a privacidade enquanto direito humano em … · vigilância excessiva tem sido empregada na luta...
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A PRIVACIDADE ENQUANTO DIREITO HUMANO EM CONSTANTE VIOLAÇÃO NA MODERNIDADE LÍQUIDA
Bruno Almeida de Souza1 Julia Stefanello Pires2
RESUMO: Documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos reconheceram o status da privacidade de direito humano insuscetível de ataques ou intromissões. Ocorre que mais de meio século após a assinatura desses diplomas o mundo encontra-se completamente modificado. O desenvolvimento do sistema de produção aliado à surpreendente evolução tecnológica ressignificaram as concepções sociais de tempo e espaço, inaugurando uma nova era denominada pelo sociólogo Zygmunt Bauman de modernidade líquida. A liquidez surge, então, como oposição aos valores sólidos que se perderam em meio à transição comportamental da humanidade, a qual passou a oferecer respostas cada vez mais rápidas às diversas demandas cotidianas globais. Neste novo contexto, a privacidade ganhou diferentes contornos, tornando-se um direito em constante violação. Embora já fosse possível imaginar, os documentos revelados em junho de 2013 por Edward Snowden, ex-agente da CIA e da NSA, escancararam ao mundo os chocantes métodos de investigação utilizados pelas grandes potências mundiais e gigantes da tecnologia, apontando para a seguinte conclusão: a vigilância excessiva tem sido empregada na luta pelo poder, evidenciando uma grave crise ética e moral que ignora a garantia humana de direito à privacidade. Palavras-chave: privacidade; vigilância; globalização; modernidade líquida.
1 INTRODUÇÃO
“O que você faz quando ninguém te vê fazendo ou o que você queria fazer se
ninguém pudesse te ver?”, indaga a banda Capital Inicial, na canção intitulada Quatro Vezes
Você, ao refletir sobre o papel da privacidade na individualidade humana.
Se por um lado a privacidade pode ser percebida por cada uma das pessoas em
intensidades e dimensões diferentes – a depender de suas concepções pessoais e culturais – é
1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados, Pós-Graduando em Direito das Famílias
pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, Mestrando em Fronteiras e Direitos Humanos pela Universidade Federal da Grande Dourados. Advogado. E-mail: [email protected]. 2 Advogada e acadêmica do programa de mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos, ofertado pela
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, e-mail: [email protected].
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certo que só através dela, ou ao menos da sensação de sua presença, que o indivíduo consegue
acessar sua verdadeira natureza, dando origem a pensamentos e ações mais puros, livres das
contaminações sociais dos julgamentos – éticos, morais e legais – alheios.
E é justamente por se revelar como um elemento indispensável para a integralização
da essência humana que o direito à privacidade foi alçado ao status de direito humano, tendo
sido positivado a nível global desde o século XX pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Em que pese o reconhecimento doutrinário e a proteção dispensada pelas mais
diversas legislações nacionais e internacionais, o direito à privacidade foi gravemente afetado
pelas transformações sociais vivenciadas no mundo contemporâneo. As inovações
tecnológicas, em especial as relativas às áreas de transporte e comunicação, modificaram por
completo a forma como o homem médio se relaciona com sua intimidade, abrindo espaço
para violações muitas vezes imperceptíveis.
A informatização da vida, materializada na naturalização das câmeras de vigilância,
no compartilhamento quase integral das atividades e pensamentos cotidianos nas redes sociais
e no uso constante de sistemas de biometria, permitiu que governos e empresas privadas
catalogassem, indistintamente, cidadãos de todo o mundo, transformando em dados a sua
condição humana.
Sem exagero, é possível afirmar que as maiores democracias contemporâneas do
planeta alcançaram, por meio do uso da tecnologia, níveis de controle jamais atingidos por
qualquer outra ditadura, fazendo de seus bancos de dados uma biblioteca populacional a
serviço dos interesses dos Estados.
Por outro lado, grandes corporações capitalistas transformaram em material de
consumo as informações de seus clientes, criando um novo ramo comercial onde a intimidade
humana é monetizada em troca da oferta de conteúdos publicitários direcionados.
Ainda que tais ações possam ser a princípio compreendidas como corriqueiras,
aceitáveis e inerentes à vida moderna, os documentos oficiais revelados em junho de 2013 por
Edward Snowden, ex-agente da Central Intelligence Agency-CIA e da National Security
Agency-NSA, fizeram com que até os mais liberais entendessem a extensão dos abusos
cometidos em detrimento da privacidade humana.
Snowden provou que empresas como Apple, Microsoft, Google, Yahoo e Facebook
em conluio com os governos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Reino
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Unido, coletam diariamente bilhões de dados e metadados de cidadãos de todo o mundo, à
revelia de qualquer suspeita ou decisão judicial, alimentando bancos de dados para serem
utilizados oportunamente.
A propósito, ao mensurar a proporção dos dados que acessava diariamente em razão
de seu cargo de agente, Snowden concluiu:
“Percebi que eles estavam criando um sistema cujo objetivo era eliminar toda a privacidade, em nível global. Tornar impossível a qualquer ser humano se comunicar eletronicamente com outro sem que a NSA pudesse coletar,
armazenar e analisar a comunicação.” (GREENWALD, 2014, posição 987, grifo nosso)
Assim, diante das flagrantes evidências de violação do direito humano à privacidade
e da incompatibilidade da ausência de intimidade com os valores democráticos de direito, faz-
se necessário oferecer uma resposta global capaz de devolver à humanidade o seu direito
básico à privacidade mesmo em tempos líquidos como o presente.
2 SOBRE O MUNDO LÍQUIDO MODERNO
A metáfora da liquidez moderna foi cunhada pelo filósofo e sociólogo polonês
Zygmunt Bauman. A expressão simplifica a percepção do autor sobre o conjunto de
transformações sociais que atingiram a humanidade a partir da segunda metade do século XX,
provocando intensas mudanças comportamentais e marcando a passagem do mundo moderno
para o pós-moderno.
A liquidez é posta, então, como uma oposição à solidez que as estruturas, instituições
e os padrões sociais apresentavam antes de serem expostos aos avanços científicos dos setores
de transporte e comunicação. Isto é, as inovações tecnológicas impulsionaram o processo
globalizador do capitalismo, o qual permitiu que a raça humana ressignificasse as concepções
de tempo e espaço que antes havia estabelecido.
No mundo pós-moderno, constantemente estimulado por transformações, a noção
moderna de limites territoriais não é mais uma realidade, a fácil locomoção de bens e ideias
por todo o globo transformou as relações sociais em momentos passageiros, mutáveis ao
ritmo de um avião supersônico ou do enviar de uma mensagem no WhatsApp.
Tudo, absolutamente tudo, foi modificado pelos novos recursos dessa sociedade que
não mais estava focada em produzir, mas sim em consumir. É o que ensina Bauman:
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(...) é bem provável que o último quarto deste século passe à história como o da Grande Guerra de Independência em relação ao Espaço. O que aconteceu no curso dessa guerra foi um consistente e inexorável deslocamento dos centros de decisões, junto com os cálculos que baseiam as decisões tomadas por esses centros, livres de restrições territoriais – as restrições da localidade. (1999, p. 09) (...) Foi antes de mais nada a disponibilidade de meios de viagem rápidos que desencadeou o processo tipicamente moderno de erosão e solapamento das “totalidades” sociais e culturais localmente arraigadas; (...) Dentre todos os fatores técnicos da mobilidade, um papel particularmente importante foi o desempenhado pelo transporte de informação – o tipo de comunicação que não envolve movimento de corpos físicos ou só o faz secundária e marginalmente. (1999, p. 15, grifo nosso)
Se por um lado a globalização permitiu aos detentores do capital uma fácil e ágil
locomoção sobre os espaços físico e cibernético, por outro aprofundou, em um grande efeito
de localização, o aprisionamento da parcela pobre da população mundial. Os ricos,
consumidores em potencial, passaram a escolher entre permanecer em seus lares abastados ou
movimentar-se, já para aqueles que não possuem poder aquisitivo foram reservados a periferia
e os presídios, verdadeiros mecanismos de exclusão social.
Ainda, a modernidade líquida promoveu uma metamorfose no papel do Estado na
vida em sociedade. Novamente, a fácil movimentação do capital dissociou a política do
exercício do poder.
Bauman (1999, p. 08) por meio da seguinte frase atribuída a Albert J. Dunlap – a
companhia pertence às pessoas que nela investem, não aos seus empregados, fornecedores ou
à localidade em que se situa – explica que a faculdade disponível aos grandes empresários de
transferir rapidamente todo seu capital para um investimento localizado no outro lado do
globo sem se preocupar com as consequências (desemprego, poluição ambiental, etc.)
deixadas pelo fracasso de seu negócio inicial, deu a estes o controle sob o poder, obrigando os
Estados a se adequarem às suas necessidades, loteando sua soberania sob pena de
deslocamento.
Assim, o poder que outrora encontrava centralizado nas mãos dos governantes se
difundiu por todo o mundo, concentrando-se em que manipula os bens de consumo. Nesse
sentido leciona Bauman:
(...) O significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo. A globalização é a “nova desordem mundial” de Jowitt com um outro nome. (1999, p. 56)
Restou, pois, ao Estado pós-moderno apenas o domínio sobre a política.
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Diante da limitação de suas funções no mundo globalizado, Estados e políticos que o
compõem investiram suas fichas de sobrevivência no discurso do medo. Violência, terrorismo
e migração em massa são exemplos de temas polêmicos utilizados para justificar a atuação
governamental.
Impossibilitados de solucionar através de medidas locais os problemas
potencializados pela globalização e compartilhado por todo o mundo, os líderes políticos da
modernidade líquida tendem a adotar discursos extremistas, alimentando medo e esperança na
população que ludibriada os mantém no poder (BAUMAN, 2011b).
Embora não sejam consequências com origem no processo globalizador, problemas
como o terrorismo e a crise imigratória foram, certamente, amplificados na
contemporaneidade, isto exemplifica a vitalidade e o sucesso do capital, o qual, em
movimentos opostos, produz cada vez mais riqueza e pobreza, jóias e lixos.
Aliás, as figuras do imigrante ilegal e do refugiado ilustram de forma bastante atual a
prática estatal de fomentação do medo. Tais pessoas foram eleitas nos últimos tempos como
inimigos número um dos governantes. Não sendo aceitas em outros países e estando
impedidas de permanecer em sua nação de origem, refugiados e imigrantes se tornaram
verdadeiros lixos humanos, um problema que o mundo globalizado desprovido de humanismo
não se interessa em resolver.
A privacidade se insere neste contexto como um instrumento de vigilância e controle
utilizado pelos governantes para manter as pessoas indesejadas longe de seu território.
Câmeras e sistemas de biometria não só afastam os pobres localizados dos grandes centros de
consumo, mas também impedem que estrangeiros, a exceção dos turistas, acessem outros
países.
A esse respeito, Bauman tece importantes considerações:
O banco de dados é um instrumento de seleção, separação e exclusão. Ele segura na peneira os globais e deixa passar os locais. Algumas pessoas ele admite no ciberespaço extraterritorial, fazendo com que se sintam à vontade onde quer que se encontrem e sejam bem-vindas onde quer que cheguem; outras têm seu passaporte e vistos de trânsito confiscados, sendo impedidas de perambular pelos espaços reservados aos residentes do ciberespaço. Mas este último efeito é subsidiário e complementar do primeiro. Ao contrário do Panóptico, o banco de dados é um veículo de mobilidade, não grilhões a imobilizar as pessoas. (1999, p. 49) O controle e o direito de decidir quem e o que terá permissão de passar e quem e o que deve permanecer de um lado (quais itens de informação têm prerrogativa de permanecer privados e quais são autorizados a se revelar publicamente) – em geral tópicos fortemente contestados – constituem a razão para a delimitação de uma fronteira. (2011a, p. 25)
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Seja como método de perpetuação do poder do Estado, seja como bem a ser
comercializado por empresas privadas, o fato é que a privacidade humana tem sofrido
intensos e constantes ataques, as quais liquefazem sua condição imutável de Direito Humano
inviolável.
3 A PRIVACIDADE ENQUANTO DIREITO HUMANO
A palavra privacidade tem sua origem no latim privates que significa separado do
resto. A sua morfologia sintetiza bem a essência daquilo que se concebe globalmente como
privado, independentemente de influências pessoais e culturais. Trata-se de elementos da vida
humana que devem ser mantidos sob sigilo/reserva, longe do conhecimento alheio, para
garantir a liberdade de se existir como é (MOREIRA, 2012).
A respeito da função da privacidade na vida humana, Bauman fez as seguintes
considerações:
(...) O sigilo é uma proteção contra a divulgação não autorizada de informações, que estabelece, demarca e fortalece as fronteiras da privacidade; este é o espaço que quero preservar como domínio meu, o território de minha única e indivisível soberania, dentro do qual detenho o poder absoluto para definir “quem e o que sou”, o domínio a partir do qual posso desencadear a meu bel-prazer campanhas para que minhas decisões sejam reconhecidas e respeitadas. (2011a, p. 28, grifo nosso)
O segredo, afinal, não é apenas uma ferramenta da privacidade, útil para recortar um espaço inteiramente nosso, um instrumento para nos isolar de companheiros intrusos, desagradáveis e por isso mesmo importunos. Também é uma poderosa ferramenta de união, de construir o sentimento de integração, de criar os mais fortes laços inter-humanos conhecidos e concebíveis. (2011a, p. 28-29, grifo nosso)
Já em sede de direitos internacionais, a privacidade foi positiva de forma genérica,
assegurando a proteção da violação da intimidade de todos os seres humanos, sem considerar,
todavia, as dificuldades supervenientes geradas pela modernidade líquida.
A declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) em seu artigo 12º reconhece a
qualidade de Direitos Humanos da privacidade, protegendo a vida privada, a família, o
domicílio e a correspondência de todos. Vejamos:
Artigo 12° - Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.
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Por sua vez, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, datado de 1966,
mais uma vez reforça a proteção multidimensional da privacidade, registrando a necessidade
de positivação interna em cada um dos países.
Artigo 17 – 1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.
2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.
Ainda, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) dedica especial atenção a
proteção da privacidade das crianças, entendendo-a essencial para o seu desenvolvimento:
Artigo 16 - 1. Nenhuma criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação.
2. A criança tem direito à proteção da lei contra essas interferências ou atentados.
Igualmente, resguardando a vulnerabilidade da classe trabalhadora migrante e de
todos os membros de suas famílias, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos
de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (1990) assegurou a
inviolabilidade de sua privacidade:
Artigo 14º - Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família será sujeito a intromissões arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio, na sua correspondência ou outras comunicações, nem a ofensas ilegais à sua honra e reputação. Os trabalhadores migrantes e membros da sua família têm direito à proteção da lei contra tais intromissões ou ofensas.
Diante da dificuldade de atualização própria da natureza das leis internacionais, os
Estados acabaram por positivar internamente normas que dialogassem com o contexto da vida
contemporânea, atendendo as demandas de preservação do direito à privacidade a setores que
surgiram com a evolução da tecnologia, como é o caso das telecomunicações e dados
biológicos.
Hoje, em razão do rápido desenvolvimento da robótica e da massiva interação
humana com equipamentos digitais, já há quem defenda a dilatação da privacidade para
abarcar o sigilo e a integridade mental, de forma a afastar a possibilidade de avanços
tecnológicos que comprometam a liberdade cognitiva dos seres humanos.
Conforme ensina Moreira (2012, p. 04) a privacidade possui várias
dimensões/subgrupos, o que torna a sua proteção mais eficiente por englobar diferentes
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núcleos da vida. São eles: privacidade, identidade, integridade, intimidade, autonomia,
comunicação e sexualidade.
O subgrupo privacidade é entendido pela doutrina em duas facetas. Isto é, para além
de constituir uma salvaguarda específica da existência individual humana, também é
compreendido como uma reserva científica que engloba todos os fatos dignos de proteção que
não se encontram inseridos nas demais dimensões.
Por sua vez, a identidade se revela como o núcleo do direito à privacidade
responsável pela proteção a todas as características que fazem do indivíduo em sua
especificidade alguém singular. A título de exemplo é possível citar o nome, os traços físicos,
o gênero, código genético, etc.
Já a integridade deve ser tida como uma garantia de não violação da individualidade
do ser humano, ou seja, o respeito ao espaço único que cada um ocupa neste mundo. Como
forma de demonstração prática de sua aplicação, Moreira (2012) registra que a faculdade de
decidir qual tratamento médico será ou não empregado ao próprio corpo se insere no núcleo
da integridade.
Por outro lado, a intimidade, a mais evidente das noções de privacidade, se refere a
proteção do domicílio da pessoa, de suas correspondência e do sigilo de seus dados, evitando
que venham à público informações que pertencem somente ao seu íntimo e não interessam à
sociedade.
Igualmente, a autonomia enquanto dimensão do direito à privacidade concede ao
indivíduo poderes para direcionar sua própria vida e seu próprio corpo, realizando aquilo que
for de sua vontade até os limites do direito alheio.
O subgrupo da comunicação, por sua vez, diz respeito ao direito do ser humano de se
relacionar e conviver em sociedade, garantindo uma proteção especial à sua família, alicerce
da vida e de sua expressão enquanto sujeito.
Por fim, nas palavras de Moreira (2012) a sexualidade “é uma parte especial e
particularmente importante do direito à privacidade. Qualquer regulação dos comportamentos
sexuais constitui uma interferência no direito à privacidade”, ressalvadas as especificidades
exigidas em casos de autonomia civil reduzida, como com crianças.
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Assim, garantir que essa compreensão de direito à privacidade possa abarcar todos os
subgrupos ainda revela-se como desafio aos juristas contemporâneos e que demanda amplos
debates acadêmicos para discussão do tema.
Nesse sentido, dialogando com a perquirição acadêmica sobre privacidade a
Organização das Nações Unidas (ONU) elevou a investigação para o campo institucional,
criando em março de 2015 a Relatoria Especial sobre Direito à Privacidade na Era Digital,
elegendo o professor maltês Joseph Cannataci como seu líder.
Tal ação foi uma resposta aos pedidos feitos pelos governos do Brasil e da Alemanha
em razão das inúmeras violações de privacidade sofridas por suas instituições e reveladas à
público por Edward Snowden.
Das atividades dessa relatoria decorreu a necessidade de que seja criado o tratado
global para solução da matéria. A partir do recebimento das queixas e apuração das violações
em todo o mundo foram elaborados três relatórios, que desembocaram no mesmo
encaminhamento: necessidade de comunhão de esforços a nível mundial para deslinde da
matéria.
O decurso do tempo afigura-se como fator determinante até que as soluções mundiais
para a questão sejam formalizadas. Novas formas de violações e novos subgrupos para tutela
são desenvolvidos diuturnamente, sendo que a resposta institucional não vem na mesma
velocidade, fragilizando, cada vez mais, essa garantia dos cidadãos (CANNATACI, 2015).
O direcionamento de ações locais na repressão às violações, como a criação de
marcos regulatórios nacionais, esquecendo a prevenção geral que uma norma internacional
poderia trazer, implica no agravamento desse cenário de incertezas juridicamente inadmissível
e que tem como consequência o óbice ao pleno desenvolvimento humano e a delimitação dos
poderes do Estado e das empresas frente às pessoas.
Embora não se vislumbre uma completa inércia para o saneamento dos problemas,
também não temos firmados as balizas normativas desse diploma jurídico, tampouco é
clarividente a união de interesses e vontades das diferentes nações envolvidas para que esse
diploma internacional surja no mundo jurídico.
4 O PROBLEMA DA VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE NA MODERNIDADE
LÍQUIDA.
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A chegada da modernidade líquida e de seus efeitos sobre o comportamento social
contemporâneo não só intensificou a violação da privacidade humana, mas também construiu
um espectro normalizador desses acontecimentos. A difusão das redes sociais criou uma
cultura de máxima exposição, fazendo com que os próprios cidadãos voluntariamente
fornecessem seus dados em troca do uso de serviços digitais.
As críticas acadêmicas sobre a ausência de privacidade no espaço cibernético
geraram manifestações dos Chiefs Executive Officers (CEOs) do Google e do Facebook. Eric
Schimidt, diretor do Google, declarou em entrevista concedida a rede de televisão CNBC que
não achava a privacidade algo relevante nos tempos atuais, bem como que se o cidadão deseja
fazer algo que não queira que seja visto “talvez ele não devesse estar fazendo isso em
primeiro lugar”.
Por sua vez, Mark Zuckerbeg publicou uma carta aberta aos usuários da rede social
Facebook, de sua propriedade, alertando-os que de fato o site coletava dados para oferecer
conteúdo comercial direcionado e que embora considerasse isso um atentado à privacidade,
sua empresa apenas seguia a prática já estabelecida pelo mercado.
A incongruência sobre a normalização dos ataques à privacidade ficam evidentes
quando considerado que Zuckerberg ao adquirir sua residência em Palo Alto na Califórnia,
decidiu por comprar outras quatros casas que com ela fazem limitação a fim de assegurar a
sua própria privacidade e a de sua família. Outrossim, Shcimidt liderou uma campanha de
retaliação ao site CNET após este divulgar dados sobre seu patrimônio disponíveis na própria
plataforma de busca.
Ainda, exemplo claro dessas violações é a tormentosa relação mantida entre pessoas
públicas e os veículos de imprensa, que acabam conflitando quando momentos alheios ao
exercício profissional passam a se tornar vendável aos fãs, mesmo que em prejuízo a vida
privada desses sujeitos. Recentemente um caso ganhou destaque, quando um drone sobrevoou
uma propriedade privada flagrando a modelo Gisele Bündchen e o jogador Tom Brady em
momentos íntimos, um verdadeiro atentado à sua intimidade.
Em maior proporção, as violações de privacidade que ocorrem com as lideranças de
Estado promovidas por outros Estados, como no caso da candidata à presidência e ex-
Secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, a qual teve seus e-mails hackeados
pelo governo russo e entregues à equipe de seu adversário, Donald Trump, para serem
utilizados como armas políticas influenciáveis na democracia.
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Similar situação ocorreu no Brasil, quando veio ao lume que a Presidenta (Golpeada)
da República, Dilma Rousseff, foi objeto de escutas telefônicas advindas do governo
americano com objetivo de interferência econômica interestatal (GREENWALD, 2014).
Nesse último episódio, surge como figura determinante as revelações promovidas por
Edward Snowden, ex-agente da CIA e da NSA, que com a ajuda do repórter e advogado
Glenn Greenwald trouxe a público documentos oficiais e confidenciais que registram a ação
organizada do grupo intitulado Five Eyes, formado pelos governos da Austrália, Canadá,
Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos na coleta de dados e metadados de cidadãos de
todo o mundo.
Em especial, destaca-se a utilização do programa P R I S M, uma ferramenta criada
pela NSA que permitia à agência o acesso livre e direto aos servidores do Facebook, Google,
Microsoft, Yahoo!, Youtube, Skype, AOL, PalTalk e Apple para coletar informações de toda
ordem dos usuários sem qualquer autorização ou justificativa legal.
Se os ataques surgem de diferentes partes do mundo e o problema não é endêmico a
determinado país ou continente, é lógico que a resposta a ele também não se limite a um país
ou região. Embora as alternativas para a questão possam ser promovidas por meio de
autorregulamentação e/ou regulamentação nacional a melhor forma de enfrentamento é o
desenvolvimento de iniciativas mundiais para garantia desse direito humano.
A autorregulamentação ocorre quando as próprias empresas a partir de diretrizes
éticas elaboram normas internas para minimizar os ataques à privacidade. Ao seu turno, a
regulamentação nacional se verifica quando um país cria leis para regulamentação do direito
de privacidade, mas cuja efetividade encontre barreiras nas limitações territoriais e de
soberania intrinsecamente ligadas ao ordenamento jurídico de cada país.
Como medida de regulação nacional, destaca-se no Brasil o marco civil da internet
(Lei nº 12.965/2014) e a criminalização do acesso a dispositivos para obtenção de dados
mediante a aferição de vantagem ilícita, prevista no art. 154-A do Código Penal Brasileiro
com redação dada pela Lei nº 12.737/2012 (popularmente conhecida como Lei Carolina
Dieckmann, pois editada como resposta a violação do direito de privacidade da atriz
brasileira).
Com efeito, o que os casos concretos citados têm em comum é a veiculação de uma
colisão de direitos fundamentais, cuja resolução, quase sempre, prejudica o direito de
privacidade, especialmente pelas violações originarem-se das empresas e veículos de
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imprensa (detentoras da capacidade econômica e de comunicação) e do Estado (expressão
máxima do poder político).
Entre correr o risco de o empregado violar um segredo empresarial ou de perder
parte do seu turno de trabalho com coisas alheias aos trabalhos, empreendimentos acessam os
e-mails particulares dos funcionários3, sob o argumento de exercício do poder diretivo.
Para evitar que os bens do estabelecimento sejam saqueados, fica estabelecido o
direito de promover revistas íntimas nos trabalhadores em evidente prejuízo a sua liberdade
corporal e privacidade4. Iguais premissas são aquelas que justificam a instalação de câmeras
em banheiros das empresas.
Não raro agentes de Estado promovem quebra de sigilo telefônico e de dados de
modo ilícito para fins de responsabilização penal, concebendo tais práticas como legítimas5
para se alcançar aquilo que se define como bem comum.
Muitas vezes práticas têm previsão no próprio regulamento da empresa o que
demonstra a fragilidade da autorregulamentação.
Sob o ângulo da ética e da moral é imperioso questionar esse comportamento
humano que vê graça e vantagem na violação de direitos de seu semelhante. Que enxerga
legitimidade nas ações violadoras sem perceber sua condição de provável violável. Mais que
isso, como essa conduta se insere dentro de um sistema capitalismo que vende condutas que
deveriam ser eticamente reprováveis, tudo isso como consequência de um medo de não notar
a tudo e a todos e de não ser notado. Nesse sentido, Bauman registra o que segue:
3 No caso brasileiro, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ilustra bem a frequência das
violações a privacidade dos empregados: Município é condenado por acessar MSN de empregados sem autorização (Processo: RR-4497-69.2010.5.15.0000). Banco Bradesco monitoramento indiscriminado das contas correntes de todos os empregados a fim de identificar movimentação elevada de dinheiro, não condizente com a situação financeira (Processo: RR-2688-50.2011.5.03.0030) 4 Ainda sobre a jurisprudência do TST: a) Empresa é condenada por revista íntima com apalpação, prevista no
contrato de trabalho (Processo: AIRR - 787-86.2012.5.12.0054). b) Empresa indenizará vendedor sorteado para revista íntima no provador : “Um vendedor de roupas restabeleceu no Tribunal Superior do Trabalho (TST) o direito de receber indenização por danos morais porque era obrigado a descer as calças até os pés para mostrar ao patrão que não carregava no corpo cuecas, bermudas, shorts, carteira ou cintos da loja em que trabalhava”. 5 Como exemplo citamos a decisão do STJ referente a operação Castelo de Areia que investigava crimes
financeiros e desvio de verbas públicas que envolviam diretores de empreiteiras e partidos políticos, anulando toda a persecução penal por escutas ilícitas:"A abrangência do deferimento concedendo, indiscriminadamente, senhas foi uma autorização geral, em branco, servindo para a quebra de sigilo de qualquer número de telefone, dando ensejo a verdadeira devassa na vida dos suspeitos e de qualquer pessoa", afirmou o desembargador. Para Limongi, "se a Polícia desrespeita a norma e o Ministério Público passa por cima da irregularidade, não pode, nem deve, o Judiciário conceder beneplácitos a violações da lei". Disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-abr-05/stj-decide-operacao-castelo-areia-foi-ilegal . Acesso em 13 de agosto de 2017.
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Numa surpreendente inversão dos hábitos dos nossos ancestrais perdemos de certa forma boa parte da coragem, energia e vontade para persistir na defesa da “esfera do privado”. Nos nossos dias, não é tanto a possibilidade de traição ou violação da privacidade que nos assusta, mas seu oposto: fechar todas as saídas do mundo privado, fazer dele uma prisão, uma cela solitária ou uma masmorra do tipo em que antigamente desapareciam as pessoas que perdiam as boas graças do soberano, abandonadas no vácuo da despreocupação e do esquecimento públicos – o dono desse “espaço privado” é condenado a sofrer para sempre as consequências de suas ações. (2011a, p. 28, grifo nosso)
Os rastros de nosso acesso a internet são comercializados por meio de algoritmos que
sob o argumento de direcionar os interesses dos consumidores submetem as pessoas a
incessantes estímulos ao consumo. A violação da privacidade de nossos acessos torna-se
moeda de troca, vendida e comprada, por pessoas e empreendimentos, cuja prática é cada vez
mais naturalizada.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, fica claro a complexidade tanto do direito como a violação à
privacidade, bem como sua intersecção com temas tradicionais da pesquisa acadêmica, como
a efetividade dos direitos humanos e sua proteção no âmbito internacional.
Com o desenvolvimento da sociedade moderna as relações sociais ganharam novas
configurações que clamam por rápidas soluções jurídicas, que nem sempre ocorrem na mesma
velocidade da demanda comunitária para o tema.
Com o escancaramento das práticas eticamente reprováveis e juridicamente proibidas
que interferem na privacidade dos sujeitos, forçoso então que a resolução do problema global
vá para o centro dos debates legislativos globais como mecanismo de refrear as violações
atuais e evitar tais práticas no futuro, permitindo segurança aos humanos para sua plena
existência.
A superação das fronteiras geográficas como mecanismo capaz de solucionar a
questão surge como conditio sine qua non para a efetivação desse direito fundamental,
especialmente com a reconfiguração das relações sociais.
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