amigos do NAJUP – Núcleo de Assessoria Jurídica Popular; agradeço ao amigo GUSTAVO BORSA ANTONELLO pela leitura atenta e diálogo na feitura do texto. 2 Com essa frase, BOAVENTURA, inspirado nas reflexões inquietantes formuladas por FERNANDO PESSOA em seu “Livro do Desassossego”, abre o Prefácio do seu “A crítica da razão indolente”, buscando

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NÚCLEO DE ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR – NAJUP Porto Alegre – RS / [email protected]

A PROPRIEDADE PRIVADA NO DIREITO BRASILEIRO

CONTEMPORÂNEO - UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA CIVIL-

CONSTITUCIONAL À LUZ DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA1

Tiago Fensterseifer Mestrando em Direito pela PUCRS – Bolsista CNPq

Membro do Grupo de Estudos Constituição e Direitos Fundamentais da PUCRS (CNPq) Membro do NEPAD – Núcleo de Estudos e Pesquisa Ambiente e Direito da PUCRS

1. Introdução – Um desassossego no ar; 2. A herança napoleônica, a codificação do Direito Civil e os microssistemas legislativos; 3. A Constitucionalização do Direito Civil em face da dicotomia entre Direito Público e Direito Privado: dois universos que convergem para um mesmo centro gravitacional axiológico; 4. O Direito Civil em tempos de crise – um olhar sobre a realidade humana; 5. Humanização do Direito Civil – do sujeito de direito abstrato ao sujeito de carne e osso; 6. A propriedade como elemento concretizador de direitos humanos fundamentais; 7. Uma conclusão imposta pela realidade brasileira e pela nova ordem constitucional: a função social da propriedade como elemento constitutivo do direito de propriedade; 8. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO – UM DESASSOSSEGO NO AR

Há um desassossego no ar.2 A nova ordem jurídica civilista, sob o prisma de um

Direito Civil-Constitucional, emerge comprometida com realidade social brasileira para

denunciar e romper paradigmaticamente com o modelo liberal-individualista do Direito

1 Dedico o presente ensaio a JACQUES TÁVORA ALFONSIN, paradigma ético e intelectual que levo comigo e compartilho com os amigos do NAJUP – Núcleo de Assessoria Jurídica Popular; agradeço ao amigo GUSTAVO BORSA ANTONELLO pela leitura atenta e diálogo na feitura do texto. 2 Com essa frase, BOAVENTURA, inspirado nas reflexões inquietantes formuladas por FERNANDO PESSOA em seu “Livro do Desassossego”, abre o Prefácio do seu “A crítica da razão indolente”, buscando

2

Civil napoleônico. Nesse contexto, impõe-se a reconstrução conceitual do direito de

propriedade à luz dos novos valores constitucionais agregados ao seu conteúdo, entre eles:

a dignidade da pessoa humana, a justiça social e a proteção do meio ambiente. É sob o

enfoque desses valores, tão importantes ao Estado democrático de Direito contemporâneo,

que deve ser repensado o conceito e o novo regime jurídico da titularidade.

2. A HERANÇA NAPOLEÔNICA, A CODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL E OS

MICROSSISTEMAS LEGISLATIVOS

A primeira abordagem necessária à concepção da propriedade privada à luz da

ordem jurídica contemporânea exige do leitor jurídico uma compreensão das

transformações que foram operadas no Direito Civil ao longo dos últimos séculos. Nesse

sentido é importante destacar o processo histórico da codificação e da posterior

descodificação da ordem privada.

Os primórdios da concepção do direito como um sistema remontam ao período dos

escolásticos.3 Todavia, foi o fervor da revolução burguesa e a crença iluminista na razão

humana que acabou por determinar o apogeu das grandes codificações do Direito, com o

seu marco referencial no Código Napoleônico de 1804.

“Do iluminismo resultou a convicção de que o governo poderia criar uma sociedade melhor, mais livre e igualitária. E o direito seria o instrumento adequado à realização dessa idéia, com a sistematização da matéria jurídica em um corpo já unitário e homogêneo chamado código. Disso são exemplos os Códigos jusnaturalistas, sendo a codificação, portanto, a expressão do racionalismo no direito e o sistema o seu paradigma. O importante era elaborar conceitos e preceitos racionais, não contraditórios, manifestação de uma unidade de poder e razão, vindo ao encontro dos anseios ou necessidades de uma burguesia que lutava pelos valores da liberdade e da igualdade conquistados na Revolução de 1789 e consagrados no Código Civil francês. A liberdade perante o Estado, a igualdade dos cidadãos perante a lei, a garantia absoluta do direito de propriedade como atributo da personalidade, eram princípios

resgatar um racionalismo não indiferente ou indolente, mas crítico e responsável para com a realidade humana. 3 “Os escolásticos do século XII transformam toda decisão ou norma em parte de um todo chamado direito. O todo serve para interpretar a parte e vice-versa, pois, a nascer a idéia de sistema, com suas conseqüências: antinomias, lacunas, interpretação...exegese. Os homens que desempenham esta tarefa no Direito têm uma formação comum. Passaram pela escola medieval de artes liberais: estudaram o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia). Com estas ferramentas, debruçam-se sobre o texto latino do Digesto”. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História – Lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 128.

3

revolucionários que o Código Civil acolhia, assumindo assim, um caráter de obra revolucionária”. 4

O Código Civil francês5, e os seus valores máximos representados através da

liberdade, da igualdade e da propriedade, este último então concebido como direito inerente

à condição humana6, influenciou de forma direta a consolidação civil brasileira de 1916.7

Nesse contexto, ao momento histórico da elaboração do antigo Código Civil brasileiro, os

interesses das classes dominantes, burguesa e ruralista, impulsionaram e se fizeram

representados prioritariamente no seu texto legal.8

Apesar de hoje estar-se sob a vigência de um novo Código Civil9, é importante

destacar a referência histórica da antiga consolidação, porquanto foi o seu “espírito

clássico” que deu as diretrizes, e que ainda influencia o senso jurídico comum, do

pensamento civilista ao longo de todo o século XX. É ainda sob sua forte influência que o

ensino do Direito Civil é lecionado nas Faculdades de Direito brasileiras, bem como é com

4 AMARAL, Francisco. Racionalidade e Sistema no Direito Civil Brasileiro. Separata de O Direito, ano 126, v. I e II, p. 71-72. 5 “O século XIX, em razão da forte influência do liberalismo que almejava o ‘mundo da segurança’, traduziu-se em período fecundo em codificações dos sistemas jurídicos. Essa busca incessante da ‘segurança’ dos textos escritos fez com se difundisse a noção de Direito Civil indentificada com o próprio Código Civil. Vale salientar, a esse respeito, que a Codificação Civil Brasileira, tal como as demais codificações da época, foi formulada a partir da delimitação do conteúdo do Código de Napoleão que, adotando a sistematização de Jean Domat – leis civis e leis públicas, distanciou os interesses particulares dos interesses públicos”. MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira – do sujeito virtual à clausura patrimonial. In: Repensando os Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Luiz Edson Fachin (Coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 94-95. 6 “Com a tomada de poder pela burguesia, na Revolução Francesa (1789), a propriedade passa a figurar dentre os direitos fundamentais, juntamente com a vida e a liberdade; prova disso é o constante no art. 17 da ‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’, que afirma ser o direito de propriedade inviolable et sacré, posição retificada claramente, pelo Código de Napoleão (1804), onde é considerada um direito, o assento territorial da independência do indivíduo. Era possível, a seu detentor, utilizar-se de seu bem segundo os princípios do jus utendi e jus abutendi do Direito Romano”. LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil. Porto Alegre/Santa Cruz do Sul: Livraria do Advogado/Edunisc, 1998, p.50. 7 “Esse Código é produto da sua época, com formação eclética e influência do direito francês e da técnica do Código alemão. Feito por homens identificados com a ideologia dominante, representa o sistema normativo de um capitalismo colonial no campo das relações civis”. AMARAL, op. cit., p. 73. 8 “O Código Civil é obra de homens da classe média, que elaboraram nesse estado de espírito, isto é, na preocupação de dar ao país um sistema de normas de direito privado que correspondesse às aspirações de uma sociedade interessada em afirmar a excelência do regime capitalista de produção. (...) A classe média, que o preparou por seus juristas, estava presa aos interesses dos fazendeiros, que embora coincidentes imediatamente com os da burguesia, não tolerava certas ousadias”. GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. Salvador: Universidade da Bahia, 1958, p. 23. 9 Lei 10.406/2002, em vigor desde 11.01.2003.

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a sua essência e sistematização que o Direito Civil é pensado e transmitido pelos principais

manuais acadêmicos.

No entanto, a partir da segunda metade do Século XX, em contraposição ao caráter

unitário e sistemático10 da codificação civil, tendo em vista o surgimento de novas relações

sociais não acobertadas na consolidação, começam a ser instituídos microssistemas

legislativos, que vêm a romper com o caráter unitário e homogêneo do ordenamento

privado até então vigente. A título exemplificativo dessa nova ordem jurídica, tem-se a Lei

do Inquilinato (Lei 8.245/91), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)11, e o

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Nesses termos, dá-se o processo de

descodificação do Direito Civil, passando-se da unidade para a fragmentação legislativa da

ordem jurídica privada.

“Esse longo percurso histórico, cujo itinerário não se poderia aqui palmilhar, caracteriza o que se convencionou chamar de processo de descodificação do Direito Civil, com o deslocamento do centro de gravidade do direito privado, do Código Civil, antes um corpo legislativo monolítico, por isso mesmo chamado de ‘monossistema’, para uma realidade fragmentada pela pluralidade de estatutos autônomos. Em relação a estes o Código Civil perdeu qualquer capacidade de influência normativa, configurando-se um ‘polissistema’, caracterizado por um conjunto crescente de leis tidas como centros de gravidade autônomos e chamados, por conhecida corrente doutrinária, de ‘microssistemas”.12

3. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL EM FACE DA

DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO: DOIS

UNIVERSOS QUE CONVERGEM PARA UM MESMO CENTRO

GRAVITACIONAL AXIOLÓGICO

10 Deve-se destacar que o conceito jurídico de sistema para a modernidade difere, essencialmente, da sua compreensão contemporânea. Enquanto que para o primeiro o sistema é fechado e estanque, para o segundo o sistema é aberto e dinâmico. 11 “A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor ou CDC, entrou em vigor em 11 de março de 1991, representando uma considerável inovação no ordenamento jurídico brasileiro, uma verdadeira mudança na ação protetora do direito. De uma visão liberal e individualista do Direito Civil, passamos a uma visão social, que valoriza a função do direito como ativo garante do equilíbrio, como protetor da confiança e das legítimas expectativas nas relações de consumo no mercado”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 32-33. 12 TEPEDINO, Gustavo. Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In Problemas de Direito Civil-Constitucional. Gustavo Tepedino (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 05.

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O rompimento definitivo com a concepção liberal-individualista-codificada do

Direito Civil napoleônico se dá com a Constituição Federal de 1988. Com a nova carta

constitucional, a fragmentação do ordenamento privado vai encontrar a sua unidade e

sistematização no seio constitucional. Os princípios e valores constitucionais passam e

dirigir e orientar também a ordem jurídica privada.

“O Código Civil não mais garante a unidade do sistema de direito privado, deixando a posição central que nele ocupava e passando o centro do poder civil à própria constituição, agora eixo em torno do qual gravita todo o ordenamento jurídico da sociedade brasileira. Não mais o regime do ‘monossistema’, sob a égide do Código Civil unitário da época liberal, que exprimia uma visão compreensiva da sociedade, mas o do ‘polissistema’, como pluralidade de núcleos jurídicos que representam a fragmentação dessa unidade, cada um com seus próprios princípios e lógicas interpretativas”. 13

Operada esta transformação na ordem jurídica brasileira, não se justificando mais a

dicotomia lecionada pela doutrina clássica entre o Direito Público e o Direito Privado14,

publiciza-se a ordem privada. Com a Carta Magna de 1988, cria-se uma única ordem

jurídica, regida na origem por seus princípios e valores fundamentais. As ordens jurídicas

pública e privada passam a integrar um mesmo e único sistema jurídico, compartilhando

dos mesmos princípios e valores constitucionais.

“Na atualidade, não se cuida de buscar a demarcação dos espaços distintos e até contrapostos. Antes havia a disjunção; hoje, a unidade hermenêutica, tendo a Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil. A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como ocorria com freqüência (e ainda ocorre)”.15

13 AMARAL, Francisco. Racionalidade e Sistema no Direito Civil Brasileiro. In Separata de O Direito , ano 126, v. I e II, 1994, p. 77. 14 TEPEDINO nos apresenta o quadro da dicotomia entre direito público e direito privado concebida pela Escola da Exegese. “O direito público e o direito privado (...) constituíram, para a cultura jurídica dominante na Escola da Exegese, dois ramos estanques e rigidamente compartimentados. Para o direito civil, os princípios constitucionais equivaleriam a normas políticas, destinadas ao legislador e, apenas excepcionalmente, ao intérprete, que delas poderia timidamente se utilizar, nos termos do art. 4° da Lei de Introdução do Código Civil, como meio de confirmação ou de legitimação de um princípio geral do direito”. TEPEDINO, Gustavo. Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In Problemas de Direito Civil-Constitucional. Gustavo Tepedino (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 03. 15 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. In Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n. 45. Porto Alegre: Metrópole, 2001, p. 61/77.

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O processo de constitucionalização do Direito Civil rompe de forma definitiva com

a dicotomia e une os elemento público e privado16 numa mesma racionalidade jurídica.17 O

interesse que os legitima é o mesmo, ou seja, a realização dos valores do Estado

Democrático de Direito, com seu princípio maior alicerçado na dignidade da pessoa

humana. O rompimento é visto, de forma ilustrativa, nos três pilares do Direito Civil:

propriedade, família e contrato.

“Assim, ao recepcionar-se, na Constituição Federal, temas que compreendiam, na dicotomia tradicional, o estatuto privado, provocou-se transformações fundamentais do sistema de direito civil clássico: na propriedade (não mais vista como um direito individual, de característica absoluta, mas pluralizada e vinculada à sua função social); na família (que, antes hierarquizada, passa a ser igualitária no seu plano interno, e, ademais, deixa de ter perfil artificial constante no texto codificado, que via como sua fonte única o casamento, tornando-se plural quanto à sua origem) e nas relações contratuais (onde foram previstas intervenções voltadas para o interesse de categorias específicas, como o consumidor, e inseriu-se a preocupação com a justiça distributiva)”.18

O Novo Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002) oxigena e

funcionaliza a legislação civil em alguns aspectos, a exemplo do seu art. 421, que

reconhece, de forma expressa, a função social do contrato,19 bem como do art. 1.228, § 1°,

que reconhece a função social de propriedade20, agregando também a dimensão ambiental,

16 “Não se afigurando unívoca, tampouco clara, a tradicional idéia que preconiza a divisão do mundo da vida em duas órbitas axiológicas dissociadas e dissociantes, parece mais adequado questionar a validade mesma desta classificação, cuja rotina intelectual apenas serviu para fomentar a histórica, ideológica e arbitrária disputa hierárquica entre indivíduo e sociedade, entre o todo e a parte, como se pudesse haver hierarquia entre elementos que já sempre se constituem mutuamente.”PASQUALINI, Alexandre. O Público e o Privado. In O direito público em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Rubem Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 15/16. 17 “Não se apresenta mais suficiente a delimitação dos espaços público e privado sob o critério dos interesses tutelados. É que há interesse da coletividade em certas relações tradicionalmente tidas como privadas, e nem sempre as normas que atendem ao interesse estatal estão efetivamente localizadas no campo do interesse social.” FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 68. 18 RAMOS, Carmen Lucia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In Repensando os fundamentos do direito civil contemporâneo. Luiz Edson Fachin (coordenação). Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 10/11. 19 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. No âmbito do direito contratual, destaca-se a obra de TERESA NEGREIROS, que estabelece, sob o paradigma da essencialidade, a diferenciação dos regimes contratuais com base na utilidade mais ou menos existencial dos bens contratados, a determinar a prevalência da dimensão humana sobre o patrimônio. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002. 20 Art. 1.228 (...) § 1° O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

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a reforçar a tese de publicização do privado. Nesses termos, fica evidente a preocupação do

legislador com a finalidade a ser perseguida pelo proprietário de um imóvel ou mesmo

credor de uma obrigação no exercício do seu direito, devendo estar, necessariamente,

comprometido com os reflexos do seu direito para todo o conjunto da sociedade.

Ao distinguir a diferença entre a publicização e a constitucionalização do direito

privado, NETTO LOBO leciona que

“a publicização deve ser entendida como o processo de intervenção legislativa infraconstitucional, ao passo que a constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos. Enquanto o primeiro é de discutível pertinência, o segundo é imprescindível para a compreensão do moderno direito civil.”21

O fenômeno jurídico da “Constitucionalização do Direito Civil” tem como base a

sujeição plena do ordenamento jurídico de natureza privada aos preceitos constitucionais,

dentro de uma visão unitária e sistemática de toda a ordem jurídica pátria. Nesse prisma, o

Direito Civil sofre uma filtragem constitucional em todo o seu corpo legislativo, que, de

forma impositiva e absoluta, deve estar de acordo com os ditames da Lei Maior.

4. O DIREITO CIVIL EM TEMPOS DE CRISE – UM OLHAR SOBRE A

REALIDADE HUMANA

Hodiernamente, em razão da incompatibilidade e ineficácia das soluções

apresentadas pela ordem jurídica vigente frente às demandas sociais, pode-se constatar que

o Direito22, e com especial destaque o Direito Civil, encontra-se em crise, necessitando

21 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. In Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n. 45. Porto Alegre: Metrópole, 2001, p. 63. 22 CLÁUDIA LIMA MARQUES destaca a crise da pós-modernidade que assola a ciência jurídica. “Com a sociedade de consumo massificada e seu individualismo crescente nasce também uma crise sociológica, denominada por muitos de pós-moderna. Os chamados tempos pós-modernos são um desafio para o direito. Tempos de ceticismo quanto à capacidade da ciência do direito de dar respostas adequadas e gerais aos problemas que perturbam a sociedade atual e modificam-se com uma velocidade assustadora. Tempos de valorização dos serviços, do lazer, do abstrato e do transitório, que acabam por decretar a insuficiência do modelo contratual tradicional do direito civil, que acabam por forçar a evolução dos conceitos do direito, a propor uma nova jurisprudência dos valores, uma nova visão dos princípios do direito civil, agora muito mais influenciada pelo direito público e pelo respeito aos direitos fundamentais do cidadão. Para alguns o pós-modernismo é uma crise de desconstrução, de fragmentação, de indeterminação à procura de uma nova racionalidade, de desdogmatização do direito, para outros, é um fenômeno de pluralismo e relativismo cultural arrebatador a influenciar o direito. Este fenômeno aumentaria a liberdade dos indivíduos, mas diminui

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operar transformações em toda a sua ordem23. A crise da pós-modernidade, gerada em

grande parte por uma inadequação legislativa às novas relações sociais, acaba por

redimensionar os direitos fundamentais no cenário jurídico, que passam a integrar o centro

axiológico dessa nova ordem em construção, rompendo com a racionalidade jurídica

liberal-individualista.

CLAUDIA LIMA MARQUES, a partir da doutrina do professor ERIK JAIME da

Universidade de Heidelberg, ao referir a crise (Umbruch) e os elementos da cultura pós-

moderna e seus reflexos na ciência jurídica, destaca a valorização dos direitos humanos

nessa nova ordem. 24

“O último elemento, verdadeiro Leitmotive destacado por Jayme, é um revival dos direitos humanos, como novos e únicos valores seguros a utilizar neste caos legislativo e desregulador, de múltiplas codificações e microsssitemas, de leis especiais privilegiadoras e de leis gerais ultrapassadas, de soft law e de procura de uma eqüidade cada vez mais discursiva do real”.

Na esfera civilista, por exemplo, verifica-se uma grande resistência, tanto por parte

da doutrina quanto por parte dos operadores do direito num plano geral, em aplicar e

reconhecer o caráter normativo dos princípios e valores relativos aos direitos fundamentais

- expressão positivada dos direitos humanos no plano interno dos Estados nacionais. O

ranço liberal-clássico do Direito Civil ainda predomina na “manualística”, contribuindo

para manter vivos os preceitos liberais há muito não recepcionados pela ordem jurídica.

“Enraizado no racionalismo-individualista, o sistema jurídico liberal induz à lógica, à generalidade e à abstração. A partir de sua orientação filosófica, exagera o papel da razão, em detrimento da experiência,

o poder do racionalismo, da crítica em geral, da evolução histórica e da verdade, também em nossa ciência, o direito. Fenômeno contemporâneo à globalização e à perda da individualidade moderna, assegura novos direitos individuais à diferença, destaca os direitos humanos, mas aumenta o radicalismo acrítico das linhas tradicionais”. MARQUES, op. cit., p. 89-90. 23 MORAIS, em análise da ciência jurídica, aponta para a crise da racionalidade jurídica individualista. “Contudo, a teoria dos interesses coletivos está longe de esgotar as possibilidades desse processo de despersonalização dos interesses. Se, do início aos meados do século XX, a resposta jurídica à questão social e aos demais aspectos ligados ao Estado do Bem-Estar Social significaram a crise profunda da idéia de direito individual, a segunda metade deste mesmo período histórico impõe, diante do próprio esgotamento das condições vitais do planeta, ao lado de outros problemas ligados à sociedade industrial, novas questões que, para serem apreendidas pelo universo jurídico, significam o aprofundamento da crise da racionalidade individualista”. MORAIS, José Luis Bolzan de. O surgimento dos interesses transindividuais. In: Revista Ciência e Ambiente - Universidade Federal de Santa Maria, n.° 17, Jul-Dez/1988, p. 17. 24 MARQUES, op. cit., p. 95.

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utilizando como método de investigação científica os dados obtidos por dedução, excluindo os elementos empíricos obtidos por indução.”25

A partir da herança moderna ainda marcante no Direito Civil, a qual positivou o

direito natural, e da neutralidade jurídica operada pelo positivismo jurídico, com sua

compreensão matemática da ciência jurídica, o direito é apartado da realidade social que o

permeia e o legitima, transformando-se em mera abstração ficcional. A complexidade das

novas relações sociais impõe uma nova dinâmica ao direito, o qual deve criar mecanismos

para recepcionar a complexidade da sociedade pós-moderna na sua estrutura material.

“A ciência jurídica contemporânea encontra-se em absoluta fase de transição, uma vez que está em discussão a dogmática e sua fragilidade diante dos complexos problemas trazidos pela ciência jurídica. Daí porque a inafastável necessidade em retirar o véu com que se vestiu, de certo modo, o personagem jurídico para desnudar o fenômeno jurídico à luz dos fatos e da realidade. Nessa linha, encontra-se o pensamento problemático e a dialética como modos de explicação do direito sob um prisma concreto contemporâneo...”26

Nesse contexto de dissociação entre o jurídico e o real, verifica-se o que

BOAVENTURA denomina de “o desperdício da experiência”27, porquanto acaba-se por

estabelecer um conjunto de relações lógicas desvinculadas da natureza e do homem. O que

se apreende da razão liberal é a sua neutralidade jurídica, indiferente aos fatos e tensões

sociais, com seu desfecho máximo e paradigmático na Teoria Pura do Direito de

KELSEN.28

“Enraizado no racionalismo-individualista, o sistema jurídico liberal induz à lógica, à generalidade e à abstração. A partir de sua orientação filosófica, exagera o papel da razão, em detrimento da experiência, utilizando como método de investigação científica os dados obtidos por dedução, excluindo os elementos empíricos obtidos por indução. Isto determinou, por longo período, a prisão do jurista à busca do sentido do

25 RAMOS, Carmen Lucia Silveira Ramos. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In Repensando os fundamentos do direito civil contemporâneo. Luiz Edson Fachin (coordenação). Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 12. 26 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea: uma perspectiva da usucapião imobiliária rural. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 13. 27 SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2001. 28 “Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objecto, tudo quanto se não possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental”. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 17.

10

direito exclusivamente no texto legal, afastada a preocupação com realizar justiça, e ao positivismo, chegando a Kelsen e sua teoria pura, divorciada da realidade”.29

A estrutura fechada do sistema liberal, mantenedora “a todo custo” do status quo e

das elites que ocupam o poder, não possibilita o transito jurídico dos valores emergentes da

sociedade contemporânea. Ao não compreender a vida e a sociedade como fontes criadoras

e legitimadoras do direito – o sistema liberal perde a sua legitimidade e razão de ser. De

instrumento de emancipação e transformação social, o direito passa a instrumento de

regulação e dominação da sociedade. De meio de concretização da dignidade da pessoa

humana, do bem-estar e da paz social, o direito passa a ser tomado como um fim em si

mesmo, a serviço “única e exclusivamente” da mesma elite que já impera no Brasil há mais

de cinco séculos.

Dessa forma, impõe-se ao novo jurista um desapego à forma e às soluções

matemáticas da ciência jurídica e um resgate do seu conteúdo real e humano. O valor e o

fato devem recuperar os seus espaços tomados pela hipertrofia da norma.30 “Desde a

famosa Teoria Tridimensional de MIGUEL REALE, os bacharéis estão acostumados com o

conceito de valor; o que falta é transportá-lo da ‘ilha’ da Filosofia para o Direito

Constitucional e o trabalho diário do operador jurídico.”31

A visão clássica do Direito Civil, de um modo geral, insensível às transformações

sociais ocorridas na estrutura do Estado e da sociedade brasileira ao longo dos últimos

séculos, nega-se a assimilar os novos conceitos e demandas sociais. Ao ensinar apenas

como manejar os conceitos abstratos, a doutrina clássica não permite a compreensão da

realidade, impossibilitando a sua transformação. O direito, no entanto, deve se constituir a

partir da realidade histórica que o legitima e dá razão.

“O estudo do direito – e, portanto, também do direito tradicionalmente definido ‘privado’ – não pode prescindir da análise da sociedade na sua historicidade local e universal, de maneira a permitir a individualização do papel e do significado da juridicidade na unidade e na complexidade do fenômeno social. O Direito é ciência social que precisa de cada vez

29 RAMOS, op. cit., p. 12. 30 Aqui, refere-se à concepção civilística-clássica de norma que a identifica como a regra em si, não atribuindo e admitindo o caráter normativo dos princípios. 31 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 77.

11

maiores aberturas: necessariamente sensível a qualquer modificação da realidade, entendida na sua mais ampla acepção.”32

Com suas raízes políticas no Estado Liberal e jurídicas no Código Napoleônico de

1804, a doutrina civilista clássica projetou, e ainda projeta, suas luzes sobre a visão jurídica

de grande parte da doutrina contemporânea, impedindo e bloqueando a passagem da luz

solar, ao colocar os juristas atuais nas mesmas condições dos prisioneiros do ‘Mito da

Caverna”, de PLATÃO33 – distantes da realidade, mas defensores cegos dos dogmas

clássicos, a ponto de matar ou morrer pela manutenção do status quo da sociedade

brasileira.

Nesse sentido, contrapondo o atual contexto socioeconômico vivenciado pela

sociedade brasileira contemporânea à ordem jurídica vigente, no plano das relações

jurídicas acobertadas pelo Direito Civil, verifica-se uma incompatibilidade abissal entre a

dinâmica e criatividade das relações sociais frente à evolução do direito. O Direito Civil, ao

enclausurar e tornar abstrata a pessoa humana na sua codificação, não consegue, nem de

longe, acompanhar a sociedade no seu constante caminhar.

“A crise do sistema clássico do Direito Civil suscita, antes de mais nada, questões concernentes à sua historicidade, à análise da inter-relação entre Direito e Sociedade, e ao princípio de dinamismo que impinge ao Direito seu eterno diálogo com o meio social, seu tempo e seu espaço. Também se distancia da análise dos conceitos frente à concretude dos fatos que a eles se apresentam.”34

Não há como negar a crise do sistema civilista clássico, necessitando-se retomar o

foco da visão jurídica para a realidade social presente. Impõe-se, no plano jurídico atual,

que o passado liberal (não desconsiderando a sua importância para a compreensão histórica

do direito) seja deixado para trás e que o direito passe a caminhar, se não de mãos dadas, ao

menos próximo da sociedade. Esta, como sujeito maior na construção da cultura jurídica,

objetiva, através da ordem normativa, não a sua regulação e o seu enclausuramento, mas a

sua emancipação e a sua liberdade.

32 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 01. 33 MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos Pré-socráticos a Wittgenstein. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora., 2000, p. 39/42. 34 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 22.

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“Quanto mais o ordenamento jurídico se identifica ou tende a se identificar com aquele social, político, econômico, tanto mais a identificação do valor fundado no critério normativo será conforme a realidade efetiva. Quanto mais o dado normativo souber se adequar à realidade social, tanto mais a realidade se apresentará de forma homogênea e unitária. Isso, talvez, não aconteça jamais, por causa da contínua evolução do direito em relação à sociedade. É preciso, de todo modo, ter consciência e escolher, pelo menos como linha de tendência, a contínua, constante adequação da realidade social e econômica-política à realidade jurídica e vice-versa”.35

Parafraseando EDUARDO GALEANO, “a primeira condição para modificar a

realidade consiste em conhecê-la”.36 Dessa forma, é preciso que o universo jurídico

privatista amplie a sua visão, focalizando-a sob as tensões sociais latentes na sociedade

brasileira. Tomando por base o quanto alegado por GALEANO, é preciso que o “direito” se

infiltre em todos os espaços sociais, possibilitando a superação do quadro excludente que

hoje se apresenta.

5. HUMANIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL – DO SUJEITO DE DIREITO

ABSTRATO AO SUJEITO DE CARNE E OSSO

Com o processo de constitucionalização, outro fenômeno que se verifica na

reconstrução do Direito Civil é a sua “humanização” – na doutrina, encontram-se ainda os

conceitos “despatrimonilização”37 e “repersonalização”. Tal consiste, basicamente, em

retirar-se o patrimônio do centro axiológico do ordenamento jurídico civilista, ainda sob

uma concepção liberal do Direito Civil, substituindo-o pela dignidade da pessoa humana,

princípio matriz do nosso sistema jurídico.38 Dessa forma, impõe-se a normatividade dos

princípios constitucionais39, exercendo sua eficácia imediata nas relações de Direito Civil.

35 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 31. 36 GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 12 ed. Tradução de Galeno de Freitas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 287. 37 “As relações patrimoniais são funcionalizadas à dignidade da pessoa humana e os valores sociais insculpidos na Constituição de 1988. Fala-se, por isso mesmo, de uma ‘despatrimonialização do direito privado’, de modo à bem demarcar a diferença entre o atual sistema em relação àquele de 1916, patrimonialista e individualista.” 80 anos do Código Civil brasileiro: um novo Código atenderá às necessidades do país? Revista Del Rey, Belo Horizonte, ª 1, n. 1, dez. 1997. 38 “Numa expressão, o Direito Civil deve, com efeito, ser concebido como ‘a serviço da vida’ a partir de sua raiz antropocêntrica, não para repor em cena o individualismo do século XVIII, nem para se afastar do

13

“No caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora não seja simples, parece facilitada pela compreensão, mais e mais difusa, do papel dos princípios constitucionais nas relações de direito privado, sendo certo que a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido o caráter normativo de princípios como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, aos quais se tem assegurado eficácia imediata nas relações de direito civil”.40

Nesse contexto, a concepção de sujeito de direito consagrada pelo Direito Civil

Clássico é destituída de qualquer conteúdo propriamente humano. Ela parte de uma

compreensão abstrata do indivíduo, considerando apenas os direitos e deveres constituídos

a partir do ordenamento jurídico civilista. Entre outras palavras, o sujeito jurídico é quem

transita dentro deste universo jurídico exclusivista, contratando, adquirindo propriedade,

constituindo herança, etc. Todas as relações deste ser jurídico estão relacionadas à sua

capacidade patrimonial. Quanto mais patrimônio o sujeito jurídico tem, mais é livre o seu

trânsito pelo cosmos do ordenamento civil.

“O evidente artificialismo da noção clássica faz alargar a distância entre o que a lei civil estabelece como sendo pessoa e o indivíduo homem, este a merecer proteção não pelo que tem, mas pelo que é. Por certo, não deve a proteção patrimonial suplantar a proteção dos seres humanos. No entanto, analisadas as disposições civis brasileiras codificadas, demonstra-se nítido o seu caráter essencialmente patrimonialista, vez que o ser sujeito de direito depende de sua aptidão para, seguindo igualmente os parâmetros ditados pelo sistema, ter patrimônio”. 41

tecnicismo e do neutralismo. Não sucumbir, enfim, ao saber virtual.” FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 16. 39 Nesse sentido, convém destacar a densificação constitucional que sofre o princípio da boa-fé objetiva, consagrado nos arts. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor e 422 do novo Código Civil Brasileiro.“O princípio da boa-fé reaparece (...) funcionando como o elo entre o direito contratual e os princípios constitucionais. Sob a ótica civil-constitucional, a boa-fé representa, pois, a valorização da pessoa humana em oposição à senhoria da vontade expressa pelo individualismo jurídico. O contrato vem configurado como um espaço de desenvolvimento da personalidade humana; uma relação econômica jurídica em que as partes devem colaboração umas com as outras com vistas à construção de uma sociedade que a Constituição quer livre, justa e solidária”. Maria Celina Bodin de Moraes apud TEPEDINO, Gustavo. Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In Problemas de Direito Civil-Constitucional. Gustavo Tepedino (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 14. 40 TEPEDINO, Gustavo. Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In Problemas de Direito Civil-Constitucional. Gustavo Tepedino (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 12. 41 MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira – do sujeito virtual à clausura patrimonial. In Repensando os Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Luiz Edson Fachin (Coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 92-93.

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O sujeito de direito, em primeira análise, é um ser vivo (da espécie humana), que

come, habita um território, constitui família, tem desejos, angústias e sonhos, e, de certa

forma, combate as adversidades do seu meio social e natural a fim de possibilitar a sua

sobrevivência e existência. É para este sujeito de direito que o Direito Civil deve estar

voltado, devendo a abstração jurídica ser preenchida com carne e osso. Ao direito, e

conseqüentemente ao Direito Civil também, é imposta a responsabilidade de zelar por toda

a existência humana, possibilitando o acesso de todos às condições mínimas necessárias à

sobrevivência – não apenas material, mas também existencial.

“Na ordem jurídica, a pessoa é um elemento científico, um conceito oriundo da construção abstrata do direito. Em outras palavras, é a técnica jurídica que define a pessoa traçando seus limites da atuação. Esse delineamento abstrato decorre substancialmente, da noção de relação jurídica como base do Direito Civil. Em um sistema assente na estrutura formal da relação jurídica, as pessoas são consideradas sujeitos, não porque reconhecidas a sua natureza humana e a sua dignidade, mas na medida em que a lei lhes atribui faculdades ou obrigações de agir, delimitando o exercício de poderes ou exigindo o cumprimento de deveres”.42

Na nova compreensão da ordem civil-constitucional, um primeiro passo necessário

é a reconstrução do ser jurídico. Nesse sentido, é necessária a distinção essencial entre o

“ser jurídico” e o “ter jurídico”, que, para a nova ordem axiológica constitucional, não

guardam nenhuma relação intrínseca. É buscada uma igualdade material, e não apenas

formal, para as relações jurídicas. O patrimônio não pode mais ser o parâmetro para quem

ingressa e para quem é excluído da ordem jurídica (considerando-se que não possa haver

exclusões).

“Pessoa, nessa ordem de idéias, é aquele que compra, que vende, que testa; enfim, aquele que reúne condições de desenvolver atividades adequadas ao sentido marcadamente proprietarista do Código Civil Brasileiro. Ser pessoa é adequar-se, perfeitamente, aos parâmetros estabelecidos pelo ordenamento; é traduzir, de modo concreto, a imagem conceitual ditada pelas normas. Não é difícil concluir, portanto, que a pessoa que o Código Civil descreve não corresponde àquela que vive, sente e transita pelos nossos dias. É que os valores pessoais, os desejos, a intenção de ter reconhecida a sua dignidade não encontram correspondência na abstração de uma figura que o sistema pretende como pessoa, como sujeito de direito. Esse sujeito que a lei civil define como tal é o homem, mas esse mesmo homem definido como sujeito de direito muitas vezes passa pelo mundo sem ter tido o mínimo de condições

42 MEIRELLES, op. cit., p. 89.

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necessárias à sua sobrevivência. Traçando-se uma espécie de paralelo tem-se, de um lado, o que se pode denominar pessoa codificada ou sujeito virtual; e, do lado oposto, há o sujeito real, que corresponde à pessoa verdadeiramente humana, vista sob o prisma de sua própria natureza e dignidade, a pessoa gente”.43

A distinção entre pessoa natural e pessoa física (ou jurídica)44 não se torna possível

com os valores humanos que hoje dão os alicerces da nova ordem jurídica. A concepção

abstrata de indivíduo, destituído de qualquer conteúdo material, que imperou na doutrina

clássica - e para alguns doutrinadores e operadores jurídicos ainda impera -, é combatido

frontalmente com o conteúdo constitucional inserido na ordem jurídica civil. O princípio da

dignidade da pessoa humana vem preencher de vida a ficção jurídica criada pela concepção

individualista-liberal de sujeito de direito.45

“Na ordem de princípios como a dignidade, igualdade, especificamente na área civil, boa-fé, bons costumes, reciprocidade, confiança, lealdade, não lesividade, vulnerabilidade, etc., com a incidência direta das normas constitucionais, nas relações interprivadas, o Direito Civil passa a centrar-se mais na pessoa humana do que na patrimonialidade, assim como mais no coletivo do que no individual.”46

A ordem civil, assim como todo o ordenamento jurídico, também guarda na

realização dos direitos fundamentais a sua função jurídica maior. Com o surgimento deste

“novo” Direito Civil, centralizado nos valores humanos, o ordenamento civilista torna-se

sensível à dinamicidade das demandas sociais.

“É necessário que, com força, a questão moral, entendida como efetivo respeito à dignidade da vida de cada homem e, portanto, como superioridade deste valor em relação a qualquer razão política da organização da vida em comum, seja reposta ao centro do debate na doutrina e no Foro, como única indicação idônea a impedir a vitória de um direito sem justiça”.47

43 MEIRELLES, op. cit., p. 90-91. 44 O novo Código Civil não inova neste sentido, porquanto é perceptível a distinção existencial e conceitual da pessoa que transita nas relações do seu universo jurídico e a pessoa natural. Tal distinção é perceptível, entre outros, nos seus artigos 6° e 21. 45 “Inicialmente se faz necessário compreender como o sistema clássico trata o sujeito, ou seja, as pessoas. O sujeito de direito e as pessoas são captados por uma abstração do mais elevado grau. O sujeito in concreto, o homem comum da vida não integra esta concepção, e o Direito imagina um sujeito in abstrato e cria aquilo que a doutrina clássica designou de sujeito jurídico.” FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 55. 46 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio – Reexame sistemático das noções nucleares de Direitos Reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 41. 47 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 23.

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A reorientação de princípios e valores a que está condicionado o Direito Civil pelo

texto constitucional faz com que a sua leitura se faça no sentido constituição-código em

detrimento da sua leitura código-constituição. Tudo o que não encontrar suporte no texto

constitucional, mesmo que expresso em legislação civil, estará fora do sistema e do

ordenamento jurídico. A partir dessa racionalidade, é perceptível o valor fundamental

atribuído à dignidade da pessoa humana e ao bem-estar social na nova leitura que se faz do

agora Direito Civil-Constitucional. O patrimônio perdeu espaço em favor a valores de

natureza humana existencial.

“Esta despatrimonialização do direito civil não significa a exclusão do conteúdo patrimonial no direito, mas a funcionalização do próprio sistema econômico, diversificando a sua valoração qualitativa, no sentido de direcioná-lo para produzir respeitando a dignidade da pessoa humana (e o meio ambiente) e distribuir as riquezas com maior justiça”.48

6. A PROPRIEDADE COMO ELEMENTO CONCRETIZADOR DE DIREITOS

HUMANOS FUNDAMENTAIS

A partir da nova compreensão do Direito Civil à luz dos princípios e valores

constitucionais, é no direito de propriedade, como vetor jurídico do pensamento civilista

moderno, que se concentram as maiores transformações. A inserção dos valores humanos,

sociais e ambientais no conteúdo interno da titularidade faz com que a sua razão de ser

individualista-liberal seja reconstruída em favor da vida.

Consagrada, de forma expressa na Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, nos seus artigos 5º, XIII (Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais)49, e

170, III (Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira)50, que dispõe acerca da Ordem

Econômica e Financeira, percebe-se a sua dimensão individual e coletiva. A propriedade,

48 Citação de Pietro Perlingieri apud RAMOS, op. cit., p. 16. 49 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIII – a propriedade atenderá à sua função social; 50 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III – função social da propriedade;

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como se verifica, esteve presente de forma substancial na preocupação do constituinte de

1988.

O direito de propriedade é consagrado na Constituição Federal de 1988 como direito

fundamental da pessoa humana.51 No entanto, as transformações históricas e sociais

ocorridas ao longo dos últimos dois séculos52 impuseram a remodelação da propriedade

privada de cunho liberal-individualista.53 Outros direitos e valores, também fundamentais,

passaram a determinar e modificar o conteúdo interno do direito de propriedade, como a

dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade.

Nesse aspecto, BOBBIO aponta para o caráter histórico e afirmativo dos direitos

humanos, bem como da constante modificação temporal deste no caminhar civilizatório. O

que hoje é consagrado como direito humano fundamental pode não ser assim verificado ou

mesmo ter seu conteúdo alterado num próximo passo civilizatório. No caso da propriedade,

o direito humano fundamental não deixou de existir, mas teve seu conteúdo material

redefinido e a ele agregados novos valores que a sociedade consagrou no período que

sucedeu a sua concepção liberal-individualista.

“Os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no futuro, nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza.

51 Art. 5°, XXII, da CF/88. 52 Faz-se aqui a referência aos dois últimos séculos, pois seria aproximadamente este o período que transcorreu após a promulgação do Código Napoleônico, em 1806, na França. A lei civil de Napoleão influenciou de forma direta a maior parte das legislações privatistas romano-germânicas, incluindo o Código Civil brasileiro de 1916. 53 Desde a sua concepção liberal-individualista, ao reproduzir os ideários da Revolução Francesa (1789), o direito de propriedade, em razão do processo histórico e das respectivas demandas sociais que a sucederam, sofreu e continua constantemente a sofrer inúmeras transformações. O Estado Mínimo instituído pelo ancient regimen objetivava uma hipertrofia do universo privado frente ao universo público. Daí, a origem absolutista do direito de propriedade, visando proteger o status quo instaurado com a revolução burguesa.

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O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas”.54

GARRIDO PEÑA, a partir da leitura que faz da doutrina de RAWLS, contrapõe os

princípios constitucionais da liberdade e da igualdade, como valores intrinsecamente

relacionados no contexto societário contemporâneo, alertando que para um limite social

imposto à liberdade individual.

“J. Rawls define como una relación de justicia aquella que se asienta sobre el principio de: ‘Todo individuo tiene derecho al máximo grado de libertad posible que sea compatible con igual libertad para todos’. La aceptación de este principio comporta que todo plus de libertad que sea superior a otro conlleva una imposición y una expropiación de la libertad del otro. Desde esta razonable definición de Rawls, la igualdad y libertad son miembros de un mismo par ordenado. La libertad individual tiene como límites la libertad del otro. Y la libertad, desde el punto de vista social, solo puede ser vista como el reconocimiento de la igualdad en el disfrute de las libertades individuales. Es el principio social de la igualdad el que hace posible el reconocimiento efectivo de las libertades individuales de todos los miembros de la sociedad. Y, por otro lado, la autolimitación colectiva de la libertad individual es la condición de posibilidad de la diferencia e la singularidad del ejercicio individual de las libertades. Cuando una libertad individual transgrede el consenso constituyente sobre esta regla de oro de la igualdad de libertades usurpando la libertad del otro, entonces no estamos ante un ejercicio de libertad sino de poder, como nos dice Ferrajoli (Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. Barcelona: Trotta, 1995, p. 908-912). A este límite le llamaremos el límite social de la libertad individual”.55

A compreensão da propriedade no sistema jurídico brasileiro contemporâneo, a fim

de abordá-la de forma comprometida com o seu valor social, requer um estudo a partir das

suas raízes históricas na formação e na constituição da própria sociedade brasileira. Nesse

contexto, a propriedade apresenta-se como elemento essencial para determinar a estrutura

econômica e social do Estado de Direito. No Brasil, ao longo dos cinco séculos posteriores

ao seu “redescobrimento”, a titularidade vem sendo tomada como forma de marginalização

e exclusão social56.Os limites entre o exercício de um direito e o exercício de um poder são

54 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 18-19. 55 PEÑA, Francisco Garrido. De como la ecologia política redefine conceptos centrales de la ontologia jurídica tradicional: libertad y propiedad. In O novo em Direito Ambiental. Marcelo Dias Varella e Roxana Cardoso Brasileiro Borges (Organizadores). Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 216-217. 56 “Cada vez mais a propriedade deixa de ser explicável como um poder sobre as coisas para ser um poder sobre os outros homens: de uma apropriação do mundo material presente passa a ser uma apropriação do

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quase imperceptíveis na ordem econômica capitalista, mas as suas conseqüências são

desastrosas para toda a sociedade, acarretando em profunda exclusão e marginalização

social.

Ao analisar-se o instituto jurídico da propriedade, não se pode ignorar o seu papel

na formação histórica da própria sociedade brasileira. Para tanto, oportunas são as palavras

de DARCY RIBEIRO ao relatar o contexto socioeconômico, tanto passado quanto

presente, relativamente à propriedade no Brasil:

“A ordem social brasileira, fundada no latifúndio e no direito implícito de ter e manter a terra improdutiva, é tão fervorosamente defendida pela classe política e pelas instituições do governo que isso se torna impraticável. É provável que a União Democrática Ruralista (UDR), que representa os latifundiários no Congresso, seja o mais poderoso órgão do Parlamento. É impensável fazê-la admitir o princípio de que ninguém pode manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade, a fim de devolver as terras desaproveitadas à União para programas de colonização.”57

Conforme se pode observar, ao longo de todo o processo histórico da sociedade

brasileira, a propriedade – tanto urbana quanto rural, mas com maior ênfase a esta última –

serviu e ainda serve como instrumento de opressão das elites econômicas em detrimento da

grande maioria desprovida de recursos financeiros.

“Cumpre revisitar todo o estatuto proprietário que assola a nação, quiçá com resultados diversos dos que vêm sendo alcançados e que impulsionaram interesse pela matéria, por ser absolutamente impossível, perante um sistema jurídico ensejador da dignidade da pessoa humana como valor supremo, estar o direito das coisas estritamente balizado por uma visão individualista e patrimonialista fruto da arcaica postura exegética.”58

7. UMA CONCLUSÃO IMPOSTA PELA REALIDADE BRASILEIRA E PELA

NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL: A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

COMO ELEMENTO CONSTITUTIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE

trabalho alheio e da riqueza futura.” LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 408. 57 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 201. 58 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio – Reexame sistemático das noções nucleares de Direitos Reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 208/209.

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No contexto jurídico contemporâneo – mas, principalmente após a promulgação da

Constituição de 1988 -, não se pode mais conceber a propriedade sem a sua

funcionalização, nos estritos termos dos preceitos constitucionais a ela pertinentes.59 A

função social da propriedade, consagrada por vez primeira como direito fundamental da

pessoa humana na Carta Magna de 1988, institui-se como elemento constitutivo do próprio

direito de propriedade.60 De mera limitação ao exercício do direito de propriedade, a função

social da propriedade passa a constituir-se de elemento interno e material da própria

titularidade.

“Contudo, quer nos parecer que a função social da propriedade não deva ser visualizada como um conjunto de princípios programáticos. Temos que a melhor concepção é aquela que afirma ser a função social elemento constitutivo do conceito jurídico de propriedade. Importa dizer que a função social não é um elemento externo, um mero adereço do direito de propriedade, mas elemento interno sem o qual não se perfectibiliza o suporte fático do direito de propriedade. Em obra clássica, afirma STEFANO RODOTA que a função social não pode ser identificada com a banda externa da propriedade, mas que se identifica com o próprio conteúdo da propriedade”.61

Dessa forma, concebendo-se a função social como elemento e pré-requisito

existencial do direito de propriedade62, a constituição jurídica deste último está

59 Artigos 5°, XXIII, 170, III, 184, caput, 182, caput e § 2°, e 186 da Constituição Federal de 1988. Destaco que os artigos de lei citados consagram a função social da propriedade como direito fundamental da pessoa humana e como princípio geral a orientar toda a atividade econômica. 60 “A doutrina se tornara de tal modo confusa a respeito do tema, que acabara por admitir que a propriedade privada se configura sob dois aspectos: a) como direito civil subjetivo e b) como direito público subjetivo. Essa dicotomia fica superada com a concepção de que a função social é elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da propriedade privada; incide no conteúdo do direito de propriedade; impõe-lhe novo conceito”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 241 61 SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da. A propriedade agrária e suas funções sociais. In O direito agrário em debate. Domingos Sávio Dresch da Silveira e Flávio Sant’Ánna Xavier (organizadores). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 13. 62 FACHIN afirma que tal entendimento levaria a desnecessidade de indenização relativamente aos imóveis que descumprem o seu desígnio social imposto pela ordem constitucional por parte do Estado, uma vez que onde não há função social, não há propriedade. “Se, ao invés de a propriedade rural ter uma função social, ela se tornar função social, concluir-se-á que não há direito de propriedade sem função social. Essa concepção poderia permitir a um Estado democrático arrecadar os imóveis rurais que sejam enquadráveis nessa categoria sem indenização. Se não há direito, logo, não há o que indenizar. Entender, hoje, que não há propriedade rural sem função social é construção teórica correta, mas cuja base jurídica ainda deve ser conquistada”. FACHIN, Luiz Édson. Terras devolutas e a questão agrária: anotações preliminares para um ensaio. In: Revista dos Tribunais, V. 629, Março/1988 , p. 56.

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condicionada ao cumprimento da primeira na realidade fática.63 A propriedade que não

atende à sua função social não existe para o direito64, o que acarreta na impossibilidade de

sua proteção e legitimidade perante a ordem jurídica instituída.65

“A propriedade dotada de função social, que não esteja a cumpri-la, já não será mais objeto de proteção jurídica. Ou seja, já não haverá mais fundamento jurídico a atribuir direito de propriedade ao titular do bem (propriedade) que não está a cumprir sua função social. Em outros termos, já não há mais, no caso, bem que possa, juridicamente, ser objeto de direito de propriedade (...) não há, na hipótese propriedade que não cumpre sua função social ‘propriedade’ desapropriável. Pois é evidente que só se pode desapropriar a propriedade; onde ela não existe, não há o que desapropriar”.66

“O direito de propriedade não pode ser analisado individualmente, fora do seu

contexto social. O bem não utilizado ou mal utilizado é constante motivo de inquietação

social. A má utilização da terra e do espaço urbano gera violência”.67 Nesse contexto,

percebe-se a função nuclear do direito de propriedade – com maior ênfase à imóvel – na

estruturação socioeconômica da própria sociedade. A utilização da propriedade em

desacordo com a sua função social – aqui também compreendida a sua função ambiental -,

63 “AÇÃO REIVINDICATÓRIA. LOTES DE TERRENO TRANSFORMADOS EM FAVELA DO TADA DE EQUIPAMENTOS URBANOS. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. DIREITO DE INDENIZAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS. Lotes de terreno urbanos tragados por uma favela deixam de existir e não podem ser recuperados, fazendo, assim, desaparecer o direito de reivindicá-los. O abandono dos lotes urbanos caracteriza uso anti-social da propriedade, afastado que se apresenta do princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece, todavia, o direito dos proprietários de pleitear indenização contra quem de direito. (TJSP – 8ª Cam., Ap. Cível n. 212.726-1-8, São Paulo, Rel. Des. José Osório, j. 16.12.1994, v.u.) 64 RUY RUBEM RUSCHEL afirma que o descumprimento da função social da propriedade implica na perda do direito de propriedade, equiparando o exercício anti-social da propriedade ao abandono do bem, em conformidade com a configuração daquela como elemento constitutivo da titularidade. “Afinal, se o titular abandonou o imóvel rural, deixando-o sem função social, perdeu sua propriedade antes da desapropriação; o ato expropriatório terá por objetivo tão somente integrá-lo de imediato no domínio da União e indenizar os custos acaso investidos pelo ex-dono. Já se vê que existe uma diferença de natureza entre a indenização que cabe nas desapropriações por necessidade e utilidade pública (art. 590 do CC) e aquela das desapropriações de imóveis rurais por interesse social. No 1° caso, o poder público indeniza pelo preço (“compra” a propriedade); mas no 2°, indeniza apenas os custos. Esta é que seria a razão do tratamento de exceção e desigual feito no art. 184 da CF, em confronto com a regra genérica do art. 5°, inc. XXIV da mesma carta.”. RUSCHEL, Ruy Rubem. O Direito Público em tempos de crise. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1997. 65 “Só recebeu do ordenamento jurídico aquele direito de propriedade na medida em que respeite aquelas obrigações, na medida que em que respeite a função social do direito de propriedade. Se o proprietário não cumpre e não se realiza a função social da propriedade, ele deixa de ser merecedor de tutela por parte do ordenamento jurídico, desaparece o direito de propriedade” PERLINGIERI, Pietro. Introduzione ala problemática della ‘propprietà’. Camerino, 1970. Apud in SILVEIRA, op. cit., p. 14. 66 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 – interpretação e crítica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 316. 67 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2001, p. 141.

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expressa na Lei Maior, acarreta em desordem de caráter socioeconômico na estrutura

societária.

Nesse contexto, JACQUES ALFONSIN aponta para o não-cumprimento da função

social da propriedade como caracterizador de abuso de direito e violação dos direitos

humanos fundamentais à moradia e à alimentação de não-proprietários. Tal entendimento

reforça a vinculação direta existente entre o direito de propriedade e a concretização dos

direitos humanos fundamentais.

“Existe um ‘território interior não dominial’, portanto, constituído pelos direitos humanos fundamentais à alimentação e à moradia de não proprietários, que coincide com o território dominial que qualquer proprietário titule sobre a terra enquanto bem de produção, aí se estendendo ao mesmo tempo, no mesmo lugar... Quando se estabelece um conflito sobre terra, enquanto bem de produção, envolvendo, de um lado, direitos humanos fundamentais, e de outro, direitos patrimoniais, não havendo outra saída que não a do sacrifício de algum deles, os sacrificados deverão ser os patrimoniais”.68

O conceito de propriedade está mais próximo hoje da noção de obrigação do que de

da concepção clássica de direito real.69 A partir da ingerência da normativa principiológica

constitucional, o caráter absoluto do direito de propriedade foi se relativizando aos poucos,

a ponto de hoje se reconhecer no direito de propriedade uma natureza obrigacional.70 A

relação prestacional se dá entre o proprietário do bem e toda a coletividade.

O exercício do direito de propriedade encontra o seu limite e o seu conteúdo

material no equilíbrio das relações sociais. Quando verificada a incompatibilidade da

utilização da propriedade individual frente ao interesse social, o segundo deve prevalecer.

68 ALFONSIN, Jacques Távora. O acesso à terra como conteúdo de direitos humanos fundamentais à alimentação e à moradia. Porto Alegre: Fabris, 2003, p. 267. 69 “O conceito de propriedade, ao contrário do que possa parecer, está muito mais próximo da noção de obrigação do que desta noção clássica de direito real, tal como hoje se percebe.” FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 109. 70 “Ocorre que a permeabilidade verificada por parte dos direitos reais, para com os obrigacionais, traz certos deveres do respectivo titular para com a coletividade em que se insere, verificáveis topicamente, em prol de um princípio que o vincula no âmbito proprietário: o princípio da função social”. ARONNE, op. cit., p. 138. O professor Aronne traz à colação um entendimento jurisprudencial que caracteriza a obrigação do proprietário para com a coletividade no exercício do seu direito. AÇÃO PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. OBRAS NÃO REALIZADAS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA. A empresa que na sua atividade industrial provoca a emissão de fumaça que polui atmosfera e lança em rio – Paraíba do Sul -, diretamente, vários efluentes líquidos e que, intimada para realizar obras de proteção ao meio ambiente, não as realiza integralmente em prazo superior a uma década, contado da primeira intimação, deverá ser compelida a fazê-las em certo prazo, sujeitando-se ao pagamento de multa por eventual atraso. (Ap. Cível 3.379/90, 8ª C. Cível do TJRJ, v. u., Rel. Des. Geraldo Batista, 18.06.91)

23

Esta é a essência do princípio e do direito fundamental da função social da propriedade. A

concretização da função social da propriedade na práxis jurídica é condicionante para a

concretização dos valores mais elementares do Estado Democrático de Direito, entre eles o

bem estar social, o direito à moradia, a dignidade da pessoa humana e o direito à

vida.71Nesse contexto, a decisão proferida pelo juiz de direito gaúcho LUIS CHRISTIANO

ENGER AIRES em sede de liminar de ação de reintegração posse, a qual foi negada em

favor do direito de inúmeras famílias de agricultores rurais sem-terra em detrimento do

direito patrimonial do proprietário, afirmando o direito daquelas à vida digna e ao mínimo

existencial.

“Assim, de um lado, temos o direito de propriedade e o conseqüente prejuízo patrimonial que eventualmente seja causado aos autores pela ação dos requeridos; e, de outro, o direito à vida digna dos requeridos que buscam obrigar o Estado brasileiro a cumprir – com urgência – as tarefas que lhe foram impostas constitucionalmente e que têm sido historicamente postergadas. Não tenho dúvidas de que, havendo necessidade de um desses direitos ser sacrificado, deve ele ser o patrimonial, considerando que a Constituição da República (art. 1º, II e III, e art. 3º) reconheceu aquilo que a doutrina e a jurisprudência alemãs chamam de ‘garantia estatal do mínimo existencial’ ou ‘garantia positiva dos recursos mínimos para uma existência’. E como garantir esse mínimo sem atentar para a necessidade de preservar os bens fundamentais (trabalho, moradia, educação, saúde) que correspondam à qualidade humana, sem os quais sequer se poderia falar de pessoa humana, consoante afirmado por RICARDO LUIS LORENZETTI”.72

A partir da importância substancial do direito de propriedade para a constituição da

estrutura social, não se pode deixar de reconhecer a relação intrínseca entre dignidade da

71 BARROSO estabelece o conceito de dignidade da pessoa humana, considerando o mínimo existencial e os elementos que o constituem como padrão mínimo para uma existência digna. “Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos de direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõe o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos”. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro – Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, n. 46. Porto Alegre: Metrópole, 2002, p. 59.

24

pessoa humana e propriedade. No contexto socioeconômico vivenciado pela sociedade

contemporânea, não se pode conceber a realização das condições mínimas existências sem

o acesso ao direito de propriedade.

“Até mesmo o direito de propriedade – inclusive e especialmente tendo presente o seu conteúdo social consagrado no constitucionalismo pátrio – se constitui em dimensão inerente à dignidade da pessoa, considerando que a falta de uma moradia decente ou mesmo de um espaço físico adequado para o exercício da atividade profissional e evidentemente acaba, em muitos casos, comprometendo gravemente – senão definitivamente – os pressupostos básicos para uma vida com dignidade”.73

O seu descumprimento, como se registra em grande medida no contexto social

brasileiro, acarreta em profunda inquietação social.74 O surgimento de movimentos

populares75 de grande expressão e legitimidade na sociedade brasileira nas últimas décadas

reflete de forma clara e objetiva o acúmulo desta angustia social em relação à forma como

se dá a distribuição da renda e, conseqüentemente, da propriedade no Brasil.

Na esteira dos limites individuais e coletivos da propriedade, o Desembargador do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JÚNIOR76,

72 Sentenças: Rio Grande do Sul. Publicada pelo Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul e AJURIS, n. 7/8, Jun-Dez/2002. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas, 2002, p. 170. 73 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 90-91. 74 GESTA LEAL aponta para a falta de legitimidade da ordem jurídica formal, quando constatada a mobilização social contra o estabelecido. “Os conflitos sociais surgidos no campo e na cidade, unidos à crise de identidade e legitimidade do Estado de Direito em geral, em especial do Estado Brasileiro, enquanto evidenciam a existência de opiniões, comportamentos, desejos e crenças múltiplos e contraditórios, convivendo no mesmo tecido social e revelando uma profunda marginalização humana, denunciam o profundo questionamento do poder e da ordem estabelecida. Tal questionamento pode ser encontrado em determinados andares sociais ou populares que, à revelia da ordem estatal estabelecida, inauguram práticas de resolução dos seus conflitos e problemas a partir de uma normatividade própria e informal – quando não ilegal. A forma pela qual esta ordem estatal é desconsiderada, no decorrer de determinadas manifestações de massa, acusa a contestação da legitimidade formal estabelecida, fazendo visível a presença de um contra-poder e de uma contra-ordem”. LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil. Porto Alegre/Santa Cruz do Sul: Livraria do Advogado/Edunisc, 1998, p. 76. 75 Entre outros: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, o Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB, o Movimento dos Sem-teto. 76 Destaco a ementa de julgamento recente em que participou o eminente desembargador. APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AUSÊNCIA DE PROVAS. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE QUE ORIENTAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INATENDIDOS. Restam inatendidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem ainda o da função social da propriedade, cujos quais devem ser integrados ao caso concreto, para estender à suplicante a verdadeira Justiça. Ausente prova da posse anterior, certo que o título de propriedade, tão-somente, não se presta a tanto. (TJRS, Ap. Cível n. 70004913729/Bento Gonçalves, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Guinther Spode, julgado em 15 de abril de 2003)

25

ao comentar as últimas decisões jurisprudenciais relativas às ocupações de terra do

Movimento dos Sem Terra - MST77 e rebater críticas dos defensores do latifúndio, afirma

que: “(...) como a Constituição Federal determina em seu art. 5°, inciso XXIII, o direito de

propriedade possui limitações, não é absoluto, aliás, como qualquer direito não pode ser. E

somente a propriedade que atender a sua função social terá a máxima garantia. É o que está

na lei, e que tem sido atendido pelas decisões ventiladas.”78

A relação traçada por GARRIDO PEÑA entre propriedade, interesse social e

liberdade expressa de forma clara como a concepção absolutista da propriedade privada

acarreta em inquietações e injustiças sociais.

“En esto consiste la libertad de propiedad en apropiarse de la libertad de otros. Decir que algo es de propiedad privada nos es indicar quine puede gozar de ese algo, sino ordenar quien no puede gozar de ese algo. La libertad de propiedad es una máquina de producción de la lógica de la exclusión y la segregación social. Aquí tenemos una primera característica de la teoría moderna del valor jurídico: vale lo que excluye, lo que priva, lo que produce e induce a relaciones de dominación y escasez”.79

A Constituição Federal de 1988 opera na ordem jurídica brasileira uma unidade

sistemática, orientada por uma rede de princípios e valores constitucionais fundamentais

que filtram toda a esfera jurídica infraconstitucional, estabelecendo o que integra e o que

não é recepcionado pelo sistema jurídico. Um destes princípios fundamentais é a função

social da propriedade.

“A Constituição Federal de 1988 consigna de forma abrangente e sistemática uma série de princípios gerais, fundamentais ou jurídicos, que fundamentam, orientam e caracterizam o nosso sistema político, o modelo de Estado, os direitos e garantias fundamentais e a ordem econômica, como estruturas-mestras do sistema jurídico. Entre os direitos e garantias fundamentais e entre os princípios que caracterizam a ordem econômica encontra-se em relevo o princípio da função social da propriedade”.80

77 Para compreender a processo histórico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, ver MARTINS, José de Souza. Reforma Agrária – O impossível diálogo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, com uma postura crítica frente ao movimento; e FERNANDES, Bernardo Mançano. O MST no contexto da formação camponesa no Brasil. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 15-87. 78 Artigo publicado no Jornal Correio do Povo, em 23 de abril de 2002, na seção Opinião. 79 PEÑA, Francisco Garrido. De como la ecologia política redefine conceptos centrales de la ontologia jurídica tradicional: libertad y propiedad. In O novo em Direito Ambiental. Marcelo Dias Varella e Roxana Cardoso Brasileiro Borges (Organizadores). Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 214. 80 MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 43.

26

O fenômeno jurídico da constitucionalização do Direito Civil impõe uma

racionalidade de inversão de valores no regime jurídico da propriedade clássica, voltando o

centro do ordenamento jurídico para a afirmação da dignidade da pessoa humana. Nesse

contexto, a função social da propriedade impõe uma roupagem mais humana à propriedade,

constituindo-se de instrumento concretizador da dignidade da pessoa humana e do bem-

estar social.

“Quanto ao aspecto funcional, o princípio da função social da propriedade desempenha satisfatoriamente todas as cinco funções fá anteriormente assinaladas – isto é, interpretativa, integrativa, diretiva, limitativa e prescritiva – todas elas compreendidas na função normativa. Ocupa espaço na interpretação não apenas dos casos em que a propriedade está diretamente vinculada à causa (a dúvida deve ser resolvida sempre em favor da situação que melhor atende à sua função social), mas muito mais naquelas demandas em que o interesse social deve prevalecer sobre o interesse do proprietário – v. g., meio ambiente, habitação, urbanismo etc”.81

No Brasil, a primeira constituição federal a consagrar de forma expressa a função

social da propriedade no seu escopo foi a Constituição Federal de 194682, ainda sob forte

influência do texto constitucional alemão da República de Weimar (1919), precursor do

referido instituto jurídico no cenário constitucional romano-germânico.83No entanto, a

expressão “função social”, ipsis literis, foi utilizada pela primeira vez em texto

constitucional brasileiro na Constituição Federal de 1967/69 (art.160, III).

“O primeiro texto constitucional a consignar expressamente a idéia de função social foi a Constituição republicana alemã de 1919 (Constituição

81 MORAIS, José Luis Bolzan de. O surgimento dos interesses transindividuais. Revista Ciência e Ambiente - Universidade Federal de Santa Maria, n.° 17, Jul-Dez/1988, p. 65. 82 Verifica-se no Capítulo “Da Ordem Econômica e Social”, art. 147: “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 146, § 16, promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos”. 83 Aponta-se aqui o texto do art. 14 da Lei Fundamental alemã de 1949, que incorporou o conteúdo da Constituição de Weimar sobre a função social da propriedade. “Art. 14 (Propriedade, direito de sucessão e expropriação). (1) A propriedade e o direito de sucessão hereditária são garantidos. O seu conteúdo e os seus limites são determinados por lei. (2) A propriedade obriga. O seu uso deve ao mesmo tempo servir para o bem-estar geral. (3) A expropriação só é lícita se for efectuada no interesse geral. Pode ser efectuada unicamente por lei ou com base numa lei que estabeleça o modo e o montante da indemnização. A indemnização deve ser determinada através da ponderação justa dos interesses gerais e dos das pessoas afectadas. Em caso de divergência acerca do montante de indemnização admite-se o recurso via judicial junto dos tribunais comuns”. (grifos meus). ROGEIRO, Nuno. A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha – Com um ensaio e anotações de Nuno Rogeiro. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 141.

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de Weimar). A constituição alemã de 1949 incorporou, ipsis verbis, a disposição da Carta de Weimar relativa ao princípio da função social.”84

A função social condiciona o direito de propriedade a um exercício harmônico e

equilibrado da titularidade frente ao interesse individual do proprietário e o interesse da

coletividade. É reconhecida à propriedade uma finalidade maior dentro de toda a estrutura

societária e constitucional brasileira, que é a realização do bem-estar social, da justiça

social e da dignidade da pessoa humana. A partir dessas compreensões, verifica-se uma

linha tênue entre os limites do interesse social e do interesse individual. Nesse sentido, é

preciso firmar distinção entre o direito subjetivo individual do proprietário e o direito

subjetivo público que recaem sobre a propriedade.

“Da mesma forma que é conferido um direito subjetivo individual para o proprietário reclamar a garantia da relação de propriedade, é atribuído ao Estado e à coletividade o direito subjetivo público para exigir do sujeito proprietário a realização de determinadas ações, a fim de que a relação de propriedade mantenha sua validade no mundo jurídico. O direito de propriedade deixa de ser, então, exclusivamente um direito garantia do proprietário e se torna um direito garantia da sociedade”.85

Destaca-se que o interesse social (direito subjetivo público) em relação à

determinada propriedade privada, pode ser de maior ou de menor grau, dependendo sempre

da relevância social, ou mesmo ambiental, do bem jurídico em questão. A propriedade, por

exemplo, que recaia sobre área de preservação permanente86, reconhecendo-se o valor

ambiental e social da preservação dessa área para todo o ecossistema87 onde está inserida,

deve receber uma valoração social diferente se comparada a outra área sem a mesma

significância jurídica. A base conceitual da propriedade está na Constituição, cabendo ao

operador jurídico equacionar o equilíbrio entre o individual e o social. Se, diante de um

confronto de interesses, um dos dois tiver que ceder espaço ao outro, este será o interesse

individual.

84 MORAES, op. cit., p. 33. 85 DERANI, Cristiane. Função ambiental da propriedade. In Revista de Direitos Difusos, Vol. 3. Liberdade, SP: ADCOAS/IBAP, Out/2000, p. 267. 86 Art. 1°, § 2°, II, do Código Florestal. 87 Inserido o ser humano nesse contexto.

28

Outro exemplo paradigmático é o do latifúndio improdutivo ou, mesmo produtivo,

que não atenda aos incisos do art. 18688 da Constituição Federal de 1988. Não

correspondendo o exercício da propriedade rural às determinações constitucionais, levando-

se em conta a grande importância socioeconômica da agropecuária para o Brasil, bem como

a insustentável problemática e demanda social por terra e reforma agrária, deve prevalecer

o interesse social sobre o interesse individual do proprietário.

Nesse ponto, é oportuna a lição de RICARDO ARONNE que, ao divergir da

doutrina civilista clássica89, aponta para a autonomia conceitual existente entre propriedade

e domínio.90A partir do conceito de propriedade, reconhece-se uma relação de cunho

obrigacional entre o proprietário e todo o conjunto da sociedade (caráter erga omnes).

Nesse contexto, ao passo que é exigido o direito de abstenção de terceiros para com o

direito individual de propriedade, o proprietário é obrigado a atender à função social da

titularidade no exercício do seu direito como contraprestação.

“Ao mesmo tempo existe uma obrigação do proprietário de fazer a propriedade atender sua função social, do qual são credores o Estado e a coletividade (pluralizada ou singularizada). Por tanto, a obrigação da propriedade é bilateral, devendo ser atendida para que seja oponível. (...) Ao se obrigacionalizar, opera-se a ‘repersonalização’ despatrimonializante do respectivo direito real, cediço que ao direito obrigacional não advém resquícios de absolutividade, bem como se opera uma contrapartida de deveres em vista do adimplemento, que se orientarão teleologicamente em vista do princípio da função social”.91

A função social da propriedade, na proporção e na relevância deste instituto jurídico

para todo o conjunto da sociedade, estabelece uma nova relação de titularidade que se firma

entre o cidadão-proprietário e toda a coletividade. É no equilíbrio desta relação que está o

88 I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 89 A doutrina clássica não admite uma distinção material entre os referidos conceitos, admitindo como sinônimos propriedade e domínio. “A terminologia atual aceita domínio e propriedade como sinônimos, embora, como acentuado, se reserve com maior uso o termo propriedade para os bens imateriais, referindo-se o domínio de forma mais ampla aos bens corpóreos e incorpóreos”. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2001, p. 147. 90 “O domínio tem por objeto uma coisa e suas faculdades, não tendo um sujeito passivo, já a propriedade, tem por objeto uma prestação, tendo sujeito passivo e não sendo de natureza real. Aí está o ponto-chave da ‘repersonalização’ buscada, onde se funcionaliza o direito real, pela via do seu instrumentalizador”. ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio. Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 91. 91 ARONNE, op. cit., p. 94.

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limite e a razão existencial do direito de propriedade na nova ordem jurídica

contemporânea.

“Assim como não existe concepção de Direito para o homem só, isolado em uma ilha, não existe propriedade, como entidade social e jurídica, que possa ser analisada isoladamente. A justa aplicação do direito de propriedade depende do encontro do ponto de equilíbrio entre o interesse coletivo e o interesse individual. Isso nem sempre é alcançado pelas leis, normas abstratas e frias, ora envelhecidas pelo ranço de antigas concepções, ora falsamente sociais e progressistas, decorrentes de oportunismos e interesses corporativos. Cabe à jurisprudência responder aos anseios da sociedade em cada momento histórico”.92

Como se pode perceber da leitura da citação, a função social da propriedade é elo de

conexão entre o indivíduo e toda a sociedade, a partir de um dos elementos mais

importantes e estruturantes da ordem socioeconômica do Estado democrático de Direito,

que é a propriedade. No entanto, diferentemente do caráter que lhe foi atribuído em cartas

constitucionais passadas, o direito de propriedade foi retirado do seu invólucro privatista

para incorporar um caráter humano e coletivo. O interesse social passa a ser o grande

sujeito titular do direito de propriedade, respeitando sempre, quando legítimo, a dimensão

individual do direito de propriedade. Constata-se que, de mero coadjuvante na órbita

privada na concepção liberal, o interesse social e a dignidade humana passam a ser os

grandes protagonistas do Direito Civil contemporâneo.

O direito de propriedade só se legitima e é recepcionado pela ordem jurídica como

direito fundamental na medida em que atenda à sua função social – aqui se agrega também

a dimensão ambiental da função social -, pois só assim cumprirá o seu papel constitucional

e estará a serviço da vida e da dignidade humana.93 Portanto, somente a propriedade que

atenda às suas funções constitucionais é que será reconhecida pelo direito e integrará a

ordem jurídica fundamental.94 Não se pode jamais olvidar o jurista do Estado social

92 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2001, p. 141. 93 “Quando a propriedade não se apresenta, concretamente, como uma garantia da liberdade humana, mas, bem ao contrário, serve de instrumento ao exercício de poder sobre outrem, seria rematado absurdo que se lhe reconhecesse o estatuto de direito humano, com todas as garantias inerentes e essa condição”. In COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e Deveres Fundamentais em Matéria de Propriedade, conferência proferida no 1° Congresso de Direitos Humanos, Brasília – DF, 1997, mimeo. Apud in SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da. A propriedade agrária e suas funções sociais. In O direito agrário em debate. Domingos Sávio Dresch da Silveira e Flávio Sant’Ánna Xavier (organizadores). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 17. 94 “Ademais, em se tomando como referencial o critério da fundamentalidade substancial (material) e, nesta quadra, a conexão com o direito a uma existência digna, o direito à moradia poderá assumir, em diversas

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democrático de Direito que o direito de propriedade também é um direito à propriedade,

cabendo à ordem jurídica garantir a todos os cidadãos as condições existenciais mínimas,

dentre as quais estão, respectivamente nos âmbitos urbano e rural, os direitos à moradia e à

terra, representações fundamentais do direito à propriedade.

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