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A PROFISSIONAL/ZAÇAO DO ADMINISTRADOR PAUL/STA FLA VIO PENTEADO SAMPAIO "Com a passagem do tempo, à medida que a inâus: trializá.ção avança, cada nação, em seu desenvolvi- mento, se distancia de seu estágio pré-industrial e de, seus líderes industriais originais." - KERR, DUNLOP, HARBISON e MYERS o Brasil está, indubitàvelmente, caminhando em ritmo acelerado para a transposição de seu estágio pré-indus- trial, com a gradual consolidação de sua indústria de base, em que pêse à sua luta no sentido de procurar resolver o grave problema da escassez de capitais e da conseqüen- te montagem de um sistema de crédito menos incerto e menos oneroso. Um dos meios que mais se têm destacado por sua eficá- cia para solução dêsse problema nos países em fase de expansão é o investimento em recursos humanos ao nível de gerência. Êstes, se mobilizados como recursos econô- micos, ao mesmo tempo que preparados para tratamento, com alvos sociais, dos processos tecnológicos no sentido do bem-estar coletivo, contribuirão para evitar "a mecani- zação da vida, que se arrisca a produzir monstros, bioló- gica e moralmente" 1• FLÁVIO PENTEADO SAMPAIO - Prefessor de Sociologia e Diretor da Escola de Administração de Emprêsas, de São Paulo. 1) MARCEL BRESARD, Le Chef d'Enterprise et la Mobilité Sociele, Paris: Editions de l'Entreprise Moderne, 1961, pág, 26.

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A PROFISSIONAL/ZAÇAODO ADMINISTRADOR PAUL/STA

FLAVIO PENTEADO SAMPAIO

"Com a passagem do tempo, à medida que a inâus:trializá.ção avança, cada nação, em seu desenvolvi-mento, se distancia de seu estágio pré-industrial ede, seus líderes industriais originais." - KERR,DUNLOP, HARBISON e MYERS

o Brasil está, indubitàvelmente, caminhando em ritmoacelerado para a transposição de seu estágio pré-indus-trial, com a gradual consolidação de sua indústria de base,em que pêse à sua luta no sentido de procurar resolvero grave problema da escassez de capitais e da conseqüen-te montagem de um sistema de crédito menos incerto emenos oneroso.

Um dos meios que mais se têm destacado por sua eficá-cia para solução dêsse problema nos países em fase deexpansão é o investimento em recursos humanos ao nívelde gerência. Êstes, se mobilizados como recursos econô-micos, ao mesmo tempo que preparados para tratamento,com alvos sociais, dos processos tecnológicos no sentidodo bem-estar coletivo, contribuirão para evitar "a mecani-zação da vida, que se arrisca a produzir monstros, bioló-gica e moralmente" 1•

FLÁVIO PENTEADO SAMPAIO - Prefessor de Sociologia e Diretor da Escolade Administração de Emprêsas, de São Paulo.

1) MARCEL BRESARD, Le Chef d'Enterprise et la Mobilité Sociele, Paris:Editions de l'Entreprise Moderne, 1961, pág, 26.

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Tal investimento tem, como uma de suas conseqüências,o sentido crescentemente "organizacional" aplicado ao es-fôrço conjugado de todos os fatôres de produção aciona-dos na emprêsa pelo talento administrativo e pelo impul-so inovador do dirigente moderno.

Ocorre que o rendimento econômico da utilização cres-cente dos recursos humanos na direção executiva das em-prêsas esbarra com os elementos que condicionam sua ca-pacidade administrativa para exercer a combinação ótimados demais fatôres de produção, sendo dois dos maioresdêsses elementos o tempo e a qualidade da experiência doadministrador. De outra parte, a sensibilidade do executivopara com a conjuntura política, econômica e social emque a emprêsa opere tem relação direta com o grau deeficiência com que êle toma decisões e assume riscos.

Pouco ou nada se sabe, em bases seguras, acêrca do apa-recimento e da atuação do gerente brasileiro nesse senti-do. Seu recrutamento e sua formação têm sido feitos porcritérios improvisados e a partir de noções e conceitosainda não devidamente justificados.

Os primeiros estudos nessa área entre nós datam de hámenos de cinco anos. Êste artigo se refere, ainda que li-geiramente, a um dêsses estudos, sendo seu objeto a ca-racterização de um dos aspectos do problema: a mobili-dade profissional com base na estrutura social da emprêsa.

o ADMINISTRADOR PROFISSIONAL E A INDUSTRIALIZAÇÃO

A sociedade contemporânea - particularmente a brasi-leira - é uma sociedade em expansão. E "a emprêsaé atualmente um lugar privilegiado no plano do dinamis-mo social, pois é a fonte de muitos problemas sociais eeconômicos e, também, de algumas soluções" 2 •

Na etapa preliminar e pioneira da industrialização - nãosó no Brasil, mas na maioria dos países que se industriali-zaram por mudança da tradicional fisionomia econômico-

2) MARCEL BRESARD, obra citada.

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-social para um tipo de sociedade fortemente diferenciada- predominava, na iniciativa e no "comando" da produ-ção por métodos pré-industriais de cunho patrimonial, a fi-gura do chefe-de-família empreendedor, auxiliado por seusfilhos ou por pessoas de inteira confiança do "patrão-pro-prietário". Correspondia essa inicipente estrutura empre-sária a uma também incipiente sociedade industrial, in-tentada pela inversão no campo fabril das reservas de ca-pital acumuladas na produção agrícola de exportação. Essafoi a origem da industrialização brasileira, notadamenteem São Paulo.

Mas, aquela mesma sociedade fabril incipiente trazia emseu bôjo o fermento de uma sociedade industrial onde ascrescentes reservas de mão-de-obra teriam de ser recruta-das de modo racional (e não mais pela via tradicional doparentesco), bem como remuneradas e contratadas deconformidade com os princípios do Direito Social (e nãomais conforme, apenas, o arbítrio unilateral do patrão) .O mercado de produtos manufaturados cresceu, mas, aomesmo tempo, tornou-se competitivo; e os capitais ini-ciais não foram suficientes para suportar as exigências deexpansão da produção, necessàriamente mais racionalquando favorecida e controlada por sistemas mecanizados,com introdução articulada de estratégias e procedimen-tos mercadológicos. Finalmente, a tomada de posição ea adoção de medidas reguladoras e incentivadoras pelopoder estatal fizeram com que reforços financeiros do ex-terior tivessem de ser solicitados para o empreendimentoindustrial, a fim de serem acrescentados aos capitais ori-ginais. Assim, representantes de grupos estranhos à famí-lia do empreendedor puderam participar da direção da or-ganização empresária, chegando, por vêzes, a ter predomi-nância sôbre ela, como foi o caso da indústria automobi-lística.

É natural que êsse processo de transformação tenha sidomais acentuado no setor da média e da grande emprêsa,pois a eficiência das pequenas emprêsas familiares, querna manufatura, quer no comércio de atacado e varejo, é

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maior em economias em desenvolvimento, como ficou com-provado por pesquisas de âmbito internacional ;1.

No Brasil o processo de transição gerou também, forte-mente, outro tipo de mobilidade com o surgimento de opor-tunidades novas para os mais ousados, como foi o casode inúmeros proprietários de oficinas ou pequenas fábri-cas, originários dos quadros técnicos de grandes emprêsasou de escolas técnicas de nível superior e de nível médio.

Essa transição da emprêsa produtora, de característicastradicionais e com apenas alguns traços de organizaçãoindustrial, para a emprêsa moderna, típica da sociedadeindustrial, revelou o momento de mudança do caráter es-tático da economia com unidades produtoras auto-suficien-tes, para uma economia dinâmica, com crescente especia-lização das atividades, onde o status famílial ou a posiçãosocial do dirigente cede lugar aos novos requisitos da di-visão social e técnica do trabalho, segundo critérios racio-nais, reclamando a profissionalização do administrador,seja êle gerente ou diretor.Essa transformação se deveu menos ao fato de a emprêsahaver passado da condição jurídica de sociedade mercan-til de responsabilidade limitada para a de sociedade anô-nima, de participação teoricamente ilimitada, do que aofato econômico-social de as características dêsse segundotipo terem: (a) diminuído a importância do status socialatribuído por herança, e elevado a do status profissionalobtido por diligência pessoal; (b) sobreposto à legitimida-de dos interêsses particulares de natureza econômica o di-reito universal às oportunidades; (c) preterido o caráterdifuso das relações sociais, em favor do caráter específicoda capacidade técnica; (d) preferido à impulsividade dasemoções e à afetividade dos sentimentos, dos estados-de-humor e das paixões o critério racional e eqüitativo dajustiça.A emprêsa é hoje, em conseqüência, a agência do esfôrçosocial organizado, visando a resultado econômico, dentro

;») r.,E ••I!.RICK HARBlSON e CHARLES MYERS, Management in the 100"-trial WorId, Nova Iorque: McGraw-HilI, 1959, pág. 71.

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de um contexto político-social cada vez mais ativo. Deve-rá a emprêsa ser estruturada institucionalmente, consoan-te sua finalidade específica e o tipo de planejamento deque se tenha originado em cada caso concreto; mas, antesde mais nada, deverá ser um sistema de ações humanascoletivas, do qual participem e atuem fôrças associativase dissociativas, alimentando contínuo processo de reajus-tamento do comportamento individual e grupal, não sódentro do âmbito de trabalho como na comunidade socialexterna.

À medida que a industrialização progride, a administraçãode emprêsas, vista não somente como modalidade de re-curso econômico, mas como geradora de uma neva classesocial, torna-se efetivamente uma atividade profissionalcom apelos e responsabilidades definidos na obtenção dereforços de capitais, no processo inovador de gerência, naestratégia de penetração de mercados em expansão, na li-derança dos movimentos de avanço de uma sociedade in-dustrial e nos vários sistemas de que se compõe a estru-tura social.

A rigor, somente nos últimos 10 ou 15 anos desenvolve-ram-se condições capazes de permitir o crescimento autô-nomo da indústria brasileira como setor econômico, liga-do ao processo de urbanização como tipo de vida, pois atéentão não ocorrera suficiente expansão da produção na-cional de bens de capital simultâneamente ao fortaleci-mento do mercado interno, e, em conseqüência, ficara elasubmetida às injunções dos capitais c dos mercados inter-nacionais 4 •

E tudo indica que surgiu para as emprêsas o problema derever sua política de pessoal dirigente, sobretudo na faixamédio-superior da administração (middle menesement y,onde atuam os gerentes, os chefes de seção e de departa-mento, os engenheiros de administração técnica da produ-ção e os diretores de carreira.

4) FERNANDOH. CARDOSO,"Proletariado no Brasil - Situação e Com-portamento Social", Revista Brasiliense, Editôra Revista Brasifiense,maio/julho de 1962, pág. 100.

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Ao mesmo tempo, com o tênue desabrochar de uma cons-ciência declasse por parte do proletariado, provocada pelonôvo modo-de-vida industrial e urbano, que o libera, aospoucos, do sistema de dominação tradicional, surge, tam-bém discretamente, a classe dos dirigentes industriais,"classe" menos no sentido político do que no sentido téc-nico e profissional, em face de sua ainda débil e hesitantepresença no cenário gover,namental da Nação. Ao ladodêsse, outro tipo de administração de origem política, mastendente a adquirir o sentido técnico de que falamos, estásendo ensaiado no país pela presença do Govêrno na ini-ciativa da instalação ou no contrôle acionário de algumasindústrias de base, como as do aço, do petróleo, elostrans-portes ferroviários etc..Êsse desenvolvimento da classe de administradores de em-prêsas, ao que parece, não foi programado: ocorreu emfunção da dinâmica econômico-social das chamadas "re-giões motoras" 5, como exigência de um sistema empresá-rio mais autônomo, mais complexo e com um regime derelações industriais impossível ou, pelo menos, bastantedifícil de ser praticado por um corpo dirigente constituí-do pelo nepotismo dos "chefões". A administração normal-mente praticável por um quadro burocrático composto dehomens selecionados à base de seu preparo técnico e pro-fissional e de sua competência para a sistemática tomadade decisões em constantes condições de risco - assim éa moderna administração de emprêsas - está consagradano mundo capitalista e já vem sendo experimentada, mes-mo em áreas socialistas, como nova linha de decisões inde-pendentesMuito embora concordemos em que administração nãoseja estritamente uma profissão, o que não se pode dei-xar de reconhecer é que ela é, como modêlo de ação orga-nizada com métodos e técnicas próprios, uma forma dis-tinta de liderança, caraterizada por um tipo de trabalho

5) Quanto ao conceito de "região motora" e "zona crítica", ver: EconomiaAppliquée, Paris: François Perroux, 1950, n.? 1.

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de "sentido profissional". Poder-se-ia, assim, falar, commaior propriedade, em administração como carreira 6 •

Todavia, a acumulação dêsse eficaz contingente de recursohumano, já chamado por economistas modernos de "capi-tal tecnológico", requer um crescente programa de educa-ção técnica para a preparação de cientistas e administra-dores. Mas, quem deverá ser recrutado para essas impor-tantes funções sociais? Nenhuma elite detém o monopó-lio dos talentos, das inteligências ou de outras habilida-des; não obstante, as elites sociais tendem a monopolizaras oportunidades educacionais, o que, aliás, não pareceser fenômeno apenas brasileiro 7 •

Como corolário dessa complexa causação econômico-socialdo desenvolvimento de uma categoria nova rie membrosda comunidade nacional e de nova carreira no sistema em-presário, haverá, possivelmente, conseqüências sociais coma transposição de barreiras à mobilidade social numa so-ciedade em expansão como a nossa, que quer o maior acer-vo de líderes qualificados, pois "a mobilidade social é umaspecto integrante e contínuo do processo de industriali-zação" 8. Em conseqüência, novas preocupações e proce-dimentos visantes a criar oportunidades de ascenção e for-mação a novos dirigentes surgem na estrutura empresá-ria, com repercussão nos planos educacionais e na ordemsocial em geral.

A PESQUISA

Partindo dêsses pressupostos, julgamos necessário e opor-tuno realizar estudos sôbre a composição e a mobilidadedos quadros dirigentes (faixa médio-superior) das emprê-sas de São Paulo, onde o processo de industrialização li-dera êsse tipo de mudança social no País.

Uma investigação inicial a êsse respeito, limitada à áreamais fortemente industrializada do chamado "Grande São

6) FREDERICK HARBISON e CHARLES l\,fYERS. op, cit., pág-. 75 e 76.7) SEYMOUR M. LIPSET e REINHARD EENDIX, Social Mobility in Inâirtriel

Society, Bekerley: University 01 California Press, 1962.8) ARTHUR M. Ross, prefácio da obra· citada na nota 7.

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Paulo" (a Capital e outros 21 municípios adjacentes es-colhidos segundo a combinação dos critérios adotadospara a divisão territorial dessa área, pela SAGMACS e peloPlano de Ação do Govêrno do Estado, aquela sob os pon-tos de vista urbano e sociológico, êste sob os aspectos eco-nômico e administrativo), está em andamento sob os aus-pícios da Fundação de Amparo à Pesquisa, do Estado deSão Paulo.Essa pesquisa foi, para fins subsidiários, antecedida porligeira manipulação, sem rigor estatístico, de alguns dadosrelacionados com as características dos executivos de em-prêsas (quase todos, militantes em organizações privadas)que freqüentaram e concluíram os vinte primeiros cursosintensivos para administradores, ministrados pela Escolade Administração de Emprêsas, de São Paulo, entre 1954e 1962. As sugestões colhidas enriqueceram a área deindagação, reforçaram a hipótese de trabalho e contribuí-ram para a elaboração dos questionários que vêm sendousados na pesquisa.O plano da pesquisa, em seus têrmos genéricos, está assimformulado:A) Tema da indagação - Composição e mobilidade doquadro de administradores da faixa médio-superior nasemprêsas do "Grande São Paulo" .B) Hipótese geral - A carreira de administrador deemprêsas ainda não está amplamente profissionalizada;mas, nos últimos 8 a 10 anos iniciou-se um movimentotendente a reconhecer a importância e a necessidade doadministrador profissional, determinado pelo crescentefuncionamento do sistema de competição dos produtosmanufaturados no mercado interno, bem como pela cres-cente dificuldade e complexidade do processo financeiroe dos contrôles nas emprêsas. Em outras palavras, à me-didaque o País se desenvolve econômicamente e as em-prêsas crescem, não mais podem elas ser dirigidas de acôr-do com critérios puramente familiares e patrimoniais, etendem a ser organizadas e administradas cada rre: maisracional e impessoalmente. Com efeito, as emprêsas no

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Brasil estão passando por um processo de transformação,do estágio patrimonial tradicional para o estágio de orga-nização burocrática 9 • A gradual profissionalização doadministrador faz parte do processo de racionalização dasemprêsas.

C) Hipótese específica da pesquisa (ou hipótese de tra-balho) - Já existe certo grau de profissionalização nasemprêsas paulistas, especialmente nas áreas de maior con-centração industrial. Quanto maiores as emprêsas, tantomaior tende a ser o grau de profissionalização nelas exis-tente.

ESCOPO DA INDAGAÇÃO

A fim de determinar o grau de profissionalização dosadministradores paulistas (ainda com relação, exclusiva-mente, ao "Grande São Paulo"), duas feições do proble-ma devem ser encaradas: (a) a composição atual do uni-verso de administradores (fonte: "relações-de-2/3" for-necidas anualmente pelas emprêsas ao Ministério do Tra-balho e da Previdência Social); e (b) a mobilidade veri-ficada nesse universo, por movimento ascendente ou des-cendente dentro da emprêsa (vertical) e por deslocamen-to entre ernprêsas (horizontal) .

Assim, combinando os temas da hipótese de trabalho comas sugestões colhidas na manipulação de informações re-lacionadas na investigação preliminar, a pesquisa estáorientada no sentido de buscar dados esclarecedores nosseguintes tópicos:

A) Caracterização do universo das emprêsas nas quaistrabalham os gerentes entrevistados, considerando-se o ta-manho da emprêsa, o número de seus empregados, a na-cionalidade de seus capitais, o seu ramo de atividade in-dustrial e outros aspectos semelhantes.

B) Grau de instrução dos 125 gerentes entrevistadosque constituem amostra da pesquisa, colhida pelo crité-

9) A expressão é aqui usada em consonância com o conceito de MAX WEBERrôbre "burocracia".

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rio eqüiprobabilístico, e que foram distribuídos por 91emprêsas escolhidas pelo mesmo critério. Quer-se sabera distribuição dêsses gerentes pelos níveis de escolaridadecompleta - primária, secundária ou superior - e a pos-sível influência dessa instrução sôbre suas carreiras.

C) Concentração por clesee de idade no momento emque os entrevistados tenha atingido o nível de função"gerencial"; tempo que tenham levado essas pessoas paraatingir a posição "gerencial" desde quando tenham come-çado a trabalhar; tempo gasto para atingir essa posiçãona emprêsa atual, nos casos de gerentes que hajam sidopromovidos a essa função.

D) Mobilidade "ocupecionel" e profissional dos geren-tes, a partir do momento em que tenham começado a tra-balhar; mobilidade comparada com a ocupação dos paise avós paternos; mobilidade horizontal na carreira (de em-prêsa para emprêsa) .

E) Formas e vias de recrutamento por que tenham pas-sado os gerentes para ocupar posição nessa faixa da estru-tura burocrática empresária; possibilidade de ascensão aescalões superiores na emprêsa; comparação dessas pos-sibilidades entre emprêsas nacionais e estrangeiras.

F) Origem étnica: naturalidade e ascendência étnica dosgerentes desde duas gerações anteriores.

G) Origem social e econômica: situação econômica dasfamílias dos entrevistados durante sua infância; instruçãodos pais; determinação da origem social dos atuais geren-tes, os quais, teoricamente, a pesquisa situa na classemédia 10.

H) Tentativa de determinação da distribuição de posi-ções sociais dos gerentes por critérios econômico-sociais,tais como nível salarial, estado civil, atividade profissional

10) Para caraterizar cada uma das classes sociais a pesquisas adotou oscritérios econômico-sociais de MARGARET MEAD e LLOYD WILLIAMWARNER.

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OU doméstica das espôsas, valor locativo das moradias, re-sidência (bairro), vida associativa etc..

I) Coleta de dados: (a) sôbre a estrutura administrati-va das emprêsas em que os entrevistados trabalhem, me-diante verificação do número de pessoas diretamente su-bordinadas a êles na hierarquia de funções, e da naturezada responsabilidade "gerencial" por áreas funcionais; (b)sôbre certos níveis de responsabilidade para tomada dedecisões quanto a despesas e investimentos pequenos; (c)sôbre a autoridade para contratar empregadas e alterarlistas de preços, isto com relação às funções de diretor;deseja-se saber, também, vários aspectos relacionados comas condições de acesso a essa faixa administrativa, em adi-tamento ao que venha a ser apurado, a êsse respeito, notocante aos gerentes.

Sob o aspecto metodológico, a pesquisa foi programada emseis fases: (a) formulação da hipótese geral, determina-ção do âmbito e do escopo do inquérito e teste da hipó-tese de trabalho mediante investigação preliminar, ela-boração e teste dos questionários para gerentes e diretores;(b) entrevista dos gerentes, "tabulação" dos dados e le-vantamento das primeiras evidências empíricas; (c) en-trevista dos diretores, "tabulação" de dados e levantamen-to de evidências; (d) análise comparativa das duas faixasde evidências; (e) conclusões ao nível de sugestões finais;e (f) publicação de monografia.

Tenciona-se apenas colhêr sugestões finais, não generali-zá-las por inferências, uma vez que o trabalho não sofreelaboração estatística capaz de permitir êsse grau de con-clusão e, também, porque o âmbito do inquérito (o "Gran-de São Paulo") é demasiado restrito para que seus resul-tados exprimam situação geral. O método adotado, emface da escassez de recursos financeiros e de tempo porparte de seus responsáveis diretos, permitirá, no entanto;concluir, a partir das evidências empíricas em cada faixade indagação, que no âmbito estudado as tendência se-jam, efetivamente, as que forem observadas.

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AMOSTRAGEM

o critério de amostragem foi o seguinte, em resumo:

• Determinado o universo de emprêsas no "Grande SãoPaulo", com base nas relações de indústrias do SENAI enas "relações-de-2/3" referentes ao período compreendi-do de 26-IV-1961 a 25-IV-1962, foram arroladas 541emprêsas, 323 das quais (256 na Capital e 67 na áreacomplementar) com 250 a 499 empregados cada um,tendo as demais 218 (144 na Capital e 74 na área com-plementar) 500 ou mais empregados. Dêsse universo deemprêsas foram sorteadas, ao acaso, 85 emprêsas (commargem de êrro igual a 5%) nas quais trabalham, aotodo, 236 gerentes. Dêstes foram selecionados 150, tam-bém por critério eqüiprobabilístico, mas com margem deêrro igual a 2,5%, sendo que, no decorrer da aplicaçãodo questionário para gerentes, se tornou necessário reporcerto número de participantes da amostra, em virtude degrande mobilidade evidenciada, porquanto vários dêssesparticipantes: ou (a) mudaram-se para outro Estado; ou(b), inscritos na amostra como gerentes, tornaram-se dire-tores; ou (c) desligaram-se das emprêsas onde estavam,sem que fôsse possível localizá-los; ou, ainda, (d) passa-ram a exercer funções ou cargos inferiores aos da faixamédio-superior do quadro administrativo, deslocando-se,por isso, para fora do universo.

• De um segundo extrato - constante de 31 emprêsascom 93 gerentes - foram sorteados, para fins de reposi-ção, 42 gerentes, apresentando-se a amostra final da se-guinte mar:eira:

Gerentes entrevistados (*) 125 ( 83,3%)Gerentes que se recusaram a ser entre-

vistados 25 ( 16,7%)

Total de gerentes na amostra . . . . .. 150 (100,0%)

Na época das entrevistas a situação dos gerentes repostosera esta:

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Haviam mudado para outro Estado ou tomado des-tino ignorado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Estavam doentes ou em viagem .. . . . . . . . . . . . . . 6Ocupavam cargos de direção 12Exerciam cargos inferiores aos da faixa médio-su-

perior 5

Total da amostra de reposição . . . . . . . . . . . . . . .. 42

Total geral de gerentes selecionados: 150 + 42 = 192.

( '") Convém noter que, em virtude das operações de reposiçêo, passaram aser 91 (e não mais 85) as emprêsas componentes da amostra final.

• Para o levantamento de outro extrato da faixa médio--superior do quadro administrativo, ou seja, dos diretores.com base na mesma amostra de 91 emprêsas, foram apa-nhados os nomes dos diretores, e, em cada emprêsa, foisorteado um dêles, ao acaso.

• "Tabulados" os resultados das entrevistas com geren-tes, algumas alterações tiveram de ser introduzidas nosquestionários dirigidos aos diretores. As entrevistas dosdiretores processaram-se em ritmo mais lento do que asentrevistas dos gerentes, por serem maiores naquele doque neste caso as dificuldades de acesso aos entrevistandos.

CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO

Alguns algarismos colhidos da tabulação feita para cara-terizar o universo de emprêsas industriais nas quais tra-balham os gerentes entrevistados revelam, como informa-ção meramente descritiva, que:

A) Das 91 emprêsas a que pertencem os 125 gerentesentrevistados 63 (69,2%) são nacionais e 28 (30,8%)são estrangeiras. Das emprêsas nacionais 35 (55,5%)têm mais e 28 (44,4%) têm menos de 500 empregados.Quanto às estrangeiras, 17 (60,7%) possuem mais de500 empregados e 11 (39,2 %) possuem menos.

B) Dessas mesmas 91 emprêsas 42 (46,1%) pertencemao ramo eletrometalúrgico, sendo 28 nacionais e 14 estran-

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geiras; 18 (9 nacionais e 9 estrangeiras) pertencem aosramos químico e farmacêutico, representando 19,7% dototal; aos ramos têxtil e de vestuário pertencem 9 (9,9%)emprêsas, tôdas nacionais; as 22 restantes (24,1 %) per-tencem a diversos ramos, sendo 17 nacionais e 5 estran-geiras.

C) Dos 125 gerentes entrevistados 82 (60,8%) perten-cem a emprêsas nacionais (53 - 64,6% - a emprêsascom mais de 500 empregados, e 29 - 35,4% - a em-prêsas com menos de 500 empregados). Os 43 restantespertencem a emprêsas estrangeiras (31 - 72,1 % - aemprêsas com mais de 500 empregados e 12 - 27,9%- a emprêsas com menos de 500 empregados) o Portan-to, 84 (67,2% ) dos 125 gerentes estão em emprêsas commais de 500 empregados.

D) 5 (4 %) dos 125 gerentes exercem o cargo de geren-te-geral; 25 (19,2%) pertencem à administração-geral;27 (21,6%) pertencem à área de produção; 12 (9,6%)são da área de contabilidade e finanças; 16 (13,6% ) che-fiam os setores de pessoal e relações industriais; 26(20,8%) pertencem a setores mercadológicos; 3 (2,4%)são responsáveis por compras e almoxarifado; e 11( 8,8%) têm diferentes funções "gerenciais".

E) Parece que o fenômeno de descentralização na loca-lização de indústrias, tal como já foi verificado anterior-mente, se confirma, no sentido de as indústrias de bensde produção serem aquelas que. tendem a evitar a Capitalpara se situarem em outros municípios o No Municípiode São Paulo fica o maior número de indústrias de bensde consumo, assim como de construção civil, energia elé-trica, transportes e serviços urbanos . Na área do "GrandeSão Paulo" verificamos que 88 das 118 indústrias debens de consumo com mais de 500 empregados estão naCapital e apenas 30 estão nos municípios da área com-plementar. Inversamente, das 66 indústrias de ben s deprodução, enquanto 29 estão na Capital, 37 estão nos mu-nicípios vizinhos. Nos outros ramos industriais excluídosdessas duas grandes categorias 27 das 34 emprêsas estão

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na Capital e apenas 7 nos municípios da área comple-mentar.

Nas emprêsas de tamanho imediatamente menor, ou seja,naquelas com 250 a 499 trabalhadores, a tendência en--contrada confirma inteiramente a observação feita comrelação às grandes unidades.

-O interêsse dêsse processo de mobilidade das emprêsas(por especialização de seus ramos industriais) está em-que êle se desenvolve concomitantemente com a mobilida-de (por especialização profissional) do administrador.

CONCLUSÕES

Falando das características dos gerentes, PETER DRUCKERlembra que BISMARCK teria satirizado a importância deum ministro da educação ao afirmar ser o único requisitopara essa função ter uma longa barba branca, enquantoque para ser cozinheiro é preciso ter um gênio universalll•Pergunta DRUCKER: será que para ser gerente é necessá-rio ter um gênio universal? Segue-se todo um capítulo dolivro para analisar a difícil função do gerente, cujo atri-buto caraterístico êsse autor entende ser a capacidadepara realizar, além de outras, estas duas tarefas essenciais:(a) criar um "todo maior do que a sorna de suas partes",vale dizer, uma entidade produtiva que execute mais doque a soma dos recursos nela aplicados; e (b) harmonizarem cada ação e em cada decisão os requisitos do futuropróximo ou remoto. Nenhuma dessas tarefas pode ser ~a-crificada sem que a emprêsa se ponha em risco. E conclui:"[ ... ] a função que distingue o administrador de todosos outros é a educacional. O único papel que cabe exclusi-vamente a êle é o de dar aos outros visão ,~capacidadepara se realizarem" 12 •

Essa referência de DRUCKER a propósito das "barbas bran-cas" e do grau de maturidade capaz de assegurar "visão

11) PETER DRUCKER, Prática de Admini8tração de Ernpréses, Rio de Ja-neiro: Editôra Fundo de Cultura, 1962, temo 2. capo 27.

J2) PETER DRUCKER op. cit., pág. 228.

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e capacidade" - apanágio, segundo êsse autor, da ação"gerencial" - sugere-nos cogitar de qual seja a idade ade-quada para desempenhar êsse papel a contento. Ora, exa-minando a "tabulação" dos dados referentes à idade cro-nológica da maioria dos gerentes da região estudada napesquisa de que ora falamos, pudemos apurar que 76%dêles estão abaixo dos 46 anos de idade, e 30,4% abaixodos 35 anos. Isso nos leva a concluir que essa geraçãojovem de gerentes cresce juntamente com o desenvolvi-mento recente da industrialização no nosso meio, e quesomente um grande esfôrço "organizacional" e muito trei-namento de alto nível poderão ajudar as novas levas degerentes a adquirir a maturação necessária ao exercíciodas funções essenciais descritas por DRUCKER, conhecidosque são os graves e complexos problemas enfrentados pelasemprêsas em face das enormes mudanças na conjunturaeconômico-social em que operam e nas técnicas de produ-ção e distribuição de bens.Êsses dados referentes à idade cronológica, se examinadosà luz de outras informações (a de que 85,6% dos geren-tes entrevistados são brasileiros natos; a de que 48,8%dos gerentes foram admitidos diretamente, ou seja, sem es-tágio em níveis inferiores; e, ainda, a de que 31,6% dês-ses gerentes atingiram a posição "gerencial" entre 31 e35 anos de idade), fortalecem a noção de que efetiva-mente está sendo formada uma geração de gerentes bra-sileiros na região de maior concentração industrial do País.A essa geração caberá substituir gradualmente os empre-sários dos quais, como o demonstrou pesquisa anterior rea-lizada pràticamente nessa mesma região, cêrca de 50%são emigrantes e cêrca de 50% são brasileiros 13. Aêsses empresários coube a tarefa pioneira do empreendi-mento criador ao fundarem e darem impulso às socieda-des mercantis de responsabilidade limitada, atuando comeproprietários e dirigentes ao mesmo tempo, segundo osmoldes tradicionais já descritos. Aos novos dirigentes, hie-

13) LUIZ CARLOSBRESSERPEREIRA, "Origens Étnicas e Sociais dos Empre-sários Paulistas", Revista de Admini.'tração de Emprêsas, voI. 4, n.? 11pág. 92.

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rarquizados e profissionalizados, caberá o papel de lide-rança no processo moderno de gestão da emprêsa in-dustrial.

Mais algumas evidências corroboram a sugestão de queesteja sendo constituída a classe profissional dos gerentesindustriais, como, por exemplo, o informe de que 34,4%dos gerentes entrevistados possuem formação escolar denível superior (Engenharia, Economia, Administração, Di-reito etc.); 72,8% são originários dos estratos médio einferior da classe média; e 73,8% trabalharam em outrasemprêsas, 59% das quais pertencentes a ramos industriaisdiversos dos das emprêsas em que ora trabalham, o queindica elevado índice de mobilidade profissional horizontal.

Para que se possa concluir que essa classe de gerentes oraem formação substituirá de fato os antigos empresáricspor acesso a posições de contrôle ainda em larga escalaocupadas por descendentes dêsses empresários ou por pesoas intimamente ligadas às famílias dêsses pioneiros, épreciso examinar, através de alguma extrapolação, dadosque por ora não foram apurados por completo, relativosaos índices de mobilidade (efetivos e esperados) entrea classe de gerentes e a de diretores.

Tal como se fêz no caso dos gerentes, é possível cotejaralguns dêsses dados relativos aos diretores. Por exemplo,81,6% dos 60 diretores entrevistados, pertencentes aomesmo universo de emprêsas, trabalharam em outras orga-nizações, sendo que 80% dêles em outros ramos indus-triais, indício incontestável de grande mobilidade profis-sional no sentido horizontal, na carreira dêsses adminis-tradores, com tendência a u'a menor especialização porramo e à crescente integração nas áreas funcionais de suasresponsabilidades.Quanto à idade dos diretores em questão, foi possível ave-riguar que 76,7% têm mais de 36 anos e 46,7% têmmais de 46 anos. Aliás o que parece sobremodo signifi-cativo é que nas grandes emprêsas (com mais de 500 em-pregados) predominam os diretores com mais de 46 anos,enquanto que nas médias-grandes 34,8 % dos diretores têm

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menos de 36 anos. É curial notar, ainda, que 61,8 % dês-ses diretores atingiram essa posição entre 26 e 40 anos.Sucede, porém, que nas grandes emprêsas apenas 50,4%de seus diretores atingiram êsse nível na referida faixa deidade, enquanto que nas médias-grandes 73,1% o fizeramcom essa idade, o que contraria um dos pressupostos denossa hipótese de trabalho - o de que quanto maior fôssea emprêsa, tanto maior haveria de ser a mobilidade deseu pessoal executivo. Note-se, ainda, que dos 60 direto-res entrevistados apenas 23,3% estão r.e emprêsa há maisde 20 anos, enquanto 66,8% aí estão faz de 2 a 15 anos.E mais: 66,6% estão no cargo há de 2 a 10 anos somente.

Êsses e outros informes sugerem a existência de ativa mo-bilidade profissional, quer no caso dos gerentes, quer nodos diretores. E parecem confirmar a formação de umanova classe, não no sentido econômico, mas no sentido pro-fissional. Porque não deixa de ser significativo o fato deque 73,3% das emprêsas visitadas foram furdadas pelospais ou por parentes do diretor, ou pelo próprio diretor,sós ou com sócios, sendo que 66,7% dêles ainda detêm51% (ou mais) do capital da emprêsa.