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A creise da república oligárquica no Brasil as primeiras manifestações tenentistas Maria Cecília Spina Forjaz

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A creise da república oligárquica no Brasil as primeiras manifestações tenentistas Maria Cecília Spina Forjaz

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contando com a póssibilidade do recurso à vio-lência.

Essa mesma conjunção de movimentos polí-ticos ocorreria em 1930, ou seja, a união deoligarquias dissidentes (porém agora ocorrendouma cisão' dentro da própria fração hegemônica,os cafeicultores, e. seus representantes diretos nopoder) e o movimento tenentista, amadurecidopor uma década de lutas, no contexto da grandecrise internacional do capitalismo, o que levaria àruptura do sistema agroexportador oligárquico.

A conjuntura do início da década de 20 queanalisamos no momento é marcada também poruma crise cíclica do capitalismo internacional, ade 1920, refletida imediatamente nos paísesperi-féricos por uma retração do volume das exporta-ções e do preço dos produtos primários (asexpor-tações brasileiras de café diminu íram de 13 mi-lhões em 1919, para 11,5 milhões em 1920).

Os tradicionais mecanismos defensivos da eco-nomia cafeeira são postos em prática, ou seja, adesvalorização cambial, 1 pela terceira vez é reali-zada a operação valorizadora do café,2 através deemissõese empréstimos externos.

É amplamente conhecido o efeito de socializa-ção das perdas e privatização dos lucros" para osetor cafeicultor que ambas as medidas acarretam,e daí o aguçamento das tensões regionais dasoligarquias dominantes, assim como da insatisfa-ção dos setores médios e populares urbanos.

1. A REBELDIA MILITAR

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As origens da. rebeldia militar ligam-se ao conhe-cido civilismo de Epitácio Pessoa."Ojeriza, tenhosim, aos oficiais que, roídos de ambição Ou deinveja descuram os deveres de sua nobil íssimaprofissão para se envolverem em tricas de politi-cagem; dos que, traindo a missão que lhes cabenas sociedades organizadas, volvem contra aordemponstitucional as armas que da nossa con-fiança receberam para guardá-Ias; aos que têm aestulta pretensão de se arvorar em patrões daRepública, porque há 36 arios, quando ainda nãotinham sequer vindo ao mundo, outros oficiais,.quase todos já falecidos, concorreram para a mu-dança das instituições. A estes, sim, tenho oje-riza."4

Rompendo as tradições, ele nomeou os civisPandiá Calógeras e Raul Soares para as pastas daGuerra e da Marinha, e quando este último deixao ministério, outra vez o presidente da Repúblicanomeia um civil para substituí-lo.

Mais uma vez os militares se agitam na tenta-tiva de afastar o Ministro da Guerra civil, e ocandidato da oposição Nilo Peçanha não deixariamais tarde de explorar essa sensação militar de

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humilhação: "Não me parecia nobre que a Repú-blica, nesse particular, fosse menos liberal que oImpério, onde os militares exerciam sua pondera-da ação política nà alta administração do país,trouxeram sempre a influência de sua abnegaçãoede sua formação cívica, o altruísmo e o sensoprofundo do interesse verdadeiramente nacional.A própria experiência da República aí estava aindicar a proficuidade dessacolaboração. Em 30anos de gestão nas pastas militares essacolabora-ção foi sempre perfeitamente honesta, sem des-merecer a laboriosa gestão atual" (grifo nosso).5

Outro episódio importante vai opor EpitácioPessoae os militares, quando o primeiro, logo noinício de seu governo, tenta retirar do Senado umprojeto de aumento dos soldos militares que haviasido proposto por altas patentes do Exército e daMarinha, pretextando bancarrota financeira.

Uma série de incidentes menores marcam asrelações governo/militares na gestão de EpitácioPessoacriando um clima de crescente hostilidadeque vai culminar com o episódio das Cartas Falsase com a sucessão presidencial do Estado de Per-nambuco, que analisaremos mais adiante e queconstituem os móveis imediatos dos primeiroslevantes tenentistas.

Toda a oposição militar ao governo canali-zou-se na pessoa do M.al Hermes Rodrigues daFonseca, o sobrinho de Deodoro, que passou asimbolizar a glória do Exército e sua responsabi-lidade perante as instituições republicanas. Quan-do ele chega da Europa, em meados de 1921,depois de anos de ex (li o, é objeto de grandeshomenagens e passaa centralizar toda uma movi-

.mentação militar de caráter crescentemente polí-tico e que chega ao lançamento virtual de suacandidatura à sucessãopresidencial.

É muito significativo dos ânimos militares nes-sa ocasião o discurso pronunciado pelo Capitão-de-fragata Alencastro Graça no banquete ofereci-do pelo M.al Hermes da Fonsecaem retribuição àshomenagens recebidas, e do qual transcrevemos apassagemmais reveladora:

"No doloroso transe por que estamos passan-do, quando o natural desenvolvimento dessaclas-se é limitado por pequenos caprichos, sirva-nos aomenos esta. oportunidade para um desabafo tãojustificável. Grandemente responsáveis pelo regi-me que implantamos à custa de nossasbaionetas,até hoje temos vivido como comparsas e relegadossempre a um plano inferior, depois que o preten-sioso e inculto bacharelismo se.assenhoreou, coma nossa própria aquiescência, dos papéis mais im-portantes. No tabuleiro pol ítico de nossa terranão somos admitidos e desde que um de nossoscamaradas se aventura a romper o preconceitoestabelecido, candidatando-se a uma posição qual-quer, recusam-nos, dizendo que devemos entre-

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gar-nos a nossos deveres profissionais. No entanto,nem mesmo este último direito nos tem sidoassegurado integralmente e quando não bastassemas inúmeras provas de desconsideração, haviaainda a triste humilhação de não administrarmosas nossas classes ...

As tricas pol íticas não podem entrar em nos-sas" cogitações mas, sem embargo, manter umaposição indiferente quando se vai talvez julgar onosso destino, não é uma coisa admissível. AsForças Armadas não se sujeitarão a servirem demeros espectadores, tratando-se da escolha de seuchefe supremo. Não é que nos sintamos atraídospela ambição pol ítica: é o amor da pátria que nosencoraja. . . Quando todos se armam refazendo emelhorando suas organizações militares abandona-mo-nos aqui inteiramente a uma indiferença cri-minosa, deixando morrer à mingua o pouco queconseguimos. * Já não é só' o material que nosfalta e que facilmente seria adquirido: é a moralque se abate e sua depressão envolve também adefesa da nossa nacionalidade, desde que nosachamos cercados de uma vizinhança ávida depreponderância e supremacia. Chegamos infeliz-mente a um estado de marasmo e inanição quenão pode e nem deve ser ignorado pelo públicoque paga doci Imente nossas despesas e confia emnós como suas sentinelas mais avançadas. Afasta-dos intencionalmente do convívio político, a nos-sa fraca voz não alcançará as altas camadas quenos oprimem e deprimem com o peso de seumenosprezo ... As classes armadas não são forma-das de carneiros nos tempos hodiernos: possuímosum passado que mostra o que temos feito em prolda evolução político-social de nosso país. Voltemos velhos generais e almirantes aos antigos postose paremos com a infeliz experiência que nos vaiatirando célere ao abismo de uma franca dissolu-ção. Apresentemos uma frente unida, coesa, etenhamos presente que o que nos guia nesse mo-mento não é um subalterno sentimento de vulgarambição, mas sim o amor da pátria querida, dessaterra que herdamos de nossos antepassados e quejuramos defender com a própria vida"."

A conseqüência desse discurso foi a prisão doCapo Alencastro Graça, ordenada pelo presidenteda República, por atentado à disciplina militar euma série de boatos sobre a prisão do próprio M.alHermes, tendo inclusive O Estado de São Paulopublicado uma nota relativa a boatos sobre umarevolução no Rio de Janeiro, veiculados em Recifee posteriormente desmentidos. Fatos esses que de-monstram claramente o clima de extrema agitaçãonos meios militares, que na opinião de Rui Barbosaem carta a Nilo Peçanha,? configuraria uma situa-ção do País mais grave do que a de 1889.

* N. do A.: Referênciaao rearmamento posterior à Guerra mun-dial.

o lançamento da candidatura Hermes da Fon-seca não chega a se concretizar, em parte devido àhesitação do próprio marechal, em parte por nãoobter grande repercussão nos meios pol íticos, eprincipalmente devido às articulações das banca-das dos estados dissidentes que postulam a candi-datura oposicionista de Nilo Peçanha, simpáticoaos militares e que acaba diluindo as articulaçõeshermistas e canalizando as insatisfações militares.

O episódio da -abortada candidatura Hermespossibilita ainda a percepção de uma cisão nosmeios militares entre os altos escalões e os inter-mediários, à medida que esses últimos foramos mais ferrenhos defensores dessa candidatura,tendo várias altas patentes se pronunciado contraa intervenção militar na campanha sucessória,como é o caso do pronunciamento do G.al Car-doso de Aguiar: " ... o Exército não faz política.É exato que existe um núcleo de oficiais defen-sores exaltados da candidatura Hermes ... Pro-nunciei-me contra. O marechal não deve imiscuir-se na pol ítica. Sua atividade deve consagrá-Ia todaao Exército ... Fiz parte de uma comissão que seentendeu sobre o assunto com Nilo Peçanha.Minha atitude era inspirada pelo desejo de solu-cionar de vez o caso, evitando explorações que jáse faziam sentir nos meios militares. Os estadosaliados não aceitaram e o mesmo grupo de oficiaiscontinuou a propaganda. É bem de ver que essegrupo não representa o Exército, é uma minoria,que nem pode falar em nome da Região, que nãoé solidária com a atitude que ele possa assumir. Osoficiais concorrerão às urnas como cidadãos, vo-tando nos candidatos que merecerem a preferên-cia de cada um. Alguns naturalmente terão suassimpatias pelo candidato da Convenção," de umgrande grupo tenho ouvido palavras de pouco en-tusiasmo por Nilo Peçanha".?

Como se patenteia por estas declarações à"oficialidade","? que constitui a facção mais radi-cai das Forças Armadas, tem como saída para oconflito em que estão envolvidas, a ascensão àpresidência da República de um "dos seus", deum membro da instituição a que pertencem, e queportanto, pretendem ver representada diretamen-te no poder. Tal aspiração liga-se à uma consciên-cia que ainda difusamente vê no Exército a "pró-pria nação", 11 ou seja, que o vê como a encarna-ção dos interesses gerais da nacionalidade.

Porém, neste tipo de atuação pol ítica já pode-mos apreender os germes de uma ideologia maiselaborada, que se nessa fase se limita a responderàs afrontas dirigidas às Forças Armadas, já contémelementos que transcendem a pura e simples rea-ção de esprit de corps.

Tanto que, se as altas patentes também repu-diam as ofensas que atingem as Forças Armadas,

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nem por isso participam como grupo de uma ten-tativa de assumir a presidência legalmente atravésde eleições, nem alguns meses depois através demeios insurrecionais.

A não ser exceções individuais, mantém o seuprotesto dentro dos limites da estrita legalidade,apoiando candidaturas oposicionistas. Como bemo demonstra o G.al Cardoso de Aguiar os altosescalões militares são submissos aos políticos daoposição oligárquica e não ousam insistir numacandidatura que não tem a sua aprovação.

2. A REBELDIA OLIGÁRQUICA

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Paralelamente à rebeldia militar, desenvolve-se arebeldia das oligarquias regionais dos chamadosestados interrnediários.P Rio Grande do Sul, Riode Janeiro, Bahia e Pernambuco, que vão formar areação republicana em oposição à candidatura"café-cem-leite" de Artur Bernardes e Urbano dosSantos.

Esta havia sido escolhida logo no início de1921 pelo eixo São Paulo-Minas, que usou a ante-cipação da campanha sucessória do Preso EpitácioPessoa como uma forma de combater os laivosindependentes de sua pol ítica, ou seja, a não-submissão total aos interesses específicos doscafeicultores.

É num contexto de conflito entre os grandesestados e a presidência da República que vai sedesenvolver a campanha eleitoral, embora Epitá-cio tivesse apoiado seus candidatos.

O primeiro estado que se levantou contra estaindicação foi o Rio Grande do Sul, através de seupresidente Borges de Medeiros, que denunciou osconchavos antidemocráticos de escolha dos candi-datos à sucessão presidencial e afirmou que nãoratificaria um acordo entre São Paulo e Minas doqual não havia participado. Declarou que sóapoiaria uma candidatura vinculada a um pro-grama de governo.

Na base desta oposição estão os interesseseconômicos do Rio Grando do Sul, 13 contráriosaos esquemas de valorização do café, queaumentavam a inflação e a instabilidade finan-ceira, responsáveis por uma diminuição nademanda do principal' produto do estado, ocharque. Consumido principalmente pelas classespopulares, elas tinham seu poder aquisitivoamplamente afetado pelas conseqüências exata-mente dessas medidas defensivas a que já fize-mos referência.

Bahia e Pernambuco disputaram a indicação àvice-presidência ao lado de Artur Bernardes ecomo não foi possível o acordo, romperam comessa candidatura e tornaram-se dissidentes. Comose vê, os conflitos regionais das oligarquias dom i-

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nantes manifestam-se também como disputas mo-mentâneas, derivadas de ambições pessoais.

Essas dissidências vão unir-se em torno deNilo Peçanha, Hder das oligarquias fluminenses,que volta da Europa no início de junho de 1921 etorna-se imediatamente o ponto de convergênciadas articulações oposicionistas, inclusive devidoao seu grande prestígio popular.

Após alqurnas tentativas de encontrar um can-didato de. conciliação nacional !" em prol dequem Bernardes e ele mesmo desistiriam de suascandidaturas, Nilo Peçanha acede aos convites dosestados dissidentes e constitui-se a Reação Repu-blicana, que indica para vice o presidente daBahia, J. J. Seabra.

3. AS CARTAS FALSAS E A SUCESSÃOPERNAMBUCANA

Desenvolve-se acirradamente a campanha eleito-ral, quando, às vésperas da chegada ao Rio deJaneiro do candidato da Convenção para a apre-sentação de sua plataforma de governo, estoura abomba que levaria ao auge a indisciplina militar.No dia 9 de outubro de 1921 o Correio da Manhãpublica em fac-símile a seguinte carta:

"Belo Horizonte, 3-6-1921

Amigo Raul Soares

Saudações afetuosas.

Estou informado do ridículo e acintoso ban-quete dado pelo Hermes, esse sargentão sem com-postura, aos seus apaniguados, e de tudo que nes-sa orgia se passou. Espero que use com toda ener-gia, de acordo com as minhas últimas instruções,pois, essa canalha precisa de uma reprimenda paraentrar na disciplina. Veja se o Epitácio mostraagora a sua apregoada energia, punindo severa-mente esses ousados, prendendo os que saíram dadisciplina e removendo para bem longe esses gene-rais anarquizadores. Se o Epitácio com medo nãoatender, use de diplomacia que depois do meuréconhecimento ajustaremos contas.

A situação não admite contemporizações, osque forem venais, que é quase a totalidade, com-pre-os com todos os seus bordados e galões.

Abraços do Artur Bernardes." IS

A reação é instantânea: reúne-se no dia seguin-te o Clube Militar e aprova uma moção: "A Mo-ção - O Clube Militar - órgão das classes armadas- julga de seu dever que o público conceito emi-tido pelo Sr. Artur Bernardes, na sua carta de 3 dejunho último, colocou o Exército na contingência

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de reagir imediàtamente. Porque, ou S. Ex.a temrazão em nos qualificar de canalha venal, ou inu-tilmente ultrajou o Exército. Na primeira hipó-tese, o Exército deve ser dissolvido, pois a defesada Nação não pode estar confiada a jan ízaros ecanalhas; na segunda, S. Ex.a criou absoluta in-compatibilidade entre a sua pessoa e o Exército.Existe, pois, um dilema, como solução única: ou anossa dissolução, ou o Exército não aceita queS. Ex.a seja o Presidente da República. O Exércitoproclamou, consolidou e entregou a Repúblicaaos senhores pol íticos profissionais, que podemgoverná-Ia sem ultrajar aos que tem a convicçãoda pobreza honrada. E é com tais fundamentosque o Exército implora à Nação a eleição de qual-quer outro brasileiro para Presidente da Repúblicapois não assegura ao Sr. Artur Bernardes o exercí-cio desse cargo." 16

Estava criado o impasse. Como Artur Bernar-des tivesse declarado não ser o autor das cartas, 17

a opinião pública e o próprio Exército cindem-seem facções que negam ou aceitam a falsidadedelas e o debate que se segue é rico em formula-ções que configuram duas ideologias sobre as rela-ções entre os militares e a política, Apreendê-Ias eanalisá-Ias é fundamental para nossas investiga-ções.

Uma dessas ideologias enfatiza o caráter pro-fissional do militar e incita-o a isolar-se da polí-tica, e apesar das citações sucessivas tornarem-sepor vezes enfadonhas julgamos imprescindívelantes de interpretá-Ia, descrevê-Ia, e nada melhorpara isso do que as palavras de seus própriosformuladores: "No fundo já tivemos ocasião dedizer junto ao túmulo de Floriano e ora repe-timos que 'é uma afronta aos brios nacionais essaextravagância de erigir o Exército em tutor daNação, em rebaixar a Nação em tutelada doExército.' Manter a ordem e não perturbá-Ia é odever das forças militares e as que assim não ofizerem por bem, traindo esse dever, precisamser forçadas a fazê-lo por mal. O Exército não éuma casta: é uma classe. A farda não dá valor aquem não o tem: e quem o tem é que dá valor àfarda. O voto militar é contado como o do pai-sano. A Nação é civil e não militar. Apesar dessamegalomania militarista de 'Nação Armada', /'osmelindres nacionais', já tivemos ensejo de o dizer,são representados não pelas forças armadas, maspelas fraquezas armadas. Além disso os Caxias, osOsórios, etc., a elite em suma e não o vulgo dogrosso da tropa é que representa a minha classe. Oque não for isso são preconceitos vu Igares dealmas vulgares ... Se o Exército se levantar paraimpor de maneira valentona o Sr. Peçanha, todosnós patriotas civis ou militares, o faremos voltar.Nada de caudilhismo ou de pronunciamentosmilitares." 18

É da mesma forma reveladora das concepçõesda ideologia do soldado profissional a seguintenota à imprensa do governo: 19 "0 governo reco-nhece a todo cidadão, militar ou não, a liberdadede manifestação sobre assuntos políticos, negandoporém o direito de servir-se, em seu interesse epreferências pessoais, da parte de poder públicoque lhes confiou. Assim, o governo não pode con-sentir que qualquer funcionário civil ou militar, seprevaleça de seu cargo ou de seu posto, a fim deimpor a outrem suas opiniões partidárias. Os ofi-ciais do Exército e da Armada podem individual-mente manifestar-se em questões pol íticas, masnão coletivamente, pois como coletividade sãoinstituições nacionais destinadas à defesa da pátriano exterior e à manutenção das leis no interior.No dia em que pudessem envolver-se em lutas par-tidárias, desagregar-se-iam por dissensões intes-tinas e deixariam de ser a garantia da pátria, oumatariam a liberdade civil ... "20

É importante enfatizar que após a publicaçãodesta nota governamental, uma série de membrosda cúpula militar pronunciou-se favoravelmente aela, o que sem dúvida constitui uma evidência deque os altos escalões do Exército identificam-secom esse tipo de ideologia. Notamos aqui, maisuma vez, uma distinção clara entre o comporta-mento da cúpula militar e dos escalões interme-diários, muito mais inclinados para uma ideologiaque valoriza a intervenção militar na política eque nesse momento que analisamos se identificamuito mais por uma série de comportamentospolíticos radicais do que por formulações ideoló-gicas precisas.

Em outros termos, diríamos que nesse mo-mento esboça-se a especificidade de um certo mo-vimento militar, que se afirma ainda muito maispor oposição à mentalidade do soldado profis-sional, do que por uma afirmação positiva de seuspróprios princípios. Cremos encontrar aqui, real-mente,o germe do tenentismo.

Um articulista da época, 21 apreendendo exa-tamente essa oposição entre duas ideologias rela-tivas ao papel de Forças Armadas na política, ela-bora um diálogo imaginário entre um civil quedefende a idéia do soldado profissional e um "te-nente que para se opor a ela argumenta basica-mente procurando mostrar o papel do Exércitono Brasil como "um dos principais fatores dasnossas conquistas democráticas", culpa os "polí-ticos profissionais" pela mistificação eleitoral eassim justifica a necessidade da intervenção mili-tar saneadora. Evidentemente não seria por acasoque o articulista atribuiu a um tenente a defesa daintervenção militar.

Essa mesma oposição se expressa nitidamentequando os sócios do Clube Militar se dividem en-tre favoráveis e contrários à formação de uma

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comissão que investigaria a autenticidade das Car-tas. Os últimos, entre os quais está o próprio M.alHermes da Fonseca, opõem-se à comissão argu-mentando que o assunto é de natureza pol ítica epor isso o Clube Militar deveria alhear-se dele.Porém, os favoráveis à formação da comissão ven-cem por ampla maioria.

Após conturbadas reuniões e divergências in-ternas, a comissão pronuncia-se pela autenticidadedas Cartas e o Clube Militar em Assembléia-GeralExtraordinária do dia 28 de dezembro de 1921apresenta uma moção em que afirma:

"Porque não tenha este 'Clube qualidade jurí-dica para promover ação em desafronta das auto-ridades ofendidas;

Resolve, por isso, entregar o caso ao julgamen-to da Nação." 22

Na mesmaocasião, um discurso do Al.te Silva-do nos proporciona uma amostra das formulaçõesdaqueles que se opõem à ideologia do soldadoprofissional: "0 Clube Militar ... desde a Aboli-ção até a atualidade, passando pela Proclamaçãoda Repúblicá e pela sua consolidação, feita com asarmas nas mãos, sob o comando supremo do im-pretérito Floriano ... Os veteranos da Abolição,da Proclamação e da Consolidação da Repúblicaestão alertas e prontos a correr em auxílio daNação ... Que todo o cidadão de uma Pátria livretem o dever de ser pol ítico, é uma conseqüênciaóbvia do bom senso e da simples leitura dasleis ... Sendo os militares cidadãos no pleno gozode todos os direitos e prerrogativas garantidas aoscivis, é claro, é evidente, inconcusso e incontes-tável que têm o dever iniludível de ser polí-ticos".23

Assim como o tenente imaginário a que nosreferimos, o almirante enfatiza a participação mi-litar nos momentos decisivos da vida políticabrasileira, delineando-se assim um dos pontos-chaves dessa orientação, ou seja, a concepção deque as Forças Armadas seriam no Brasil o prin-cipal agente da mudança pol ítica. E teriam essepapel à medida que representassem os interessesgerais da nacionalidade, como já tivemos ocasiãode mostrar anteriormente.

Após esse pronunciamento da Comissão doClube Militar, as facções mais radicais das ForçasArmadas, ou seja, a oficialidade jovem, imbuídada ideologia do cidadão soldado, teriam optadopela insurreição como forma de impedir a ascen-ção de Artur Bernardes, caso ele fosse eleito. Tan-to que aproxlmadarnente um mês depois dela, ojornal O Combate publicou uma circular com anota "confidencial" e assinada "0 Exército" eque estaria sendo enviada às guarnições militaresnos estados: "Rio de Janeiro, 26 de janeiro de

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1922. Camaradas. A nossa moção significa nãovotarmos no nosso inimigo Artur Bernardes quenão será governo porque dissolverá o Exército,pois conhecemos seu desejo incontido de vingan-ça, a sua arrogância e violência apoiado nos nego-cistas de São Paulo, nos régulos estaduais, no con-luio pol ítico e desgraçadamente na ambição dosHermes da Fonseca, Tarso Fragoso, Bonifácio daCosta, Setembrino de Carvalho, Abílio de Noro-nha, Gabriel Botafogo, Carneiro da Fontoura, Pes-·soa de Queiróz, Eduardo Sócrates, Neiva de Fi-gueiredo, Mena Barreto e demais generais emnúmero de 24. São em qualquer terreno contrá-rios ao Sr. Artur Bernardes os comandantes decorpos desta guarnição, que não se manifestamcombinadamente porque estão sob a pressão doSr. Pandiá Calógeras, ministro da Guerra. A oficia-lidade, porém - capitães e tenentes - bem comoos sargentos estão todos unidos e bem orientados,aguardando o momento para agir: Não convémdar aqui em detalhes o nosso programa. Dele aítendes uma parte confiada à vossa responsabili-dade. O sentimento de amor ao Exército é a vossasegurança pessoal. Esperamos que o vosso patrio-tismo tenha segura orientação. Queremos evitar arevolução; desejamos que o Sr. Epitácio Pessoaconclua o seu governo e apenas desejamos que oSr. Bernardes não seja eleito. No Brasil só existem21 estados .eleitorais: 16 são do Sr. Bernardes ecinco são do Sr. Nilo Peçanha, mas ainda assim,temos a previsão de que será pequena a diferençade votos entre os dois candidatos. Em 15 de no-vembro haverá então dois presidentes reconheci-dos: o Sr. Bernardes pelo bernardismo e o Sr. Nilopela dissidência. Para que essadiferença seja favo-rável ao Sr. Nilo, faz-se necessáriavossaação jun-to ao poder local: 15 dias antes da eleição presi-dencial, deveria, amigavelmente se for possível,ponderar ao governador desseestado que tendo avossa classeconfiado à nação a nossa desafronta,queremos Inteira liberdade de voto e jamais apressãoeleitoral em favor do Sr. Bernardes . .. Seo Sr. Bernardes for eleito, impediremos aqui o seureconhecimento pelo Congresso; se for reconhe-cido, impediremos a sua possede qualquer modo.Em 15 de novembro não haverá governo; tomare-mos conta do Sr. Bernardes, vivo ou morto, eentão daremos posse ao Sr. Nilo ou proclamare-mos um ditador. Em 15 de novembro deveis estaratentos: é possível que tenhais de tomar conta dogoverno daí, até lá, não vos deixeis iludir. Nãonecessitais vos expor em demasia, é inútil fazerdespública a vossa adesão. Temos certeza da vitóriafinal, pois temos conosco a maioria do Exército,da Marinha e da Pol ícia desta capital. Sabemoscombater o inimigo e temos coragem. Nota. Estacircular não tem resposta e já prevemos o caso dedenúncia." 24

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o boato da apreensão dessa circular não foiconfirmado masoutras evidências o indicam que aconspiração estavaem marcha.

Pouco tempo após a vitória de Artur Bernar-des (a 1.0 de março de 1922) abortou uma tenta-tiva de sedição na Marinha, tendo sido presos vá-rios tenentes envolvidos nos acontecimentos.

De qualquer forma, o importante a consideraré que a opção pelo caminho armado foi feita, nãosendo fundamental saber exatamente quando issoocorre. Realmente, os preparativos para os levan-tes que eclodem no início de julho são tambémtotalmente desconhecidos, conhecendo-se apenasa causa imediata de sua eclosão, a sucessãopresi-dencial do Estado de Pernambuco.

Dois grupos concorreram àseleições, um delesnilista e outro bernardista e apoiado pelos Pessoade Queiróz, parentes do presidente da República.Como a campanha eleitoral tivesse sido muito agi-.tada, as tropas federais patrulharam Recife paramanter a ordem, porém, apesar da ordem do Pre-sidente da República para que se mantivessemimparciais, apoiavam claramente os bernardistas.

Realizadas as eleições, no dia 27 de maio de1922, ambos os grupos declaram-se vencedores einicia-se uma luta armada entre os grupos oponen-tes, sendo então enviadas novas tropas federaisque ocupam Recife. Nessaocasião quatro tenen-tes telegrafam ao Clube Militar protestando con-tra a parcialidade das forças federais a favor dosbernardistas 2S e este responde em nome de seupresidente, por telegrama enviado ao comandantedas tropas federais com o seguinte teor: "0 ClubeMilitar está contristado pela situação angustiosaem que seencontra o Estado de Pernambuco, nar-rada por fontes insuspeitas que dão ao nosso glo-rioso Exército a odiosa posição de algoz do povopernambucano. Venho fraternalmente lembrar-vos que mediteis nos termos dos arts. 6.o e 14 daConstituição, para isentardes o vosso nome e o danobre classe a que pertencemos da maldição denossos patrícios. O apelo que ora dirijo ao ilustreconsócio é para satisfazer os instantes pedidos decamaradas nossos daí, no sentido de apoiá-lo nes-sa crítica emergência, em que se procura desviar aforça armada do seu alto destino. Confiando novosso patriotismo e zelo pela perpetuidade doamor do Exército, ao povo de nossaterra, vos falonessegrande momento. Não esqueçais que as ins-tituições passame o Exército fica. - Saudações-M.al Hermes da Fonseca." 26 .

O telegrama é duplamente ofensivo ao gover-no federal, pois os artigos da Constituição a quese refere tratam respectivamente das intervençõesfederais nos estados e do papel constitucional doExército, insinuando que eles estariam sendo des-

respeitados por Epitácio Pessoa,o que equivalia aacusá-lo também de parcialidade pró-bernardistas.

Após o telegrama desencadeiam-serapidamen-te os acontecimentos com a repreensão e prisãodo M.al Hermes e finalmente o fechamento doClube Militar a 3 de julho de 1922, baseado numalei contrária. às associações nocivas à sociedade(com base nessa mesma lei tinham sido fechadasas associaçõesde óperários anarquistas, o que me-lindrou ainda mais os brios militares).

Foi a gota d'água que entornou o copo darebeldia militar. O primeiro levante e a primeiraderrota se dá na Vila Militar, na noite de 4 para 5de julho, quando os rebeldes, entre os quais sedestaca o Ten. Cristiano Buya 27 são facilmentedominados, pois a maioria permaneceu fiel à lega-lidade. .

Concomitantemente eclode olevante na Esco-.la Militar do Realengo onde alunos e oficiais for-mam coluna rebelde que se dirige à Vila Militarpara fundir-se às tropas aí rebeladas, mas defron-ta-se com suas forças legalistas e, após acirradoco.mb~te, é derrotada. Nessa ocasião, lutam pelaprimeira vez os Ten. Juarez Távora Ciro do Espí-rito Santo Cardoso e Ricardo Hall. '

O episódio mais marcante e mais heróico-suicida dos primeiros levantes tenentistas, no en-tanto, foi o levante do Forte de Copacabana 28

que se inicia na madrugada do dia 5 de julho etermina na legendária Marcha dos Dezoito doForte a 7 de julho e onde se manifestam doisgrandes líderes do tenentismo, Siqueira Campos eEduardo Gomes, e onde morrem os Ten. NiltonPrado e Mário Carpenter, cujos depoimentos ana-lisaremos a seguir.

Além de um início de revolta de uma minoriarapidamente reprimida em Niterói os levantesnão se estendem aos estados, com exceção doMato Grosso onde, sob a chefia do G.al Clodoaldoda Fonsecaos revoltosos dominam todas as unida-des do estado e preparam uma marcha sobre SãoPaulo e posteriormente Rio de Janeiro, mas àaltura de três Lagoas o G.al Clodoaldo mantémconversações com um mediador enviado pelo go-verno federal e, conhecendo a derrota da revoltano Rio, rende-seàs forças legais.

Um observador não identificado do jornal OEstado de São Paulo informa que "sendo o G~IClodoaldo comandante da circunscrição ... tudolevaria a crer que fosse ele a cabeça do movimen-to. A população mesma de Três Lagoas não oti~ha como tal. Eu partilho igualmente 'dessaopl-ruao - o comando das forças rebeldes era exerci-do pela oficialidade da circunscrição. O Ten.Grandville B. de Lima é tido por quase toda gentecomo o verdadeiro chefe do movimento." 29.

Como vemos, também aqui o movimento é lide-rado pelos tenentes.

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Crise da República no Brasil

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4. "A POPULAÇÃO CURIOSA, ESPREITAVA"

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Os tenentes, que inegavelmente lideraram os acon-tecimentos, não têm ainda um projeto para a so-ciedade, mas agem ainda num momento de des-pertar da consciência, como membros de uma ins-tituição ofendida, que vêem como a responsávelpela República e, o que é fundamental, começamde forma vaga e imprecisa a enxergá-Ia como re-presentante dos interessesda nacionalidade. Tan-to não têm ainda um projeto para a sociedade quenão se propõem a formular e definir quais seriamesses interesses. Apenas partem do princípioabstrato de que participam de uma instituição queos encarna, sem a menor noção de conflitos denatureza econômico-social, e restringindo-se areivindicações de caráter político-conjuntural, namedida em que seu objetivo imediato é impedir aposse de Bernardes, por ter este conspurcado ahonra do Exército.

Personalizam seus inimigos e não se preocu-pam em propagar seus objetivos. Um dos únicosesclarecimentos a esserespeito são as declaraçõesdo G.al Clodoaldo da Fonseca, em seudepoimen-to no processo de 1922, em que afirma ser a in-tenção do movimento "sem interromper a ordemcivil, obrigar os próceres da pol ítica a concorda-rem em declarar nula a eleição presidencial e fazera indicação de nossoscandidatos". 30

Desde a primeira manifestação de conflito,como já mostramos anteriormente, o leit motifdas formulações militares refere-se aos brios e àdignidade das Forças Armadas. As referências àdefesa da honra do Exército são o traço comumdas declarações dos tenentes que lideraram o Le-vante do Forte de Copacabana. De acordo com anarrativa de um voluntário, identificado apenaspelas iniciais J.P.M., constante do 20.0 volume doprocesso dos revoltosos de 22: "Nilton Prado, emvoz alta, perguntou se estavam dispostos a defen-der junto com a guarnição do Forte a honra doExército, como brasileiros que eram ... Seguindosempre na frente, ao lado de Siqueira Campos, dequem não me afastava, ouvi-o gritar várias vezespara os companheiros que poderiam retirar-se seassim o desejassem. Quando menor fosse o nú-mero, maior seria a glória dos que ficassem. Astradições de glória e de honra do Exército brasi-leiro, seriam defendidas até a morte." 31

Da mesma forma, o cadete Ari Brasil, partici-pante do levante da Escola Militar do Realengo,assinou.declaração afirmando que participara es-pontânea e conscientemente "para auxiliar os che-fes e desafrontar o Exército". 32

É o fato marcante do primeiro 5 de julho a.inexistência de pronunciamentos e manifestos. Apopulação é pega de surpresa e como afirmou umhistoriador "os heróis falam pouco". 33 Em suma,

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espontaneidade, voluntarismo e indefinição ideo-lógica marcam as origens do tenentismo.

Os tenentes conspiram e agem isoladamente enão buscam aliados na oligarquia dissidente e nãopretendem o apoio de grupos populares.

Os líderes da Reação Republicana condena-ram a revolta, a começar por Borgesde Medeiros eNilo Peçanha.>' Os deputados da dissidência naCâmara enfatizam a sua total ignorância sobre omovimento militar, e o Deputado Gonçalves Maiadeclarou: "Senhor presidente, sei que fui um revo-lucionário, que já amarguei diversas vezeso fel daprisão mas, agora, não poderia ser favorável a umlevante militar sem idéias." 35

Na verdade, os pol íticos da dissidência procu-raram utilizar a insatisfação militar e inclusive es-timularam-na em seu próprio proveito, como aliásvários militares e partidários de Bernardes denun-ciaram. Poucos dias após a eclosão do movimento,a dissidência resolveu dissolver-se, manifestandoassim'claramente sua adesão ao statu quo e reco-nhecendo definitivamente a vitória de Artur Ber-nardes.

Da mesma forma, não houve nenhuma aproxi-mação entre essasprimeiras manifestações tenen-tistas e a insatisfação dos setores médios e popu-lares urbanos. Como já enfatizamos, os tenentesnessafase não têm um projeto para a sociedade enão se pretendem, nem foram identificados comoporta-vozes das reivindicações de nenhum gruposocial, a não ser o próprio Exército enquanto par-cela do aparelho de Estado. A esserespeito, umdos autores que interpreta o tenentismo comovanguarda da classe média no Brasil afirma: "maso movimento vencido, que aparentemente temcaracterísticas somente de levante militar, tam-bém vira afastar-se de si, antes de 5 de julho, oapoio de segmentos da pequena burguesia civil edos operários - como Maurício de Lacerda e CaioMonteiro de Barros". 36

Quanto ao aspecto organizatório, a precipita-ção, a desorganização, assim como a falta de arti-culação entre os revoltosos, caracterizam o movi-mento. De acordo com as palavras de Hermes daFonseca Filho, seu pai "partia com um pressenti-mento absoluto da derrota. Três causasdavam-lheesse presságio: a falta completa de articulação demovimentos; o retardamento de contatos entre osrevolucionários e o conhecimento completo eperfeito de toda a ação revolucionária, pelogoverno." 37 •

1 Veja Furtado, Celso. Formação econômicll do Brasil. Rio deJaneiro, Fundo de Cultura, 1959, capo28: A defesa do n(vel deemprego e a concentração da renda.

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2 Veja Carone, Edgard. A r..,ública velha; instituições e cla_sociais. São Paulo, ~ifusão Européia do livro, 1970. p. 47.

3 Veja Furtado, Celso. op. cito p. 196.

4 Pessoa, Epitácio. Pela verdade. Apud: Silva, Hélio. 1922, .n-guena areia de Copecabana. 2. ed. Rio de Janeiro, CivilizaçãoBrasileira, 1971. p. 42.

5 O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 jun. 1921.

6 Jornal do Comllrcio, Rio de Janeiro, 3 jun. 1921.

7 Carta de Rui Barbosa a Nilo Peçanha, de 15 jun. 1921, publi-cada em O Estado de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 1921.

8 Convenção de representantes das bancadas estaduais que esco-lheram a candidatura do presidente de Minas Artur Bernardes.

9 O Estado d. São Paulo, São Paulo, 29 jul. 1921.

lO Nesse período é costume denominar de forma genérica como"oficialidade" as patentes intermediárias do Exército, pois sempreque se trata de referências às altas patentes elas são feitas de formaindividualizada.

11 Declarações do M.al Hermes da Fonseca por ocasião de suaposse na presidência do Clube Militar e em que após relembrar aparticipação do Exército na proclamação da República diz que"hoje o Exército é outro e representa a pr6pria nação, por isso éque é constituído de cidadãos soldados não se poderia quedarindiferente aos interesses gerais do País". O Estado de São Paulo,São Paulo, 29 jan. 1921.

12 Estados intermediários na hierarquia de poder dos estados bra-sileiros, situados entre os líderes São Paulo e Minas Gerais, e oresto dos estados brasileiro., fracos e tctalmente submetidos àforça político-eleitoral dos primeiros.

13 O programa da Reação Republicana atacava o imperialismo dosgrandes estados e pedia p·roteção para os produtos de exportaçãoem geral, e não apenas para o café.

14 Foram aventados por Nilo Peçanha os nomes de Rui Barbosa,M.al Hermes da Fonseca e Wenceslau Brás.

IS Veja Silva, Hélio. 1922, .ngue na areia de Copacabana. 2. ed.Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 51-2.

16 Silva, Hélio. op. cito p. 53.

17 Dias depois da publicação da carta transcrita o Correio daManhã publica uma nova carta atribufda a Artur Bernardes ..

18 Declaração do G.al Gomes de Castro, um cios membros dacomissão nomeada pelo Clube Militar para esclarecer sobre a falsi-dade ou autenticidade das cartas atribuídas a Artur Bernardes,publicadas n'O Estado de 810 Paulo, em 16 novo 1921.

19 O Estado de São Paulo, São Paulo, 22 novo 1921.

20 Destaca-se ainda como texto representativo da ideologia dosoldado profissional o artigo do jornal O Estado de São Pauloassinado apenas com a letra S (constatamos posteriormente tra-tar-se de Sert6rio de Castro) e intitulado A Política e as classesarmadas: "Não se apresentou sequer, uma oportunidade que justi-ficasse o debate ensaiado sem seguimento, acerca dos direitos polí-ticos dos militares. Ninguém os põe dúvida, ninguém os contesta,

ninguém lhes nega legitimidade. O que se contesta, aquilo a que senega legitimidade é a atitude revolucionária de um pronuncia-mento coletivo como meio prático de os exercer: é a intervençãoindébita em assunto que a lei põe fora de sua alçada, porque se lhefôssemos reconhecer hoje essa autoridade, desapareceria a ordemconstitucional, e os 6rgãos legítimos da política teriam de ceder.seu papel e suas funções na sociedade a uma corporação que setorna 9igna de todo respeito precisamente porque, sendo a depo-sitária das armas da nação, e sendo .lua força e o sustentáculo desua defesa, tem todos seus movimentos tolhidos pelas regras daobediência e pelos cãnones da disciplina. Mas esses rigores, que s6lhes coíbem as manifestações coletivas, pois que assim se pronun-ciando, exerceriam uma influência opressiva e desigual, porqueseria a força disputando às classes civis desarmadas uma funçãoque lhes é inata, não privam os militares de terra e mar, como nãoprivam os operários, o magistrado, o industrial, o comerciante, olavrador e todo o cidadão brasileiro na posse de seus direitos polí-ticos, de todas as prerrogativas que por igual lhes confere semnenhuma distinção, o nosso estatuto fundamental ... "21 Cartas de.Minas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 1921. Oartigo s6 vem assinado com o inicial N.22 Silva, Hélio. op. cito p. 62.23 Silva, Hélio. op. cito p. 62.24 O Estado de São Paulo, São Paulo, 1 fev. 1922.25 Realiza-se no dia 25 de junhO de 1922 uma reunião do ClubeMilitar para discutir a questão pernambucana e o telegrama dostenentes, em que discursa o Ten. Gwaier de Azevedo e que consti-tui o melhor documento que demonstra a quebra da hierarquiadentro do Exército e a cisão entre a cúpula e as patentes interme-diárias. Veja a transcrição desse discurso em Sodré, NelsonWerneck. História· militar do Brasil. Rio de Janeiro, CivilizaçãoBrasileira, 1968, p. 202-8.26 Veja Silva, Hélio. op. cito p. 96.27 O então Ten. Artur da Costa e Silva foi um dos participantes dolevante.28 Para descrições detalhadas do Levante veja: Silva, Hélio. op. cito2.a parte: Primeiro cinco de julho; Carone, Edgard. li. repúblicavelha; evoluçt'o polltiCL São Paulo, Difusão Européia do Livro,1971. p. 352-7; Castro, Sert6rio de. A república que a revoluçãodestruiu. Freitas Bastos, 1932, p. 424-30; Carneiro, Glauco. His-tória das revoluções brasileiras. Rio de Janeiro, Ed. O Cruzeiro,1~65, v. 1, capo 12, p. 223-49.29 O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jul. 1922.30 Silva, Hélio. op. cito p. 207.31.Silva, Hélio. op. cito p. 134-7.32' Silva, Hélio. op. cito p. 139.33 Os depoimentos de Siqueira Campos e Eduardo Gomes no pro-cesso de 22, assim como suas raras e breves declarações à imprensasão essencialmente descritivas, além de muito sucintas.34 Veja declarações de ambos os líderes em Carone, Edgard. Arepública velha; evolução política. São Paulo, Difusão Européia dolivro, 1971. p. 358-9.3S O Estado de São Paulo, São Paulo, 6 jul. 1922.

36 Carone, Edgard. op. cito p. 359.37 Silva, Hélio. op. cito p. 202.

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