a produÇÃo do cuidado no programa de atenÇÃo domiciliar...
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ANDRÉ AMORIM MARTINS
A PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA DE ATENÇÃO DOMICILIAR
DE UMA COOPERATIVA MÉDICA
Rio de Janeiro
2009
ANDRÉ AMORIM MARTINS
A PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA DE ATENÇÃO DOMICILIAR DE UMA COOPERATIVA MÉDICA
Orientadores:
Túlio Batista Franco
Emerson Elias Merhy
Marcelo Gerardin Poirot Land
Rio de Janeiro 2009
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós Graduação em Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências.
Ficha catalográfica
Martins, André Amorim
A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica / André Amorim Martins.. -- Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina, 2009.
154 f. : il. ; 31 cm. Orientadores: Túlio Batista Franco, Emerson Elias Merhy e Marcelo
Gerardin Poirot Land
Dissertação (Mestrado em Medicina) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Clínica Médica, Rio de Janeiro, 2009.
Referências bibliográficas: f. 89-93 1. Cuidado domiciliar. 2. Produção de Saúde. 3. Modelos organizacionais.
4. Assistência a saúde - organização e administração. 5. Avaliação de programas e projetos de saúde. 6. Questionários. 7. Micropolítica -Teses. I. Franco, Túlio Batista. II. Merhy, Emerson Elias. III. Land, Marcelo Gerardin. IV. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Clínica Médica. V. Título.
Folha de aprovação
André Amorim Martins
Título: A PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA DE
ATENÇÃO DOMICILIAR DE UMA COOPERATIVA MÉDICA
Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós Graduação em Clínica Médica (Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde), Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências.
Aprovada em 02 de setembro de 2009
_____________________________________________________________________
Túlio Batista Franco - Prof. Dr. Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________________________________
Afrânio Lineu Kritski, Prof.Dr. Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________________________ Ana Lúcia Abrahão – Profª Titular da Universidade Federal Fluminense e Doutora em
Saúde Coletiva pela UNICAMP
______________________________________________________________________ Fausto Pereira dos Santos, Doutor em Planejamento e Diretor Presidente da
Agência Nacional de Saúde Suplementar
Dedicatória
P Estevão Neusa A T R Áurea & Alysson Adriana Amanda Í C I Vó Nina Família Amorim A Martins
Família Pinto Braga
Túlio Franco Emerson Merhy Marcelo Land
Daniel Leila Filets
Hélia, Tânia, Erivelton, Amélia Ana Abrahão
Laura Macruz
Ester Melo
Grasiele Nespoli Adriana Almeida
Teresa Gouda
Agradecimento
Agradeço a todas as pessoas da linha de pesquisa Micropolítica do Trabalho e o
Cuidado em Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pelas conversas,
encontros e afetamentos;
À Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pelo financiamento da
pesquisa “Implantação de Atenção Domiciliar no âmbito da Saúde Suplementar –
modelagem a partir de experiências correntes”, que deu origem a essa dissertação;
Essa dissertação contou como o apoio financeiro do CNPq (Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na liberação da bolsa de mestrado.
Epígrafe
O verdadeiro charme das pessoas é aquele em que elas perdem as estribeiras, é quando elas
não sabem muito bem em que ponto estão. Não que elas desmoronem, pois são pessoas que
não desmoronam. Mas, se não captar aquela pequena raiz, o pequeno grão de loucura da
pessoa, não se pode amá-la. Não pode amá-la. É aquele lado em que a pessoa está
completamente... Aliás, todos nós somos um pouco dementes. Se não se captar o ponto de
demência de alguém... Ele pode assustar, mas, quanto a mim, fico feliz de constatar que o
ponto de demência de alguém é a fonte do seu charme.
Gilles Deleuze, Abecedário, letra F - Fidelidade
Resumo
Temos como objetivo descrever e analisar a produção do cuidado no Programa de
Atenção Domiciliar (PAD) de uma Cooperativa Médica (CM). Esse é o maior Programa
de Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar brasileira, com 4700 beneficiários em
2007. O PAD foi desenvolvido com o objetivo de “organizar a utilização do serviço”,
especialmente daqueles beneficiários que utilizam o serviço de pronto atendimento e
com freqüentes internações hospitalares. Fica implícito a idéia de redução de custo
para operadora. Utilizou-se como instrumentos de coleta de dados a pesquisa
bibliográfica, pesquisa documental principalmente no site da operadora e da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entrevistas semi-estruturadas com informantes
chaves e observação no local de atuação. A análise dos dados revela a satisfação dos
beneficiários com os resultados obtidos por meio do PAD, a diminuição de custos para
a Cooperativa Médica e transferência de gastos para a família. O modo de produção do
cuidado sugere haver um grande processo de Reestruturação Produtiva em curso,
considerando as importantes alterações nos processos de trabalho.
Palavras-chave: Cuidado domiciliar, produção de saúde, reestruturação produtiva,
micropolítica
Abstract
This dissertation aims to describe and analyze the healthcare delivery in a Medical
Cooperative’s Home Care Program. It is the largest Home Care Program in Brazilian
supplementary (private) health system, with 4,700 beneficiaries in 2007. The HCP has
been developed due to the need of “organizing the services utilization” especially by
those clients who too often attended the first-aid services and who were frequently
submitted to in-hospital care. So, it is implicit the idea of corporative costs reduction. The
analysis was made through a qualitative study, which used for data collection the
following tools: the bibliography research, documental research, mainly on the
cooperative’s site and the National Agency of Brazilian Supplementary Health, semi-
structural interviews with key-informants, observation on the spot and data collection
from secondary sources. Data analysis reveals the satisfaction of beneficiaries with
results obtained in HCP, cost reduction for Medical Cooperative and transfer of
expenses to family. The healthcare delivery analysis suggests there is an economic
restructuring in course, considering important changes in work processes.
Key-words: home care, health production program, economic restructuring of healthcare
production, micropolitcs
Lista de abreviaturas e siglas
ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
APH – Atenção Pré Hospitalar
CAPs – Caixa de Aposentadoria e Previdência
CM – Cooperativa Médica
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IAPs – Instituto de Aposentadoria e Previdência
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
OPAS – Organização Pan Americana de Saúde
PAD – Programa de Atenção Domiciliar
RDC – Resolução de Diretoria Colegiada
SUS – Sistema Único de Saúde
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Sumário
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................11
1.1 HISTÓRICO DAS OPERADORAS DE SAÚDE ....................................21
1.1.1 O que é uma Cooperativa Médica? ......................................................26
1.2 METODOLOGIA ...................................................................................30
1.2.1 Cenário da Pesquisa.............................................................................31
1.2.2 Tipo de pesquisa...................................................................................34
1.2.3 Coleta de dados....................................................................................35
1.2.4 Critérios de Inclusão e Exclusão dos Sujeitos da Pesquisa..................37
1.2.5 Análise dos dados.................................................................................38
2 DESENVOLVIMENTO ..........................................................................................42
2.1 Gestão da Vida ........................................................................................42
2.2 Processo de Trabalho e o Trabalho da Equipe........................................54
2.3 Aspectos Organizacionais do PAD ..........................................................65
2.4 Cuidados do Beneficiário .........................................................................72
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................84
4 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...........................................................................89
5 ANEXOS ...............................................................................................................94
Anexo A - Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa .................................95
Anexo B - A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma
Cooperativa Médica (Artigo Publicado) .....................................................................96
Anexo C - Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar (Capítulo de Livro
publicado)................................................................................................................116
Anexo D - Questionários das Entrevistas .....................................................149
Sumário de figuras e quadros
Quadro 1: Comparativo entre Cooperativa, Empresa e Estado ................................27
Quadro 2: Número de beneficiários no PAD/Ano ..................................................... 46
Figura 1: Fluxo resumido de ingresso no PAD em uma Cooperativa Médica .......... 56
11
1 INTRODUÇÃO
Para a maioria dos serviços da Saúde Suplementar, a oferta de serviços tornou-
se indispensável para a sobrevivência dos seus estabelecimentos, por gerar lucros e
reserva de mercado. O que se vê são aberturas de diversos serviços para diversos
seguimentos da sociedade, trazendo para dentro do seu sistema um grande número de
beneficiários.
Um exemplo de serviços oferecido pela Saúde Suplementar são os Programas
de Atenção Domiciliar (PAD). Colocando aqui o termo serviço como o que cobre um
grande leque de atividades como assistência médica, educação. (HARDT, 2003)
O primeiro Programa de Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar surge em
1986, no Rio de Janeiro com a Geriatric Home Care com o objetivo de redução dos
custos através da redução de internações hospitalares. Nos anos seguintes, a
modalidade espalhou-se pelo país. (LEME, 2006)
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fez um inquérito em 2008 com
as operadoras de saúde com cadastro ativo sobre o desenvolvimento de programas de
promoção da saúde e prevenção dos riscos de doença, para conhecer quantas
desenvolvem esse tipo de ação, os tipos de estratégia, etc. e 73,3% responderam ou
1351 operadoras.
Como um dos resultados dessa pesquisa, destacamos que 13% das operadoras
(176 operadoras) oferecem a Assistência Domiciliar para todos seus beneficiários;
22,3% (301 operadoras) só para grupos específicos e o restante, 64,8% (874
12
operadoras) não oferecem. A maior parte das operadoras que oferecem Assistência
Domiciliar tem mais de 100.000 beneficiários. (ANS, 2008, p.15)
As nomenclaturas da Atenção Domiciliar foram definidas pela Resolução da
Diretoria Colegiada - RDC 11/2006 da ANVISA que serve de parâmetro para as
operadoras e demais estabelecimentos para o Regulamento Técnico e Funcionamento
de Serviços que prestam Atenção Domiciliar. Temos então:
- Atenção Domiciliar: termo genérico que envolve ações de promoção à saúde,
prevenção, tratamento de doenças e reabilitação desenvolvidas em domicilio;
- Assistência Domiciliar: conjunto de atividades de caráter ambulatorial,
programadas e continuadas desenvolvidas em domicilio;
- Internação Domiciliar: conjunto de atividades prestadas no domicilio,
caracterizadas pela atenção em tempo integral ao paciente com quadro clínico mais
complexo e com necessidade de tecnologia especializada.
Outras normas e regulamentações foram lançadas espaçadamente, adicionando
a modalidade ao SUS com a lei 10424/02 e a Portaria Ministerial 2529/06 que institui a
Internação Domiciliar no SUS. A ANS não regulamentou a Atenção Domiciliar no seu rol
de procedimentos, mas segue as regras das leis citadas acima. Para Franco e Merhy
(2008) a Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar é um “produto adicional ofertado ao
beneficiário” e a definição do seu funcionamento fica a cargo da operadora. Os autores
propõem que haja regulamentações nas questões mais críticas do PAD, como a alta e
a transferência de alguns custos para a família.
Pelos dados da ANS, podemos ver que há uma grande população nessa
modalidade de atendimento e ainda há pessoas que estão nessa modalidade dentro do
setor público. Algumas pesquisas foram realizadas sobre essa temática. Destaco duas,
13
por estarem ligadas a linha de pesquisa Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em
Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A primeira pesquisa, realizada entre 2005 e 2007, pesquisou a “Implantação de
Atenção Domiciliar no Âmbito do SUS – Modelagem a partir das experiências
correntes”, com financiamento do Fundo Nacional de Saúde, por interesse do programa
de Atenção Especializada em Saúde do Ministério da Saúde.
A pesquisa foi realizada em cinco cidades brasileiras:
- Sobral/CE – Região Nordeste;
- Londrina/PR – Região Sul;
- Belo Horizonte/MG – Região Sudeste;
- Rio de Janeiro/RJ – Região Sudeste; e
- Marília/SP – Região Sudeste.
e teve como objetivo
Realizar modelagem de atenção domiciliar e levantar modelos possíveis de financiamento, regulação, avaliação e controle, particularmente frente a usuários com dependência funcional, passíveis de intervenções terapêuticas, que assegurem melhora de níveis de autonomia e enfrentamento da questão do alivio do sofrimento e de morte humanizadas.
No artigo de Feuerwerker e Merhy (2008) apresentando os resultados dessa
pesquisa, destacamos do seu texto que:
Quando a atenção domiciliar se configura como uma modalidade substitutiva de organização da atenção, como dispositivo para a produção de cuidados que efetivamente não são produzidos dentro do hospital, do ambulatório ou da instituição, ela se configura como um terreno do trabalho vivo em ato, possibilitando a produção e a invenção de práticas cuidadoras. (FEUERWERKER e MERHY, 2008)
14
A outra pesquisa, “Implantação de Atenção Domiciliar no Âmbito da Saúde
Suplementar – Modelagem a partir das experiências correntes”, articulada a partir
desta, entre 2006 e 2007, pesquisou quatro operadoras de saúde, sendo três no estado
do Rio de Janeiro e uma no estado de Minas Gerais. A pesquisa foi coordenada pelo
Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense (UFF), com
apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Organização Pan
Americana de Saúde (OPAS) e foi dessa pesquisa que foi feito um recorte na
operadora de Minas Gerais, devido sua relevância na Saúde Suplementar e pela
singularidade do seu Programa de Atenção Domiciliar.
Nessa pesquisa, Franco et al (2007) concluem que:
Os modelos tecnoassistenciais na saúde suplementar são muito diversos e cada operadora adota determinado formato na organização da assistência à saúde, estruturado pela micro-regulação que ela exerce, na contratualidade com os prestadores, fornecedores e beneficiários. É no contexto da organização dos serviços na saúde suplementar, que são estruturados os programas de assistência domiciliar. (FRANCO et al, 2007)
Com uma breve revisão sobre as experiências de atenção domiciliar destaco
duas questões importantes para análise: o caráter substitutivo que o programa adquire
em relação às formas usuais de cuidado exercido em uma dada rede de equipamentos
de saúde; e, segundo, o tema da reestruturação produtiva, já que de modo geral nos
serviços analisados são identificadas inovações tecnológicas no modo de produção do
cuidado e alterações no processo de trabalho. (MERHY, 2007; FRANCO et al, 2007)
Para discutir o tema, partimos de um primeiro pressuposto no qual o trabalho em
saúde é dependente do trabalho vivo em ato. Trabalho vivo é o trabalho que acontece
15
no momento mesmo do ato produtivo, que envolve a criatividade e a produção de
sentido para esse mesmo ato.
Feito em ato, que é a atividade como construtora de produtos, de sua realização através da produção de bens e que está ligada à realização de uma finalidade para o produto e tem outra dimensão, que se vincula ao produtor do ato, o trabalhador, e a sua relação com seu ato produtivo e os produtos que realiza, bem como suas relações com os outros trabalhadores e com os possíveis usuários e seus produtos. (MERHY, FRANCO, 2006, p 279)
O trabalho em saúde acontece por meio do encontro entre trabalhador e usuário
e não tem materialidade, ou seja, se dá exatamente no momento de encontro, por meio
de produção de atos intencionais, destinados a produzir cuidado. Além disso, existe
uma profunda variabilidade nas situações e grande complexidade nos problemas de
saúde, o que aumenta muito a importância do trabalho vivo na saúde. (MERHY, 1997)
Por um lado, as tecnologias de trabalho em saúde são tipificadas em tecnologias
duras (instrumentos, equipamentos, normas), tecnologias leve-duras (conhecimento
técnico estruturado) e tecnologias leves (relação entre sujeitos que só tem
materialidade em ato) (MERHY, 1997). Assim, o trabalhador em saúde combina esses
diferentes tipos de tecnologia no seu trabalho em ato. A predominância de um tipo de
tecnologia diz das suas características da produção do cuidado e da forma como a
gestão do cuidado opera formando os projetos terapêuticos que vão incidir sobre
determinados problemas de saúde do beneficiário.
Um profissional pode ter seu processo de trabalho capturado pela razão
instrumental, tomando os procedimentos como centro de seu trabalho, por exemplo. Ou
operar seu modo de cuidar apoiando-se nas tecnologias mais relacionais, que lhe
possibilitam orientar-se pelas necessidades do beneficiário, usar os instrumentos e
16
maquinarias como subsidiários do seu processo de trabalho. Percebemos que as
opções tecnológicas são do sujeito-trabalhador e sofrem influências de uma certa
dimensão instituída, molar, dos serviços de saúde. Por outro lado, sua atitude é
também reflexo das opções ético-políticas que faz, que dizem respeito ao modo de
operar a micropolítica do seu processo de trabalho.
O caráter de substitutividade de um certo modelo produtivo é dado pela
configuração do trabalho, podendo ser via reestruturação produtiva, configurando uma
substituição parcial do atual modo de produção do cuidado, ou pode-se observar uma
transição tecnológica, modelo no qual haveria uma radical mudança no processo de
trabalho. Fazem parte do cenário de mudança, portanto, o trabalho, as tecnologias de
trabalho, subjetividade e uma ética do cuidado, que é o modo de ser de cada um em
relação ao outro, enquanto se trata de saúde.
A substitutividade fala da produção de novos modos de cuidar, de novas práticas
de saúde, com dispositivos para a produção de cuidados produzidos fora do modelo
hegemônico medicalizante. Aqui se configura como um terreno do trabalho vivo em ato
instituinte de novidades. (FEUERWERKER e MERHY, 2008)
Nos textos sobre Reestruturação Produtiva, encontramos duas proposições para
discutir esse assunto. Uma Reestruturação Produtiva ocorre quando se encontram
novas formas para produzir os mesmos produtos ou quando se inventam novas formas
para produzir novos produtos capazes, no caso da saúde, de configurar como um novo
modo de produzir o cuidado, seja pela incorporação tecnológica (PIRES, 1998) ou por
alterações no modelo produtivo (MERHY, 2007; FRANCO, 2003).
Para abordagem dessa dissertação, focaremos a discussão a partir do segundo
aspecto: alteração do modelo produtivo. Essa alteração ocorre para além do acréscimo
17
de equipamentos e da relação estabelecida com as novas tecnologias. Uma
reestruturação produtiva implica substancialmente na mudança das configurações
tecnológicas dos processos de produção, alterando não perifericamente a composição
da força de trabalho, mas centralmente, pois leva à produção de novos produtos e deve
ser mapeada pelos novos territórios de tecnologias não-equipamentos. (MERHY, 2007)
Merhy (2007), também salienta que a reestruturação produtiva não significa
necessariamente uma substituição das usuais tecnologias usadas no processo
produtivo da saúde, ou seja, ele opera mudanças, mas o processo de trabalho pode
ainda continuar centrado na lógica instrumental.
A reestruturação produtiva é a resultante de mudanças no modo de produzir o cuidado, geradas a partir de inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os produtos da saúde e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos populacionais. (MERHY e FRANCO, 2006, p225)
As mudanças podem ser observadas na incorporação de novas tecnologias de
cuidar, nos processos produtivos, nas outras maneiras de organizar o processo de
trabalho e, até mesmo, nas mudanças de atitudes dos profissionais no modo de cuidar
do outro. São processos de subjetivação dos profissionais, que mexe com sua práxis e
na valorização do outro. (MERHY e FRANCO, 2006)
Olhando para os PAD pesquisados, vemos no seu cotidiano uma atenção
domiciliar que tem sido trabalhada deslocando o cuidado para outro setting terapêutico
diferenciado de uma unidade de saúde – o domicílio – com a introdução de tecnologias,
equipamentos modernos, incorporando no domicílio tecnologias anteriormente
encontradas somente nos hospitais.
18
Vemos que a mesma equipe oriunda de uma unidade de saúde realiza distintos
procedimentos que são propícios também para o ambiente familiar: troca de
informações, ensino de determinados procedimentos, curativos, identificação de
determinados sintomas, utilização de determinados equipamentos em detrimento de
outros (percussão em vez do Raio-X) – alterando seu modelo produtivo, ocasionando
uma reestruturação produtiva.
No PAD que refere essa dissertação, temos os dois modelos funcionando ao
mesmo tempo, com a mesma equipe levando a ventilação mecânica (em um dos seus
subprogramas) para a casa do beneficiário e, portanto, incorporando tecnologias duras
neste caso, ao processo de trabalho. Por outro lado, impactando-os com a utilização da
comunicação, educação e o uso de tecnologias mais relacionais operando também na
produção de afetos, caracterizando por esse viés uma reestruturação produtiva.
Com isso, ao alterar a forma de atuação (acrescentando uma tecnologia, no caso
a tecnologia leve), essa forma de atuação que lança mão de determinadas atitudes
mais relacionais em vez de outros, demonstra uma posição ético-política dos
trabalhadores em relação ao cuidado, pois adotam uma postura diferenciada perante o
beneficiário e a operadora se diferencia pela sua oferta de serviços aos seus
beneficiários. Se um beneficiário necessita de equipamentos e tecnologias duras para o
seu processo terapêutico, ou então há a necessidade de outra forma de produção do
cuidado, isso será disponibilizado conforme o fluxo de ingresso ao PAD. O que
demonstra uma rede de possibilidades oferecidas pela operadora aos seus
beneficiários e por diversificar os meios de produção de cuidado. Proporcionando uma
busca pela integralidade (MATTOS, 2004) das ações por meio de ofertas de serviços e
por colocar em diversos locais os vários modos de produção do cuidado. Mesmo que
19
por trás disso exista uma racionalização do cuidado (FOUCAULT, 1999) e que em
algumas vezes será oferecido um procedimento de menor custo.
Uma visão possível para a reestruturação produtiva pode ser pela discussão
disparada com base nas discussões do trabalho de Marx, a respeito das mudanças
ocorridas ao longo do tempo e que interferem nos modus operandi das formas viventes
atuais. Um dos principais autores nessa discussão é Michel Foucault.
Foucault (1999) faz um resgate histórico da biopolítica1 e como ela ocorre com as
discussões sobre o Estado, em que o soberano tinha como centro do seu poder o fazer
morrer e deixar viver. Com um suposto objetivo de garantir a soberania nacional, nas
lutas contra as pestes ou outras nações, estipulava as formas de extermínio das
pessoas para o bem maior da nação.
Séculos depois, XVII e XVIII, com a consolidação maior dos Estados, as pessoas
foram definindo seus papéis e fazê-las morrer gerava um ônus para a nação, que
precisava de um número maior de pessoas, mão de obra, produtos, fazendo-as então
viver e deixando-as morrer.
Era preciso ter outras ferramentas para fazê-las viver. Duas formas tecnológicas
foram:
• Tecnologia disciplinar do corpo: se dirige ao corpo – a vida dos homens,
ou ainda, se dirigem ao homem-corpo, mas o homem vivo, ao homem ser
vivo; no limite, ao homem espécie.
• Tecnologia regulamentadora da vida: não é individualizante, mas é
massificante. Leva em conta a vida, os processos, biológicos do homem-
1 O termo biopolítica foi forjado por Foucault para designar uma das modalidades de exercício do poder sobre a vida, vigentes desde o século 18. (Pelbart, 2003 p24)
20
espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma
regulamentação.
A primeira tecnologia dirige-se para o corpo do homem, no indivíduo. O homem
precisa ser treinado e disciplinarizado para exercer suas funções no Estado durante o
maior tempo possível. São técnicas de racionalização com um sistema de vigilância, de
hierarquias, de inspeções, de escriturações, de relatórios, chamada também de
tecnologia disciplinar do trabalho.
A partir da segunda metade do século XVIII a tecnologia disciplinar da vida do
homem ganha traços, com resquícios da disciplina corporal.
Eu diria isso: a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multiplicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente punidos. E, depois, a nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc. (FOUCAULT, 1999, p. 289)
As tecnologias expostas por Foucault (epidemiologia e as regulamentações) diz
que elas são utilizadas para captar a “vida dos homens, o homem espécie” para
“assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação”. Entretanto,
autores italianos (Perlbart, 2003) como Lazzarato e Negri fazem uma inversão desse
biopoder – poder sobre a vida – de Foucault para o conceito de biopotência – poder da
vida. Além de discutir o poder sobre a vida que as diversas instituições colocam sobre
as pessoas ou populações, discute-se como a vida se produz. Colocando a vida como
Sinergia coletiva, a cooperação social e subjetiva no contexto de produção material e imaterial contemporânea, o intelecto geral. Vida significa inteligência, afeto, cooperação, desejo. (...) O bios é redefinido intensivamente, no interior de um caldo semiótico e maquínico, molecular e coletivo, afetivo e econômico. Aquém da divisão
21
corpo/mente, individual/coletivo, humano/inumano, a vida ao mesmo tempo se pulveriza e se hibridiza, se dissemina e se alastra, se moleculariza e se totaliza. (PERLBART, 2003, p25)
Essa indagação coloca que a vida não pode ser capturada por nenhuma forma
de sistema ou tecnologia, tem um rizoma específico, um emaranhado com múltiplas
entradas e ligações e que ela sempre encontrará uma saída, uma linha de fuga, num
movimento incessante de produção de si própria.
1.1 HISTÓRICO DAS OPERADORAS DE SAÚDE
Os serviços previdenciários de saúde instituem-se no Brasil em 1923 com a
criação das Caixas de Aposentadorias e Previdências (CAPs) pela Lei Eloi Chaves.
Esses fundos eram constituídos entre empresa e empregados. Possuía CAPs as
grandes empresas, com grande número de funcionários. Era o caso dos Funcionários
do Banco do Brasil, ao fundar a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do
Brasil (CASSI) em 1944. O objetivo era garantir a aposentadoria dos contribuintes e
gradativamente desenvolver ações em saúde.
Uma vez que o Estado promovia ações focais e de grande massa: vacinações e
saneamento, por exemplo.
As ações clínicas individuais, para o restante da população que não trabalhava
em grandes empresas, eram feitas por profissionais autônomos ou realizados pelas
congregações religiosas, em salas do Salão Paroquial ou nas Santas Casas.
22
Para os prestadores de serviço da saúde, o Decreto Lei 73/66 regula pela
primeira vez as operações de seguro privado e tinha como um dos seus objetivos
“promover a expansão do mercado de seguros e propiciar condições operacionais
necessárias para sua integração no processo econômico e social do país”.
Os seguros estavam sob a regulação do Ministério da Fazenda, uma vez que se
propunha que as Seguradoras seriam parte do mercado. Inclusive as Seguradoras de
Saúde são entendidas como parte do mercado e serão inseridas no processo
econômico e social brasileiro. A saúde era entendida como bem de mercado, com suas
racionalizações – econômicas e clínicas – e empresários do setor se beneficiaram dos
subsídios do governo para a construção de grandes hospitais e, em seguida, prestavam
serviços ao INPS. Com isso, os grupos privados ganhavam duas vezes em cima da
saúde.
Com a predominância da organização de serviços de saúde hospitalocêntrica, as
epidemias e certas doenças reaparecem no país por falta de investimento no
saneamento e na atenção básica.
Com fim do Milagre Econômico dentro do Regime Militar, ocorre uma crise
economia de caráter recessivo e baixa arrecadação fiscal do estado, com alto índice de
desemprego e o Estado não arrecadava dinheiro suficientemente com a indústria para
pagar os serviços privados. As operadoras ao verem seu principal cliente em situação
complicada optam por reforçar seus próprios planos de saúde e recorre à população
desassistida para manter a rentabilidade dos seus negócios. (KUJAWA, BOTH,
BRUTSCHER, 2003)
Com o fim do Regime Militar e o início do período de Redemocratização, as
operadoras travam uma disputa sobre os rumos da saúde brasileira com a tese do
23
Sistema Único de Saúde antes da promulgação da Constituição de 1988. Com os
acordos feitos para que o Estado seja o único provedor de saúde para todos os
cidadãos brasileiros, os serviços privados foram inseridos de forma suplementar no
SUS.
Pela caracterização dada ao Sistema Suplementar, na lei 8080/88 inclui a
Participação Complementar, o Estado pode comprar determinados serviços que não
possui em uma determinada área. Os valores da remuneração dos serviços e os
parâmetros da cobertura assistencial ficam a cargo do Ministério da Saúde, aprovado
pelo Conselho Nacional de Saúde. Essa participação será formalizada mediante
contrato ou convênio, dando prioridade para entidades filantrópicas e sem fim lucrativo.
Para a regulação desse setor, ocorre em 2000 a criação da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) com a lei 9961/00. Em 2001 foi regulamentada a lei
10185/01 no qual as seguradoras deveriam especializar sua atividade no ramo da
saúde. Além da questão econômica e racionalista, elas deverão adotar também um
discurso sobre a saúde, diferenciando a saúde como uma mercadoria similar a outro
objeto de seguro como um carro, casa, etc.
Para diferenciar as diversas modalidades de serviços prestados pelo setor
privado, a ANS, através da RDC 39/00 estabelece 7 (sete) modalidades de operadoras
e descrimina da seguinte forma:
• Administradora: Classificam-se na modalidade de administradora as empresas
que administram planos ou serviços de assistência à saúde, sendo que, no caso
de administração de planos, são financiados por operadora, não assumem o
24
risco decorrente da operação desses planos e não possuem rede própria,
credenciada ou referenciada de serviços médico-hospitalares ou odontológicos;
• Autogestão: Classificam-se na modalidade de autogestão as entidades de
autogestão que operam serviços de assistência à saúde ou empresas que, por
intermédio de seu departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado,
responsabilizam-se pelo Plano Privado de Assistência à Saúde destinado,
exclusivamente, a oferecer cobertura aos empregados ativos, aposentados,
pensionistas ou ex-empregados, bem como a seus respectivos grupos familiares
definidos, limitado ao terceiro grau de parentesco consangüíneo ou afim, de uma
ou mais empresas, ou ainda a participantes e dependentes de associações de
pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de classes
profissionais ou assemelhados;
• Cooperativa Médica: Classificam-se na modalidade de cooperativa médica as
sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas conforme o disposto na
Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que operam Planos Privados de
Assistência à Saúde e define a política nacional de Cooperativismo;
• Cooperativas odontológicas: Classificam-se na modalidade de cooperativa
odontológica as sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas
conforme o disposto na Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que operam
exclusivamente Planos Odontológicos e define a política nacional de
Cooperativismo;
• Instituições filantrópicas: Classificam-se na modalidade de filantropia as
entidades sem fins lucrativos que operam Planos Privados de Assistência à
25
Saúde e tenham obtido certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho
Nacional de Assistência Social CNAS e declaração de utilidade pública federal
junto ao Ministério da Justiça ou declaração de utilidade pública estadual ou
municipal junto aos Órgãos dos Governos Estaduais e Municipais;
• Medicina de Grupo: Classificam-se na modalidade de medicina de grupo as
empresas ou entidades que operam Planos Privados de Assistência à Saúde,
excetuando-se aquelas classificadas nas modalidades Administradora,
Cooperativa Médica, Autogestão e Filantropia.
• Odontologia de grupo: Classificam-se na modalidade de odontologia de grupo as
empresas ou entidades que operam exclusivamente Planos Odontológicos,
excetuando-se aquelas classificadas na modalidade Cooperativa Odontológica.
Em outra parte do sítio da ANS (Entenda o Setor → Classificação das
Operadoras) fala-se de uma oitava modalidade que são os Seguros. Entretanto, não
encontra descrição do que seria dentro das publicações da ANS. Retomando a lei de
criação dos Seguros de 1966 (Lei nº. 73/66), encontramos as seguintes definições do
Seguro-Saúde:
Art 129. Fica instituído o Seguro-Saúde para dar cobertura aos riscos de
assistência médica e hospitalar;
Art. 130. A garantia do Seguro-Saúde consistirá no pagamento em dinheiro,
efetuado pela Sociedade Seguradora, à pessoa física ou jurídica prestante da
assistência médico-hospitalar ao segurado.
O Seguro-Saúde seria uma retaguarda financeira feita por pessoas ou empresas
em casos de assistência à saúde. Os segurados adquirem cotas para serem restituídos
em casos de necessidade e utilização de serviços.
26
A distribuição de beneficiários entre essas modalidades fica da seguinte forma:
Medicina de Grupo (33,8%), Cooperativas Médicas (24,6%), Autogestão (13,7%),
Seguradoras (12,1%), Odontologia de Grupo (8,7%), Filantropia (3,4%) e Cooperativa
Odontológica (3,6%). (ANS, 2005, p 39)
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008),
em 2005, o número de beneficiários das operadoras era igual a 18,5% da população
brasileira, para 1260 operadoras cadastradas. Sendo que 29,5% dos beneficiários
estão no estado do Rio de Janeiro e 17,5% de beneficiários estão em Minas Gerais. O
estado que tem a maior cobertura é São Paulo, com 35,7%.
1.1.1 O que é uma Cooperativa Médica?
A sociedade cooperativa foi regulamentada pela primeira vez em 1971 pela lei
nº5764, de 16 de dezembro, modificada pela lei nº6981/82 define e a política nacional
de cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperadas. Pela lei, a
cooperativa é “o tipo de sociedade celebrada por pessoas que se obrigam
reciprocamente a contribuir com bens e serviços para o serviço de uma atividade
econômica, de proveito comum e sem objetivo de lucro”.
Há 13 ramos de cooperativismo definidos: Agropecuário, consumo, crédito,
educacional, especial (social), habitacional, infraestrutura, mineral, produção, saúde,
trabalho, transporte, turismo e lazer, e, outros (não contemplados acima).
27
As cooperativas de saúde são divididas em quatro áreas básicas: atendimento
médico/hospitalar, odontológico, psicológico e na organização de usuários desses
serviços. Aos cooperados, são oferecidas condições propícias de trabalho, investindo
na capacitação profissional e cooperativista por meio de treinamentos e especializações
complementares à formação acadêmica. (SEBRAE, p11)
O SEBRAE oferece um quadro comparativo entre Sociedade Cooperativa e
Sociedade Empresária. Neste quadro, acrescentei o Estado. Vejamos:
Quadro 1: Comparativo entre Cooperativa, Empresa e Estado
Sociedade Cooperativa Sociedade Empresária Estado
Sociedade de pessoas Sociedade de capital Estatal Gerar condições de produção e trabalho aos cooperados
Gerar lucro aos acionistas/cotistas Ofertar serviços à população
Deliberações: 1 voto por cooperado
Voto proporcional ao nº de ações/cotas
Deliberações: 1 voto por representante
Participação democrática O sócio majoritário é quem decide Participação democrática
Quorum nas assembléias: com base no nº de cooperados
Quorum com base no capital social
Quorum relativo aos conselhos locais, distritais, estaduais e nacional
Retorno proporcional das operações realizadas pelo cooperado
Dividendos proporcionais à participação no capital
Não há divisões de receita entre trabalhadores
Número ilimitado de sócios Regra: número limitado de cotistas
Para toda população brasileira
As quotas-partes são intransferíveis a não-cooperados
As cotas podem ser transferidas aos sócios ou terceiros
Não há cotas
O objetivo social é exercido pelos cooperados
Em regra, o trabalho é executado pelos empregados
O trabalho é executado pelos estatutários e terceirizados conforme estabelecido em lei
Relação trabalhista entre cooperativa e seus empregados
Relação trabalhista entre empresa e empregados
Regime Estatutário e relação trabalhista
Relação civil entre cooperativa e cooperados
Relação civil entre empresa e sócios/acionistas
Relação estatutária
28
Não sujeita-se à falência Sujeita-se à falência Não sujeita-se à falência
A sociedade não possui fins lucrativos Possui fins lucrativos Não possui fins lucrativos
Fonte: SEBRAE, 2009
Na sociedade de cooperativa médica, os médicos são cooperados e prestadores
de serviços. Segundo Dutra (2008),
Fica claro que o propósito principal de uma cooperativa médica é suprimir intermediação ou negociadores do trabalho do médico, permitindo a organização entre os próprios médicos para firmar contratos de prestação de serviços e atender diretamente aos clientes. Sem finalidade lucrativa e de propriedade coletiva, o seu principal objetivo deve ser ainda a defesa econômica e social dos médicos cooperados, ao gerar oportunidades de trabalho e renda para seus cooperados. (DUTRA, 2008, p 43)
A gestão das ações da cooperativa ocorrem através do Conselho Administrativo
e na assembléia dos cooperados, esta sendo soberana nas decisões. O Conselho
Administrativo é formado por eleição na Assembléia e exerce uma política de
legitimação dos seus poderes para exercer seu poder decisório. Suas ações têm maior
visibilidade quando se trata da incorporação de novas tecnologias e a decisão é
precedida de um parecer técnico do comitê de especialidades. (ANS, 2005)
Para Malta, Jorge, Franco e Costa (ANS, 2005, p164-5) essa forma de
organização, na prestação de serviços, tem o objetivo de defender os interesses
comuns de seus sócios. Entretanto, verificou-se também na pesquisa realizada por
eles, que surge novas formas de gerenciamento, o que ocasiona uma tensão com a
categoria médica, “demandando nova racionalidade em termo de custos e propósitos” e
adotando preceitos da promoção a saúde e maior interferência no trabalho médico.
Donnangelo (1975) no seu estudo sobre a Medicina e Sociedade, faz uma
relação do médico com o mercado de trabalho e como isso transformou-se durante os
tempos:
29
Dessa ideologia não se encontram necessariamente excluídos componentes como a livre escolha do profissional pelo paciente, o pagamento por serviços prestados, a independência técnica na execução do trabalho. Mas o sistema de referência para tomada de decisão frente às várias alternativas de organização do trabalho médico já não é agora, predominantemente, o conjunto de princípios éticos definidos ao nível da profissão médica, mas o conceito de racionalização como componente do sucesso técnico e financeiro do empreendimento. Em outros termos, é no fator “produtividade” que assentam as decisões referentes às modalidades de relação entre empresa e produtor direto. No contexto da ideologia empresarial, “ética profissional” e “racionalização no uso dos fatores de produção” não se definem como mutuamente exclusivos. (DANANNGELO, 1975, p 139)
Alguns mecanismos já foram apresentados no gerenciamento do trabalho dos
médicos cooperados. Ocorre a bonificação para aqueles que solicitam exames abaixo
da média de todos os médicos assistentes e a prevenção de hospitalizações, os
protocolos clínicos que padronizam a conduta médica, utilização de softwares para
validação de consultas e auditorias sobre as decisões médicas.
A ANS faz um investimento para que as operadoras de saúde não sejam apenas
núcleos de empregabilidade ou disputa de mercado. Utilizando de mecanismos
regulatórios, precedido de pesquisas sobre os temas, há uma busca para que as
operadoras realizem promoção e prevenção como eixo de suas ações. Algumas
operadoras pontuam que o papel da ANS deva ser de fomento do setor privado da
saúde. Mas, como a ANS é um órgão do Ministério da Saúde, integrando o SUS como
sub-sistema suplementar, suas ações devem potencializar as formas de promoção da
saúde conforme a necessidade das pessoas em vez do interesse de mercado, como
vem ocorrendo desde a regulação pela lei 9656/98. Propostas como a avaliação das
operadoras tendo como marcadores a qualidade da atenção à saúde estão na pauta da
ANS desde 2006, com respaldo do Ministério da Saúde.
30
A qualidade das operadoras será avaliada em 4 (quatro) dimensões: qualidade
da atenção à saúde; econômico-financeira; estrutura e operação; e satisfação dos
beneficiários. Essa avaliação consiste na possibilidade de um maior controle e
fiscalização da prestação de serviços realizadas pelas operadoras de planos de saúde.
(ANS, 2006)
A ANS (2006) espera com essas ações induzir um processo contínuo da
qualificação nessas 4 (quatro) dimensões, para que as operadoras “operem de forma
equilibrada, ágil, com informações consistentes, oferecendo serviços adequados aos
seus beneficiários”.
1.2 METODOLOGIA
Essa dissertação é um recorte da pesquisa “Implantação de Atenção Domiciliar
no âmbito da Saúde Suplementar – modelagem a partir das experiências correntes”,
realizado pelo Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense
(UFF), com apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Organização
Pan Americana de Saúde (OPAS), da qual fui pesquisador, no período de Agosto de
2006 a abril de 2007. Pesquisou-se quatro operadoras, sendo três no estado do Rio de
Janeiro (medicina de grupo, auto-gestão e seguro saúde) e uma operadora em Minas
Gerais (cooperativa médica). Para essa pesquisa focamos na operadora mineira.
31
1.2.1 Cenário da Pesquisa
A escolha da operadora deu-se em primeiro lugar por já haver registros de que
ela desenvolvia um processo importante de reestruturação produtiva (ANS, 2005) e o
PAD se insere nesse contexto; em segundo lugar por se destacar no cenário nacional
tanto pela mobilização que desenvolve de mudança de práticas de cuidado, quanto pela
representatividade dentro do sistema de cooperativas nacional.
Segundo comprovante fornecido pelo site da ANS, acessado em 09/02/2007,
esta CM tem 609.798 beneficiários. Em acesso realizado em 18/01/2009 consta
707.706 beneficiários, o que representa 15% dos beneficiários mineiros. Um aumento
de quase cem mil beneficiários em dois anos. Esse aumento ocorre pelo foco nos
planos empresariais, trazendo para dentro da operadora os trabalhadores de empresas
de pequeno, médio e grande porte. A mudança de público busca captar a população
que está em momento produtivo e utilizaria pouco os serviços de saúde.
Essa clientela está alocada em três tipos de planos. Essas opções de plano são
oferecidos tanto no plano individual quanto no plano empresarial. Chamarei aqui de
Plano 1, Plano 2 e Plano 3.
O Plano 1 caracteriza-se pela co-participação, ou seja, a empresa ou o
beneficiário paga uma mensalidade fixa reduzida e participa com um pequeno valor nas
consultas, exames e internações, segundo tabela pré-definida. As consultas são pré-
agendadas nos Núcleos de Atenção á Saúde (semelhantes a uma Unidade Básica,
oferta ações de enfermagem e consultas de clínica médica, pediatria e ginecologia) em
32
Belo Horizonte e Contagem, e, uma rede de médicos exclusivos para atendimento em
Santa Luzia, Nova Lima, Vespasiano e Lagoa Santa. Mantém atendimento ambulatorial
de urgência e emergência e internações em enfermarias.
O Plano 2 é similar ao Plano 1, seguindo o modelo de co-participação. A
diferença ocorre na rede preferencial no qual o beneficiário terá acesso. No caso, o
beneficiário Plano 2 têm acesso a qualquer hospital, profissional conveniado e
laboratórios. A acomodação pode ser em enfermaria ou apartamento.
No Plano 3, com pagamento de mensalidade pré-definida, o beneficiário tem
acesso á rede ampla e sem necessidade de co-participação, com opção de
acomodação em enfermaria ou apartamento.
Nos três planos há os chamados “opcionais” que são a cobertura odontológica e
transporte aéreo médico. Nos planos empresariais, a CM propõe realizar uma rede de
relacionamento com a empresa através de Tecnologia da Informação (e-mail, sistema
informatizado) e promoção de saúde no local de trabalho disponibilizando informações
sobre os mais diversos temas que interferem na saúde do colaborador2, como diabetes,
tabagismo, estresse, hipertensão e outros. Com objetivo de diminuir índices de
absenteísmo e para o aumento da produtividade.
Outros serviços oferecidos:
• Serviço 0800, 24 horas por dia e 7 dias na semana. Serve para dar
agilidade, conveniência e conforto para autorizar procedimentos, solucionar dúvidas,
atualizar informações. Tem opções para urgência e emergência médicas, mudança de
2 Termo utilizado referenciando ao trabalhador que possui o plano de saúde desta CM. Nos planos individuais, a pessoa que possui qualquer plano de saúde é nomeada beneficiário.
33
plano, autorização de procedimentos, compra ou informação sobre novos planos,
atendimento exclusivo aos prestadores de serviços na rede credenciada.
• Autenticação Biométrica por Impressão Digital que descarta o uso de
senhas, do cartão do cliente, a utilização do plano por outras pessoas e dá agilidade na
realização de consultas e exames;
• O programa “Dr. Você” é uma avaliação no qual o beneficiário/colaborador
preenche com objetivo de melhorar o atendimento. Conta com os itens: Qual o motivo
de sua vinda, Como você avalia o médico que o atendeu (pontualidade, Qualidade do
atendimento, Entrevista e exame clínico, Resolução de problemas), Como você avalia o
atendente que o atendeu, Como você avalia a estrutura física, Sua manifestação acima
foi: Elogio, Sugestão, Solicitação, Crítica;
• Débito automático;
• Informes educativos para conscientização da utilização dos serviços, por
exemplo: avisar com antecedência se faltar a uma consulta;
• Pronto Atendimento para casos de urgência nas especialidades de cirurgia
geral (24 horas), clínica médica (24 horas), ortopedia (das 07 ás 23 horas), pediatria (24
horas), exames de raio-x e laboratório;
• Hospital-Dia e Maternidade realizam cirurgias programadas e partos, além
dos casos de urgência nas especialidades de Ginecologia e Obstetrícia;
• Serviço de Atenção Pré-Hospitalar - APH: Em situações de emergência
médica, isto é, que envolvem riscos de morte, os clientes podem recorrer á equipe da
APH, um serviço próprio da cooperativa em plantão permanente através do Disk. Este
34
serviço é oferecido exclusivamente nos municípios onde a CM atura diretamente (Belo
Horizonte e outras 16 cidades na região metropolitana), desde que estejam até 60 km
do centro de Belo Horizonte.
Baby é um programa criado para oferecer mais tranqüilidade e segurança á
mamãe e seu recém-nascido, no período pós-parto. Em média, 72 horas após a alta
hospitalar o bebê, a nova mãe, cliente da CM recebe, em casa, a visita de uma
enfermeira que dá a ela e seus familiares envolvidos com os cuidados do bebê
orientações e informações úteis para os primeiros dias de vida da criança.
1.2.2 Tipo de pesquisa
Essa dissertação caracteriza-se, portanto, como uma pesquisa retrospectiva,
pois os dados foram coletados anteriormente, no período de agosto de 2006 a abril de
2007. Essa dissertação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho / Faculdade de Medicina da UFRJ, conforme
anexo 1.
No intuito de descrever e analisar a produção do cuidado no Programa de
Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica, a partir da micropolítica dos processos
de trabalho, optamos por uma estrutura metodológica que permitisse olhar de forma
diferente para a produção do cuidado que está instalada num setting terapêutico
diferenciado: o domicílio. Portanto, seria ideal a coleta de dados, principalmente
35
qualitativos, para analisar as relações estabelecidas nesse encontro e as tecnologias
que foram apropriadas pelos trabalhadores desse serviço.
Segundo Minayo (1999, p89) “a fase exploratória da pesquisa compreende a
etapa de escolha do tópico de investigação, de delimitação do problema, de definição
do objeto e objetivos, de construção do marco teórico conceitual, dos instrumentos de
coleta de dados e da exploração do campo”.
Nessa dissertação o formato metodológico direciona para um estudo qualitativo,
por considerar o PAD um objeto complexo que traz consigo uma história, cultura,
política e ideologia que não pode ser contida apenas numa fórmula numérica ou num
dado estatístico (MINAYO, 1999).
1.2.3 Coleta de dados
Dentro da pesquisa qualitativa utilizamos o Estudo de Casos, uma vez que na
pesquisa “Implantação de Atenção Domiciliar no Âmbito da Saúde Suplementar” foram
selecionados casos de Programas de Atenção Domiciliar para observação e
consideraram-se esses programas como sendo singulares na sua forma de promoção à
saúde.
Estudo de Caso é um modo de obter uma grande quantidade de informações
sobre um ‘’programa’’ singular, ou como representativo de um tipo de programa ou
como o único de um ‘’tipo’’. Tem como métodos/técnicas utilizadas: Visitas locais,
36
Observação participante das atividades; Entrevistas com informantes-chaves; Revisão
documental. (VENEY, 1991)
Para obter uma grande quantidade de informações utilizamos as técnicas: visitas
locais, observação participante das atividades, entrevistas com informantes-chave e
revisão documental. (VENEY, 1991)
Entrevistas semi-estruturadas com informante-chave: Foram entrevistados quatro
informantes-chave: Gestor, Coordenador do Programa, Coordenador de Equipe e
Beneficiário para apreensão do modelo assistencial. A entrevista semi-estruturada
ocorreu no local onde cada informante atua, foi assinado o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido e pautou-se sobre: histórico do programa, funcionamento, a
composição da equipe, os fluxos assistenciais (Beneficiário-Equipe, Beneficiário-
Cooperativa Médica, Equipe-Cooperativa Médica) adesão ao tratamento e alta. O
questionário está no Anexo D.
Observação: é uma técnica metodológica valiosa, especialmente para coletar
dados de natureza não verbal. Ocorreu durante as entrevistas, nos locais onde cada
informante atua. (VIANNA, 2003). Apesar de Veney (1991) dizer que a observação
deveria ser participante no estudo de caso, nessa pesquisa realizamos a observação
simples que consistiu na observação das ações realizadas pelos profissionais em seus
locais de atuação, suas relações com os demais sem fazer intervenções ou participação
nos casos.
Pesquisa documental: Foi feita uma revisão bibliográfica sobre o tema por meio
de pesquisas em diversos sítios: Associação das Empresas de Medicina Domiciliar,
ANS, Ministério da Saúde, ANVISA, Portal Home Care, Faculdade de Medicina da
UFRJ/Micropolítica, Unimed, Scielo, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
37
utilização de artigos compilados pela pesquisa desenvolvida pela UFRJ (cerca de 130
artigos), pesquisas bibliográficas sobre PAD, análise documental (leis, portarias,
normas técnicas) e bibliografia de referência sobre promoção do cuidado, integralidade,
clínica, metodologia
1.2.4 Critérios de Inclusão e Exclusão dos Sujeitos da Pesquisa
Os critérios de inclusão ou exclusão referem-se ao quadro organizacional da
Cooperativa Médica enquanto quadros responsáveis pelo cuidado e pela indicação de
um beneficiário para a entrevista.
A pesquisa teve como sujeitos da pesquisa:
• 1 (hum) Gestor da Cooperativa Médica:
• 1 (hum) Coordenador do Programa de Atenção Domiciliar;
• 1 (hum) Coordenador da equipe assistencial;
• 1 (hum) Beneficiário do programa.
Para realizar a entrevista com o beneficiário, adotamos como critério que este
deveria ser dependente de cuidados do PAD, que, portanto, demandaria mais recursos
da equipe assistencial, interrogaria de forma mais eficaz o modo de produção do
cuidado no Programa. A entrevista com o beneficiário seria um Estudo de Caso
(VENEY, 1991) dentro dessa dissertação, por selecionarmos uma situação que
38
mostrasse os acontecimentos e tensões do PAD e considerarmos o que acontece, no
que foi relatado na entrevista, pudesse ocorrer com os demais beneficiários.
Tínhamos como pretensão que a entrevista com o beneficiário servisse como um
analisador, no sentido dado pelos analistas institucionais, como algo que revela o
funcionamento da organização. Um analisador, segundo Lourau (1975) seria o
surgimento das contradições até então ocultas ou não mencionadas e tem como
característica surgir naturalmente, no cotidiano. O analisador permite revelar a estrutura
da organização na sua forma diária, diferente da forma ideal colocada pelos
documentos e normas. Assim, teria maior capacidade de revelar o processo de trabalho
e o cuidado “em ato”. Foi feito uma observação dos procedimentos realizados em
domicilio pela enfermeira.
O analisador faz falar: de repente, graças a um acontecimento, à introdução de um elemento estranho que sai da norma (doente atípico, desviante, conduta incongruente), interroga-se, sente-se a necessidade de criticar as normas, revelar contradições, dizer o que se calava, exprimir divergências, como se as instituições fosse obrigada a se justificar e se repensar. (BARUS-MICHEL, 2004)
1.2.5 Análise dos dados
A definição dos marcadores é uma forma didática de discutir alguns aspectos da
Atenção Domiciliar que foram surgindo na pesquisa e na análise dos dados. Poderiam
ter surgido outros marcadores, como foi feito em outras pesquisas, termos adotados
outros referenciais teóricos para lidar com o objeto pesquisado. Os Programas de
39
Atenção Domiciliar dispararam discussões importantes no campo saúde, pela sua
diversidade e potencialidade nas inovações tecnológicas e pelos resultados que
proporcionam para os estabelecimentos quanto para a produção do cuidado.
Para um estudo qualitativo, com ênfase no Estudo de Caso, a criatividade do
pesquisador é fundamental para sentir as relações existentes no cotidiano do PAD,
através de uma observação vibrátil, dando linguagens aos informantes-chave e ir
desenhando a paisagem dos caminhos percorridos. (ROLNIK, 1989)
Não saberia dizer, se os marcadores surgiram durante as entrevistas ou pelas
leituras do referencial teórico. Talvez tenha ocorrido de forma imanente3, o que é o mais
provável. Foram sendo construídos no caminho, no ato de desenhar a paisagem e na
tentativa de organizar as linhas fluidas da percepção. Não foi uma construção
cronológica e seqüencial, tanto da definição do referencial quanto dos marcadores.
Diversas leituras foram feitas, vários encontros realizados, apresentações, escritas.
Intervenções no mundo que foram sofrendo afetamentos4 e afecções5, em locais e
formas que nem sempre teve a presença dos nossos corpos, mas dispararam
processos incontroláveis de antropofagia6 de nossas atuações.
3 O campo de imanência não é interior ao eu, mas também não vem de um eu exterior ou de um não-eu. Ele é antes como o Fora absoluto que não conhece mais os Eu, porque o interior e o exterior fazem igualmente parte da imanência na qual eles se fundiram. (Deleuze e Guattari, Vol 3 p.16) 4 Afetamentos: O poder de ser afetado apresenta-se então como potencia para agir, na medida em que se supõe preenchido por afecções ativas e apresenta-se como potência para padecer, quando é preenchido por paixões. (DELEUZE, 2002, p 33) 5 Afecções: Um indivíduo para ser afetado precisa ser preenchido por afecções. Distinguiram-se duas espécies de afecção: as ações, que se explicam pela natureza do individuo afetado e derivam de sua essência e as paixões, que se explicam por outra coisa e derivam do exterior. As afecções não são separáveis de um movimento pelo qual nos fazem passar a uma perfeição maior ou menor (alegria e tristeza), conforme a coisa encontrada se componha conosco, ou, ao contrário, tenda a decompor-nos, a consciência emerge como o sentimento contínuo de uma tal passagem, do mais ao menos, do menos ao mais (DELEUZE, 2002, p 27 e 33). 6 Um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado. Está sempre buscando elementos/alimentos para compor suas cartografias. Este é o critério de suas escolhas: descobrir que matérias de expressão, misturadas a quais outras, que composições de
40
Nesse mundo do trabalho, com capturas do processo de trabalho e da tentativa
de captura das ferramentas tecnológicas dos trabalhadores, identificasse no campo
saúde uma proposição dos estabelecimentos de gerenciar a vida dos seus beneficiários
e dos seus trabalhadores, ou seja, de todas as pessoas envolvidas. Essa forma de
captura, seja ela sutil ou normativa, estabelece a forma de organização, o processo de
trabalho e atinge diretamente o beneficiário, justamente no ato de recebimento dessa
força de captura.
Além de receber em ato os cuidados necessários, recebe as proposições
estabelecidas a priori na gestão do PAD e criam no beneficiário novas formas de lidar
com essa situação. Essas novas formas de subjetivação seria a intercessão entre
beneficiário-equipe-operadora. Um encontro formador de vida, possibilidades,
resistências, conflitos, amores, temores, cobranças, etc.
Com a leitura das entrevistas e do referencial teórico, foram surgindo quatro
marcadores que serão explorados nessa dissertação: Aspectos Organizacionais do
PAD, Gestão da Vida, O Processo de Trabalho e o Trabalho em Equipe, e, Cuidados ao
Beneficiário.
Aspectos Organizacionais do Programa: são as estruturas reunidas pelo PAD e
que é oferecido ao beneficiário para a viabilidade do PAD. Temos os equipamentos,
protocolos, infra-estrutura física, normas. Aqui, podemos analisar a reestruturação
produtiva que ocorre no PAD. São aspectos provenientes do trabalho e que se mostram
em alguns momentos já consolidados, após um momento de alterações. (MERHY,
1997)
linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu corpo no encontro com os corpos que pretende entender. (ROLNIK, 1989)
41
Gestão da Vida: coloca a questão da gestão que a CM sobrepõe ao PAD e sobre
a vida dos seus beneficiários, ambos em diversos níveis. Referenciado na teoria do
trabalho imaterial (Michael Hardt, Toni Negri, Maurizio Lazaratto) que descreve-o como
sendo um trabalho que produz um bem imaterial, como serviços, conhecimento,
comunicação (Hardt, 2003; Hardt e Negri, 2005). Nas entrevistas, identificamos o
trabalho imaterial nas formas de produção do cuidado nos quatro tipos de programas
oferecidos aos beneficiários, na forma de produção do cuidado e nas relações
existentes entre PAD e beneficiário.
Processo de Trabalho e Trabalho em Equipe: refere-se à divisão social do
trabalho, relação entre trabalhadores e empresa, e, a formação/treinamento do
profissional. A operadora estipula algumas normas (número de visitas, o
posicionamento perante o beneficiário) que atravessam a sua postura ético-política de
produção do cuidado. Tem-se por referência a teoria do trabalho vivo em ato na saúde
(Merhy, 1997, 2007) e o tema da reestruturação produtiva.
Cuidados ao Beneficiário: são as ações realizadas no e para o beneficiário. É a
práxis do que é estabelecido pela gestão, é o surgimento do trabalho vivo em ato que
mostra o calor das ações e o contato real entre profissionais e beneficiário. Aqui,
encontramos situações analisadoras que corresponde a situações que ocorrem no
cotidiano (LOURAU, 1975; BAREMBLITT, 2002; BARUS-MICHEL, 2004), mostrando o
que não foi dito e que escapa à tentativa de gestão da vida.
Apresentaremos em forma de marcadores a nossa discussão, no capítulo 2.
42
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Gestão da Vida
Nessa operadora, o PAD possui quatro subprogramas para a prestação de
serviços de atenção domiciliar, com os quais opera uma “gestão da vida” dos
beneficiários e dos trabalhadores. É um trabalho de suporte e que se tornou
extremamente importante para o funcionamento do Programa. Um trabalho que se
configura como um trabalho imaterial “ou seja, trabalho que cria produtos imateriais,
como o conhecimento, a informação, a comunicação, uma relação ou uma reação
emocional”. (HARDT e NEGRI, 2005. p 149).
No caso da saúde, o trabalho imaterial se manifesta mais fortemente pelo
“trabalho afetivo” conforme Hardt (2003, p152). E isto só é possível porque na saúde há
uma forte presença do trabalho vivo em ato (Merhy, 1997, 2007), que, segundo seus
atributos de liberdade, criação e instituinte, abre para possibilidades de arranjo inter-
subjetivos, que são organizados no âmbito do processo de trabalho mais relacional
presente na saúde.
Para esse marcador pegaremos alguns autores que fazem a discussão sobre o
mundo do trabalho e das influências que causam na vida das pessoas e as tecnologias
que tentam captar a vida para um motivo exterior aos seus desejos.
43
Pegando emprestado um trecho do livro Saúde, a cartografia do trabalho vivo, de
Emerson Elias Merhy, vemos que as formas tecnológicas tomam outra dimensão.
O trabalho em saúde não pode ser globalmente capturado pela lógica do trabalho morto, expresso nos equipamentos e nos saberes tecnológicos estruturados, pois o seu objetivo não é plenamente estruturado e suas tecnologias de ação mais estratégicas configuram-se em processos de intervenção em ato, operando como tecnologias de relações, de encontros de subjetividades, para além dos saberes tecnológicos estruturados, comportando um grau de liberdade significativo na escolha do modo de fazer essa produção. (MERHY, 2007, p49)
Essa multiplicidade e transformações que ocorrem no campo saúde, muitas
vezes direcionadas sem o auxílio de normatizações, são opções escolhidas pelos
estabelecimentos de saúde e pelos profissionais. Isso mostra a dificuldade de fazer
tecnologias, sobretudo na Atenção Domiciliar: 1) pelo setting diferenciado que é o
domicílio, diferente dos estabelecimentos disciplinares já consagrados (igreja, exército,
escola, hospital); 2) pelas relações e disputas que estão à mostra nessa modalidade; 3)
pela multiplicidade que a vida demonstra fora dos estabelecimentos disciplinares; 4)
pela liberdade que se tem dentro do domicílio.
Na Atenção Domiciliar, estas tecnologias apresentam-se na vida das pessoas
envolvidas para esse faze viver. A intervenção no corpo na hora do curativo, ou numa
intervenção invasiva, do tipo de alimentação que o beneficiário tem que seguir, a
determinação das horas para as atividades do cotidiano (café, almoço, lanche, banho,
visitas), roupas a serem vestidas, os procedimentos em caso de emergência, atividades
físicas, forma de locomoção, delimitação de locais adequados para a manutenção do
estado de saúde, a produção de protocolos para serem inseridos nos bancos de dados,
a colocação da cientificidade do profissional perante o saber do cuidador.
44
No histórico da operadora, vemos que o primeiro projeto de Atenção e Internação
Domiciliar surgiu em 1999 com o programa, então intitulado HOME CARE/HOSPITAL
CASA, com a utilização de serviços terceirizados. Sua proposta era levar para o
domicílio todo o equipamento hospitalar necessário para a realização da Internação
Hospitalar daqueles pacientes que estavam a muito tempo hospitalizados e que
poderiam fazer o restante do tratamento no domicílio. Em 2004, realizou-se uma
avaliação que comparava o custo do Hospital Casa com a Internação Hospitalar e a
média de permanência nas duas situações. O resultado foi uma diferença muito grande
de custo e permanência, mostrando que a Internação Domiciliar era mais cara e mais
prolongada. Foi diagnosticado também que esse modelo era de baixa aceitação das
famílias para produzir o cuidado, que gerava grande número de liminares judiciais para
que a CM assumisse os cuidados básicos, que supostamente deveria ser realizado pela
família. O número de beneficiários era pequeno e eram sempre os mesmos, 200
beneficiários num universo de 40.000 beneficiários da CM. Esse projeto foi encerrando
em 2005 e os beneficiários foram inseridos nos programas recém criados da Atenção
Domiciliar.
Antes do término do Programa de Home Care, inicia-se a partir de 2002 uma
reestruturação na Internação Domiciliar. Com estudos realizados em 2002 e 2003,
identificaram que uma grande clientela utilizava os serviços de saúde “de forma
desordenada, de uma maneira inadequada” (Gestor). Esses beneficiários internavam
com muita freqüência e tinham muitas visitas ao Pronto Atendimento e pouca utilização
de consultas em consultório.
Esse poder sobre a vida do beneficiário, fazendo estudos para saber suas
demandas e entendendo seus caminhos dentro dos seus serviços, demonstra uma
45
tecnologia que está sendo utilizada pela operadora para “criar” esse novo beneficiário.
Um beneficiário que tenha demandas previsíveis, que demande serviços em horas
marcadas, que seja cuidadoso em seus atos, que cumpra seus compromissos
religiosamente.
Com uma demanda pré-estabelecida começam a implantação dos quatro
programas de Atenção Domiciliar:
Programa de Curativos em Domicílio – criado em 2002. A equipe realiza
curativos em domicílio nos pacientes cronicamente acamados e que desenvolvem
úlceras de decúbito e/ou feridas crônicas. A partir dos resultados desse programa,
identificou-se que os beneficiários continuavam dependentes de cuidados e que suas
famílias demandavam um suporte de referência. Nesse programa houve a migração de
18 beneficiários do Programa de Home Care.
Com isso, foi criado o Programa de Gerenciamento de Casos Crônicos, em maio
de 2003, que foca o cuidado continuado aos beneficiários com o seguinte perfil:
maiores de 50 anos de idade, portadores de doenças neurológicas crônicas, agudas e
que necessitam de algum suporte à saúde no domicilio. São beneficiários que saíram
do hospital com agravos de baixa complexidade (com sonda ou customa) e que no
domicílio torna-se com alta resolutividade. Atualmente a grande clientela são os
pacientes com seqüelas de doenças neurológicas agudas ou crônicas.
Posteriormente ocorreu o programa de Intervenção Específica para uma
intervenção no domicílio nos casos de situações agudas e que demandariam uma
internação hospitalar para tratamento, mas o beneficiário tem condições de permanecer
no domicílio. São pacientes com alguma infecção que necessita de antibióticoterapia
46
endovenosa, pacientes estáveis ou com desidratação aguda e que demandam
soroterapia endovenosa.
Ventilação Mecânica Invasiva, que é o único programa que leva ao domicilio
equipamentos exclusivos de âmbito hospitalar. São poucos casos, mas esse programa
é resquício do período do Home Care.
Esses quatro programas formam o Programa de Atenção Domiciliar. Temos
quando ocorre a descrição, a função de cada modalidade, a elegibilidade, o perfil do
beneficiário, a terapêutica que cada um proporciona. É uma tentativa de proporcionar a
todos, de forma massificada, regras que todos estão sujeitos. Regras que foram criadas
no âmbito da gestão, com certas fórmulas administrativas, tecnologias informacionais e
com objetivo de ter um certo poder sobre a vida das pessoas. Dizendo o que pode e
não pode ser realizado dentro dessa estrutura.
O número de beneficiários durante esses anos mostra a singularidade desse
programa no cenário nacional com um crescimento muito potente:
Quadro 2: Número de beneficiários no PAD/Ano
Ano Número de Beneficiários
2002
2003
18
30
2004 300
2005 2100
2006 3300
2007 4700
O coordenador de equipe informa que já passou pelo PAD mais de 3.000 famílias nesse período
Fonte: Entrevista com gestor
47
Inicialmente pensaram delimitar o PAD para um público acima de 65 anos.
Devido a demanda, atualmente são beneficiários acima de 50 anos e a maior parte com
seqüelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Existem 2 casos com trauma ráquio-
medular, com idade inferior a 50 anos, tetraplégicos e que a família pediu orientações
para seus cuidados. São beneficiários totalmente dependentes de cuidados de
terceiros.
Se fossemos colocar esses números em um gráfico, veríamos uma linha
crescente. Uma linha que teria no seu topo 4700 emaranhados de pessoas. Se
fossemos desfiando esse fio, encontraríamos fio a fio = pessoa a pessoa. Cada um com
uma história e motivo para fazer parte dessa linha.
A regulamentação tece esse grande fio. Pega cada linha, cada pessoa, com uma
proposta formativa e vai entrelaçando-as. Dependendo da forma como olhamos,
identificamos uma grande massa. Se olharmos de perto e pudermos mexer na linha,
veremos que existe um emaranhado de linhas. A gestão é uma máquina que constrói
massas, deixa algumas singularidades de fora e expõe o que lhe é permitido ser visível.
De certa forma o PAD “conseguiu cobrir toda a superfície que se estende do orgânico
ao biológico, do corpo a população, mediante o jogo duplo das tecnologias de
disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regulamentação, de outra”. (FOUCAULT,
1999, p 302)
Nesse período, os impactos nos custos em relação à clientela atendida pelo
PAD, conforme informado pelo Gestor, indicam: “redução de 54% nas internações
hospitalares, mais de 50% de redução das visitas ao pronto atendimento e uma
redução global de custos de 22% do PAD”. Além desses resultados, outros são
relatados pelo Gestor, em relação à melhora na qualidade do serviço oferecido,
48
aumento da resolutividade, diminuição do tempo de permanência em tratamento,
melhora na qualidade de vida e na qualidade de assistência à saúde dessa população.
Para Hardt (2003), “o trabalho atua diretamente nos afetos, ele produz
sociedade, ele produz vida”. Para ele, os serviços de saúde baseiam-se nesse tipo de
trabalho, fundamentalmente em trabalho afetivo e prestação de cuidados. “As
prestações de cuidado estão, com certeza, completamente imersas no corporal e no
somático, mas os afetos que elas produzem são, não obstante, imateriais”.
Trabalho possível quando há um encontro estabelecido entre operadora e
beneficiário. Hardt (2003) mostra que a indústria dos serviços transformaram as
relações e a natureza humana, com um serviço de feedback rápido, capaz de entender
o mercado e o interesse das pessoas, com um nível muito alto de complexidade da
interação humana. Mesmo que essa interação seja dominada pelo capital e integrada a
ele.
Há três tipos de trabalho imaterial: 1) relacionado à produção industrial global e
que incorporou tecnologias de comunicação que transforma o processo de produção
industrial; 2) tarefas analíticas e simbólicas, que por sua vez, se divide em manipulação
criativa e inteligente, por um lado, e por outro, em tarefas simbólicas de rotina; 3)
produção e manipulação de afetos e requer o contato e a proximidade humana (virtuais
ou afetivos).
Para o ingresso no PAD, o beneficiário entra em contato com o serviço e solicita
a entrada no programa (demanda espontânea); ou o médico que acompanha o caso
solicita a entrada (encaminhamento); ou o auditor da Cooperativa identifica no sistema
quem utiliza o serviço de forma “desorganizada”, conforme fala do gestor (busca ativa).
Depois, passa por uma verificação quanto à sua elegibilidade, ou seja, um profissional,
49
normalmente o enfermeiro, verifica se ele está dentro dos critérios estabelecidos para a
Atenção Domiciliar. Após análise, estabelece-se um projeto terapêutico que dá acesso
aos diversos recursos e profissionais disponibilizados pelo Programa.
O interessante desse ingresso, além das formas de demanda espontânea ou dos
encaminhamentos da equipe, refere-se ao sistema informacional da operadora que
fornece todos os dados do beneficiário. É um sistema em corrente desenvolvimento,
que atualmente é desejado por outras operadoras na forma como se encontra
estruturado. O principal operador desse sistema é um administrador, em vez de um
profissional da saúde, o que gera um grande embate dentro da ANS, pois as demais
operadoras e de certa forma a ANS também pressupõe que esse trabalho deva ser feito
por um profissional da saúde. Mas o trabalho imaterial não está detento de uma
profissão (da saúde ou informática), mas as habilidades do trabalho imaterial estão
espalhados no campo de permanente disputa entre as profissões.
Entretanto esse trabalho é considerado muito valioso e as profissões tendem a
buscar formas de ingresso nessa modalidade de trabalho. Como é o caso da medicina,
enfermagem e farmácia, que já regulamentaram suas profissões para oferecer o serviço
de atenção domiciliar.
Essa operadora deixa a entender que a visão geral dos processos cooperativos
estão ligados aos interesses do fortalecimento do estabelecimento, acima das disputas
de profissões. Apesar de que a cooperativa é médica e deveria atender ao interesse da
classe médica. Isso implica que de certa forma, a cooperativa tenta proteger a
cooperativa dos seus médicos cooperados e pauta uma disputa sobre a delimitação das
profissões, no caso específico da profissão médica.
50
Donnangelo (1975) já havia descrito que a profissão médica insere-se no
mercado na busca de autonomia e que na sua reserva de mercado se assujeita a
algumas situações que vão contra sua própria busca. Esse sistema é um exemplo das
novas formas tecnológicas agindo em todos os envolvidos no PAD, destacando as
encruzilhadas que a medicina encontra em determinados momentos.
O programa é voltado para a orientação do cuidado, prevenção (queda, lesão,
aspiração), educação, imunização e toda a equipe participa nesse sentido. Inicialmente
tinha a preocupação com a redução do custo assistencial e posteriormente, após ter
mostrado os resultados do PAD dentro da CM, há a valorização do resultado, o
acompanhamento, à perspectiva de melhora do beneficiário, a melhora da relação com
a família/beneficiário.
A equipe, na maioria dos casos, acompanha o beneficiário dependente do PAD
até a morte, devido o processo de elegibilidade. A proposta é de dar esse tipo de
suporte e para esses beneficiários espera que eles faleçam dentro do programa. A
equipe diz querer fazer isso de uma forma mais adequada, mais digna, mais tranqüila
para a família e para todo mundo.
“Fazer viver”. Mas não com o imperativo de soberanias nacionais, de defesas, de
identidade nacional. Estamos dentro de um programa, de uma operadora, de uma
saúde suplementar, de um SUS, do Estado brasileiro (que atua onde lhe for
determinado por leis, conforme preconiza o Estado Democrático de Direito). Esse “fazer
viver” do PAD diz da competência e da radicalidade da gestão da vida, que também é
encontrada na gestão da vida do Estado brasileiro, independente das macro ou
micropolíticas. Pois, as tensões teóricas e encontros ocorrem independente do local, da
instancia, basta haver um encontro. Como temos diversas proposições de como lidar
51
com as questões do mundo, as diversas instancias consolidam a sua proposição nas
suas esferas de deliberação, com a boa fé das pessoas que os produtos finais serão do
seu interesse.
No PAD faço-o viver pelo princípio de gerar vidas com propostas teóricas de
saúde, disputando com a epidemiologia quem tem a maior resolutividade, propostas
também administrativas na disputa da racionalidade, econômicas no custo benefício.
Numa complexidade de tensões que atravessam o beneficiário, que também possui
seus desejos. Nessa tensão constitutiva, são criados processos de subjetivações, com
axiomas, despejos de desejos, quebrando as estruturas para que algum pedaço sirva
para alguém consumir.
Outra questão importante no PAD diz respeito à capacitação do cuidador, do
familiar cuidador do beneficiário com algum grau de dependência. O cuidador é
orientado sobre como fazer um diagnóstico, as mudanças de decúbito, as adaptações
necessárias para cuidar do beneficiário. São orientações sobre cuidados gerais,
alimentação, medicação, prevenção de quedas, prevenção de pneumonia, entre outras.
Importa informar que o cuidador é fundamental para o funcionamento do PAD, sendo
de responsabilidade da família dispor de um ente ou contratá-lo. Com isso, o PAD
torna-se gestor do cuidado, fazendo a capacitação, monitoramento e a análise dos
processos terapêuticos e das condições de saúde do beneficiário.
Nos quatro programas mencionados, há por parte da operadora a intenção de
que a família assuma os cuidados e grande parte dos insumos, ficando por parte da
operadora a gestão da assistência, uma visão de cima do que acontece no cotidiano do
cuidado ao beneficiário. Para isso, todos os profissionais são orientados para capacitar
os cuidadores, com transferência de informações e métodos de intervenção. Essa
52
transferência ocorre por meio de impressos e no trabalho em ato – momento de maior
encontro entre profissional, cuidador e beneficiário. Nesse momento, o saber científico
do profissional dobra com o saber cuidador, gerando trocas de conhecimento, afetos,
disputas e resistências.
Nesse trabalho vivo em ato, há o agenciamento – novas formas de produção,
acontecimentos – pactuando a forma que o cuidador adotará como prática do seu
trabalho, adotando posturas técnicas em determinados procedimentos e posturas mais
relacionais para determinadas situações.
Essas disputas vão gerando pactuações a todo momento na gerência dos casos
– pegando o termo adotado pela operadora e pela tentativa de gestão da vida que se
mostra nesse programa. Com isso, gera-se uma certa tutela-reguladora do trabalho do
cuidador – já que a operadora mantém uma visão de fora do seu trabalho, mas não o
controle total, pois não passa o tempo todo, 24 horas por dia, ao lado do leito do
beneficiário como é feito num hospital e pelo fato da vida sempre proporcionar linhas de
fuga. O que predomina nesses momentos é o compromisso ético político do sujeito-
trabalhador da saúde. A operadora pode definir por uma biopolítica que produz o sujeito
na ponta, potencializar o cuidador e o beneficiário, mas sempre haverá o momento da
escolha do sujeito. Nesse sentido, é uma biopolítica que tem potência de produzir
formas de vida mais livres.
O PAD utiliza como indicador da estabilidade do beneficiário, o estudo de casos
que estando sob atenção domiciliar necessitaram internação. Avaliam estes
questionando o motivo da internação, se era uma intervenção previsível, questionando
o que teria acontecido caso a equipe tivesse chegado com antecedência para fazer
53
uma intervenção e se isso poderia ter evitado que aquele beneficiário fosse para o
hospital ou não.
A avaliação é um momento de ver e rever as questões encontradas no cotidiano
do trabalho. Principalmente uma avaliação potencializadora das questões encontradas,
que dispare outros processos de construção de conhecimento e revisão de ações, tanto
para o estabelecimento quanto para as pessoas.
Para os gestores do PAD, o primeiro benefício do programa é a assistência
individualizada, personalizada, ser assistido por uma equipe transdisciplinar altamente
capacitada, ter a comodidade de atender a família em casa e ao mesmo tempo suprir a
demanda de beneficiários que só teriam acesso à CM pela Atenção Domiciliar.
A Atenção Domiciliar contempla um acesso diferenciado. Se essa pessoa ia anteriormente ao consultório, acamado, com AVC, sem condições de ir ao consultório tem que ter outra alternativa de acesso, no caso a Atenção Domiciliar possibilita esse acesso diferenciado. (COORDENADOR DO PAD)
Com toda essa “gestão da vida” que é proporcionada, espera-se dos
beneficiários o seguimento das orientações, adesão ao plano do cuidado, ao plano
terapêutico. “Se não tiver adesão o resultado será ruim – diminuição da hospitalização,
dos eventos, diminuir os agravos, melhorar a condição de saúde do beneficiário, da
família como um todo e redução do custo assistencial”. (Coordenador do PAD)
Um dos grandes desafios encontrados pelo PAD refere-se à parte da informática
e da informatização, considerada potencialmente como trabalho imaterial (uma das
dimensões do trabalho imaterial é o intelectual), segundo Hardt (2003), devido a pós-
modernização ou informatização da economia global. A análise de indicadores e de
fazê-los virar resultados já deveria ter sido implantado e conta com o apoio da ANS.
54
Esses resultados ajudariam na melhoria da qualidade da assistência e da regulação de
determinados programas.
A parte de informática, de informatização, o uso de informação em saúde, ainda é, na minha opinião um dos maiores desafios. Não só da Atenção Domiciliar, mas da saúde como um todo. A gente tem que trabalhar em cima de indicadores, desses resultados. Esse é um desafio maior ainda. Essa parte da informática/informatização/informatização que no SUS tem essa mesma dificuldade em relação a isso. (...) A própria ANS com a regulamentação, é por um lado muito positivo por que vai cobrar vários indicadores que as operadoras de saúde precisam oferecer e que ate então não eram fornecidos. (COORDENADOR DO PAD)
O gestor e os coordenadores avaliam que houve um crescimento do programa.
Ao passar dos tempos, a Cooperativa aceitou essa forma de promoção de saúde por
causa dos retornos adquiridos: aumento de beneficiários e redução de custos. Mas
salientam que sempre tem algo a melhorar: transporte, referência e contra-referência,
preenchimento de formulários, informática, benefícios aos beneficiários, sistematização
da avaliação do PAD pelo beneficiário.
2.2 Processo de Trabalho e o Trabalho da Equipe
Há uma hierarquia de trabalho no PAD, como pode-se ver na conformação das
entrevistas. Há um gestor da operadora responsável pelos serviços ambulatoriais no
qual o PAD está vinculado e que fica num local diferenciado do restante da equipe. Um
coordenador do PAD que viabiliza os procedimentos, organiza as equipes e responde
55
pelo programa. Uma referência na equipe que a coordena, realiza a entrada e saída do
PAD, os procedimentos e faz vínculo com o beneficiário; e os profissionais ditos “da
ponta” que realizam procedimentos e fazem vínculo.
Temos aqui uma rede interdisciplinar que se caracteriza como um sistema de
dois níveis e de objetivos múltiplos: cooperação de nível superior (VASCONCELOS,
2004). No primeiro nível do organograma estão os gestores e no segundo nível os
diversos profissionais. Há uma troca de informações entre os profissionais do segundo
nível e uma certa subordinação ao primeiro nível, com direção (equipe → gestor) e com
baixa potência no fluxo entre os níveis. Então no segundo nível todos estão no mesmo
nível assistencial, como aponta o coordenador do PAD.
Para assistir um grande número de beneficiários por meio da atenção domiciliar,
a operadora conta com 60 (sessenta) profissionais próprios em regime de CLT e que
estão vinculados ao hospital contratualmente: assistente social, enfermeiro,
fisioterapeuta, médico, nutricionista e psicólogo. Conta também com 4 (quatro)
prestadores de serviços de Assistência Médica para auxiliar o programa. Também há
médicos cooperados no PAD e técnicos de enfermagem no Programa de Intervenção
Específica. O coordenador de equipe pontua a falta do fonoaudiólogo na equipe e que
esse profissional seria importante.
Na micropolítica de organização do trabalho, o enfermeiro faz o primeiro contato
e acompanha o beneficiário em todos os momentos, juntamente com o médico. Nas
entrevistas, encontramos que o enfermeiro possui um papel de destaque no PAD, por
realizar a elegibilidade do beneficiário, por dimensionar o cuidado e os profissionais que
irão assistir o beneficiário, além dos cuidados diários. Por toda essa demanda é o único
profissional que faz plantão no fim de semana.
56
Nesse caso, esse PAD está iniciando um processo para ser “enfermagem
centrado”, pois foca na ação destes profissionais na produção da linha do cuidado e no
acionamento dos demais profissionais. Acontece que o enfermeiro passou a ser gestor
do cuidado, gerenciando a linha de produção que organiza a assistência ao beneficiário
em situação de cuidados domiciliares. Com isso, ele organiza essa produção com base
no seu referencial teórico sobre o cuidado e sobre toda a construção que a enfermagem
faz sobre como se posicionar sobre um beneficiário. Podemos observar essa
centralidade no fluxograma (FRANCO, 2004) resumido do ingresso do beneficiário no
PAD.
Entrada na AD
- Demanda Espontanea- Encaminhamento- Convite de um auditor
Avaliação da enfermagem
O beneficiário
tem elegibilidade?
Sim
Nâo
Avaliação do domicilio
O domicilio oferece
condições?
Sim
Não
Programação dos
profissionais
Realização de visitas e
Gerenciamento de Casos
Encaminhado para clínica médica ou
hospital
. . .
Figura 1: Fluxo resumido de ingresso no PAD em uma Cooperativa Médica
Trazendo para a discussão o trabalho afetivo, que não pode ser mensurado, o
seu produto refere-se a saberes, emoções, relações, informação, comunicação,
concordamos que esse trabalho não é específico da enfermagem. (Hardt, 2003)
No contato diário com os beneficiários, na potência das tecnologias leves
(relacionais), os profissionais do PAD realizam procedimentos, passagem de
informações, produzindo cuidado. Um trabalho que potencializa a vida do beneficiário
para outras correntes e formas de existência. Hardt e Negri (2005 p150) preferem falar
de trabalho biopolítico, “um trabalho que cria não somente bens materiais, mas também
relações e, em última instancia, a própria vida social”.
57
O adjetivo biopolítico indica, assim, que as distinções tradicionais entre econômico, o político, o social e o cultural tornam-se cada vez menos claras. Mas a biopolítica apresenta numerosas outras complexidades conceituais, de modo que a nosso ver o conceito de imaterialidade, apesar de suas ambigüidades, parece inicialmente mais fácil de apreender e mais capaz de indicar a tendência geral da transformação econômica. (HARDT e NEGRI, 2005, p 150)
Isso faz com que o organograma seja desconfigurado, dobrado, apresentando-se
nos momentos que for evocado pela molaridade dos acontecimentos. Em outros
momentos, as redes são mais visíveis, “redes de produção de afeto, redes sociais, de
comunidades, de formas de vida: produção de subjetividade”. (Conversações com
Antonio Negri, 2005)
A produção biopolítica aqui consiste basicamente no trabalho envolvido na criação da vida – não nas atividades de produção, mas na criação da vida precisamente na produção e reprodução de afetos. (HARDT, 2003, p156)
O médico do PAD tem a função de fazer a ponte entre o que acontece no
programa com o médico de referência/cooperado, para organizar a prescrição,
organizar a demanda pela especialidade, verificar a interação medicamentosa, entrar
em contato com o médico cooperado caso perceba algum efeito de alguma
inconsistência na prescrição, orientação à família para detenção precoce de agravos.
O fisioterapeuta orienta a família em procedimentos básicos de aspiração,
principalmente secreção oral, cavidade oral, aspiração com sonda; mudança de
decúbito para favorecer expectoração e mobilização de secreções; posicionamento do
leito para ingestão da dieta; evitar as lesões e as úlceras de decúbito. Na literatura,
temos a fisioterapia como um grande aliado dos programas de recuperação de doentes
sequelados, com resultados interessantes.
58
O nutricionista orienta a dieta do beneficiário. Ensina o cuidador ou beneficiário o
que comer, como preparar uma dieta com aporte protéico calórico para as vias de
administração que beneficiário tem condições de receber, seja via nasoenteral, seja
oral, seja, gastrostomia; faz o cálculo das necessidades diárias do beneficiário; os
cuidados para a conservação e a manutenção dos equipamentos necessários para o
preparo desses alimentos.
O assistente social realiza a visita ao domicilio para avaliar as condições para
receber o beneficiário, dá o aval para a internação e realiza a criação de redes sociais
em torno de beneficiários que necessitam de apoio.
O psicólogo entra no momento de desarranjo familiar (entre membros da família
e/ou família com o PAD) e em caso de óbito. Faz terapia breve e grupo focal para
auxiliar no caso do cuidado paliativo, que é onde a família precisa de um suporte maior,
para organizar a rotina de vida e ajudar a lidar melhor com um beneficiário que está
morrendo em casa. Esse profissional também auxilia a equipe, por que para a equipe
também é muito difícil lidar com essas perdas no cotidiano.
Todos os profissionais fazem avaliação, prescrevem, educam, capacitam e dão
alta, fazem o monitoramento por telefone ou quando solicitado pela enfermagem. Além
de fazer o seu trabalho, há uma certa mudança no valor do seu trabalho quando altera
o mundo e a si próprio, com os afetos produzidos. O seu trabalho passa a produzir vida
no outro que é por ele assistido, uma produção biopolítica.
É importante salientar que no PAD também há os profissionais administrativos,
responsáveis pela emissão de notas fiscais e dispensação de medicamentos.
Assim como as funções são diferenciadas, o número de visitas também é, e
depende do programa. No programa de curativo, a enfermagem realiza no mínimo duas
59
ou três visitas por semana para fazer a substituição das coberturas. Caso o beneficiário
necessite de mais visitas, entende-se que ele necessite de outra abordagem, talvez
hospitalar. Em casos de curativos mais simples, com pomada, que demande troca
diária há a orientação para família/cuidador. Desde que não haja interferências à
exposição óssea.
O Gerenciamento de Casos Crônicos, no primeiro mês, há uma carga maior de
visitas, por que a família está adaptando, a equipe está conhecendo o domicilio,
diagnosticando, instituindo o plano terapêutico. Geralmente, são duas visitas de
enfermagem na primeira semana, uma visita na segunda e terceira semana e a partir
daí, há o dimensionamento. Se há necessidade do médico, faz-se uma avaliação,
solicita os exames que achar necessários e volta de acordo com a avaliação, mas,
geralmente, duas visitas médicas no primeiro mês.
A fisioterapeuta instituiu que são 6 (seis) visitas para o treinamento dos
cuidadores. Caso o cuidador necessite de maiores informações, pode haver um
aumento do número de visitas.
A nutricionista realiza 3 (três) visitas. A enfermeira solicita a avaliação da nutrição
e quando a nutricionista chega ao domicilio já tem uma ficha preenchida pela família
para a abordagem. Depois de dois meses pode fazer uma visita de manutenção.
A psicologia realiza no máximo 6 (seis) atendimentos, 3 (três) em caso de óbito e
em casos paliativos não há um número pré-determinado. Mas, certamente é limitado.
As visitas do assistente social não foram estipuladas. São realizadas até
estruturar a família para receber o beneficiário no domicilio.
O coordenador de equipe faz uma avaliação do número de visitas com base
numa classificação de Alta, Média e Baixa complexidade. Quanto maior for a
60
complexidade, maior o número de visitas. Passando de visitas semanais até a visitas
trimestrais. As classificações mencionadas acima são feitas pelo gestor e coordenador
do PAD.
Como vimos o número de visitas que o beneficiário recebe da equipe dependa da
especificidade da situação de cada caso. Independente,
A equipe tem que conhecer a realidade da pessoa, ver como é a casa dela. Eu não posso falar com uma pessoa que não tem um eletrodoméstico, um processador de alimento como é que ela vai processar o alimento. Tem que transportar para a realidade dela. (GESTOR)
A estipulação das visitas é necessária no início do processo terapêutico, para
fazer vínculo, entender a história do beneficiário e montar o projeto terapêutico. Com o
tempo, as visitas tornam-se momentos de encontros, bons ou maus, no sentido
espinosiano. Nesse encontro, com base relacional (existindo a cientificidade e
tecnologias duras na disputa) o real da vida aflora, é dado voz às pessoas, constitui as
micropolíticas e criam-se as tensões dos encontros. As visitas são ferramentas
importantes na criação do vínculo e do trabalho vivo em ato biopolítico. Nessa criação
do PAD, sem muitas regulamentações, as visitas são estipuladas pelas demandas e
pelos acontecimentos do cotidiano, o que propicia dosar as ações na tentativa de
harmonizar as tensões.
Além das visitas, é realizado um monitoramento telefônico. O telefone fica
disponível para a família entrar em contato sempre que se fizer necessário. De acordo
com a complexidade do caso, pode passar a ser feito uma visita mensal e um contato
telefônico mensal, de modo que a cada 15 dias, a família recebe um contato da equipe
de saúde.
61
Não é somente pelo contato físico que estabelece o trabalho afetivo. Os contatos
virtuais ativam a sensação de presença humana junto ao beneficiário produzindo bens
imateriais como a sensação de segurança, a sensação de ser escutado, proteção. Esse
contato virtual, entre duas pessoas, dentro da rede de produção do cuidado, mantém o
beneficiário dentro da sua busca pelo cuidado sob a construção subjetiva da operadora
sobre como estão sendo realizadas as ações no domicílio. Intervindo virtualmente, os
processos de subjetivação tornam-se fortes aliados nesse trabalho biopolítico,
desterritorializando o trabalho vivo em ato, já que a ação, nesse encontro permite que a
materialidade ocorra pelas linhas fluidas do encontro transformadas por ferramentas
(telefone, internet, apostilas) que permitem a transformação do profissional em um ser
sem corpo, ou, que age pelo seu “corpo sem órgãos”, mas com uma proposta ético-
política.
Além das visitas dos profissionais é sempre feita a abordagem telefônica, o monitoramento telefônico. O telefone fica disponível para a família entrar em contato sempre que se fizer necessário. De acordo com a complexidade do caso, pode passar a ser feito uma visita mensal, e um contato telefônico mensal, de modo que a cada 15 dias a família recebe um contato da equipe de saúde. (GESTOR)
O profissional que vai até o fim com o paciente no caso é o medico e enfermeiro, com interconsulta destes outros profissionais, eles não ficam diretamente com o paciente Eles avaliam, dão a alta e monitoram via telefone e a equipe de médico e enfermeiro que fica todos os momentos com o paciente. (COORDENADOR DO PAD)
Para o ingresso no PAD, o profissional avalia o beneficiário, que passa
inicialmente por uma verificação quanto à sua elegibilidade. Essa avaliação é feita
normalmente pela enfermagem que verifica se ele está dentro dos critérios
estabelecidos para a atenção domiciliar. Após análise, estabelece-se um projeto
62
terapêutico que dá acesso aos diversos recursos e profissionais disponibilizados pelo
Programa.
Outro elemento importante no trabalho dessa operadora é a apropriação de
conceitos oriundos da saúde pública, tais como regionalização e equidade para a
organização do processo de trabalho. O PAD faz um mapa regional do município para
organizar suas equipes. O número de equipes é relacionado com a densidade de
beneficiários em cada região. Essa forma organizativa possibilita uma melhor cobertura
dos beneficiários e cria a vinculação do beneficiário com a equipe.
Com isso, definiu-se um número de 70 (setenta) beneficiários por enfermeira e
por médicos. Para os outros profissionais o número é maior por que não há uma
vinculação tão forte, quanto com o médico e com o enfermeiro. Cada região tem uma
equipe de referência, onde a referência principal é a enfermagem na maioria dos casos.
A família é orientada para que, em qualquer situação (dúvida, necessidade, percepção
de um agravo, de uma complicação), acione imediatamente a enfermagem. Ela fará
uma avaliação, uma triagem e se necessário chamará o médico.
O conceito de equidade é utilizado devido à grande diferença sócio-econômica
verificada entre os beneficiários da operadora. Em alguns casos, o PAD revê a
disponibilidade de insumos, de cuidador e faz uma aproximação com as redes sociais
para assegurar o provimento de insumos para os beneficiários que não poderiam
adquiri-los (já que a operadora não fornece). Essa articulação é feita pela Assistência
63
Social que agencia7 (DELEUZE e GUATTARI, 2006) estas relações de apoio aos
beneficiários que são elegíveis ao PAD.
Em todas as entrevistas, vimos que os profissionais são capacitados durante o
serviço. Não há escolas sobre assistência domiciliar, tanto para o nível superior ou
técnico. Quando o profissional ingressa no PAD dessa CM, há no primeiro dia uma
apresentação do programa para conhecer os aspectos mais gerais e burocráticos. Essa
apresentação é realizada pelo coordenador do PAD.
Do segundo ao quinto dia, ele faz visitas com todos os profissionais. Do sexto ao
nono dia ele acompanha mais de perto o profissional de sua área.
No fim, é feito uma reunião para ver onde estão as dificuldades, para saber se a
pessoa está realmente preparada para assumir esse beneficiário, se já tem condições
de ir ao domicílio, se tem alguma dúvida técnica, se tem alguma dúvida da parte
burocrática, ou da parte operacional. Esclarece-se tudo antes e se esse profissional
estiver apto vai para o campo. São no máximo 10 (dez) dias devido a grande demanda.
Segundo o coordenador do PAD,
Não tem uma pessoa até hoje, no momento da reunião, disse que queria treinar mais um pouco. Eu dou a abertura total para falar o que achar, que precisa ficar em treinamento mais uma semana, pode ficar e não tem nenhum preconceito com essa pessoa, que não está no mesmo nível, digamos, para poder assumir autonomia em relação aos outros. (COORDENADOR DO PAD)
O perfil desses novos profissionais contratados são recém formados, com
disponibilidade de tempo e disposição para aprender sobre um novo campo. O gestor
disse que o trabalho no domicílio é como jogar no campo do adversário, pelo fato do
7 Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões. (Deleuze e Guattari, Vol 1 p.16)
64
profissional ficar dependente da organização da família. Se fosse no hospital, a equipe
é que estipularia o horário, os procedimentos, as relações e a família teria que
enquadrar nesse procedimento. No domicílio, é o profissional que se enquadra na
rotina.
Para o coordenador de equipe, o PAD proporciona a possibilidade de
crescimento dentro da CM, com oferta de recursos para os procedimentos, trabalho
com profissionais de áreas diferentes, com benefícios (plano de saúde, alimentação,
ajuda com combustível, celular coorporativo) possibilidade de pesquisa, com
remuneração acima do mercado e por isso considera a estrutura oferecida como
adequada.
As metas são definidas em relação a assistência e ao resultado geral deste
programa. No final do ano, é discutida a meta, no âmbito da gestão, para o ano
seguinte. Em seguida é passado/compartilhado com a equipe para que participe desse
resultado conjuntamente. As metas constituem no aumento de beneficiários e no
número de desospitalizações. Em 2006 estima-se que foram evitadas 900
hospitalizações segundo o coordenador do PAD. As definições ocorrem no segundo
semestre, com a definição do orçamento e do planejamento para o ano seguinte. A
equipe é cobrada sobre a prevenção de uma possível internação e as cobranças dos
gestores são mais amplas para atingir a meta do que a equipe encontra no cotidiano.
Mensalmente, são realizadas reuniões de equipe e de profissionais para a discussão de
temas específicos, discussão de casos ingressos, aulas referente aos casos.
A avaliação sobre o PAD, sob o ponto de vista do beneficiário, será feita através
de uma entrevista semi-dirigida voltada para os familiares que tiveram entes falecidos
no domicílio. A pesquisa buscará revelar se a família estava preparada, se foi bem
65
assistida pelo PAD, como se deu a escolha da família para a permanência do
beneficiário em domicílio.
2.3 Aspectos Organizacionais do PAD
Antes do Programa de Atenção Domiciliar que está vigente na operadora, havia
um programa chamado “Home Care” que iniciou suas atividades em 1999 e terminou
em 2005. Nele, o beneficiário era internado em casa para fazer a desospitalização e era
ofertada pela operadora toda a estrutura necessária à família: aparelho de ventilação
mecânica, maca, suporte de soro, medicamentos específicos, cadeiras, enfermagem e
técnico de enfermagem em tempo integral.
O objetivo deste programa era a redução do custo assistencial, mas resultou
mais oneroso que a internação hospitalar, além de gerar outro problema: a família não
assumia o cuidado básico e criava uma demanda crônica de internações domiciliares.
Isso gerou uma dependência do serviço e liminares judiciais para assegurar a não
interrupção do serviço domiciliar. “Era um serviço que não valorizava o resultado, a
linha do cuidado e o acompanhamento”. (Coordenador do PAD)
Esse histórico do PAD mostra a mudança de proposta de assistência domiciliar
de Home Care para Atenção Domiciliar. Na construção de certos produtos, as etapas
percorridas contêm histórias e consolidam o que anteriormente era imaterial. Essa
66
consolidação é o trabalho morto, “resultado do vivo anterior que o produziu” (MERHY,
2007, p42) e observável em todas as organizações.
Pensando numa cadeia de produção, o trabalhador com sua criatividade elabora
um produto. Com suas ferramentas (canetas, lápis, ciência – produtos que foram
pensados, construídos e que agora se tornou morto), ele utiliza seu trabalho vivo
conjuntamente com o trabalho morto para concretizar um produto final. Quando o
produto está pronto, torna-se um trabalho morto. Veremos então o que há no PAD: os
bem materiais, equipamentos, infra-estrutura, normas e a definição de como utilizá-los.
Podemos dividir em dois grupos o trabalho morto encontrado no PAD: 1) trabalho
morto oriundo de terceiros e com presença material e, 2) trabalho morto produzido pelo
PAD e que se apresenta em forma de normas nem sempre contratuais. Por exemplo, o
equipamento de ventilação mecânica do PAD é um trabalho morto, assim como os
medicamentos hospitalares e utensílios que são dispensados para os beneficiários.
Outro exemplo é o contrato verbal existente entre operadora e beneficiário para o
ingresso no PAD. Foi defino à muito tempo e agora é seguido a rigorosamente.
Com a mudança ocorrida, o coordenador do PAD salienta que a atenção
domiciliar foi importante para a operadora por “diminuir as liminares judiciais em 80%,
aumentar o número de carteiras nessa modalidade, melhorarem a relação com a
família”. Para os profissionais essa mudança ocasionou um foco na educação em
detrimento das ações intervencionistas, centrados apenas em procedimentos, que era a
base do Home Care. Para a família houve a perspectiva de melhora do beneficiário,
pois um cuidado centrado em tecnologias mais relacionais resultou em uma utilização
mais adequada de internações domiciliares, o acompanhamento de perto da família ao
beneficiário e que ampliou o programa na forma de promoção e prevenção.
67
Nessa Reestruturação Produtiva, a operadora apostou numa tutela-reguladora da
clientela considerada de “alto consumo” e “alto custo”. Essa tutela pressupõe uma
normatização da vida delas, definindo suas novas posições frente ao tratamento de
saúde, sobre as relações estabelecidas com o beneficiário e operadora, colocando-os
sob suas normas, ou seus protocolos, para a redução do consumo. Para que isso
ocorra, a operadora tem que ter a vida vivida conforme ditado por ela.
Nessa mudança, houve uma transferência de aquisição de material da operadora
para a família, o que ocasionou um repasse de obrigações ao beneficiário, com a
responsabilização sobre os insumos necessários para o cuidado: medicamentos de uso
contínuo, fraldas, equipamentos e utensílios, etc. Esse gasto é pactuado desde o início
com a família, mas representa efetivamente uma transferência de custos, pois se o
caso fosse tratado no hospital esses insumos ficariam por conta da operadora.
É significativo o fato do PAD ser um benefício concedido pela operadora ao
beneficiário, ou seja, a atenção domiciliar não está inscrita na relação contratual entre
operadora e beneficiário, não constituindo-se assim um direito, e sim, uma concessão.
Desse modo, a empresa dita as regras sob as quais o Programa deve funcionar. A
adesão é voluntária e a família tem que atender os critérios de elegibilidade do
programa para fazer jus ao benefício: a casa tem que ter condições de receber o
beneficiário (espaço adequado, iluminação e ventilação), a família se responsabilizará
pelos insumos e medicamentos, deverá ter um cuidador e o beneficiário tem que seguir
o projeto terapêutico.
Essa definição de regras entre operadora e beneficiário caracteriza-se como
microrregulação (ANS, 2005, Cap 4). Instrumento que altera as formas regulatórias
entre as leis do Estado com a operadora. Nesse caso, como há poucas
68
regulamentações sobre Programas de Atenção Domiciliar, as operadoras constroem
suas próprias leis, ou pegam as leis existentes e implementam aos seus beneficiários e
prestadores na forma como as interpretam. Nesse espaço, ocorrem conflitos e uma
rede de interesses de diversos atores. Como vimos, quando a justiça é acionada, o
Estado atua com base nas suas leis, dando pareceres, na maior parte favoráveis aos
beneficiários.
Uma característica do trabalho morto, ainda mais quando se apresenta em forma
de normas, define a limitação das pessoas envolvidas no processo. O profissional tem
que focar na educação; a família recebe os gastos, caso contrário não fará parte do
PAD. Em alguns casos, a norma é direcionada para algum grupo e executada,
normalmente, por quem a produziu ou delegada a algum órgão capaz de executá-la. No
caso do contrato do PAD ela é bem direcionada e não se dirige contra a operadora.
Identificamos o Gestor e o Coordenador do PAD como o guardião para perpetuar esse
trabalho morto apresentado.
Para o beneficiário do PAD há um desconto no único laboratório credenciado
pela operadora e os exames são coletados no domicílio.
A operadora assume os medicamentos hospitalares e equipamentos em caso de
beneficiário que necessite de ventilação mecânica, fornecendo: ventilador, oxigênio,
técnico de enfermagem durante o período de assistência. Entretanto, como foi dito, o
mobiliário, alimentação e medicamentos de uso ambulatorial são de responsabilidade
da família.
Esses insumos são oriundos do Home Care e podemos supor que sua
permanência ainda no PAD são resquícios da ação da justiça que não permitiu que a
família assumisse com toda a produção do cuidado. Os medicamentos especiais
69
permanecem em poder do PAD devido a especificidade da questão e das normas da
ANVISA que não permite o acesso a determinados medicamentos à população,
somente para equipes de saúde.
De modo similar, o transporte do beneficiário, quando são necessários exames
de maior porte (tomografia ou Raio X) é feito pela família. Em casos de Urgência e
Emergência pode ser solicitado pela equipe do PAD o veiculo da operadora para
qualquer atividade. A solicitação será sempre avaliada pela Atenção Pré-Hospitalar.
Quando a ambulância não está disponível, há o aluguel de uma ambulância pela
operadora. A ambulância também é utilizada fora do horário de trabalho do PAD, à
noite e fim de semana. Os profissionais usavam um serviço terceirizado de veículo para
visitas, mas ficou oneroso para a operadora, que oferece agora um auxílio combustível
para fazer o traslado.
Nesse caso, o PAD é limitado por outro órgão da operadora, detentora da
ferramenta (ambulância). Essa norma é motivo de muitos questionamentos por parte da
equipe, das famílias e dos gestores do PAD. Essa falta de liberdade na utilização da
ambulância gera diversas situações de embate sobre as responsabilidades, já que o
contrato refere-se sobre a elegibilidade e a transferência de custo para a família. Acaba
que o transporte é um ponto que deve ser apropriado pelo PAD para dar maior
liberdade de ação para sua equipe.
Outro aspecto relevante diz respeito à saída do programa, sendo um analisador
importante para entender um pouco mais o PAD, pois é um momento de grande tensão.
O coordenador do programa informa que a saída pode ser por Cura quando o
beneficiário está estável ou curado do seu agravo; por Óbito, em casos de doenças
crônico-degenerativas em fase terminal e demência, causas naturais e nestes casos o
70
beneficiário é acompanhado pelo programa até o óbito; ou quando a família ou o
beneficiário não desejam continuar no programa. Dos clientes inseridos, somente 2%
recebe alta por ano, considerando rara de acontecer devido o processo de elegibilidade
ser bem definido para o tipo de beneficiário para o qual o programa está proposto. Ou
seja, na maior parte dos casos a atenção domiciliar é uma alternativa permanente para
os cuidados necessários a certo perfil de beneficiários, como por exemplo, os doentes
crônicos. Esse é outro ponto que merece uma regulamentação mais específica. É
nesse momento de ruptura que a justiça é mais acionada pelos beneficiários, pois não
há consenso e contrato das partes. Normalmente, a justiça dá causa à família, já que
contrata os serviços de saúde de uma empresa especializada.
São criados, em casos específicos, as Redes Sociais em torno dos beneficiários
que não conseguem comprar os medicamentos ou não possui um familiar que possa
exercer o papel do cuidador. Essa rede conta com a utilização do SUS para aquisição
de medicamento, oxigênio e/ou fármacos; de associação de bairros para arrecadar
utensílios e alimentos. Mas segundo o coordenador de equipe, pode ser mais
elaborado, seguindo modelos europeus que contam com uma rede de cuidadores de
idosos.
É muito variado a utilização dessa rede. Os beneficiários com menor poder
aquisitivo utilizam-na para aquisição de medicamentos ou outros insumos materiais no
SUS. Enquanto os beneficiários de maior poder aquisitivo procuram mais pelos
cuidadores. E são justamente, os beneficiários com maior poder aquisitivo, que entram
na justiça para que o PAD exerça essa função de cuidado.
Para os profissionais, é oferecida uma infra-estrutura, com sede fixa onde fica a
parte administrativa, a coordenação, a parte logística de material, de medicamentos,
71
dispensação de medicamentos e nota fiscal. Na sede são realizadas reuniões de
equipe e treinamentos. É utilizada também para reuniões com familiares.
Se olharmos para a mudança ocorrida no PAD, de 1999 até hoje, podemos ver
uma reestruturação produtiva em curso. Uma base foi mantida desde 1999 e algumas
propostas foram sendo alteradas para atender o beneficiário de um jeito diferente para
que operadora-beneficiário tenham bons resultados ou produtos. A sede foi ampliada,
os insumos são os mesmos, a conformação da equipe permaneceu (enfermagem-
centrado), o PAD continua como benefício, a gestão continua a mesma.
A mudança na forma de produção é que sofreu alteração, com a opção da
operadora de dar maior potência nos aspectos educativos ao mesmo tempo que realiza
os processos clínicos, mas continuando a realizar determinados procedimentos que são
de responsabilidades de profissionais regulamentados para isso.
Destacando que essa mudança, potencializando outras formas de produção, é
extremamente potente para a formação subjetiva dos profissionais e beneficiários e que
o trabalho morto tem sua importância nas produções. A questão com o trabalho morto é
que ele, dentro do campo saúde, tem que ser um auxiliar para o profissional, que seja
um disparador de processos, em vez de atuar pautando a liberdade na produção do
cuidado do profissional de saúde.
O que vemos nesse PAD é uma boa estrutura armada e que precisa de ajustes,
conforme a demanda dos beneficiários. Isso implica maiores pactuações dentro da
operadora, para maior liberdade nas ações, operando mudanças que levem à
reestruturação produtiva.
Acho que as alterações mais importantes, nós já fizemos, que foi construir um modelo de continuidade de atendimento a domicílio. Viabilizar isso, dentro da cooperativa e mostrar que é viável, que é
72
interessante com essas ações. Acho que a gente precisa ampliar mais o numero de beneficiários e profissionais, precisamos formar pessoas. Então, durante a seqüência, nosso objetivo é trabalhar na formação de pessoas. O programa hoje é estável, está bem, sendo avaliado continuamente, mas, eu acho que, o modelo que a gente tem a seguir é esse, eu não faria alterações no modelo. (GESTOR)
Eu não faria alterações no programa. Trabalharia cada vez mais para estruturá-lo melhor. Estruturar no sentido de qualificar melhor as pessoas, essas contratações que estão agora acontecendo, essa informação que precisa ser melhor. É um processo de construção e ele está acontecendo. (COORDENADOR DO PAD)
Eu acho realmente que a gente teria que ter mais profissionais, mais médicos, não temos fonoaudiólogo que eu acho que é importante. Estamos em um modelo, mas tínhamos que entender melhor a necessidade desse paciente. Ele precisa de uma cama hospitalar, vamos dar a cama pra ele, ele não precisa de outra coisa, a gente vê a real necessidade do cliente e a gente atender essa necessidade, porque aqui as coisas não tem cultura ainda, acho que realmente é cultura pra isso. Na Europa por exemplo, as pessoas precisam de alguém levar comida para ela, tem que ser feito, a rede social, a assistência é muito melhor, então eu acho que as vezes a gente está fornecendo coisas pro paciente, que não é aquilo que ele mais precisa. Se ele precisa de um cuidador, só que a gente não oferece, então eu acho que talvez, a cooperativa, eu acho que hoje em dia ela não tem condições de fazer isso, não sei se alguém teria condição de fazer, mas talvez ter uma parceria com o governo, ou com outras redes de atores. Fala-se que vai tentar na rede pública e não conseguimos algumas vezes, consegue-se oxigênio, consegue algumas coisas, mas a nossa rede social é muito falha. Os problemas maiores são questões sociais, que a gente não tem uma resposta para eles. (COORDENADOR DE EQUIPE)
Evitar mesmo a saída do paciente, sair só quando não tiver mesmo jeito, e o material gasto durante o processo da visita deveria ser incluído no programa, eu acho que basicamente isso. (CUIDADOR)
2.4 Cuidados do Beneficiário: utilizando um caso-analidador do cuidado no PAD
73
Como justificado anteriormente, para verificar com maior potência a micropolítica
envolvida na produção do cuidado ao beneficiário, a pesquisa elegeu como um dos
sujeitos da pesquisa um beneficiário. Sugerimos à operadora que indicasse um
beneficiário completamente dependente do PAD, com alto grau de complexidade e
dependência, por considerar que este fosse um “analisador” mais potente do
funcionamento do Programa, na medida em que desafiava o PAD nas suas demandas.
Analisador aqui no sentido dado por Lourau (1975), de algo que revela a organização. A
escolha do beneficiário ficou a cargo da operadora, foi respeitado o indicativo de
entrevistado e indicaram um beneficiário portador de Alzheimer em estado avançado da
doença.
O beneficiário tem como diagnóstico principal Alzheimer e uma doença
degenerativa, sem diagnóstico, que o acomete há mais de 30 anos. Atualmente, ele
não fala, alimenta-se por sonda e teve as pernas amputadas. Têm 77 anos, viúvo e
mora com sua filha há 5 anos. Possui o plano de saúde há mais de 20 anos e ingressou
no PAD em maio de 2006, devido à perda da locomoção e o surgimento de escaras.
Para a cuidadora/filha, com quem foi feito a entrevista (o beneficiário ficou ao
nosso lado comendo uma pêra durante esse momento) o programa é extremamente
benéfico, pois facilita a locomoção do beneficiário. Para ingressar no programa, ele fez
a demanda à operadora, após a cuidadora conhecer o programa através de terceiros. O
PAD solicitou um laudo do médico responsável pelo caso, sendo dado pelo neurologista
que diagnosticou o Alzheimer. Foi feito um relatório e encaminhado. Após 30 dias a
equipe do PAD deu o parecer positivo para seu ingresso.
Após a aprovação para ingressar no PAD, foi feita uma entrevista colhendo o
histórico do beneficiário (na época o mesmo ainda falava e respondeu boa parte das
74
questões), com a enfermeira responsável e logo em seguida a médica da equipe
(coordenadora da região na qual se localiza a residência). Todos os dados colhidos,
tanto na entrevista quanto nos atendimentos ao beneficiário ficam em poder do
beneficiário, semelhante a um prontuário, coma as diversas anotações dos profissionais
que já passaram por ali. A fisioterapeuta e a nutricionista realizaram visitas
posteriormente à enfermeira, sendo este o único profissional constante.
A avaliação que a cuidadora faz do programa é “muito bom” e credita isso ao fato
da operadora dispor de transporte. “Por que se eu tivesse que locomovê-lo, quando ele
tinha as pernas por exemplo; era muito difícil colocá-lo dentro do carro, ai você para em
um local, eu não tenho no carro sinalização de deficiente”. (Cuidadora)
Não é por que faz curativo, nem tira a pressão, por que isso as cuidadoras fazem, a gente que é leiga, que eu não sou da área da saúde, mas agente vai aprendendo a lidar, com a parte de cuidado, a gente vai pegando, ao passo que no caso do idoso, ele se sente perdido quando ele é transportado (CUIDADORA)
Durante a entrevista ganhou centralidade uma acontecimento inusitado, que trata
de uma situação em que se fez necessário um atendimento de urgência. Essa situação
se configurou como um analisador natural (BAREMBLITT, LOURAU, BARUS-MICHEL)
do modo de produção do cuidado, notadamente, por parte da operadora por revelar o
que não foi dito. Merhy & Franco, Baremblitt, Deleuze & Guattari e Rolnik entendem que
os acontecimentos e portanto, o que tem de mais valioso no cuidado, surgem com o
cotidiano, por isso a importância da entrevista para dar vazão a esses não ditos.
O primeiro problema relatado diz respeito à necessidade de recolocar uma sonda
nasoentérica, que alimenta o beneficiário, em um horário noturno, final de semana com
dois grandes eventos na cidade e que não conseguia localizar um profissional para
75
realizar o procedimento. A cuidadora entrou em contado com a operadora que a instruiu
ir a um determinado hospital estabelecido pela operadora. A cuidadora quis ir ao
hospital mais próximo a sua casa, mas não lhe foi permitido essa possibilidade. Como
era um beneficiário do PAD a operadora insistiu que o transporte era de sua
responsabilidade nesses casos. Houve atraso da ambulância para pegá-lo e ao chegar
no hospital, a equipe hospitalar solicitou à cuidadora que comprasse a sonda (não sabe
se era por falta do insumo ou por causa do contrato do PAD que repassa essa
responsabilidade para a família), sendo que a mesma não dispunha de recursos no
momento e também por que não se acha sonda nasoentérica em qualquer farmácia,
resultando em um novo impasse a ser enfrentado naquela situação.
A cuidadora retornou ao seu domicilio, pegou uma sonda antiga e voltou ao
hospital. A equipe fez um teste na sonda para verificar se poderia ser reutilizada e por
fim realizaram o procedimento. Fizeram um Raio X para ver se a sonda estava no local
correto e o beneficiário teve que esperar novamente a ambulância para retornar ao
domicílio, sendo que a cuidadora se dispunha a levá-lo para casa. A situação inteira
levou 7 (sete) horas entre a saída da sonda e o retorno ao domicílio. Notadamente, que
do ponto de vista da cuidadora e do beneficiário, a situação é limite, pois envolve um
grande desconforto que se traduz em sofrimento.
Essa situação vem nos informar que, em cenário de “normalidade”, o PAD tem
respondido satisfatoriamente em relação aos cuidados ao beneficiário, inclusive
segundo a cuidadora. No entanto, ao sair do previsível, para o inusitado, como a
urgência, o Programa encontra dificuldades em responder adequadamente, pois foca
todas as suas ações da operadora (coloco aqui como operadora a telefonista, a APH e
equipe hospitalar) na instrumentalização e nas normas, limitando as ações do
76
beneficiário para dentro do processo estipulado pela operadora. Essa situação mostra
que há necessidade de novas pactuações e aperfeiçoamento do PAD para
intercorrências. Após esse acontecimento, a equipe do PAD repassou os
procedimentos de como a família deve proceder em situações como essa, informando o
número do plantão da enfermagem.
Analisamos a seguir o restante do processo de trabalho para esse caso.
Outra situação como essa, do cotidiano dos serviços, se deu a partir de uma
observação feita pela cuidadora de que as escaras estavam “complicando e não
saravam”. Foram feitos exames de diabetes, deficiência de albumina, até que a equipe
resolveu que tinha que deslocá-lo para fazer exames no hospital. Ao ser examinado por
um cirurgião plástico, este definiu fazer um debridamento (arrancar as necroses), mas
que antes deveria tomar antibióticos no domicilio, pois o cirurgião não iria fazer o
procedimento naquele momento. Teve que ser realizado outro deslocamento para o
domicilio e o PAD, após estudo do caso, resolveu encaminhá-lo para outro hospital.
Entre idas e vindas ao hospital, quando realizou o exame dos membros inferiores
constatou-se que o beneficiário não tinha mais passagem de sangue nas artérias. Os
muitos exames que se seguiram, fez a equipe hospitalar concluir que seria necessário
amputar os membros inferiores.
Primeiramente, amputaram a perna direita e permaneceram no hospital no intuito
de tentar outras ações que permitisse “salvar” a perna esquerda. Uma semana depois
amputaram a perna esquerda.
No entanto a cuidadora avalia que a internação hospitalar envolveu importantes
perdas, além da relatada, na qualidade de vida do beneficiário.
77
Eu acho que ele teve algumas isquemias não diagnosticadas lá, tanto que ele perdeu, por que aqui olha, agora ele vem para o sol, agora ele deita, troca ele de lugar depois ele vai para li. E lá ele ficou muito deitado, então formou uma escara na sacral que não sarou até hoje, entendeu? Então o que chegou a conclusão, amputou, mas mesmo assim a gente via que ele estava recuperando, ai o que chegou a conclusão que ele não estava comendo o suficiente, por que ele comia, demorava, mastigava e não deglutia. (CUIDADORA)
A cuidadora relata ainda conflitos com os médicos, que em um episódio
quiseram colocar uma sonda gástrica, mas como ele tida ido 4 (quatro) vezes para o
bloco cirúrgico a cuidadora não permitiu. Ela teve que assinar um termo de
responsabilidade. “Ele ainda estava comendo, tem sabor, se você der uma banana para
ele, ele come, se der um copo de suco, ele bebe, pára; às vezes devolve, mas ainda
tinha sabor, ai em vim com ele” (cuidadora). Depois de um certo período, foi colocado a
sonda, porque parecia que o beneficiário não estava se nutrindo. Agora ele está com
um quadro nutricional todo balanceado, com complemento alimentar com a farinha,
albumina. Então o que se notou era que as escaras estão sarando. Não sabiam o tanto
de água que ele bebia, por que ele ficava com a garrafinha, agora ele tem o horário que
toma 300 ml de água.
No período de 2 (dois) meses que permaneceu internado, a equipe do PAD não
teve contato com o beneficiário. O PAD indicou a internação hospitalar, só que a partir
do momento que ele entrou no hospital não houve mais contato. O contato aconteceu
quando a cuidadora ligou para a enfermeira e contou sobre a amputação. A enfermeira
e a médica fizeram uma visita no hospital, a nutricionista ligou com pesar e não voltou
mais a casa do beneficiário.
Merhy e Franco (desde 2002), discutem que as formas tecnológicas – dura, leve-
dura e leve – são válidas e necessárias, mas defendem a tese que a tecnologia leve
78
oferece resultados mais satisfatórios e um outro ordenamento para utilização das
tecnologias duras. Tanto que neste analisador, o disparo para a busca de exame foi a
observação no cotidiano da produção do cuidado. Os exames surgem após uma
relação estabelecida entre cuidador-beneficiário-demanda e sua utilização foi
potencializadora na resolução do problema apresentado. Sem utilização em demasia.
Com o retorno ao domicílio, a cuidadora diz que comunica todas as atitudes
sobre o beneficiário à equipe. “Elas são o suporte externo” (Cuidadora). Quando há
necessidade de consulta, com outros profissionais fora da equipe, é o PAD que indica o
profissional. Foi o caso do cirurgião plástico que realizava as raspagens. A equipe
passou os procedimentos em caso de urgência com a cuidadora e as situações em que
ela pode solicitar atendimento. Na consulta com o neurologista foi proposto o
cancelamento da medicação, pois não havia mais respostas ao tratamento de
Alzheimer e reforçou a permanência no Programa de Gerenciamento de Casos
Crônicos. Ocorreu a troca de enfermeiras, saindo a enfermeira que levantou a questão
do problema vascular e entrou uma especialista em feridas que segue o protocolo
rigorosamente.
Ao pedir para elencar 3 (três) vantagens do programa, a cuidadora coloca que:
1) A confiança de saber que a equipe está disponível 24 horas por dia;
2) O não deslocar do ambiente natural, e;
3) O custo, “por que se eu tivesse que locomove-lo eu gastaria alem do que
pago do plano”.
Essa expressão de vantagens feita pela cuidadora aponta aspectos como
confiança, estabilidade e retorno. Encontra-se esses produtos nos serviços que
estabelecem uma relação de troca e encontros com seus consumidores.
79
A cuidadora relata que além do gasto com o plano, que consome 60% da
aposentadoria do beneficiário, há o gasto com a manutenção, higiene, luvas, máscaras.
Mas que os gastos foram acordados no ingresso do programa. Quando a enfermeira vai
ao domicílio fazer o curativo, ela traz uma pasta com todos os insumos necessários
para os procedimentos.
Dentro do programa de curativos, somente a enfermeira e a médica realizam as
visitas. A enfermeira realiza 2 (duas) visitas por semana. A médica realiza visitas a cada
2 (dois) meses. A nutricionista realiza visita a cada 2 (meses). A fisioterapeuta realizou
somente a visita inicial e sugeriu um plano de exercícios que segundo a cuidadora não
funciona, tendo ela contratado uma fisioterapeuta, o que é de conhecimento da equipe.
A cuidadora sabe que no programa existe uma psicóloga, mas que fez um trabalho
terapêutico extradomiciliar. Na opinião da cuidadora, as visitas são satisfatórias e em
qualquer intercorrência a equipe aciona outras estruturas da operadora.
A cuidadora procura aprender a realizar o cuidado, mas se avalia ainda em fase
de adaptação, Utiliza o trabalho de outras 3 (três) pessoas por ela contratada para
contribuir com essas atividades. É um contrato de empregada doméstica e auxiliam nas
atividades de casa além do cuidado ao beneficiário.
A troca de informações com a equipe ocorre de forma gradual. Os membros da
equipe passam as informações com cartilhas e no trabalho vivo em ato. No momento
dos procedimentos, indicam os insumos que deverão ser utilizados no processo
terapêutico, trocam experiências a partir dos eventos ocorridos com o beneficiário e vão
no cotidiano indicando a melhor forma de agir, demonstrando os detalhes do trabalho
que é realizado, em um movimento sutil de transferência de tecnologia de cuidado para
a família.
80
E todos os seres humanos que vieram, os profissionais, cada um com a sua característica, me atende perfeitamente, são dóceis, são amorosos com ele. Falam uma linguagem fácil com os cuidadores, então assim, eu estou muito satisfeita. (CUIDADORA)
Quanto à necessidade de recorrer ao consultório médico, a cuidadora disse que
acabaram as idas aos consultórios e fez uma referência à diminuição do custo do ponto
de vista da operadora, pelo fato da cooperativa disponibilizar um profissional para os
cuidados (médica) e os cuidados ficarem sob responsabilidade das cuidadoras.
Houve a diminuição nos exames devido à estabilidade do quadro clínico. São
feitos a cada 3 (três) meses exames recorrentes. A coleta é feita no domicílio, na hora
estipulada pela cuidadora.
O uso de medicamentos permaneceu o mesmo da situação anterior, mas o gasto
com os curativos aumentaram, devido o caso especifico do beneficiário. Alguns
insumos são conseguidos na Unidade Básica de Saúde da região.
O número de internações hospitalares diminuiu devido o “cercamento” que as
cuidadoras e a equipe realizam aos sintomas que o beneficiário apresenta.
Por exemplo, se a gente nota que ele está com uma respiração diferenciada o que a gente faz? A gente age antes dele pegar uma pneumonia, Para que colocou a sonda? Para evitar que ele aspirasse e pegasse uma infecção ou uma pneumonia. Estão, o programa funciona assim mesmo, ele cerca as coisas antes de acontecer, então você interna menos, você faz mesmo”. (CUIDADORA)
Para a cuidadora houve uma melhora na assistência à saúde do beneficiário,
embora tenha ocorrido uma piora no quadro clínico, as profissionais da equipe são tidas
como qualificadas, na busca de exames o acesso é fácil e ele tem direito a ambulância.
Quando há necessidade de internação o beneficiário vai com indicação médica. O
81
acesso a medicamento e materiais é indiferente para a cuidadora, pois a operadora não
oferece os insumos.
Como proposta de melhora do PAD, a beneficiária apresenta a reivindicação do
psicólogo para o beneficiário e a família. Nesse caso, o beneficiário não teria como
fazer um trabalho psicoterápico, pois não responde mais, mas no caso da
cuidadora/filha há uma demanda terapêutica que é suprida fora do PAD.
Segundo a cuidadora, esse trabalho psicoterápico serve para ela oferecer ao
beneficiário uma atenção mais “suave” e manter a estrutura da casa mesmo com o
estado grave do beneficiário.
A relação que a cuidadora faz do processo terapêutico com o cuidado passa pelo
auto-conhecimento, o que Foucault discute nas suas aulas de 1981 como sendo uma
construção histórica do conceito de epiméleia heautoû (cuidado de si).
Ocupar-se consigo, está porém implicado na vontade do indivíduo de exercer o poder político sobre os outros e dela decorre. Não se pode governar os outros, não se pode bem governar os outros, não se pode transformar os próprios privilégios em ação política sobre os outros, em ação racional, se não se está ocupado consigo mesmo. Entre privilégio e ação política, este é, portanto, o ponto de emergência da noção de cuidado de si. (FOUCAULT, 2006, p.48)
Há dois anos a cuidadora vendeu a empresa que era proprietária e fez
especialização em Ioga, Reik e hoje é professora dessas áreas. Ela relata que leva esta
prática para dentro do domicílio, para a história do beneficiário e que se pudesse o
trataria com acumputura, mas que não dá mais tempo.
É uma história de vida dele que por acaso nós todos somos participantes dessa história, então tirar disso o melhor aprendizado, então o que ele está me ensinando nesses anos que ele está aqui comigo (...) Então, isso é uma coisa que eu fiz desde o inicio, e o vovô não está aqui de favor, o vovô mora nessa casa, o vovô faz parte da família. (CUIDADORA)
82
Nos cuidados que presta ao beneficiário, a cuidadora conta com o apoio, ditos
indispensáveis: as cuidadoras, o marido, os filhos. Do marido ela diz que ele permitiu
esse tipo de situação e os filhos acompanham um pouco mais distantes e espera que
todos estejam tirando alguma vivência desse processo. O ingresso no PAD acrescentou
novos atores: os profissionais da operadora e que a cuidadora enfatiza ter uma relação
“muito amorosa” com todos, tratando-os pelo nome, querendo saber o que acontece
com cada um.
A sua busca de auto-conhecimento e cuidado de si vai ao encontro do outro.
Esse preparo da sua vida, organizando-se profissionalmente e pessoalmente,
proporciona um saber racional e cuidador que será utilizado nas diversas situações do
cotidiano. A cuidadora também busca a gestão da vida e é a gestora da vida no seu
território, no seu domicílio. O seu preparo proporciona que a equipe do PAD seja
recebida da melhor forma possível, gerando melhores resultados para o beneficiário e
percebendo os interesses da operadora; gerencia as atividades diárias da família e
gerencia conflitos familiares; e principalmente constrói sua história no encontro, na
dobra, responsabilizando-se ética e politicamente sobre sua vida e sobre a vida dos
seus entes que estão sob sua responsabilidade.
Com relação à alta, a beneficiária diz lidar bem. Que irá continuar a tratá-lo da
mesma forma que cuida atualmente até o momento que ele for embora, pois ele já faz
parte da rotina da família.
Eu acho que apesar de toda debilidade dele, ele ainda vai viver um tempo, principalmente por que ele é muito bem cuidado, as meninas brincam e falam assim: Nó, a gente cuida tão bem do seu pai que ele vai ficar ai i a gente vai morrer. É o risco que corre né! Eu acho que pai por mais que não tenha sido o pai ideal, que você sonhou, não é o meu caso, mas o filho tem obrigação de amparar pai, haja visto que tem um ditado que diz: uma mãe cria 10 filhos, 10 filhos não criam um pai, uma
83
mãe. Então tenho que fazer minha parte, porque se cai pra mim, nós somos 3 (três), cai para mim é por que era meu. (CUIDADORA)
A operadora avalia a opinião da cuidadora em relação à assistência e de forma
verbal. Por que, segundo a cuidadora, eles lidam com vidas e que o beneficiário precisa
ter uma melhora por ter ingressado no programa.
Uma outra forma de relação que a beneficiária faz com a equipe ocorre na
disputa do projeto terapêutico. A cuidadora relata que tenta “manipular” a enfermeira de
alguma forma, mas que não há muito resultado devido à “carreira militar8” da
enfermeira. Há situações em que a cuidadora dá alguma fruta ou uma pequena dose da
sopa na boca do beneficiário para que ele sinta o sabor dos alimentos, já que ele pede
para colocar algo na boca, mesmo contrariando as prescrições do nutricionista, médico
e enfermeira, que tentam prevenir algum agravo.
Há também o atravessamento de opinião de outros profissionais que
acompanharam o caso. Atualmente, a cuidadora segue os conselhos da enfermeira e
orienta as cuidadoras para fazer da forma prescrita por ela e que com o passar do
tempo está aparecendo o resultado esperado.
Essa questão é cotidiana para os casos de Atenção Domiciliar, pois como há
transferência da responsabilidade de parte do cuidado para o cuidador, produz-se
necessariamente o encontro entre o saber cientifico da equipe e o saber cuidador que
se inscreve na cuidadora. Torna-se, então, necessária a pactuação de ambos para a
condução do caso, processo esse que as vezes é tenso, outras vezes harmonioso,
dependendo da disponibilidade de ambas as partes para exercerem a escuta e a
negociação do projeto terapêutico.
8 A enfermeira trabalha também na polícia militar.
84
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encontramos nesta pesquisa uma situação singular na forma de produção do
cuidado, tanto pela amplitude da modalidade de atenção domiciliar, quanto por se tratar
do segmento privado - Saúde Suplementar. O quadro crescente de beneficiários
demonstra uma potencialidade da Atenção Domiciliar dentro da estrutura desta
operadora. Isso se justifica por um lado, pela capacidade do PAD de reduzir custos. Há
no final de 2007 uma estrutura que abarca 4700 beneficiários atendidos pelo PAD, com
60 profissionais (multiprofissões) e com meta da operadora de economizar com o
Programa, “900 desospitalizações em 2007”.
Uma breve avaliação dos marcadores analíticos indica que nos “Aspectos
Organizacionais do Programa de Atenção Domiciliar” chama atenção sobretudo o fato
do PAD não estar regulado contratualmente, o que o mantém fora da regulação feita
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Neste sentido a operadora funciona com
liberdade para operar na sua microrregulação, questões como a “transferência de
custos” para os familiares e os critérios de Alta do Programa. Estes são os dois pontos
de maior conflito e que às vezes são decididos por via judicial. A microrregulação
disciplina a vida dos trabalhadores e beneficiários pelas normas da operadora.
A rede de “Gestão da Vida” funciona institucionalmente, algo que tenta configurar
no seu meio a “linha de produção do cuidado”, operando uma idéia geral de suporte em
rede. Verifica-se que o PAD é dependente de uma rede de cuidados subsidiária ao
Programa, que é desempenhada por seus próprios profissionais ou por terceiros, que
85
não fazem parte da sua equipe, mas indicam certos grupos de beneficiários, como por
exemplo os crônicos.
Em relação ao “Processo de Trabalho e o Trabalho em Equipe", toda a atividade
é disciplinada por protocolos, que indicam o número de visitas domiciliares, o uso de
transporte, insumos e os recursos de apoio disponíveis. Se por um lado isto impõe
certos limites, como as visitas protocolares, por outro lado, na sua atividade cotidiana, o
trabalhador usa da liberdade que têm proporcionada pelo seu “trabalho vivo em ato” e
faz vínculo com beneficiário e cuidador, negociando projetos terapêuticos e modificando
o “modus operandi” convencionado. Seu trabalho adquire um perfil próprio, neste caso
específico, com potência criadora de autonomia para o cuidador e de resolubilidade no
beneficiário. Isto porque opera um processo de trabalho centrado nas tecnologias leves,
em que a equipe admite a pactuação com os saberes e práticas do cuidador. Há de
ressaltar que, como o processo de trabalho é comandado pela própria equipe, o perfil
assistencial é produzido de forma singular e está vinculado ao modo de significar o
trabalho no PAD, no sentido da ética do cuidado. Assim, pode haver, como neste caso,
um cuidado interativo com o beneficiário e cuidador, como também pode haver um
cuidado operado na lógica instrumental. Não há um “a priori” definindo o perfil de
cuidados operados no PAD.
Por fim, a situação escolhida para analisar a micropolítica do cuidado ao
beneficiário exemplifica o que foi dito acima. Na situação limite, o modo de cuidar se
manifestou de forma diferente e o beneficiário e cuidadora estiveram submetidas a
outras lógicas de cuidado, mais instrumentais. Ficou claro que em situações limites, a
imaginária “linha de cuidado” é mais sensível a sofrer rupturas, como ficou demonstrado
na situação analisada.
86
As normas instituídas de regulação do Programa, em especial as que transferem
custos para as famílias e disciplinam as visitas domiciliares, não impedem que se
processe um novo modo de produzir o cuidado pelas equipes. Apesar de que algumas
normas precisam ser instituídas, como no caso da alta e da transferência de custo para
a família.
Nota-se que, no seu ideário, coloca-se em primeira instância o cuidado aos
beneficiários, sua intenção ético-política que configura uma intencionalidade de cuidar e
substituir as formas convencionais de atenção hospitalar. Há uma nova forma de,
micropoliticamente, organizar o trabalho.
Verificamos, portanto, haver um grande processo de Reestruturação Produtiva
em curso. Essa reestruturação caracteriza-se pelo seguinte: 1 – ao deslocar o cuidado
do hospital para o domicílio, novos atores entram no jogo de cuidado e de poder, quais
sejam, o beneficiário e sua família, com destaque para o cuidador. São estabelecidas
novas relações do beneficiário e sua família com a equipe e também com a operadora.
Esse encontro, entre a equipe do PAD e o beneficiário, cuidador e familiares produzem
uma intervenção no processo produtivo originalmente pensado pela equipe, o que
proporciona novos modos de fazer o cuidado; 2 - os núcleos profissionais enrijecidos
em torno de saberes e práticas auto-referenciados encontram outros sujeitos no
domicílio, com saberes e práticas de cuidado, com os quais têm que dialogar. Afinal, o
espaço domiciliar é um território específico, onde as relações de poder mudam em
relação ao que é vivido na rede de saúde. Aqui há um certo controle do território pelo
beneficiário/cuidador e sobretudo, destaque para a inter-subjetividade que opera mais
francamente nas relações estabelecidas fora das instituições de saúde, que se
manifesta por tensões e conflitos de um lado e por pactuações e harmonia de outro. É
87
nesse jogo institucional e subjetivo que o cuidado se produz no cotidiano; 3 – algumas
circunstâncias do cuidado domiciliar favorecem maior impacto do contexto sobre os
trabalhadores e maior permeabilidade às necessidades do usuário (também mais
disposto a expressá-las), possibilitando uma maior implicação com o cuidado em saúde
nesta nova cena. Esse novo arranjo pode favorecer o uso das tecnologias mais
relacionais (leves). Isso não é imperativo, obviamente, pois o perfil tecnológico que
opera no processo de trabalho depende da intencionalidade dos sujeitos que trabalham
e sua forma singular de significar o cuidado em saúde. No entanto, observa-se que o
ideário que se forma em torno do PAD e uma certa implicação com seus princípios e
novidade, favorecem a mudança do processo produtivo neste aspecto. 4 – a gestão da
vida, por meio de sub-programas que apóiam o PAD, reconhecendo a sinergia entre
diversos recursos terapêuticos confluindo para o cuidado a um beneficiário, também
configura uma mudança importante, de continuidade do cuidado e responsabilização
contra processos de trabalho parcelares, em que os profissionais e serviços têm
dificuldades em conversarem entre si.
A Reestruturação Produtiva reflete a existência de novos modos de cuidar, de um
novo processo de trabalho e de uma particular configuração das tecnologias usadas no
trabalho em saúde. Mas como o caso estudado, ocorre no contexto do mercado, não se
pode deixar de identificar outro fator impulsionado a reestruturação produtiva, qual seja
a redução de custos. Ela é auxiliar ao processo de gestão atual ao, notoriamente,
operar um modelo produtivo do cuidado mais eficiente para a operadora. Por outro lado,
isto leva para que haja um maior controle do trabalho médico, tendo em vista que o
cuidado à clientela efetivado pelo PAD não envolve remuneração dos cooperados (que
são médicos), pois a atenção domiciliar é conduzida por trabalhadores contratados pela
88
operadora ou por empresas terceirizadas. Portanto, do ponto de vista da gestão esse é
um processo tenso, mas superado pelos ganhos que o conjunto da Cooperativa tem
tido.
Esta modalidade de cuidado, no domicílio, surge com grande potência no cenário
da produção do cuidado na Saúde Suplementar e tende a fortalecer ainda mais as
práticas focadas em novas modalidades assistenciais.
89
4 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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94
5 ANEXOS
Anexo A – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
Anexo B – Artigo publicado na Physis: REVISTA DE SAÚDE COLETIVA 2009. Publicação de IMS-UERJ. ISSN 0103 – 7331. Título: A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma cooperativa médica. Autores: André Amorim Martins; Túlio Batista Franco, Emerson Elias Merhy e Laura Camargo Macruz Feuerwerker.
Anexo C – Capítulo de Livro publicado no livro com as últimas pesquisas apoiadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, em 2009. Título do Capítulo: Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar. Autores: Túlio Batista Franco, Emerson Elias Merhy e André Amorim Martins.
Anexo D – Questionário das Entrevistas
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A produção do cuidado no Programa de Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica
André Amorim Martins – Universidade Federal do Rio de Janeiro9 Túlio Batista Franco – Universidade Federal Fluminense10
Emerson Elias Merhy – Universidade Federal do Rio de Janeiro11 Laura Camargo Macruz Feuerwerker - Universidade Federal do Rio de Janeiro12
Resumo:
Este artigo tem como objetivo descrever e analisar a produção do cuidado no Programa de
Atenção Domiciliar (PAD) de uma Cooperativa Médica (CM). O PAD pesquisado surgiu e
cresceu devido à idéia de “ordenar a atenção aos beneficiários”, especialmente os que utilizavam
de forma exorbitante os Prontos Atendimentos e os que faziam alto consumo de internações
hospitalares. Fica implícita a idéia de redução dos custos operados pela Cooperativa. É o maior
Programa de Atenção Domiciliar, na saúde suplementar, com 3.300 beneficiários em 2006. Trata-
se de estudo qualitativo, que utilizou como instrumentos de coleta de dados a pesquisa
bibliográfica, pesquisa documental principalmente no site da operadora e da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS), entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave, observação no
local de atuação e coleta de dados em fonte secundária. A análise dos dados revela a satisfação
dos beneficiários com os resultados obtidos por meio do PAD, a diminuição de custos para a
Cooperativa Médica e transferência de gastos para a família. O modo de produção do cuidado
sugere haver um processo de Reestruturação Produtiva em curso, considerando as importantes
alterações nos processos de trabalho.
Palavras-chave: cuidado domiciliar, produção de saúde, reestruturação produtiva, micropolítica
Aceito para publicação em Physis: Revista de Saúde Coletiva, em 2009.
9 Psicólogo e Mestrando em Clínica Médica da UFRJ. Endereço: Av. Ribeiro de Paiva, 341 Bairro João Pinheiro. Belo Horizonte / MG. CEP: 30530-170 E-mail: [email protected] 10 Professor Doutor da Universidade Federal Fluminense 11 Professor Livre Docente pela Universidade Estadual de Campinas, docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro 12 Doutora e Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação em Clinica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
97
Introdução:
A Atenção Domiciliar vem sendo apresentada por alguns autores (CUNHA, 1991;
SENA et al, 2006) como uma modalidade surgida na era cristã, tomando por base
passagens bíblicas que dizem de algum cuidado no domicílio. No entanto, nessas
mesmas passagens bíblicas, o domicílio também era local de trabalho, hospedagem,
cura e manifestação religiosa. Não se tratava, portanto, do domicílio como o
entendemos atualmente.
O domicilio de nosso tempo foi inventando, segundo Rybczynski (1999), no
século XVIII, no mesmo período que o hospital (FOUCAULT, 1994). O termo home, de
origem saxã, significava casa e nesse momento passou a ser compreendido como o
lugar que abriga o comportamento íntimo e pessoal, que suporta o estabelecimento de
uma relação familiar de novo tipo, devido à construção do conceito de infância e dos
cuidados que os pais deveriam proporcionar aos filhos.
De forma sistematizada, a Atenção Domiciliar surge nos Estados Unidos (1796),
Inglaterra (1848) e Austrália (1885). No Brasil esta modalidade é instituída a partir da
instalação da primeira escola de enfermagem na cidade do Rio de Janeiro em 1920.
Seguindo o padrão de enfermagem inglês, a atenção domiciliar era utilizada para cuidar
de pessoas vítimas de febre amarela, hanseníase, pneumonia, doenças endêmicas do
Brasil na República Velha. Nas décadas seguintes, a Atenção Domiciliar ocorre em
várias partes do Brasil: São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Recife; tanto no segmento
público quanto no segmento privado (PORTAL HOME CARE, 2006).
A legislação brasileira regulamenta essa modalidade de atendimento no Sistema
Único de Saúde (SUS) com a Lei Federal 10.424/02 (BRASIL, 2002) que é incorporada
à Lei Federal 8080/90. Outra regulamentação foi produzida no âmbito da ANVISA
(Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) com a Resolução da Diretoria Colegiada -
RDC nº. 11/06 (BRASIL, 2006) que dispõe sobre o Regulamento Técnico de
Funcionamento de Serviços que prestam Atenção Domiciliar. Em 2006, o Ministério da
Saúde instituiu a Internação Domiciliar no SUS com a Portaria Ministerial 2529/06
(BRASIL, 2006). No entanto, apesar do reconhecimento dessa modalidade de atenção,
só recentemente, mediante projetos específicos, ela passou a receber apoio financeiro
98
da esfera federal no âmbito do SUS. Na saúde suplementar também a atenção
domiciliar ainda não faz parte do rol de procedimentos obrigatórios instituídos pela
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Observa-se, no entanto, que no
âmbito público e no privado, os serviços de atenção domiciliar vêm apresentando
crescimento significativo.
Uma breve revisão sobre as experiências de atenção domiciliar traz duas
questões importantes para análise: o caráter de substitutividade que o programa
adquire, em relação às formas usuais de cuidado exercido em uma dada rede de
equipamentos de saúde; e, segundo, o tema da reestruturação produtiva, já que de
modo geral nos serviços analisados são identificadas inovações tecnológicas no modo
de produção do cuidado e alterações no processo de trabalho (MERHY, 2007;
FRANCO et al, 2007).
Para discutir o tema, partimos de um primeiro pressuposto no qual o trabalho em
saúde é dependente do trabalho vivo em ato. Trabalho vivo é o trabalho que acontece
no momento mesmo do ato produtivo, que envolve a criatividade e a produção de
sentido para esse mesmo ato. O trabalho em saúde acontece por meio do encontro
entre trabalhador e usuário e não tem materialidade (ou seja, dá-se exatamente no
momento do encontro, por meio da produção de atos intencionais, destinados a
produzir cuidado). Além disso, existe uma profunda variabilidade nas situações e
grande complexidade nos problemas de saúde, o que aumenta muito a importância do
trabalho vivo na saúde (Merhy, 1997)
Por outro lado, as tecnologias de trabalho em saúde são tipificadas em
tecnologias duras (instrumentos, equipamentos, normas), tecnologias leve-duras
(conhecimento técnico estruturado) e tecnologias leves (relações entre sujeitos que só
têm materialidade em ato) (MERHY, 1997). Assim, o trabalhador em saúde combina
esses diferentes tipos de tecnologia no seu trabalho em ato. A predominância de um
tipo de tecnologia diz das características da produção do cuidado e da forma como a
gestão do cuidado opera formando os projetos terapêuticos que vão incidir sobre
determinado problema de saúde do beneficiário. Um profissional pode ter seu processo
de trabalho capturado pela razão instrumental, tomando os procedimentos como centro
de seu trabalho, por exemplo. Ou operar seu modo de cuidar apoiando-se nas
99
tecnologias mais relacionais, que lhe possibilitam orientar-se pelas necessidades do
usuário e usar os instrumentos e maquinarias como subsidiários do seu processo de
trabalho. Percebemos que as opções tecnológicas são do sujeito-trabalhador e sofrem
influências de uma certa dimensão instituída, modelar, dos serviços de saúde. Por outro
lado, sua atitude é também reflexo das opções ético-políticas que faz, que dizem
respeito ao modo de operar a micropolítica do seu processo de trabalho.
A Saúde Suplementar, como parte do mercado da saúde, sofre no seu modo de
produção do cuidado as influências da dimensão propriamente econômica e financeira
que operam no setor (BRASIL, 2005). Esta dimensão econômica e suas repercussões
não são especificamente objeto deste artigo, mas importa registrar que a preocupação
com a redução dos altos custos da assistência à saúde tem servido como dispositivo
para disparar a reorganização das modelagens de produção do cuidado. Procuram-se
alternativas que não estejam centradas na produção de procedimentos, na utilização de
tecnologias duras, buscando-se uma Reestruturação Produtiva no setor. Uma
Reestruturação Produtiva ocorre quando se encontram novas formas para produzir os
mesmos produtos ou quando se inventam novas formas para produzir novos produtos
capazes, no caso da saúde, de configurar um novo modo de produzir o cuidado, seja
pela incorporação tecnológica (PIRES, 1998) ou por alterações no modelo produtivo
(Merhy, 2002), (Franco, 2003). A atenção domiciliar tem sido trabalhada, em alguns
casos, exatamente nesse sentido.
O objetivo geral deste estudo foi descrever e analisar a produção do cuidado no
Programa de Atenção Domiciliar de uma Cooperativa Médica, a partir da micropolítica
dos processos de trabalho. Procurou-se responder às seguintes questões: De que
modo o PAD interfere tanto na cobertura de beneficiários da operadora, quanto na
produção do cuidado? Ele tem capacidade de substituir o modo de produzir o cuidado
via atenção hospitalar e ambulatorial tradicionais? O Programa opera um processo de
reestruturação produtiva na saúde?
Metodologia:
100
Optou-se por um estudo qualitativo, por considerar indispensável a análise em
profundidade de um objeto complexo: o PAD (MINAYO, 1996). Para a coleta de dados
foram utilizados: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental principalmente no site da
operadora e da ANS, entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave e
observação direta.
A escolha por essa operadora se deu em primeiro lugar por já haver registros de
que ela desenvolvia um processo importante de reestruturação produtiva (Brasil, 2005)
e o PAD se insere neste contexto; em segundo lugar por se destacar no cenário
nacional tanto pela mobilização que desenvolve de mudança das práticas de cuidado,
quanto pela representatividade dentro do sistema de cooperativas nacional.
Para analisar o processo produtivo do cuidado e a micropolítica dos processos
de trabalho, realizamos quatro entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave,
após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido: Gestor, Coordenador
do Programa, Coordenador de Equipe e Beneficiário. Esses quatro sujeitos nos
possibilitaram informações do ponto de vista da gestão, do trabalhador e do
beneficiário, abarcando visões múltiplas do PAD. A partir das entrevistas foi possível
definir quatro marcadores analíticos para discussão: Aspectos Organizacionais do PAD,
Gestão da Vida, O Processo de Trabalho e Trabalho da Equipe e Cuidados ao
Beneficiário.
As entrevistas ocorreram no local onde cada informante atua, versando sobre o
histórico do programa, seu funcionamento, a composição da equipe, os fluxos
assistenciais (Beneficiário-Equipe, Beneficiário-Cooperativa Médica, Equipe-
Cooperativa Médica), adesão ao tratamento e alta.
Para realizar a entrevista com o beneficiário, adotamos como critério que este
deveria ser dependente de cuidados do PAD. O entendimento era de que um usuário
mais dependente do PAD, que, portanto, demandaria mais recursos da equipe
assistencial, interroga de forma mais eficaz o modo de produção do cuidado no
Programa. Seria um analisador, no sentido dado pelos analistas institucionais, como
algo que revela o funcionamento de uma organização. Assim teria maior capacidade de
revelar o processo de trabalho e o cuidado “em ato”. Foi feita uma observação dos
procedimentos realizados em domicílio pela enfermeira.
101
Depois de transcritas as entrevistas, foram realizadas repetidas leituras, a partir
das quais os dados foram organizados segundo os marcadores analíticos e analisados.
No plano de análise, verificaram-se também as relações e combinações que aparecem
nos discursos. Para análise da entrevista do Beneficiário, utilizou-se de uma “situação
analisadora” (LOURAU, 1975; BAREMBLITT, 2002; BARUS-MICHEL, 2004), que a
própria vida produziu no cotidiano da prática de cuidado ao beneficiário, isto é, uma
situação inusitada, em que a “linha de produção do cuidado” que opera na relação
assistencial do Programa com o cuidador e beneficiário, foi interrogada na sua eficácia.
A observação é uma técnica metodológica valiosa, especialmente para coletar
dados de natureza não verbal (VIANNA, 2003).
Resultados:
Há um expressivo aumento da oferta de Atenção Domiciliar nesta Cooperativa
Médica, sendo que o Programa iniciou-se em 2002 com 18 beneficiários e finalizou o
ano de 2006 com 3.300 usuários. Nesse período, os impactos nos custos em relação à
clientela atendida pelo PAD, conforme informado pelo Gestor da CM, indicam: “redução
de 54% nas internações hospitalares, mais de 50% de redução das visitas ao pronto
atendimento e uma redução global de custos de 22%”. Além destes resultados, outros
são relatados pelo Gestor, em relação à melhora na qualidade do serviço oferecido,
aumento da resolubilidade, diminuição do tempo de permanência em tratamento,
melhora na qualidade de vida e na qualidade de assistência à saúde dessa população.
Estas questões são melhor discutidas à frente por meio dos seguintes marcadores
analíticos: Aspectos Organizacionais do PAD, Gestão da Vida, Processo de Trabalho e
Cuidados ao Beneficiário.
Aspectos Organizacionais do PAD:
Inicialmente havia um programa chamado ”Home Care”, em que o beneficiário
era internado em casa e ofertava-se toda a estrutura necessária pela operadora à
família: aparelho de ventilação mecânica, maca, suporte de soro, medicamentos
102
específicos, cadeiras, enfermagem e técnico de enfermagem em tempo integral, etc.
Essa modalidade foi encerrada em 2005. O objetivo deste programa era a redução do
custo assistencial, mas resultou mais oneroso que a internação hospitalar, além de
gerar outro problema: a família não assumia o cuidado básico e criava uma demanda
crônica de internações domiciliares. Isso gerou uma dependência do serviço e liminares
judiciais para assegurar a não interrupção do serviço domiciliar. “Era um serviço que
não valorizava o resultado, a linha do cuidado e o acompanhamento” (Coordenador do
PAD). O Coordenador do PAD salienta que a mudança desta modalidade para a
atenção domiciliar também foi importante para a operadora por “diminuir as liminares
judiciais em 80%, aumentar o número de carteiras nesta modalidade, melhorarem a
relação com a família”. Para os profissionais esta mudança ocasionou um foco na
educação em detrimento das ações intervencionistas, centradas apenas em
procedimentos, que era a base do Home Care, e para a família pela perspectiva de
melhora do beneficiário, pois um cuidado centrado em tecnologias mais relacionais
resultou em uma utilização mais adequada de internações domiciliares, para ampliar o
programa na forma de promoção e prevenção.
Nessa mudança, houve a diminuição de ofertas de material da Cooperativa
Médica para a família, o que ocasionou um repasse de obrigações ao beneficiário,
como a responsabilização sobre os insumos necessários para o cuidado:
medicamentos de uso contínuo, fraldas, equipamento e utensílio. Este gasto é pactuado
desde o início com a família, mas representa efetivamente uma transferência de custos,
pois se o caso fosse tratado no hospital esses insumos ficariam por conta da
operadora. De modo similar, o transporte do beneficiário, quando são necessários
exames de tomografia ou Raio X, é feito pela família. Em casos de Urgência e
Emergência pode ser solicitado pela equipe do PAD o veículo da operadora. A
solicitação será sempre avaliada pela Atenção Pré-Hospitalar.
É significativo o fato deste programa ser um benefício concedido pela operadora
ao beneficiário, ou seja, a atenção domiciliar não está inscrita na relação contratual
entre operadora e usuário, não se constituindo assim num direito, e, sim, numa
concessão. Desse modo, a empresa dita as regras sob as quais o Programa deve
funcionar. A adesão é voluntária e a família tem que atender os critérios de elegibilidade
103
do programa para fazer jus ao benefício: a casa tem que ter condições para receber o
paciente (espaço adequado, iluminação e ventilação), a família se responsabilizará
pelos insumos e medicamentos, deverá ter um cuidador e o beneficiário tem que seguir
o projeto terapêutico.
Outro aspecto relevante diz respeito à saída do programa, sendo um marcador
importante para entender um pouco mais o Programa, pois é um momento de grande
tensão no PAD. A Coordenadora do Programa informa que a saída pode ser por Cura
quando o beneficiário está estável ou curado de seu agravo; por Óbito, em casos de
doenças crônico-degenerativas em fase terminal e demência, e nestes casos o
beneficiário é acompanhado pelo Programa até o óbito; ou quando a família ou o
beneficiário não desejam continuar no programa.
O Programa informa que entre os clientes inseridos no PAD, em torno de 2%
deles recebe alta a cada ano, considerando-a rara de acontecer devido ao processo de
elegibilidade ser bem definido para o tipo de beneficiário para o qual o programa está
proposto. Ou seja, na maior parte dos casos a atenção domiciliar é uma alternativa
permanente para os cuidados necessários a certo perfil de beneficiários, como por
exemplo, doentes crônicos.
A Gestão da Vida.
Nessa operadora, o PAD tem quatro programas básicos para a prestação de
serviços de atenção domiciliar, com os quais opera uma certa “gestão da vida” dos
beneficiários. É um trabalho em rede, de suporte e que se tornou extremamente
importante para o funcionamento do Programa. São eles:
Programa de Curativos em Domicílio - criado em 2002. A equipe realiza curativos
em domicílio nos pacientes cronicamente acamados e que desenvolvem úlceras de
decúbito e/ou feridas crônicas. A partir dos resultados desse programa, identificou-se
que os beneficiários continuavam dependentes de cuidados e que suas famílias
demandavam um suporte de referência.
104
Programa de Gerenciamento de Casos Crônicos, criado em maio de 2003, foca
o cuidado continuado aos beneficiários com o seguinte perfil: maiores de 50 anos de
idade, portadores de doenças crônicas e que necessitam de algum suporte à saúde em
domicílio.
Programa de Intervenção Específica, para uma atenção em domicílio nos casos
de situações agudas e que demandariam uma internação hospitalar para terapêutica
endovenosa, apesar de estáveis e em condições de permanecer no domicílio. São
beneficiários com alguma infecção que necessita de antibioticoterapia endovenosa,
pacientes estáveis ou com desidratação aguda demandante de soroterapia
endovenosa.
Ventilação Mecânica, que é a única que leva ao domicílio equipamentos antes
utilizados exclusivamente no âmbito hospitalar.
Processo de Trabalho e o Trabalho da Equipe:
Para assistir um grande número de beneficiários por meio da atenção domiciliar,
a operadora conta com 60 (sessenta) profissionais (assistente social, enfermeiro,
fisioterapeuta, médico, nutricionista, psicólogo) e com 4 (quatro) prestadores de
serviços de Atenção Domiciliar para auxiliar no Programa.
Para ingresso no PAD, o beneficiário passa inicialmente por uma verificação
quanto à sua elegibilidade, ou seja, um profissional enfermeiro verifica se ele está
dentro dos critérios estabelecidos para a atenção domiciliar. Após análise, estabelece-
se um projeto terapêutico que dá acesso aos diversos recursos e profissionais
disponibilizados pelo Programa.
O número de visitas que o beneficiário recebe da equipe depende da
especificidade da situação de cada caso. Independente do profissional
“a equipe tem que conhecer a realidade da pessoa, ver como é a casa dela. Eu não posso falar com uma pessoa que não tem um eletrodoméstico, um processador de alimento como é que ela vai
105
processar o alimento. Tem que transportar para a realidade dela” (fala do gestor).
Outro elemento importante no trabalho desta operadora é a apropriação de
conceitos oriundos da saúde pública, tais como regionalização e equidade. O PAD faz
um decalque (DELEUZE, GUATTARI, 2006), uma reprodução do mapa regional do
município para organizar suas equipes. O número de equipes é relacionado com a
densidade de beneficiários em cada região. Esta forma organizativa possibilita uma
melhor cobertura dos beneficiários e cria a vinculação do beneficiário com a equipe.
O conceito de equidade é utilizado devido à grande diferença sócio-econômica
verificada entre os beneficiários desta operadora. Em alguns casos, o PAD revê a
disponibilidade de insumos, de cuidador e faz uma aproximação com as redes sociais
para assegurar o provimento de insumos para os beneficiários que não poderiam
adquiri-los (já que a operadora não os fornece). Esta articulação é feita pela Assistência
Social que agencia (DELEUZE, GUATTARI, 2006) estas relações de apoio aos
beneficiários que são elegíveis ao PAD.
O Programa é voltado para a orientação do cuidado e toda a equipe participa
nesse sentido. Uma questão importante diz respeito à capacitação do cuidador, do
familiar cuidador do beneficiário com algum grau de dependência. O cuidador é
orientado sobre como fazer um diagnóstico, as orientações, as mudanças, as
adaptações necessárias para cuidar do beneficiário. São muitas orientações: sobre
cuidados gerais, alimentação, medicação, prevenção de quedas, prevenção de
pneumonia, entre outras. Importa informar que o cuidador é fundamental para o
funcionamento do PAD, sendo de responsabilidade da família dispor de um ou contratá-
lo.
Na micropolítica de organização do trabalho, o enfermeiro faz o primeiro contato
e acompanha o beneficiário em todos os momentos, juntamente com o médico. Os
demais profissionais avaliam, prescrevem, capacitam e dão alta, fazendo o
monitoramento por telefone ou quando solicitado pela enfermagem. Neste caso, este
PAD está tornando-se “enfermagem-centrado”, pois foca na ação deste profissional a
produção da linha do cuidado e o acionamento dos demais profissionais. O que
106
acontece de fato é que o enfermeiro passou a ser o gestor do cuidado, gerenciando a
linha de produção que organiza a assistência ao beneficiário em situação de cuidados
domiciliares.
Na seqüência do primeiro contato com o beneficiário e a família, o enfermeiro
realiza 4 visitas para colher informações e criar vínculo. A freqüência de visitas varia
com a modalidade de atendimento. O beneficiário em monitoramento pelo Programa
recebe uma visita mensal. Na modalidade de curativos ocorrem visitas três vezes por
semana. Intervenção Específica é semanal, e no caso de Ventilação Mecânica, tantas
quantas necessário para completar a capacitação do técnico de enfermagem que vai
operar o equipamento.
Os demais profissionais do PAD têm seu processo de trabalho regulado por
números de visitas, que por sua vez são determinados pelo grau de complexidade de
cada caso. Esta é classificada como Alta, Média e Baixa. Maior a complexidade, maior
o número de visitas. Passando de visitas semanais até a visitas trimestrais. A
nutricionista que faz 3 visitas com Avaliação Antropométrica, prescrição da dieta e
treinamento. O fisioterapeuta trabalha em 6 sessões, mas esse número pode ser
variável segundo avaliação do profissional. O médico faz 2 visitas após iniciar o
atendimento e depois as visitas passam a ser mensais ou bimestrais. As visitas da
psicologia se definem caso a caso. Mas há uma média de 5 atendimentos, 3 em caso
de óbito para a família. A psicologia atua quando há um desarranjo familiar, tentando
ajudar a família na aceitação da perda de partes funcionais até o óbito. Auxilia no
cuidado paliativo, no rearranjo da rotina. Atua também na equipe que acompanha
diariamente a perda do beneficiário. O assistente social faz junto com o enfermeiro a
avaliação das condições do domicilio e tem ainda uma grande demanda para
assessorar as famílias e ajudá-las nas providencias para receber o beneficiário em
casa. Esse profissional também auxilia no momento em que a família precisa
transportar o beneficiário.
Cuidados ao Beneficiário
107
Como já justificado anteriormente, para verificar com maior precisão a
micropolítica envolvida na produção do cuidado ao beneficiário, a pesquisa elegeu
como um dos sujeitos da pesquisa um beneficiário. Sugeriu-se à operadora que
indicasse um beneficiário que fosse completamente dependente do PAD, com alto grau
de complexidade e dependência, por considerar que este fosse um “analisador” mais
potente do funcionamento do Programa, na medida em que desafiava o PAD nas suas
demandas. Analisador aqui no sentido dado por Lourau (1975), de algo que revela a
organização. A escolha do beneficiário ficou a cargo da CM, foi respeitado o indicativo
de entrevistado e indicaram um beneficiário portador de Alzheimer em estado avançado
da doença. A entrevista foi realizada com sua a filha e cuidadora, que inicia informando
ser o programa extremamente benéfico, principalmente neste caso, em que o
beneficiário tem dificuldade de locomoção.
Seu ingresso no PAD ocorreu em maio de 2006, mas a família possui a carteira
nessa operadora há 20 anos. Ela explica que para entrar no programa foi necessário
um laudo médico. Esse laudo foi encaminhado para a operadora e em 30 dias foi
retornado, considerando o usuário elegível para o PAD. Após este retorno, foram
realizadas entrevistas com a médica coordenadora da equipe e com a enfermeira, para
a anamnese e avaliação do caso e, conseqüente definição do tipo de cuidado, ou
melhor, do plano terapêutico para o beneficiário. A nutricionista e a fisioterapeuta
também realizaram entrevistas após as conversas iniciais. Entre todos os profissionais,
somente a presença da enfermagem é constante no domicílio, havendo rodízio entre os
demais. A documentação contendo as informações sobre o beneficiário fica em poder
do próprio.
Durante entrevista ganhou centralidade um acontecimento inusitado, que trata de
uma situação em que se fez necessário atendimento de urgência para o beneficiário.
Esta situação se configurou um analisador do modo de produção do cuidado,
notadamente, a por parte da operadora.
A situação analisadora se refere à busca por atendimento de urgência e deu-se
da seguinte forma. O beneficiário precisou recolocar uma sonda nasoentérica, para
alimentação num horário noturno, em que não se conseguiu localizar os profissionais
do PAD para realizar o procedimento. Tornou-se, assim, necessário dirigir-se a um
108
hospital. A operadora se atrasou com a ambulância para fazer o transporte até o
hospital. Não havia sonda disponível no hospital no momento e a cuidadora não
dispunha de dinheiro para adquirir uma, resultando em um novo impasse. A cuidadora
teve que retornar ao domicilio para pegar uma sonda antiga, com a qual foi realizado o
procedimento. Após a liberação do beneficiário para o domicílio, ocorreu novo atraso da
ambulância. Notadamente, que do ponto de visa da cuidadora e do beneficiário, a
situação é limite, pois envolve um grande desconforto que se traduz em sofrimento.
Esta situação vem nos informar que, em um cenário de “normalidade” o PAD
tem respondido satisfatoriamente em relação aos cuidados ao beneficiário, inclusive
segundo a cuidadora; no entanto, ao sair do previsível, para o inusitado, como a
urgência, o Programa encontra dificuldades em responder adequadamente. Verifica-se
a necessidade de novas pactuações e aperfeiçoamento do PAD para intercorrências.
Analisamos a seguir o restante do processo de trabalho para este caso.
O trabalho está centrado em uma equipe formada por enfermeira, médica,
nutricionista e fisioterapeuta. O único profissional programado é a enfermeira, que faz 2
visitas por semana. A médica e nutricionista visitam a cada 2 meses. Esse número de
visitas é considerado satisfatório pela cuidadora, pois há resolubilidade. A fisioterapeuta
fez as sessões de capacitação e não retornou mais.
A troca de informações da cuidadora com a equipe ocorre de forma gradual. Os
membros da equipe utilizam-se de cartilhas para transmitir informações. No momento
dos procedimentos, indicam os insumos que deverão ser utilizados no processo
terapêutico, trocam experiências a partir dos eventos ocorridos com o beneficiário e vão
diariamente indicando a melhor forma de agir, demonstrando os detalhes do trabalho
que é realizado, em um movimento sutil de transferência de procedimentos de cuidado
para a família.
Ao elencar 3 vantagens do programa, a cuidadora coloca: 1) a confiança de
saber que a equipe está disponível 24 horas; 2) permanecer no ambiente natural –
domicílio, e 3) o custo menor do que se estivesse pagando, além dos insumos, o
transporte do beneficiário para exames e procedimentos.
109
Outra questão que se evidencia na relação da cuidadora com a equipe de
trabalhadores, é o fato de haver disputa em relação ao projeto terapêutico. No relato, a
cuidadora informa tentar “manipular” a enfermeira de alguma forma, mencionando sua
tentativa em interferir na condução do caso, mas ao mesmo tempo ela menciona que
não “há muito resultado devido ao rigoroso tratamento protocolar oferecido pela
enfermeira” (cuidadora). Há situações em que a cuidadora dá alguma fruta ou uma
pequena dose da sopa na boca do beneficiário para que ele sinta o sabor dos
alimentos, contrariando as prescrições do nutricionista, médico e enfermagem, que
tentam prevenir algum agravo.
Além das opiniões da cuidadora e dos profissionais do PAD sobre o projeto
terapêutico do beneficiário, ocorre também o atravessamento de opinião de outros
profissionais que acompanham o caso, como os médicos que atenderam o beneficiário
antes de entrar no PAD e parentes que são profissionais de saúde.
Esta questão é cotidiana para os casos de Atenção Domiciliar, pois como há
transferência da responsabilidade de parte do cuidado para o cuidador, produz-se
necessariamente o encontro entre o saber científico da equipe e o saber cuidador que
se inscreve na cuidadora. Torna-se, então, necessária uma pactuação entre ambos
para a condução do caso; processo esse às vezes é tenso, outras vezes harmonioso,
dependendo da disponibilidade de ambas as partes para exercerem a escuta e
negociação do projeto terapêutico.
Considerações Finais.
Encontramos nesta pesquisa uma situação singular na forma de produção do
cuidado, tanto pela amplitude da modalidade de atenção domiciliar, quanto por se tratar
do segmento privado - Saúde Suplementar. O quadro crescente de beneficiários
demonstra uma potencialidade da Atenção Domiciliar dentro da estrutura desta
operadora. Isso se justifica por um lado, pela capacidade do PAD de reduzir custos. Há
no final de 2006 uma estrutura que abarca 3300 beneficiários atendidos pelo PAD, com
110
60 profissionais (multiprofissões) e com meta da operadora de economizar com o
Programa, “900 desospitalizações em 2007”.
Uma breve avaliação dos marcadores analíticos indica que nos “Aspectos
Organizacionais do Programa de Atenção Domiciliar” chama atenção sobretudo o fato
do PAD não estar regulado contratualmente, o que o mantém fora da regulação feita
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Neste sentido a operadora funciona com
liberdade para operar na sua micro-regulação, questões como a “transferência de
custos” para os familiares e os critérios de Alta do Programa. Estes são os dois pontos
de maior conflito, e que às vezes são decididos por via judicial. A micro-regulação
disciplina a vida dos trabalhadores e beneficiários.
A rede de “Gestão da Vida” funciona institucionalmente, algo que tenta configurar
no seu meio a “linha de produção do cuidado”, operando uma idéia geral de suporte em
rede. Verifica-se que o PAD é dependente de uma rede de cuidados subsidiária ao
Programa, que é desempenhada por seus próprios profissionais ou por terceiros, que
não fazem parte da sua equipe, mas indicam certos grupos de beneficiários, como por
exemplo os crônicos.
Em relação ao “Processo de Trabalho", toda a atividade é disciplinada por
protocolos, que indicam o número de visitas domiciliares, o uso de transporte, insumos
e os recursos de apoio disponíveis. Se por um lado isto impõe certos limites, como as
visitas protocolares, por outro lado, na sua atividade cotidiana, o trabalhador usa da
liberdade que tem, proporcionada pelo seu “trabalho vivo em ato” e faz vínculo com
usuário e cuidador, negocia projetos terapêuticos e assim modifica o “modus operandi”
convencionado. Seu trabalho adquire um perfil próprio, neste caso específico, com
potência criadora de autonomia para o cuidador e de resolubilidade. Isto porque opera
um processo de trabalho centrado nas tecnologias leves, em que a equipe admite a
pactuação com os saberes e práticas do cuidador. Há que ressaltar que, como o
processo de trabalho é comandado pela própria equipe, o perfil assistencial é produzido
de forma singular e está vinculado ao modo de significar o trabalho no PAD, no sentido
da ética do cuidado. Assim, pode haver, como neste caso, um cuidado interativo com o
beneficiário e cuidador, como também pode haver um cuidado operado na lógica
instrumental. Não há um “a priori” definindo o perfil de cuidados operados no PAD.
111
Por fim, a situação escolhida para analisar a micropolítica do Cuidado ao
Beneficiário exemplifica o que foi dito acima. Na situação limite, o modo de cuidar se
manifestou de forma diferente, e o beneficiário e cuidadora estiveram submetidas a
outras lógicas de cuidado, mais instrumentais. Ficou claro que em situações limites, a
imaginária “linha de cuidado” é mais sensível a sofrer rupturas, como ficou demonstrado
na situação analisada.
As normas instituídas de regulação do Programa, em especial as que transferem
custos para as famílias e disciplinam as visitas domiciliares, não impedem que se
processe um novo modo de produzir o cuidado, pelas equipes. Nota-se que, no seu
ideário, coloca-se em primeira instância o cuidado aos beneficiários, sua intenção ético-
política que configura uma intencionalidade de cuidar e substituir as formas
convencionais de atenção hospitalar. Há uma nova forma de, micropoliticamente,
organizar o trabalho.
Verificamos, portanto, haver um processo de Reestruturação Produtiva em curso.
Essa reestruturação caracteriza-se pelo seguinte: 1 – ao deslocar o cuidado do hospital
para o domicílio, novos atores entram no jogo de cuidado e de poder, quais sejam, o
beneficiário e sua família, com destaque para o cuidador. São estabelecidas novas
relações do beneficiário e sua família com a equipe e também com a operadora. Esse
encontro, entre a equipe do PAD e o beneficiário, cuidador e familiares produz uma
intervenção no processo produtivo originalmente pensado pela equipe, o que
proporciona novos modos de fazer o cuidado. 2 - os núcleos profissionais enrijecidos
em torno de saberes e práticas auto-referenciados encontram outros sujeitos no
domicílio, com saberes e práticas de cuidado, com os quais têm que dialogar. Afinal, o
espaço domiciliar é um território específico, onde as relações de poder mudam em
relação ao que é vivido na rede de saúde. Aqui há um certo controle do território pelo
beneficiário e cuidador e sobretudo, destaque para a inter-subjetividade que opera mais
francamente nas relações estabelecidas fora das instituições de saúde, que se
manifesta por tensões e conflitos de um lado e por pactuações e harmonia de outro. É
nesse jogo institucional e subjetivo que o cuidado se produz no cotidiano. 3 – algumas
circunstâncias do cuidado domiciliar favorecem maior impacto do contexto sobre os
trabalhadores e maior permeabilidade às necessidades do usuário (também mais
112
disposto a expressá-las), possibilitando uma maior implicação com o cuidado em saúde
nesta nova cena. Esse novo arranjo pode favorecer o uso das tecnologias mais
relacionais (leves). Isso não é imperativo, obviamente, pois o perfil tecnológico que
opera no processo de trabalho depende da intencionalidade dos sujeitos que trabalham
e sua forma singular de significar o cuidado em saúde. No entanto, observa-se que o
ideário que se forma em torno do PAD e uma certa implicação com seus princípios e
novidade, favorecem a mudança do processo produtivo neste aspecto. 4 – a gestão da
vida, por meio de sub-programas que apóiam o PAD, reconhecendo a sinergia entre
diversos recursos terapêuticos confluindo para o cuidado a um beneficiário, também
configura uma mudança importante, de continuidade do cuidado e responsabilização
contra processos de trabalho parcelares, em que os profissionais e serviços têm
dificuldades em conversarem entre si.
A Reestruturação Produtiva reflete a existência de novos modos de cuidar, de
um novo processo de trabalho e de uma particular configuração das tecnologias usadas
no trabalho em saúde. Mas como o caso estudado, ocorre no contexto do mercado, não
se pode deixar de identificar outro fator impulsionado a reestruturação produtiva, qual
seja a redução de custos. Ela é auxiliar ao processo de gestão atual ao, notoriamente,
operar um modelo produtivo do cuidado mais eficiente para a operadora. Por outro lado,
isto leva para que haja um maior controle do trabalho médico, tendo em vista que o
cuidado à clientela efetivado pelo PAD não envolve remuneração dos cooperados (que
são médicos), pois a atenção domiciliar é conduzida por trabalhadores contratados pela
operadora ou por empresas terceirizadas. Portanto, do ponto de vista da gestão esse é
um processo tenso, mas superado pelos ganhos que o conjunto da Cooperativa tem
tido.
Esta modalidade de cuidado, no domicílio, surge com grande potência no cenário
da produção do cuidado na Saúde Suplementar e tende a fortalecer ainda mais as
práticas focadas em novas modalidades assistenciais.
Referências:
113
BAREMBLITT, Gregório. Compêndio de Análise Institucional: e outras correntes teoria e prática. Belo Horizonte, Instituto Félix Guattari, 2002. 5 ª ed.
BARUS-MICHEL, Jaqueline. O sujeito social. Belo Horizonte. Editora PUCMINAS. 2004
BRASIL. Lei 10424 de 15 de abril de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de abril de 2002
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VIANNA Heraldo Marelim. Pesquisa em educação: a observação. Brasília. Plano. 2003
Nota de fim:
Esse trabalho é parte da produção acadêmica do mestrado na linha de pesquisa
Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde da Clínica Médica – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, com aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ.
115
The healthcare delivery in a Medical Cooperative’s Home Care Program
Abstract:
This article aims to describe and analyze the healthcare delivery in a Medical Cooperative’s
Home Care Program. It is the largest Home Care Program in Brazilian supplementary (private)
health system, with 3,300 beneficiaries in 2006. The HCP has been developed due to the need of
“organizing the services utilization” especially by those clients who too often attended the first-
aid services and who were frequently submitted to in-hospital care. So, it is implicit the idea of
corporative costs reduction. The analysis was made through a qualitative study, which used for
data collection the following tools: the bibliography research, documental research, mainly on
the cooperative’s site and the National Agency of Brazilian Supplementary Health, semi-
structural interviews with key-informants, observation on the spot and data collection from
secondary sources. Data analysis reveals the satisfaction of beneficiaries with results obtained in
HCP, cost reduction for Medical Cooperative and transfer of expenses to family. The healthcare
delivery analysis suggests there is an economic restructuring in course, considering important
changes in work processes.
Key-words: home care, health production, economic restructuring of healthcare production,
micro-politics
116
ATENÇÃO DOMICILIAR NA SAÚDE SUPLEMENTAR
Túlio Batista Franco Prof. Dr. da Universidade Federal Fluminense
Emerson Elias Merhy Livre Docente pela Unicamp; Professor Dr. da Universidade Federal do Rio de Janeiro
André Amorim Martins Mestrando em Clínica Médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro
1 INTRODUÇÃO
Há algum tempo produz-se um consenso em torno dos serviços de saúde sobre os altos
custos operacionais. Tanto os serviços públicos e privados adotaram modelos produtivos que
seguem uma lógica segundo a qual há uma alta incorporação e utilização de tecnologias duras e
leve-duras, fazendo-as o centro dos processos produtivos. De outro lado, se ressentem dos custos
elevados com os quais são obrigados a lidar, visto que a lógica centrada na produção de
procedimentos eleva sobremaneira o valor dos produtos da saúde e não conseguem dar uma
resposta eficaz aos seus problemas.
Essa forma de organizar os serviços foi legitimada pela matriz teórica que vem do
relatório Flexner, empregado inicialmente nos Estados Unidos da América (EUA) a partir de
1910 o qual, ao declarar que o ensino médico deve estar voltado à pesquisa biológica e à
especialização do conhecimento, subsidiou a reforma pedagógica do ensino superior de medicina
e criou em escala mundial um lastro teórico que induziu a constituição de modelos
tecnoassistenciais centrados na maquinaria, no saber especializado e na prática prescritiva. O
conhecimento do corpo anátomofisiológico passou a matriciar o ensino e a colonizar as práticas
assistenciais nos serviços de saúde.
117
O alto custo operacional dos serviços de saúde, como já foi dito, gerados a partir deste
modelo, foi sentido primeiro pelo sistema público, dependente do financiamento estatal, que sofre
com a crise econômica mundial, de caráter recessivo, na década de 70 do século XX. Essa
conjuntura reduziu a capacidade de financiamento dos estados nacionais, que passaram a adotar
políticas de austeridade financeira, com restrição de gastos, tornando as políticas sociais - entre
elas a saúde - vulneráveis à intervenção dos governos que vêm a se constituir nesse quadro
econômico e que tem como contexto o recuo do Welfare State implantado em muitos países, no
período pós-guerra, como forma de regular o mercado e garantir as necessidades básicas à
população.
Durante os anos 60 e 70 do século passado, vários vetores de força atuaram para que
novos padrões de atenção à saúde se constituíssem no cenário de organização dos serviços. Entre
eles, a expansão do mercado médico, a incorporação tecnológica em larga escala, os altos custos
da assistência à saúde. Assim, algumas iniciativas de organização de serviços de saúde tentaram
inaugurar novas práticas e modos de produção do cuidado, cujos efeitos poderiam ser
considerados pelo esforço em substituir o modelo hegemônico. Entre eles destacam-se a
Promoção à Saúde, surgida no Canadá nos anos 1970. Dando seguimento a esse esforço foram
discutidas no âmbito da Conferência Internacional sobre os Cuidados Primários em Saúde,
realizada na cidade de Alma Ata, em 1978, outras formas de organização das práticas de saúde,
com objetivos voltados à promoção e prevenção de agravos. No Brasil, a maior expressão de um
esforço realizado com esse objetivo é o Programa Saúde da Família. No entanto, esses modelos
não impactaram substancialmente as práticas clínica stricto sensu, permanecendo seu processo de
118
trabalho centrado na hegemonia flexneriana13, centrado no ato prescritivo, na produção de
procedimentos.
Se na saúde pública a proposta da substituição de certos modelos por outras formas de
organização da assistência ocorreu por esse rumo, o qual citamos anteriormente, no campo da
saúde suplementar, o enfrentamento dos altos custos prevaleceu uma diretriz que foi produzida
no contexto dos negócios, no mundo da economia e dos contratos. Nos EUA, a lógica
prevalecente foi a da “atenção gerenciada”, que busca mudar o modelo através de contratos com
os prestadores, especialmente os médicos prescritores, impondo-lhes um controle da sua
microdecisão clínica, tentando exercer a regulação da sua prescrição transferindo parte da sua
decisão para a figura de um “auditor” da operadora.
Toma-se a possibilidade de transferência do processo de decisão, sobre as ações de saúde a serem realizadas nos serviços, do campo das corporações médicas para os dos administradores, como uma estratégia vital para atacar a relação custo-benefício do sistema. (MERHY, 2002, p.69).
Essa nova prática das operadoras cria um contraditório entre os próprios agentes que
atuam na saúde suplementar. Pois, se o interesse dos fornecedores de equipamentos biomédicos e
de medicamentos é de práticas de cuidado prescritivas, para induzir o alto consumo dos seus
produtos, o interesse das operadoras é de restringir esse consumo. Os médicos por sua vez vêem
restrições na contratualidade instituída pela diretriz da “atenção gerenciada”, pois esses contratos
reduzem sua autonomia no exercício profissional, regulando mais incisivamente o seu processo
de trabalho. Já no Brasil, a atenção gerenciada não é implementada com a radicalidade que o foi
nos EUA, mas buscou associar estratégias de redução da prescrição médica pela via contratual e
13 O chamado modelo flexneriano refere-se ao modelo de ensino médico implementado a partir do Relatório Flexner (EUA, 1910), que sugeria uma formação que tivesse como eixo “a necessidade de enlaçar o ensino com a investigação nas ciências biomédicas”, decorrendo disso um modelo de prática médica centrada no corpo anátomofisiológico e tendo como principal referência o hospital. (NOGUEIRA, 1994, p. 92-3)
119
administrativa, com políticas de indução de novas práticas profissionais que resultassem em um
menor consumo de procedimentos, como por exemplo, a premiação de médicos com menor
prescrição por consulta, oferta de treinamento adicional para os que têm um consumo de exames
acima dos padrões médicos, etc. Tudo isso se associa, ao mesmo tempo, a um movimento de
reestruturação produtiva no setor, que ocorre de forma desigual, em conteúdo e ritmo, mas
perceptível em geral no campo da saúde suplementar. A reestruturação se dá principalmente pela
introdução nas tecnologias de cuidado de programas de promoção e prevenção à saúde, controle
de riscos da população de beneficiários. Notadamente, o primeiro objetivo deste movimento é
pela redução dos custos operacionais na saúde suplementar. (MERHY, 2002 p.81;
BRASIL/MS/ANS, 2005)
É no contexto da busca da substituição do modelo, das práticas de cuidado, enfim, das
tecnologias usadas nos processos de trabalho que surgem as propostas de “Programa de Atenção
Domiciliar” (PAD) que como veremos a seguir, apresentam modalidades extremamente diversas
dependendo da operadora que o adota.
A pesquisa de Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar foi realizada pela Universidade
Federal Fluminense (UFF), em cooperação técnicacientífica com a Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), com apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Organização
Pan Americana de Saúde (OPAS). Pelo seu caráter pioneiro, trata-se de um estudo prospectivo
que tem por objetivo revelar as modalidades utilizadas para a Assistência e Internação Domiciliar
e verificar o caráter substitutivo das práticas de cuidado nestes modelos, isto é, em que medida há
no PAD uma substituição das tecnologias no interior dos processos de trabalho.
Mas, uma questão se torna central no estudo que se segue, qual seja, a que procura
interrogar: O que é substituição de tecnologias de cuidado? Quem ou o que tem o atributo da
120
“substitutividade”? Como é possível verificar o caráter substitutivo de certos modelos em relação
ao modelo hegemônico?
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS
A Atenção Domiciliar está no campo do debate em torno da Reestruturação Produtiva da
saúde. Pires (1998) realizou um estudo em dois hospitais e concluiu que a incorporação
tecnológica resultava na reestruturação da produção, verificada através da mudança nos processos
de trabalho.
A “Reestruturação Produtiva” significa
A resultante de mudança no modo de produzir o cuidado, geradas a partir de inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os produtivos da saúde e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos populacionais. (MERHY e FRANCO, 2006 p.225-6)
Estas inovações podem ser tanto aquelas oriundas da incorporação de novas tecnologias-
máquinas aos processos produtivos, como o verificado por Pires na sua pesquisa, ou a introdução
de novos programas, mudando as usuais práticas de cuidado. A reestruturação produtiva não
significa necessariamente uma ruptura do tradicional modelo produtivo da saúde, ou seja, ela
pode operar mudanças por dentro deste mesmo modelo em que o processo de trabalho
continuaria ainda centrado na lógica instrumental. Por exemplo: em um modelo centrado na
produção de procedimentos, a introdução de novos instrumentos, protocolos, pode mudar o
processo de trabalho sem provocar uma ruptura com sua lógica de alto consumo, de acumulação
e cuidado centrado no campo biológico; ou, a implantação do Programa Saúde da Família pode
121
significar simplesmente a transferência do modelo hegemônico da Unidade Básica para o
território e domicílio, sem significar de fato uma mudança real na forma de cuidar da saúde.
Em outro sentido, as mudanças no modo de produção do cuidado, podem provocar
ruptura com o velho modelo tecnoassistencial, provocando uma reconfiguração no núcleo
tecnológico do cuidado, em que as tecnologias leves (relações) passam a ser hegemônicas no
processo de trabalho, convivendo com as tecnologias duras (instrumentos, maquinaria) e leve-
duras (conhecimento técnico), mas sendo aquela a que comanda a produção do cuidado. Neste
caso, teremos um outro fenômeno o qual denominamos de “Transição Tecnológica”, que pode
ocorrer inclusive por tensão criada no processo de trabalho em um movimento de reestruturação
produtiva no setor (MERHY, 2002). Na Transição Tecnológica há uma ruptura com o modelo
assistencial centrado em procedimentos.
O processo de trabalho na saúde é profundamente marcado pela ação do Trabalho Vivo
em Ato e, portanto, sempre que discutimos a produção no campo do cuidado, os sujeitos
comparecem no centro do debate. Percebemos que ao mesmo tempo em que analisamos a ação
dos sujeitos em cena, no âmbito do trabalho, coloca-se em análise a subjetividade e os processos
de subjetivação implicados nesse processo e que se constituem como campos de força da
micropolítica do processo de trabalho e do modo de produção da saúde. A subjetividade é
histórica e socialmente produzida. Seu núcleo operativo se encontra no desejo processado em
âmbito inconsciente, o qual faz com que as pessoas produzam certas realidades em torno de si
(DELEUZE e GUATTARI, 1972; BAREMBLITT, 1998), podendo esta produção do meio social
se direcionar para diferentes conformações da realidade no âmbito do trabalho em saúde. O
desejo age como uma força propulsora do sujeito, para a sua produção social.
Essa subjetividade opera em redes, animando a micropolítica do processo de trabalho e
expandindo o seu alcance. Esse movimento em redes é constitutivo do processo de trabalho em
122
saúde. Forma-se nas relações entre os trabalhadores, deles com os usuários e em linhas de
conexão para dentro e fora do domicílio, em fluxos abertos como o rizoma, sugerido por Deleuze
e Guattari (1995). Essas redes se formam por fluxos-conectivos que impulsionam determinado
projeto terapêutico e operando assim uma dada linha do cuidado em todo processo que cerca o
usuário (FRANCO, 2006). Compreender o modo como o trabalho vai operando nessa rede é
importante para revelar as linhas e seus pontos de ruptura no cuidado ao usuário.
O caráter de substitutividade de um certo modelo produtivo é dado pela configuração do
trabalho, podendo ser via reestruturação produtiva, configurando uma substituição parcial do
atual modo de produção do cuidado, ou pode-se observar uma transição tecnológica, modelo no
qual haveria uma radical mudança no processo de trabalho. Fazem parte do cenário de mudança,
portanto, o trabalho, as tecnologias de trabalho, subjetividade e uma ética do cuidado, que é o
modo de ser de cada um em relação ao outro, enquanto se trata de saúde. Portanto, a análise do
Programa de Assistência Domiciliar deve-se realizar com base no mundo do trabalho e das
práticas de cuidado, neste caso, tendo como foco a micropolítica.
3 MÉTODO
A pesquisa buscou revelar a experiência corrente na modelagem da Assistência
Domiciliar na Saúde Suplementar, caracterizando-se como um estudo de caso que contempla os
segmentos “medicina de grupo”, “cooperativa médica”, “auto-gestão” e “seguro saúde” no estado
do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
É um estudo qualitativo que utilizou como instrumentos de coleta de dados a pesquisa
bibliográfica, pesquisa documental principalmente nos sites das operadoras e da ANS e
entrevistas com informante-estratégicos, com roteiro semi-estruturado. Foram entrevistados
123
gestores da operadora e da prestadora de serviços de Assistência Domiciliar, Coordenador das
Equipes do Programa de Assistência Domiciliar, Trabalhadores das mesmas e Usuários ou
Cuidadores que participam dos respectivos Programas. Além das entrevistas, foram realizadas
visitas em domicílios, com observação direta do processo de trabalho da equipe na relação com o
beneficiário e sua família. Também foram realizadas visitas técnicas às sedes das prestadoras de
PAD, com acesso a todas as Unidades de apoio ao Programa de Assistência Domiciliar.
O objetivo geral da pesquisa é analisar os modelos de Programas de Assistência
Domiciliar na Saúde Suplementar, tendo como foco os processos de trabalho e buscando verificar
o impacto nas práticas de cuidado.
Os objetivos específicos são de descrever os aspectos organizacionais e de logística
utilizados pela prestadora de “Home Care”; descrever e analisar os critérios de elegibilidade dos
beneficiários ao PAD; analisar o processo de trabalho entendendo-o como o centro de tensões
produtivas do cuidado.
Os dados foram analisados a partir da matriz discursiva dos sujeitos da pesquisa e os
resultados agrupados na dimensão organizacional que reúne os aspectos da logística e infra-
estrutura, e dimensão da produção do cuidado. Buscou-se uma descrição detalhada do processo
de trabalho e sua análise com base na ação tecnológica dos trabalhadores.
4 RESULTADOS
Uma questão preliminar importante é o fato de que a Assistência Domiciliar na Saúde
Suplementar obedece à regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
para esse tipo de serviço, feita através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) No. 11/2006.
124
4.1 ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DO PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA DOMICILIAR
Para todas as operadoras, os aspectos organizacionais são parecidos, pois indicam a
necessidade de uma estrutura de funcionamento e logística que envolve fornecimento de
materiais, medicamentos (à exceção para os de uso oral), transporte e equipamentos hospitalares
quando os beneficiários são dependentes dos mesmos.
Em relação à gestão do trabalho, as operadoras optam por formar equipes com pessoal
próprio, combinada com contratação de um quadro de profissionais autônomos, cooperativas de
profissionais, ou mesmo empresas especializadas em Atenção Domiciliar. Fazem um
investimento importante na educação em Atenção Domiciliar, com o objetivo de melhor adaptar
os trabalhadores aos Programas. Da mesma forma que busca-se transferir tecnologias de cuidado
aos familiares, no sentido de autonomizá-los como cuidadores. Isso contribui com as estratégias
de “desmame” do beneficiário, ou seja, quanto mais autonomia o cuidador e familiares tiverem
para os cuidados à saúde do beneficiário, mais precoce pode ser a Alta do Programa. Com isto,
tenta-se evitar conflitos entre familiares e programa no momento da Alta, já que é comum
verificar a insistência para que o beneficiário continue tendo a assistência domiciliar, mesmo que
tecnicamente haja indicação de alta.
4.2 MODELO PRATICADO POR UMA COOPERATIVA MÉDICA
A Cooperativa Médica (CM) pesquisada iniciou em 2002 três programas de atenção
domiciliar aos seus beneficiários. A principal justificativa para os programas se encontra na
grande freqüência de internações e em prontos socorros, de certos grupos de beneficiários e
sabidamente essa população poderia ser mais bem assistida em domicílio, evitando supostos
125
transtornos nos prontos atendimentos e internações “desnecessárias”. Esses programas eram
destinados inicialmente a pessoas acima de 65 anos, mas posteriormente passou a ser ofertado
para pessoas acima de 50 anos. Há exceções quanto à idade, desde que se justifique o ingresso no
PAD, em função do problema de saúde do beneficiário, podendo, portanto admitir, por exemplo,
jovens com seqüelas graves.
O primeiro Programa de Assistência Domiciliar que surgiu destinava-se à realização de
Curativos em Domicílio, para pacientes acamados, egressos de internações hospitalares, que
desenvolveram escaras devido ao longo tempo de internação. Na alta foi recomendada a
continuidade do tratamento e troca de curativo em domicilio.
Outro programa é a Internação Específica que surge com a demanda dos pacientes que
desejavam continuar o tratamento em domicílio, em vez de continuar no hospital. São pacientes,
em sua maioria, em terapia endovenosa, estáveis e que podem fazer a troca da medicação sem
precisar fazer esse trabalho no ambiente hospitalar.
O terceiro programa é designado Gerenciamento de Caso e oferece cuidado continuado à
pacientes portadores de doenças crônicas degenerativas e que podem ficar em domicilio para o
tratamento. É onde ocorre grande concentração de beneficiários.
Atualmente, o ingresso nesses programas ocorre por: a) demanda dos beneficiários; b)
indicação dos auditores após realização de análise de casos; c) orientação do responsável
terapêutico de cada beneficiário, frequentemente o médico. Para o ingresso é necessário que o
domicílio ofereça as condições necessárias para o trabalho em saúde.
O aumento da demanda para o Programa de Atenção Domiciliar é crescente e vem
assumindo proporções de alta escala. Em 2003 eram 30 clientes abrangendo os três programas.
Em 2004 o número de beneficiários sobe para 300, 2005 o número é de 2.100. O ano de 2006
fecha com 3.500 beneficiários destes programas. Estipula-se que 50% dos casos são relacionados
126
a Acidente Vascular Cerebral (AVC). De acordo com a operadora, o aumento do número de
beneficiários inseridos no programa gerou uma redução de 54% nas internações hospitalares,
50% da redução de visitas a serviços de pronto atendimento e redução global dos custos
operacionais em 22%.
Para comportar essa demanda crescente a operadora conta com uma equipe de 60
profissionais, entre assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, nutricionistas e
psicóloga. Há também os profissionais de nível médio. Existe demanda para o fonoaudiólogo
para esta modalidade de Atenção Domiciliar. Além deste grupo, a CM tem contrato com mais 4
(quatro) prestadores de serviços de cuidados domiciliários, para casos menos graves. A equipe
conta com logística, infraestrutura e espaço próprio utilizado para funções administrativa e
operacional, que é utilizado para reuniões, treinamento, produção de prontuários e
armazenamento de medicamentos.
Os profissionais são divididos em equipes que servem de referência para o beneficiário
(em torno de 60 beneficiários por equipe) e trabalham em regiões estabelecidas pelo Programa,
seguindo o mesmo modelo de regionalização da administração municipal e do sistema público de
saúde local. A proposta de trabalho para estes profissionais está relacionada principalmente à
prevenção de agravos do beneficiário e treinamento do seu cuidador, sendo que cada um tem uma
atenção e disponibilidade de atendimento diferenciada. A enfermagem exerce uma atuação mais
presente, com visitas regulares no início da internação domiciliar e diminuindo esta frequência
com o ingresso gradativo do cuidador no trabalho junto ao beneficiário. O fisioterapeuta e
nutricionista têm número de visitas estipuladas e pactuadas no projeto terapêutico de cada
beneficiário, previamente programadas. O trabalho do psicólogo é solicitado quando há conflitos
intrafamiliares no contexto da assistência ao beneficiário, e/ou família-equipe. A função do
médico contratado para o trabalho na Atenção Domiciliar difere do médico cooperado. Este,
127
geralmente é o médico assistente do beneficiário, e participa das discussões do projeto
terapêutico que será conduzido em âmbito domiciliar pelo médico e equipe do PAD, mas as
visitas domiciliares são realizadas pelo médico do Programa. Outro recurso disponibilizado aos
beneficiários e familiares é a assistência por telefone, através do qual eles podem tirar dúvidas e a
equipe utiliza para o monitoramento da qualidade dos serviços prestados.
Os profissionais dispõem para o seu trabalho uma estrutura bem organizada oferecida pela
CM: ajuda de custo para o deslocamento até o domicílio do beneficiário, telefone empresarial,
insumos alocados dentro da Sede da Atenção Domiciliar, sede própria com estrutura logística
operacional. Desde o início do programa em 2002 somente 4 (quatro) profissionais desligaram-se
e isso se deu por motivos pessoais, demonstrando que há uma adesão do profissional a esta
modalidade de atendimento.
Aos beneficiários são oferecidas medicações de âmbito hospitalar, ambulância em caso de
urgência ou quando há necessidade de fazer exames em clínicas especializadas e equipamentos
hospitalares, inclusive para o caso de ventilação mecânica. Mas, para a realização da Atenção
Domiciliar, a família tem como contrapartida oferecer a medicação de uso diário e de fácil acesso
(gaze, antitérmico, analgésicos, algodão, etc), mobiliário (cama, cadeiras específicas) e
alimentação.
Devido à grande diversidade da clientela, no aspecto sócioeconômico, a operadora utiliza
o conceito de equidade para os cuidados em domicílio. Com isso, há uma flexibilidade no trato
dispensado ao beneficiário quanto ao fornecimento de medicamentos e a disponibilização de
cuidador. Isso passa a ser tratado de forma específica para cada caso. Nesta perspectiva, com o
trabalho dos Assistentes Sociais é mapeada uma rede de apoio na comunidade local, junto ao
Sistema Único de Saúde, asilos, associação de moradores. Através dessa rede são identificados
prováveis cuidadores, fornecedores de medicamentos e insumos para os beneficiários, que
128
apresentam uma renda familiar incompatível com os custos gerados para os cuidados
domiciliários.
A Alta está relacionada ao tipo de modalidade na qual o beneficiário está sendo atendido.
Os beneficiários que fazem parte do Gerenciamento de Casos são, em sua maioria, sequelados de
AVC, com estado avançado de Alzheimer, demências e já é esperado pela equipe que o cuidado a
estes beneficiários ocorra até o óbito. A Alta, neste caso é considerada rara, já estando prevista
longa permanência no PAD, devido à avaliação feita no processo de elegibilidade do beneficiário
ao ingressar no programa, em média 2% dos casos se enquadram nesse perfil. Já os beneficiários
da Intervenção Específica têm data para ingressar e desligar do programa devido ao seu perfil, ao
cuidado específico que lhe foi prescrito, normalmente terapias endovenosas, soroterapia e
curativos. Há um terceiro caso de Alta que ocorre quando o beneficiário é transferido para outra
estrutura da CM, por exemplo se necessária uma internação hospitalar ou reinternação. Neste
caso é dada a Alta ao beneficiário, ele é transferido e posteriormente, caso haja necessidade,
poderá retornar ao programa. Ressaltando que a Alta pode ocorrer quando o beneficiário ou a
família solicitam a saída do programa.
O nível de satisfação do beneficiário nesta modalidade de Atenção Domiciliar é
considerado alto, devido às formas de relacionamento entre equipe e família, com a referência e
vínculo de um profissional para cada beneficiário, o que gerou um aumento de beneficiários por
demanda espontânea. Com o PAD houve também uma redução de mandatos judiciais contra a
operadora, reivindicando assistência domiciliar.
Entrada na AD
- Demanda Espontanea- Encaminhamento- Convite de um auditor
Avaliação da enfermagem
O beneficiário
tem elegibilidade?
Sim
Nâo
Avaliação do domicilio
O domicilio oferece
condições?
Sim
Não
Programação dos
profissionais
Realização de visitas e
Gerenciamento de Casos
Encaminhado para clínica médica ou
hospital
. . .
129
Figura 2: Fluxo resumido de ingresso no PAD em uma Cooperativa Médica
4.3 MODELO PRATICADO POR UMA OPERADORA DE MEDICINA DE GRUPO
Critérios de ingresso e rede de cuidados: Os critérios de elegibilidade para ingresso no
programa de cuidados ou internação domiciliar na operadora de Medicina de Grupo pesquisada,
contemplam os beneficiários dependentes de internação hospitalar prolongada; perfil nosológico
que torna possível realizar os cuidados necessários em ambiente domiciliar, por exemplo:
tratamento de feridas, antibióticoterapia, suporte pós-internação, acompanhamento para
beneficiários portadores de doenças crônicas. Estes contam ainda com o chamado “Projeto
Gestor”, através do qual eles se vinculam a um ambulatório onde são acompanhados através de
cuidados específicos e é monitorada a sua saúde, feita a dispensação de medicamentos e controle
do seu estado em geral.
Para ingressar no programa, é necessário que o beneficiário tenha indicação de algum
médico da operadora. Após essa indicação ele passa por uma avaliação da equipe do programa,
inclusive análise das suas condições sócio-econômicas e de moradia, que é feita com o objetivo
de avaliar a viabilidade em manter o beneficiário sob cuidados de uma equipe de saúde no seu
próprio domicílio. Verifica-se o espaço físico da casa (iluminação, ventilação, etc.), a estrutura
familiar, a presença de um cuidador (nos casos em que a família opta por não contratar um
cuidador). A prestadora tem uma grande flexibilidade no julgamento da elegibilidade de cada
beneficiário, na medida em que é economicamente vantajoso para ela mantê-lo no programa.
De acordo com o Gestor, os critérios clínicos de elegibilidade para ingresso no PAD não
possuem regras estabelecidas, não está escrito num protocolo, ficando a decisão da incorporação
do beneficiário no Programa, ao cargo da equipe de avaliadores, que é composta por uma
130
enfermeira, um médico e quando necessário o fisioterapeuta. A decisão é tomada pela equipe, em
conjunto com a prestadora/operadora.
Há famílias que se negam a receber o beneficiário em casa, pretendendo que o mesmo
continue no hospital. Nestas situações os profissionais da operadora realizam um esforço de
convencimento da família, mas, contudo se esta não aceitar, o beneficiário não terá ingresso no
PAD.
Médico prescreve
Assistência Domiciliar
Operadora solicita
avaliação do Home Care
Prestadora instala
Assistência Domiciliar
Equipe avalia condições da
família assumir
Tem elegibili-dade?
Casa Viável?Família
assume?
FIGURA 1: Fluxo de ingresso do beneficiário no Programa de Assistência Domiciliar em uma Operadora de Medicina de Grupo
A operadora conta com a seguinte estrutura de serviços, para apoiar o Programa:
Call-center: disponibilizado 24 horas para orientação aos cuidadores que trabalham no
programa, beneficiários e familiares atendidos.
Fallow up: o beneficiário que tem alta do programa, possui um acompanhamento pelo
programa que faz contato com o mesmo no 3º, 7º, 15º, e 30º dias, com objetivo de avaliar suas
condições após a Alta.
Prontuário eletrônico: O prontuário eletrônico é um recurso importante para o trabalho
no programa, pois possibilita a qualquer membro da equipe acessar as informações pertinentes ao
beneficiário, assim como o apoio do call center para orientação ao mesmo ou seu familiar.
Ouvidoria : tem a função de receber sugestões e críticas ao programa, repassando as
mesmas para a coordenação e/ou outros órgãos internos de acompanhamento.
131
Gestão do Trabalho e Educação na Saúde: Em relação à educação e treinamentos dos
seus profissionais, a operadora conta com o suporte da equipe que fica na “Base” (sede do PAD),
que organiza treinamentos iniciais e continuados para os profissionais.
Os treinamentos continuados buscam motivar os profissionais através de premiação, isto
é, aqueles que são mais assíduos e têm melhor desempenho são premiados. Há ainda um
programa de estímulo ao estudo superior, através do custeio de uma parte da mensalidade da
faculdade. São candidatos a esse apoio, os técnicos que possuem vínculos com a operadora de no
mínimo três anos.
Um problema importante enfrentado pelo programa diz respeito à “Alta”, pois os
beneficiários que tiverem ingresso no PAD têm uma grande resistência em sair do Programa,
mesmo que não haja mais indicação para continuar sob cuidados domiciliários. Há casos de
recursos ao sistema judiciário para manutenção do Programa de Assistência Domiciliar.
Os profissionais começam a trabalhar a Alta desde o ingresso no Programa, procurando
transferir conhecimento, tecnologias de cuidado a familiares e realizando um trabalho de
“desmame” que é uma Alta gradativa, para amenizar os seus impactos. Nesse sentido, a própria
operadora mantém outros programas de suporte à clientela, que tentam deixar o beneficiário e
seus familiares mais confortáveis e seguros, para assumirem os seus cuidados após a Alta do
programa, que são:
a) Projeto Gestor: é o monitoramento pelo telefone, de pacientes crônicos, em sua
maioria, idosos. Tem como objetivo principal, gerenciar esses pacientes para evitar
intercorrências e internações.
b) Total Care: é um ambulatório especializado que possui duas sedes. É direcionado para
o tratamento de pacientes crônicos, em geral, diabéticos, hipertensos, cardiopatas. Tem uma
preocupação com a qualidade de vida, realizando atividades de grupos e apoio psicológico.
132
c) Projeto Onco Care: é direcionado para pacientes com câncer, que necessitam terminar
o ciclo de quimioterapia ou de cuidados paliativos. É utilizada a mesma estrutura do Home Care,
porém, existem suas especificidades em virtude da complexidade do perfil clínico desses
pacientes.
Processo de Trabalho: O trabalho de coordenação do programa é feito por uma médica
que tem a função de realizar o primeiro contato com a família para explicar a estrutura do Home
Care e apresentar o serviço; intermediar os problemas entre a equipe, familiares, cuidadores,
prestadora/operadora; coordenar o trabalho de logística de enfermagem, fisioterapeutas, médicos;
montagem de enfermagem; verificar a elegibilidade do beneficiário para o Home Care; estar em
contato permanente com os enfermeiros e demais profissionais que estão trabalhando no
domicílio e dividir os casos com eles.
A assistente social contribui com a avaliação do beneficiário, nos aspectos sócio-
econômicos e condições gerais da família para admissibilidade nos programas de cuidados ou
internação domiciliar. A coordenação da equipe e da respectiva área fica ao cargo da enfermeira.
A prestadora contrata em torno de 210 técnicos com vínculo empregatício e ainda em torno de
100 técnicos contratados de terceiros. Quanto às diferenças dos vínculos empregatícios dos
técnicos de enfermagem a operadora admite o impacto negativo dessas duas formas de
contratação no processo de trabalho da equipe.
O profissional de enfermagem é considerado de extrema relevância para a operadora,
sendo os cargos de coordenação das áreas, ocupados por eles. Os profissionais de enfermagem
que estão na assistência direta, possuem funções vinculadas ao treinamento do cuidador sobre o
manuseio, a manipulação, a orientação, a higiene do paciente e de todo instrumental e estrutura
de cuidados. Os treinamentos oferecidos para os cuidadores dos usuários do PAD, são realizados
também pelo profissional de enfermagem, tendo normalmente 15 dias de duração.
133
Todos os profissionais reconhecem que os enfermeiros possuem maior vínculo com os
beneficiários e com as famílias. Esse reconhecimento é justificado, pelo fato deles estarem mais
próximos do ambiente familiar. Para a operadora o enfermeiro é visto como figura central no
processo de produção do cuidado. Seja pela intermediação que faz com os demais profissionais,
seja pelo vínculo que constrói com a família e beneficiário.
Os profissionais consideram que os treinamentos ofertados pela operadora ficam restritos
aos aspectos clínicos e epidemiológicos, contemplando pouco as questões relacionais, que são
também demandas importantes do Programa. Informam que não há um suporte psicológico
para cuidar de questões que são singulares às relações equipe-família-beneficiário, no ambiente
domiciliar.
A integração entre os profissionais da equipe é valorizada na construção e modificação do
plano terapêutico, na medida em que os profissionais são chamados a discutir, por exemplo, a
melhor forma de organizar o seu processo de trabalho.
A operadora não estimula o estabelecimento de vínculos entre os profissionais do PAD e a
família e/ou beneficiário, principalmente o profissional técnico de enfermagem que está mais
próximo. Ela avalia que o vínculo pode interferir negativamente nos trabalhos a serem realizados.
4.4 Modelo Praticado por Operadora de Auto-Gestão.
Critérios para o Ingresso no Programa. Inicialmente a operadora mantém uma
permanente comunicação com a equipe dos hospitais com os quais está conveniada,
fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, para informar sobre o Programa de Atenção Domiciliar.
Em casos de pacientes que tenham o perfil para ingresso no programa é realizado um
levantamento das suas informações, especialmente o consumo de internações hospitalares,
134
através dos prontuários. Nos casos elegíveis para a atenção domiciliar é realizada uma visita à
família para verificar as condições físicas e logísticas do domicílio, conhecer a disponibilidade da
família em ter uma pessoa sob seus cuidados diários, identificar a presença de um responsável na
família com disponibilidade e motivação para cuidar do beneficiário. Quando o beneficiário está
lúcido a equipe também conversa com ele, para verificar as condições subjetivas de permanência
no domicílio sob cuidados da família, por exemplo, as relações intra-familiares, o desejo do
beneficiário em ficar no domicílio sob cuidados, etc. Depois de realizada a visita familiar é
traçado um plano terapêutico, onde levantam todos os recursos necessários aos cuidados
domiciliários, que devem ser mobilizados pela operadora, desde os profissionais, equipamentos,
medicamentos. Em cima desse levantamento é discutido com a família o plano terapêutico e a
viabilização do mesmo. É absolutamente necessário o acordo do beneficiário e da família para o
ingresso no PAD.
Levantamento de casos
através de prontuários.
Caso elegível?
Avaliação do domicílio e
família.
Tem um cuidador?
Discute-se um plano
terapêutico.
Há acordo
no plano?
Beneficiário é admitido no PAD/PID.Franco, T. B., 2007.
Figura 3: Fluxo de Ingresso do beneficiário ao Programa de Atenção ou Internação Domiciliar da
operadora de auto-gestão pesquisada
O programa de atenção domiciliar divide o perfil dos usuários em quatro grupos elegíveis
para o programa, sendo eles:
Crônicos: são aqueles portadores de condições irreversíveis e que podem ser evolutivas
como: comatosos, pulmonares crônicos, renais crônicos.
135
Portadores de necessidades especiais: são os que apresentaram alguma doença ou
acidente, foram tratados, mas sofreram alguma lesão permanente como: tetraplégicos,
paraplégicos, vítimas de AVC, amputados, etc.
Reabilitáveis: são doentes que apresentaram alguma doença ou acidente, foram tratados e
adquiriram estabilidade clínica, mas sofreram lesões que provocam longa convalescença como:
queimados, politraumatizados, ortopédicos, portadores de infecções que necessitaram de
debridamentos e drenagens extensas, portadores de pés diabéticos, úlceras varicosas, etc.
Terminais: são os pacientes em fase final (fora de possibilidades terapêuticas), quando
não há mais chances de se evitar o óbito, mas que necessitam de cuidados gerais e alívio dos
sintomas, como: neoplásicos, pulmonares crônicos, renais crônicos, portadores de AIDS, etc.
Modelos de Atenção Domiciliar da Operadora. O programa da operadora tem duas
modalidades de atenção domiciliar. Uma que é chamada de suporte domiciliar e outra de
assistência domiciliar ou internação domiciliar. O divisor de águas entre essas duas modalidades
está na “modalidade de complexidade do paciente” e toda a necessidade que vem a partir desta
situação. Essas modalidades de atenção domiciliar são definidas pelo programa como:
Suporte Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde, que pode ser, desde cuidador, até,
aquisição de medicamentos de uso contínuo, empréstimo de materiais hospitalares (cama, cadeira
de rodas, cadeira higiênica, ou outros), terapias complementares em âmbito domiciliar
(fisioterapia, fonoaudiologia, etc.), sendo as necessidades de enfermagem definidas pela
freqüência de uma visita por dia até uma visita por semana.
Assistência Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde mais intensivo, onde haja
necessidade de enfermagem (podendo variar de 24 horas por dia a uma visita periódica), além de
assistência médica e de outros profissionais de saúde, mesmo contando com a presença de um ou
136
mais cuidadores treinados ou em treinamento. Destina-se a pacientes que de outra forma estariam
internados em hospital.
Um paciente de suporte domiciliar tem o cuidado estruturado através de uma equipe
multiprofissional, mas uma assistência entendida pela operadora como “simplificada”, pois
dispensa um “substrato tecnológico maior”. Já o paciente da internação domiciliar tem uma
estrutura mais forte atrás dele e tem uma equipe que presta cuidados quase que intensivos ao
paciente.
Vale ressaltar que a operadora tem como modelo tecnoassistencial o “Programa Saúde da
Família (PSF)”, que tem como principal diretriz a vinculação de certa clientela a uma equipe de
saúde em toda sua rede assistencial e apóia o PAD. A equipe desse programa é composta por
técnicos de enfermagem, nutricionista, psicólogo, enfermeiro, assistente social, médico,
subdivididos por áreas programáticas, delimitadas territorialmente.
Essa modalidade assistencial é considerada bastante importante para o programa de
atenção domiciliar, na medida em que há beneficiários que podem ser acompanhados pelo
“Programa Saúde da Família” contribuindo para a Alta do PAD e para a continuidade do suporte
assistencial.
Existe um grande número de pacientes que estão na modalidade de suporte domiciliar,
oferecida pela operadora, que vem sendo monitorada pela “estratégia saúde da família”.
Processo de Trabalho no PAD/PID. A coordenação do programa é responsável por
realizar a gestão do cuidado, participando das visitas domiciliares para fazer a avaliação da
relação custo-benefício da atenção para cada usuário, o plano terapêutico, fazendo as referências
e requisitando o trabalho de outros profissionais. Entre suas funções encontra-se a de apresentar
planejamento operacional e avaliar o desempenho dos profissionais da equipe.
137
Equipe de Coordenação
Empresa Home Care
Prestadores Privados
Cooperativas
Beneficiário
Familia/cuidador
GESTOR DO CUIDADO
REDE PSF
Franco, T.B., 2007
FIGURA 4: Organização e fluxos de cuidado estabelecidos pelo Programa de Atenção e Assistência Domiciliar da operadora de auto-gestão pesquisada
Para a operadora, a Assistente Social é considerada o canal de comunicação com a família.
Ela tem uma carga horária superior ao resto da equipe, que são 40 horas semanais. Ela tem como
atribuições: realizar visitas domiciliares e hospitalares para perceber as situações de vida da
família e do usuário, que vai desde a questão financeira, até o vínculo familiar, a disponibilidade
da família em cuidar no domicílio; sensibilizar a família para a desospitalização; dar suporte
psicológico à família; resolver a entrega de material, equipamento e serviços; agilizar as
autorizações dos procedimentos.
O enfermeiro é responsável pela discussão com a família sobre a racionalidade do uso dos
medicamentos e equipamentos, supervisiona e avalia o técnico de enfermagem que está na
residência, implementa ações de educação em saúde. Avalia a evolução da terapêutica médica,
138
trocando informações com o médico da equipe. É responsável também, pela fiscalização do
prontuário e formulários conforme a atuação da equipe.
O psicólogo dá suporte para a família, para o usuário e também, para a equipe interna.
O médico tem como atribuições, fazer anamnese do paciente com enfoque no doente e
não na doença; identificar as necessidades e os tipos de suporte domiciliar como, medicamentos,
nutricionais, terapias complementares, aparelhos, profissionais; elaborar um planejamento
terapêutico; promover a continuação dos cuidados; avaliar a qualidade do serviço médico
realizado pela assistência terceirizada; participar do treinamento do cuidador e da promoção da
saúde do usuário.
4.5 MODELO PRATICADO POR OPERADORA DE SEGURO SAÚDE
Contextualização
A seguradora de saúde pesquisada possui um universo de 2.550.743 beneficiários no
Brasil14. Esse contingente de beneficiários representa cerca de 50% do total de beneficiários das
14 seguradoras de saúde existentes no país (BRASIL, 2005).
Para a internação domiciliária foram contratadas algumas empresas prestadoras de
serviços, uma das quais foi objeto desta pesquisa.
Essa empresa é formada pela parceria de um grande grupo privado brasileiro (que opera
nas áreas financeira, imobiliária, de seguros, entretenimento e de saúde) com outro grupo
europeu, com experiência na área de saúde. Está a 14 anos oferecendo serviços de Home Care em
7 (sete) cidades no Brasil, é conveniada de diversas operadoras de saúde além de oferecer
14 Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários-ANS/MS-06/2006; Cadastro de Operadoras - 06/2006.
139
serviços também a pessoas físicas. Possui cerca de 150 pacientes em internação domiciliar no Rio
de Janeiro e Grande Rio. Possui uma equipe multidisciplinar em cada unidade formada por
médicos, psicólogo, enfermeiro, técnico de enfermagem, nutricionista, fisioterapeuta e assistente
social. A maioria dos profissionais desta equipe é composta por contratos terceirizados, seja por
cooperativas, seja por empresas.
Programa de Internação Domiciliar nesta operadora de seguro saúde, surgiu a partir da
demanda de um paciente cuja família solicitou à seguradora a aquisição de um respirador, pois
bastava isso para o paciente permanecer em domicílio já que a família manuseava o equipamento
com destreza. Atendida a solicitação da família, a seguradora fez os cálculos atuariais e verificou
que o custo dos cuidados a este beneficiário eram muito menores com a assistência em domicílio,
do que os custos hospitalares. Este foi o primeiro caso, o qual deu início ao PAD na seguradora.
O gestor da seguradora informa também a importância do movimento do mercado na saúde,
como determinante na oferta desta modalidade de internação domiciliar.
Critério de Ingresso: Um pequeno grupo de profissionais, funcionários da seguradora,
verifica sistematicamente o custo e tempo de permanência em internação hospitalar dos
pacientes. Caso um paciente esteja a um tempo maior do que o esperado e, portanto,
representando um custo elevado para a seguradora, imediatamente um auditor é acionado para
verificar se o paciente em questão possui condições clínicas para seguir com o tratamento em
domicílio. Outra possibilidade de identificar um paciente é através dos médicos auditores que
fazem visitas freqüentes aos hospitais de grande faturamento para a seguradora e aos pacientes
nele internados e verificam se há possibilidade de transferir o paciente para um tratamento em
domicílio. Se houver essa possibilidade, a seguradora aciona a empresa prestadora de serviços de
internação domiciliar que se encarrega de avaliar com mais minúcias técnicas as possibilidades
140
de substituir a internação hospitalar por domiciliar. Outra possibilidade é o desejo da própria
família ou a indicação do médico assistente.
Esta avaliação é realizada por um enfermeiro que segue um protocolo de avaliação
clínica, psicológica, social do paciente e da família. Esse mesmo profissional, conversa com a
família e se for possível com o paciente também, sobre essa possibilidade de transferência para o
domicílio. Segundo os entrevistados é a família do paciente quem confirma o ingresso do mesmo
no PAD.
O fluxo de ingresso no Programa de Internação Domiciliar (PID) é o seguinte: A
seguradora indica o paciente que será beneficiado com a internação domiciliar, a prestadora
ratifica a indicação da operadora e esta então autoriza a internação domiciliar. Nesse caso a
prestadora encaminha uma relação de necessidades e um plano terapêutico para a aprovação da
operadora. Esse processo às vezes é moroso, acarretando situações em que durante o processo
entre a operadora e prestadora, o beneficiário tem Alta hospitalar, não necessitando mais do
Programa.
A clientela alvo da internação domiciliar são os doentes crônicos (80%). Pacientes com
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), com seqüela de AVC, cardiopatas,
parkinsonianos ou com outras doenças neurológicas que demandam certos tipos de
procedimentos como hidratação venosa, medicação de uso venoso, nutrição parenteral, uso de
respirador ou algum suporte respiratório. Outro tipo de paciente que freqüentemente vai para
casa, é o “doente terminal”. Casos agudos de pacientes que demandam uma antibióticoterapia,
ou quimioterapia, como nos casos de portadores de neoplasias são considerados também
internação domiciliar, no entanto em regime de 6 (seis) a 12 horas de assistência do técnico de
enfermagem.
141
Toda internação domiciliar, exceto as situações pontuais mencionadas logo acima,
iniciam-se com a permanência de técnico de enfermagem por 24 horas, com escalas de trabalho
12/32 conforme rege as leis trabalhistas para essa categoria profissional. À medida que o paciente
vai estabilizando e a família incorpora a rotina de cuidados, o cuidado do técnico de enfermagem
passa para 12 horas, posteriormente para 6 (seis) e finalmente para 2 (duas) horas quando o
paciente demanda apenas um procedimento que justifique a visita do profissional.
Para monitorar o chamado “desmame” do técnico de enfermagem, um médico visitador,
contratado pela operadora, também via terceirização, visita freqüentemente o paciente para
avaliar o plano terapêutico e os relatórios enviados pela prestadora com o estado e necessidades
do paciente. Caso a Alta não seja feita em tempo previsto e de acordo com a sinalização do
médico visitador, sobre uma possível lentidão no processo de alta, a operadora cobra da
prestadora uma multa diária que representa de 5 a 10% do total do faturamento.
Produção do Cuidado: A prestadora de “Home Care” trabalha no padrão tradicional de
cuidados domiciliários e tem obtido resultados importantes que são reconhecidos pelos
trabalhadores e usuário entrevistados. O usuário que foi observado e entrevistado trata-se de uma
pessoa com grande seqüela e restrições motoras e que mesmo nessa situação, conseguiu
manifestar seus sentimentos de satisfação ao ser transferida de cuidados hospitalares para a
assistência domiciliar, demonstrando que o programa gera satisfação e que há uma preferência
pelo domicílio, em relação ao hospital. Os trabalhadores usam intensamente a liberdade que têm
no seu processo de trabalho específico, para exercer o cuidado, se relacionando com a família e
em muitos casos interagindo com seu modo singular de cuidar.
Há, no entanto, um atravessamento importante quanto à normatização do Programa, visto
que, a operadora é monitorada pela seguradora, que estabelece metas a serem cumpridas na
produção de cuidado e os resultados são estabelecidos para serem cumpridos em um determinado
142
número de “dias de internação”, o que induz a um stress nos profissionais para o exercício do
cuidado. Essa lógica de cuidado, no entanto choca-se com outros interesses em jogo no espaço da
micropolítica, como por exemplo, o da necessidade do cliente, que muitas vezes não se cumpre
com o “fechamento da ferida em x dias”, o que leva a que o usuário venha a recorrer
judicialmente para manter o Programa. Vale ressaltar que a internação domiciliar pode extrapolar
os tempos inicialmente programados, tendo para isto que haver uma autorização a ser emitida
periodicamente.
5 CONCLUSÕES
Os modelos tecnoassistenciais na saúde suplementar são muito diversos. Essa diversidade
ocorre porque os PAD’s são estruturados conforme as diretrizes específicas de cada operadora,
mediadas pela microregulação que exercem na contratualidade com prestadores e beneficiários. É
no contexto da organização dos serviços na saúde suplementar, que são estruturados os
Programas de Assistência Domiciliar. Importa registrar para a análise que, por se tratar de ofertas
de serviços de saúde privados, os PAD’s estão sujeitos às variáveis econômicas e financeiras,
próprias de mercado, do campo econômico. Nós podemos observar na pesquisa, que elas estão no
centro de decisões dos gestores das operadoras, pois uma primeira conclusão que podemos ter e
que é comum a todas as operadoras estudadas, diz respeito ao fato de que a motivação
econômica, pela redução dos custos operacionais dos serviços de saúde, está no centro da decisão
pela implantação dos Programas de Assistência Domiciliar. Outras questões comuns a todas
operadoras pesquisadas são:
Nos aspectos organizacionais. Critérios de ingresso dos usuários: Nesse quesito, a
prioridade está sempre na população idosa, mais suscetível ao adoecimento e muitas vezes são
143
portadores de doenças crônicas que demandam cuidados prolongados, mas mesmo havendo um
critério de elegibilidade pela faixa etária, o item que define o ingresso do beneficiário pela
internação prolongada, alta utilização de recursos de emergência ou mesmo hospitalares são
determinantes para a decisão da inclusão no PAD.
Grande infra-estrutura e logística: Os cuidados domiciliários são extremamente
dependentes de certa infraestrutura e logística, que já são quesitos importantes para o
funcionamento dos Programas de Assistência em domicílio e mais fundamental quando se trata
de Internação Domiciliar, o que envolve muitas vezes prótese respiratória e outros equipamentos
de maior densidade “tecnológica”.
Equipes multiprofissionais: No caso da Assistência Domiciliar o cuidado é organizado por
equipes multiprofissionais, trazendo para o trabalho os vários saberes e fazeres da saúde. Há um
grande reconhecimento ao múltiplo conhecimento e uma interdependência entre os profissionais
para o cuidado ao usuário. Forma-se uma rede entre os profissionais de conexões produtivas,
autogerida e com comunicação intensa.
Apostas diferenciadas quanto ao modelo: Os modelos de Assistência Domiciliar vão
refletindo uma grande diversidade entre as operadoras e indicam qual a aposta que fazem para
seus PAD’s.
Vale ressaltar que a operadora de Medicina de Grupo pesquisada, assim como o Seguro
Saúde, investem em um modelo tradicional de “Home Care”, tendo uma prestadora que possa
realizar a assistência domiciliar nos moldes tradicionais de cuidados a uma clientela que atende
aos critérios de elegibilidade, conforme já discutidos acima. Fazem a aposta básica de redução de
custos da população de usuários que, pelo seu perfil nosológico, são clientes com alto consumo e
custos.
144
Já a operadora de Cooperativa Médica, trata-se de um caso atípico na saúde suplementar,
ao ter no seu quadro de clientes, 3.500 em regime de assistência domiciliar. Tendo essa operadora
organizado um sistema regionalizado, territorialmente referenciado para conseguir ampliar e
cuidar dessa clientela. É uma aposta diferenciada, pois tende a encarar o programa não apenas
para a redução dos seus custos, mas com essa amplitude pode-se inferir que há também um
sentido na melhoria da assistência, na qualificação do cuidado que se realiza. Estima-se que esta
Cooperativa Médica foi a operadora que mais apostou no Programa de Atenção Domiciliar como
um dispositivo da reestruturação produtiva, modificando em larga escala o modo de produção do
cuidado.
Uma outra aposta que também se diferencia no que é mais comum se ver na saúde
suplementar, diz respeito à operadora de auto-gestão, que embora tenha uma pequena clientela
sob cuidados do Programa de Assistência Domiciliar, tem uma grande retaguarda deste programa
no modelo tecnoassistencial que adota, o “Programa Saúde da Família”, que por si só já constitui
cuidados domiciliários e serve de uma retaguarda ampla e eficaz ao PAD. Nota-se aqui que há
também um sentido na qualificação da assistência e na produção do cuidado à sua clientela.
O plano da produção do cuidado: Uma primeira e importante questão diz respeito ao
reconhecimento unânime de que, do ponto de vista dos beneficiários, a Assistência Domiciliar é
melhor do que a Assistência Hospitalar. Isso é dito pelos usuários do programa e cuidadores
entrevistados. Um exemplo importante para ilustrar essa afirmativa vem da entrevista da
cuidadora que tem um usuário em sistema de internação domiciliar há 7 (sete) anos, em quadro
grave de semi-letargia e quando este ingressou no Programa, demonstrou através de singelas
expressões faciais a satisfação pelo fato de ser cuidado em casa. O Programa tornou-se um lugar
seguro para a vida daquela pessoa e colocou-a, sob o conforto da família. É nesse plano dos
sentidos e afetos que se assenta o alto índice de aprovação do PAD.
145
Esse mesmo significado gera um alto grau de adesão as proposta do Programa pelos
trabalhadores, que se constata que os mesmo se apegam aos princípios de cuidado domiciliar
como se fosse um projeto portador de um futuro novo para a saúde, humanitariamente mais
zeloso do que o atual e mais gratificante para o trabalhador. Esse aspecto, de trabalhar em um
projeto que aponta para o futuro, dá ao trabalhador uma motivação adicional na sua participação
no Programa.
Há também lógicas de atravessamento que colonizam certos grupos de trabalhadores com
formas de organização do trabalho que estão centradas na produção de procedimentos, os atos
normativos. Desta forma produzem uma repetição dos tradicionais modelos assistenciais, é como
se fizessem do domicílio um hospital de outro tipo, onde se muda a referência de lugar, mas não a
essência do cuidado. Essas práticas são pouco sensíveis à dimensão das relações como uma
tecnologia de cuidado, à percepção do usuário, da família como sujeitos que têm saberes e são
também detentores de práticas de cuidado válidas.
No cotidiano de trabalho, as dimensões do “cuidado cuidador” e do “cuidado não
cuidador” vão travar o seu duelo consciente e inconsciente, resultando em projetos de cuidado
que podem em alguma medida refletir o conflito ou superar uma dimensão em favor de outra. Na
micropolítica do processo de trabalho vamos percebendo mudanças de práticas, refletidas nas
atitudes de alguns profissionais que sofrem processos de subjetivação pelos valores e a cultura
que traz o ato de cuidar, especialmente na nova interação com a família do beneficiário. Isso
opera mudanças no seu micro processo de trabalho, o lugar singular no qual ele se encontra,
torna-se um locus instituinte de novas práticas de cuidado.
Na análise final podemos dizer que os processos de trabalho operam sob duas tensões: a
primeira, que vem da lógica instrumental, apoiada na motivação econômico-financeira das
operadoras, que é o fundamento para a existência dos PAD’s, sob o ponto de vista das empresas;
146
o segundo que nasce da potência que têm os trabalhadores em governar seu processo de trabalho
e o faz por lógicas inspiradas em uma determinada ética do cuidado, movidas à subjetividades
solidárias, mas há em muitos deles o contágio da dimensão instrumental do processo de trabalho.
Os vetores de tensão formam campos de força sobre o processo de trabalho que resultam em
processos de Reestruturação Produtiva. Mas, de forma incipiente e residual podemos identificar
nos pequenos atos do cotidiano, práticas de cuidado radicalmente novas, que acolhem, criam
vínculos e tentam impor um modo de operar o trabalho, centrado nas tecnologias mais
relacionais. Esses atos instituintes podem levar a movimentos de “reestruturação produtiva”,
contrariando o modo hegemônico de conceber os Programas de Assistência Domiciliar,
inaugurando a partir do seu micro-espaço de trabalho as práticas inovadoras de cuidado. Não
produzem contudo, uma “transição tecnológica”, porque mesmo inovando, permanecem
trabalhando ainda sob as lógicas do sistema produtivo hegemônico.
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Questionários das Entrevistas
Universidade Federal Fluminense Instituto de Saúde da Comunidade Fundação Euclides da Cunha Organização Pan Americana de Saúde Pesquisa: Implantação de Atenção Domiciliar da Saúde Suplementar – Modelagem a partir das Experiências Correntes. Roteiro de entrevistas semi-estruturada: GESTOR DA OPERADORA e COORDENADOR DO PAD Nome da Operadora: Nome: Cargo: Formação: Tempo na Operadora:
1. Como é seu programa de Atenção Domiciliar/Home Care? 2. Como surgiu a idéia de ter um Programa de Atenção (Internação) Domiciliar (Home
Care) ? 3. O programa de Atenção (Internação) Domiciliar/Home Care é realizado com equipe
própria? a) SIM b) NÃO
i. Se a resposta for positiva, siga com as perguntas abaixo. ii. Se a resposta for negativa, vá para a pergunta No. 16
4. Qual a equipe de profissionais que participam do programa? 5. Como funciona o programa? 6. Qual o papel de cada profissional no programa? 7. A visita domiciliar é demandada pelo beneficiário ou acontece com regularidade? 8. Quais os resultados esperados em relação ao programa? 9. Há metas definidas em relação à assistência à clientela que participa do programa? Quais?
(redução de custos, redução de internação e consumo de insumos, etc...). 10. Quais os critérios para o ingresso do beneficiário no programa? Quem toma a decisão em
relação ao seu ingresso? Isso é previsto em contrato?
11. Há um limite de beneficiários para participar do programa? 12. É feito o vínculo dos beneficiários a uma determinada equipe? Esse vínculo se dá por
afinidade do beneficiário com a equipe ou é determinado pela operadora?
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13. Há um limite de beneficiários para se vincular a determinada equipe do programa? 14. Como se dá o contrato com a prestadora que opera o programa? 15. Há alguma exigência para a contratação da prestadora, tipo:
a) composição da equipe de profissionais que vão operar o programa. b) funcionamento do programa. c) freqüência de visitas domiciliares. d) resultados esperados em relação ao programa. e) cumprimento de metas em relação à assistência à clientela assistida p/ programa. f) logística para fazer o atendimento domiciliar. g) estrutura de equipamentos para prestar a assistência domiciliar. h) outras. Quais?
16. Que avaliação a operadora tem do desempenho do seu programa ou do que foi contratado à prestadora de assistência domiciliar? Qual a opinião do gestor?
17. A operadora avalia o grau de satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 18. Como você percebe a satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 19. Há alguma ação de prevenção e/ou promoção à saúde, realizada com os beneficiários
assistidos pelo Programa de Atenção Domiciliar/Home Care? QUAIS? Justifique. 20. Hoje você faria alguma alteração no programa?
a) SIM b) NÃO c) Se a resposta for positiva, QUAL?
21. Há alguma questão que gostaria de falar e não foi abordada? Universidade Federal Fluminense Instituto de Saúde da Comunidade Fundação Euclides da Cunha Organização Pan Americana de Saúde Pesquisa: Implantação de Atenção Domiciliar da Saúde Suplementar – Modelagem a partir das Experiências Correntes. Roteiro de entrevistas semi-estruturada: COORDENADOR DA EQUIPE DE PAD E/OU PID. Nome da Prestadora: Nome do Coordenador: Cargo: Formação: Tempo no Programa:
22. Como é o Programa de Atenção Domiciliar/Home Care? 23. Como decidiu trabalhar no Programa de Atenção (Internação) Domiciliar/Home Care? 24. Conte a história da sua entrada no programa. 25. Há quanto tempo você trabalha no programa? 26. O programa de Atenção (Internação) Domiciliar/Home Care tem uma sede operacional?
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a) SIM b) NÃO * Se a resposta for positiva, que tipo de sede, recursos logísticos, de materiais há nesse lugar? * Se a resposta for negativa, qual sua base operacional?
27. Quais profissionais participam do programa? 28. Qual o papel de cada profissional no programa? 29. Como funciona o programa?
a) regularidade das visitas domiciliares de cada profissional. b) quanto é necessário buscar recursos de diagnóstico, tipo exames, que providências
são tomadas? c) Há transporte especializado na condução dos beneficiários que participam do
programa? d) Quando é necessária internação hospitalar, quais os procedimentos para isso? Há
transporte especializado para remoção dos beneficiários do programa? e) Que benefícios diretos tem um beneficiário inscrito no programa? f) A equipe acompanha o beneficiário no seu plano terapêutico, quando esse precisa
se deslocar do seu domicílio? g) Em relação à lista de insumos necessários (abaixo), o acesso do beneficiário se dá
via: - é adquirido pelo beneficiário no mercado. - é fornecido pela equipe/prestadora/operadora e cobrado na sua fatura mensal. - é fornecido pela equipe/prestadora/operadora e não é cobrado. 10. Quais os resultados esperados pela equipe em relação ao programa? (redução de
internação, redução de consumo, satisfação do beneficiário, redução de custos da assistência, etc...).
11. Há alguma ação de prevenção e/ou promoção à saúde, realizada com os beneficiários assistidos pelo Programa de Atenção Domiciliar/Home Care? QUAIS? Justifique.
12. Há metas definidas em relação à assistência à clientela que participa do programa? a) SIM b) NÃO c) em caso afirmativo, quais metas em relação aos beneficiários e em relação à
operadora? 13. Como se dá o contrato com os profissionais? (vínculo empregatício, contrato com
autônomo, contrato com cooperativa, outras modalidades.......). 14. Que avaliação você tem do desempenho do seu programa? 15. Vocês avaliam o grau de satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 16. Como você percebe a satisfação dos beneficiários em relação ao programa? 17. Hoje você faria alguma alteração no programa?
a) SIM b) NÃO
• Se a resposta for positiva, QUAL? 18. Há alguma questão que gostaria de falar e não foi abordada?
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Universidade Federal Fluminense Instituto de Saúde da Comunidade Fundação Euclides da Cunha Organização Pan Americana de Saúde Pesquisa: Implantação de Atenção Domiciliar da Saúde Suplementar – Modelagem a partir das Experiências Correntes. Coordenador: Prof. Dr. Túlio Batista Franco – CMS/UFF. Roteiro de entrevistas semi-estruturada: USUÁRIO (OU CUIDADOR) INSERIDO NO PROGRAMA. Nome da Operadora: Nome da Prestadora: Nome do Usuário: Sexo: Idade: Diagnóstico referido: Estado Civil: Endereço completo: Telefone: Tempo de contrato com o plano: Coordenador da equipe que assiste:
30. Como é o Programa de Atenção Domiciliar? 31. Como você ficou sabendo do Programa de Atenção (Internação) Domiciliar? 32. Há quanto tempo tem assistência do Programa de Atenção (Internação) Domiciliar? 33. A sua entrada no programa foi por quê?
a) Solicitou ao plano de saúde sua entrada no programa. b) O plano de saúde propôs sua entrada no programa. c) Foi indicado por um médico. d) Foi indicado por um profissional de saúde não médico. Qual? e) Outro: Citar qual.
34. Conte a história da sua entrada no programa. 35. Qual a sua opinião sobre o programa? 36. Quais as Principais vantagens do Programa? 37. Das vantagens, selecione as três mais importantes para você e justifique. 38. Quais os Principais problemas do Programa? 39. Dos problemas, selecione três mais importantes e justifique.
11. Quais profissionais fazem visita domiciliar a você? 12. Com que periodicidade os profissionais fazem visita domiciliar? (relacionar cada profissional e a periodicidade). 13. Na sua opinião, as visitas são satisfatórias? Resolvem os problemas que você apresenta? 14. Após sua entrada no programa, você notou que:
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Em relação à necessidade de recorrer ao consultório do médico. a) tem necessitado mais de recorrer ao consultório médico. b) tem necessitado menos de recorrer ao consultório médico. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade de recorrer ao consultório do médico. Em relação à necessidade de recorrer ao uso de recursos diagnósticos (exames). a) tem necessitado mais exames. b) tem necessitado menos eames. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade de exames. Em relação à necessidade de recorrer ao uso de medicamentos. a) tem necessitado mais medicamentos. b) tem necessitado menos medicamentos. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade medicamentos. Em relação a internações hospitalares. (*apenas p/os que internavam antes). a) tem necessitado de mais internações hospitalares. b) tem necessitado de menos internações hospitalares.. c) não tem tido diferença à situação anterior, quanto à necessidade de internação hospitalar. 15. Após sua entrada no programa, você percebeu que:
a. Melhorou a assistência à sua saúde em relação ao período anterior. b. Seu estado de saúde permanece o mesmo em relação ao período anterior. c. Piorou sua saúde em relação ao período anterior.
16. A sua opinião em relação ao funcionamento do programa: a) regularidade das visitas domiciliares de cada profissional. i) satisfatória ii) não satisfatória iii) indiferente EXPLICAR. b) o atendimento dos profissionais é. i) satisfatória ii) não satisfatória iii) indiferente EXPLICAR.
c) quanto é necessário buscar recursos de diagnóstico, tipo exames, o acesso é. i) fácil ii) difícil iii) indiferente EXPLICAR. c) quando há necessidade de transporte, o acesso a esse recurso é.
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i) fácil ii) difícil. iii) indiferente EXPLICAR. d) Quando é necessária internação hospitalar, o acesso é. i) fácil ii) difícil. iii) indiferente EXPLICAR.
e) Quando são necessários materiais e medicamentos, o acesso a esses recursos é. i) fácil ii) difícil. iii) indiferente EXPLICAR.
16. Se você fosse sugerir alterações no Programa, que sugestões você daria? Por quê? 17. A equipe do Programa de Atenção Domiciliar avalia a sua opinião em relação a
assistência?
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