a primeira república brasileira, ou república velha · a repÚblica oligÁrquica (1894-1930)...
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A Primeira República
Brasileira, ou República
Velha
(1889-1930)
Professor Bernardo Constant
A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA -
ANTECEDENTES
- A partir de fins da década de 1880, o Império perdeu o suporte de
seus principais sustentáculos de poder:
- As oligarquias, insatisfeitas com a perda da força de trabalho
escrava, abandonaram o apoio à monarquia e buscam novas alianças.
- A Questão Militar: o Exército, antes uma corporação desvalorizada
(já que as elites historicamente ocupavam postos na Marinha),
consolidara sua força após a Guerra do Paraguai. Passara a exigir
reconhecimento, melhores condições de trabalho, pagamento e
participação política – pedidos que não foram atendidos.
A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA -
ANTECEDENTES
- A Questão Religiosa: conflitos políticos levaram a Igreja católica a
retirar o apoio ao Império.
- Além disso, parcelas dos habitantes urbanos e os industrialistas
buscavam políticas de modernização para o país. Entendiam que para
isso era preciso suplantar a monarquia, vista como símbolo de uma
ordem antiga, e instaurar a república, ideal moderno.
- O mesmo entendimento valia no meio intelectual, sob influência do
positivismo.
A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA -
ANTECEDENTES
- Com o aumento das tensões, militares do Exército estacionados no
Rio de Janeiro se organizaram sob a liderança do marechal
Deodoro da Fonseca. Eles:
-> Ocuparam as principais estruturas públicas;
-> Expulsaram a família real;
-> Instalaram um governo provisório;
-> Proclamaram a República em 15 de novembro de 1889.
A REPÚBLICA DA ESPADA (1889-1894)
- Se iniciou com o governo provisório de Deodoro da Fonseca, que
durou até 1891. Foi marcada por concentração de poder sob a
justificativa de impedir o retorno da monarquia ou a divisão do país.
- Em 1891 foi promulgada a primeira constituição republicana.
-> Divisão tripartite dos poderes: legislativo, judiciário e executivo;
-> Eleição direta para presidente e vice;
-> Voto somente para homens alfabetizados maiores de 21 anos
(exceto indigentes, militares de baixa patente e religiosos).
- Deodoro foi eleito pelo Congresso para assumir como o primeiro
presidente, com o marechal Floriano Peixoto como vice.
A REPÚBLICA DA ESPADA (1889-1894)
- Política econômica do encilhamento (1889-1892): iniciada desde
fins do Império, consistia em permitir que empresas e indústrias
internacionais tivessem crédito livre no país, autorizando bancos
privados a emitir papel moeda.
- A emissão desenfreada de moeda gerou uma grande crise
inflacionária. Além disso, o encilhamento teve como consequências
a falência de diversas empresas de menor porte, além do aumento
da concentração de renda e da pobreza.
REVOLTAS DA REPÚBLICA DA ESPADA
(1891-1894)
- A crise econômica, aliada ao autoritarismo de Deodoro, levou-o a
se tornar impopular entre diversos setores da população. A
oposição a seu governo se fortaleceu.
- A Primeira Revolta da Armada (1891) se deu quando Deodoro
decidiu fechar o Congresso após ter seus poderes limitados pelo
legislativo federal. Sob ameaça de militares de bombardear a
capital (na época, o Rio de Janeiro), Deodoro renunciou em favor
de seu vice, Floriano Peixoto.
REVOLTAS DA REPÚBLICA DA ESPADA
(1891-1894)
- A posse de Floriano Peixoto foi contestada, no entanto, por ser dita
inconstitucional pelos opositores. A Constituição de 1891
determinava que deveria haver eleição caso o presidente não
tivesse passado dois anos no cargo. No entanto, Floriano tomou
posse sob o argumento de que o mandato de Deodoro havia se
iniciado em 1889.
- A Segunda Revolta da Armada ocorreu entre 1893 e 1894, quando
um grupo de militares se opôs ao mandato de Floriano. Após
bombardeamento da cidade do Rio de Janeiro, a rebelião foi
contida pelo governo e o presidente manteve-se no poder.
REVOLTAS DA REPÚBLICA DA ESPADA
(1891-1894)
- A Revolta Federalista (1893-1895): nesse período, ocorreu uma
disputa entre grupos políticos no sul do país sobre como deveria
ser governado o país. Esta se iniciou no Rio Grande do Sul e se
espalhou para o resto da região, gerando uma guerra civil.
-> A disputa opôs os “pica-paus”, apoiadores de Floriano Peixoto, do
presidencialismo e de um Estado forte; e os “maragatos”, opositores
de Floriano, partidários do parlamentarismo e do federalismo (maior
autonomia para os estados diante da União).
- A guerra teve um custo político e econômico que enfraqueceu a
imagem de Floriano e foi um dos fatores de erosão de seu governo.
O encouraçado
Aquidabã
bombardeia a Urca
durante a segunda
Revolta da Armada,
em 1893. Ilustração
de Eduardo Martino.
A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA (1894-1930)
- Período iniciado em 1894 após a posse do primeiro presidente
civil, Prudente de Morais. A República Oligárquica é chamada
assim devido à hegemonia política das oligarquias agrárias
(grupos familiares latifundiários) no país, com destaque para as
elites cafeeiras de São Paulo e pecuaristas de Minas Gerais.
- A base de manutenção da República Oligárquica era a “política do
café com leite”. Esta consistia em um acordo entre os partidos
controlados pelas oligarquias de São Paulo (grandes produtoras
de café) e de Minas Gerais (segundo maior estado produtor de
leite do país) para que ambas se alternassem no poder.
A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA (1894-1930)
- A política dos governadores (no sentido de governantes) se
baseava em um acordo para manter a articulação entre os níveis
de governo, que se apoiariam e respeitariam a autonomia uns dos
outros.
- Assim, o governo federal não intervinha na política estadual, mas
apoiava as medidas dos presidentes dos estados (como eram
chamados os chefes do executivo estadual). Os principais
beneficiados por esse apoio eram os partidos, que na época eram
estaduais, não federais.
A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA (1894-1930)
- Os partidos, por sua vez, apoiavam o governo federal. Agiam para
eleger congressistas (representantes legislativos de cada estado)
favoráveis ao governo, bem como indicavam os candidatos à
presidência seguindo o “café com leite”.
- O governo estadual não intervia nos municípios, mantendo o poder
de mando privado das autoridades locais, conhecidas como
coronéis (tal título não era patente militar, mas símbolo de poder).
A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA (1894-1930)
- Já os coronéis influenciavam as eleições para presidente estadual
e para o legislativo. Faziam isso por meio de várias práticas de
manipulação eleitoral, tais como:
-> O voto de cabresto: a indicação do voto, muitas vezes via
intimidação eleitoral graças ao voto aberto; ou ainda fazendo uso do
clientelismo, ou seja a cobrança de favores que faziam a seus
dependentes, cujo pagamento seria na forma de voto.
-> Fraudes explícitas, como o registro de votos de pessoas mortas;
ou o voto a bico de pena, quer dizer, o preenchimento ilegal ou a
adulteração de cédulas eleitorais já preenchidas.
- Este era o fenômeno conhecido por coronelismo.
A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA (1894-1930)
- Para completar os esquemas de sustentação da política
oligárquica, no caso dos poucos candidatos que se opunham ao
“café com leite” e conseguiam se eleger, o Congresso se recusava
a empossá-los. Com isso, salvo poucas exceções, os opositores
do governo não assumiam seus mandatos. Essa prática era
conhecida como degola.
Capa da Revista Careta, agosto de
1925, nº 809. Charge de Alfredo Storni
representando a hegemonia de MG e
SP durante a República Oligárquica.
Charge de Alfredo
Storni publicada na
Revista Careta,
agosto de 1927.
A ECONOMIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA
- A maior atividade econômica da Primeira República era a
produção e exportação do café, que já era forte desde o Império.
No início do século XX, no entanto, ela se expande de um modo tal
que gera excesso de oferta no mercado internacional. O governo
passa a adotar então medidas de valorização do café.
- A principal delas foi o Convênio de Taubaté, batizado segundo a
cidade em que foi celebrado. Foi um pacote de medidas que
buscava dar garantias aos cafeicultores para que mantivessem a
produção.
A ECONOMIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA
- Entre as medidas do Convênio, estavam:
→ A proibição de novas plantações cafeeiras;
→ A garantia de preço mínimo da saca de café, independente do
mercado internacional;
→ A compra de sacas de café por governos estaduais para
reduzir artificialmente a oferta internacional, regulando assim
os preços sem impactar a produção (eram os estoques
reguladores);
→ A tomada de empréstimos internacionais para financiar essa
compra de estoques.
A ECONOMIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA
- Apesar de o Convênio ter tido os resultados desejados a curto
prazo, com o aumento dos preços, os cafeicultores aumentaram a
produção. O governo precisou tomar novos empréstimos para
continuar a financiar a produção por meio da compra de estoques.
- O resultado final foi endividamento do país, que só se agravou com
a quebra da bolsa de Nova York na Crise de 1929. Além disso,
essa crise gerou uma supersafra de café que não teve
compradores internacionais.
A ECONOMIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA
- A política de valorização artificial do café, insustentável a longo
prazo levou a duas consequências:
→ As primeiras iniciativas de diversificação da produção, com
investimentos na indústria e na extração da borracha por parte
de certos grupos de latifundiários e políticos.
→ O aumento da insatisfação de setores da população,
especialmente de certas elites, contra a hegemonia política dos
cafeicultores apoiados pela política do café com leite.
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Entre 1900-1930, iniciou-se um processo de industrialização nas
regiões sudeste e sul do Brasil, principalmente nos grandes
centros urbanos como o Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda que o
foco econômico continuasse voltado para a produção cafeeira,
parte das elites começou a diversificar seus investimentos.
- Com a implantação de parques industriais, surge demanda por
mão-de-obra operária. Isso atrai para as cidades camponeses em
busca de oportunidades de mudar de vida, bem como imigrantes
europeus que não aceitavam as condições de trabalho a que foram
submetidos nas propriedades rurais no Brasil.
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Assim, há um aumento da população urbana nas primeiras
décadas do século XX no Brasil. As cidades em processo de
industrialização deixam de ser locais dedicados ao comércio e
governo e passam a ter papel econômico-produtivo mais
pronunciado, em especial São Paulo.
- Organizadas em função do trabalho industrial, surgiram as vilas
operárias. Eram habitações construídas pelos donos de fábricas
para abrigar os trabalhadores; mas também serviam para controlar
o cotidiano, já que as vilas costumavam dispor de estrutura mínima
para que as pessoas tivessem poucos motivos para sair do local.
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Aqueles que não residiam nas vilas procuravam se estabelecer em
regiões próximas ao trabalho e que oferecessem moradia barata,
já que o salário pago pelo trabalho não-qualificado do operariado
era baixo. Acabaram dando origem aos bairros operários.
- Essas eram geralmente regiões de maior pobreza. Famílias viviam
em habitações coletivas, os cortiços, em condições precárias de
infraestrutura e saneamento.
- Paralelamente a esses desenvolvimentos, o governo elaborava
projetos de reorganização urbana, com destaque para o RJ.
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
"O paulista Rodrigues Alves assumiu a Presidência da República em
novembro de 1902 com a ambição de transformar a capital num espelho de
Paris, ou seja, numa cidade moderna e aprazível. [...]
Na frente urbanística, o presidente nomeou para o Rio um prefeito que
reformaria o porto, canalizaria córregos, botaria os cortiços abaixo, ergueria
prédios públicos suntuosos e redesenharia o centro com bulevares e praças.
O escolhido foi o engenheiro Francisco Pereira Passos.
A mando do prefeito, foram abertas as Avenidas Beira-Mar e Central (atual
Rio Branco) e erguido o Teatro Municipal [...]”.
Adaptado de: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/03/04/
oswaldo-cruz-o-medico-que-derrotou-o-aedes
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Para viabilizar as reformas urbanas, o governo do Rio de Janeiro
realizou o que ficou conhecido como o “bota-abaixo”: demolições
dos cortiços, abertura de novas ruas, expulsão das populações
mais pobres que viviam nas zonas centrais da cidade.
- Essas populações foram forçadas a viver nos morros, zonas de
habitação indesejáveis por sua precariedade. Deu-se assim origem
às primeiras favelas.
O “bota-abaixo”. Rio de Janeiro,
década de 1910.
Habitações no Morro da Favela. Rio de Janeiro, 1910.
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Em 1900 a população brasileira era de 17.318.556 habitantes. Os
cinco estados mais populosos, que representavam 60% da
população total, eram:
• Minas Gerais 3.594.471 habitantes
• São Paulo 2.282.279 habitantes
• Bahia 2.117.956 habitantes
• Pernambuco 1.178.150 habitantes
• Rio Grande do Sul 1.149.070 habitantes
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Em 1910 a população brasileira era de 23.414.177 habitantes.
Entre os estados mais populosos, comparando com o quadro de
1900, Pernambuco e Rio Grande do Sul trocaram de lugar na lista:
• Minas Gerais 4.479.689 habitantes
• São Paulo 3.455.030 habitantes
• Bahia 2.631.989 habitantes
• Rio Grande do Sul 1.594.439 habitantes
• Pernambuco 1.570.183 habitantes
A URBANIZAÇÃO NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- A população de Alagoas no final das quatro primeiras décadas do
século XX era a seguinte:
• 1900 649.000 habitantes
• 1910 795.000 habitantes
• 1920 983.000 habitantes
• 1930 1.127.000 habitantes
Avenida Central
(atual Av. Rio
Branco), Rio de
Janeiro, 1910.
Pintura de Eliseu
Visconti.
Porto Mauá e Av.
Rio Branco. Rio
de Janeiro, 1920.
Moças ricas
passeiam no Rio
de Janeiro,1908.
Rua 15 de Novembro,
São Paulo, 1916.
Avenida Rangel
Pestana, São
Paulo, 1900.
Avenida
Paulista no
dia de sua
inauguração,
em 1891.
Pintura de
Jules-Victor-
André Martin.
Praça D.
Pedro II,
Maceió,
primeiras
décadas do
Séc. XX.
Praça D.
Pedro II,
década de
1920.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Para boa parte dos brasileiros, as condições de vida eram
precárias durante o período da Primeira República. Confrontada
com cenários de miséria no campo e pobreza urbana, ou com a
violência do governo, partes da população procuram alternativas à
ordem estabelecida, muitas vezes descambando para a revolta
aberta ou mesmo a ação armada em suas tentativas de resistência
ao que veem como injustiças a que estavam submetidas.
- Embora sejam diferentes entre si, todos os movimentos a seguir
tinham em comum o caráter de demonstrar a insatisfação da
população com as condições de vida na época.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- O Arraial e a Guerra de Canudos (1896-1897): o Arraial de Belo
Monte (ou, segundo seus detratores, Canudos) foi um povoamento
criado em 1893 no interior da Bahia por Antônio Conselheiro e seus
seguidores.
- Estes eram parte da população mais pobre do nordeste, e se
juntaram a Conselheiro em busca de alternativas à miséria
provocada pela negligência do governo, a concentração de terras
férteis nas mãos do latifundiários e pela seca, que agravava as
dificuldades já existentes.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- A liderança de Conselheiro tinha tons religiosos e proféticos, o que
dotava o movimento de um caráter messiânico, ou seja, que
prometia a salvação de seus seguidores se seguissem a pregação
de seu líder. Essa retórica era bastante eficiente em convencer
uma população que se entendia abandonada e sem alternativas.
- Em Belo Monte, não se reconhecia o poder das autoridades
políticas brasileiras, e foram elaboraram leis locais. A comunidade
recebia todos os que quisessem lá permanecer, sob a condição de
obedecer as regras. Como uma comunidade coletivista constituída
por camponeses, havia cultivo coletivo da terra, sem que cada um
tomasse para si mais do que o necessário para o próprio sustento.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Com o passar dos anos, mais e mais pessoas eram atraídas para
Belo Monte. Em seu auge, criavam gado, vendiam couro, tinham
fábrica de rapadura, plantavam frutas e legumes. Na Bahia, sua
população – entre vinte e vinte e cinco mil habitantes - era
superada apenas pela da capital.
- O desafio aberto que a prosperidade da comunidade representava
para a ordem social, política e religiosa brasileira, no entanto, levou
as oligarquias e a Igreja a se mobilizar para destruir o que os
opositores passaram a chamar de Arraial de Canudos.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Como justificativa para iniciar a guerra contra Canudos, fez-se uma
campanha de difamação contra o povoado e seus habitantes,
acusando-os de planejar invadir a cidade baiana de Juazeiro. Em
1896, o exército foi mobilizado contra o Arraial.
- O exército subestimou a capacidade de resistência dos habitantes
de Canudos. Fizeram três ataques malsucedidos ao povoado.
- Na quarta investida os militares conseguiram invadir Canudos. O
Arraial foi destruído e os habitantes sobreviventes, capturados. Os
que não foram presos ou mortos se dispersaram para retornar à
miséria.
“Arraial dos
Canudos visto pela
estrada do
Rosário”. Litografia.
Acervo do Instituto
Histórico e
Geográfico
Brasileiro.
Habitantes de Belo
Monte capturados
pelo exército após
a destruição do
povoado em 1897.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- O Cangaço (~1900-1940): outro foco de insurgência contra as
condições sociais e econômicas impostas aos sertanejos
nordestinos durante a Primeira República foi o movimento de
banditismo conhecido como cangaço.
- Os cangaceiros surgiram a partir das milícias de jagunços
organizadas pelos coronéis da região. Insatisfeitos com a vida de
pobreza que geralmente levavam, parte desses jagunços
abandonou as ordens dos coronéis e se organizou em bandos
armados independentes que rondavam o nordeste saqueando vilas
e fazendas.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Embora a maioria dos bandos fosse combatida pelas forças
públicas, que organizavam tropas conhecidas como volantes para
perseguir e matar os cangaceiros, houve bandos como o de
Lampião e o de Corisco que conseguiram se estabelecer em suas
áreas.
- Esses cangaceiros não tiveram sucesso somente pela violência e
intimidação. Tecendo laços e relações com autoridades locais, seja
pela negociação, seja pela prestação de serviços, os bandos mais
bem-estabelecidos puderam aproveitar períodos em que tinham
certa acomodação.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- A cooperação se fazia tanto com as autoridades e forças públicas
quanto com as populações locais, que por vezes recebiam os
cangaceiros e viam neles figuras que mostravam ser possível
desafiar as autoridades. Tal situação só é modificada a partir de
fins da década de 1930, durante o governo ditatorial de Getúlio
Vargas, o Estado Novo.
- A partir de 1937, os cangaceiros são tidos por “extremistas
responsáveis por manifestações de desordem”, nos termos do
governo varguista. A ordem passa a ser destruir todos os bandos, e
as volantes redobram as atividades. Em 1940, a morte do líder
Corisco marca o fim do cangaço.
Virgulino
Ferreira, o
Lampião
(à direita,
sentado),
com a
família em
Juazeiro.
Ceará,
1926.
Bando de
Corisco e
Dadá (ambos
à esquerda)
posa para
foto de
Benjamin
Abrahão.
Cabeças dos membros
do bando de Lampião
dispostas na escadaria
da igreja de Santana
do Ipanema.
A cabeça de lampião
encontra-se sozinha na
base da escadaria.
Diretamente acima
está a de Maria Bonita.
Alagoas, 1938
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- A Guerra do Contestado (1912-1916): No final da década de 1900,
havia uma região de sertão (à época, a palavra sertão significava
qualquer região interiorana, remota) na fronteira entre Santa
Catarina e Paraná que vinha sendo disputada entre os dois estados
por algum tempo.
- Neste território, conhecido como Contestado, uma empresa dos
E.U.A. chamada Brazilian Railroad Company (BRC) ganhou
concessão do governo federal para construir uma ferrovia ligando o
Rio Grande do Sul a São Paulo. Conseguiu também o controle de
uma faixa de terra de 30km ao redor da estrada de ferro.
Mapa da região sul, com a
ferrovia da Brazil Railway
Company em preto; a área do
Contestado destacada em
laranja claro, a oeste da ferrovia;
e a zona de guerra destacada
em laranja escuro, a leste da
ferrovia.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Embora inicialmente a construção da ferrovia tenha beneficiado a
população local, que conseguiu emprego nas obras, a situação
mudou quando estas foram concluídas. Com a ferrovia pronta, os
trabalhadores foram demitidos e os habitantes da região foram
expulsos de suas terras e casas pela BRC, ficando desassistidos.
- Sem perspectiva ou meios de vida, parte dessa população
empobrecida passou a seguir o líder messiânico José Maria, que
era considerado “monge” pelos locais. Ele fazia profecias e fundou
na região do Contestado uma comunidade batizada de Monarquia
Celeste.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- O povoamento começou pequeno, com um grupo reduzido de
sertanejos (à época, a palavra sertão era sinônimo de região
interiorana, pouco habitada), posseiros, sitiantes e pequenos
lavradores expulsos de suas terras pela BRC.
- A Monarquia Celeste e seus habitantes rejeitavam a república e
pretendiam afirmar uma comunidade independente, que não
estivesse sob o mando dos coronéis ou do governo federal. Contra
a organização social estabelecida no país, que os havia jogado na
pobreza, tentaram criar uma comunidade coletivista e sem
comércio.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Diferente de Canudos, que contou com um povoamento unificado e
grande, na região do Contestado surgiram várias “vilas santas”, já
que a população de insurgentes passou a se espalhar pela área e
fundar pequenas comunidades. Os rebeldes chegaram a se
espalhar por uma área equivalente ao tamanho de Alagoas.
- Com o aumento do número de vilas santas e de seus habitantes,
as autoridades locais (coronéis, oligarcas) começaram a denunciar
a situação ao governo, alegando que suas terras estavam sendo
invadidas por rebeldes. Cobravam ação militar para conter a
ameaça à ordem social instituída.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- De fato, por vezes os insurgentes se assentavam em terras vazias
de propriedade de latifundiários. Em outros casos, entravam em
conflitos de guerrilha contra coronéis que mobilizavam suas milícias
privadas contra eles. Com a pressão, no entanto, em 1912 o
governo cedeu e mobilizou o exército para a região. Iniciou-se
assim a Guerra do Contestado propriamente dita.
- Após quatro anos de combates, o exército conseguiu destruir a
maioria das vilas santas, capturando, prendendo ou dispersando
seus habitantes. Acabava a Guerra do Contestado, e com ela foi
consolidada também a fronteira entre Santa Catarina e Paraná.
Sertanejos do
Contestado
trajados para
aguentar o frio
da região.
Década de 1910.
Combatentes
do Contestado.
Década de
1910.
Vaqueanos
(milícia privada)
defendem
madeireira do
avanço dos
sertanejos. Santa
Catarina, década
de 1910.
Sertanejos capturados pelo exército são reunidos para serem expulsos das terras que ocuparam.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- A Revolta da Vacina (1904): No contexto das reformas urbanas e
sanitárias conduzidas no Rio de Janeiro, não bastava reimaginar a
arquitetura e o planejamento da cidade com a referência em Paris.
A capital federal era conhecida internacionalmente como uma
cidade propícia para doenças epidêmicas como febre amarela,
varíola, tifo, etc. Cabia, portanto, higienizar a cidade.
- O escolhido por Rodrigues Alves (o presidente da época) para
executar essa iniciativa foi o médico Oswaldo Cruz. Ele tinha uma
noção revolucionária para prevenir os surtos epidêmicos: controlar
as populações de mosquitos transmissores das doenças.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- A ideia, apesar de válida para os padrões atuais, enfrentou
bastante oposição das autoridades médicas de seu tempo, que
mantinham o apoio a outras teorias próprias da época para explicar
a doença.
- Apesar disso, em troca da promessa de higienizar a cidade,
Oswaldo Cruz recebeu do presidente autorização e verbas para
agir quase autonomamente e com bastante autoridade. Além de
apoiar a construção de infraestrutura de saneamento, organizou
batalhões de “mata-mosquitos”, que tinham como objetivo acabar
com focos de reprodução do aedes aegypti.
Mata-mosquitos
da Diretoria de
Saúde Pública
se preparam
para o trabalho.
Rio de Janeiro,
década de
1900.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Os métodos que Oswaldo Cruz elaborou para sua campanha
sanitária foram mesmo truculentos em certas ocasiões: os “mata-
mosquitos” tinham como missão destruir quaisquer focos de
mosquitos que pudessem encontrar, e para isso tinham autorização
mesmo para invadir casas que se recusassem a recebê-los.
- Além das demais formas de violência comumente usadas pelas
forças públicas contra as populações empobrecidas, uma prática
comum era esvaziar os reservatórios de água que as famílias
tinham em suas casas – e em uma época sem encanamento,
esses geralmente eram a única fonte de água daquela habitação.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Entre o “bota-abaixo” e a atuação dos “mata-mosquitos”, os ânimos
da população do Rio de Janeiro já estavam exaltados e claramente
contrários às reformas sanitárias conduzidas pelo governo.
Oswaldo Cruz enfrentava forte oposição tanto nos meios populares
quanto políticos e intelectuais.
- O fator final para a revolta aberta veio quando, após um surto de
varíola no Rio de Janeiro em 1904, Cruz elaborou uma política de
vacinação obrigatória para toda a população. Mas o governo não
fez qualquer esforço informativo sobre o que ocorreria nem sobre a
importância da vacinação, que ainda era uma tecnologia muito
recente, e por isso pouco conhecida.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Em novembro de 1904, os agentes da campanha de vacinação
começaram a agir. Os que se recusavam a serem vacinados
recebiam as injeções a força. Casas eram invadidas e os
moradores eram inoculados.
- Assustado e sem qualquer informação sobre a nova forma de
prevenir as doenças, o povo se revoltou. Alguns protestavam
contra o que achavam que era uma campanha de extermínio de
pobres via envenenamento, outros contra a violência dos agentes
de saúde. De todo modo, apesar de não compreenderem a
importância da vacinação para a saúde pública, agiam contra uma
injustiça que percebiam.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Após várias manifestações violentas na cidade, as forças policiais
foram acionadas para conter os revoltosos. Houve diversos
confrontos, e foram necessários quatro dias para conter as
manifestações.
- Após ser controlada a revolta, o presidente Rodrigues Alves volta
atrás e revoga a obrigatoriedade da vacinação – mas não sem
antes punir vários dos envolvidos nas manifestações.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- A Revolta da Chibata (1910): Nas primeiras décadas do século XX,
embora a Marinha brasileira fosse o braço das Forças Armadas
preferido pelas elites, os marinheiros de baixa patente tinham
condições de trabalho bastante precárias.
- Recebiam salários insuficientes para uma vida digna, tinham longas
jornadas de trabalho e falta de perspectiva de progressão na
carreira. Mas o maior símbolo das más condições sofridas por
esses marinheiros era a disciplina rígida, similar à imposta aos
escravos dos quais a maioria deles descendia. Faltas e falhas eram
punidas fisicamente, principalmente por meio de chibatadas.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Insatisfeitos, um grupo de marinheiros começou a planejar uma
reação contra os abusos. A condenação de um deles a duzentos e
cinquenta chibatadas foi o estopim para um motim em novembro de
1910.
- Liderados por João Cândido, mataram o comandante do
encouraçado em que serviam e três oficiais. Levaram o navio à
Baia de Guanabara e conseguiram o apoio de outras tripulações,
que também tomaram o controle de seus navios.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Os revoltosos elaboraram uma carta exigindo melhorias nas
condições de trabalho e vida, além de anistia (perdão total) para
todos os envolvidos, sob ameaça de bombardeio do Rio de Janeiro.
Ameaçado, o governo cedeu e cumpriu as reivindicações.
- Já em dezembro do mesmo ano, como reação à revolta, o governo
exigiu a expulsão e prisão de alguns dos envolvidos. O clima de
insatisfação retornou e houve novo motim, embora sem a
participação de João Cândido e seu grupo.
- Apesar disso, quando a revolta foi contida, Cândido e outros
envolvidos mesmo na primeira revolta foram presos.
TENSÕES SOCIAIS NA REPÚBLICA
OLIGÁRQUICA
- Alguns foram presos em condições desumanas nos subterrâneos
da fortaleza da Ilha das Cobras. Outros, deportados para a
Amazônia, foram obrigados ao trabalho forçado na extração de
borracha. João Cândido foi internado compulsoriamente como
louco no Hospital dos Alienados, embora não tivesse qualquer
condição psiquiátrica.
- Apesar de ter sido absolvido dois anos depois de sua prisão,
Cândido foi expulso da marinha e passou a trabalhar como
estivador no porto. As condições dos marinheiros, motivo de
reportagens internacionais, não melhoraram graças às revoltas.
Acima, marinheiros do navio Bahia. À
direita, marinheiro sofre castigo físico
com chibatadas. Década de 1910.