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ANDRÉ AMORIM MARTINS A PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA DE ATENÇÃO DOMICILIAR DE UMA COOPERATIVA MÉDICA Rio de Janeiro 2009

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ANDRÉ AMORIM MARTINS

A PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA DE ATENÇÃO DOMICILIAR

DE UMA COOPERATIVA MÉDICA

Rio de Janeiro

2009

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ANDRÉ AMORIM MARTINS

A PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA DE ATENÇÃO DOMICILIAR DE UMA COOPERATIVA MÉDICA

Orientadores:

Túlio Batista Franco

Emerson Elias Merhy

Marcelo Gerardin Poirot Land

Rio de Janeiro 2009

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós Graduação em Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências.

Ficha catalográfica

Martins, André Amorim

A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica / André Amorim Martins.. -- Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina, 2009.

154 f. : il. ; 31 cm. Orientadores: Túlio Batista Franco, Emerson Elias Merhy e Marcelo

Gerardin Poirot Land

Dissertação (Mestrado em Medicina) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Clínica Médica, Rio de Janeiro, 2009.

Referências bibliográficas: f. 89-93 1. Cuidado domiciliar. 2. Produção de Saúde. 3. Modelos organizacionais.

4. Assistência a saúde - organização e administração. 5. Avaliação de programas e projetos de saúde. 6. Questionários. 7. Micropolítica -Teses. I. Franco, Túlio Batista. II. Merhy, Emerson Elias. III. Land, Marcelo Gerardin. IV. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Clínica Médica. V. Título.

Folha de aprovação

André Amorim Martins

Título: A PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA DE

ATENÇÃO DOMICILIAR DE UMA COOPERATIVA MÉDICA

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós Graduação em Clínica Médica (Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde), Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências.

Aprovada em 02 de setembro de 2009

_____________________________________________________________________

Túlio Batista Franco - Prof. Dr. Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________________________________

Afrânio Lineu Kritski, Prof.Dr. Universidade Federal do Rio de Janeiro

_____________________________________________________________________ Ana Lúcia Abrahão – Profª Titular da Universidade Federal Fluminense e Doutora em

Saúde Coletiva pela UNICAMP

______________________________________________________________________ Fausto Pereira dos Santos, Doutor em Planejamento e Diretor Presidente da

Agência Nacional de Saúde Suplementar

Dedicatória

P Estevão Neusa A T R Áurea & Alysson Adriana Amanda Í C I Vó Nina Família Amorim A Martins

Família Pinto Braga

Túlio Franco Emerson Merhy Marcelo Land

Daniel Leila Filets

Hélia, Tânia, Erivelton, Amélia Ana Abrahão

Laura Macruz

Ester Melo

Grasiele Nespoli Adriana Almeida

Teresa Gouda

Agradecimento

Agradeço a todas as pessoas da linha de pesquisa Micropolítica do Trabalho e o

Cuidado em Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pelas conversas,

encontros e afetamentos;

À Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pelo financiamento da

pesquisa “Implantação de Atenção Domiciliar no âmbito da Saúde Suplementar –

modelagem a partir de experiências correntes”, que deu origem a essa dissertação;

Essa dissertação contou como o apoio financeiro do CNPq (Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na liberação da bolsa de mestrado.

Epígrafe

O verdadeiro charme das pessoas é aquele em que elas perdem as estribeiras, é quando elas

não sabem muito bem em que ponto estão. Não que elas desmoronem, pois são pessoas que

não desmoronam. Mas, se não captar aquela pequena raiz, o pequeno grão de loucura da

pessoa, não se pode amá-la. Não pode amá-la. É aquele lado em que a pessoa está

completamente... Aliás, todos nós somos um pouco dementes. Se não se captar o ponto de

demência de alguém... Ele pode assustar, mas, quanto a mim, fico feliz de constatar que o

ponto de demência de alguém é a fonte do seu charme.

Gilles Deleuze, Abecedário, letra F - Fidelidade

Resumo

Temos como objetivo descrever e analisar a produção do cuidado no Programa de

Atenção Domiciliar (PAD) de uma Cooperativa Médica (CM). Esse é o maior Programa

de Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar brasileira, com 4700 beneficiários em

2007. O PAD foi desenvolvido com o objetivo de “organizar a utilização do serviço”,

especialmente daqueles beneficiários que utilizam o serviço de pronto atendimento e

com freqüentes internações hospitalares. Fica implícito a idéia de redução de custo

para operadora. Utilizou-se como instrumentos de coleta de dados a pesquisa

bibliográfica, pesquisa documental principalmente no site da operadora e da Agência

Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entrevistas semi-estruturadas com informantes

chaves e observação no local de atuação. A análise dos dados revela a satisfação dos

beneficiários com os resultados obtidos por meio do PAD, a diminuição de custos para

a Cooperativa Médica e transferência de gastos para a família. O modo de produção do

cuidado sugere haver um grande processo de Reestruturação Produtiva em curso,

considerando as importantes alterações nos processos de trabalho.

Palavras-chave: Cuidado domiciliar, produção de saúde, reestruturação produtiva,

micropolítica

Abstract

This dissertation aims to describe and analyze the healthcare delivery in a Medical

Cooperative’s Home Care Program. It is the largest Home Care Program in Brazilian

supplementary (private) health system, with 4,700 beneficiaries in 2007. The HCP has

been developed due to the need of “organizing the services utilization” especially by

those clients who too often attended the first-aid services and who were frequently

submitted to in-hospital care. So, it is implicit the idea of corporative costs reduction. The

analysis was made through a qualitative study, which used for data collection the

following tools: the bibliography research, documental research, mainly on the

cooperative’s site and the National Agency of Brazilian Supplementary Health, semi-

structural interviews with key-informants, observation on the spot and data collection

from secondary sources. Data analysis reveals the satisfaction of beneficiaries with

results obtained in HCP, cost reduction for Medical Cooperative and transfer of

expenses to family. The healthcare delivery analysis suggests there is an economic

restructuring in course, considering important changes in work processes.

Key-words: home care, health production program, economic restructuring of healthcare

production, micropolitcs

Lista de abreviaturas e siglas

ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APH – Atenção Pré Hospitalar

CAPs – Caixa de Aposentadoria e Previdência

CM – Cooperativa Médica

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

IAPs – Instituto de Aposentadoria e Previdência

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

OPAS – Organização Pan Americana de Saúde

PAD – Programa de Atenção Domiciliar

RDC – Resolução de Diretoria Colegiada

SUS – Sistema Único de Saúde

UFF – Universidade Federal Fluminense

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sumário

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................11

1.1 HISTÓRICO DAS OPERADORAS DE SAÚDE ....................................21

1.1.1 O que é uma Cooperativa Médica? ......................................................26

1.2 METODOLOGIA ...................................................................................30

1.2.1 Cenário da Pesquisa.............................................................................31

1.2.2 Tipo de pesquisa...................................................................................34

1.2.3 Coleta de dados....................................................................................35

1.2.4 Critérios de Inclusão e Exclusão dos Sujeitos da Pesquisa..................37

1.2.5 Análise dos dados.................................................................................38

2 DESENVOLVIMENTO ..........................................................................................42

2.1 Gestão da Vida ........................................................................................42

2.2 Processo de Trabalho e o Trabalho da Equipe........................................54

2.3 Aspectos Organizacionais do PAD ..........................................................65

2.4 Cuidados do Beneficiário .........................................................................72

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................84

4 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...........................................................................89

5 ANEXOS ...............................................................................................................94

Anexo A - Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa .................................95

Anexo B - A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma

Cooperativa Médica (Artigo Publicado) .....................................................................96

Anexo C - Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar (Capítulo de Livro

publicado)................................................................................................................116

Anexo D - Questionários das Entrevistas .....................................................149

Sumário de figuras e quadros

Quadro 1: Comparativo entre Cooperativa, Empresa e Estado ................................27

Quadro 2: Número de beneficiários no PAD/Ano ..................................................... 46

Figura 1: Fluxo resumido de ingresso no PAD em uma Cooperativa Médica .......... 56

11

1 INTRODUÇÃO

Para a maioria dos serviços da Saúde Suplementar, a oferta de serviços tornou-

se indispensável para a sobrevivência dos seus estabelecimentos, por gerar lucros e

reserva de mercado. O que se vê são aberturas de diversos serviços para diversos

seguimentos da sociedade, trazendo para dentro do seu sistema um grande número de

beneficiários.

Um exemplo de serviços oferecido pela Saúde Suplementar são os Programas

de Atenção Domiciliar (PAD). Colocando aqui o termo serviço como o que cobre um

grande leque de atividades como assistência médica, educação. (HARDT, 2003)

O primeiro Programa de Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar surge em

1986, no Rio de Janeiro com a Geriatric Home Care com o objetivo de redução dos

custos através da redução de internações hospitalares. Nos anos seguintes, a

modalidade espalhou-se pelo país. (LEME, 2006)

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fez um inquérito em 2008 com

as operadoras de saúde com cadastro ativo sobre o desenvolvimento de programas de

promoção da saúde e prevenção dos riscos de doença, para conhecer quantas

desenvolvem esse tipo de ação, os tipos de estratégia, etc. e 73,3% responderam ou

1351 operadoras.

Como um dos resultados dessa pesquisa, destacamos que 13% das operadoras

(176 operadoras) oferecem a Assistência Domiciliar para todos seus beneficiários;

22,3% (301 operadoras) só para grupos específicos e o restante, 64,8% (874

12

operadoras) não oferecem. A maior parte das operadoras que oferecem Assistência

Domiciliar tem mais de 100.000 beneficiários. (ANS, 2008, p.15)

As nomenclaturas da Atenção Domiciliar foram definidas pela Resolução da

Diretoria Colegiada - RDC 11/2006 da ANVISA que serve de parâmetro para as

operadoras e demais estabelecimentos para o Regulamento Técnico e Funcionamento

de Serviços que prestam Atenção Domiciliar. Temos então:

- Atenção Domiciliar: termo genérico que envolve ações de promoção à saúde,

prevenção, tratamento de doenças e reabilitação desenvolvidas em domicilio;

- Assistência Domiciliar: conjunto de atividades de caráter ambulatorial,

programadas e continuadas desenvolvidas em domicilio;

- Internação Domiciliar: conjunto de atividades prestadas no domicilio,

caracterizadas pela atenção em tempo integral ao paciente com quadro clínico mais

complexo e com necessidade de tecnologia especializada.

Outras normas e regulamentações foram lançadas espaçadamente, adicionando

a modalidade ao SUS com a lei 10424/02 e a Portaria Ministerial 2529/06 que institui a

Internação Domiciliar no SUS. A ANS não regulamentou a Atenção Domiciliar no seu rol

de procedimentos, mas segue as regras das leis citadas acima. Para Franco e Merhy

(2008) a Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar é um “produto adicional ofertado ao

beneficiário” e a definição do seu funcionamento fica a cargo da operadora. Os autores

propõem que haja regulamentações nas questões mais críticas do PAD, como a alta e

a transferência de alguns custos para a família.

Pelos dados da ANS, podemos ver que há uma grande população nessa

modalidade de atendimento e ainda há pessoas que estão nessa modalidade dentro do

setor público. Algumas pesquisas foram realizadas sobre essa temática. Destaco duas,

13

por estarem ligadas a linha de pesquisa Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em

Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A primeira pesquisa, realizada entre 2005 e 2007, pesquisou a “Implantação de

Atenção Domiciliar no Âmbito do SUS – Modelagem a partir das experiências

correntes”, com financiamento do Fundo Nacional de Saúde, por interesse do programa

de Atenção Especializada em Saúde do Ministério da Saúde.

A pesquisa foi realizada em cinco cidades brasileiras:

- Sobral/CE – Região Nordeste;

- Londrina/PR – Região Sul;

- Belo Horizonte/MG – Região Sudeste;

- Rio de Janeiro/RJ – Região Sudeste; e

- Marília/SP – Região Sudeste.

e teve como objetivo

Realizar modelagem de atenção domiciliar e levantar modelos possíveis de financiamento, regulação, avaliação e controle, particularmente frente a usuários com dependência funcional, passíveis de intervenções terapêuticas, que assegurem melhora de níveis de autonomia e enfrentamento da questão do alivio do sofrimento e de morte humanizadas.

No artigo de Feuerwerker e Merhy (2008) apresentando os resultados dessa

pesquisa, destacamos do seu texto que:

Quando a atenção domiciliar se configura como uma modalidade substitutiva de organização da atenção, como dispositivo para a produção de cuidados que efetivamente não são produzidos dentro do hospital, do ambulatório ou da instituição, ela se configura como um terreno do trabalho vivo em ato, possibilitando a produção e a invenção de práticas cuidadoras. (FEUERWERKER e MERHY, 2008)

14

A outra pesquisa, “Implantação de Atenção Domiciliar no Âmbito da Saúde

Suplementar – Modelagem a partir das experiências correntes”, articulada a partir

desta, entre 2006 e 2007, pesquisou quatro operadoras de saúde, sendo três no estado

do Rio de Janeiro e uma no estado de Minas Gerais. A pesquisa foi coordenada pelo

Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense (UFF), com

apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Organização Pan

Americana de Saúde (OPAS) e foi dessa pesquisa que foi feito um recorte na

operadora de Minas Gerais, devido sua relevância na Saúde Suplementar e pela

singularidade do seu Programa de Atenção Domiciliar.

Nessa pesquisa, Franco et al (2007) concluem que:

Os modelos tecnoassistenciais na saúde suplementar são muito diversos e cada operadora adota determinado formato na organização da assistência à saúde, estruturado pela micro-regulação que ela exerce, na contratualidade com os prestadores, fornecedores e beneficiários. É no contexto da organização dos serviços na saúde suplementar, que são estruturados os programas de assistência domiciliar. (FRANCO et al, 2007)

Com uma breve revisão sobre as experiências de atenção domiciliar destaco

duas questões importantes para análise: o caráter substitutivo que o programa adquire

em relação às formas usuais de cuidado exercido em uma dada rede de equipamentos

de saúde; e, segundo, o tema da reestruturação produtiva, já que de modo geral nos

serviços analisados são identificadas inovações tecnológicas no modo de produção do

cuidado e alterações no processo de trabalho. (MERHY, 2007; FRANCO et al, 2007)

Para discutir o tema, partimos de um primeiro pressuposto no qual o trabalho em

saúde é dependente do trabalho vivo em ato. Trabalho vivo é o trabalho que acontece

15

no momento mesmo do ato produtivo, que envolve a criatividade e a produção de

sentido para esse mesmo ato.

Feito em ato, que é a atividade como construtora de produtos, de sua realização através da produção de bens e que está ligada à realização de uma finalidade para o produto e tem outra dimensão, que se vincula ao produtor do ato, o trabalhador, e a sua relação com seu ato produtivo e os produtos que realiza, bem como suas relações com os outros trabalhadores e com os possíveis usuários e seus produtos. (MERHY, FRANCO, 2006, p 279)

O trabalho em saúde acontece por meio do encontro entre trabalhador e usuário

e não tem materialidade, ou seja, se dá exatamente no momento de encontro, por meio

de produção de atos intencionais, destinados a produzir cuidado. Além disso, existe

uma profunda variabilidade nas situações e grande complexidade nos problemas de

saúde, o que aumenta muito a importância do trabalho vivo na saúde. (MERHY, 1997)

Por um lado, as tecnologias de trabalho em saúde são tipificadas em tecnologias

duras (instrumentos, equipamentos, normas), tecnologias leve-duras (conhecimento

técnico estruturado) e tecnologias leves (relação entre sujeitos que só tem

materialidade em ato) (MERHY, 1997). Assim, o trabalhador em saúde combina esses

diferentes tipos de tecnologia no seu trabalho em ato. A predominância de um tipo de

tecnologia diz das suas características da produção do cuidado e da forma como a

gestão do cuidado opera formando os projetos terapêuticos que vão incidir sobre

determinados problemas de saúde do beneficiário.

Um profissional pode ter seu processo de trabalho capturado pela razão

instrumental, tomando os procedimentos como centro de seu trabalho, por exemplo. Ou

operar seu modo de cuidar apoiando-se nas tecnologias mais relacionais, que lhe

possibilitam orientar-se pelas necessidades do beneficiário, usar os instrumentos e

16

maquinarias como subsidiários do seu processo de trabalho. Percebemos que as

opções tecnológicas são do sujeito-trabalhador e sofrem influências de uma certa

dimensão instituída, molar, dos serviços de saúde. Por outro lado, sua atitude é

também reflexo das opções ético-políticas que faz, que dizem respeito ao modo de

operar a micropolítica do seu processo de trabalho.

O caráter de substitutividade de um certo modelo produtivo é dado pela

configuração do trabalho, podendo ser via reestruturação produtiva, configurando uma

substituição parcial do atual modo de produção do cuidado, ou pode-se observar uma

transição tecnológica, modelo no qual haveria uma radical mudança no processo de

trabalho. Fazem parte do cenário de mudança, portanto, o trabalho, as tecnologias de

trabalho, subjetividade e uma ética do cuidado, que é o modo de ser de cada um em

relação ao outro, enquanto se trata de saúde.

A substitutividade fala da produção de novos modos de cuidar, de novas práticas

de saúde, com dispositivos para a produção de cuidados produzidos fora do modelo

hegemônico medicalizante. Aqui se configura como um terreno do trabalho vivo em ato

instituinte de novidades. (FEUERWERKER e MERHY, 2008)

Nos textos sobre Reestruturação Produtiva, encontramos duas proposições para

discutir esse assunto. Uma Reestruturação Produtiva ocorre quando se encontram

novas formas para produzir os mesmos produtos ou quando se inventam novas formas

para produzir novos produtos capazes, no caso da saúde, de configurar como um novo

modo de produzir o cuidado, seja pela incorporação tecnológica (PIRES, 1998) ou por

alterações no modelo produtivo (MERHY, 2007; FRANCO, 2003).

Para abordagem dessa dissertação, focaremos a discussão a partir do segundo

aspecto: alteração do modelo produtivo. Essa alteração ocorre para além do acréscimo

17

de equipamentos e da relação estabelecida com as novas tecnologias. Uma

reestruturação produtiva implica substancialmente na mudança das configurações

tecnológicas dos processos de produção, alterando não perifericamente a composição

da força de trabalho, mas centralmente, pois leva à produção de novos produtos e deve

ser mapeada pelos novos territórios de tecnologias não-equipamentos. (MERHY, 2007)

Merhy (2007), também salienta que a reestruturação produtiva não significa

necessariamente uma substituição das usuais tecnologias usadas no processo

produtivo da saúde, ou seja, ele opera mudanças, mas o processo de trabalho pode

ainda continuar centrado na lógica instrumental.

A reestruturação produtiva é a resultante de mudanças no modo de produzir o cuidado, geradas a partir de inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os produtos da saúde e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos populacionais. (MERHY e FRANCO, 2006, p225)

As mudanças podem ser observadas na incorporação de novas tecnologias de

cuidar, nos processos produtivos, nas outras maneiras de organizar o processo de

trabalho e, até mesmo, nas mudanças de atitudes dos profissionais no modo de cuidar

do outro. São processos de subjetivação dos profissionais, que mexe com sua práxis e

na valorização do outro. (MERHY e FRANCO, 2006)

Olhando para os PAD pesquisados, vemos no seu cotidiano uma atenção

domiciliar que tem sido trabalhada deslocando o cuidado para outro setting terapêutico

diferenciado de uma unidade de saúde – o domicílio – com a introdução de tecnologias,

equipamentos modernos, incorporando no domicílio tecnologias anteriormente

encontradas somente nos hospitais.

18

Vemos que a mesma equipe oriunda de uma unidade de saúde realiza distintos

procedimentos que são propícios também para o ambiente familiar: troca de

informações, ensino de determinados procedimentos, curativos, identificação de

determinados sintomas, utilização de determinados equipamentos em detrimento de

outros (percussão em vez do Raio-X) – alterando seu modelo produtivo, ocasionando

uma reestruturação produtiva.

No PAD que refere essa dissertação, temos os dois modelos funcionando ao

mesmo tempo, com a mesma equipe levando a ventilação mecânica (em um dos seus

subprogramas) para a casa do beneficiário e, portanto, incorporando tecnologias duras

neste caso, ao processo de trabalho. Por outro lado, impactando-os com a utilização da

comunicação, educação e o uso de tecnologias mais relacionais operando também na

produção de afetos, caracterizando por esse viés uma reestruturação produtiva.

Com isso, ao alterar a forma de atuação (acrescentando uma tecnologia, no caso

a tecnologia leve), essa forma de atuação que lança mão de determinadas atitudes

mais relacionais em vez de outros, demonstra uma posição ético-política dos

trabalhadores em relação ao cuidado, pois adotam uma postura diferenciada perante o

beneficiário e a operadora se diferencia pela sua oferta de serviços aos seus

beneficiários. Se um beneficiário necessita de equipamentos e tecnologias duras para o

seu processo terapêutico, ou então há a necessidade de outra forma de produção do

cuidado, isso será disponibilizado conforme o fluxo de ingresso ao PAD. O que

demonstra uma rede de possibilidades oferecidas pela operadora aos seus

beneficiários e por diversificar os meios de produção de cuidado. Proporcionando uma

busca pela integralidade (MATTOS, 2004) das ações por meio de ofertas de serviços e

por colocar em diversos locais os vários modos de produção do cuidado. Mesmo que

19

por trás disso exista uma racionalização do cuidado (FOUCAULT, 1999) e que em

algumas vezes será oferecido um procedimento de menor custo.

Uma visão possível para a reestruturação produtiva pode ser pela discussão

disparada com base nas discussões do trabalho de Marx, a respeito das mudanças

ocorridas ao longo do tempo e que interferem nos modus operandi das formas viventes

atuais. Um dos principais autores nessa discussão é Michel Foucault.

Foucault (1999) faz um resgate histórico da biopolítica1 e como ela ocorre com as

discussões sobre o Estado, em que o soberano tinha como centro do seu poder o fazer

morrer e deixar viver. Com um suposto objetivo de garantir a soberania nacional, nas

lutas contra as pestes ou outras nações, estipulava as formas de extermínio das

pessoas para o bem maior da nação.

Séculos depois, XVII e XVIII, com a consolidação maior dos Estados, as pessoas

foram definindo seus papéis e fazê-las morrer gerava um ônus para a nação, que

precisava de um número maior de pessoas, mão de obra, produtos, fazendo-as então

viver e deixando-as morrer.

Era preciso ter outras ferramentas para fazê-las viver. Duas formas tecnológicas

foram:

• Tecnologia disciplinar do corpo: se dirige ao corpo – a vida dos homens,

ou ainda, se dirigem ao homem-corpo, mas o homem vivo, ao homem ser

vivo; no limite, ao homem espécie.

• Tecnologia regulamentadora da vida: não é individualizante, mas é

massificante. Leva em conta a vida, os processos, biológicos do homem-

1 O termo biopolítica foi forjado por Foucault para designar uma das modalidades de exercício do poder sobre a vida, vigentes desde o século 18. (Pelbart, 2003 p24)

20

espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma

regulamentação.

A primeira tecnologia dirige-se para o corpo do homem, no indivíduo. O homem

precisa ser treinado e disciplinarizado para exercer suas funções no Estado durante o

maior tempo possível. São técnicas de racionalização com um sistema de vigilância, de

hierarquias, de inspeções, de escriturações, de relatórios, chamada também de

tecnologia disciplinar do trabalho.

A partir da segunda metade do século XVIII a tecnologia disciplinar da vida do

homem ganha traços, com resquícios da disciplina corporal.

Eu diria isso: a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multiplicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente punidos. E, depois, a nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc. (FOUCAULT, 1999, p. 289)

As tecnologias expostas por Foucault (epidemiologia e as regulamentações) diz

que elas são utilizadas para captar a “vida dos homens, o homem espécie” para

“assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação”. Entretanto,

autores italianos (Perlbart, 2003) como Lazzarato e Negri fazem uma inversão desse

biopoder – poder sobre a vida – de Foucault para o conceito de biopotência – poder da

vida. Além de discutir o poder sobre a vida que as diversas instituições colocam sobre

as pessoas ou populações, discute-se como a vida se produz. Colocando a vida como

Sinergia coletiva, a cooperação social e subjetiva no contexto de produção material e imaterial contemporânea, o intelecto geral. Vida significa inteligência, afeto, cooperação, desejo. (...) O bios é redefinido intensivamente, no interior de um caldo semiótico e maquínico, molecular e coletivo, afetivo e econômico. Aquém da divisão

21

corpo/mente, individual/coletivo, humano/inumano, a vida ao mesmo tempo se pulveriza e se hibridiza, se dissemina e se alastra, se moleculariza e se totaliza. (PERLBART, 2003, p25)

Essa indagação coloca que a vida não pode ser capturada por nenhuma forma

de sistema ou tecnologia, tem um rizoma específico, um emaranhado com múltiplas

entradas e ligações e que ela sempre encontrará uma saída, uma linha de fuga, num

movimento incessante de produção de si própria.

1.1 HISTÓRICO DAS OPERADORAS DE SAÚDE

Os serviços previdenciários de saúde instituem-se no Brasil em 1923 com a

criação das Caixas de Aposentadorias e Previdências (CAPs) pela Lei Eloi Chaves.

Esses fundos eram constituídos entre empresa e empregados. Possuía CAPs as

grandes empresas, com grande número de funcionários. Era o caso dos Funcionários

do Banco do Brasil, ao fundar a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do

Brasil (CASSI) em 1944. O objetivo era garantir a aposentadoria dos contribuintes e

gradativamente desenvolver ações em saúde.

Uma vez que o Estado promovia ações focais e de grande massa: vacinações e

saneamento, por exemplo.

As ações clínicas individuais, para o restante da população que não trabalhava

em grandes empresas, eram feitas por profissionais autônomos ou realizados pelas

congregações religiosas, em salas do Salão Paroquial ou nas Santas Casas.

22

Para os prestadores de serviço da saúde, o Decreto Lei 73/66 regula pela

primeira vez as operações de seguro privado e tinha como um dos seus objetivos

“promover a expansão do mercado de seguros e propiciar condições operacionais

necessárias para sua integração no processo econômico e social do país”.

Os seguros estavam sob a regulação do Ministério da Fazenda, uma vez que se

propunha que as Seguradoras seriam parte do mercado. Inclusive as Seguradoras de

Saúde são entendidas como parte do mercado e serão inseridas no processo

econômico e social brasileiro. A saúde era entendida como bem de mercado, com suas

racionalizações – econômicas e clínicas – e empresários do setor se beneficiaram dos

subsídios do governo para a construção de grandes hospitais e, em seguida, prestavam

serviços ao INPS. Com isso, os grupos privados ganhavam duas vezes em cima da

saúde.

Com a predominância da organização de serviços de saúde hospitalocêntrica, as

epidemias e certas doenças reaparecem no país por falta de investimento no

saneamento e na atenção básica.

Com fim do Milagre Econômico dentro do Regime Militar, ocorre uma crise

economia de caráter recessivo e baixa arrecadação fiscal do estado, com alto índice de

desemprego e o Estado não arrecadava dinheiro suficientemente com a indústria para

pagar os serviços privados. As operadoras ao verem seu principal cliente em situação

complicada optam por reforçar seus próprios planos de saúde e recorre à população

desassistida para manter a rentabilidade dos seus negócios. (KUJAWA, BOTH,

BRUTSCHER, 2003)

Com o fim do Regime Militar e o início do período de Redemocratização, as

operadoras travam uma disputa sobre os rumos da saúde brasileira com a tese do

23

Sistema Único de Saúde antes da promulgação da Constituição de 1988. Com os

acordos feitos para que o Estado seja o único provedor de saúde para todos os

cidadãos brasileiros, os serviços privados foram inseridos de forma suplementar no

SUS.

Pela caracterização dada ao Sistema Suplementar, na lei 8080/88 inclui a

Participação Complementar, o Estado pode comprar determinados serviços que não

possui em uma determinada área. Os valores da remuneração dos serviços e os

parâmetros da cobertura assistencial ficam a cargo do Ministério da Saúde, aprovado

pelo Conselho Nacional de Saúde. Essa participação será formalizada mediante

contrato ou convênio, dando prioridade para entidades filantrópicas e sem fim lucrativo.

Para a regulação desse setor, ocorre em 2000 a criação da Agência Nacional de

Saúde Suplementar (ANS) com a lei 9961/00. Em 2001 foi regulamentada a lei

10185/01 no qual as seguradoras deveriam especializar sua atividade no ramo da

saúde. Além da questão econômica e racionalista, elas deverão adotar também um

discurso sobre a saúde, diferenciando a saúde como uma mercadoria similar a outro

objeto de seguro como um carro, casa, etc.

Para diferenciar as diversas modalidades de serviços prestados pelo setor

privado, a ANS, através da RDC 39/00 estabelece 7 (sete) modalidades de operadoras

e descrimina da seguinte forma:

• Administradora: Classificam-se na modalidade de administradora as empresas

que administram planos ou serviços de assistência à saúde, sendo que, no caso

de administração de planos, são financiados por operadora, não assumem o

24

risco decorrente da operação desses planos e não possuem rede própria,

credenciada ou referenciada de serviços médico-hospitalares ou odontológicos;

• Autogestão: Classificam-se na modalidade de autogestão as entidades de

autogestão que operam serviços de assistência à saúde ou empresas que, por

intermédio de seu departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado,

responsabilizam-se pelo Plano Privado de Assistência à Saúde destinado,

exclusivamente, a oferecer cobertura aos empregados ativos, aposentados,

pensionistas ou ex-empregados, bem como a seus respectivos grupos familiares

definidos, limitado ao terceiro grau de parentesco consangüíneo ou afim, de uma

ou mais empresas, ou ainda a participantes e dependentes de associações de

pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de classes

profissionais ou assemelhados;

• Cooperativa Médica: Classificam-se na modalidade de cooperativa médica as

sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas conforme o disposto na

Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que operam Planos Privados de

Assistência à Saúde e define a política nacional de Cooperativismo;

• Cooperativas odontológicas: Classificam-se na modalidade de cooperativa

odontológica as sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas

conforme o disposto na Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que operam

exclusivamente Planos Odontológicos e define a política nacional de

Cooperativismo;

• Instituições filantrópicas: Classificam-se na modalidade de filantropia as

entidades sem fins lucrativos que operam Planos Privados de Assistência à

25

Saúde e tenham obtido certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho

Nacional de Assistência Social CNAS e declaração de utilidade pública federal

junto ao Ministério da Justiça ou declaração de utilidade pública estadual ou

municipal junto aos Órgãos dos Governos Estaduais e Municipais;

• Medicina de Grupo: Classificam-se na modalidade de medicina de grupo as

empresas ou entidades que operam Planos Privados de Assistência à Saúde,

excetuando-se aquelas classificadas nas modalidades Administradora,

Cooperativa Médica, Autogestão e Filantropia.

• Odontologia de grupo: Classificam-se na modalidade de odontologia de grupo as

empresas ou entidades que operam exclusivamente Planos Odontológicos,

excetuando-se aquelas classificadas na modalidade Cooperativa Odontológica.

Em outra parte do sítio da ANS (Entenda o Setor → Classificação das

Operadoras) fala-se de uma oitava modalidade que são os Seguros. Entretanto, não

encontra descrição do que seria dentro das publicações da ANS. Retomando a lei de

criação dos Seguros de 1966 (Lei nº. 73/66), encontramos as seguintes definições do

Seguro-Saúde:

Art 129. Fica instituído o Seguro-Saúde para dar cobertura aos riscos de

assistência médica e hospitalar;

Art. 130. A garantia do Seguro-Saúde consistirá no pagamento em dinheiro,

efetuado pela Sociedade Seguradora, à pessoa física ou jurídica prestante da

assistência médico-hospitalar ao segurado.

O Seguro-Saúde seria uma retaguarda financeira feita por pessoas ou empresas

em casos de assistência à saúde. Os segurados adquirem cotas para serem restituídos

em casos de necessidade e utilização de serviços.

26

A distribuição de beneficiários entre essas modalidades fica da seguinte forma:

Medicina de Grupo (33,8%), Cooperativas Médicas (24,6%), Autogestão (13,7%),

Seguradoras (12,1%), Odontologia de Grupo (8,7%), Filantropia (3,4%) e Cooperativa

Odontológica (3,6%). (ANS, 2005, p 39)

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008),

em 2005, o número de beneficiários das operadoras era igual a 18,5% da população

brasileira, para 1260 operadoras cadastradas. Sendo que 29,5% dos beneficiários

estão no estado do Rio de Janeiro e 17,5% de beneficiários estão em Minas Gerais. O

estado que tem a maior cobertura é São Paulo, com 35,7%.

1.1.1 O que é uma Cooperativa Médica?

A sociedade cooperativa foi regulamentada pela primeira vez em 1971 pela lei

nº5764, de 16 de dezembro, modificada pela lei nº6981/82 define e a política nacional

de cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperadas. Pela lei, a

cooperativa é “o tipo de sociedade celebrada por pessoas que se obrigam

reciprocamente a contribuir com bens e serviços para o serviço de uma atividade

econômica, de proveito comum e sem objetivo de lucro”.

Há 13 ramos de cooperativismo definidos: Agropecuário, consumo, crédito,

educacional, especial (social), habitacional, infraestrutura, mineral, produção, saúde,

trabalho, transporte, turismo e lazer, e, outros (não contemplados acima).

27

As cooperativas de saúde são divididas em quatro áreas básicas: atendimento

médico/hospitalar, odontológico, psicológico e na organização de usuários desses

serviços. Aos cooperados, são oferecidas condições propícias de trabalho, investindo

na capacitação profissional e cooperativista por meio de treinamentos e especializações

complementares à formação acadêmica. (SEBRAE, p11)

O SEBRAE oferece um quadro comparativo entre Sociedade Cooperativa e

Sociedade Empresária. Neste quadro, acrescentei o Estado. Vejamos:

Quadro 1: Comparativo entre Cooperativa, Empresa e Estado

Sociedade Cooperativa Sociedade Empresária Estado

Sociedade de pessoas Sociedade de capital Estatal Gerar condições de produção e trabalho aos cooperados

Gerar lucro aos acionistas/cotistas Ofertar serviços à população

Deliberações: 1 voto por cooperado

Voto proporcional ao nº de ações/cotas

Deliberações: 1 voto por representante

Participação democrática O sócio majoritário é quem decide Participação democrática

Quorum nas assembléias: com base no nº de cooperados

Quorum com base no capital social

Quorum relativo aos conselhos locais, distritais, estaduais e nacional

Retorno proporcional das operações realizadas pelo cooperado

Dividendos proporcionais à participação no capital

Não há divisões de receita entre trabalhadores

Número ilimitado de sócios Regra: número limitado de cotistas

Para toda população brasileira

As quotas-partes são intransferíveis a não-cooperados

As cotas podem ser transferidas aos sócios ou terceiros

Não há cotas

O objetivo social é exercido pelos cooperados

Em regra, o trabalho é executado pelos empregados

O trabalho é executado pelos estatutários e terceirizados conforme estabelecido em lei

Relação trabalhista entre cooperativa e seus empregados

Relação trabalhista entre empresa e empregados

Regime Estatutário e relação trabalhista

Relação civil entre cooperativa e cooperados

Relação civil entre empresa e sócios/acionistas

Relação estatutária

28

Não sujeita-se à falência Sujeita-se à falência Não sujeita-se à falência

A sociedade não possui fins lucrativos Possui fins lucrativos Não possui fins lucrativos

Fonte: SEBRAE, 2009

Na sociedade de cooperativa médica, os médicos são cooperados e prestadores

de serviços. Segundo Dutra (2008),

Fica claro que o propósito principal de uma cooperativa médica é suprimir intermediação ou negociadores do trabalho do médico, permitindo a organização entre os próprios médicos para firmar contratos de prestação de serviços e atender diretamente aos clientes. Sem finalidade lucrativa e de propriedade coletiva, o seu principal objetivo deve ser ainda a defesa econômica e social dos médicos cooperados, ao gerar oportunidades de trabalho e renda para seus cooperados. (DUTRA, 2008, p 43)

A gestão das ações da cooperativa ocorrem através do Conselho Administrativo

e na assembléia dos cooperados, esta sendo soberana nas decisões. O Conselho

Administrativo é formado por eleição na Assembléia e exerce uma política de

legitimação dos seus poderes para exercer seu poder decisório. Suas ações têm maior

visibilidade quando se trata da incorporação de novas tecnologias e a decisão é

precedida de um parecer técnico do comitê de especialidades. (ANS, 2005)

Para Malta, Jorge, Franco e Costa (ANS, 2005, p164-5) essa forma de

organização, na prestação de serviços, tem o objetivo de defender os interesses

comuns de seus sócios. Entretanto, verificou-se também na pesquisa realizada por

eles, que surge novas formas de gerenciamento, o que ocasiona uma tensão com a

categoria médica, “demandando nova racionalidade em termo de custos e propósitos” e

adotando preceitos da promoção a saúde e maior interferência no trabalho médico.

Donnangelo (1975) no seu estudo sobre a Medicina e Sociedade, faz uma

relação do médico com o mercado de trabalho e como isso transformou-se durante os

tempos:

29

Dessa ideologia não se encontram necessariamente excluídos componentes como a livre escolha do profissional pelo paciente, o pagamento por serviços prestados, a independência técnica na execução do trabalho. Mas o sistema de referência para tomada de decisão frente às várias alternativas de organização do trabalho médico já não é agora, predominantemente, o conjunto de princípios éticos definidos ao nível da profissão médica, mas o conceito de racionalização como componente do sucesso técnico e financeiro do empreendimento. Em outros termos, é no fator “produtividade” que assentam as decisões referentes às modalidades de relação entre empresa e produtor direto. No contexto da ideologia empresarial, “ética profissional” e “racionalização no uso dos fatores de produção” não se definem como mutuamente exclusivos. (DANANNGELO, 1975, p 139)

Alguns mecanismos já foram apresentados no gerenciamento do trabalho dos

médicos cooperados. Ocorre a bonificação para aqueles que solicitam exames abaixo

da média de todos os médicos assistentes e a prevenção de hospitalizações, os

protocolos clínicos que padronizam a conduta médica, utilização de softwares para

validação de consultas e auditorias sobre as decisões médicas.

A ANS faz um investimento para que as operadoras de saúde não sejam apenas

núcleos de empregabilidade ou disputa de mercado. Utilizando de mecanismos

regulatórios, precedido de pesquisas sobre os temas, há uma busca para que as

operadoras realizem promoção e prevenção como eixo de suas ações. Algumas

operadoras pontuam que o papel da ANS deva ser de fomento do setor privado da

saúde. Mas, como a ANS é um órgão do Ministério da Saúde, integrando o SUS como

sub-sistema suplementar, suas ações devem potencializar as formas de promoção da

saúde conforme a necessidade das pessoas em vez do interesse de mercado, como

vem ocorrendo desde a regulação pela lei 9656/98. Propostas como a avaliação das

operadoras tendo como marcadores a qualidade da atenção à saúde estão na pauta da

ANS desde 2006, com respaldo do Ministério da Saúde.

30

A qualidade das operadoras será avaliada em 4 (quatro) dimensões: qualidade

da atenção à saúde; econômico-financeira; estrutura e operação; e satisfação dos

beneficiários. Essa avaliação consiste na possibilidade de um maior controle e

fiscalização da prestação de serviços realizadas pelas operadoras de planos de saúde.

(ANS, 2006)

A ANS (2006) espera com essas ações induzir um processo contínuo da

qualificação nessas 4 (quatro) dimensões, para que as operadoras “operem de forma

equilibrada, ágil, com informações consistentes, oferecendo serviços adequados aos

seus beneficiários”.

1.2 METODOLOGIA

Essa dissertação é um recorte da pesquisa “Implantação de Atenção Domiciliar

no âmbito da Saúde Suplementar – modelagem a partir das experiências correntes”,

realizado pelo Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense

(UFF), com apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Organização

Pan Americana de Saúde (OPAS), da qual fui pesquisador, no período de Agosto de

2006 a abril de 2007. Pesquisou-se quatro operadoras, sendo três no estado do Rio de

Janeiro (medicina de grupo, auto-gestão e seguro saúde) e uma operadora em Minas

Gerais (cooperativa médica). Para essa pesquisa focamos na operadora mineira.

31

1.2.1 Cenário da Pesquisa

A escolha da operadora deu-se em primeiro lugar por já haver registros de que

ela desenvolvia um processo importante de reestruturação produtiva (ANS, 2005) e o

PAD se insere nesse contexto; em segundo lugar por se destacar no cenário nacional

tanto pela mobilização que desenvolve de mudança de práticas de cuidado, quanto pela

representatividade dentro do sistema de cooperativas nacional.

Segundo comprovante fornecido pelo site da ANS, acessado em 09/02/2007,

esta CM tem 609.798 beneficiários. Em acesso realizado em 18/01/2009 consta

707.706 beneficiários, o que representa 15% dos beneficiários mineiros. Um aumento

de quase cem mil beneficiários em dois anos. Esse aumento ocorre pelo foco nos

planos empresariais, trazendo para dentro da operadora os trabalhadores de empresas

de pequeno, médio e grande porte. A mudança de público busca captar a população

que está em momento produtivo e utilizaria pouco os serviços de saúde.

Essa clientela está alocada em três tipos de planos. Essas opções de plano são

oferecidos tanto no plano individual quanto no plano empresarial. Chamarei aqui de

Plano 1, Plano 2 e Plano 3.

O Plano 1 caracteriza-se pela co-participação, ou seja, a empresa ou o

beneficiário paga uma mensalidade fixa reduzida e participa com um pequeno valor nas

consultas, exames e internações, segundo tabela pré-definida. As consultas são pré-

agendadas nos Núcleos de Atenção á Saúde (semelhantes a uma Unidade Básica,

oferta ações de enfermagem e consultas de clínica médica, pediatria e ginecologia) em

32

Belo Horizonte e Contagem, e, uma rede de médicos exclusivos para atendimento em

Santa Luzia, Nova Lima, Vespasiano e Lagoa Santa. Mantém atendimento ambulatorial

de urgência e emergência e internações em enfermarias.

O Plano 2 é similar ao Plano 1, seguindo o modelo de co-participação. A

diferença ocorre na rede preferencial no qual o beneficiário terá acesso. No caso, o

beneficiário Plano 2 têm acesso a qualquer hospital, profissional conveniado e

laboratórios. A acomodação pode ser em enfermaria ou apartamento.

No Plano 3, com pagamento de mensalidade pré-definida, o beneficiário tem

acesso á rede ampla e sem necessidade de co-participação, com opção de

acomodação em enfermaria ou apartamento.

Nos três planos há os chamados “opcionais” que são a cobertura odontológica e

transporte aéreo médico. Nos planos empresariais, a CM propõe realizar uma rede de

relacionamento com a empresa através de Tecnologia da Informação (e-mail, sistema

informatizado) e promoção de saúde no local de trabalho disponibilizando informações

sobre os mais diversos temas que interferem na saúde do colaborador2, como diabetes,

tabagismo, estresse, hipertensão e outros. Com objetivo de diminuir índices de

absenteísmo e para o aumento da produtividade.

Outros serviços oferecidos:

• Serviço 0800, 24 horas por dia e 7 dias na semana. Serve para dar

agilidade, conveniência e conforto para autorizar procedimentos, solucionar dúvidas,

atualizar informações. Tem opções para urgência e emergência médicas, mudança de

2 Termo utilizado referenciando ao trabalhador que possui o plano de saúde desta CM. Nos planos individuais, a pessoa que possui qualquer plano de saúde é nomeada beneficiário.

33

plano, autorização de procedimentos, compra ou informação sobre novos planos,

atendimento exclusivo aos prestadores de serviços na rede credenciada.

• Autenticação Biométrica por Impressão Digital que descarta o uso de

senhas, do cartão do cliente, a utilização do plano por outras pessoas e dá agilidade na

realização de consultas e exames;

• O programa “Dr. Você” é uma avaliação no qual o beneficiário/colaborador

preenche com objetivo de melhorar o atendimento. Conta com os itens: Qual o motivo

de sua vinda, Como você avalia o médico que o atendeu (pontualidade, Qualidade do

atendimento, Entrevista e exame clínico, Resolução de problemas), Como você avalia o

atendente que o atendeu, Como você avalia a estrutura física, Sua manifestação acima

foi: Elogio, Sugestão, Solicitação, Crítica;

• Débito automático;

• Informes educativos para conscientização da utilização dos serviços, por

exemplo: avisar com antecedência se faltar a uma consulta;

• Pronto Atendimento para casos de urgência nas especialidades de cirurgia

geral (24 horas), clínica médica (24 horas), ortopedia (das 07 ás 23 horas), pediatria (24

horas), exames de raio-x e laboratório;

• Hospital-Dia e Maternidade realizam cirurgias programadas e partos, além

dos casos de urgência nas especialidades de Ginecologia e Obstetrícia;

• Serviço de Atenção Pré-Hospitalar - APH: Em situações de emergência

médica, isto é, que envolvem riscos de morte, os clientes podem recorrer á equipe da

APH, um serviço próprio da cooperativa em plantão permanente através do Disk. Este

34

serviço é oferecido exclusivamente nos municípios onde a CM atura diretamente (Belo

Horizonte e outras 16 cidades na região metropolitana), desde que estejam até 60 km

do centro de Belo Horizonte.

Baby é um programa criado para oferecer mais tranqüilidade e segurança á

mamãe e seu recém-nascido, no período pós-parto. Em média, 72 horas após a alta

hospitalar o bebê, a nova mãe, cliente da CM recebe, em casa, a visita de uma

enfermeira que dá a ela e seus familiares envolvidos com os cuidados do bebê

orientações e informações úteis para os primeiros dias de vida da criança.

1.2.2 Tipo de pesquisa

Essa dissertação caracteriza-se, portanto, como uma pesquisa retrospectiva,

pois os dados foram coletados anteriormente, no período de agosto de 2006 a abril de

2007. Essa dissertação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital

Universitário Clementino Fraga Filho / Faculdade de Medicina da UFRJ, conforme

anexo 1.

No intuito de descrever e analisar a produção do cuidado no Programa de

Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica, a partir da micropolítica dos processos

de trabalho, optamos por uma estrutura metodológica que permitisse olhar de forma

diferente para a produção do cuidado que está instalada num setting terapêutico

diferenciado: o domicílio. Portanto, seria ideal a coleta de dados, principalmente

35

qualitativos, para analisar as relações estabelecidas nesse encontro e as tecnologias

que foram apropriadas pelos trabalhadores desse serviço.

Segundo Minayo (1999, p89) “a fase exploratória da pesquisa compreende a

etapa de escolha do tópico de investigação, de delimitação do problema, de definição

do objeto e objetivos, de construção do marco teórico conceitual, dos instrumentos de

coleta de dados e da exploração do campo”.

Nessa dissertação o formato metodológico direciona para um estudo qualitativo,

por considerar o PAD um objeto complexo que traz consigo uma história, cultura,

política e ideologia que não pode ser contida apenas numa fórmula numérica ou num

dado estatístico (MINAYO, 1999).

1.2.3 Coleta de dados

Dentro da pesquisa qualitativa utilizamos o Estudo de Casos, uma vez que na

pesquisa “Implantação de Atenção Domiciliar no Âmbito da Saúde Suplementar” foram

selecionados casos de Programas de Atenção Domiciliar para observação e

consideraram-se esses programas como sendo singulares na sua forma de promoção à

saúde.

Estudo de Caso é um modo de obter uma grande quantidade de informações

sobre um ‘’programa’’ singular, ou como representativo de um tipo de programa ou

como o único de um ‘’tipo’’. Tem como métodos/técnicas utilizadas: Visitas locais,

36

Observação participante das atividades; Entrevistas com informantes-chaves; Revisão

documental. (VENEY, 1991)

Para obter uma grande quantidade de informações utilizamos as técnicas: visitas

locais, observação participante das atividades, entrevistas com informantes-chave e

revisão documental. (VENEY, 1991)

Entrevistas semi-estruturadas com informante-chave: Foram entrevistados quatro

informantes-chave: Gestor, Coordenador do Programa, Coordenador de Equipe e

Beneficiário para apreensão do modelo assistencial. A entrevista semi-estruturada

ocorreu no local onde cada informante atua, foi assinado o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido e pautou-se sobre: histórico do programa, funcionamento, a

composição da equipe, os fluxos assistenciais (Beneficiário-Equipe, Beneficiário-

Cooperativa Médica, Equipe-Cooperativa Médica) adesão ao tratamento e alta. O

questionário está no Anexo D.

Observação: é uma técnica metodológica valiosa, especialmente para coletar

dados de natureza não verbal. Ocorreu durante as entrevistas, nos locais onde cada

informante atua. (VIANNA, 2003). Apesar de Veney (1991) dizer que a observação

deveria ser participante no estudo de caso, nessa pesquisa realizamos a observação

simples que consistiu na observação das ações realizadas pelos profissionais em seus

locais de atuação, suas relações com os demais sem fazer intervenções ou participação

nos casos.

Pesquisa documental: Foi feita uma revisão bibliográfica sobre o tema por meio

de pesquisas em diversos sítios: Associação das Empresas de Medicina Domiciliar,

ANS, Ministério da Saúde, ANVISA, Portal Home Care, Faculdade de Medicina da

UFRJ/Micropolítica, Unimed, Scielo, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

37

utilização de artigos compilados pela pesquisa desenvolvida pela UFRJ (cerca de 130

artigos), pesquisas bibliográficas sobre PAD, análise documental (leis, portarias,

normas técnicas) e bibliografia de referência sobre promoção do cuidado, integralidade,

clínica, metodologia

1.2.4 Critérios de Inclusão e Exclusão dos Sujeitos da Pesquisa

Os critérios de inclusão ou exclusão referem-se ao quadro organizacional da

Cooperativa Médica enquanto quadros responsáveis pelo cuidado e pela indicação de

um beneficiário para a entrevista.

A pesquisa teve como sujeitos da pesquisa:

• 1 (hum) Gestor da Cooperativa Médica:

• 1 (hum) Coordenador do Programa de Atenção Domiciliar;

• 1 (hum) Coordenador da equipe assistencial;

• 1 (hum) Beneficiário do programa.

Para realizar a entrevista com o beneficiário, adotamos como critério que este

deveria ser dependente de cuidados do PAD, que, portanto, demandaria mais recursos

da equipe assistencial, interrogaria de forma mais eficaz o modo de produção do

cuidado no Programa. A entrevista com o beneficiário seria um Estudo de Caso

(VENEY, 1991) dentro dessa dissertação, por selecionarmos uma situação que

38

mostrasse os acontecimentos e tensões do PAD e considerarmos o que acontece, no

que foi relatado na entrevista, pudesse ocorrer com os demais beneficiários.

Tínhamos como pretensão que a entrevista com o beneficiário servisse como um

analisador, no sentido dado pelos analistas institucionais, como algo que revela o

funcionamento da organização. Um analisador, segundo Lourau (1975) seria o

surgimento das contradições até então ocultas ou não mencionadas e tem como

característica surgir naturalmente, no cotidiano. O analisador permite revelar a estrutura

da organização na sua forma diária, diferente da forma ideal colocada pelos

documentos e normas. Assim, teria maior capacidade de revelar o processo de trabalho

e o cuidado “em ato”. Foi feito uma observação dos procedimentos realizados em

domicilio pela enfermeira.

O analisador faz falar: de repente, graças a um acontecimento, à introdução de um elemento estranho que sai da norma (doente atípico, desviante, conduta incongruente), interroga-se, sente-se a necessidade de criticar as normas, revelar contradições, dizer o que se calava, exprimir divergências, como se as instituições fosse obrigada a se justificar e se repensar. (BARUS-MICHEL, 2004)

1.2.5 Análise dos dados

A definição dos marcadores é uma forma didática de discutir alguns aspectos da

Atenção Domiciliar que foram surgindo na pesquisa e na análise dos dados. Poderiam

ter surgido outros marcadores, como foi feito em outras pesquisas, termos adotados

outros referenciais teóricos para lidar com o objeto pesquisado. Os Programas de

39

Atenção Domiciliar dispararam discussões importantes no campo saúde, pela sua

diversidade e potencialidade nas inovações tecnológicas e pelos resultados que

proporcionam para os estabelecimentos quanto para a produção do cuidado.

Para um estudo qualitativo, com ênfase no Estudo de Caso, a criatividade do

pesquisador é fundamental para sentir as relações existentes no cotidiano do PAD,

através de uma observação vibrátil, dando linguagens aos informantes-chave e ir

desenhando a paisagem dos caminhos percorridos. (ROLNIK, 1989)

Não saberia dizer, se os marcadores surgiram durante as entrevistas ou pelas

leituras do referencial teórico. Talvez tenha ocorrido de forma imanente3, o que é o mais

provável. Foram sendo construídos no caminho, no ato de desenhar a paisagem e na

tentativa de organizar as linhas fluidas da percepção. Não foi uma construção

cronológica e seqüencial, tanto da definição do referencial quanto dos marcadores.

Diversas leituras foram feitas, vários encontros realizados, apresentações, escritas.

Intervenções no mundo que foram sofrendo afetamentos4 e afecções5, em locais e

formas que nem sempre teve a presença dos nossos corpos, mas dispararam

processos incontroláveis de antropofagia6 de nossas atuações.

3 O campo de imanência não é interior ao eu, mas também não vem de um eu exterior ou de um não-eu. Ele é antes como o Fora absoluto que não conhece mais os Eu, porque o interior e o exterior fazem igualmente parte da imanência na qual eles se fundiram. (Deleuze e Guattari, Vol 3 p.16) 4 Afetamentos: O poder de ser afetado apresenta-se então como potencia para agir, na medida em que se supõe preenchido por afecções ativas e apresenta-se como potência para padecer, quando é preenchido por paixões. (DELEUZE, 2002, p 33) 5 Afecções: Um indivíduo para ser afetado precisa ser preenchido por afecções. Distinguiram-se duas espécies de afecção: as ações, que se explicam pela natureza do individuo afetado e derivam de sua essência e as paixões, que se explicam por outra coisa e derivam do exterior. As afecções não são separáveis de um movimento pelo qual nos fazem passar a uma perfeição maior ou menor (alegria e tristeza), conforme a coisa encontrada se componha conosco, ou, ao contrário, tenda a decompor-nos, a consciência emerge como o sentimento contínuo de uma tal passagem, do mais ao menos, do menos ao mais (DELEUZE, 2002, p 27 e 33). 6 Um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado. Está sempre buscando elementos/alimentos para compor suas cartografias. Este é o critério de suas escolhas: descobrir que matérias de expressão, misturadas a quais outras, que composições de

40

Nesse mundo do trabalho, com capturas do processo de trabalho e da tentativa

de captura das ferramentas tecnológicas dos trabalhadores, identificasse no campo

saúde uma proposição dos estabelecimentos de gerenciar a vida dos seus beneficiários

e dos seus trabalhadores, ou seja, de todas as pessoas envolvidas. Essa forma de

captura, seja ela sutil ou normativa, estabelece a forma de organização, o processo de

trabalho e atinge diretamente o beneficiário, justamente no ato de recebimento dessa

força de captura.

Além de receber em ato os cuidados necessários, recebe as proposições

estabelecidas a priori na gestão do PAD e criam no beneficiário novas formas de lidar

com essa situação. Essas novas formas de subjetivação seria a intercessão entre

beneficiário-equipe-operadora. Um encontro formador de vida, possibilidades,

resistências, conflitos, amores, temores, cobranças, etc.

Com a leitura das entrevistas e do referencial teórico, foram surgindo quatro

marcadores que serão explorados nessa dissertação: Aspectos Organizacionais do

PAD, Gestão da Vida, O Processo de Trabalho e o Trabalho em Equipe, e, Cuidados ao

Beneficiário.

Aspectos Organizacionais do Programa: são as estruturas reunidas pelo PAD e

que é oferecido ao beneficiário para a viabilidade do PAD. Temos os equipamentos,

protocolos, infra-estrutura física, normas. Aqui, podemos analisar a reestruturação

produtiva que ocorre no PAD. São aspectos provenientes do trabalho e que se mostram

em alguns momentos já consolidados, após um momento de alterações. (MERHY,

1997)

linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu corpo no encontro com os corpos que pretende entender. (ROLNIK, 1989)

41

Gestão da Vida: coloca a questão da gestão que a CM sobrepõe ao PAD e sobre

a vida dos seus beneficiários, ambos em diversos níveis. Referenciado na teoria do

trabalho imaterial (Michael Hardt, Toni Negri, Maurizio Lazaratto) que descreve-o como

sendo um trabalho que produz um bem imaterial, como serviços, conhecimento,

comunicação (Hardt, 2003; Hardt e Negri, 2005). Nas entrevistas, identificamos o

trabalho imaterial nas formas de produção do cuidado nos quatro tipos de programas

oferecidos aos beneficiários, na forma de produção do cuidado e nas relações

existentes entre PAD e beneficiário.

Processo de Trabalho e Trabalho em Equipe: refere-se à divisão social do

trabalho, relação entre trabalhadores e empresa, e, a formação/treinamento do

profissional. A operadora estipula algumas normas (número de visitas, o

posicionamento perante o beneficiário) que atravessam a sua postura ético-política de

produção do cuidado. Tem-se por referência a teoria do trabalho vivo em ato na saúde

(Merhy, 1997, 2007) e o tema da reestruturação produtiva.

Cuidados ao Beneficiário: são as ações realizadas no e para o beneficiário. É a

práxis do que é estabelecido pela gestão, é o surgimento do trabalho vivo em ato que

mostra o calor das ações e o contato real entre profissionais e beneficiário. Aqui,

encontramos situações analisadoras que corresponde a situações que ocorrem no

cotidiano (LOURAU, 1975; BAREMBLITT, 2002; BARUS-MICHEL, 2004), mostrando o

que não foi dito e que escapa à tentativa de gestão da vida.

Apresentaremos em forma de marcadores a nossa discussão, no capítulo 2.

42

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Gestão da Vida

Nessa operadora, o PAD possui quatro subprogramas para a prestação de

serviços de atenção domiciliar, com os quais opera uma “gestão da vida” dos

beneficiários e dos trabalhadores. É um trabalho de suporte e que se tornou

extremamente importante para o funcionamento do Programa. Um trabalho que se

configura como um trabalho imaterial “ou seja, trabalho que cria produtos imateriais,

como o conhecimento, a informação, a comunicação, uma relação ou uma reação

emocional”. (HARDT e NEGRI, 2005. p 149).

No caso da saúde, o trabalho imaterial se manifesta mais fortemente pelo

“trabalho afetivo” conforme Hardt (2003, p152). E isto só é possível porque na saúde há

uma forte presença do trabalho vivo em ato (Merhy, 1997, 2007), que, segundo seus

atributos de liberdade, criação e instituinte, abre para possibilidades de arranjo inter-

subjetivos, que são organizados no âmbito do processo de trabalho mais relacional

presente na saúde.

Para esse marcador pegaremos alguns autores que fazem a discussão sobre o

mundo do trabalho e das influências que causam na vida das pessoas e as tecnologias

que tentam captar a vida para um motivo exterior aos seus desejos.

43

Pegando emprestado um trecho do livro Saúde, a cartografia do trabalho vivo, de

Emerson Elias Merhy, vemos que as formas tecnológicas tomam outra dimensão.

O trabalho em saúde não pode ser globalmente capturado pela lógica do trabalho morto, expresso nos equipamentos e nos saberes tecnológicos estruturados, pois o seu objetivo não é plenamente estruturado e suas tecnologias de ação mais estratégicas configuram-se em processos de intervenção em ato, operando como tecnologias de relações, de encontros de subjetividades, para além dos saberes tecnológicos estruturados, comportando um grau de liberdade significativo na escolha do modo de fazer essa produção. (MERHY, 2007, p49)

Essa multiplicidade e transformações que ocorrem no campo saúde, muitas

vezes direcionadas sem o auxílio de normatizações, são opções escolhidas pelos

estabelecimentos de saúde e pelos profissionais. Isso mostra a dificuldade de fazer

tecnologias, sobretudo na Atenção Domiciliar: 1) pelo setting diferenciado que é o

domicílio, diferente dos estabelecimentos disciplinares já consagrados (igreja, exército,

escola, hospital); 2) pelas relações e disputas que estão à mostra nessa modalidade; 3)

pela multiplicidade que a vida demonstra fora dos estabelecimentos disciplinares; 4)

pela liberdade que se tem dentro do domicílio.

Na Atenção Domiciliar, estas tecnologias apresentam-se na vida das pessoas

envolvidas para esse faze viver. A intervenção no corpo na hora do curativo, ou numa

intervenção invasiva, do tipo de alimentação que o beneficiário tem que seguir, a

determinação das horas para as atividades do cotidiano (café, almoço, lanche, banho,

visitas), roupas a serem vestidas, os procedimentos em caso de emergência, atividades

físicas, forma de locomoção, delimitação de locais adequados para a manutenção do

estado de saúde, a produção de protocolos para serem inseridos nos bancos de dados,

a colocação da cientificidade do profissional perante o saber do cuidador.

44

No histórico da operadora, vemos que o primeiro projeto de Atenção e Internação

Domiciliar surgiu em 1999 com o programa, então intitulado HOME CARE/HOSPITAL

CASA, com a utilização de serviços terceirizados. Sua proposta era levar para o

domicílio todo o equipamento hospitalar necessário para a realização da Internação

Hospitalar daqueles pacientes que estavam a muito tempo hospitalizados e que

poderiam fazer o restante do tratamento no domicílio. Em 2004, realizou-se uma

avaliação que comparava o custo do Hospital Casa com a Internação Hospitalar e a

média de permanência nas duas situações. O resultado foi uma diferença muito grande

de custo e permanência, mostrando que a Internação Domiciliar era mais cara e mais

prolongada. Foi diagnosticado também que esse modelo era de baixa aceitação das

famílias para produzir o cuidado, que gerava grande número de liminares judiciais para

que a CM assumisse os cuidados básicos, que supostamente deveria ser realizado pela

família. O número de beneficiários era pequeno e eram sempre os mesmos, 200

beneficiários num universo de 40.000 beneficiários da CM. Esse projeto foi encerrando

em 2005 e os beneficiários foram inseridos nos programas recém criados da Atenção

Domiciliar.

Antes do término do Programa de Home Care, inicia-se a partir de 2002 uma

reestruturação na Internação Domiciliar. Com estudos realizados em 2002 e 2003,

identificaram que uma grande clientela utilizava os serviços de saúde “de forma

desordenada, de uma maneira inadequada” (Gestor). Esses beneficiários internavam

com muita freqüência e tinham muitas visitas ao Pronto Atendimento e pouca utilização

de consultas em consultório.

Esse poder sobre a vida do beneficiário, fazendo estudos para saber suas

demandas e entendendo seus caminhos dentro dos seus serviços, demonstra uma

45

tecnologia que está sendo utilizada pela operadora para “criar” esse novo beneficiário.

Um beneficiário que tenha demandas previsíveis, que demande serviços em horas

marcadas, que seja cuidadoso em seus atos, que cumpra seus compromissos

religiosamente.

Com uma demanda pré-estabelecida começam a implantação dos quatro

programas de Atenção Domiciliar:

Programa de Curativos em Domicílio – criado em 2002. A equipe realiza

curativos em domicílio nos pacientes cronicamente acamados e que desenvolvem

úlceras de decúbito e/ou feridas crônicas. A partir dos resultados desse programa,

identificou-se que os beneficiários continuavam dependentes de cuidados e que suas

famílias demandavam um suporte de referência. Nesse programa houve a migração de

18 beneficiários do Programa de Home Care.

Com isso, foi criado o Programa de Gerenciamento de Casos Crônicos, em maio

de 2003, que foca o cuidado continuado aos beneficiários com o seguinte perfil:

maiores de 50 anos de idade, portadores de doenças neurológicas crônicas, agudas e

que necessitam de algum suporte à saúde no domicilio. São beneficiários que saíram

do hospital com agravos de baixa complexidade (com sonda ou customa) e que no

domicílio torna-se com alta resolutividade. Atualmente a grande clientela são os

pacientes com seqüelas de doenças neurológicas agudas ou crônicas.

Posteriormente ocorreu o programa de Intervenção Específica para uma

intervenção no domicílio nos casos de situações agudas e que demandariam uma

internação hospitalar para tratamento, mas o beneficiário tem condições de permanecer

no domicílio. São pacientes com alguma infecção que necessita de antibióticoterapia

46

endovenosa, pacientes estáveis ou com desidratação aguda e que demandam

soroterapia endovenosa.

Ventilação Mecânica Invasiva, que é o único programa que leva ao domicilio

equipamentos exclusivos de âmbito hospitalar. São poucos casos, mas esse programa

é resquício do período do Home Care.

Esses quatro programas formam o Programa de Atenção Domiciliar. Temos

quando ocorre a descrição, a função de cada modalidade, a elegibilidade, o perfil do

beneficiário, a terapêutica que cada um proporciona. É uma tentativa de proporcionar a

todos, de forma massificada, regras que todos estão sujeitos. Regras que foram criadas

no âmbito da gestão, com certas fórmulas administrativas, tecnologias informacionais e

com objetivo de ter um certo poder sobre a vida das pessoas. Dizendo o que pode e

não pode ser realizado dentro dessa estrutura.

O número de beneficiários durante esses anos mostra a singularidade desse

programa no cenário nacional com um crescimento muito potente:

Quadro 2: Número de beneficiários no PAD/Ano

Ano Número de Beneficiários

2002

2003

18

30

2004 300

2005 2100

2006 3300

2007 4700

O coordenador de equipe informa que já passou pelo PAD mais de 3.000 famílias nesse período

Fonte: Entrevista com gestor

47

Inicialmente pensaram delimitar o PAD para um público acima de 65 anos.

Devido a demanda, atualmente são beneficiários acima de 50 anos e a maior parte com

seqüelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Existem 2 casos com trauma ráquio-

medular, com idade inferior a 50 anos, tetraplégicos e que a família pediu orientações

para seus cuidados. São beneficiários totalmente dependentes de cuidados de

terceiros.

Se fossemos colocar esses números em um gráfico, veríamos uma linha

crescente. Uma linha que teria no seu topo 4700 emaranhados de pessoas. Se

fossemos desfiando esse fio, encontraríamos fio a fio = pessoa a pessoa. Cada um com

uma história e motivo para fazer parte dessa linha.

A regulamentação tece esse grande fio. Pega cada linha, cada pessoa, com uma

proposta formativa e vai entrelaçando-as. Dependendo da forma como olhamos,

identificamos uma grande massa. Se olharmos de perto e pudermos mexer na linha,

veremos que existe um emaranhado de linhas. A gestão é uma máquina que constrói

massas, deixa algumas singularidades de fora e expõe o que lhe é permitido ser visível.

De certa forma o PAD “conseguiu cobrir toda a superfície que se estende do orgânico

ao biológico, do corpo a população, mediante o jogo duplo das tecnologias de

disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regulamentação, de outra”. (FOUCAULT,

1999, p 302)

Nesse período, os impactos nos custos em relação à clientela atendida pelo

PAD, conforme informado pelo Gestor, indicam: “redução de 54% nas internações

hospitalares, mais de 50% de redução das visitas ao pronto atendimento e uma

redução global de custos de 22% do PAD”. Além desses resultados, outros são

relatados pelo Gestor, em relação à melhora na qualidade do serviço oferecido,

48

aumento da resolutividade, diminuição do tempo de permanência em tratamento,

melhora na qualidade de vida e na qualidade de assistência à saúde dessa população.

Para Hardt (2003), “o trabalho atua diretamente nos afetos, ele produz

sociedade, ele produz vida”. Para ele, os serviços de saúde baseiam-se nesse tipo de

trabalho, fundamentalmente em trabalho afetivo e prestação de cuidados. “As

prestações de cuidado estão, com certeza, completamente imersas no corporal e no

somático, mas os afetos que elas produzem são, não obstante, imateriais”.

Trabalho possível quando há um encontro estabelecido entre operadora e

beneficiário. Hardt (2003) mostra que a indústria dos serviços transformaram as

relações e a natureza humana, com um serviço de feedback rápido, capaz de entender

o mercado e o interesse das pessoas, com um nível muito alto de complexidade da

interação humana. Mesmo que essa interação seja dominada pelo capital e integrada a

ele.

Há três tipos de trabalho imaterial: 1) relacionado à produção industrial global e

que incorporou tecnologias de comunicação que transforma o processo de produção

industrial; 2) tarefas analíticas e simbólicas, que por sua vez, se divide em manipulação

criativa e inteligente, por um lado, e por outro, em tarefas simbólicas de rotina; 3)

produção e manipulação de afetos e requer o contato e a proximidade humana (virtuais

ou afetivos).

Para o ingresso no PAD, o beneficiário entra em contato com o serviço e solicita

a entrada no programa (demanda espontânea); ou o médico que acompanha o caso

solicita a entrada (encaminhamento); ou o auditor da Cooperativa identifica no sistema

quem utiliza o serviço de forma “desorganizada”, conforme fala do gestor (busca ativa).

Depois, passa por uma verificação quanto à sua elegibilidade, ou seja, um profissional,

49

normalmente o enfermeiro, verifica se ele está dentro dos critérios estabelecidos para a

Atenção Domiciliar. Após análise, estabelece-se um projeto terapêutico que dá acesso

aos diversos recursos e profissionais disponibilizados pelo Programa.

O interessante desse ingresso, além das formas de demanda espontânea ou dos

encaminhamentos da equipe, refere-se ao sistema informacional da operadora que

fornece todos os dados do beneficiário. É um sistema em corrente desenvolvimento,

que atualmente é desejado por outras operadoras na forma como se encontra

estruturado. O principal operador desse sistema é um administrador, em vez de um

profissional da saúde, o que gera um grande embate dentro da ANS, pois as demais

operadoras e de certa forma a ANS também pressupõe que esse trabalho deva ser feito

por um profissional da saúde. Mas o trabalho imaterial não está detento de uma

profissão (da saúde ou informática), mas as habilidades do trabalho imaterial estão

espalhados no campo de permanente disputa entre as profissões.

Entretanto esse trabalho é considerado muito valioso e as profissões tendem a

buscar formas de ingresso nessa modalidade de trabalho. Como é o caso da medicina,

enfermagem e farmácia, que já regulamentaram suas profissões para oferecer o serviço

de atenção domiciliar.

Essa operadora deixa a entender que a visão geral dos processos cooperativos

estão ligados aos interesses do fortalecimento do estabelecimento, acima das disputas

de profissões. Apesar de que a cooperativa é médica e deveria atender ao interesse da

classe médica. Isso implica que de certa forma, a cooperativa tenta proteger a

cooperativa dos seus médicos cooperados e pauta uma disputa sobre a delimitação das

profissões, no caso específico da profissão médica.

50

Donnangelo (1975) já havia descrito que a profissão médica insere-se no

mercado na busca de autonomia e que na sua reserva de mercado se assujeita a

algumas situações que vão contra sua própria busca. Esse sistema é um exemplo das

novas formas tecnológicas agindo em todos os envolvidos no PAD, destacando as

encruzilhadas que a medicina encontra em determinados momentos.

O programa é voltado para a orientação do cuidado, prevenção (queda, lesão,

aspiração), educação, imunização e toda a equipe participa nesse sentido. Inicialmente

tinha a preocupação com a redução do custo assistencial e posteriormente, após ter

mostrado os resultados do PAD dentro da CM, há a valorização do resultado, o

acompanhamento, à perspectiva de melhora do beneficiário, a melhora da relação com

a família/beneficiário.

A equipe, na maioria dos casos, acompanha o beneficiário dependente do PAD

até a morte, devido o processo de elegibilidade. A proposta é de dar esse tipo de

suporte e para esses beneficiários espera que eles faleçam dentro do programa. A

equipe diz querer fazer isso de uma forma mais adequada, mais digna, mais tranqüila

para a família e para todo mundo.

“Fazer viver”. Mas não com o imperativo de soberanias nacionais, de defesas, de

identidade nacional. Estamos dentro de um programa, de uma operadora, de uma

saúde suplementar, de um SUS, do Estado brasileiro (que atua onde lhe for

determinado por leis, conforme preconiza o Estado Democrático de Direito). Esse “fazer

viver” do PAD diz da competência e da radicalidade da gestão da vida, que também é

encontrada na gestão da vida do Estado brasileiro, independente das macro ou

micropolíticas. Pois, as tensões teóricas e encontros ocorrem independente do local, da

instancia, basta haver um encontro. Como temos diversas proposições de como lidar

51

com as questões do mundo, as diversas instancias consolidam a sua proposição nas

suas esferas de deliberação, com a boa fé das pessoas que os produtos finais serão do

seu interesse.

No PAD faço-o viver pelo princípio de gerar vidas com propostas teóricas de

saúde, disputando com a epidemiologia quem tem a maior resolutividade, propostas

também administrativas na disputa da racionalidade, econômicas no custo benefício.

Numa complexidade de tensões que atravessam o beneficiário, que também possui

seus desejos. Nessa tensão constitutiva, são criados processos de subjetivações, com

axiomas, despejos de desejos, quebrando as estruturas para que algum pedaço sirva

para alguém consumir.

Outra questão importante no PAD diz respeito à capacitação do cuidador, do

familiar cuidador do beneficiário com algum grau de dependência. O cuidador é

orientado sobre como fazer um diagnóstico, as mudanças de decúbito, as adaptações

necessárias para cuidar do beneficiário. São orientações sobre cuidados gerais,

alimentação, medicação, prevenção de quedas, prevenção de pneumonia, entre outras.

Importa informar que o cuidador é fundamental para o funcionamento do PAD, sendo

de responsabilidade da família dispor de um ente ou contratá-lo. Com isso, o PAD

torna-se gestor do cuidado, fazendo a capacitação, monitoramento e a análise dos

processos terapêuticos e das condições de saúde do beneficiário.

Nos quatro programas mencionados, há por parte da operadora a intenção de

que a família assuma os cuidados e grande parte dos insumos, ficando por parte da

operadora a gestão da assistência, uma visão de cima do que acontece no cotidiano do

cuidado ao beneficiário. Para isso, todos os profissionais são orientados para capacitar

os cuidadores, com transferência de informações e métodos de intervenção. Essa

52

transferência ocorre por meio de impressos e no trabalho em ato – momento de maior

encontro entre profissional, cuidador e beneficiário. Nesse momento, o saber científico

do profissional dobra com o saber cuidador, gerando trocas de conhecimento, afetos,

disputas e resistências.

Nesse trabalho vivo em ato, há o agenciamento – novas formas de produção,

acontecimentos – pactuando a forma que o cuidador adotará como prática do seu

trabalho, adotando posturas técnicas em determinados procedimentos e posturas mais

relacionais para determinadas situações.

Essas disputas vão gerando pactuações a todo momento na gerência dos casos

– pegando o termo adotado pela operadora e pela tentativa de gestão da vida que se

mostra nesse programa. Com isso, gera-se uma certa tutela-reguladora do trabalho do

cuidador – já que a operadora mantém uma visão de fora do seu trabalho, mas não o

controle total, pois não passa o tempo todo, 24 horas por dia, ao lado do leito do

beneficiário como é feito num hospital e pelo fato da vida sempre proporcionar linhas de

fuga. O que predomina nesses momentos é o compromisso ético político do sujeito-

trabalhador da saúde. A operadora pode definir por uma biopolítica que produz o sujeito

na ponta, potencializar o cuidador e o beneficiário, mas sempre haverá o momento da

escolha do sujeito. Nesse sentido, é uma biopolítica que tem potência de produzir

formas de vida mais livres.

O PAD utiliza como indicador da estabilidade do beneficiário, o estudo de casos

que estando sob atenção domiciliar necessitaram internação. Avaliam estes

questionando o motivo da internação, se era uma intervenção previsível, questionando

o que teria acontecido caso a equipe tivesse chegado com antecedência para fazer

53

uma intervenção e se isso poderia ter evitado que aquele beneficiário fosse para o

hospital ou não.

A avaliação é um momento de ver e rever as questões encontradas no cotidiano

do trabalho. Principalmente uma avaliação potencializadora das questões encontradas,

que dispare outros processos de construção de conhecimento e revisão de ações, tanto

para o estabelecimento quanto para as pessoas.

Para os gestores do PAD, o primeiro benefício do programa é a assistência

individualizada, personalizada, ser assistido por uma equipe transdisciplinar altamente

capacitada, ter a comodidade de atender a família em casa e ao mesmo tempo suprir a

demanda de beneficiários que só teriam acesso à CM pela Atenção Domiciliar.

A Atenção Domiciliar contempla um acesso diferenciado. Se essa pessoa ia anteriormente ao consultório, acamado, com AVC, sem condições de ir ao consultório tem que ter outra alternativa de acesso, no caso a Atenção Domiciliar possibilita esse acesso diferenciado. (COORDENADOR DO PAD)

Com toda essa “gestão da vida” que é proporcionada, espera-se dos

beneficiários o seguimento das orientações, adesão ao plano do cuidado, ao plano

terapêutico. “Se não tiver adesão o resultado será ruim – diminuição da hospitalização,

dos eventos, diminuir os agravos, melhorar a condição de saúde do beneficiário, da

família como um todo e redução do custo assistencial”. (Coordenador do PAD)

Um dos grandes desafios encontrados pelo PAD refere-se à parte da informática

e da informatização, considerada potencialmente como trabalho imaterial (uma das

dimensões do trabalho imaterial é o intelectual), segundo Hardt (2003), devido a pós-

modernização ou informatização da economia global. A análise de indicadores e de

fazê-los virar resultados já deveria ter sido implantado e conta com o apoio da ANS.

54

Esses resultados ajudariam na melhoria da qualidade da assistência e da regulação de

determinados programas.

A parte de informática, de informatização, o uso de informação em saúde, ainda é, na minha opinião um dos maiores desafios. Não só da Atenção Domiciliar, mas da saúde como um todo. A gente tem que trabalhar em cima de indicadores, desses resultados. Esse é um desafio maior ainda. Essa parte da informática/informatização/informatização que no SUS tem essa mesma dificuldade em relação a isso. (...) A própria ANS com a regulamentação, é por um lado muito positivo por que vai cobrar vários indicadores que as operadoras de saúde precisam oferecer e que ate então não eram fornecidos. (COORDENADOR DO PAD)

O gestor e os coordenadores avaliam que houve um crescimento do programa.

Ao passar dos tempos, a Cooperativa aceitou essa forma de promoção de saúde por

causa dos retornos adquiridos: aumento de beneficiários e redução de custos. Mas

salientam que sempre tem algo a melhorar: transporte, referência e contra-referência,

preenchimento de formulários, informática, benefícios aos beneficiários, sistematização

da avaliação do PAD pelo beneficiário.

2.2 Processo de Trabalho e o Trabalho da Equipe

Há uma hierarquia de trabalho no PAD, como pode-se ver na conformação das

entrevistas. Há um gestor da operadora responsável pelos serviços ambulatoriais no

qual o PAD está vinculado e que fica num local diferenciado do restante da equipe. Um

coordenador do PAD que viabiliza os procedimentos, organiza as equipes e responde

55

pelo programa. Uma referência na equipe que a coordena, realiza a entrada e saída do

PAD, os procedimentos e faz vínculo com o beneficiário; e os profissionais ditos “da

ponta” que realizam procedimentos e fazem vínculo.

Temos aqui uma rede interdisciplinar que se caracteriza como um sistema de

dois níveis e de objetivos múltiplos: cooperação de nível superior (VASCONCELOS,

2004). No primeiro nível do organograma estão os gestores e no segundo nível os

diversos profissionais. Há uma troca de informações entre os profissionais do segundo

nível e uma certa subordinação ao primeiro nível, com direção (equipe → gestor) e com

baixa potência no fluxo entre os níveis. Então no segundo nível todos estão no mesmo

nível assistencial, como aponta o coordenador do PAD.

Para assistir um grande número de beneficiários por meio da atenção domiciliar,

a operadora conta com 60 (sessenta) profissionais próprios em regime de CLT e que

estão vinculados ao hospital contratualmente: assistente social, enfermeiro,

fisioterapeuta, médico, nutricionista e psicólogo. Conta também com 4 (quatro)

prestadores de serviços de Assistência Médica para auxiliar o programa. Também há

médicos cooperados no PAD e técnicos de enfermagem no Programa de Intervenção

Específica. O coordenador de equipe pontua a falta do fonoaudiólogo na equipe e que

esse profissional seria importante.

Na micropolítica de organização do trabalho, o enfermeiro faz o primeiro contato

e acompanha o beneficiário em todos os momentos, juntamente com o médico. Nas

entrevistas, encontramos que o enfermeiro possui um papel de destaque no PAD, por

realizar a elegibilidade do beneficiário, por dimensionar o cuidado e os profissionais que

irão assistir o beneficiário, além dos cuidados diários. Por toda essa demanda é o único

profissional que faz plantão no fim de semana.

56

Nesse caso, esse PAD está iniciando um processo para ser “enfermagem

centrado”, pois foca na ação destes profissionais na produção da linha do cuidado e no

acionamento dos demais profissionais. Acontece que o enfermeiro passou a ser gestor

do cuidado, gerenciando a linha de produção que organiza a assistência ao beneficiário

em situação de cuidados domiciliares. Com isso, ele organiza essa produção com base

no seu referencial teórico sobre o cuidado e sobre toda a construção que a enfermagem

faz sobre como se posicionar sobre um beneficiário. Podemos observar essa

centralidade no fluxograma (FRANCO, 2004) resumido do ingresso do beneficiário no

PAD.

Entrada na AD

- Demanda Espontanea- Encaminhamento- Convite de um auditor

Avaliação da enfermagem

O beneficiário

tem elegibilidade?

Sim

Nâo

Avaliação do domicilio

O domicilio oferece

condições?

Sim

Não

Programação dos

profissionais

Realização de visitas e

Gerenciamento de Casos

Encaminhado para clínica médica ou

hospital

. . .

Figura 1: Fluxo resumido de ingresso no PAD em uma Cooperativa Médica

Trazendo para a discussão o trabalho afetivo, que não pode ser mensurado, o

seu produto refere-se a saberes, emoções, relações, informação, comunicação,

concordamos que esse trabalho não é específico da enfermagem. (Hardt, 2003)

No contato diário com os beneficiários, na potência das tecnologias leves

(relacionais), os profissionais do PAD realizam procedimentos, passagem de

informações, produzindo cuidado. Um trabalho que potencializa a vida do beneficiário

para outras correntes e formas de existência. Hardt e Negri (2005 p150) preferem falar

de trabalho biopolítico, “um trabalho que cria não somente bens materiais, mas também

relações e, em última instancia, a própria vida social”.

57

O adjetivo biopolítico indica, assim, que as distinções tradicionais entre econômico, o político, o social e o cultural tornam-se cada vez menos claras. Mas a biopolítica apresenta numerosas outras complexidades conceituais, de modo que a nosso ver o conceito de imaterialidade, apesar de suas ambigüidades, parece inicialmente mais fácil de apreender e mais capaz de indicar a tendência geral da transformação econômica. (HARDT e NEGRI, 2005, p 150)

Isso faz com que o organograma seja desconfigurado, dobrado, apresentando-se

nos momentos que for evocado pela molaridade dos acontecimentos. Em outros

momentos, as redes são mais visíveis, “redes de produção de afeto, redes sociais, de

comunidades, de formas de vida: produção de subjetividade”. (Conversações com

Antonio Negri, 2005)

A produção biopolítica aqui consiste basicamente no trabalho envolvido na criação da vida – não nas atividades de produção, mas na criação da vida precisamente na produção e reprodução de afetos. (HARDT, 2003, p156)

O médico do PAD tem a função de fazer a ponte entre o que acontece no

programa com o médico de referência/cooperado, para organizar a prescrição,

organizar a demanda pela especialidade, verificar a interação medicamentosa, entrar

em contato com o médico cooperado caso perceba algum efeito de alguma

inconsistência na prescrição, orientação à família para detenção precoce de agravos.

O fisioterapeuta orienta a família em procedimentos básicos de aspiração,

principalmente secreção oral, cavidade oral, aspiração com sonda; mudança de

decúbito para favorecer expectoração e mobilização de secreções; posicionamento do

leito para ingestão da dieta; evitar as lesões e as úlceras de decúbito. Na literatura,

temos a fisioterapia como um grande aliado dos programas de recuperação de doentes

sequelados, com resultados interessantes.

58

O nutricionista orienta a dieta do beneficiário. Ensina o cuidador ou beneficiário o

que comer, como preparar uma dieta com aporte protéico calórico para as vias de

administração que beneficiário tem condições de receber, seja via nasoenteral, seja

oral, seja, gastrostomia; faz o cálculo das necessidades diárias do beneficiário; os

cuidados para a conservação e a manutenção dos equipamentos necessários para o

preparo desses alimentos.

O assistente social realiza a visita ao domicilio para avaliar as condições para

receber o beneficiário, dá o aval para a internação e realiza a criação de redes sociais

em torno de beneficiários que necessitam de apoio.

O psicólogo entra no momento de desarranjo familiar (entre membros da família

e/ou família com o PAD) e em caso de óbito. Faz terapia breve e grupo focal para

auxiliar no caso do cuidado paliativo, que é onde a família precisa de um suporte maior,

para organizar a rotina de vida e ajudar a lidar melhor com um beneficiário que está

morrendo em casa. Esse profissional também auxilia a equipe, por que para a equipe

também é muito difícil lidar com essas perdas no cotidiano.

Todos os profissionais fazem avaliação, prescrevem, educam, capacitam e dão

alta, fazem o monitoramento por telefone ou quando solicitado pela enfermagem. Além

de fazer o seu trabalho, há uma certa mudança no valor do seu trabalho quando altera

o mundo e a si próprio, com os afetos produzidos. O seu trabalho passa a produzir vida

no outro que é por ele assistido, uma produção biopolítica.

É importante salientar que no PAD também há os profissionais administrativos,

responsáveis pela emissão de notas fiscais e dispensação de medicamentos.

Assim como as funções são diferenciadas, o número de visitas também é, e

depende do programa. No programa de curativo, a enfermagem realiza no mínimo duas

59

ou três visitas por semana para fazer a substituição das coberturas. Caso o beneficiário

necessite de mais visitas, entende-se que ele necessite de outra abordagem, talvez

hospitalar. Em casos de curativos mais simples, com pomada, que demande troca

diária há a orientação para família/cuidador. Desde que não haja interferências à

exposição óssea.

O Gerenciamento de Casos Crônicos, no primeiro mês, há uma carga maior de

visitas, por que a família está adaptando, a equipe está conhecendo o domicilio,

diagnosticando, instituindo o plano terapêutico. Geralmente, são duas visitas de

enfermagem na primeira semana, uma visita na segunda e terceira semana e a partir

daí, há o dimensionamento. Se há necessidade do médico, faz-se uma avaliação,

solicita os exames que achar necessários e volta de acordo com a avaliação, mas,

geralmente, duas visitas médicas no primeiro mês.

A fisioterapeuta instituiu que são 6 (seis) visitas para o treinamento dos

cuidadores. Caso o cuidador necessite de maiores informações, pode haver um

aumento do número de visitas.

A nutricionista realiza 3 (três) visitas. A enfermeira solicita a avaliação da nutrição

e quando a nutricionista chega ao domicilio já tem uma ficha preenchida pela família

para a abordagem. Depois de dois meses pode fazer uma visita de manutenção.

A psicologia realiza no máximo 6 (seis) atendimentos, 3 (três) em caso de óbito e

em casos paliativos não há um número pré-determinado. Mas, certamente é limitado.

As visitas do assistente social não foram estipuladas. São realizadas até

estruturar a família para receber o beneficiário no domicilio.

O coordenador de equipe faz uma avaliação do número de visitas com base

numa classificação de Alta, Média e Baixa complexidade. Quanto maior for a

60

complexidade, maior o número de visitas. Passando de visitas semanais até a visitas

trimestrais. As classificações mencionadas acima são feitas pelo gestor e coordenador

do PAD.

Como vimos o número de visitas que o beneficiário recebe da equipe dependa da

especificidade da situação de cada caso. Independente,

A equipe tem que conhecer a realidade da pessoa, ver como é a casa dela. Eu não posso falar com uma pessoa que não tem um eletrodoméstico, um processador de alimento como é que ela vai processar o alimento. Tem que transportar para a realidade dela. (GESTOR)

A estipulação das visitas é necessária no início do processo terapêutico, para

fazer vínculo, entender a história do beneficiário e montar o projeto terapêutico. Com o

tempo, as visitas tornam-se momentos de encontros, bons ou maus, no sentido

espinosiano. Nesse encontro, com base relacional (existindo a cientificidade e

tecnologias duras na disputa) o real da vida aflora, é dado voz às pessoas, constitui as

micropolíticas e criam-se as tensões dos encontros. As visitas são ferramentas

importantes na criação do vínculo e do trabalho vivo em ato biopolítico. Nessa criação

do PAD, sem muitas regulamentações, as visitas são estipuladas pelas demandas e

pelos acontecimentos do cotidiano, o que propicia dosar as ações na tentativa de

harmonizar as tensões.

Além das visitas, é realizado um monitoramento telefônico. O telefone fica

disponível para a família entrar em contato sempre que se fizer necessário. De acordo

com a complexidade do caso, pode passar a ser feito uma visita mensal e um contato

telefônico mensal, de modo que a cada 15 dias, a família recebe um contato da equipe

de saúde.

61

Não é somente pelo contato físico que estabelece o trabalho afetivo. Os contatos

virtuais ativam a sensação de presença humana junto ao beneficiário produzindo bens

imateriais como a sensação de segurança, a sensação de ser escutado, proteção. Esse

contato virtual, entre duas pessoas, dentro da rede de produção do cuidado, mantém o

beneficiário dentro da sua busca pelo cuidado sob a construção subjetiva da operadora

sobre como estão sendo realizadas as ações no domicílio. Intervindo virtualmente, os

processos de subjetivação tornam-se fortes aliados nesse trabalho biopolítico,

desterritorializando o trabalho vivo em ato, já que a ação, nesse encontro permite que a

materialidade ocorra pelas linhas fluidas do encontro transformadas por ferramentas

(telefone, internet, apostilas) que permitem a transformação do profissional em um ser

sem corpo, ou, que age pelo seu “corpo sem órgãos”, mas com uma proposta ético-

política.

Além das visitas dos profissionais é sempre feita a abordagem telefônica, o monitoramento telefônico. O telefone fica disponível para a família entrar em contato sempre que se fizer necessário. De acordo com a complexidade do caso, pode passar a ser feito uma visita mensal, e um contato telefônico mensal, de modo que a cada 15 dias a família recebe um contato da equipe de saúde. (GESTOR)

O profissional que vai até o fim com o paciente no caso é o medico e enfermeiro, com interconsulta destes outros profissionais, eles não ficam diretamente com o paciente Eles avaliam, dão a alta e monitoram via telefone e a equipe de médico e enfermeiro que fica todos os momentos com o paciente. (COORDENADOR DO PAD)

Para o ingresso no PAD, o profissional avalia o beneficiário, que passa

inicialmente por uma verificação quanto à sua elegibilidade. Essa avaliação é feita

normalmente pela enfermagem que verifica se ele está dentro dos critérios

estabelecidos para a atenção domiciliar. Após análise, estabelece-se um projeto

62

terapêutico que dá acesso aos diversos recursos e profissionais disponibilizados pelo

Programa.

Outro elemento importante no trabalho dessa operadora é a apropriação de

conceitos oriundos da saúde pública, tais como regionalização e equidade para a

organização do processo de trabalho. O PAD faz um mapa regional do município para

organizar suas equipes. O número de equipes é relacionado com a densidade de

beneficiários em cada região. Essa forma organizativa possibilita uma melhor cobertura

dos beneficiários e cria a vinculação do beneficiário com a equipe.

Com isso, definiu-se um número de 70 (setenta) beneficiários por enfermeira e

por médicos. Para os outros profissionais o número é maior por que não há uma

vinculação tão forte, quanto com o médico e com o enfermeiro. Cada região tem uma

equipe de referência, onde a referência principal é a enfermagem na maioria dos casos.

A família é orientada para que, em qualquer situação (dúvida, necessidade, percepção

de um agravo, de uma complicação), acione imediatamente a enfermagem. Ela fará

uma avaliação, uma triagem e se necessário chamará o médico.

O conceito de equidade é utilizado devido à grande diferença sócio-econômica

verificada entre os beneficiários da operadora. Em alguns casos, o PAD revê a

disponibilidade de insumos, de cuidador e faz uma aproximação com as redes sociais

para assegurar o provimento de insumos para os beneficiários que não poderiam

adquiri-los (já que a operadora não fornece). Essa articulação é feita pela Assistência

63

Social que agencia7 (DELEUZE e GUATTARI, 2006) estas relações de apoio aos

beneficiários que são elegíveis ao PAD.

Em todas as entrevistas, vimos que os profissionais são capacitados durante o

serviço. Não há escolas sobre assistência domiciliar, tanto para o nível superior ou

técnico. Quando o profissional ingressa no PAD dessa CM, há no primeiro dia uma

apresentação do programa para conhecer os aspectos mais gerais e burocráticos. Essa

apresentação é realizada pelo coordenador do PAD.

Do segundo ao quinto dia, ele faz visitas com todos os profissionais. Do sexto ao

nono dia ele acompanha mais de perto o profissional de sua área.

No fim, é feito uma reunião para ver onde estão as dificuldades, para saber se a

pessoa está realmente preparada para assumir esse beneficiário, se já tem condições

de ir ao domicílio, se tem alguma dúvida técnica, se tem alguma dúvida da parte

burocrática, ou da parte operacional. Esclarece-se tudo antes e se esse profissional

estiver apto vai para o campo. São no máximo 10 (dez) dias devido a grande demanda.

Segundo o coordenador do PAD,

Não tem uma pessoa até hoje, no momento da reunião, disse que queria treinar mais um pouco. Eu dou a abertura total para falar o que achar, que precisa ficar em treinamento mais uma semana, pode ficar e não tem nenhum preconceito com essa pessoa, que não está no mesmo nível, digamos, para poder assumir autonomia em relação aos outros. (COORDENADOR DO PAD)

O perfil desses novos profissionais contratados são recém formados, com

disponibilidade de tempo e disposição para aprender sobre um novo campo. O gestor

disse que o trabalho no domicílio é como jogar no campo do adversário, pelo fato do

7 Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões. (Deleuze e Guattari, Vol 1 p.16)

64

profissional ficar dependente da organização da família. Se fosse no hospital, a equipe

é que estipularia o horário, os procedimentos, as relações e a família teria que

enquadrar nesse procedimento. No domicílio, é o profissional que se enquadra na

rotina.

Para o coordenador de equipe, o PAD proporciona a possibilidade de

crescimento dentro da CM, com oferta de recursos para os procedimentos, trabalho

com profissionais de áreas diferentes, com benefícios (plano de saúde, alimentação,

ajuda com combustível, celular coorporativo) possibilidade de pesquisa, com

remuneração acima do mercado e por isso considera a estrutura oferecida como

adequada.

As metas são definidas em relação a assistência e ao resultado geral deste

programa. No final do ano, é discutida a meta, no âmbito da gestão, para o ano

seguinte. Em seguida é passado/compartilhado com a equipe para que participe desse

resultado conjuntamente. As metas constituem no aumento de beneficiários e no

número de desospitalizações. Em 2006 estima-se que foram evitadas 900

hospitalizações segundo o coordenador do PAD. As definições ocorrem no segundo

semestre, com a definição do orçamento e do planejamento para o ano seguinte. A

equipe é cobrada sobre a prevenção de uma possível internação e as cobranças dos

gestores são mais amplas para atingir a meta do que a equipe encontra no cotidiano.

Mensalmente, são realizadas reuniões de equipe e de profissionais para a discussão de

temas específicos, discussão de casos ingressos, aulas referente aos casos.

A avaliação sobre o PAD, sob o ponto de vista do beneficiário, será feita através

de uma entrevista semi-dirigida voltada para os familiares que tiveram entes falecidos

no domicílio. A pesquisa buscará revelar se a família estava preparada, se foi bem

65

assistida pelo PAD, como se deu a escolha da família para a permanência do

beneficiário em domicílio.

2.3 Aspectos Organizacionais do PAD

Antes do Programa de Atenção Domiciliar que está vigente na operadora, havia

um programa chamado “Home Care” que iniciou suas atividades em 1999 e terminou

em 2005. Nele, o beneficiário era internado em casa para fazer a desospitalização e era

ofertada pela operadora toda a estrutura necessária à família: aparelho de ventilação

mecânica, maca, suporte de soro, medicamentos específicos, cadeiras, enfermagem e

técnico de enfermagem em tempo integral.

O objetivo deste programa era a redução do custo assistencial, mas resultou

mais oneroso que a internação hospitalar, além de gerar outro problema: a família não

assumia o cuidado básico e criava uma demanda crônica de internações domiciliares.

Isso gerou uma dependência do serviço e liminares judiciais para assegurar a não

interrupção do serviço domiciliar. “Era um serviço que não valorizava o resultado, a

linha do cuidado e o acompanhamento”. (Coordenador do PAD)

Esse histórico do PAD mostra a mudança de proposta de assistência domiciliar

de Home Care para Atenção Domiciliar. Na construção de certos produtos, as etapas

percorridas contêm histórias e consolidam o que anteriormente era imaterial. Essa

66

consolidação é o trabalho morto, “resultado do vivo anterior que o produziu” (MERHY,

2007, p42) e observável em todas as organizações.

Pensando numa cadeia de produção, o trabalhador com sua criatividade elabora

um produto. Com suas ferramentas (canetas, lápis, ciência – produtos que foram

pensados, construídos e que agora se tornou morto), ele utiliza seu trabalho vivo

conjuntamente com o trabalho morto para concretizar um produto final. Quando o

produto está pronto, torna-se um trabalho morto. Veremos então o que há no PAD: os

bem materiais, equipamentos, infra-estrutura, normas e a definição de como utilizá-los.

Podemos dividir em dois grupos o trabalho morto encontrado no PAD: 1) trabalho

morto oriundo de terceiros e com presença material e, 2) trabalho morto produzido pelo

PAD e que se apresenta em forma de normas nem sempre contratuais. Por exemplo, o

equipamento de ventilação mecânica do PAD é um trabalho morto, assim como os

medicamentos hospitalares e utensílios que são dispensados para os beneficiários.

Outro exemplo é o contrato verbal existente entre operadora e beneficiário para o

ingresso no PAD. Foi defino à muito tempo e agora é seguido a rigorosamente.

Com a mudança ocorrida, o coordenador do PAD salienta que a atenção

domiciliar foi importante para a operadora por “diminuir as liminares judiciais em 80%,

aumentar o número de carteiras nessa modalidade, melhorarem a relação com a

família”. Para os profissionais essa mudança ocasionou um foco na educação em

detrimento das ações intervencionistas, centrados apenas em procedimentos, que era a

base do Home Care. Para a família houve a perspectiva de melhora do beneficiário,

pois um cuidado centrado em tecnologias mais relacionais resultou em uma utilização

mais adequada de internações domiciliares, o acompanhamento de perto da família ao

beneficiário e que ampliou o programa na forma de promoção e prevenção.

67

Nessa Reestruturação Produtiva, a operadora apostou numa tutela-reguladora da

clientela considerada de “alto consumo” e “alto custo”. Essa tutela pressupõe uma

normatização da vida delas, definindo suas novas posições frente ao tratamento de

saúde, sobre as relações estabelecidas com o beneficiário e operadora, colocando-os

sob suas normas, ou seus protocolos, para a redução do consumo. Para que isso

ocorra, a operadora tem que ter a vida vivida conforme ditado por ela.

Nessa mudança, houve uma transferência de aquisição de material da operadora

para a família, o que ocasionou um repasse de obrigações ao beneficiário, com a

responsabilização sobre os insumos necessários para o cuidado: medicamentos de uso

contínuo, fraldas, equipamentos e utensílios, etc. Esse gasto é pactuado desde o início

com a família, mas representa efetivamente uma transferência de custos, pois se o

caso fosse tratado no hospital esses insumos ficariam por conta da operadora.

É significativo o fato do PAD ser um benefício concedido pela operadora ao

beneficiário, ou seja, a atenção domiciliar não está inscrita na relação contratual entre

operadora e beneficiário, não constituindo-se assim um direito, e sim, uma concessão.

Desse modo, a empresa dita as regras sob as quais o Programa deve funcionar. A

adesão é voluntária e a família tem que atender os critérios de elegibilidade do

programa para fazer jus ao benefício: a casa tem que ter condições de receber o

beneficiário (espaço adequado, iluminação e ventilação), a família se responsabilizará

pelos insumos e medicamentos, deverá ter um cuidador e o beneficiário tem que seguir

o projeto terapêutico.

Essa definição de regras entre operadora e beneficiário caracteriza-se como

microrregulação (ANS, 2005, Cap 4). Instrumento que altera as formas regulatórias

entre as leis do Estado com a operadora. Nesse caso, como há poucas

68

regulamentações sobre Programas de Atenção Domiciliar, as operadoras constroem

suas próprias leis, ou pegam as leis existentes e implementam aos seus beneficiários e

prestadores na forma como as interpretam. Nesse espaço, ocorrem conflitos e uma

rede de interesses de diversos atores. Como vimos, quando a justiça é acionada, o

Estado atua com base nas suas leis, dando pareceres, na maior parte favoráveis aos

beneficiários.

Uma característica do trabalho morto, ainda mais quando se apresenta em forma

de normas, define a limitação das pessoas envolvidas no processo. O profissional tem

que focar na educação; a família recebe os gastos, caso contrário não fará parte do

PAD. Em alguns casos, a norma é direcionada para algum grupo e executada,

normalmente, por quem a produziu ou delegada a algum órgão capaz de executá-la. No

caso do contrato do PAD ela é bem direcionada e não se dirige contra a operadora.

Identificamos o Gestor e o Coordenador do PAD como o guardião para perpetuar esse

trabalho morto apresentado.

Para o beneficiário do PAD há um desconto no único laboratório credenciado

pela operadora e os exames são coletados no domicílio.

A operadora assume os medicamentos hospitalares e equipamentos em caso de

beneficiário que necessite de ventilação mecânica, fornecendo: ventilador, oxigênio,

técnico de enfermagem durante o período de assistência. Entretanto, como foi dito, o

mobiliário, alimentação e medicamentos de uso ambulatorial são de responsabilidade

da família.

Esses insumos são oriundos do Home Care e podemos supor que sua

permanência ainda no PAD são resquícios da ação da justiça que não permitiu que a

família assumisse com toda a produção do cuidado. Os medicamentos especiais

69

permanecem em poder do PAD devido a especificidade da questão e das normas da

ANVISA que não permite o acesso a determinados medicamentos à população,

somente para equipes de saúde.

De modo similar, o transporte do beneficiário, quando são necessários exames

de maior porte (tomografia ou Raio X) é feito pela família. Em casos de Urgência e

Emergência pode ser solicitado pela equipe do PAD o veiculo da operadora para

qualquer atividade. A solicitação será sempre avaliada pela Atenção Pré-Hospitalar.

Quando a ambulância não está disponível, há o aluguel de uma ambulância pela

operadora. A ambulância também é utilizada fora do horário de trabalho do PAD, à

noite e fim de semana. Os profissionais usavam um serviço terceirizado de veículo para

visitas, mas ficou oneroso para a operadora, que oferece agora um auxílio combustível

para fazer o traslado.

Nesse caso, o PAD é limitado por outro órgão da operadora, detentora da

ferramenta (ambulância). Essa norma é motivo de muitos questionamentos por parte da

equipe, das famílias e dos gestores do PAD. Essa falta de liberdade na utilização da

ambulância gera diversas situações de embate sobre as responsabilidades, já que o

contrato refere-se sobre a elegibilidade e a transferência de custo para a família. Acaba

que o transporte é um ponto que deve ser apropriado pelo PAD para dar maior

liberdade de ação para sua equipe.

Outro aspecto relevante diz respeito à saída do programa, sendo um analisador

importante para entender um pouco mais o PAD, pois é um momento de grande tensão.

O coordenador do programa informa que a saída pode ser por Cura quando o

beneficiário está estável ou curado do seu agravo; por Óbito, em casos de doenças

crônico-degenerativas em fase terminal e demência, causas naturais e nestes casos o

70

beneficiário é acompanhado pelo programa até o óbito; ou quando a família ou o

beneficiário não desejam continuar no programa. Dos clientes inseridos, somente 2%

recebe alta por ano, considerando rara de acontecer devido o processo de elegibilidade

ser bem definido para o tipo de beneficiário para o qual o programa está proposto. Ou

seja, na maior parte dos casos a atenção domiciliar é uma alternativa permanente para

os cuidados necessários a certo perfil de beneficiários, como por exemplo, os doentes

crônicos. Esse é outro ponto que merece uma regulamentação mais específica. É

nesse momento de ruptura que a justiça é mais acionada pelos beneficiários, pois não

há consenso e contrato das partes. Normalmente, a justiça dá causa à família, já que

contrata os serviços de saúde de uma empresa especializada.

São criados, em casos específicos, as Redes Sociais em torno dos beneficiários

que não conseguem comprar os medicamentos ou não possui um familiar que possa

exercer o papel do cuidador. Essa rede conta com a utilização do SUS para aquisição

de medicamento, oxigênio e/ou fármacos; de associação de bairros para arrecadar

utensílios e alimentos. Mas segundo o coordenador de equipe, pode ser mais

elaborado, seguindo modelos europeus que contam com uma rede de cuidadores de

idosos.

É muito variado a utilização dessa rede. Os beneficiários com menor poder

aquisitivo utilizam-na para aquisição de medicamentos ou outros insumos materiais no

SUS. Enquanto os beneficiários de maior poder aquisitivo procuram mais pelos

cuidadores. E são justamente, os beneficiários com maior poder aquisitivo, que entram

na justiça para que o PAD exerça essa função de cuidado.

Para os profissionais, é oferecida uma infra-estrutura, com sede fixa onde fica a

parte administrativa, a coordenação, a parte logística de material, de medicamentos,

71

dispensação de medicamentos e nota fiscal. Na sede são realizadas reuniões de

equipe e treinamentos. É utilizada também para reuniões com familiares.

Se olharmos para a mudança ocorrida no PAD, de 1999 até hoje, podemos ver

uma reestruturação produtiva em curso. Uma base foi mantida desde 1999 e algumas

propostas foram sendo alteradas para atender o beneficiário de um jeito diferente para

que operadora-beneficiário tenham bons resultados ou produtos. A sede foi ampliada,

os insumos são os mesmos, a conformação da equipe permaneceu (enfermagem-

centrado), o PAD continua como benefício, a gestão continua a mesma.

A mudança na forma de produção é que sofreu alteração, com a opção da

operadora de dar maior potência nos aspectos educativos ao mesmo tempo que realiza

os processos clínicos, mas continuando a realizar determinados procedimentos que são

de responsabilidades de profissionais regulamentados para isso.

Destacando que essa mudança, potencializando outras formas de produção, é

extremamente potente para a formação subjetiva dos profissionais e beneficiários e que

o trabalho morto tem sua importância nas produções. A questão com o trabalho morto é

que ele, dentro do campo saúde, tem que ser um auxiliar para o profissional, que seja

um disparador de processos, em vez de atuar pautando a liberdade na produção do

cuidado do profissional de saúde.

O que vemos nesse PAD é uma boa estrutura armada e que precisa de ajustes,

conforme a demanda dos beneficiários. Isso implica maiores pactuações dentro da

operadora, para maior liberdade nas ações, operando mudanças que levem à

reestruturação produtiva.

Acho que as alterações mais importantes, nós já fizemos, que foi construir um modelo de continuidade de atendimento a domicílio. Viabilizar isso, dentro da cooperativa e mostrar que é viável, que é

72

interessante com essas ações. Acho que a gente precisa ampliar mais o numero de beneficiários e profissionais, precisamos formar pessoas. Então, durante a seqüência, nosso objetivo é trabalhar na formação de pessoas. O programa hoje é estável, está bem, sendo avaliado continuamente, mas, eu acho que, o modelo que a gente tem a seguir é esse, eu não faria alterações no modelo. (GESTOR)

Eu não faria alterações no programa. Trabalharia cada vez mais para estruturá-lo melhor. Estruturar no sentido de qualificar melhor as pessoas, essas contratações que estão agora acontecendo, essa informação que precisa ser melhor. É um processo de construção e ele está acontecendo. (COORDENADOR DO PAD)

Eu acho realmente que a gente teria que ter mais profissionais, mais médicos, não temos fonoaudiólogo que eu acho que é importante. Estamos em um modelo, mas tínhamos que entender melhor a necessidade desse paciente. Ele precisa de uma cama hospitalar, vamos dar a cama pra ele, ele não precisa de outra coisa, a gente vê a real necessidade do cliente e a gente atender essa necessidade, porque aqui as coisas não tem cultura ainda, acho que realmente é cultura pra isso. Na Europa por exemplo, as pessoas precisam de alguém levar comida para ela, tem que ser feito, a rede social, a assistência é muito melhor, então eu acho que as vezes a gente está fornecendo coisas pro paciente, que não é aquilo que ele mais precisa. Se ele precisa de um cuidador, só que a gente não oferece, então eu acho que talvez, a cooperativa, eu acho que hoje em dia ela não tem condições de fazer isso, não sei se alguém teria condição de fazer, mas talvez ter uma parceria com o governo, ou com outras redes de atores. Fala-se que vai tentar na rede pública e não conseguimos algumas vezes, consegue-se oxigênio, consegue algumas coisas, mas a nossa rede social é muito falha. Os problemas maiores são questões sociais, que a gente não tem uma resposta para eles. (COORDENADOR DE EQUIPE)

Evitar mesmo a saída do paciente, sair só quando não tiver mesmo jeito, e o material gasto durante o processo da visita deveria ser incluído no programa, eu acho que basicamente isso. (CUIDADOR)

2.4 Cuidados do Beneficiário: utilizando um caso-analidador do cuidado no PAD

73

Como justificado anteriormente, para verificar com maior potência a micropolítica

envolvida na produção do cuidado ao beneficiário, a pesquisa elegeu como um dos

sujeitos da pesquisa um beneficiário. Sugerimos à operadora que indicasse um

beneficiário completamente dependente do PAD, com alto grau de complexidade e

dependência, por considerar que este fosse um “analisador” mais potente do

funcionamento do Programa, na medida em que desafiava o PAD nas suas demandas.

Analisador aqui no sentido dado por Lourau (1975), de algo que revela a organização. A

escolha do beneficiário ficou a cargo da operadora, foi respeitado o indicativo de

entrevistado e indicaram um beneficiário portador de Alzheimer em estado avançado da

doença.

O beneficiário tem como diagnóstico principal Alzheimer e uma doença

degenerativa, sem diagnóstico, que o acomete há mais de 30 anos. Atualmente, ele

não fala, alimenta-se por sonda e teve as pernas amputadas. Têm 77 anos, viúvo e

mora com sua filha há 5 anos. Possui o plano de saúde há mais de 20 anos e ingressou

no PAD em maio de 2006, devido à perda da locomoção e o surgimento de escaras.

Para a cuidadora/filha, com quem foi feito a entrevista (o beneficiário ficou ao

nosso lado comendo uma pêra durante esse momento) o programa é extremamente

benéfico, pois facilita a locomoção do beneficiário. Para ingressar no programa, ele fez

a demanda à operadora, após a cuidadora conhecer o programa através de terceiros. O

PAD solicitou um laudo do médico responsável pelo caso, sendo dado pelo neurologista

que diagnosticou o Alzheimer. Foi feito um relatório e encaminhado. Após 30 dias a

equipe do PAD deu o parecer positivo para seu ingresso.

Após a aprovação para ingressar no PAD, foi feita uma entrevista colhendo o

histórico do beneficiário (na época o mesmo ainda falava e respondeu boa parte das

74

questões), com a enfermeira responsável e logo em seguida a médica da equipe

(coordenadora da região na qual se localiza a residência). Todos os dados colhidos,

tanto na entrevista quanto nos atendimentos ao beneficiário ficam em poder do

beneficiário, semelhante a um prontuário, coma as diversas anotações dos profissionais

que já passaram por ali. A fisioterapeuta e a nutricionista realizaram visitas

posteriormente à enfermeira, sendo este o único profissional constante.

A avaliação que a cuidadora faz do programa é “muito bom” e credita isso ao fato

da operadora dispor de transporte. “Por que se eu tivesse que locomovê-lo, quando ele

tinha as pernas por exemplo; era muito difícil colocá-lo dentro do carro, ai você para em

um local, eu não tenho no carro sinalização de deficiente”. (Cuidadora)

Não é por que faz curativo, nem tira a pressão, por que isso as cuidadoras fazem, a gente que é leiga, que eu não sou da área da saúde, mas agente vai aprendendo a lidar, com a parte de cuidado, a gente vai pegando, ao passo que no caso do idoso, ele se sente perdido quando ele é transportado (CUIDADORA)

Durante a entrevista ganhou centralidade uma acontecimento inusitado, que trata

de uma situação em que se fez necessário um atendimento de urgência. Essa situação

se configurou como um analisador natural (BAREMBLITT, LOURAU, BARUS-MICHEL)

do modo de produção do cuidado, notadamente, por parte da operadora por revelar o

que não foi dito. Merhy & Franco, Baremblitt, Deleuze & Guattari e Rolnik entendem que

os acontecimentos e portanto, o que tem de mais valioso no cuidado, surgem com o

cotidiano, por isso a importância da entrevista para dar vazão a esses não ditos.

O primeiro problema relatado diz respeito à necessidade de recolocar uma sonda

nasoentérica, que alimenta o beneficiário, em um horário noturno, final de semana com

dois grandes eventos na cidade e que não conseguia localizar um profissional para

75

realizar o procedimento. A cuidadora entrou em contado com a operadora que a instruiu

ir a um determinado hospital estabelecido pela operadora. A cuidadora quis ir ao

hospital mais próximo a sua casa, mas não lhe foi permitido essa possibilidade. Como

era um beneficiário do PAD a operadora insistiu que o transporte era de sua

responsabilidade nesses casos. Houve atraso da ambulância para pegá-lo e ao chegar

no hospital, a equipe hospitalar solicitou à cuidadora que comprasse a sonda (não sabe

se era por falta do insumo ou por causa do contrato do PAD que repassa essa

responsabilidade para a família), sendo que a mesma não dispunha de recursos no

momento e também por que não se acha sonda nasoentérica em qualquer farmácia,

resultando em um novo impasse a ser enfrentado naquela situação.

A cuidadora retornou ao seu domicilio, pegou uma sonda antiga e voltou ao

hospital. A equipe fez um teste na sonda para verificar se poderia ser reutilizada e por

fim realizaram o procedimento. Fizeram um Raio X para ver se a sonda estava no local

correto e o beneficiário teve que esperar novamente a ambulância para retornar ao

domicílio, sendo que a cuidadora se dispunha a levá-lo para casa. A situação inteira

levou 7 (sete) horas entre a saída da sonda e o retorno ao domicílio. Notadamente, que

do ponto de vista da cuidadora e do beneficiário, a situação é limite, pois envolve um

grande desconforto que se traduz em sofrimento.

Essa situação vem nos informar que, em cenário de “normalidade”, o PAD tem

respondido satisfatoriamente em relação aos cuidados ao beneficiário, inclusive

segundo a cuidadora. No entanto, ao sair do previsível, para o inusitado, como a

urgência, o Programa encontra dificuldades em responder adequadamente, pois foca

todas as suas ações da operadora (coloco aqui como operadora a telefonista, a APH e

equipe hospitalar) na instrumentalização e nas normas, limitando as ações do

76

beneficiário para dentro do processo estipulado pela operadora. Essa situação mostra

que há necessidade de novas pactuações e aperfeiçoamento do PAD para

intercorrências. Após esse acontecimento, a equipe do PAD repassou os

procedimentos de como a família deve proceder em situações como essa, informando o

número do plantão da enfermagem.

Analisamos a seguir o restante do processo de trabalho para esse caso.

Outra situação como essa, do cotidiano dos serviços, se deu a partir de uma

observação feita pela cuidadora de que as escaras estavam “complicando e não

saravam”. Foram feitos exames de diabetes, deficiência de albumina, até que a equipe

resolveu que tinha que deslocá-lo para fazer exames no hospital. Ao ser examinado por

um cirurgião plástico, este definiu fazer um debridamento (arrancar as necroses), mas

que antes deveria tomar antibióticos no domicilio, pois o cirurgião não iria fazer o

procedimento naquele momento. Teve que ser realizado outro deslocamento para o

domicilio e o PAD, após estudo do caso, resolveu encaminhá-lo para outro hospital.

Entre idas e vindas ao hospital, quando realizou o exame dos membros inferiores

constatou-se que o beneficiário não tinha mais passagem de sangue nas artérias. Os

muitos exames que se seguiram, fez a equipe hospitalar concluir que seria necessário

amputar os membros inferiores.

Primeiramente, amputaram a perna direita e permaneceram no hospital no intuito

de tentar outras ações que permitisse “salvar” a perna esquerda. Uma semana depois

amputaram a perna esquerda.

No entanto a cuidadora avalia que a internação hospitalar envolveu importantes

perdas, além da relatada, na qualidade de vida do beneficiário.

77

Eu acho que ele teve algumas isquemias não diagnosticadas lá, tanto que ele perdeu, por que aqui olha, agora ele vem para o sol, agora ele deita, troca ele de lugar depois ele vai para li. E lá ele ficou muito deitado, então formou uma escara na sacral que não sarou até hoje, entendeu? Então o que chegou a conclusão, amputou, mas mesmo assim a gente via que ele estava recuperando, ai o que chegou a conclusão que ele não estava comendo o suficiente, por que ele comia, demorava, mastigava e não deglutia. (CUIDADORA)

A cuidadora relata ainda conflitos com os médicos, que em um episódio

quiseram colocar uma sonda gástrica, mas como ele tida ido 4 (quatro) vezes para o

bloco cirúrgico a cuidadora não permitiu. Ela teve que assinar um termo de

responsabilidade. “Ele ainda estava comendo, tem sabor, se você der uma banana para

ele, ele come, se der um copo de suco, ele bebe, pára; às vezes devolve, mas ainda

tinha sabor, ai em vim com ele” (cuidadora). Depois de um certo período, foi colocado a

sonda, porque parecia que o beneficiário não estava se nutrindo. Agora ele está com

um quadro nutricional todo balanceado, com complemento alimentar com a farinha,

albumina. Então o que se notou era que as escaras estão sarando. Não sabiam o tanto

de água que ele bebia, por que ele ficava com a garrafinha, agora ele tem o horário que

toma 300 ml de água.

No período de 2 (dois) meses que permaneceu internado, a equipe do PAD não

teve contato com o beneficiário. O PAD indicou a internação hospitalar, só que a partir

do momento que ele entrou no hospital não houve mais contato. O contato aconteceu

quando a cuidadora ligou para a enfermeira e contou sobre a amputação. A enfermeira

e a médica fizeram uma visita no hospital, a nutricionista ligou com pesar e não voltou

mais a casa do beneficiário.

Merhy e Franco (desde 2002), discutem que as formas tecnológicas – dura, leve-

dura e leve – são válidas e necessárias, mas defendem a tese que a tecnologia leve

78

oferece resultados mais satisfatórios e um outro ordenamento para utilização das

tecnologias duras. Tanto que neste analisador, o disparo para a busca de exame foi a

observação no cotidiano da produção do cuidado. Os exames surgem após uma

relação estabelecida entre cuidador-beneficiário-demanda e sua utilização foi

potencializadora na resolução do problema apresentado. Sem utilização em demasia.

Com o retorno ao domicílio, a cuidadora diz que comunica todas as atitudes

sobre o beneficiário à equipe. “Elas são o suporte externo” (Cuidadora). Quando há

necessidade de consulta, com outros profissionais fora da equipe, é o PAD que indica o

profissional. Foi o caso do cirurgião plástico que realizava as raspagens. A equipe

passou os procedimentos em caso de urgência com a cuidadora e as situações em que

ela pode solicitar atendimento. Na consulta com o neurologista foi proposto o

cancelamento da medicação, pois não havia mais respostas ao tratamento de

Alzheimer e reforçou a permanência no Programa de Gerenciamento de Casos

Crônicos. Ocorreu a troca de enfermeiras, saindo a enfermeira que levantou a questão

do problema vascular e entrou uma especialista em feridas que segue o protocolo

rigorosamente.

Ao pedir para elencar 3 (três) vantagens do programa, a cuidadora coloca que:

1) A confiança de saber que a equipe está disponível 24 horas por dia;

2) O não deslocar do ambiente natural, e;

3) O custo, “por que se eu tivesse que locomove-lo eu gastaria alem do que

pago do plano”.

Essa expressão de vantagens feita pela cuidadora aponta aspectos como

confiança, estabilidade e retorno. Encontra-se esses produtos nos serviços que

estabelecem uma relação de troca e encontros com seus consumidores.

79

A cuidadora relata que além do gasto com o plano, que consome 60% da

aposentadoria do beneficiário, há o gasto com a manutenção, higiene, luvas, máscaras.

Mas que os gastos foram acordados no ingresso do programa. Quando a enfermeira vai

ao domicílio fazer o curativo, ela traz uma pasta com todos os insumos necessários

para os procedimentos.

Dentro do programa de curativos, somente a enfermeira e a médica realizam as

visitas. A enfermeira realiza 2 (duas) visitas por semana. A médica realiza visitas a cada

2 (dois) meses. A nutricionista realiza visita a cada 2 (meses). A fisioterapeuta realizou

somente a visita inicial e sugeriu um plano de exercícios que segundo a cuidadora não

funciona, tendo ela contratado uma fisioterapeuta, o que é de conhecimento da equipe.

A cuidadora sabe que no programa existe uma psicóloga, mas que fez um trabalho

terapêutico extradomiciliar. Na opinião da cuidadora, as visitas são satisfatórias e em

qualquer intercorrência a equipe aciona outras estruturas da operadora.

A cuidadora procura aprender a realizar o cuidado, mas se avalia ainda em fase

de adaptação, Utiliza o trabalho de outras 3 (três) pessoas por ela contratada para

contribuir com essas atividades. É um contrato de empregada doméstica e auxiliam nas

atividades de casa além do cuidado ao beneficiário.

A troca de informações com a equipe ocorre de forma gradual. Os membros da

equipe passam as informações com cartilhas e no trabalho vivo em ato. No momento

dos procedimentos, indicam os insumos que deverão ser utilizados no processo

terapêutico, trocam experiências a partir dos eventos ocorridos com o beneficiário e vão

no cotidiano indicando a melhor forma de agir, demonstrando os detalhes do trabalho

que é realizado, em um movimento sutil de transferência de tecnologia de cuidado para

a família.

80

E todos os seres humanos que vieram, os profissionais, cada um com a sua característica, me atende perfeitamente, são dóceis, são amorosos com ele. Falam uma linguagem fácil com os cuidadores, então assim, eu estou muito satisfeita. (CUIDADORA)

Quanto à necessidade de recorrer ao consultório médico, a cuidadora disse que

acabaram as idas aos consultórios e fez uma referência à diminuição do custo do ponto

de vista da operadora, pelo fato da cooperativa disponibilizar um profissional para os

cuidados (médica) e os cuidados ficarem sob responsabilidade das cuidadoras.

Houve a diminuição nos exames devido à estabilidade do quadro clínico. São

feitos a cada 3 (três) meses exames recorrentes. A coleta é feita no domicílio, na hora

estipulada pela cuidadora.

O uso de medicamentos permaneceu o mesmo da situação anterior, mas o gasto

com os curativos aumentaram, devido o caso especifico do beneficiário. Alguns

insumos são conseguidos na Unidade Básica de Saúde da região.

O número de internações hospitalares diminuiu devido o “cercamento” que as

cuidadoras e a equipe realizam aos sintomas que o beneficiário apresenta.

Por exemplo, se a gente nota que ele está com uma respiração diferenciada o que a gente faz? A gente age antes dele pegar uma pneumonia, Para que colocou a sonda? Para evitar que ele aspirasse e pegasse uma infecção ou uma pneumonia. Estão, o programa funciona assim mesmo, ele cerca as coisas antes de acontecer, então você interna menos, você faz mesmo”. (CUIDADORA)

Para a cuidadora houve uma melhora na assistência à saúde do beneficiário,

embora tenha ocorrido uma piora no quadro clínico, as profissionais da equipe são tidas

como qualificadas, na busca de exames o acesso é fácil e ele tem direito a ambulância.

Quando há necessidade de internação o beneficiário vai com indicação médica. O

81

acesso a medicamento e materiais é indiferente para a cuidadora, pois a operadora não

oferece os insumos.

Como proposta de melhora do PAD, a beneficiária apresenta a reivindicação do

psicólogo para o beneficiário e a família. Nesse caso, o beneficiário não teria como

fazer um trabalho psicoterápico, pois não responde mais, mas no caso da

cuidadora/filha há uma demanda terapêutica que é suprida fora do PAD.

Segundo a cuidadora, esse trabalho psicoterápico serve para ela oferecer ao

beneficiário uma atenção mais “suave” e manter a estrutura da casa mesmo com o

estado grave do beneficiário.

A relação que a cuidadora faz do processo terapêutico com o cuidado passa pelo

auto-conhecimento, o que Foucault discute nas suas aulas de 1981 como sendo uma

construção histórica do conceito de epiméleia heautoû (cuidado de si).

Ocupar-se consigo, está porém implicado na vontade do indivíduo de exercer o poder político sobre os outros e dela decorre. Não se pode governar os outros, não se pode bem governar os outros, não se pode transformar os próprios privilégios em ação política sobre os outros, em ação racional, se não se está ocupado consigo mesmo. Entre privilégio e ação política, este é, portanto, o ponto de emergência da noção de cuidado de si. (FOUCAULT, 2006, p.48)

Há dois anos a cuidadora vendeu a empresa que era proprietária e fez

especialização em Ioga, Reik e hoje é professora dessas áreas. Ela relata que leva esta

prática para dentro do domicílio, para a história do beneficiário e que se pudesse o

trataria com acumputura, mas que não dá mais tempo.

É uma história de vida dele que por acaso nós todos somos participantes dessa história, então tirar disso o melhor aprendizado, então o que ele está me ensinando nesses anos que ele está aqui comigo (...) Então, isso é uma coisa que eu fiz desde o inicio, e o vovô não está aqui de favor, o vovô mora nessa casa, o vovô faz parte da família. (CUIDADORA)

82

Nos cuidados que presta ao beneficiário, a cuidadora conta com o apoio, ditos

indispensáveis: as cuidadoras, o marido, os filhos. Do marido ela diz que ele permitiu

esse tipo de situação e os filhos acompanham um pouco mais distantes e espera que

todos estejam tirando alguma vivência desse processo. O ingresso no PAD acrescentou

novos atores: os profissionais da operadora e que a cuidadora enfatiza ter uma relação

“muito amorosa” com todos, tratando-os pelo nome, querendo saber o que acontece

com cada um.

A sua busca de auto-conhecimento e cuidado de si vai ao encontro do outro.

Esse preparo da sua vida, organizando-se profissionalmente e pessoalmente,

proporciona um saber racional e cuidador que será utilizado nas diversas situações do

cotidiano. A cuidadora também busca a gestão da vida e é a gestora da vida no seu

território, no seu domicílio. O seu preparo proporciona que a equipe do PAD seja

recebida da melhor forma possível, gerando melhores resultados para o beneficiário e

percebendo os interesses da operadora; gerencia as atividades diárias da família e

gerencia conflitos familiares; e principalmente constrói sua história no encontro, na

dobra, responsabilizando-se ética e politicamente sobre sua vida e sobre a vida dos

seus entes que estão sob sua responsabilidade.

Com relação à alta, a beneficiária diz lidar bem. Que irá continuar a tratá-lo da

mesma forma que cuida atualmente até o momento que ele for embora, pois ele já faz

parte da rotina da família.

Eu acho que apesar de toda debilidade dele, ele ainda vai viver um tempo, principalmente por que ele é muito bem cuidado, as meninas brincam e falam assim: Nó, a gente cuida tão bem do seu pai que ele vai ficar ai i a gente vai morrer. É o risco que corre né! Eu acho que pai por mais que não tenha sido o pai ideal, que você sonhou, não é o meu caso, mas o filho tem obrigação de amparar pai, haja visto que tem um ditado que diz: uma mãe cria 10 filhos, 10 filhos não criam um pai, uma

83

mãe. Então tenho que fazer minha parte, porque se cai pra mim, nós somos 3 (três), cai para mim é por que era meu. (CUIDADORA)

A operadora avalia a opinião da cuidadora em relação à assistência e de forma

verbal. Por que, segundo a cuidadora, eles lidam com vidas e que o beneficiário precisa

ter uma melhora por ter ingressado no programa.

Uma outra forma de relação que a beneficiária faz com a equipe ocorre na

disputa do projeto terapêutico. A cuidadora relata que tenta “manipular” a enfermeira de

alguma forma, mas que não há muito resultado devido à “carreira militar8” da

enfermeira. Há situações em que a cuidadora dá alguma fruta ou uma pequena dose da

sopa na boca do beneficiário para que ele sinta o sabor dos alimentos, já que ele pede

para colocar algo na boca, mesmo contrariando as prescrições do nutricionista, médico

e enfermeira, que tentam prevenir algum agravo.

Há também o atravessamento de opinião de outros profissionais que

acompanharam o caso. Atualmente, a cuidadora segue os conselhos da enfermeira e

orienta as cuidadoras para fazer da forma prescrita por ela e que com o passar do

tempo está aparecendo o resultado esperado.

Essa questão é cotidiana para os casos de Atenção Domiciliar, pois como há

transferência da responsabilidade de parte do cuidado para o cuidador, produz-se

necessariamente o encontro entre o saber cientifico da equipe e o saber cuidador que

se inscreve na cuidadora. Torna-se, então, necessária a pactuação de ambos para a

condução do caso, processo esse que as vezes é tenso, outras vezes harmonioso,

dependendo da disponibilidade de ambas as partes para exercerem a escuta e a

negociação do projeto terapêutico.

8 A enfermeira trabalha também na polícia militar.

84

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encontramos nesta pesquisa uma situação singular na forma de produção do

cuidado, tanto pela amplitude da modalidade de atenção domiciliar, quanto por se tratar

do segmento privado - Saúde Suplementar. O quadro crescente de beneficiários

demonstra uma potencialidade da Atenção Domiciliar dentro da estrutura desta

operadora. Isso se justifica por um lado, pela capacidade do PAD de reduzir custos. Há

no final de 2007 uma estrutura que abarca 4700 beneficiários atendidos pelo PAD, com

60 profissionais (multiprofissões) e com meta da operadora de economizar com o

Programa, “900 desospitalizações em 2007”.

Uma breve avaliação dos marcadores analíticos indica que nos “Aspectos

Organizacionais do Programa de Atenção Domiciliar” chama atenção sobretudo o fato

do PAD não estar regulado contratualmente, o que o mantém fora da regulação feita

pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Neste sentido a operadora funciona com

liberdade para operar na sua microrregulação, questões como a “transferência de

custos” para os familiares e os critérios de Alta do Programa. Estes são os dois pontos

de maior conflito e que às vezes são decididos por via judicial. A microrregulação

disciplina a vida dos trabalhadores e beneficiários pelas normas da operadora.

A rede de “Gestão da Vida” funciona institucionalmente, algo que tenta configurar

no seu meio a “linha de produção do cuidado”, operando uma idéia geral de suporte em

rede. Verifica-se que o PAD é dependente de uma rede de cuidados subsidiária ao

Programa, que é desempenhada por seus próprios profissionais ou por terceiros, que

85

não fazem parte da sua equipe, mas indicam certos grupos de beneficiários, como por

exemplo os crônicos.

Em relação ao “Processo de Trabalho e o Trabalho em Equipe", toda a atividade

é disciplinada por protocolos, que indicam o número de visitas domiciliares, o uso de

transporte, insumos e os recursos de apoio disponíveis. Se por um lado isto impõe

certos limites, como as visitas protocolares, por outro lado, na sua atividade cotidiana, o

trabalhador usa da liberdade que têm proporcionada pelo seu “trabalho vivo em ato” e

faz vínculo com beneficiário e cuidador, negociando projetos terapêuticos e modificando

o “modus operandi” convencionado. Seu trabalho adquire um perfil próprio, neste caso

específico, com potência criadora de autonomia para o cuidador e de resolubilidade no

beneficiário. Isto porque opera um processo de trabalho centrado nas tecnologias leves,

em que a equipe admite a pactuação com os saberes e práticas do cuidador. Há de

ressaltar que, como o processo de trabalho é comandado pela própria equipe, o perfil

assistencial é produzido de forma singular e está vinculado ao modo de significar o

trabalho no PAD, no sentido da ética do cuidado. Assim, pode haver, como neste caso,

um cuidado interativo com o beneficiário e cuidador, como também pode haver um

cuidado operado na lógica instrumental. Não há um “a priori” definindo o perfil de

cuidados operados no PAD.

Por fim, a situação escolhida para analisar a micropolítica do cuidado ao

beneficiário exemplifica o que foi dito acima. Na situação limite, o modo de cuidar se

manifestou de forma diferente e o beneficiário e cuidadora estiveram submetidas a

outras lógicas de cuidado, mais instrumentais. Ficou claro que em situações limites, a

imaginária “linha de cuidado” é mais sensível a sofrer rupturas, como ficou demonstrado

na situação analisada.

86

As normas instituídas de regulação do Programa, em especial as que transferem

custos para as famílias e disciplinam as visitas domiciliares, não impedem que se

processe um novo modo de produzir o cuidado pelas equipes. Apesar de que algumas

normas precisam ser instituídas, como no caso da alta e da transferência de custo para

a família.

Nota-se que, no seu ideário, coloca-se em primeira instância o cuidado aos

beneficiários, sua intenção ético-política que configura uma intencionalidade de cuidar e

substituir as formas convencionais de atenção hospitalar. Há uma nova forma de,

micropoliticamente, organizar o trabalho.

Verificamos, portanto, haver um grande processo de Reestruturação Produtiva

em curso. Essa reestruturação caracteriza-se pelo seguinte: 1 – ao deslocar o cuidado

do hospital para o domicílio, novos atores entram no jogo de cuidado e de poder, quais

sejam, o beneficiário e sua família, com destaque para o cuidador. São estabelecidas

novas relações do beneficiário e sua família com a equipe e também com a operadora.

Esse encontro, entre a equipe do PAD e o beneficiário, cuidador e familiares produzem

uma intervenção no processo produtivo originalmente pensado pela equipe, o que

proporciona novos modos de fazer o cuidado; 2 - os núcleos profissionais enrijecidos

em torno de saberes e práticas auto-referenciados encontram outros sujeitos no

domicílio, com saberes e práticas de cuidado, com os quais têm que dialogar. Afinal, o

espaço domiciliar é um território específico, onde as relações de poder mudam em

relação ao que é vivido na rede de saúde. Aqui há um certo controle do território pelo

beneficiário/cuidador e sobretudo, destaque para a inter-subjetividade que opera mais

francamente nas relações estabelecidas fora das instituições de saúde, que se

manifesta por tensões e conflitos de um lado e por pactuações e harmonia de outro. É

87

nesse jogo institucional e subjetivo que o cuidado se produz no cotidiano; 3 – algumas

circunstâncias do cuidado domiciliar favorecem maior impacto do contexto sobre os

trabalhadores e maior permeabilidade às necessidades do usuário (também mais

disposto a expressá-las), possibilitando uma maior implicação com o cuidado em saúde

nesta nova cena. Esse novo arranjo pode favorecer o uso das tecnologias mais

relacionais (leves). Isso não é imperativo, obviamente, pois o perfil tecnológico que

opera no processo de trabalho depende da intencionalidade dos sujeitos que trabalham

e sua forma singular de significar o cuidado em saúde. No entanto, observa-se que o

ideário que se forma em torno do PAD e uma certa implicação com seus princípios e

novidade, favorecem a mudança do processo produtivo neste aspecto. 4 – a gestão da

vida, por meio de sub-programas que apóiam o PAD, reconhecendo a sinergia entre

diversos recursos terapêuticos confluindo para o cuidado a um beneficiário, também

configura uma mudança importante, de continuidade do cuidado e responsabilização

contra processos de trabalho parcelares, em que os profissionais e serviços têm

dificuldades em conversarem entre si.

A Reestruturação Produtiva reflete a existência de novos modos de cuidar, de um

novo processo de trabalho e de uma particular configuração das tecnologias usadas no

trabalho em saúde. Mas como o caso estudado, ocorre no contexto do mercado, não se

pode deixar de identificar outro fator impulsionado a reestruturação produtiva, qual seja

a redução de custos. Ela é auxiliar ao processo de gestão atual ao, notoriamente,

operar um modelo produtivo do cuidado mais eficiente para a operadora. Por outro lado,

isto leva para que haja um maior controle do trabalho médico, tendo em vista que o

cuidado à clientela efetivado pelo PAD não envolve remuneração dos cooperados (que

são médicos), pois a atenção domiciliar é conduzida por trabalhadores contratados pela

88

operadora ou por empresas terceirizadas. Portanto, do ponto de vista da gestão esse é

um processo tenso, mas superado pelos ganhos que o conjunto da Cooperativa tem

tido.

Esta modalidade de cuidado, no domicílio, surge com grande potência no cenário

da produção do cuidado na Saúde Suplementar e tende a fortalecer ainda mais as

práticas focadas em novas modalidades assistenciais.

89

4 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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94

5 ANEXOS

Anexo A – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa

Anexo B – Artigo publicado na Physis: REVISTA DE SAÚDE COLETIVA 2009. Publicação de IMS-UERJ. ISSN 0103 – 7331. Título: A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma cooperativa médica. Autores: André Amorim Martins; Túlio Batista Franco, Emerson Elias Merhy e Laura Camargo Macruz Feuerwerker.

Anexo C – Capítulo de Livro publicado no livro com as últimas pesquisas apoiadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, em 2009. Título do Capítulo: Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar. Autores: Túlio Batista Franco, Emerson Elias Merhy e André Amorim Martins.

Anexo D – Questionário das Entrevistas

95

Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa

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A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica

André Amorim Martins – Universidade Federal do Rio de Janeiro9 Túlio Batista Franco – Universidade Federal Fluminense10

Emerson Elias Merhy – Universidade Federal do Rio de Janeiro11 Laura Camargo Macruz Feuerwerker - Universidade Federal do Rio de Janeiro12

Resumo:

Este artigo tem como objetivo descrever e analisar a produção do cuidado no Programa de

Atenção Domiciliar (PAD) de uma Cooperativa Médica (CM). O PAD pesquisado surgiu e

cresceu devido à idéia de “ordenar a atenção aos beneficiários”, especialmente os que utilizavam

de forma exorbitante os Prontos Atendimentos e os que faziam alto consumo de internações

hospitalares. Fica implícita a idéia de redução dos custos operados pela Cooperativa. É o maior

Programa de Atenção Domiciliar, na saúde suplementar, com 3.300 beneficiários em 2006. Trata-

se de estudo qualitativo, que utilizou como instrumentos de coleta de dados a pesquisa

bibliográfica, pesquisa documental principalmente no site da operadora e da Agência Nacional de

Saúde Suplementar (ANS), entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave, observação no

local de atuação e coleta de dados em fonte secundária. A análise dos dados revela a satisfação

dos beneficiários com os resultados obtidos por meio do PAD, a diminuição de custos para a

Cooperativa Médica e transferência de gastos para a família. O modo de produção do cuidado

sugere haver um processo de Reestruturação Produtiva em curso, considerando as importantes

alterações nos processos de trabalho.

Palavras-chave: cuidado domiciliar, produção de saúde, reestruturação produtiva, micropolítica

Aceito para publicação em Physis: Revista de Saúde Coletiva, em 2009.

9 Psicólogo e Mestrando em Clínica Médica da UFRJ. Endereço: Av. Ribeiro de Paiva, 341 Bairro João Pinheiro. Belo Horizonte / MG. CEP: 30530-170 E-mail: [email protected] 10 Professor Doutor da Universidade Federal Fluminense 11 Professor Livre Docente pela Universidade Estadual de Campinas, docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro 12 Doutora e Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação em Clinica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro

97

Introdução:

A Atenção Domiciliar vem sendo apresentada por alguns autores (CUNHA, 1991;

SENA et al, 2006) como uma modalidade surgida na era cristã, tomando por base

passagens bíblicas que dizem de algum cuidado no domicílio. No entanto, nessas

mesmas passagens bíblicas, o domicílio também era local de trabalho, hospedagem,

cura e manifestação religiosa. Não se tratava, portanto, do domicílio como o

entendemos atualmente.

O domicilio de nosso tempo foi inventando, segundo Rybczynski (1999), no

século XVIII, no mesmo período que o hospital (FOUCAULT, 1994). O termo home, de

origem saxã, significava casa e nesse momento passou a ser compreendido como o

lugar que abriga o comportamento íntimo e pessoal, que suporta o estabelecimento de

uma relação familiar de novo tipo, devido à construção do conceito de infância e dos

cuidados que os pais deveriam proporcionar aos filhos.

De forma sistematizada, a Atenção Domiciliar surge nos Estados Unidos (1796),

Inglaterra (1848) e Austrália (1885). No Brasil esta modalidade é instituída a partir da

instalação da primeira escola de enfermagem na cidade do Rio de Janeiro em 1920.

Seguindo o padrão de enfermagem inglês, a atenção domiciliar era utilizada para cuidar

de pessoas vítimas de febre amarela, hanseníase, pneumonia, doenças endêmicas do

Brasil na República Velha. Nas décadas seguintes, a Atenção Domiciliar ocorre em

várias partes do Brasil: São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Recife; tanto no segmento

público quanto no segmento privado (PORTAL HOME CARE, 2006).

A legislação brasileira regulamenta essa modalidade de atendimento no Sistema

Único de Saúde (SUS) com a Lei Federal 10.424/02 (BRASIL, 2002) que é incorporada

à Lei Federal 8080/90. Outra regulamentação foi produzida no âmbito da ANVISA

(Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) com a Resolução da Diretoria Colegiada -

RDC nº. 11/06 (BRASIL, 2006) que dispõe sobre o Regulamento Técnico de

Funcionamento de Serviços que prestam Atenção Domiciliar. Em 2006, o Ministério da

Saúde instituiu a Internação Domiciliar no SUS com a Portaria Ministerial 2529/06

(BRASIL, 2006). No entanto, apesar do reconhecimento dessa modalidade de atenção,

só recentemente, mediante projetos específicos, ela passou a receber apoio financeiro

98

da esfera federal no âmbito do SUS. Na saúde suplementar também a atenção

domiciliar ainda não faz parte do rol de procedimentos obrigatórios instituídos pela

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Observa-se, no entanto, que no

âmbito público e no privado, os serviços de atenção domiciliar vêm apresentando

crescimento significativo.

Uma breve revisão sobre as experiências de atenção domiciliar traz duas

questões importantes para análise: o caráter de substitutividade que o programa

adquire, em relação às formas usuais de cuidado exercido em uma dada rede de

equipamentos de saúde; e, segundo, o tema da reestruturação produtiva, já que de

modo geral nos serviços analisados são identificadas inovações tecnológicas no modo

de produção do cuidado e alterações no processo de trabalho (MERHY, 2007;

FRANCO et al, 2007).

Para discutir o tema, partimos de um primeiro pressuposto no qual o trabalho em

saúde é dependente do trabalho vivo em ato. Trabalho vivo é o trabalho que acontece

no momento mesmo do ato produtivo, que envolve a criatividade e a produção de

sentido para esse mesmo ato. O trabalho em saúde acontece por meio do encontro

entre trabalhador e usuário e não tem materialidade (ou seja, dá-se exatamente no

momento do encontro, por meio da produção de atos intencionais, destinados a

produzir cuidado). Além disso, existe uma profunda variabilidade nas situações e

grande complexidade nos problemas de saúde, o que aumenta muito a importância do

trabalho vivo na saúde (Merhy, 1997)

Por outro lado, as tecnologias de trabalho em saúde são tipificadas em

tecnologias duras (instrumentos, equipamentos, normas), tecnologias leve-duras

(conhecimento técnico estruturado) e tecnologias leves (relações entre sujeitos que só

têm materialidade em ato) (MERHY, 1997). Assim, o trabalhador em saúde combina

esses diferentes tipos de tecnologia no seu trabalho em ato. A predominância de um

tipo de tecnologia diz das características da produção do cuidado e da forma como a

gestão do cuidado opera formando os projetos terapêuticos que vão incidir sobre

determinado problema de saúde do beneficiário. Um profissional pode ter seu processo

de trabalho capturado pela razão instrumental, tomando os procedimentos como centro

de seu trabalho, por exemplo. Ou operar seu modo de cuidar apoiando-se nas

99

tecnologias mais relacionais, que lhe possibilitam orientar-se pelas necessidades do

usuário e usar os instrumentos e maquinarias como subsidiários do seu processo de

trabalho. Percebemos que as opções tecnológicas são do sujeito-trabalhador e sofrem

influências de uma certa dimensão instituída, modelar, dos serviços de saúde. Por outro

lado, sua atitude é também reflexo das opções ético-políticas que faz, que dizem

respeito ao modo de operar a micropolítica do seu processo de trabalho.

A Saúde Suplementar, como parte do mercado da saúde, sofre no seu modo de

produção do cuidado as influências da dimensão propriamente econômica e financeira

que operam no setor (BRASIL, 2005). Esta dimensão econômica e suas repercussões

não são especificamente objeto deste artigo, mas importa registrar que a preocupação

com a redução dos altos custos da assistência à saúde tem servido como dispositivo

para disparar a reorganização das modelagens de produção do cuidado. Procuram-se

alternativas que não estejam centradas na produção de procedimentos, na utilização de

tecnologias duras, buscando-se uma Reestruturação Produtiva no setor. Uma

Reestruturação Produtiva ocorre quando se encontram novas formas para produzir os

mesmos produtos ou quando se inventam novas formas para produzir novos produtos

capazes, no caso da saúde, de configurar um novo modo de produzir o cuidado, seja

pela incorporação tecnológica (PIRES, 1998) ou por alterações no modelo produtivo

(Merhy, 2002), (Franco, 2003). A atenção domiciliar tem sido trabalhada, em alguns

casos, exatamente nesse sentido.

O objetivo geral deste estudo foi descrever e analisar a produção do cuidado no

Programa de Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica, a partir da micropolítica

dos processos de trabalho. Procurou-se responder às seguintes questões: De que

modo o PAD interfere tanto na cobertura de beneficiários da operadora, quanto na

produção do cuidado? Ele tem capacidade de substituir o modo de produzir o cuidado

via atenção hospitalar e ambulatorial tradicionais? O Programa opera um processo de

reestruturação produtiva na saúde?

Metodologia:

100

Optou-se por um estudo qualitativo, por considerar indispensável a análise em

profundidade de um objeto complexo: o PAD (MINAYO, 1996). Para a coleta de dados

foram utilizados: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental principalmente no site da

operadora e da ANS, entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave e

observação direta.

A escolha por essa operadora se deu em primeiro lugar por já haver registros de

que ela desenvolvia um processo importante de reestruturação produtiva (Brasil, 2005)

e o PAD se insere neste contexto; em segundo lugar por se destacar no cenário

nacional tanto pela mobilização que desenvolve de mudança das práticas de cuidado,

quanto pela representatividade dentro do sistema de cooperativas nacional.

Para analisar o processo produtivo do cuidado e a micropolítica dos processos

de trabalho, realizamos quatro entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave,

após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido: Gestor, Coordenador

do Programa, Coordenador de Equipe e Beneficiário. Esses quatro sujeitos nos

possibilitaram informações do ponto de vista da gestão, do trabalhador e do

beneficiário, abarcando visões múltiplas do PAD. A partir das entrevistas foi possível

definir quatro marcadores analíticos para discussão: Aspectos Organizacionais do PAD,

Gestão da Vida, O Processo de Trabalho e Trabalho da Equipe e Cuidados ao

Beneficiário.

As entrevistas ocorreram no local onde cada informante atua, versando sobre o

histórico do programa, seu funcionamento, a composição da equipe, os fluxos

assistenciais (Beneficiário-Equipe, Beneficiário-Cooperativa Médica, Equipe-

Cooperativa Médica), adesão ao tratamento e alta.

Para realizar a entrevista com o beneficiário, adotamos como critério que este

deveria ser dependente de cuidados do PAD. O entendimento era de que um usuário

mais dependente do PAD, que, portanto, demandaria mais recursos da equipe

assistencial, interroga de forma mais eficaz o modo de produção do cuidado no

Programa. Seria um analisador, no sentido dado pelos analistas institucionais, como

algo que revela o funcionamento de uma organização. Assim teria maior capacidade de

revelar o processo de trabalho e o cuidado “em ato”. Foi feita uma observação dos

procedimentos realizados em domicílio pela enfermeira.

101

Depois de transcritas as entrevistas, foram realizadas repetidas leituras, a partir

das quais os dados foram organizados segundo os marcadores analíticos e analisados.

No plano de análise, verificaram-se também as relações e combinações que aparecem

nos discursos. Para análise da entrevista do Beneficiário, utilizou-se de uma “situação

analisadora” (LOURAU, 1975; BAREMBLITT, 2002; BARUS-MICHEL, 2004), que a

própria vida produziu no cotidiano da prática de cuidado ao beneficiário, isto é, uma

situação inusitada, em que a “linha de produção do cuidado” que opera na relação

assistencial do Programa com o cuidador e beneficiário, foi interrogada na sua eficácia.

A observação é uma técnica metodológica valiosa, especialmente para coletar

dados de natureza não verbal (VIANNA, 2003).

Resultados:

Há um expressivo aumento da oferta de Atenção Domiciliar nesta Cooperativa

Médica, sendo que o Programa iniciou-se em 2002 com 18 beneficiários e finalizou o

ano de 2006 com 3.300 usuários. Nesse período, os impactos nos custos em relação à

clientela atendida pelo PAD, conforme informado pelo Gestor da CM, indicam: “redução

de 54% nas internações hospitalares, mais de 50% de redução das visitas ao pronto

atendimento e uma redução global de custos de 22%”. Além destes resultados, outros

são relatados pelo Gestor, em relação à melhora na qualidade do serviço oferecido,

aumento da resolubilidade, diminuição do tempo de permanência em tratamento,

melhora na qualidade de vida e na qualidade de assistência à saúde dessa população.

Estas questões são melhor discutidas à frente por meio dos seguintes marcadores

analíticos: Aspectos Organizacionais do PAD, Gestão da Vida, Processo de Trabalho e

Cuidados ao Beneficiário.

Aspectos Organizacionais do PAD:

Inicialmente havia um programa chamado ”Home Care”, em que o beneficiário

era internado em casa e ofertava-se toda a estrutura necessária pela operadora à

família: aparelho de ventilação mecânica, maca, suporte de soro, medicamentos

102

específicos, cadeiras, enfermagem e técnico de enfermagem em tempo integral, etc.

Essa modalidade foi encerrada em 2005. O objetivo deste programa era a redução do

custo assistencial, mas resultou mais oneroso que a internação hospitalar, além de

gerar outro problema: a família não assumia o cuidado básico e criava uma demanda

crônica de internações domiciliares. Isso gerou uma dependência do serviço e liminares

judiciais para assegurar a não interrupção do serviço domiciliar. “Era um serviço que

não valorizava o resultado, a linha do cuidado e o acompanhamento” (Coordenador do

PAD). O Coordenador do PAD salienta que a mudança desta modalidade para a

atenção domiciliar também foi importante para a operadora por “diminuir as liminares

judiciais em 80%, aumentar o número de carteiras nesta modalidade, melhorarem a

relação com a família”. Para os profissionais esta mudança ocasionou um foco na

educação em detrimento das ações intervencionistas, centradas apenas em

procedimentos, que era a base do Home Care, e para a família pela perspectiva de

melhora do beneficiário, pois um cuidado centrado em tecnologias mais relacionais

resultou em uma utilização mais adequada de internações domiciliares, para ampliar o

programa na forma de promoção e prevenção.

Nessa mudança, houve a diminuição de ofertas de material da Cooperativa

Médica para a família, o que ocasionou um repasse de obrigações ao beneficiário,

como a responsabilização sobre os insumos necessários para o cuidado:

medicamentos de uso contínuo, fraldas, equipamento e utensílio. Este gasto é pactuado

desde o início com a família, mas representa efetivamente uma transferência de custos,

pois se o caso fosse tratado no hospital esses insumos ficariam por conta da

operadora. De modo similar, o transporte do beneficiário, quando são necessários

exames de tomografia ou Raio X, é feito pela família. Em casos de Urgência e

Emergência pode ser solicitado pela equipe do PAD o veículo da operadora. A

solicitação será sempre avaliada pela Atenção Pré-Hospitalar.

É significativo o fato deste programa ser um benefício concedido pela operadora

ao beneficiário, ou seja, a atenção domiciliar não está inscrita na relação contratual

entre operadora e usuário, não se constituindo assim num direito, e, sim, numa

concessão. Desse modo, a empresa dita as regras sob as quais o Programa deve

funcionar. A adesão é voluntária e a família tem que atender os critérios de elegibilidade

103

do programa para fazer jus ao benefício: a casa tem que ter condições para receber o

paciente (espaço adequado, iluminação e ventilação), a família se responsabilizará

pelos insumos e medicamentos, deverá ter um cuidador e o beneficiário tem que seguir

o projeto terapêutico.

Outro aspecto relevante diz respeito à saída do programa, sendo um marcador

importante para entender um pouco mais o Programa, pois é um momento de grande

tensão no PAD. A Coordenadora do Programa informa que a saída pode ser por Cura

quando o beneficiário está estável ou curado de seu agravo; por Óbito, em casos de

doenças crônico-degenerativas em fase terminal e demência, e nestes casos o

beneficiário é acompanhado pelo Programa até o óbito; ou quando a família ou o

beneficiário não desejam continuar no programa.

O Programa informa que entre os clientes inseridos no PAD, em torno de 2%

deles recebe alta a cada ano, considerando-a rara de acontecer devido ao processo de

elegibilidade ser bem definido para o tipo de beneficiário para o qual o programa está

proposto. Ou seja, na maior parte dos casos a atenção domiciliar é uma alternativa

permanente para os cuidados necessários a certo perfil de beneficiários, como por

exemplo, doentes crônicos.

A Gestão da Vida.

Nessa operadora, o PAD tem quatro programas básicos para a prestação de

serviços de atenção domiciliar, com os quais opera uma certa “gestão da vida” dos

beneficiários. É um trabalho em rede, de suporte e que se tornou extremamente

importante para o funcionamento do Programa. São eles:

Programa de Curativos em Domicílio - criado em 2002. A equipe realiza curativos

em domicílio nos pacientes cronicamente acamados e que desenvolvem úlceras de

decúbito e/ou feridas crônicas. A partir dos resultados desse programa, identificou-se

que os beneficiários continuavam dependentes de cuidados e que suas famílias

demandavam um suporte de referência.

104

Programa de Gerenciamento de Casos Crônicos, criado em maio de 2003, foca

o cuidado continuado aos beneficiários com o seguinte perfil: maiores de 50 anos de

idade, portadores de doenças crônicas e que necessitam de algum suporte à saúde em

domicílio.

Programa de Intervenção Específica, para uma atenção em domicílio nos casos

de situações agudas e que demandariam uma internação hospitalar para terapêutica

endovenosa, apesar de estáveis e em condições de permanecer no domicílio. São

beneficiários com alguma infecção que necessita de antibioticoterapia endovenosa,

pacientes estáveis ou com desidratação aguda demandante de soroterapia

endovenosa.

Ventilação Mecânica, que é a única que leva ao domicílio equipamentos antes

utilizados exclusivamente no âmbito hospitalar.

Processo de Trabalho e o Trabalho da Equipe:

Para assistir um grande número de beneficiários por meio da atenção domiciliar,

a operadora conta com 60 (sessenta) profissionais (assistente social, enfermeiro,

fisioterapeuta, médico, nutricionista, psicólogo) e com 4 (quatro) prestadores de

serviços de Atenção Domiciliar para auxiliar no Programa.

Para ingresso no PAD, o beneficiário passa inicialmente por uma verificação

quanto à sua elegibilidade, ou seja, um profissional enfermeiro verifica se ele está

dentro dos critérios estabelecidos para a atenção domiciliar. Após análise, estabelece-

se um projeto terapêutico que dá acesso aos diversos recursos e profissionais

disponibilizados pelo Programa.

O número de visitas que o beneficiário recebe da equipe depende da

especificidade da situação de cada caso. Independente do profissional

“a equipe tem que conhecer a realidade da pessoa, ver como é a casa dela. Eu não posso falar com uma pessoa que não tem um eletrodoméstico, um processador de alimento como é que ela vai

105

processar o alimento. Tem que transportar para a realidade dela” (fala do gestor).

Outro elemento importante no trabalho desta operadora é a apropriação de

conceitos oriundos da saúde pública, tais como regionalização e equidade. O PAD faz

um decalque (DELEUZE, GUATTARI, 2006), uma reprodução do mapa regional do

município para organizar suas equipes. O número de equipes é relacionado com a

densidade de beneficiários em cada região. Esta forma organizativa possibilita uma

melhor cobertura dos beneficiários e cria a vinculação do beneficiário com a equipe.

O conceito de equidade é utilizado devido à grande diferença sócio-econômica

verificada entre os beneficiários desta operadora. Em alguns casos, o PAD revê a

disponibilidade de insumos, de cuidador e faz uma aproximação com as redes sociais

para assegurar o provimento de insumos para os beneficiários que não poderiam

adquiri-los (já que a operadora não os fornece). Esta articulação é feita pela Assistência

Social que agencia (DELEUZE, GUATTARI, 2006) estas relações de apoio aos

beneficiários que são elegíveis ao PAD.

O Programa é voltado para a orientação do cuidado e toda a equipe participa

nesse sentido. Uma questão importante diz respeito à capacitação do cuidador, do

familiar cuidador do beneficiário com algum grau de dependência. O cuidador é

orientado sobre como fazer um diagnóstico, as orientações, as mudanças, as

adaptações necessárias para cuidar do beneficiário. São muitas orientações: sobre

cuidados gerais, alimentação, medicação, prevenção de quedas, prevenção de

pneumonia, entre outras. Importa informar que o cuidador é fundamental para o

funcionamento do PAD, sendo de responsabilidade da família dispor de um ou contratá-

lo.

Na micropolítica de organização do trabalho, o enfermeiro faz o primeiro contato

e acompanha o beneficiário em todos os momentos, juntamente com o médico. Os

demais profissionais avaliam, prescrevem, capacitam e dão alta, fazendo o

monitoramento por telefone ou quando solicitado pela enfermagem. Neste caso, este

PAD está tornando-se “enfermagem-centrado”, pois foca na ação deste profissional a

produção da linha do cuidado e o acionamento dos demais profissionais. O que

106

acontece de fato é que o enfermeiro passou a ser o gestor do cuidado, gerenciando a

linha de produção que organiza a assistência ao beneficiário em situação de cuidados

domiciliares.

Na seqüência do primeiro contato com o beneficiário e a família, o enfermeiro

realiza 4 visitas para colher informações e criar vínculo. A freqüência de visitas varia

com a modalidade de atendimento. O beneficiário em monitoramento pelo Programa

recebe uma visita mensal. Na modalidade de curativos ocorrem visitas três vezes por

semana. Intervenção Específica é semanal, e no caso de Ventilação Mecânica, tantas

quantas necessário para completar a capacitação do técnico de enfermagem que vai

operar o equipamento.

Os demais profissionais do PAD têm seu processo de trabalho regulado por

números de visitas, que por sua vez são determinados pelo grau de complexidade de

cada caso. Esta é classificada como Alta, Média e Baixa. Maior a complexidade, maior

o número de visitas. Passando de visitas semanais até a visitas trimestrais. A

nutricionista que faz 3 visitas com Avaliação Antropométrica, prescrição da dieta e

treinamento. O fisioterapeuta trabalha em 6 sessões, mas esse número pode ser

variável segundo avaliação do profissional. O médico faz 2 visitas após iniciar o

atendimento e depois as visitas passam a ser mensais ou bimestrais. As visitas da

psicologia se definem caso a caso. Mas há uma média de 5 atendimentos, 3 em caso

de óbito para a família. A psicologia atua quando há um desarranjo familiar, tentando

ajudar a família na aceitação da perda de partes funcionais até o óbito. Auxilia no

cuidado paliativo, no rearranjo da rotina. Atua também na equipe que acompanha

diariamente a perda do beneficiário. O assistente social faz junto com o enfermeiro a

avaliação das condições do domicilio e tem ainda uma grande demanda para

assessorar as famílias e ajudá-las nas providencias para receber o beneficiário em

casa. Esse profissional também auxilia no momento em que a família precisa

transportar o beneficiário.

Cuidados ao Beneficiário

107

Como já justificado anteriormente, para verificar com maior precisão a

micropolítica envolvida na produção do cuidado ao beneficiário, a pesquisa elegeu

como um dos sujeitos da pesquisa um beneficiário. Sugeriu-se à operadora que

indicasse um beneficiário que fosse completamente dependente do PAD, com alto grau

de complexidade e dependência, por considerar que este fosse um “analisador” mais

potente do funcionamento do Programa, na medida em que desafiava o PAD nas suas

demandas. Analisador aqui no sentido dado por Lourau (1975), de algo que revela a

organização. A escolha do beneficiário ficou a cargo da CM, foi respeitado o indicativo

de entrevistado e indicaram um beneficiário portador de Alzheimer em estado avançado

da doença. A entrevista foi realizada com sua a filha e cuidadora, que inicia informando

ser o programa extremamente benéfico, principalmente neste caso, em que o

beneficiário tem dificuldade de locomoção.

Seu ingresso no PAD ocorreu em maio de 2006, mas a família possui a carteira

nessa operadora há 20 anos. Ela explica que para entrar no programa foi necessário

um laudo médico. Esse laudo foi encaminhado para a operadora e em 30 dias foi

retornado, considerando o usuário elegível para o PAD. Após este retorno, foram

realizadas entrevistas com a médica coordenadora da equipe e com a enfermeira, para

a anamnese e avaliação do caso e, conseqüente definição do tipo de cuidado, ou

melhor, do plano terapêutico para o beneficiário. A nutricionista e a fisioterapeuta

também realizaram entrevistas após as conversas iniciais. Entre todos os profissionais,

somente a presença da enfermagem é constante no domicílio, havendo rodízio entre os

demais. A documentação contendo as informações sobre o beneficiário fica em poder

do próprio.

Durante entrevista ganhou centralidade um acontecimento inusitado, que trata de

uma situação em que se fez necessário atendimento de urgência para o beneficiário.

Esta situação se configurou um analisador do modo de produção do cuidado,

notadamente, a por parte da operadora.

A situação analisadora se refere à busca por atendimento de urgência e deu-se

da seguinte forma. O beneficiário precisou recolocar uma sonda nasoentérica, para

alimentação num horário noturno, em que não se conseguiu localizar os profissionais

do PAD para realizar o procedimento. Tornou-se, assim, necessário dirigir-se a um

108

hospital. A operadora se atrasou com a ambulância para fazer o transporte até o

hospital. Não havia sonda disponível no hospital no momento e a cuidadora não

dispunha de dinheiro para adquirir uma, resultando em um novo impasse. A cuidadora

teve que retornar ao domicilio para pegar uma sonda antiga, com a qual foi realizado o

procedimento. Após a liberação do beneficiário para o domicílio, ocorreu novo atraso da

ambulância. Notadamente, que do ponto de visa da cuidadora e do beneficiário, a

situação é limite, pois envolve um grande desconforto que se traduz em sofrimento.

Esta situação vem nos informar que, em um cenário de “normalidade” o PAD

tem respondido satisfatoriamente em relação aos cuidados ao beneficiário, inclusive

segundo a cuidadora; no entanto, ao sair do previsível, para o inusitado, como a

urgência, o Programa encontra dificuldades em responder adequadamente. Verifica-se

a necessidade de novas pactuações e aperfeiçoamento do PAD para intercorrências.

Analisamos a seguir o restante do processo de trabalho para este caso.

O trabalho está centrado em uma equipe formada por enfermeira, médica,

nutricionista e fisioterapeuta. O único profissional programado é a enfermeira, que faz 2

visitas por semana. A médica e nutricionista visitam a cada 2 meses. Esse número de

visitas é considerado satisfatório pela cuidadora, pois há resolubilidade. A fisioterapeuta

fez as sessões de capacitação e não retornou mais.

A troca de informações da cuidadora com a equipe ocorre de forma gradual. Os

membros da equipe utilizam-se de cartilhas para transmitir informações. No momento

dos procedimentos, indicam os insumos que deverão ser utilizados no processo

terapêutico, trocam experiências a partir dos eventos ocorridos com o beneficiário e vão

diariamente indicando a melhor forma de agir, demonstrando os detalhes do trabalho

que é realizado, em um movimento sutil de transferência de procedimentos de cuidado

para a família.

Ao elencar 3 vantagens do programa, a cuidadora coloca: 1) a confiança de

saber que a equipe está disponível 24 horas; 2) permanecer no ambiente natural –

domicílio, e 3) o custo menor do que se estivesse pagando, além dos insumos, o

transporte do beneficiário para exames e procedimentos.

109

Outra questão que se evidencia na relação da cuidadora com a equipe de

trabalhadores, é o fato de haver disputa em relação ao projeto terapêutico. No relato, a

cuidadora informa tentar “manipular” a enfermeira de alguma forma, mencionando sua

tentativa em interferir na condução do caso, mas ao mesmo tempo ela menciona que

não “há muito resultado devido ao rigoroso tratamento protocolar oferecido pela

enfermeira” (cuidadora). Há situações em que a cuidadora dá alguma fruta ou uma

pequena dose da sopa na boca do beneficiário para que ele sinta o sabor dos

alimentos, contrariando as prescrições do nutricionista, médico e enfermagem, que

tentam prevenir algum agravo.

Além das opiniões da cuidadora e dos profissionais do PAD sobre o projeto

terapêutico do beneficiário, ocorre também o atravessamento de opinião de outros

profissionais que acompanham o caso, como os médicos que atenderam o beneficiário

antes de entrar no PAD e parentes que são profissionais de saúde.

Esta questão é cotidiana para os casos de Atenção Domiciliar, pois como há

transferência da responsabilidade de parte do cuidado para o cuidador, produz-se

necessariamente o encontro entre o saber científico da equipe e o saber cuidador que

se inscreve na cuidadora. Torna-se, então, necessária uma pactuação entre ambos

para a condução do caso; processo esse às vezes é tenso, outras vezes harmonioso,

dependendo da disponibilidade de ambas as partes para exercerem a escuta e

negociação do projeto terapêutico.

Considerações Finais.

Encontramos nesta pesquisa uma situação singular na forma de produção do

cuidado, tanto pela amplitude da modalidade de atenção domiciliar, quanto por se tratar

do segmento privado - Saúde Suplementar. O quadro crescente de beneficiários

demonstra uma potencialidade da Atenção Domiciliar dentro da estrutura desta

operadora. Isso se justifica por um lado, pela capacidade do PAD de reduzir custos. Há

no final de 2006 uma estrutura que abarca 3300 beneficiários atendidos pelo PAD, com

110

60 profissionais (multiprofissões) e com meta da operadora de economizar com o

Programa, “900 desospitalizações em 2007”.

Uma breve avaliação dos marcadores analíticos indica que nos “Aspectos

Organizacionais do Programa de Atenção Domiciliar” chama atenção sobretudo o fato

do PAD não estar regulado contratualmente, o que o mantém fora da regulação feita

pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Neste sentido a operadora funciona com

liberdade para operar na sua micro-regulação, questões como a “transferência de

custos” para os familiares e os critérios de Alta do Programa. Estes são os dois pontos

de maior conflito, e que às vezes são decididos por via judicial. A micro-regulação

disciplina a vida dos trabalhadores e beneficiários.

A rede de “Gestão da Vida” funciona institucionalmente, algo que tenta configurar

no seu meio a “linha de produção do cuidado”, operando uma idéia geral de suporte em

rede. Verifica-se que o PAD é dependente de uma rede de cuidados subsidiária ao

Programa, que é desempenhada por seus próprios profissionais ou por terceiros, que

não fazem parte da sua equipe, mas indicam certos grupos de beneficiários, como por

exemplo os crônicos.

Em relação ao “Processo de Trabalho", toda a atividade é disciplinada por

protocolos, que indicam o número de visitas domiciliares, o uso de transporte, insumos

e os recursos de apoio disponíveis. Se por um lado isto impõe certos limites, como as

visitas protocolares, por outro lado, na sua atividade cotidiana, o trabalhador usa da

liberdade que tem, proporcionada pelo seu “trabalho vivo em ato” e faz vínculo com

usuário e cuidador, negocia projetos terapêuticos e assim modifica o “modus operandi”

convencionado. Seu trabalho adquire um perfil próprio, neste caso específico, com

potência criadora de autonomia para o cuidador e de resolubilidade. Isto porque opera

um processo de trabalho centrado nas tecnologias leves, em que a equipe admite a

pactuação com os saberes e práticas do cuidador. Há que ressaltar que, como o

processo de trabalho é comandado pela própria equipe, o perfil assistencial é produzido

de forma singular e está vinculado ao modo de significar o trabalho no PAD, no sentido

da ética do cuidado. Assim, pode haver, como neste caso, um cuidado interativo com o

beneficiário e cuidador, como também pode haver um cuidado operado na lógica

instrumental. Não há um “a priori” definindo o perfil de cuidados operados no PAD.

111

Por fim, a situação escolhida para analisar a micropolítica do Cuidado ao

Beneficiário exemplifica o que foi dito acima. Na situação limite, o modo de cuidar se

manifestou de forma diferente, e o beneficiário e cuidadora estiveram submetidas a

outras lógicas de cuidado, mais instrumentais. Ficou claro que em situações limites, a

imaginária “linha de cuidado” é mais sensível a sofrer rupturas, como ficou demonstrado

na situação analisada.

As normas instituídas de regulação do Programa, em especial as que transferem

custos para as famílias e disciplinam as visitas domiciliares, não impedem que se

processe um novo modo de produzir o cuidado, pelas equipes. Nota-se que, no seu

ideário, coloca-se em primeira instância o cuidado aos beneficiários, sua intenção ético-

política que configura uma intencionalidade de cuidar e substituir as formas

convencionais de atenção hospitalar. Há uma nova forma de, micropoliticamente,

organizar o trabalho.

Verificamos, portanto, haver um processo de Reestruturação Produtiva em curso.

Essa reestruturação caracteriza-se pelo seguinte: 1 – ao deslocar o cuidado do hospital

para o domicílio, novos atores entram no jogo de cuidado e de poder, quais sejam, o

beneficiário e sua família, com destaque para o cuidador. São estabelecidas novas

relações do beneficiário e sua família com a equipe e também com a operadora. Esse

encontro, entre a equipe do PAD e o beneficiário, cuidador e familiares produz uma

intervenção no processo produtivo originalmente pensado pela equipe, o que

proporciona novos modos de fazer o cuidado. 2 - os núcleos profissionais enrijecidos

em torno de saberes e práticas auto-referenciados encontram outros sujeitos no

domicílio, com saberes e práticas de cuidado, com os quais têm que dialogar. Afinal, o

espaço domiciliar é um território específico, onde as relações de poder mudam em

relação ao que é vivido na rede de saúde. Aqui há um certo controle do território pelo

beneficiário e cuidador e sobretudo, destaque para a inter-subjetividade que opera mais

francamente nas relações estabelecidas fora das instituições de saúde, que se

manifesta por tensões e conflitos de um lado e por pactuações e harmonia de outro. É

nesse jogo institucional e subjetivo que o cuidado se produz no cotidiano. 3 – algumas

circunstâncias do cuidado domiciliar favorecem maior impacto do contexto sobre os

trabalhadores e maior permeabilidade às necessidades do usuário (também mais

112

disposto a expressá-las), possibilitando uma maior implicação com o cuidado em saúde

nesta nova cena. Esse novo arranjo pode favorecer o uso das tecnologias mais

relacionais (leves). Isso não é imperativo, obviamente, pois o perfil tecnológico que

opera no processo de trabalho depende da intencionalidade dos sujeitos que trabalham

e sua forma singular de significar o cuidado em saúde. No entanto, observa-se que o

ideário que se forma em torno do PAD e uma certa implicação com seus princípios e

novidade, favorecem a mudança do processo produtivo neste aspecto. 4 – a gestão da

vida, por meio de sub-programas que apóiam o PAD, reconhecendo a sinergia entre

diversos recursos terapêuticos confluindo para o cuidado a um beneficiário, também

configura uma mudança importante, de continuidade do cuidado e responsabilização

contra processos de trabalho parcelares, em que os profissionais e serviços têm

dificuldades em conversarem entre si.

A Reestruturação Produtiva reflete a existência de novos modos de cuidar, de

um novo processo de trabalho e de uma particular configuração das tecnologias usadas

no trabalho em saúde. Mas como o caso estudado, ocorre no contexto do mercado, não

se pode deixar de identificar outro fator impulsionado a reestruturação produtiva, qual

seja a redução de custos. Ela é auxiliar ao processo de gestão atual ao, notoriamente,

operar um modelo produtivo do cuidado mais eficiente para a operadora. Por outro lado,

isto leva para que haja um maior controle do trabalho médico, tendo em vista que o

cuidado à clientela efetivado pelo PAD não envolve remuneração dos cooperados (que

são médicos), pois a atenção domiciliar é conduzida por trabalhadores contratados pela

operadora ou por empresas terceirizadas. Portanto, do ponto de vista da gestão esse é

um processo tenso, mas superado pelos ganhos que o conjunto da Cooperativa tem

tido.

Esta modalidade de cuidado, no domicílio, surge com grande potência no cenário

da produção do cuidado na Saúde Suplementar e tende a fortalecer ainda mais as

práticas focadas em novas modalidades assistenciais.

Referências:

113

BAREMBLITT, Gregório. Compêndio de Análise Institucional: e outras correntes teoria e prática. Belo Horizonte, Instituto Félix Guattari, 2002. 5 ª ed.

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VIANNA Heraldo Marelim. Pesquisa em educação: a observação. Brasília. Plano. 2003

Nota de fim:

Esse trabalho é parte da produção acadêmica do mestrado na linha de pesquisa

Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde da Clínica Médica – Universidade

Federal do Rio de Janeiro, com aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do

Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ.

115

The healthcare delivery in a Medical Cooperative’s Home Care Program

Abstract:

This article aims to describe and analyze the healthcare delivery in a Medical Cooperative’s

Home Care Program. It is the largest Home Care Program in Brazilian supplementary (private)

health system, with 3,300 beneficiaries in 2006. The HCP has been developed due to the need of

“organizing the services utilization” especially by those clients who too often attended the first-

aid services and who were frequently submitted to in-hospital care. So, it is implicit the idea of

corporative costs reduction. The analysis was made through a qualitative study, which used for

data collection the following tools: the bibliography research, documental research, mainly on

the cooperative’s site and the National Agency of Brazilian Supplementary Health, semi-

structural interviews with key-informants, observation on the spot and data collection from

secondary sources. Data analysis reveals the satisfaction of beneficiaries with results obtained in

HCP, cost reduction for Medical Cooperative and transfer of expenses to family. The healthcare

delivery analysis suggests there is an economic restructuring in course, considering important

changes in work processes.

Key-words: home care, health production, economic restructuring of healthcare production,

micro-politics

116

ATENÇÃO DOMICILIAR NA SAÚDE SUPLEMENTAR

Túlio Batista Franco Prof. Dr. da Universidade Federal Fluminense

Emerson Elias Merhy Livre Docente pela Unicamp; Professor Dr. da Universidade Federal do Rio de Janeiro

André Amorim Martins Mestrando em Clínica Médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro

1 INTRODUÇÃO

Há algum tempo produz-se um consenso em torno dos serviços de saúde sobre os altos

custos operacionais. Tanto os serviços públicos e privados adotaram modelos produtivos que

seguem uma lógica segundo a qual há uma alta incorporação e utilização de tecnologias duras e

leve-duras, fazendo-as o centro dos processos produtivos. De outro lado, se ressentem dos custos

elevados com os quais são obrigados a lidar, visto que a lógica centrada na produção de

procedimentos eleva sobremaneira o valor dos produtos da saúde e não conseguem dar uma

resposta eficaz aos seus problemas.

Essa forma de organizar os serviços foi legitimada pela matriz teórica que vem do

relatório Flexner, empregado inicialmente nos Estados Unidos da América (EUA) a partir de

1910 o qual, ao declarar que o ensino médico deve estar voltado à pesquisa biológica e à

especialização do conhecimento, subsidiou a reforma pedagógica do ensino superior de medicina

e criou em escala mundial um lastro teórico que induziu a constituição de modelos

tecnoassistenciais centrados na maquinaria, no saber especializado e na prática prescritiva. O

conhecimento do corpo anátomofisiológico passou a matriciar o ensino e a colonizar as práticas

assistenciais nos serviços de saúde.

117

O alto custo operacional dos serviços de saúde, como já foi dito, gerados a partir deste

modelo, foi sentido primeiro pelo sistema público, dependente do financiamento estatal, que sofre

com a crise econômica mundial, de caráter recessivo, na década de 70 do século XX. Essa

conjuntura reduziu a capacidade de financiamento dos estados nacionais, que passaram a adotar

políticas de austeridade financeira, com restrição de gastos, tornando as políticas sociais - entre

elas a saúde - vulneráveis à intervenção dos governos que vêm a se constituir nesse quadro

econômico e que tem como contexto o recuo do Welfare State implantado em muitos países, no

período pós-guerra, como forma de regular o mercado e garantir as necessidades básicas à

população.

Durante os anos 60 e 70 do século passado, vários vetores de força atuaram para que

novos padrões de atenção à saúde se constituíssem no cenário de organização dos serviços. Entre

eles, a expansão do mercado médico, a incorporação tecnológica em larga escala, os altos custos

da assistência à saúde. Assim, algumas iniciativas de organização de serviços de saúde tentaram

inaugurar novas práticas e modos de produção do cuidado, cujos efeitos poderiam ser

considerados pelo esforço em substituir o modelo hegemônico. Entre eles destacam-se a

Promoção à Saúde, surgida no Canadá nos anos 1970. Dando seguimento a esse esforço foram

discutidas no âmbito da Conferência Internacional sobre os Cuidados Primários em Saúde,

realizada na cidade de Alma Ata, em 1978, outras formas de organização das práticas de saúde,

com objetivos voltados à promoção e prevenção de agravos. No Brasil, a maior expressão de um

esforço realizado com esse objetivo é o Programa Saúde da Família. No entanto, esses modelos

não impactaram substancialmente as práticas clínica stricto sensu, permanecendo seu processo de

118

trabalho centrado na hegemonia flexneriana13, centrado no ato prescritivo, na produção de

procedimentos.

Se na saúde pública a proposta da substituição de certos modelos por outras formas de

organização da assistência ocorreu por esse rumo, o qual citamos anteriormente, no campo da

saúde suplementar, o enfrentamento dos altos custos prevaleceu uma diretriz que foi produzida

no contexto dos negócios, no mundo da economia e dos contratos. Nos EUA, a lógica

prevalecente foi a da “atenção gerenciada”, que busca mudar o modelo através de contratos com

os prestadores, especialmente os médicos prescritores, impondo-lhes um controle da sua

microdecisão clínica, tentando exercer a regulação da sua prescrição transferindo parte da sua

decisão para a figura de um “auditor” da operadora.

Toma-se a possibilidade de transferência do processo de decisão, sobre as ações de saúde a serem realizadas nos serviços, do campo das corporações médicas para os dos administradores, como uma estratégia vital para atacar a relação custo-benefício do sistema. (MERHY, 2002, p.69).

Essa nova prática das operadoras cria um contraditório entre os próprios agentes que

atuam na saúde suplementar. Pois, se o interesse dos fornecedores de equipamentos biomédicos e

de medicamentos é de práticas de cuidado prescritivas, para induzir o alto consumo dos seus

produtos, o interesse das operadoras é de restringir esse consumo. Os médicos por sua vez vêem

restrições na contratualidade instituída pela diretriz da “atenção gerenciada”, pois esses contratos

reduzem sua autonomia no exercício profissional, regulando mais incisivamente o seu processo

de trabalho. Já no Brasil, a atenção gerenciada não é implementada com a radicalidade que o foi

nos EUA, mas buscou associar estratégias de redução da prescrição médica pela via contratual e

13 O chamado modelo flexneriano refere-se ao modelo de ensino médico implementado a partir do Relatório Flexner (EUA, 1910), que sugeria uma formação que tivesse como eixo “a necessidade de enlaçar o ensino com a investigação nas ciências biomédicas”, decorrendo disso um modelo de prática médica centrada no corpo anátomofisiológico e tendo como principal referência o hospital. (NOGUEIRA, 1994, p. 92-3)

119

administrativa, com políticas de indução de novas práticas profissionais que resultassem em um

menor consumo de procedimentos, como por exemplo, a premiação de médicos com menor

prescrição por consulta, oferta de treinamento adicional para os que têm um consumo de exames

acima dos padrões médicos, etc. Tudo isso se associa, ao mesmo tempo, a um movimento de

reestruturação produtiva no setor, que ocorre de forma desigual, em conteúdo e ritmo, mas

perceptível em geral no campo da saúde suplementar. A reestruturação se dá principalmente pela

introdução nas tecnologias de cuidado de programas de promoção e prevenção à saúde, controle

de riscos da população de beneficiários. Notadamente, o primeiro objetivo deste movimento é

pela redução dos custos operacionais na saúde suplementar. (MERHY, 2002 p.81;

BRASIL/MS/ANS, 2005)

É no contexto da busca da substituição do modelo, das práticas de cuidado, enfim, das

tecnologias usadas nos processos de trabalho que surgem as propostas de “Programa de Atenção

Domiciliar” (PAD) que como veremos a seguir, apresentam modalidades extremamente diversas

dependendo da operadora que o adota.

A pesquisa de Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar foi realizada pela Universidade

Federal Fluminense (UFF), em cooperação técnicacientífica com a Universidade Federal do Rio

de Janeiro (UFRJ), com apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Organização

Pan Americana de Saúde (OPAS). Pelo seu caráter pioneiro, trata-se de um estudo prospectivo

que tem por objetivo revelar as modalidades utilizadas para a Assistência e Internação Domiciliar

e verificar o caráter substitutivo das práticas de cuidado nestes modelos, isto é, em que medida há

no PAD uma substituição das tecnologias no interior dos processos de trabalho.

Mas, uma questão se torna central no estudo que se segue, qual seja, a que procura

interrogar: O que é substituição de tecnologias de cuidado? Quem ou o que tem o atributo da

120

“substitutividade”? Como é possível verificar o caráter substitutivo de certos modelos em relação

ao modelo hegemônico?

2 REFERENCIAIS TEÓRICOS

A Atenção Domiciliar está no campo do debate em torno da Reestruturação Produtiva da

saúde. Pires (1998) realizou um estudo em dois hospitais e concluiu que a incorporação

tecnológica resultava na reestruturação da produção, verificada através da mudança nos processos

de trabalho.

A “Reestruturação Produtiva” significa

A resultante de mudança no modo de produzir o cuidado, geradas a partir de inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os produtivos da saúde e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos populacionais. (MERHY e FRANCO, 2006 p.225-6)

Estas inovações podem ser tanto aquelas oriundas da incorporação de novas tecnologias-

máquinas aos processos produtivos, como o verificado por Pires na sua pesquisa, ou a introdução

de novos programas, mudando as usuais práticas de cuidado. A reestruturação produtiva não

significa necessariamente uma ruptura do tradicional modelo produtivo da saúde, ou seja, ela

pode operar mudanças por dentro deste mesmo modelo em que o processo de trabalho

continuaria ainda centrado na lógica instrumental. Por exemplo: em um modelo centrado na

produção de procedimentos, a introdução de novos instrumentos, protocolos, pode mudar o

processo de trabalho sem provocar uma ruptura com sua lógica de alto consumo, de acumulação

e cuidado centrado no campo biológico; ou, a implantação do Programa Saúde da Família pode

121

significar simplesmente a transferência do modelo hegemônico da Unidade Básica para o

território e domicílio, sem significar de fato uma mudança real na forma de cuidar da saúde.

Em outro sentido, as mudanças no modo de produção do cuidado, podem provocar

ruptura com o velho modelo tecnoassistencial, provocando uma reconfiguração no núcleo

tecnológico do cuidado, em que as tecnologias leves (relações) passam a ser hegemônicas no

processo de trabalho, convivendo com as tecnologias duras (instrumentos, maquinaria) e leve-

duras (conhecimento técnico), mas sendo aquela a que comanda a produção do cuidado. Neste

caso, teremos um outro fenômeno o qual denominamos de “Transição Tecnológica”, que pode

ocorrer inclusive por tensão criada no processo de trabalho em um movimento de reestruturação

produtiva no setor (MERHY, 2002). Na Transição Tecnológica há uma ruptura com o modelo

assistencial centrado em procedimentos.

O processo de trabalho na saúde é profundamente marcado pela ação do Trabalho Vivo

em Ato e, portanto, sempre que discutimos a produção no campo do cuidado, os sujeitos

comparecem no centro do debate. Percebemos que ao mesmo tempo em que analisamos a ação

dos sujeitos em cena, no âmbito do trabalho, coloca-se em análise a subjetividade e os processos

de subjetivação implicados nesse processo e que se constituem como campos de força da

micropolítica do processo de trabalho e do modo de produção da saúde. A subjetividade é

histórica e socialmente produzida. Seu núcleo operativo se encontra no desejo processado em

âmbito inconsciente, o qual faz com que as pessoas produzam certas realidades em torno de si

(DELEUZE e GUATTARI, 1972; BAREMBLITT, 1998), podendo esta produção do meio social

se direcionar para diferentes conformações da realidade no âmbito do trabalho em saúde. O

desejo age como uma força propulsora do sujeito, para a sua produção social.

Essa subjetividade opera em redes, animando a micropolítica do processo de trabalho e

expandindo o seu alcance. Esse movimento em redes é constitutivo do processo de trabalho em

122

saúde. Forma-se nas relações entre os trabalhadores, deles com os usuários e em linhas de

conexão para dentro e fora do domicílio, em fluxos abertos como o rizoma, sugerido por Deleuze

e Guattari (1995). Essas redes se formam por fluxos-conectivos que impulsionam determinado

projeto terapêutico e operando assim uma dada linha do cuidado em todo processo que cerca o

usuário (FRANCO, 2006). Compreender o modo como o trabalho vai operando nessa rede é

importante para revelar as linhas e seus pontos de ruptura no cuidado ao usuário.

O caráter de substitutividade de um certo modelo produtivo é dado pela configuração do

trabalho, podendo ser via reestruturação produtiva, configurando uma substituição parcial do

atual modo de produção do cuidado, ou pode-se observar uma transição tecnológica, modelo no

qual haveria uma radical mudança no processo de trabalho. Fazem parte do cenário de mudança,

portanto, o trabalho, as tecnologias de trabalho, subjetividade e uma ética do cuidado, que é o

modo de ser de cada um em relação ao outro, enquanto se trata de saúde. Portanto, a análise do

Programa de Assistência Domiciliar deve-se realizar com base no mundo do trabalho e das

práticas de cuidado, neste caso, tendo como foco a micropolítica.

3 MÉTODO

A pesquisa buscou revelar a experiência corrente na modelagem da Assistência

Domiciliar na Saúde Suplementar, caracterizando-se como um estudo de caso que contempla os

segmentos “medicina de grupo”, “cooperativa médica”, “auto-gestão” e “seguro saúde” no estado

do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

É um estudo qualitativo que utilizou como instrumentos de coleta de dados a pesquisa

bibliográfica, pesquisa documental principalmente nos sites das operadoras e da ANS e

entrevistas com informante-estratégicos, com roteiro semi-estruturado. Foram entrevistados

123

gestores da operadora e da prestadora de serviços de Assistência Domiciliar, Coordenador das

Equipes do Programa de Assistência Domiciliar, Trabalhadores das mesmas e Usuários ou

Cuidadores que participam dos respectivos Programas. Além das entrevistas, foram realizadas

visitas em domicílios, com observação direta do processo de trabalho da equipe na relação com o

beneficiário e sua família. Também foram realizadas visitas técnicas às sedes das prestadoras de

PAD, com acesso a todas as Unidades de apoio ao Programa de Assistência Domiciliar.

O objetivo geral da pesquisa é analisar os modelos de Programas de Assistência

Domiciliar na Saúde Suplementar, tendo como foco os processos de trabalho e buscando verificar

o impacto nas práticas de cuidado.

Os objetivos específicos são de descrever os aspectos organizacionais e de logística

utilizados pela prestadora de “Home Care”; descrever e analisar os critérios de elegibilidade dos

beneficiários ao PAD; analisar o processo de trabalho entendendo-o como o centro de tensões

produtivas do cuidado.

Os dados foram analisados a partir da matriz discursiva dos sujeitos da pesquisa e os

resultados agrupados na dimensão organizacional que reúne os aspectos da logística e infra-

estrutura, e dimensão da produção do cuidado. Buscou-se uma descrição detalhada do processo

de trabalho e sua análise com base na ação tecnológica dos trabalhadores.

4 RESULTADOS

Uma questão preliminar importante é o fato de que a Assistência Domiciliar na Saúde

Suplementar obedece à regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)

para esse tipo de serviço, feita através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) No. 11/2006.

124

4.1 ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DO PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA DOMICILIAR

Para todas as operadoras, os aspectos organizacionais são parecidos, pois indicam a

necessidade de uma estrutura de funcionamento e logística que envolve fornecimento de

materiais, medicamentos (à exceção para os de uso oral), transporte e equipamentos hospitalares

quando os beneficiários são dependentes dos mesmos.

Em relação à gestão do trabalho, as operadoras optam por formar equipes com pessoal

próprio, combinada com contratação de um quadro de profissionais autônomos, cooperativas de

profissionais, ou mesmo empresas especializadas em Atenção Domiciliar. Fazem um

investimento importante na educação em Atenção Domiciliar, com o objetivo de melhor adaptar

os trabalhadores aos Programas. Da mesma forma que busca-se transferir tecnologias de cuidado

aos familiares, no sentido de autonomizá-los como cuidadores. Isso contribui com as estratégias

de “desmame” do beneficiário, ou seja, quanto mais autonomia o cuidador e familiares tiverem

para os cuidados à saúde do beneficiário, mais precoce pode ser a Alta do Programa. Com isto,

tenta-se evitar conflitos entre familiares e programa no momento da Alta, já que é comum

verificar a insistência para que o beneficiário continue tendo a assistência domiciliar, mesmo que

tecnicamente haja indicação de alta.

4.2 MODELO PRATICADO POR UMA COOPERATIVA MÉDICA

A Cooperativa Médica (CM) pesquisada iniciou em 2002 três programas de atenção

domiciliar aos seus beneficiários. A principal justificativa para os programas se encontra na

grande freqüência de internações e em prontos socorros, de certos grupos de beneficiários e

sabidamente essa população poderia ser mais bem assistida em domicílio, evitando supostos

125

transtornos nos prontos atendimentos e internações “desnecessárias”. Esses programas eram

destinados inicialmente a pessoas acima de 65 anos, mas posteriormente passou a ser ofertado

para pessoas acima de 50 anos. Há exceções quanto à idade, desde que se justifique o ingresso no

PAD, em função do problema de saúde do beneficiário, podendo, portanto admitir, por exemplo,

jovens com seqüelas graves.

O primeiro Programa de Assistência Domiciliar que surgiu destinava-se à realização de

Curativos em Domicílio, para pacientes acamados, egressos de internações hospitalares, que

desenvolveram escaras devido ao longo tempo de internação. Na alta foi recomendada a

continuidade do tratamento e troca de curativo em domicilio.

Outro programa é a Internação Específica que surge com a demanda dos pacientes que

desejavam continuar o tratamento em domicílio, em vez de continuar no hospital. São pacientes,

em sua maioria, em terapia endovenosa, estáveis e que podem fazer a troca da medicação sem

precisar fazer esse trabalho no ambiente hospitalar.

O terceiro programa é designado Gerenciamento de Caso e oferece cuidado continuado à

pacientes portadores de doenças crônicas degenerativas e que podem ficar em domicilio para o

tratamento. É onde ocorre grande concentração de beneficiários.

Atualmente, o ingresso nesses programas ocorre por: a) demanda dos beneficiários; b)

indicação dos auditores após realização de análise de casos; c) orientação do responsável

terapêutico de cada beneficiário, frequentemente o médico. Para o ingresso é necessário que o

domicílio ofereça as condições necessárias para o trabalho em saúde.

O aumento da demanda para o Programa de Atenção Domiciliar é crescente e vem

assumindo proporções de alta escala. Em 2003 eram 30 clientes abrangendo os três programas.

Em 2004 o número de beneficiários sobe para 300, 2005 o número é de 2.100. O ano de 2006

fecha com 3.500 beneficiários destes programas. Estipula-se que 50% dos casos são relacionados

126

a Acidente Vascular Cerebral (AVC). De acordo com a operadora, o aumento do número de

beneficiários inseridos no programa gerou uma redução de 54% nas internações hospitalares,

50% da redução de visitas a serviços de pronto atendimento e redução global dos custos

operacionais em 22%.

Para comportar essa demanda crescente a operadora conta com uma equipe de 60

profissionais, entre assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, nutricionistas e

psicóloga. Há também os profissionais de nível médio. Existe demanda para o fonoaudiólogo

para esta modalidade de Atenção Domiciliar. Além deste grupo, a CM tem contrato com mais 4

(quatro) prestadores de serviços de cuidados domiciliários, para casos menos graves. A equipe

conta com logística, infraestrutura e espaço próprio utilizado para funções administrativa e

operacional, que é utilizado para reuniões, treinamento, produção de prontuários e

armazenamento de medicamentos.

Os profissionais são divididos em equipes que servem de referência para o beneficiário

(em torno de 60 beneficiários por equipe) e trabalham em regiões estabelecidas pelo Programa,

seguindo o mesmo modelo de regionalização da administração municipal e do sistema público de

saúde local. A proposta de trabalho para estes profissionais está relacionada principalmente à

prevenção de agravos do beneficiário e treinamento do seu cuidador, sendo que cada um tem uma

atenção e disponibilidade de atendimento diferenciada. A enfermagem exerce uma atuação mais

presente, com visitas regulares no início da internação domiciliar e diminuindo esta frequência

com o ingresso gradativo do cuidador no trabalho junto ao beneficiário. O fisioterapeuta e

nutricionista têm número de visitas estipuladas e pactuadas no projeto terapêutico de cada

beneficiário, previamente programadas. O trabalho do psicólogo é solicitado quando há conflitos

intrafamiliares no contexto da assistência ao beneficiário, e/ou família-equipe. A função do

médico contratado para o trabalho na Atenção Domiciliar difere do médico cooperado. Este,

127

geralmente é o médico assistente do beneficiário, e participa das discussões do projeto

terapêutico que será conduzido em âmbito domiciliar pelo médico e equipe do PAD, mas as

visitas domiciliares são realizadas pelo médico do Programa. Outro recurso disponibilizado aos

beneficiários e familiares é a assistência por telefone, através do qual eles podem tirar dúvidas e a

equipe utiliza para o monitoramento da qualidade dos serviços prestados.

Os profissionais dispõem para o seu trabalho uma estrutura bem organizada oferecida pela

CM: ajuda de custo para o deslocamento até o domicílio do beneficiário, telefone empresarial,

insumos alocados dentro da Sede da Atenção Domiciliar, sede própria com estrutura logística

operacional. Desde o início do programa em 2002 somente 4 (quatro) profissionais desligaram-se

e isso se deu por motivos pessoais, demonstrando que há uma adesão do profissional a esta

modalidade de atendimento.

Aos beneficiários são oferecidas medicações de âmbito hospitalar, ambulância em caso de

urgência ou quando há necessidade de fazer exames em clínicas especializadas e equipamentos

hospitalares, inclusive para o caso de ventilação mecânica. Mas, para a realização da Atenção

Domiciliar, a família tem como contrapartida oferecer a medicação de uso diário e de fácil acesso

(gaze, antitérmico, analgésicos, algodão, etc), mobiliário (cama, cadeiras específicas) e

alimentação.

Devido à grande diversidade da clientela, no aspecto sócioeconômico, a operadora utiliza

o conceito de equidade para os cuidados em domicílio. Com isso, há uma flexibilidade no trato

dispensado ao beneficiário quanto ao fornecimento de medicamentos e a disponibilização de

cuidador. Isso passa a ser tratado de forma específica para cada caso. Nesta perspectiva, com o

trabalho dos Assistentes Sociais é mapeada uma rede de apoio na comunidade local, junto ao

Sistema Único de Saúde, asilos, associação de moradores. Através dessa rede são identificados

prováveis cuidadores, fornecedores de medicamentos e insumos para os beneficiários, que

128

apresentam uma renda familiar incompatível com os custos gerados para os cuidados

domiciliários.

A Alta está relacionada ao tipo de modalidade na qual o beneficiário está sendo atendido.

Os beneficiários que fazem parte do Gerenciamento de Casos são, em sua maioria, sequelados de

AVC, com estado avançado de Alzheimer, demências e já é esperado pela equipe que o cuidado a

estes beneficiários ocorra até o óbito. A Alta, neste caso é considerada rara, já estando prevista

longa permanência no PAD, devido à avaliação feita no processo de elegibilidade do beneficiário

ao ingressar no programa, em média 2% dos casos se enquadram nesse perfil. Já os beneficiários

da Intervenção Específica têm data para ingressar e desligar do programa devido ao seu perfil, ao

cuidado específico que lhe foi prescrito, normalmente terapias endovenosas, soroterapia e

curativos. Há um terceiro caso de Alta que ocorre quando o beneficiário é transferido para outra

estrutura da CM, por exemplo se necessária uma internação hospitalar ou reinternação. Neste

caso é dada a Alta ao beneficiário, ele é transferido e posteriormente, caso haja necessidade,

poderá retornar ao programa. Ressaltando que a Alta pode ocorrer quando o beneficiário ou a

família solicitam a saída do programa.

O nível de satisfação do beneficiário nesta modalidade de Atenção Domiciliar é

considerado alto, devido às formas de relacionamento entre equipe e família, com a referência e

vínculo de um profissional para cada beneficiário, o que gerou um aumento de beneficiários por

demanda espontânea. Com o PAD houve também uma redução de mandatos judiciais contra a

operadora, reivindicando assistência domiciliar.

Entrada na AD

- Demanda Espontanea- Encaminhamento- Convite de um auditor

Avaliação da enfermagem

O beneficiário

tem elegibilidade?

Sim

Nâo

Avaliação do domicilio

O domicilio oferece

condições?

Sim

Não

Programação dos

profissionais

Realização de visitas e

Gerenciamento de Casos

Encaminhado para clínica médica ou

hospital

. . .

129

Figura 2: Fluxo resumido de ingresso no PAD em uma Cooperativa Médica

4.3 MODELO PRATICADO POR UMA OPERADORA DE MEDICINA DE GRUPO

Critérios de ingresso e rede de cuidados: Os critérios de elegibilidade para ingresso no

programa de cuidados ou internação domiciliar na operadora de Medicina de Grupo pesquisada,

contemplam os beneficiários dependentes de internação hospitalar prolongada; perfil nosológico

que torna possível realizar os cuidados necessários em ambiente domiciliar, por exemplo:

tratamento de feridas, antibióticoterapia, suporte pós-internação, acompanhamento para

beneficiários portadores de doenças crônicas. Estes contam ainda com o chamado “Projeto

Gestor”, através do qual eles se vinculam a um ambulatório onde são acompanhados através de

cuidados específicos e é monitorada a sua saúde, feita a dispensação de medicamentos e controle

do seu estado em geral.

Para ingressar no programa, é necessário que o beneficiário tenha indicação de algum

médico da operadora. Após essa indicação ele passa por uma avaliação da equipe do programa,

inclusive análise das suas condições sócio-econômicas e de moradia, que é feita com o objetivo

de avaliar a viabilidade em manter o beneficiário sob cuidados de uma equipe de saúde no seu

próprio domicílio. Verifica-se o espaço físico da casa (iluminação, ventilação, etc.), a estrutura

familiar, a presença de um cuidador (nos casos em que a família opta por não contratar um

cuidador). A prestadora tem uma grande flexibilidade no julgamento da elegibilidade de cada

beneficiário, na medida em que é economicamente vantajoso para ela mantê-lo no programa.

De acordo com o Gestor, os critérios clínicos de elegibilidade para ingresso no PAD não

possuem regras estabelecidas, não está escrito num protocolo, ficando a decisão da incorporação

do beneficiário no Programa, ao cargo da equipe de avaliadores, que é composta por uma

130

enfermeira, um médico e quando necessário o fisioterapeuta. A decisão é tomada pela equipe, em

conjunto com a prestadora/operadora.

Há famílias que se negam a receber o beneficiário em casa, pretendendo que o mesmo

continue no hospital. Nestas situações os profissionais da operadora realizam um esforço de

convencimento da família, mas, contudo se esta não aceitar, o beneficiário não terá ingresso no

PAD.

Médico prescreve

Assistência Domiciliar

Operadora solicita

avaliação do Home Care

Prestadora instala

Assistência Domiciliar

Equipe avalia condições da

família assumir

Tem elegibili-dade?

Casa Viável?Família

assume?

FIGURA 1: Fluxo de ingresso do beneficiário no Programa de Assistência Domiciliar em uma Operadora de Medicina de Grupo

A operadora conta com a seguinte estrutura de serviços, para apoiar o Programa:

Call-center: disponibilizado 24 horas para orientação aos cuidadores que trabalham no

programa, beneficiários e familiares atendidos.

Fallow up: o beneficiário que tem alta do programa, possui um acompanhamento pelo

programa que faz contato com o mesmo no 3º, 7º, 15º, e 30º dias, com objetivo de avaliar suas

condições após a Alta.

Prontuário eletrônico: O prontuário eletrônico é um recurso importante para o trabalho

no programa, pois possibilita a qualquer membro da equipe acessar as informações pertinentes ao

beneficiário, assim como o apoio do call center para orientação ao mesmo ou seu familiar.

Ouvidoria : tem a função de receber sugestões e críticas ao programa, repassando as

mesmas para a coordenação e/ou outros órgãos internos de acompanhamento.

131

Gestão do Trabalho e Educação na Saúde: Em relação à educação e treinamentos dos

seus profissionais, a operadora conta com o suporte da equipe que fica na “Base” (sede do PAD),

que organiza treinamentos iniciais e continuados para os profissionais.

Os treinamentos continuados buscam motivar os profissionais através de premiação, isto

é, aqueles que são mais assíduos e têm melhor desempenho são premiados. Há ainda um

programa de estímulo ao estudo superior, através do custeio de uma parte da mensalidade da

faculdade. São candidatos a esse apoio, os técnicos que possuem vínculos com a operadora de no

mínimo três anos.

Um problema importante enfrentado pelo programa diz respeito à “Alta”, pois os

beneficiários que tiverem ingresso no PAD têm uma grande resistência em sair do Programa,

mesmo que não haja mais indicação para continuar sob cuidados domiciliários. Há casos de

recursos ao sistema judiciário para manutenção do Programa de Assistência Domiciliar.

Os profissionais começam a trabalhar a Alta desde o ingresso no Programa, procurando

transferir conhecimento, tecnologias de cuidado a familiares e realizando um trabalho de

“desmame” que é uma Alta gradativa, para amenizar os seus impactos. Nesse sentido, a própria

operadora mantém outros programas de suporte à clientela, que tentam deixar o beneficiário e

seus familiares mais confortáveis e seguros, para assumirem os seus cuidados após a Alta do

programa, que são:

a) Projeto Gestor: é o monitoramento pelo telefone, de pacientes crônicos, em sua

maioria, idosos. Tem como objetivo principal, gerenciar esses pacientes para evitar

intercorrências e internações.

b) Total Care: é um ambulatório especializado que possui duas sedes. É direcionado para

o tratamento de pacientes crônicos, em geral, diabéticos, hipertensos, cardiopatas. Tem uma

preocupação com a qualidade de vida, realizando atividades de grupos e apoio psicológico.

132

c) Projeto Onco Care: é direcionado para pacientes com câncer, que necessitam terminar

o ciclo de quimioterapia ou de cuidados paliativos. É utilizada a mesma estrutura do Home Care,

porém, existem suas especificidades em virtude da complexidade do perfil clínico desses

pacientes.

Processo de Trabalho: O trabalho de coordenação do programa é feito por uma médica

que tem a função de realizar o primeiro contato com a família para explicar a estrutura do Home

Care e apresentar o serviço; intermediar os problemas entre a equipe, familiares, cuidadores,

prestadora/operadora; coordenar o trabalho de logística de enfermagem, fisioterapeutas, médicos;

montagem de enfermagem; verificar a elegibilidade do beneficiário para o Home Care; estar em

contato permanente com os enfermeiros e demais profissionais que estão trabalhando no

domicílio e dividir os casos com eles.

A assistente social contribui com a avaliação do beneficiário, nos aspectos sócio-

econômicos e condições gerais da família para admissibilidade nos programas de cuidados ou

internação domiciliar. A coordenação da equipe e da respectiva área fica ao cargo da enfermeira.

A prestadora contrata em torno de 210 técnicos com vínculo empregatício e ainda em torno de

100 técnicos contratados de terceiros. Quanto às diferenças dos vínculos empregatícios dos

técnicos de enfermagem a operadora admite o impacto negativo dessas duas formas de

contratação no processo de trabalho da equipe.

O profissional de enfermagem é considerado de extrema relevância para a operadora,

sendo os cargos de coordenação das áreas, ocupados por eles. Os profissionais de enfermagem

que estão na assistência direta, possuem funções vinculadas ao treinamento do cuidador sobre o

manuseio, a manipulação, a orientação, a higiene do paciente e de todo instrumental e estrutura

de cuidados. Os treinamentos oferecidos para os cuidadores dos usuários do PAD, são realizados

também pelo profissional de enfermagem, tendo normalmente 15 dias de duração.

133

Todos os profissionais reconhecem que os enfermeiros possuem maior vínculo com os

beneficiários e com as famílias. Esse reconhecimento é justificado, pelo fato deles estarem mais

próximos do ambiente familiar. Para a operadora o enfermeiro é visto como figura central no

processo de produção do cuidado. Seja pela intermediação que faz com os demais profissionais,

seja pelo vínculo que constrói com a família e beneficiário.

Os profissionais consideram que os treinamentos ofertados pela operadora ficam restritos

aos aspectos clínicos e epidemiológicos, contemplando pouco as questões relacionais, que são

também demandas importantes do Programa. Informam que não há um suporte psicológico

para cuidar de questões que são singulares às relações equipe-família-beneficiário, no ambiente

domiciliar.

A integração entre os profissionais da equipe é valorizada na construção e modificação do

plano terapêutico, na medida em que os profissionais são chamados a discutir, por exemplo, a

melhor forma de organizar o seu processo de trabalho.

A operadora não estimula o estabelecimento de vínculos entre os profissionais do PAD e a

família e/ou beneficiário, principalmente o profissional técnico de enfermagem que está mais

próximo. Ela avalia que o vínculo pode interferir negativamente nos trabalhos a serem realizados.

4.4 Modelo Praticado por Operadora de Auto-Gestão.

Critérios para o Ingresso no Programa. Inicialmente a operadora mantém uma

permanente comunicação com a equipe dos hospitais com os quais está conveniada,

fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, para informar sobre o Programa de Atenção Domiciliar.

Em casos de pacientes que tenham o perfil para ingresso no programa é realizado um

levantamento das suas informações, especialmente o consumo de internações hospitalares,

134

através dos prontuários. Nos casos elegíveis para a atenção domiciliar é realizada uma visita à

família para verificar as condições físicas e logísticas do domicílio, conhecer a disponibilidade da

família em ter uma pessoa sob seus cuidados diários, identificar a presença de um responsável na

família com disponibilidade e motivação para cuidar do beneficiário. Quando o beneficiário está

lúcido a equipe também conversa com ele, para verificar as condições subjetivas de permanência

no domicílio sob cuidados da família, por exemplo, as relações intra-familiares, o desejo do

beneficiário em ficar no domicílio sob cuidados, etc. Depois de realizada a visita familiar é

traçado um plano terapêutico, onde levantam todos os recursos necessários aos cuidados

domiciliários, que devem ser mobilizados pela operadora, desde os profissionais, equipamentos,

medicamentos. Em cima desse levantamento é discutido com a família o plano terapêutico e a

viabilização do mesmo. É absolutamente necessário o acordo do beneficiário e da família para o

ingresso no PAD.

Levantamento de casos

através de prontuários.

Caso elegível?

Avaliação do domicílio e

família.

Tem um cuidador?

Discute-se um plano

terapêutico.

Há acordo

no plano?

Beneficiário é admitido no PAD/PID.Franco, T. B., 2007.

Figura 3: Fluxo de Ingresso do beneficiário ao Programa de Atenção ou Internação Domiciliar da

operadora de auto-gestão pesquisada

O programa de atenção domiciliar divide o perfil dos usuários em quatro grupos elegíveis

para o programa, sendo eles:

Crônicos: são aqueles portadores de condições irreversíveis e que podem ser evolutivas

como: comatosos, pulmonares crônicos, renais crônicos.

135

Portadores de necessidades especiais: são os que apresentaram alguma doença ou

acidente, foram tratados, mas sofreram alguma lesão permanente como: tetraplégicos,

paraplégicos, vítimas de AVC, amputados, etc.

Reabilitáveis: são doentes que apresentaram alguma doença ou acidente, foram tratados e

adquiriram estabilidade clínica, mas sofreram lesões que provocam longa convalescença como:

queimados, politraumatizados, ortopédicos, portadores de infecções que necessitaram de

debridamentos e drenagens extensas, portadores de pés diabéticos, úlceras varicosas, etc.

Terminais: são os pacientes em fase final (fora de possibilidades terapêuticas), quando

não há mais chances de se evitar o óbito, mas que necessitam de cuidados gerais e alívio dos

sintomas, como: neoplásicos, pulmonares crônicos, renais crônicos, portadores de AIDS, etc.

Modelos de Atenção Domiciliar da Operadora. O programa da operadora tem duas

modalidades de atenção domiciliar. Uma que é chamada de suporte domiciliar e outra de

assistência domiciliar ou internação domiciliar. O divisor de águas entre essas duas modalidades

está na “modalidade de complexidade do paciente” e toda a necessidade que vem a partir desta

situação. Essas modalidades de atenção domiciliar são definidas pelo programa como:

Suporte Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde, que pode ser, desde cuidador, até,

aquisição de medicamentos de uso contínuo, empréstimo de materiais hospitalares (cama, cadeira

de rodas, cadeira higiênica, ou outros), terapias complementares em âmbito domiciliar

(fisioterapia, fonoaudiologia, etc.), sendo as necessidades de enfermagem definidas pela

freqüência de uma visita por dia até uma visita por semana.

Assistência Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde mais intensivo, onde haja

necessidade de enfermagem (podendo variar de 24 horas por dia a uma visita periódica), além de

assistência médica e de outros profissionais de saúde, mesmo contando com a presença de um ou

136

mais cuidadores treinados ou em treinamento. Destina-se a pacientes que de outra forma estariam

internados em hospital.

Um paciente de suporte domiciliar tem o cuidado estruturado através de uma equipe

multiprofissional, mas uma assistência entendida pela operadora como “simplificada”, pois

dispensa um “substrato tecnológico maior”. Já o paciente da internação domiciliar tem uma

estrutura mais forte atrás dele e tem uma equipe que presta cuidados quase que intensivos ao

paciente.

Vale ressaltar que a operadora tem como modelo tecnoassistencial o “Programa Saúde da

Família (PSF)”, que tem como principal diretriz a vinculação de certa clientela a uma equipe de

saúde em toda sua rede assistencial e apóia o PAD. A equipe desse programa é composta por

técnicos de enfermagem, nutricionista, psicólogo, enfermeiro, assistente social, médico,

subdivididos por áreas programáticas, delimitadas territorialmente.

Essa modalidade assistencial é considerada bastante importante para o programa de

atenção domiciliar, na medida em que há beneficiários que podem ser acompanhados pelo

“Programa Saúde da Família” contribuindo para a Alta do PAD e para a continuidade do suporte

assistencial.

Existe um grande número de pacientes que estão na modalidade de suporte domiciliar,

oferecida pela operadora, que vem sendo monitorada pela “estratégia saúde da família”.

Processo de Trabalho no PAD/PID. A coordenação do programa é responsável por

realizar a gestão do cuidado, participando das visitas domiciliares para fazer a avaliação da

relação custo-benefício da atenção para cada usuário, o plano terapêutico, fazendo as referências

e requisitando o trabalho de outros profissionais. Entre suas funções encontra-se a de apresentar

planejamento operacional e avaliar o desempenho dos profissionais da equipe.

137

Equipe de Coordenação

Empresa Home Care

Prestadores Privados

Cooperativas

Beneficiário

Familia/cuidador

GESTOR DO CUIDADO

REDE PSF

Franco, T.B., 2007

FIGURA 4: Organização e fluxos de cuidado estabelecidos pelo Programa de Atenção e Assistência Domiciliar da operadora de auto-gestão pesquisada

Para a operadora, a Assistente Social é considerada o canal de comunicação com a família.

Ela tem uma carga horária superior ao resto da equipe, que são 40 horas semanais. Ela tem como

atribuições: realizar visitas domiciliares e hospitalares para perceber as situações de vida da

família e do usuário, que vai desde a questão financeira, até o vínculo familiar, a disponibilidade

da família em cuidar no domicílio; sensibilizar a família para a desospitalização; dar suporte

psicológico à família; resolver a entrega de material, equipamento e serviços; agilizar as

autorizações dos procedimentos.

O enfermeiro é responsável pela discussão com a família sobre a racionalidade do uso dos

medicamentos e equipamentos, supervisiona e avalia o técnico de enfermagem que está na

residência, implementa ações de educação em saúde. Avalia a evolução da terapêutica médica,

138

trocando informações com o médico da equipe. É responsável também, pela fiscalização do

prontuário e formulários conforme a atuação da equipe.

O psicólogo dá suporte para a família, para o usuário e também, para a equipe interna.

O médico tem como atribuições, fazer anamnese do paciente com enfoque no doente e

não na doença; identificar as necessidades e os tipos de suporte domiciliar como, medicamentos,

nutricionais, terapias complementares, aparelhos, profissionais; elaborar um planejamento

terapêutico; promover a continuação dos cuidados; avaliar a qualidade do serviço médico

realizado pela assistência terceirizada; participar do treinamento do cuidador e da promoção da

saúde do usuário.

4.5 MODELO PRATICADO POR OPERADORA DE SEGURO SAÚDE

Contextualização

A seguradora de saúde pesquisada possui um universo de 2.550.743 beneficiários no

Brasil14. Esse contingente de beneficiários representa cerca de 50% do total de beneficiários das

14 seguradoras de saúde existentes no país (BRASIL, 2005).

Para a internação domiciliária foram contratadas algumas empresas prestadoras de

serviços, uma das quais foi objeto desta pesquisa.

Essa empresa é formada pela parceria de um grande grupo privado brasileiro (que opera

nas áreas financeira, imobiliária, de seguros, entretenimento e de saúde) com outro grupo

europeu, com experiência na área de saúde. Está a 14 anos oferecendo serviços de Home Care em

7 (sete) cidades no Brasil, é conveniada de diversas operadoras de saúde além de oferecer

14 Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários-ANS/MS-06/2006; Cadastro de Operadoras - 06/2006.

139

serviços também a pessoas físicas. Possui cerca de 150 pacientes em internação domiciliar no Rio

de Janeiro e Grande Rio. Possui uma equipe multidisciplinar em cada unidade formada por

médicos, psicólogo, enfermeiro, técnico de enfermagem, nutricionista, fisioterapeuta e assistente

social. A maioria dos profissionais desta equipe é composta por contratos terceirizados, seja por

cooperativas, seja por empresas.

Programa de Internação Domiciliar nesta operadora de seguro saúde, surgiu a partir da

demanda de um paciente cuja família solicitou à seguradora a aquisição de um respirador, pois

bastava isso para o paciente permanecer em domicílio já que a família manuseava o equipamento

com destreza. Atendida a solicitação da família, a seguradora fez os cálculos atuariais e verificou

que o custo dos cuidados a este beneficiário eram muito menores com a assistência em domicílio,

do que os custos hospitalares. Este foi o primeiro caso, o qual deu início ao PAD na seguradora.

O gestor da seguradora informa também a importância do movimento do mercado na saúde,

como determinante na oferta desta modalidade de internação domiciliar.

Critério de Ingresso: Um pequeno grupo de profissionais, funcionários da seguradora,

verifica sistematicamente o custo e tempo de permanência em internação hospitalar dos

pacientes. Caso um paciente esteja a um tempo maior do que o esperado e, portanto,

representando um custo elevado para a seguradora, imediatamente um auditor é acionado para

verificar se o paciente em questão possui condições clínicas para seguir com o tratamento em

domicílio. Outra possibilidade de identificar um paciente é através dos médicos auditores que

fazem visitas freqüentes aos hospitais de grande faturamento para a seguradora e aos pacientes

nele internados e verificam se há possibilidade de transferir o paciente para um tratamento em

domicílio. Se houver essa possibilidade, a seguradora aciona a empresa prestadora de serviços de

internação domiciliar que se encarrega de avaliar com mais minúcias técnicas as possibilidades

140

de substituir a internação hospitalar por domiciliar. Outra possibilidade é o desejo da própria

família ou a indicação do médico assistente.

Esta avaliação é realizada por um enfermeiro que segue um protocolo de avaliação

clínica, psicológica, social do paciente e da família. Esse mesmo profissional, conversa com a

família e se for possível com o paciente também, sobre essa possibilidade de transferência para o

domicílio. Segundo os entrevistados é a família do paciente quem confirma o ingresso do mesmo

no PAD.

O fluxo de ingresso no Programa de Internação Domiciliar (PID) é o seguinte: A

seguradora indica o paciente que será beneficiado com a internação domiciliar, a prestadora

ratifica a indicação da operadora e esta então autoriza a internação domiciliar. Nesse caso a

prestadora encaminha uma relação de necessidades e um plano terapêutico para a aprovação da

operadora. Esse processo às vezes é moroso, acarretando situações em que durante o processo

entre a operadora e prestadora, o beneficiário tem Alta hospitalar, não necessitando mais do

Programa.

A clientela alvo da internação domiciliar são os doentes crônicos (80%). Pacientes com

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), com seqüela de AVC, cardiopatas,

parkinsonianos ou com outras doenças neurológicas que demandam certos tipos de

procedimentos como hidratação venosa, medicação de uso venoso, nutrição parenteral, uso de

respirador ou algum suporte respiratório. Outro tipo de paciente que freqüentemente vai para

casa, é o “doente terminal”. Casos agudos de pacientes que demandam uma antibióticoterapia,

ou quimioterapia, como nos casos de portadores de neoplasias são considerados também

internação domiciliar, no entanto em regime de 6 (seis) a 12 horas de assistência do técnico de

enfermagem.

141

Toda internação domiciliar, exceto as situações pontuais mencionadas logo acima,

iniciam-se com a permanência de técnico de enfermagem por 24 horas, com escalas de trabalho

12/32 conforme rege as leis trabalhistas para essa categoria profissional. À medida que o paciente

vai estabilizando e a família incorpora a rotina de cuidados, o cuidado do técnico de enfermagem

passa para 12 horas, posteriormente para 6 (seis) e finalmente para 2 (duas) horas quando o

paciente demanda apenas um procedimento que justifique a visita do profissional.

Para monitorar o chamado “desmame” do técnico de enfermagem, um médico visitador,

contratado pela operadora, também via terceirização, visita freqüentemente o paciente para

avaliar o plano terapêutico e os relatórios enviados pela prestadora com o estado e necessidades

do paciente. Caso a Alta não seja feita em tempo previsto e de acordo com a sinalização do

médico visitador, sobre uma possível lentidão no processo de alta, a operadora cobra da

prestadora uma multa diária que representa de 5 a 10% do total do faturamento.

Produção do Cuidado: A prestadora de “Home Care” trabalha no padrão tradicional de

cuidados domiciliários e tem obtido resultados importantes que são reconhecidos pelos

trabalhadores e usuário entrevistados. O usuário que foi observado e entrevistado trata-se de uma

pessoa com grande seqüela e restrições motoras e que mesmo nessa situação, conseguiu

manifestar seus sentimentos de satisfação ao ser transferida de cuidados hospitalares para a

assistência domiciliar, demonstrando que o programa gera satisfação e que há uma preferência

pelo domicílio, em relação ao hospital. Os trabalhadores usam intensamente a liberdade que têm

no seu processo de trabalho específico, para exercer o cuidado, se relacionando com a família e

em muitos casos interagindo com seu modo singular de cuidar.

Há, no entanto, um atravessamento importante quanto à normatização do Programa, visto

que, a operadora é monitorada pela seguradora, que estabelece metas a serem cumpridas na

produção de cuidado e os resultados são estabelecidos para serem cumpridos em um determinado

142

número de “dias de internação”, o que induz a um stress nos profissionais para o exercício do

cuidado. Essa lógica de cuidado, no entanto choca-se com outros interesses em jogo no espaço da

micropolítica, como por exemplo, o da necessidade do cliente, que muitas vezes não se cumpre

com o “fechamento da ferida em x dias”, o que leva a que o usuário venha a recorrer

judicialmente para manter o Programa. Vale ressaltar que a internação domiciliar pode extrapolar

os tempos inicialmente programados, tendo para isto que haver uma autorização a ser emitida

periodicamente.

5 CONCLUSÕES

Os modelos tecnoassistenciais na saúde suplementar são muito diversos. Essa diversidade

ocorre porque os PAD’s são estruturados conforme as diretrizes específicas de cada operadora,

mediadas pela microregulação que exercem na contratualidade com prestadores e beneficiários. É

no contexto da organização dos serviços na saúde suplementar, que são estruturados os

Programas de Assistência Domiciliar. Importa registrar para a análise que, por se tratar de ofertas

de serviços de saúde privados, os PAD’s estão sujeitos às variáveis econômicas e financeiras,

próprias de mercado, do campo econômico. Nós podemos observar na pesquisa, que elas estão no

centro de decisões dos gestores das operadoras, pois uma primeira conclusão que podemos ter e

que é comum a todas as operadoras estudadas, diz respeito ao fato de que a motivação

econômica, pela redução dos custos operacionais dos serviços de saúde, está no centro da decisão

pela implantação dos Programas de Assistência Domiciliar. Outras questões comuns a todas

operadoras pesquisadas são:

Nos aspectos organizacionais. Critérios de ingresso dos usuários: Nesse quesito, a

prioridade está sempre na população idosa, mais suscetível ao adoecimento e muitas vezes são

143

portadores de doenças crônicas que demandam cuidados prolongados, mas mesmo havendo um

critério de elegibilidade pela faixa etária, o item que define o ingresso do beneficiário pela

internação prolongada, alta utilização de recursos de emergência ou mesmo hospitalares são

determinantes para a decisão da inclusão no PAD.

Grande infra-estrutura e logística: Os cuidados domiciliários são extremamente

dependentes de certa infraestrutura e logística, que já são quesitos importantes para o

funcionamento dos Programas de Assistência em domicílio e mais fundamental quando se trata

de Internação Domiciliar, o que envolve muitas vezes prótese respiratória e outros equipamentos

de maior densidade “tecnológica”.

Equipes multiprofissionais: No caso da Assistência Domiciliar o cuidado é organizado por

equipes multiprofissionais, trazendo para o trabalho os vários saberes e fazeres da saúde. Há um

grande reconhecimento ao múltiplo conhecimento e uma interdependência entre os profissionais

para o cuidado ao usuário. Forma-se uma rede entre os profissionais de conexões produtivas,

autogerida e com comunicação intensa.

Apostas diferenciadas quanto ao modelo: Os modelos de Assistência Domiciliar vão

refletindo uma grande diversidade entre as operadoras e indicam qual a aposta que fazem para

seus PAD’s.

Vale ressaltar que a operadora de Medicina de Grupo pesquisada, assim como o Seguro

Saúde, investem em um modelo tradicional de “Home Care”, tendo uma prestadora que possa

realizar a assistência domiciliar nos moldes tradicionais de cuidados a uma clientela que atende

aos critérios de elegibilidade, conforme já discutidos acima. Fazem a aposta básica de redução de

custos da população de usuários que, pelo seu perfil nosológico, são clientes com alto consumo e

custos.

144

Já a operadora de Cooperativa Médica, trata-se de um caso atípico na saúde suplementar,

ao ter no seu quadro de clientes, 3.500 em regime de assistência domiciliar. Tendo essa operadora

organizado um sistema regionalizado, territorialmente referenciado para conseguir ampliar e

cuidar dessa clientela. É uma aposta diferenciada, pois tende a encarar o programa não apenas

para a redução dos seus custos, mas com essa amplitude pode-se inferir que há também um

sentido na melhoria da assistência, na qualificação do cuidado que se realiza. Estima-se que esta

Cooperativa Médica foi a operadora que mais apostou no Programa de Atenção Domiciliar como

um dispositivo da reestruturação produtiva, modificando em larga escala o modo de produção do

cuidado.

Uma outra aposta que também se diferencia no que é mais comum se ver na saúde

suplementar, diz respeito à operadora de auto-gestão, que embora tenha uma pequena clientela

sob cuidados do Programa de Assistência Domiciliar, tem uma grande retaguarda deste programa

no modelo tecnoassistencial que adota, o “Programa Saúde da Família”, que por si só já constitui

cuidados domiciliários e serve de uma retaguarda ampla e eficaz ao PAD. Nota-se aqui que há

também um sentido na qualificação da assistência e na produção do cuidado à sua clientela.

O plano da produção do cuidado: Uma primeira e importante questão diz respeito ao

reconhecimento unânime de que, do ponto de vista dos beneficiários, a Assistência Domiciliar é

melhor do que a Assistência Hospitalar. Isso é dito pelos usuários do programa e cuidadores

entrevistados. Um exemplo importante para ilustrar essa afirmativa vem da entrevista da

cuidadora que tem um usuário em sistema de internação domiciliar há 7 (sete) anos, em quadro

grave de semi-letargia e quando este ingressou no Programa, demonstrou através de singelas

expressões faciais a satisfação pelo fato de ser cuidado em casa. O Programa tornou-se um lugar

seguro para a vida daquela pessoa e colocou-a, sob o conforto da família. É nesse plano dos

sentidos e afetos que se assenta o alto índice de aprovação do PAD.

145

Esse mesmo significado gera um alto grau de adesão as proposta do Programa pelos

trabalhadores, que se constata que os mesmo se apegam aos princípios de cuidado domiciliar

como se fosse um projeto portador de um futuro novo para a saúde, humanitariamente mais

zeloso do que o atual e mais gratificante para o trabalhador. Esse aspecto, de trabalhar em um

projeto que aponta para o futuro, dá ao trabalhador uma motivação adicional na sua participação

no Programa.

Há também lógicas de atravessamento que colonizam certos grupos de trabalhadores com

formas de organização do trabalho que estão centradas na produção de procedimentos, os atos

normativos. Desta forma produzem uma repetição dos tradicionais modelos assistenciais, é como

se fizessem do domicílio um hospital de outro tipo, onde se muda a referência de lugar, mas não a

essência do cuidado. Essas práticas são pouco sensíveis à dimensão das relações como uma

tecnologia de cuidado, à percepção do usuário, da família como sujeitos que têm saberes e são

também detentores de práticas de cuidado válidas.

No cotidiano de trabalho, as dimensões do “cuidado cuidador” e do “cuidado não

cuidador” vão travar o seu duelo consciente e inconsciente, resultando em projetos de cuidado

que podem em alguma medida refletir o conflito ou superar uma dimensão em favor de outra. Na

micropolítica do processo de trabalho vamos percebendo mudanças de práticas, refletidas nas

atitudes de alguns profissionais que sofrem processos de subjetivação pelos valores e a cultura

que traz o ato de cuidar, especialmente na nova interação com a família do beneficiário. Isso

opera mudanças no seu micro processo de trabalho, o lugar singular no qual ele se encontra,

torna-se um locus instituinte de novas práticas de cuidado.

Na análise final podemos dizer que os processos de trabalho operam sob duas tensões: a

primeira, que vem da lógica instrumental, apoiada na motivação econômico-financeira das

operadoras, que é o fundamento para a existência dos PAD’s, sob o ponto de vista das empresas;

146

o segundo que nasce da potência que têm os trabalhadores em governar seu processo de trabalho

e o faz por lógicas inspiradas em uma determinada ética do cuidado, movidas à subjetividades

solidárias, mas há em muitos deles o contágio da dimensão instrumental do processo de trabalho.

Os vetores de tensão formam campos de força sobre o processo de trabalho que resultam em

processos de Reestruturação Produtiva. Mas, de forma incipiente e residual podemos identificar

nos pequenos atos do cotidiano, práticas de cuidado radicalmente novas, que acolhem, criam

vínculos e tentam impor um modo de operar o trabalho, centrado nas tecnologias mais

relacionais. Esses atos instituintes podem levar a movimentos de “reestruturação produtiva”,

contrariando o modo hegemônico de conceber os Programas de Assistência Domiciliar,

inaugurando a partir do seu micro-espaço de trabalho as práticas inovadoras de cuidado. Não

produzem contudo, uma “transição tecnológica”, porque mesmo inovando, permanecem

trabalhando ainda sob as lógicas do sistema produtivo hegemônico.

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148

MERHY, Emerson Elias. Em Busca do Tempo Perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde in Merhy e Onocko (orgs.), Agir em Saúde: um desafio para o público; São Paulo, Hucitec, 1997, p. 71-112.

NOGUEIRA, Roberto Passos. Perspectivas da qualidade em saúde. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 1994.

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Questionários das Entrevistas

Universidade Federal Fluminense Instituto de Saúde da Comunidade Fundação Euclides da Cunha Organização Pan Americana de Saúde Pesquisa: Implantação de Atenção Domiciliar da Saúde Suplementar – Modelagem a partir das Experiências Correntes. Roteiro de entrevistas semi-estruturada: GESTOR DA OPERADORA e COORDENADOR DO PAD Nome da Operadora: Nome: Cargo: Formação: Tempo na Operadora:

1. Como é seu programa de Atenção Domiciliar/Home Care? 2. Como surgiu a idéia de ter um Programa de Atenção (Internação) Domiciliar (Home

Care) ? 3. O programa de Atenção (Internação) Domiciliar/Home Care é realizado com equipe

própria? a) SIM b) NÃO

i. Se a resposta for positiva, siga com as perguntas abaixo. ii. Se a resposta for negativa, vá para a pergunta No. 16

4. Qual a equipe de profissionais que participam do programa? 5. Como funciona o programa? 6. Qual o papel de cada profissional no programa? 7. A visita domiciliar é demandada pelo beneficiário ou acontece com regularidade? 8. Quais os resultados esperados em relação ao programa? 9. Há metas definidas em relação à assistência à clientela que participa do programa? Quais?

(redução de custos, redução de internação e consumo de insumos, etc...). 10. Quais os critérios para o ingresso do beneficiário no programa? Quem toma a decisão em

relação ao seu ingresso? Isso é previsto em contrato?

11. Há um limite de beneficiários para participar do programa? 12. É feito o vínculo dos beneficiários a uma determinada equipe? Esse vínculo se dá por

afinidade do beneficiário com a equipe ou é determinado pela operadora?

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13. Há um limite de beneficiários para se vincular a determinada equipe do programa? 14. Como se dá o contrato com a prestadora que opera o programa? 15. Há alguma exigência para a contratação da prestadora, tipo:

a) composição da equipe de profissionais que vão operar o programa. b) funcionamento do programa. c) freqüência de visitas domiciliares. d) resultados esperados em relação ao programa. e) cumprimento de metas em relação à assistência à clientela assistida p/ programa. f) logística para fazer o atendimento domiciliar. g) estrutura de equipamentos para prestar a assistência domiciliar. h) outras. Quais?

16. Que avaliação a operadora tem do desempenho do seu programa ou do que foi contratado à prestadora de assistência domiciliar? Qual a opinião do gestor?

17. A operadora avalia o grau de satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 18. Como você percebe a satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 19. Há alguma ação de prevenção e/ou promoção à saúde, realizada com os beneficiários

assistidos pelo Programa de Atenção Domiciliar/Home Care? QUAIS? Justifique. 20. Hoje você faria alguma alteração no programa?

a) SIM b) NÃO c) Se a resposta for positiva, QUAL?

21. Há alguma questão que gostaria de falar e não foi abordada? Universidade Federal Fluminense Instituto de Saúde da Comunidade Fundação Euclides da Cunha Organização Pan Americana de Saúde Pesquisa: Implantação de Atenção Domiciliar da Saúde Suplementar – Modelagem a partir das Experiências Correntes. Roteiro de entrevistas semi-estruturada: COORDENADOR DA EQUIPE DE PAD E/OU PID. Nome da Prestadora: Nome do Coordenador: Cargo: Formação: Tempo no Programa:

22. Como é o Programa de Atenção Domiciliar/Home Care? 23. Como decidiu trabalhar no Programa de Atenção (Internação) Domiciliar/Home Care? 24. Conte a história da sua entrada no programa. 25. Há quanto tempo você trabalha no programa? 26. O programa de Atenção (Internação) Domiciliar/Home Care tem uma sede operacional?

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a) SIM b) NÃO * Se a resposta for positiva, que tipo de sede, recursos logísticos, de materiais há nesse lugar? * Se a resposta for negativa, qual sua base operacional?

27. Quais profissionais participam do programa? 28. Qual o papel de cada profissional no programa? 29. Como funciona o programa?

a) regularidade das visitas domiciliares de cada profissional. b) quanto é necessário buscar recursos de diagnóstico, tipo exames, que providências

são tomadas? c) Há transporte especializado na condução dos beneficiários que participam do

programa? d) Quando é necessária internação hospitalar, quais os procedimentos para isso? Há

transporte especializado para remoção dos beneficiários do programa? e) Que benefícios diretos tem um beneficiário inscrito no programa? f) A equipe acompanha o beneficiário no seu plano terapêutico, quando esse precisa

se deslocar do seu domicílio? g) Em relação à lista de insumos necessários (abaixo), o acesso do beneficiário se dá

via: - é adquirido pelo beneficiário no mercado. - é fornecido pela equipe/prestadora/operadora e cobrado na sua fatura mensal. - é fornecido pela equipe/prestadora/operadora e não é cobrado. 10. Quais os resultados esperados pela equipe em relação ao programa? (redução de

internação, redução de consumo, satisfação do beneficiário, redução de custos da assistência, etc...).

11. Há alguma ação de prevenção e/ou promoção à saúde, realizada com os beneficiários assistidos pelo Programa de Atenção Domiciliar/Home Care? QUAIS? Justifique.

12. Há metas definidas em relação à assistência à clientela que participa do programa? a) SIM b) NÃO c) em caso afirmativo, quais metas em relação aos beneficiários e em relação à

operadora? 13. Como se dá o contrato com os profissionais? (vínculo empregatício, contrato com

autônomo, contrato com cooperativa, outras modalidades.......). 14. Que avaliação você tem do desempenho do seu programa? 15. Vocês avaliam o grau de satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 16. Como você percebe a satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 17. Hoje você faria alguma alteração no programa?

a) SIM b) NÃO

• Se a resposta for positiva, QUAL? 18. Há alguma questão que gostaria de falar e não foi abordada?

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Universidade Federal Fluminense Instituto de Saúde da Comunidade Fundação Euclides da Cunha Organização Pan Americana de Saúde Pesquisa: Implantação de Atenção Domiciliar da Saúde Suplementar – Modelagem a partir das Experiências Correntes. Coordenador: Prof. Dr. Túlio Batista Franco – CMS/UFF. Roteiro de entrevistas semi-estruturada: USUÁRIO (OU CUIDADOR) INSERIDO NO PROGRAMA. Nome da Operadora: Nome da Prestadora: Nome do Usuário: Sexo: Idade: Diagnóstico referido: Estado Civil: Endereço completo: Telefone: Tempo de contrato com o plano: Coordenador da equipe que assiste:

30. Como é o Programa de Atenção Domiciliar? 31. Como você ficou sabendo do Programa de Atenção (Internação) Domiciliar? 32. Há quanto tempo tem assistência do Programa de Atenção (Internação) Domiciliar? 33. A sua entrada no programa foi por quê?

a) Solicitou ao plano de saúde sua entrada no programa. b) O plano de saúde propôs sua entrada no programa. c) Foi indicado por um médico. d) Foi indicado por um profissional de saúde não médico. Qual? e) Outro: Citar qual.

34. Conte a história da sua entrada no programa. 35. Qual a sua opinião sobre o programa? 36. Quais as Principais vantagens do Programa? 37. Das vantagens, selecione as três mais importantes para você e justifique. 38. Quais os Principais problemas do Programa? 39. Dos problemas, selecione três mais importantes e justifique.

11. Quais profissionais fazem visita domiciliar a você? 12. Com que periodicidade os profissionais fazem visita domiciliar? (relacionar cada profissional e a periodicidade). 13. Na sua opinião, as visitas são satisfatórias? Resolvem os problemas que você apresenta? 14. Após sua entrada no programa, você notou que:

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Em relação à necessidade de recorrer ao consultório do médico. a) tem necessitado mais de recorrer ao consultório médico. b) tem necessitado menos de recorrer ao consultório médico. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade de recorrer ao consultório do médico. Em relação à necessidade de recorrer ao uso de recursos diagnósticos (exames). a) tem necessitado mais exames. b) tem necessitado menos eames. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade de exames. Em relação à necessidade de recorrer ao uso de medicamentos. a) tem necessitado mais medicamentos. b) tem necessitado menos medicamentos. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade medicamentos. Em relação a internações hospitalares. (*apenas p/os que internavam antes). a) tem necessitado de mais internações hospitalares. b) tem necessitado de menos internações hospitalares.. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade de internação hospitalar. 15. Após sua entrada no programa, você percebeu que:

a. Melhorou a assistência à sua saúde em relação ao período anterior. b. Seu estado de saúde permanece o mesmo em relação ao período anterior. c. Piorou sua saúde em relação ao período anterior.

16. A sua opinião em relação ao funcionamento do programa: a) regularidade das visitas domiciliares de cada profissional. i) satisfatória ii) não satisfatória iii) indiferente EXPLICAR. b) o atendimento dos profissionais é. i) satisfatória ii) não satisfatória iii) indiferente EXPLICAR.

c) quanto é necessário buscar recursos de diagnóstico, tipo exames, o acesso é. i) fácil ii) difícil iii) indiferente EXPLICAR. c) quando há necessidade de transporte, o acesso a esse recurso é.

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i) fácil ii) difícil. iii) indiferente EXPLICAR. d) Quando é necessária internação hospitalar, o acesso é. i) fácil ii) difícil. iii) indiferente EXPLICAR.

e) Quando são necessários materiais e medicamentos, o acesso a esses recursos é. i) fácil ii) difícil. iii) indiferente EXPLICAR.

16. Se você fosse sugerir alterações no Programa, que sugestões você daria? Por quê? 17. A equipe do Programa de Atenção Domiciliar avalia a sua opinião em relação a

assistência?

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