a promessa do projeto alpa e as lÓgicas de produÇÃo do...

12
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2465 A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM MARABÁ (PA): A CIDADE-MERCADORIA E AS DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS 1 MARCUS VINICIUS MARIANO DE SOUZA 2 Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de produção do espaço urbano ocasionado pela promessa da chegada do projeto ALPA (Aços Laminados do Pará) em Marabá-PA, tomando este projeto como o desencadeador de uma nova lógica de produção do espaço, em que se propicia a consolidação da cidade-mercadoria, alicerçada na especulação imobiliária, bem como conduz ao estabelecimento de outras lógicas, culminando com a ampliação das desigualdades socioespaciais. Para tal, adotou-se como matriz metodológica a proposta de Abramo (2010), sobre as lógicas de produção do espaço urbano, tendo como referencia espacial de análise três bairros distintos surgidos na cidade no período pós-ALPA: um loteamento privado, um conjunto habitacional e uma ocupação urbana. A análise concluiu que o cenário de reestruturação da cidade produzido pela 'chegada' da ALPA permitiu a ampliação das desigualdades socioespaciais. Palavras-chave: Produção do Espaço Urbano; Desigualdades socioespaciais; Marabá; ALPA. Abstract: This study aims to analyze the urban space production process caused by the promise of the arrival of the ALPA project in Maraba -PA , taking this project as the trigger for a new space production logic , in which it provides the city - merchandise consolidation , based on speculation and leads to the establishment of other logical , culminating in the expansion of socio-spatial inequalities. To this end , it adopted as a methodological matrix the proposed Abramo (2010 ) on the logic of production of urban space , with the spatial reference analysis three distinct neighborhoods arose in the city in the post- ALPA period : a private subdivision , a set housing and urban settlement . The analysis concluded that the city restructuring scenario produced by the ' arrival ' of ALPA allowed the expansion of socio-spatial inequalities. Key-words: urban space production; socio-spatial inequalities; Marabá; ALPA. 1 Introdução Nos últimos anos, sobretudo após a crise financeira internacional de 2008, houve uma significativa mudança nos padrões de atuação do mercado imobiliário e da construção civil no Brasil, sobretudo a partir do momento em que o Estado Brasileiro dispôs de medidas para diminuir os efeitos da referida crise no país, como aconteceu através do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Por meio do programa, lançado como medida anticrise, expandiu-se a produção imobiliária, através da ampliação do crédito para aquisição e construção de moradias 1 - Este trabalho apresenta parte dos resultados discutidos pelo autor em sua tese de doutorado, defendida em 2015 junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). E-mail de contato: [email protected]

Upload: dangdien

Post on 27-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2465

A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM MARABÁ (PA): A CIDADE-MERCADORIA

E AS DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS1

MARCUS VINICIUS MARIANO DE SOUZA2

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de produção do espaço

urbano ocasionado pela promessa da chegada do projeto ALPA (Aços Laminados do Pará) em Marabá-PA, tomando este projeto como o desencadeador de uma nova lógica de produção do espaço, em que se propicia a consolidação da cidade-mercadoria, alicerçada na especulação imobiliária, bem como conduz ao estabelecimento de outras lógicas, culminando com a ampliação das desigualdades socioespaciais. Para tal, adotou-se como matriz metodológica a proposta de Abramo (2010), sobre as lógicas de produção do espaço urbano, tendo como referencia espacial de análise três bairros distintos surgidos na cidade no período pós-ALPA: um loteamento privado, um conjunto habitacional e uma ocupação urbana. A análise concluiu que o cenário de reestruturação da cidade produzido pela 'chegada' da ALPA permitiu a ampliação das desigualdades socioespaciais.

Palavras-chave: Produção do Espaço Urbano; Desigualdades socioespaciais; Marabá; ALPA.

Abstract: This study aims to analyze the urban space production process caused by the promise of

the arrival of the ALPA project in Maraba -PA , taking this project as the trigger for a new space production logic , in which it provides the city - merchandise consolidation , based on speculation and leads to the establishment of other logical , culminating in the expansion of socio-spatial inequalities. To this end , it adopted as a methodological matrix the proposed Abramo (2010 ) on the logic of production of urban space , with the spatial reference analysis three distinct neighborhoods arose in the city in the post- ALPA period : a private subdivision , a set housing and urban settlement . The analysis concluded that the city restructuring scenario produced by the ' arrival ' of ALPA allowed the expansion of socio-spatial inequalities. Key-words: urban space production; socio-spatial inequalities; Marabá; ALPA.

1 – Introdução

Nos últimos anos, sobretudo após a crise financeira internacional de 2008,

houve uma significativa mudança nos padrões de atuação do mercado imobiliário e

da construção civil no Brasil, sobretudo a partir do momento em que o Estado

Brasileiro dispôs de medidas para diminuir os efeitos da referida crise no país, como

aconteceu através do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Por meio do

programa, lançado como medida anticrise, expandiu-se a produção imobiliária,

através da ampliação do crédito para aquisição e construção de moradias

1 - Este trabalho apresenta parte dos resultados discutidos pelo autor em sua tese de doutorado, defendida em

2015 junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

E-mail de contato: [email protected]

Page 2: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2466

(MELAZZO, 2013). Nesse contexto, cidades médias como Marabá (PA) tornaram-se

bastante atrativas ao capital imobiliário, já que produtos imobiliários comuns nas

regiões metropolitanas, como condomínios fechados, se apresentariam como o

"novo habitat urbano" para as populações destas cidades.

Concomitantemente, em Marabá se desenrolava outro acontecimento que

produziria efeitos diversos na produção do seu espaço urbano, que é a promessa de

chegada do empreendimento ALPA (Aços Laminados do Pará), gerando mais de 15

mil empregos diretos durante sua construção. Entretanto, não se esperava que,

após o início das obras da ALPA, estas viriam a ser paralisadas pela VALE e o início

das operações em 2014 não se concretizou. Assim, as expectativas criadas em

torno da chegada da ALPA e seu consequente fracasso, aliada ao momento propício

para o mercado imobiliário (graças ao PMCMV), levaram à organização de uma

nova dinâmica na produção do espaço urbano de Marabá.

De tal forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de

produção do espaço urbano ocasionado pela promessa da chegada do projeto ALPA

(Aços Laminados do Pará) em Marabá-PA, tomando este projeto como o

desencadeador de uma nova lógica de produção do espaço, em que se propicia a

consolidação da cidade-mercadoria, alicerçada na especulação imobiliária, bem

como conduz ao estabelecimento de outras lógicas, culminando com a ampliação

das desigualdades socioespaciais.

Para a realização deste pesquisa utilizou-se o preceito de Abramo (2010),

sobre a produção do espaço urbano pelas lógicas de mercado, de estado e da

necessidade. Foram escolhidos três bairros da cidade, representantes de cada uma

destas lógicas, surgidos no período pós-ALPA, a partir dos quais foi possível

perceber as estratégias da população residente nestes locais, no que diz respeito ao

acesso destas à cidade e aos equipamentos e serviços básicos de consumo

coletivo, necessários à reprodução social.

2 – A expectativa da ALPA e seus efeitos: movimentos migratórios e expansão

urbana

O desenvolvimento de um setor industrial em Marabá remonta à década de

1980, por conta dos estímulos do PGC (Programa Grande Carajás) a esta atividade,

Page 3: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2467

sobretudo aos empreendimentos ligados à cadeia produtiva do ferro. Durante as

décadas de 1990 e 2000 ainda há um crescimento da importância do setor industrial

em Marabá, ligado ao extrativismo mineral, sendo que Marabá chegou a possuir em

seu território onze siderúrgicas, que geravam mais de três mil empregos diretos

(RIBEIRO, 2010).

Porém, com a crise mundial internacional de 2008, muitas destas siderúrgicas

fecharam, devido à queda do preço do aço no mercado internacional, o que diminuiu

consideravelmente a produção em Marabá. Entretanto, o anúncio de outro projeto,

em junho de 2008, que prometia a verticalização da cadeia do aço em Marabá,

trazia o vislumbre de que os efeitos da crise na siderurgia marabaense seriam

passageiros.

A ALPA consistia em um projeto da ordem de U$$ 3,7 bilhões, cujo parque

industrial receberia, além da usina siderúrgica integrada, um ramal ferroviário para

conectá-la à Estrada de Ferro Carajás, um terminal fluvial no rio Tocantins, além de

uma linha de transmissão energética específica, o que tornaria possível a geração

de 16.062 empregos diretos na fase de implantação e 5.319 empregos na fase de

operação (VALE, 2009).

Entretanto, apesar das obras deste projeto terem sido iniciadas em 2010,

estas nunca foram concluídas. Em 2013, a VALE informa que os investimentos na

ALPA estavam suspensos por tempo indefinido (BRAZ, 2013). Entre os motivos

elencados, estava a falta de uma solução logística para o escoamento da produção,

em virtude da não implantação da hidrovia do rio Tocantins.

Feitas estas ressalvas, faz-se necessário compreender que diante das

expectativas geradas, apresenta-se um outro reflexo daquele momento vivenciado

em Marabá, que terá consequências importantes na produção do espaço urbano e

nas formas de realizar esta produção, que foi uma ampliação dos fluxos migratórios

que se dirigiam para Marabá, sobretudo a partir de 2008, ou seja, no período pós-

ALPA.

A partir da análise do Microdados do IBGE (2010) é possível caracterizar os

fluxos migratórios que se dirigiram para Marabá, ano a ano, no último período

intercensitário. A partir deste dados é possível avaliar que no período pós-ALPA, que

corresponde ao período pós-2008, houve um incremento significativo no total de

Page 4: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2468

migrantes que se dirigiram para Marabá. O período entre 2008 e 2010 mostra que

este município recebeu 21.541 novos habitantes, o que corresponde a 41,5% do

total de migrantes que chegaram em Marabá na última década, comprovando que as

expectativas geradas pela chegada do Projeto ALPA tiveram um importante reflexo

na atração de pessoas para a cidade.

Com a chegada destes migrantes, uma necessidade se torna premente, que é

a moradia. Para além do efeito da vinda de novos habitantes, o acréscimo destes à

população local torna possível a expectativa de criação de investimentos no

mercado imobiliário, que deveria, então, se preparar para receber estas levas de

migrantes, ofertando novas opções de moradia na cidade. Porém, como estes

migrantes não são homogêneos, no que diz respeito às suas condições de emprego

e renda, a forma com que estes tem acesso à moradia também será diferenciada, o

que levará, no período pós-ALPA, ao estabelecimento de diferentes lógicas de

produção do espaço urbano em Marabá.

A partir de então começa a se configurar um novo cenário no que diz respeito

à expansão do tecido urbano de Marabá, com o aparecimento, por um lado, de

empreendimentos imobiliários do mais diversos tipos (loteamentos, loteamentos

fechados, condomínios fechados verticais e horizontais) e, de outro, o surgimento e

ampliação das ocupações urbanas. De tal forma, torna-se importante avaliar como

se dá o crescimento do tecido urbano no período pós-ALPA, como é possível ser

observado no Mapa 1 a seguir, a fim de se compreender como isto se torna

impactante na ampliação das desigualdades socioespaciais.

O Mapa 1 representa a evolução do tecido urbano de Marabá entre os anos

de 2009 e 2013. Nele é possível perceber que no referido período a expansão do

tecido urbano ocorreu em todas as direções, não havendo a concentração deste

crescimento em apenas uma região da cidade. Através do uso de técnicas de SIG

foi possível mensurar que o tecido urbano cresceu 1.542,8729 hectares, o que

representa um crescimento de 35% em relação à área urbana existente em 2009.

Entretanto, o mapeamento também permitiu concluir que, apesar da

expansão urbana verificada no período pós-ALPA, aquilo que realmente edificou-se,

entre 2009 e 2013 corresponde a apenas 18% da área expandida. Dessa feita, a

produção material do espaço urbano em Marabá está sendo realizada por meio de

Page 5: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2469

Mapa 1 - Expansão urbana de Marabá entre 2009 e 2013. Fonte dos dados: SOUZA (2015).

vazios urbanos, em que a retenção de terras (que pode ter fins especulativos)

dificulta o acesso da população à moradia e à cidade, colaborando para o aumento

da edificação nas áreas de ocupação urbana e agravando a situação do déficit

habitacional, que em 2010 era de 10.969 domicílios (SOUZA, 2015).

A expectativa em torno do projeto ALPA propiciou o desenvolvimento de um

mercado imobiliário pujante em Marabá que, entretanto, reproduz-se por meio de

vazios urbanos e da retenção especulativa da terra urbana, fazendo com que se

desenvolvessem nesta cidade outras lógicas de produção do espaço urbano,

desassociadas desta lógica de mercado, como será tratado adiante.

3 – Lógicas de produção do espaço urbano em Marabá no pós-ALPA: a

ampliação das desigualdades socioespaciais

3.1 - A lógica de mercado

Dentre as diferentes lógicas de produção do espaço urbano estabelecidas em

Marabá, após a notícia da chegada da ALPA, aquela representada pelo mercado

Page 6: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2470

formal de negócios imobiliários é a de maior destaque. Isso decorre em função da

quantidade de empreendimentos deste tipo lançados no período compreendido entre

2008-2014 (33 empreendimentos) , possibilitando o surgimento de mais de 30 mil

novas 'parcelas' de solo urbano comercializáveis em Marabá, além de ser a lógica

que mais contribuiu para a expansão do tecido urbano (amparada pela alteração dos

limites do perímetro urbano, em 2009).

Entre os empreendimentos imobiliários lançados no período pós-ALPA

destaca-se o Cidade Jardim, por ser aquele que apresenta as maiores dimensões,

projetado com 11.846 lotes, cuja entrega está sendo realizada em etapas, desde

2010. A análise realizada neste bairro, através da aplicação de formulários,

procurou buscar entender o perfil socioeconômico de sua população e bem como a

interação espacial existente entre esta área e o restante da cidade, a fim de

perceber, entre as diferentes lógicas de produção do espaço urbano estabelecidas

em Marabá, a possibilidade de ampliação das desigualdades socioespaciais.

O bairro é composto em sua maioria por famílias cuja renda familiar é superior

a dois salários mínimos e por chefes de família que possuem Ensino Médio

Completo (49% das famílias). A infraestrutura é um dos fatores apontados nas peças

publicitárias como diferencial do local em comparação com o restante da cidade,

suscitando a ideia de negação do entorno ou negação da cidade. O bairro possui

100% dos domicílios com abastecimento de água, 81% destinam seus dejetos para

a rede geral de esgotos e apenas a coleta de lixo é menos eficiente, com 54% dos

domicílios tendo lixo coletado diretamente na residência.

As interações entre a populações deste bairro com o restante da cidade foram

avaliadas por meio da capacidade desta em acessar os equipamentos e serviços

públicos de consumo coletivo, como saúde e educação, além da busca pelo trabalho

e lazer. De tal forma, é preciso considerar que o bairro está localizado a cinco

quilômetros de distante da mancha urbana consolidada de Marabá.

Apesar da relativa independência que o loteamento conquistou perante a

cidade, no que diz respeito à infraestrutura existente, quando se fala de

equipamentos públicos de consumo coletivo, a dependência é quase total com

relação ao restante da cidade, quanto ao uso dos equipamentos de saúde,

educação e lazer, já que não existem instituições desta natureza no bairro. Mais

Page 7: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2471

uma vez, as soluções privadas de transporte prevalecem como alternativa para

acesso à cidade, seja para a educação (48%), saúde (76%) ou lazer (77%).

Além destes aspectos objetivos, foram levantados dados sobre a percepção

dos moradores em relação ao bairro, quanto à existência de aspectos positivos e

negativos no local. Quanto aos aspectos positivos destaca-se a tranquilidade do

bairro, o que pode ser compreendido em virtude do baixo índice de ocupação até o

momento da análise. Em seguida se destaca a infraestrutura existente no local,

como redes de água, esgoto, iluminação, asfalto, que são aspectos problemáticos

em outras partes da cidade. Sobre os aspectos negativos, muitos dos problemas

apontados estão relacionados com a ineficácia dos equipamentos e serviços

públicos de consumo coletivo. A este respeito, destacam-se as reclamações quanto

ao transporte público, a falta de escolas e postos de saúde, a falta de policiamento e

a coleta de lixo

A partir dos dados levantados é possível avaliar que o bairro Cidade Jardim

pode ser tratado com um exemplo do processo atual de (re)produção do espaço

urbano, em que uma das características deste momento é a intensificação da

dispersão urbana, que tem provocado o distanciamento das áreas coesas da cidade

para com os novos produtos imobiliários surgidos, sobretudo ao longo dos eixos

viários, como a Transamazônica.

Apesar do bairro possuir alguns problemas, como a carência de

equipamentos e serviços públicos de consumo coletivo, os moradores possuem

outras possibilidades para garantir o acesso a estes equipamentos, sobretudo por

disporem do veículo particular como a principal forma de deslocamento pela cidade,

o que não os impossibilita de apropriarem-se de condições adequadas de vivência

na cidade, diminuindo, por conseguinte, as possibilidades desta população estar

sujeita às maiores desigualdades socioespaciais.

3.2 - A lógica da necessidade e do Estado: as ocupações urbanas e os

conjuntos habitacionais no período pós-ALPA

A possibilidade de chegada da ALPA foi o fator que possibilitou a valorização

do capital imobiliário e sua reprodução espacial na forma de loteamentos e

Page 8: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2472

condomínios e, ao mesmo tempo, colaborou para a ampliação de outras estratégias

de reprodução do espaço urbano, ao sobrepor o valor de troca ao valor de uso,

dificultando o acesso universal à terra urbana. Enquanto que a partir de 2008 foram

lançados mais de 33 mil imóveis em Marabá, em sua maioria lotes, em 2010 o déficit

habitacional nesta cidade era de 10.969 domicílios, o que demonstra que estas

propriedades não são lançadas com pretensões de combater o déficit habitacional,

mas sim com vistas a reprodução ampliada do capital.

Nesse sentido, as famílias de menor renda encontram nas ocupações

urbanas e nos conjuntos habitacionais do PMCMV a estratégia necessária para sua

reprodução social. Segundo o IBGE (2010) existem em Marabá onze aglomerados

subnormais, os quais concentram uma população superior a 28 mil habitantes na

área urbana desta cidade. Para CPT (2010, p.1) a VALE, através do projeto ALPA, é

a grande responsável pelo aumento destas áreas em Marabá:

A população pobre migra em busca de um emprego que não vai estar ao seu alcance devido não ter qualificação exigida. Com isso, vão inchando as periferias das cidades da região, submetidos a uma situação de violência, miséria e doenças constantes

Em 2012 uma das ocupações urbanas a surgir em Marabá foi o

autodenominado "Bairro Beira-Rio", analisado neste trabalho. Este bairro é

composto por famílias originárias de 41 localidades diferentes, inclusive de

migrantes de outros municípios (16%). A infraestrutura existente (ou inexistente) no

Bairro Beira-Rio exemplifica a desigualdade socioespacial a que estão submetidas

as famílias que vivem nos aglomerados subnormais de Marabá. Cerca de 27% dos

moradores não possuem acesso à água, não existem domicílios ligados a uma rede

geral de coleta de dejetos e a coleta de lixo alcança apenas 35% dos domicílios.

Quanto às interações com as demais áreas da cidade, O acesso aos serviços

e equipamentos públicos de consumo coletivo, como escolas e postos de saúde

levam, necessariamente, a população a se deslocar do bairro, já que este não

possui tais equipamentos, em virtude de ser uma ocupação urbana. Em 50% dos

domicílios constatou a presença de jovens escolares e, entre estes, observou-se um

índice de evasão escolar de 18%, explicado pela própria mudança da família para o

Page 9: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2473

local, aliada as dificuldades de transporte para os jovens estudantes e a inexistência

de escolas no bairro, o que obrigo o deslocamento para outras áreas da cidade.

Sobre os equipamentos de saúde, o mais próximo do bairro Beira-Rio está

distante dois quilômetros destes, sendo que as formas de deslocamento para o

atendimento das necessidades relativas à saúde são bastante diversificada,

ocorrendo um equilíbrio entre os deslocamentos a pé (29%), por transporte coletivo

(29%) e com veículo próprio (28%).

Questionados a respeito das características positivas do bairro, aquela que

recebeu mais menções foi o fato de possuir a "casa própria" o que, na verdade,

representa o fato de deixar de pagar aluguel. Sobre os aspectos considerados

negativos pela população destaca-se a infraestrutura do bairro, já que, como

destacada anteriormente, esta é precária no que diz respeito às condições das ruas,

abastecimento de água e saneamento básico.

Apesar destas características negativas, é possível concluir que o fato de

possuir um local para habitar, que não gere ônus para o orçamento familiar, acaba

prevalecendo enquanto fator fundamental para manter esta população no local, visto

que 66% das famílias afirmaram não desejar morar em outro local e sim permanecer

no Bairro Beira-Rio, na luta para conseguir a regularização da área, afim de afastar o

medo da desapropriação e, desta forma, poder lutar por melhorias na qualidade de

vida do bairro.

Faz-se necessário, também, discorrer a respeito dos conjuntos habitacionais

que foram instalados em Marabá entre 2008 e 2014, através dos incentivos

governamentais do PMCMV. No referido período foram criados dois destes

conjuntos em Marabá - Residencial Vale do Tocantins e Residencial Tiradentes -

que somam 2.500 novas residências. Ambos estão localizados à margem direita do

rio Tocantins, nos distritos urbanos de São Félix e Morada Nova

Porém, a construção das moradias poderia resolver, parcialmente, o problema

do déficit habitacional marabaense. Entretanto, o que se percebe a partir da

instalação destes conjuntos é a exacerbação de outros problemas, que contribuem

para a ampliação das desigualdades socioespaciais em Marabá. Entre tais

problemas está a falta de equipamentos públicos de saúde e educação nestes

Page 10: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2474

conjuntos, o que aumenta a demanda pelos equipamentos do entorno (São Félix e

Morada Nova), problemas com abastecimento de água, entre outros.

A situação atual destes conjuntos habitacionais reforça o problema da

inserção urbana (FERREIRA, 2012) destes pois, apesar de estarem próximos à BR-

155, que lhes dá acesso, a articulação destes espaços com o restante da cidade,

por meio dos deslocamentos de seus habitantes, é dificultada à medida que o

transporte público coletivo não consegue atender a demanda criada com a

instalação destes conjuntos. Atualmente, existe apenas uma linha de ônibus que

adentra estes residenciais, o que torna premente o uso de soluções individuais de

locomoção.

Isto agrava as condições de acesso aos equipamentos de consumo coletivo,

já que mesmo o bairro tendo sido planejado, este não foi devidamente equipado com

instituições públicas para atender sua população, o que torna indispensável o

deslocamento para outras áreas da cidade para acessá-los. Assim, a população

apontou entre os principais aspectos negativos do bairro a sua infraestrutura geral,

devido a problemas com asfaltamento e a rede geral de esgoto, e também ausência

dos serviços e equipamentos públicos, relacionado com transporte público,

abastecimento de água, insegurança e ausência de postos de saúde e escolas.

Devido a estes fatores, 53% dos moradores do bairro manifestaram o desejo

de morar em outro local, se tivessem o poder da escolha, o que reforça que, apesar

da casa própria, apontada com o principal fator positivo do bairro, isto não é

suficiente para que a população viva de forma digna, já que para além da moradia, é

preciso ter condições de deslocamento pela cidade e acesso aos equipamentos

públicos de consumo coletivo.

A lógica estatal na produção do espaço urbano marabaense, materializada

nos conjuntos habitacionais do PMCMV, colaborou para a diminuição do déficit

habitacional, possibilitando à população economicamente mais desfavorecida o

acesso à moradia própria. Entretanto, como visto, isto não tem sido suficiente para

ofertar a esta população uma melhor qualidade de vida e, ao contrário, tem

contribuído para ampliar as desigualdades socioespaciais, à medida que a decisão

de viver neste local não foi tomada pela população e sim pelas alianças entre o

Page 11: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2475

poder público e o capital imobiliário, em que até mesmo a mudança na legislação

municipal foi necessária, com a ampliação do perímetro urbano.

4 - Considerações Finais

A notícia da chegada da ALPA provocou a constituição de um novo e

complexo cenário urbano em Marabá, a partir das alterações engendradas nos

fluxos migratórios e de investimentos para esta cidade. O mercado imobiliário se

expandiu, amparado também em movimentos externos, propiciando o aparecimento

de novos habitats urbanos, para uma cidade média da Amazônia Oriental, mas que,

entretanto, colaborou para a intensificação da especulação imobiliária, a partir da

mercantilização do solo urbano e da retenção deste para operações financeiras

futuras, que buscam o lucro e não garantir a função social da propriedade.

A intensificação da cidade-mercadoria teve, também, efeitos importantes nas

outras lógicas de produção do espaço urbano estabelecidas, como a lógica estatal,

em que as alianças entre poder público e proprietários fundiários levou à criação de

conjuntos habitacionais, com graves problemas estruturais e de qualidade de vida da

população levada a este local, visto que a inserção urbana destes conjuntos ficou

comprometida, à medida que a população teve disponibilizada apenas a residência e

não todos os equipamentos e serviços necessários à uma qualidade de vida digna

na cidade.

Da mesma forma, a lógica da necessidade ampliou-se na estruturação do

espaço urbano, já que a mercadorização da cidade dificultou o acesso a esta para

aquelas camadas sociais mais desfavorecidas economicamente. Criar novas áreas

ou expandir aquelas ocupações já existentes tornou-se a principal estratégia para a

(sobre)vivência destas famílias em Marabá e também a principal forma de efetiva

consolidação de novas moradias no espaço urbano.

Entretanto, fica claro que a moradia por si só não é condição única para

garantir melhorias na qualidade de vida da população, é preciso também dar

condições para a reprodução social digna desta, com garantias para o acesso a

serviços públicos de qualidade, como a educação, a saúde, o transporte e o lazer

que, da maneira que se procedeu o processo de produção do espaço urbano de

Marabá após a ALPA, não está sendo possível garantir essas condições à toda

Page 12: A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ...enanpege.ggf.br/2015/anais/arquivos/8/239.pdf · A PROMESSA DO PROJETO ... 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2476

população, demonstrando que a ampliação das desigualdades socioespaciais é uma

característica real presente neste processo e está estruturalmente ligada à

consolidação da cidade-mercadoria.

5 - Referências

ABRAMO, Pedro. O mercado informal e a produção da segregação espacial na América: a cidade COM-FUSA informal. In: LEAL. S.; LACERDA, N. (orgs.). Novos padrões de acumulação urbana na produção do habitat: olhares cruzados Brasil-França. Recife: Ed. Universitária UFPE, 2010. p.211-240. BRAZ, Ademir. Vale cancela recursos da ALPA. Correio do Tocantins, Marabá, 11- 13 maio 2013.Caderno 3, p.3. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT). Diagnóstico das ocupações urbanas de Marabá. 2010. [s.n.t.]. FERREIRA, João Sette Whitaker (coord). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil Urbano: parâmetros de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e urbanos. São Paulo: LABHAB/FUPAM, 2012. 200p. MELAZZO, Everaldo Santos. Estratégias fundiárias e dinâmicas imobiliárias do capital financeirizado no Brasil. In: Mercator, Fortaleza, v.12, p.29-40, set.2013. Número especial (2). RIBEIRO, Rovaine. As cidades médias e a reestruturação da rede urbana amazônica: a experiências de Marabá no Sudeste Paraense. 2010. 136f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. RODRIGUES, Arlete Moysés. Desigualdades socioespaciais - a luta pelo direito à cidade. In: Cidades: Revista Científica, Presidente Prudente, v.4, n.6, p.73-88, 2007. SOUZA, Marcus Vinicius Mariano de. O projeto ALPA e a produção do espaço urbano em Marabá: a cidade-mercadoria e as desigualdades socioespaciais. 297f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2015. SPOSITO, M.E.B. Loteamentos fechados em cidades médias paulistas - Brasil. In: SPOSITO, E.S.; SPOSITO, M.E.B.; SOBARZO, O. (org.). Cidades médias: produção do espaço urbano e regional. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p.175-197. VALE. Aços Laminados do Pará: Marabá-PA. Relatório de Impacto Ambiental, out.2009. [s.n.t.].