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  • 8/13/2019 A presena de japonesas e japoneses imigrantes nas imagens do lbum do 10 aniversrio da colnia de Bastos

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    A presena de japonesas e japoneses imigrantes nas imagens do lbum do 10

    aniversrio da colnia de Bastos So Paulo (1938)

    Daniel ChomaMestrando em Histria na Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGH/UDESC)

    Especialista em Fotografia: prxis e discurso fotogrfico (UEL)Graduado em Comunicao Social (UEL)

    [email protected]

    Resumo

    O artigo traz uma anlise do lbum produzido pelo fotgrafo Suejiro

    Yasunaka e publicado em 1938, em comemorao pelo 10. aniversrio daFazenda Bastos, SP. Este fotgrafo japons percorreu a regio, a cavalo,portando pesado material fotogrfico, registrando o trabalho de dezenas defamlias recm chegadas ao Brasil. Com o patrocnio dos estabelecimentoscomerciais e dos trabalhadores e trabalhadoras locais, produziu e organizouum lbum de 214 pginas, impresso em grfica. Busca-se detectar o modocomo homens e mulheres surgem nas centenas de fotografias para discutir ospapis sociais afirmados poca por mulheres e homens situados em umcontexto especfico de imigrao recente. Tangenciando uma discusso sobrea fotografia como fonte histrica, verifica-se a potencialidade do lbumcomemorativo em trazer luz relaes de gnero. Situando os possveisobjetivos da Sociedade Colonizadora do Brasil, do fotgrafo, das famlias edos comerciantes da colnia, busca-se levar em conta a funo social do

    material.Palavras-chave:imigrao japonesa, fotografia, gnero.

    Abstract

    The article raises an analysis of the album produced by the photographerSuejiro Yasunaka and publicized in 1938, to celebrate the 10th birthday ofthe Bastos Farm, at So Paulo state. This japanese photographer traveledall around this region, on horseback, carring a heavy photograph staff,registering the work of many families which had just arrived in Brasil. Withthe sponsorship of the business and local workers, S. Yasunaka has producedand organized a 214 pages lbum, graphic printed. We try to search the way

    how men and women appear inside these hundreds of photos intending todiscuss the social parts affirmed at these times by women and men inside aspecific context wich is the recent imigration. Walking around a discussionabout the photograph as historic document, we can verify a potential of thiscelebration lbum to bring gendered relationships. Locating possible aimsfrom the Brazilian Colonization Society, from the photographer, from thefamilies and from the colony business men, we try to consider the socialfunction of the photograph material produced.Keywords:japanese migration, photography, gender

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    Introduo

    O migrante parte de seu territrio, pedao querido de que tem que se desgarrar e vaideixando pelo caminho fragmentos de sua vida, de sua experincia anterior. Na poeira da

    estrada que percorre, vai deixando detritos de sua alma, de sua cultura, de sua memria. Oeu deste ser nmade comea a se despedaar; o longo perodo que havia levado paraconstruir este eu j surge em sua memria como reminiscncias. Reminiscncias feitas debreves iluminaes, de fragmentos deste passado, com as quais ele tenta remontar o roteirode sua vida, de sua memria.1

    Das reminiscncias de um fotgrafo imigrante. Das iluminaes que sensibilizaram

    sais de prata, homens e mulheres. De um lbum conservado durante 70 anos, fragmento de

    um passado ainda presente. Com estes elementos, busco uma alquimia que permita revelar as

    representaes de gnero em uma comunidade japonesa imigrante recm estabelecida noBrasil, e a partir do conjunto de fotografias de Suejiro Yasunaka constantes no lbum

    Comemorativo do 10 Aniversrio da Colonia Bastos2, refletir sobre o uso da fotografia

    como fonte histrica.

    Tudo indica que a anlise de qualquer fotografia no pode deixar de considerar as

    construes operadas nas prticas de trs atores: o fotgrafo (operator), o fotografado

    (spectrum) e o espectador (spectator)3. Na perspectiva do operator, neste artigo trao um

    breve perfil das trajetrias de Suejiro Yasunaka como fotgrafo imigrante japons entre os

    anos de 1928 e 1938, quando realiza a publicao do lbum Comemorativo do 10

    Aniversrio da colnia de Bastos, SP. O trabalho empreendido por ele tambm permite

    pensar relaes entre a aventura migrante e a aventura fotogrfica.

    Na perspectiva analtica do spectrum, verifico, dentro de um grupo de 773 imagens, a

    presena de gnero, o contexto e o modo como homens e mulheres aparecem representados

    nas fotografias. Empreendo uma anlise quantitativa deste conjunto de fotografias,

    identificando paralelos com as representaes de gnero entre imigrantes japoneses traadas

    por Clia Sakurai em O Romanceiro da Imigrao Japonesa4.

    1ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A singularidade: uma construo nos andaimes pingentes dateoria histrica. In: Histria: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da histria. Bauru, SP: Edusc, 2007.p.247.2 YASUNAKA, Suejiro. lbum Commemorativo do 10 aniversrio da colonia Bastos. Acervo pessoal deYutaka Yasunaka. So Paulo: Sociedade Colonizadora do Brasil, 1938.3Estas seriam as trs prticas humanas possveis em torno da Fotografia, conforme Roland Barthes exps em ACmara Clara. Notas sobre a fotografia. BARTHES, Roland. A Cmara Clara: nota sobre a

    fotografia.Traduo de Jlio Castaon Guimares Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.4SAKURAI, Clia. Romanceiro da imigrao japonesa.So Paulo: Editora Sumar: FAPESP, 1993 (SrieImigrao; v. 4)

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    Adiante, destaco duas pginas do lbum para reflexo acerca de sua composio

    visual e mergulho em fotos especficas. Como nico espectador (spectator) das imagens

    ouvido neste artigo, exponho esta condio, ao discutir o carter polissmico da fonte

    imagtica e possibilidades de extenso deste trabalho na interao com imigrantes japoneses

    no Brasil da atualidade, para que outras vozes atuem sobre a leitura do documento.

    Organizado por Suejiro Yasunaka e patrocinado pela Sociedade Colonizadora do Brasil e

    pelas famlias de imigrantes da prpria colnia de Bastos, SP, este impresso de 214 pginas

    nos permite mltiplas leituras, abrindo pesquisas para as reas de migrao, gnero,

    fotografia, famlia, moda e poltica.

    Fotografia, aventura migrante

    Suejiro Yasunaka iniciou sua relao com a fotografia na dcada de 1920, na cidade

    de Sapporo - Ilha de Hokkaido, Japo. Sua incurso nos conhecimentos desta arte e cincia se

    deu no convvio dirio com Abe Gueitiro, na casa de quem residiu por quatro anos, prestando

    pequenos servios domsticos em troca do aprendizado do ofcio de fotgrafo. No ltimo ano

    de sua formao, v seu mestre falecer, deixando mulher e filhos rfos. Em considerao e

    gratido, Suejiro assume os trabalhos de Gueitiro e o sustento da famlia. Aps ensinar ao

    menino mais velho o ofcio do pai que partiu, monta um estdio e laboratrio fotogrfico

    prprio na mesma cidade. Mas logo percebe que, por sua maior experincia e contato com a

    comunidade, seu negcio acabava por roubar os clientes do foto da famlia Gueitiro, fazendo-

    o desejar a mudana para outra cidade.

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    esquerda, Abe Gueitiro; ao centro, Suejiro Yasunaka; direita, o Photo Yasunaka no Japo, dcada de1920. Fonte: Reproduo do acervo de Yutaka Yasunaka em Londrina, PR-2006.

    Em 1928 j estava casado com Shizu e tinha um filho com um ano de idade, Yutaka.

    Segundo o prprio Yutaka me relataria setenta e oito anos depois, a propaganda de estmulo

    migrao para o Brasil atraiu seus pais, que ento empreenderam a viagem, cruzando os

    mares entre os portos de Kobe e Santos a bordo de um navio e fixando-se em Registro-Sp. O

    pretexto era de que viriam para trabalhar nas lavouras de caf por no mnimo dois anos, pois

    esta era uma das principais condies para se obter a permisso (e o incentivo) para emigrar

    do Japo para c 5. A famlia cumpria os critrios de migrar em grupo, mas no pretendia o

    trabalho na terra. Tanto que seis meses aps a chegada ao Brasil, Suejiro j havia se

    estabelecido como o fotgrafo da colnia de Registro, fundando em 1930, ele e sua famlia, o

    Photo Yasunaka.

    5No acordo entre os dois pases, o Brasil pagava as passagens de terceira classe em navios e as despesas daviagem eram custeadas pelo fazendeiro, que depois as descontavam do pagamento aos trabalhadores. Mais emSAKURAI, Clia.Imigrao Japonesa no Brasil: um exemplo de migrao tutelada. In: FAUSTO, Boris (org).

    Fazer a Amrica. So Paulo: Eduscp, 1999. p 201-239. Conto ainda com uma abordagem na perspectiva dasteorias migratrias, ver ASSIS, Glucia de Oliveira; SASAKI, Elisa Massae. Teorias das migraesinternacionais. Gt de Migrao. Caxambu, MG, ABEP: 2000.

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    Shizu e Yutaka, esposa e filho de Suejiro, em frente ao comrcio da famlia. Registro, SP, entre 1930 e 1933.Fonte: Reproduo do acervo de Yutaka Yasunaka em Londrina, PR-2006.

    Na colnia em Iguape-Sp, no ncleo de Registro, iniciou trabalho fotogrfico que serepetiria na colnia de Bastos-Sp. Alm dos servios de estdio e registro de eventos, a

    produo de lbuns comemorativos - cuja narrativa de memria tem em si a aura da

    aventura. A cavalo, portando pesado equipamento fotogrfico a cmera e o trip eram de

    madeira macia e os negativos, chapas de vidro Suejiro percorreu as trilhas das duas

    colnias, oferecendo de casa em casa seu servio de fotgrafo. O trabalho realizado por ele

    entre 1929 e 1938 resultaria na publicao de um lbum em comemorao pelos 20 anos da

    colnia de Iguape, e outro em comemorao pelos 10 anos da Fazenda Bastos, material queanaliso neste artigo.

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    Suejiro Yasunaka nas trilhas da colnia imigrante6. Registro,SP, dcada de 1930.Fonte: Reproduo do acervo de YutakaYasunaka em Londrina, PR-2006.

    Fontes abertas

    Tanto o lbum de Registro-SP (publicado em 1933), como o realizado em Bastos-SP

    (publicado em 1938), demandaram cada um cerca de trs anos de empenho por parte de

    6 Eis uma foto que me olha e, ondulante, leva meu olhar ao horizonte. Etienne Samain traz um escrito quesintetiza meu sentimento com esta fotografia Para Barthes, a fotografia essencialmente uma fuga e a ocasiode uma aventura que somente se tornam possveis, quando a fotografia induz a pensar e torna-se pensativa,quando, ondulante, ondulosa como as ondas do mar, leva nela nosso pensamento e nosso imaginrio. O princpiode aventura me permite fazer a fotografia existir. SAMAIN, Etienne. Um retorno Cmara Clara: RolandBarthes e a Antropologia Visual. In:SAMAIN, Etienne (org.). O fotogrfico. So Paulo: Hucitec/Senac, 2005. p.88. No seria tambm o princpio de aventura que impulsiona o homem a emigrar? Sinto que a atmosfera daaventura perpassa as artes da fotografia e da migrao. Afinal, fotgrafos, aventureiros e migrantes - ambosconfiam em sua prpria fora e sorte no jogo com o acaso. Na aventura (...) apostamos tudo justamente nachance flutuante, no destino e no que impreciso, derrubamos a ponte atrs de ns, adentramos o nevoeiro,como se o caminho devesse nos conduzir sob quaisquer circunstncias. SIMMEL, Georg. A aventura. In:

    SOUZA, Jess e OLZE, Berthold. (orgs.) Simmel e a modernidade. Braslia: UnB, 1998. p. 176. Vejo essaatitude no olhar de Suejiro. Ver tambm SIMMEL, Georg. O estrangeiro. In: MORAES FILHO, Evaristo.Simmel. So Paulo: tica, 1983. Coleo Os grandes cientistas sociais.

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    Suejiro. Foi o filho Yutaka quem guardou as duas grandes obras produzidas pelo pai e que me

    permitiu, em 2005, conhecer os materiais. Neste artigo, que escrevo no ano de 2008, me

    debruarei sobre as fotografias do lbum Comemorativo dos 10 anos da Fazenda Bastos. O

    propsito inicial de abordar o lbum produzido em Iguape, me foi impossibilitado dada a

    razo do material ter sido cedido a organizadores das comemoraes dos cem anos da

    imigrao japonesa, estando indisponvel para consulta.

    Destaco a importncia de narrar a trajetria de Suejiro a partir das memrias de seu

    filho, Yutaka. Qualquer anlise histrica deste lbum seria prejudicada sem o conhecimento

    dos motivos que levaram a sua produo, bem como a ao humana de construo em torno

    do objeto. Infelizmente no pude conversar com o prprio Suejiro, o que permitiria

    cartografar com maior preciso a histria do documento. Ao trazer uma rica anlise sobre o

    uso de fotografias antigas como fonte para a pesquisa histrica, Boris Kossoy nos aponta que

    entre o referente e a representao existe um labirinto cujo mapa se perdeu no passado:

    desapareceu com o prprio desaparecimento fsico do fotgrafo, o criador da representao7.

    Da materialidade do objeto, posso constatar que o lbum tem 214 pginas e foi

    impresso em grfica, sendo monocor (em preto e branco), tendo as pginas internas

    compostas por papel de seda liso e a capa dura com encadernao costurada. Sugerindo uma

    navegao ao modo japons, a leitura do lbum se inicia pelo verso, ou seja, pela contracapa.

    O ttulo da capa lbum comemorativo dos 10 anos da Fazenda Bastos aparece em

    portugus, impresso em relevo dourado, conforme demonstram as imagens a seguir.

    7KOSSOY, Boris. Fotografia e memria: reconstituio por meio da fotografia. In:SAMAIN, Etienne (org.). Ofotogrfico. So Paulo: Hucitec/Senac, 2005. p.45. Temtica tambm discutida em KOSSOY, Boris. Realidadese fices na trama fotogrfica.Cotia, SP: Ateli Editorial, 1999.

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    Detalhes da capa. Fonte: lbum Commemorativo do 10 aniversrio da colonia Bastos, produzido por SuejiroYasunaka. So Paulo: Sociedade Colonizadora do Brasil, 1938.

    As iniciais SCB - Sociedade Colonizadora do Brasil aparecem impressas no cantosuperior esquerdo, tambm com relevo dourado. Mas segundo Yutaka Yasunaka, a SCB no

    foi a nica patrocinadora do material. Os custos da publicao foram rateados entre a SCB e a

    comunidade da colnia de Bastos, que queria se ver representada no lbum comemorativo.

    Podemos destacar ao menos trs personagens envolvidos e interessados diretamente

    na produo do lbum: a SCB, a comunidade de colnia de Bastos-Sp e o prprio fotgrafo.

    Tinham, portanto, expectativas quanto ao resultado do mesmo. O material comemorativo

    firmaria representaes para a posteridade. Famlias, comerciantes, indivduos, posaram para

    Suejiro Yasunaka buscando inscrever, em luz e sombra, a imagem que gostariam de projetar

    de si mesmos para os outros.

    A narrativa construda por Suejiro atravs de fotografias e legendas constitui uma

    fonte aberta a mltiplos discursos em seu entorno. As luzes que lancei sobre ela, buscam

    formar imagens em torno de aspectos da imigrao japonesa no Brasil, enfocando as

    representaes de gnero nas fotografias do lbum. Sobre este lbum muitas outras pesquisas

    podem se realizar, cabendo ao pesquisador definir o recorte. De acordo com Miriam Moreira

    Leite, no a imagem, mas o leitor quem realiza a decomposio e a integrao da

    probemtica da proposio visual, de acordo com seus critrios referenciais e intertextuais.8

    Centrarei minha anlise nas imagens constantes entre as pginas 21 e 213, quando se

    iniciam as fotos da colnia japonesa em Bastos, SP. Analisarei a organizao das imagens no

    lbum e em que contextos homens e mulheres aparecem representados nestas fotografias.

    8

    LEITE, Miriam Moreira. Retratos de famlia: imagem paradigmtica no passado e no presente. SAMAIN,Etienne (org.). O fotogrfico. So Paulo: Hucitec/Senac, 2005. p.63. Mais a respeito em LEITE, MiriamMoreira.Retratos de Famlia: Leitura da fotografia histrica. So Paulo: Edusp, 2000.

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    Excluirei as vistas gerais de ruas e plantaes, tomando apenas os retratos como objeto de

    anlise por neles estarem, homens e mulheres, em primeiro plano.

    Lugares e artigos definidos

    Aps uma fotografia panormica da Vila Bastos, um mapa situando geograficamente

    a colnia e registros das principais estruturas da regio (a estao ferroviria de Rancharia, a

    estrada entre Rancharia e Bastos, o auto nibus, escola, delegacia), cada pgina passa a

    apresentar um estabelecimento comercial ou uma famlia em especial, havendo em mdia

    entre trs e seis fotos em cada pgina. Sobre essas imagens realizei um trabalho de

    quantificao da presena de gnero, organizando em temas de acordo com o contexto e

    ambiente.

    No decorrer do trabalho, localizei sete categorias temticas, definidas de acordo com

    os contextos predominantes das imagens, sendo elas: retratos de famlia; lavoura; retrato-

    destaque; comrcio; rua e lazer; fabril; servio pblico. Em comrcioforam includas as

    fotos de hotis, postos de gasolina, feira de verduras, armazns; em rua e lazer, eventos,

    encontros promovidos por associaes, reunio de jovens, esporte, dana, festa esportiva,

    piscina, cinema; fabril inclui indstrias, fbricas, mquinas de beneficiamento, serraria,

    alfaiataria; servios pblicosincluem o Instituto Agronmico, escolas, hospitais, delegacia e

    a sociedade cooperativa de Bastos.

    Miniaturas de pginas do lbum. Fotos: Suejiro Yasunaka. Fonte: lbum Comemorativo do 10 aniversrio dacolnia Bastos, SP 1938.

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    Entre as 773 imagens analisadas no lbum, em 612 temos a presena tanto de

    homens como de mulheres, destacando-se as fotografias de famlia e as realizadas nas

    lavouras, ou durante o trabalho.

    Nas outras 161 imagens, temos a presena de apenas indivduos do mesmo sexo. Neste

    grupo, a figura masculina aparece em 93,2 % das imagens, presente em 150 destas. Em

    apenas 11 fotografias, ou seja, neste grupo, em apenas 6,8 % das ocasies as mulheres surgem

    sem a companhia dos homens.

    Tabela 1:

    Presena de gnero e contexto nas imagens do lbum

    Gnero Presente

    Contexto / Ambiente Homens e

    Mulheres

    Apenas

    Homens

    Apenas

    Mulheres

    Retrato de Famlia 330 03 -

    Lavoura 212 20 01

    Retrato destaque - 67 05

    Comrcio 28 23 02

    Rua e Lazer 26 07 -

    Fabril 10 18 03

    Servio Pblico 06 12 -

    Total de fotos 612 150 11

    Fonte:contagem realizada sobre o lbum Comemorativo do 10 aniversrio da Fazenda Bastos, produzido pelofotgrafo Suejiro Yasunaka. Foram includas neste clculo as imagens constantes entre as pginas 21 e 213 dolbum, referentes ao trabalho e cotidiano dos colonos japoneses residentes em Bastos, SP. As pginas excludasreferem-se a polticos e personalidades de fora da comunidade imigrante.

    Quando se analisa as fotos em que h a presena de apenas pessoas do mesmo

    gnero, em todas as categorias h mais fotografias relativas a homens do que em relao asmulheres. Nas onze fotografias em que se encontram apenas mulheres, estas surgem

    vinculadas a famlia ou ao trabalho, nos seguintes contextos: Fbrica de Seda, Hotel Central,

    Alfaiataria, Bar e Sorveteria Kazuo Honda, Penso Yoshida, Lavoura e cinco em retrato-

    destaque, como esposas - fotos acompanhadas de retrato do marido em retrato-destaque logo

    ao lado.

    Os dados sugerem que a mulher japonesa migrante deveria aparecer publicamente

    sempre vinculada a famlia ou ao trabalho, pois estas eram as expectativas atribudas ao

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    gnero. Pouco aparece da vontade individual, dos sonhos de cada uma. Aparece apenas a

    fidelidade e a dedicao famlia.9

    Alfaiataria. No canto inferior esquerdo, na equipe de trabalhadores, notar os homensno centro do grupo; no canto superior direito, retrato-destaque do Snr. Toku

    Matsumoto; na foto maior, as mquinas de costura em primeiro plano e as mulheres aofundo. Fonte: lbum Comemorativo do 10 Aniv. da Fazenda Bastos -1938.

    9SAKURAI, Clia.Romanceiro da imigrao japonesa. p. 94

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    Modo de composio de uma das pginas, Hotel Central. Foto: Suejiro Yasunaka.Fonte: lbum Comemorativo do 10 Aniversrio da Fazenda Bastos -1938.

    Em Romanceiro da Imigrao Japonesa, Clia Sakurai realiza uma interessante

    anlise das representaes de imigrante japons a partir de romances escritos poca dos

    primeiros anos da colonizao. Apesar de escritos por mulheres, os romances tm como

    trao caracterstico dar pouca voz para essas personagens femininas. A famlia, vista pela

    mulher, o ponto central da narrativa, no a mulher como indivduo.10

    A anlise do conjunto de fotografias do lbum permite visualizar com muita

    proximidade a afirmao de Clia Sakurai. Das 623 fotos em que as mulheres aparecem,

    acompanhadas ou no por homens, 330 delas (53%) se referem a fotos de famlia.

    A figura pouco falante e sempre atarefada, s vezes at apagada da mulher, o eixoque une o homem e os filhos. A me participa do trabalho na lavoura junto com omarido e filhos, cuida dos afazeres domsticos, tem inteira responsabilidade pelacriao dos filhos. 11

    O grfico A, Contextos da presena feminina, permite perceber que do total das

    fotos em que as mulheres aparecem, acompanhadas ou no por outros homens, justamente

    10SAKURAI, Clia.Romanceiro da imigrao japonesa. p.511SAKURAI, Clia.Romanceiro da imigrao japonesa. p.28

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    A presena de japonesas e japoneses imigrantesnas imagens do lbum do 10 aniversrio dacolnia de Bastos So Paulo (1938)Daniel Choma

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    entre a famlia e a lavoura que a mulher se divide. Estes seriam os dois espaos sociais em

    que a presena feminina poderia atuar e deixar-se representar numa fotografia, no contexto

    daquela comunidade japonesa imigrante do final dos anos 1930.

    Grfico I

    Contextos da presena feminina*

    Servio

    Pblico1%

    Fabril2%

    Rua e

    Lazer

    4,2%

    Comrcio4,8%Lavoura

    34,2%

    Retrato-

    Destaque0,8%

    Retrato de

    Famlia53%

    * Contextos em que as mulheres aparecem, acompanhadas ou no por homens, em um total de623 fotografias. Fonte: contagem realizada sobre o lbum Commemorativo do 10

    aniversrio da Fazenda Bastos, produzido pelo fotgrafo Suejiro Yasunaka - pginas 21 a 213.

    Detalhe da pgina Hotel Central, em que a fotografia da famlia ocupa a posio central.Fonte: lbum Comemorativo do 10 Aniversrio da Fazenda Bastos -1938.

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    A diviso entre categorias apontam uma predominncia de retratos de famlia, seguido

    das imagens realizadas na lavoura. O comrcio, que particularmente interessava aos

    imigrantes japoneses na busca pela ascenso social, aparece em seguida, mas com uma

    pequena participao.

    Grfico II:

    Contextos mais freqentes no total das

    imagens

    Servio

    Pblico

    2,3%

    Fabril

    4%

    Rua e

    Lazer4,3%

    Comrcio

    6,9%

    Lavoura

    30,1%

    Retrato-Destaque

    9,3%

    Retrato de Famlia

    43,1%

    * 100% = 773 fotografias. Fonte: lbum Commemorativo do 10 aniversrio daFazenda Bastos, produzido pelo fotgrafo Suejiro Yasunaka - pginas 21 a 213.

    O fato de haverem muitas imagens em que o contexto agricultura, explica-se mais

    pela necessidade do que por uma suposta vocao dos japoneses pelo trabalho no campo.

    Segundo Clia Sakurai, pode-se afirmar que grande parte dos imigrantes japoneses voltou-se

    para a agricultura aqui no Brasil, dadas as circunstncias que encontraram, no por opo. Os

    outros vieram ao Brasil sem nenhuma experincia anterior de trabalho agrcola.12

    Em 1928, quando no Brasil continuava-se a varrer sertes imaginrios e o caf era o

    principal produto de exportao, no Japo Suejiro Yasunaka j trabalhava com fotografia,

    uma atividade ligada principalmente ao modo de vida urbano. A origem urbana dos

    12SAKURAI, Clia.Romanceiro da imigrao japonesa. p.65

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    imigrantes retratados nos romances, confirmada pelos dados oficiais, modifica a viso do

    senso comum de que os japoneses so uma etnia de agricultores.13

    Para tirar a foto, a famlia reuniu-se na lavoura. Ao fundo, rea recm desmatada. Imagem constante no cantoinferior esquerdo da pgina Hotel Central. Foto: Suejiro Yasunaka. lbum Comemorativo do 10 Aniversrioda Fazenda Bastos - 1938.

    No difcil imaginar a dificuldade enfrentada por jovens da classe mdia urbana

    japonesa no contato com as condies de trabalho e higiene nos sertes brasileiros que

    ajudavam a desmatar. Em 1938, enquanto o Japo se cercava de educao, indstrias,

    nacionalismo e militarizao crescente, era a mata, a roa e a ona quem rondavam seus

    imigrantes em terras brasileiras. Vale lembrar que a regio sudeste do Estado de So Paulo,

    onde se situa Bastos, uma regio cercada de Mata Atlntica, ecossistema exuberante que

    abriga metade da biodiversidade de fauna e flora do planeta.

    A imagem do cortetalvez seja a que melhor representa a experincia de cruzamento

    das fronteiras e contato com o novo meio, principalmente para a primeira gerao de

    imigrantes. Corte abrupto, no instante decisivo, como o movimento do obturador da cmera

    fotogrfica que guilhotina o tempo e o espao, transformando-os em memria realidade

    qual no se pode retornar e que s existe nela mesma.

    A imigrao representa um profundo corte, com vrios desdobramentos no planomaterial e no plano do imaginrio. O corte no sinnimo de apagamento de umafase passada, na vida individual, familiar ou de grupo, integrando-se pelo contrrioao presente, com muita fora.14

    Entre o ato migratrio e o ato fotogrfico, entre estes dois modos de aventura e de

    exerccio de alteridade, uma atitude de ruptura exigida em comum. Para o fotgrafo, h

    13

    SAKURAI, Clia.Romanceiro da imigrao japonesa. p.6514FAUSTO, Boris.Imigrao: cortes e continuidades. In: Schwarcz, Lilian M. (org.). A histria da vida privadano Brasil. Contrastes da intimidade contempornea. So Paulo: Cia das Letras, 1998, volume 4. p. 14

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    apenas uma opo a fazer, opo nica, global e que irremedivel. Pois uma vez dado o

    golpe (o corte), tudo est dito, inscrito, fixado.15Uma vez cruzada a fronteira, est feito o

    gesto radical, uma barreira se quebra.

    Ao imigrante, ar, gua, cu e terra, tudo lhe estranho. Em carne viva sente, no

    contato direto com a diferena, o novo ambiente que envolve e abarca seus sentidos. Seu

    valores culturais oscilam entre o passado que deixou para trs, que est sendo reconstrudo

    no prdio da memria, e o presente que o invade pelos olhos, ouvidos, boca, pele e nervos. 16

    Pode-se dizer que os imigrantes japoneses aceitaram o desafio de escrever uma nova

    histria em pas distante, apesar de todas as dificuldades. A base de valores que trouxeram do

    outro lado do mundo - a resignao como sinal de virtude e a educao como principal

    investimento familiar contribuiu para a mobilidade social em terras brasileiras.

    O confucionismo, no qual este princpio baseado, ensina que o homem deve ir embusca da harmonia (wa), entendida como a harmonia entre homem e universo. Aaceitao daquilo que o destino coloca nas mos do indivduo uma das virtudesque conduz o homem harmonia. Supe que cada um deve conhecer o seu lugarno universo.17

    As fotos do lbum sugerem que as mulheres japonesas imigrantes de fato conheciam

    o seu lugar, e este era propriamente o lugar da famlia, ao lado do marido e dos filhos, ou no

    trabalho. De qualquer modo, sempre discretas, fora de evidncia, silenciosas.

    15 DUBOIS, Philippe. O ato fotogrfico e outros ensaios. Traduo Marina Appenzeller Campinas, SP:Papirus, 1994. p. 161.16

    ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A singularidade: uma construo nos andaimes pingentes dateoria histrica.p. 248.17SAKURAI, Clia.Romanceiro da imigrao japonesa. p. 52

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    Mulheres funcionrias da fbrica de seda. Foto: SuejiroYasunaka. Fonte: lbum Comemorativo do 10 Aniversrio daFazenda Bastos. Bastos, SP - 1938.

    Em uma das apenas 11 imagens em que esto presentes somente mulheres (de um

    universo total de 773 fotografias), e que tem por legenda Fabrica de seda, as mulheres

    aparecem ao longe, pequenas, o que impossibilita at mesmo a diferenciao de seus rostos.Trata-se mais de uma vista geral da fbrica de seda, que de um retrato das mulheres

    trabalhadoras da fbrica de seda. Percebe-se que o fotgrafo no se aproximou delas para

    realizar a tomada.

    Em outra imagem da mesma pgina, esquerda, entitulada Criao do bicho, os

    homens trabalhadores aparecem nitidamente, num plano muito mais prximo, possibilitando

    identificar os atores e detalhes da atividade.

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    esquerda, pgina completa; direita, detalhe da pgina, com a legenda Criao do bicho. Fonte: lbumComemorativo do 10 Aniversrio da Fazenda Bastos. Bastos, SP - 1938.

    Na pgina inteira, se visualizam seis imagens. Uma foto-destaque do administrador

    da fabrica de seda, Sr.Hidejiro Yoshiura, no centro e no alto, acompanhada de quatro

    fotos do processo de produo da seda. Ao centro, uma inusitada foto a que se segue a

    legenda Dana Japonesa, o nico registro do lbum com essa temtica. A foto do canto

    esquerdo inferior tambm merece destaque. A imagem, construda com simetria, traz um

    conjunto de mulheres que, alinhadas em paralelo, formam uma perspectiva que conduz o

    olhar ao conjunto de homens que est ao centro. Mulheres ao lado, homens ao centro, e o

    relgio acima de todos.

    Fbrica de Seda. Como se v, as japonesas imigrantes notrabalhavam apenas na casa e na lavoura. Foto: Suejiro YasunakaFonte: lbum Comemorativo do 10 aniv. da Faz. Bastos - 1938.

    Outra imagem que me sugere o lugar social destinado s mulheres japonesas na

    dcada de 1930 numa colnia de imigrantes, a foto que aparece no canto superior direito da

    pgina do Hotel Central. Uma das tais onze imagens em que esto presentes somente

    mulheres.

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    A presena feminina na intimidade da casa.Hotel Central. Foto:Suejiro Yasunaka. Fonte: lbum Comemorativo do 10 aniversrioda Colnia Bastos - 1938.

    Na foto as mulheres aparecem, por acaso, no fundo do corredor, de onde uma forte

    luz refletida. Elas olham para as lentes do fotgrafo, intrigadas, talvez para ver o que afinal

    fazia aquele homem com aquela cmera. Elas bem sabiam que ele no estava ali a fotograf-

    las, mas a fotografar as instalaes do hotel. Silenciosas e reservadas, presentes na intimidade

    de um corredor que leva aos quartos da casa, trabalhando nos bastidores da famlia: eis os

    lugares determinados quelas mulheres e que elas conheciam to bem.

    Os objetos orientais que compem o cenrio e que podem ser identificados - um

    abajur e uma cermica com o formato de um pequeno elefante nos fazem retomar a idia da

    migrao como corte, trabalhada com primor por Boris Fausto:

    J assentado no Brasil, o imigrantebusca amenizar o corte materializando,de vrias formas, a lembrana da terraque deixou. Desse modo, o arranjo desua casa tem caractersticas prprias,evidenciadas nos chamados objetosbiogrficos. Um retrato emoldurado detoda a famlia, tirado geralmente poucoantes da partida, uma imagem religiosa,baixelas, tapetes, uma caixa demadreprola, ou simples talheres, so

    expostos como fragmentos de ummundo a que se desja voltar mas que se

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    suspeita jamais ser possvel rever ou,talvez pior, ao rev-lo, no maisreconhecer seus traos originais.18

    bum Comemorativo do 10 aniversrio da Colnia Bastos permite

    lanar q

    e

    recm chegada ao

    Estas fo

    no se repetir ja

    inda hoje nos espreitam do fundo das imagens, a nos lembrar da fluidez de todas as coisas.

    lizao das pginas e

    tratamen

    ntes ao processo de produo fotogrfica, o

    modo co

    Consideraes Finais

    A anlise do l

    uestes sobre representaes de gnero e de imigrante na colnia japonesa de Bastos

    na dcada de 1930. Como toda fonte imagtica, trata-se de uma fonte em aberto, a partir da

    qual mltiplos olhares e recortes percebero novas informaes a respeito da comunidad

    Brasil.

    tografias conservam os vestgios de um passado humano irreversvel, que

    mais. Homens e mulheres passando por espaos, pelo tempo, pela vida, e que

    a

    A vida, no entanto, continua e a fotografia segue preservando aquele fragmento congeladoda realidade. Os personagens retratados envelhecem e morrem, os cenrios se modificam,se transfiguram e tambm desaparecem. O mesmo ocorre com os autores-fotgrafos e seusequipamentos. De todo o processo, somente a fotografia sobrevive, algumas vezes em seusartefato original, outras vezes apenas o registro visual reproduzido. 19

    A preservao deste lbum aps 70 anos de sua publicao um ato louvvel da

    parte de Yutaka Yasunaka. O material carece de um trabalho aprofundado de restauro e

    pesquisa: traduo de textos em japons, anlise de discursos, digita

    to das imagens - pois apesar de sua durao o material frgil, a capa est cedendo,

    pginas esto rasgadas e amareladas. Localizar as fotografias originais, em negativo ou

    ampliadas em papel, tambm seria um grande avano para a preservao deste patrimnio da

    histria da imigrao japonesa no brasil, as fotos de Suejiro Yasunaka.

    No se pode deixar de considerar que Suejiro Yasunaka era um homem do seu

    tempo, portanto sua postura enquanto fotgrafo tambm esteve determinada pelos atributos de

    gnero da poca. As mltiplas escolhas inere

    mo estruturou a montagem das pginas e a organizao de fotos e textos, enfim, um

    olhar masculino est posto na construo das narrativas visuais ali presentes. Alm do

    18FAUSTO, Boris.Imigrao: cortes e continuidades. p. 1819KOSSOY, Boris. Fotografia & Histria. So Paulo: Ateli Editorial, 2001. p.156.

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    tempo as mulheres no foram vistas como sujeitos nos processos

    migratr

    outras etnias, as relaes familiares tiveram um peso

    muito im

    trilhas abertas a cada gnero como opo de vida no

    decorrer dos anos em terras brasileiras.

    Pela an

    o potencial da fot

    gnero. No dese

    ntre os imigrantes japoneses, m agens do lbum e da

    descri

    imento. A

    experin

    possvel, imaginemos: em que se diferenciaria o mesmo lbum comemorativo caso este fosse

    produzido por uma mulher fotgrafa japonesa?

    Durante muito

    ios. Mas ao lado de Suejiro, por todo o tempo esteve Shizu, sua esposa. Que cuidava

    da casa enquanto ele percorria as trilhas da colnia japonesa empreendendo a aventura

    fotogrfica sobre seu cavalo. Foi quem cuidou dos filhos enquanto ele passou nove meses no

    japo realizando a impresso do primeiro lbum, produzido na colnia de Registro. Foi a

    mediadora cultural na reunificao familiar, a ponte no dilogo entre o pai e os filhos, que por

    meses pouco se viam.

    A exemplo do que ocorreu em

    portante para a migrao feminina japonesa. Os japoneses e japonesas que aqui

    chegaram trouxeram em sua bagagem cultural hbitos e valores de seu pas de origem, e os

    atributos de gnero definiram as chances de homens e mulheres na realizao de seu projeto

    migratrio. A diviso entre os universos masculino (o mundo da rua) e feminino (o mundo da

    casa), determinou sensivelmente as

    lise quantitativa de um conjunto de 773 imagens do lbum, pode-se verificar

    ografia como fonte histrica e, dado o recorte, trazer luz representaes de

    jei aqui pretender afirmaes generalizantes e definitivas sobre as relaes

    as tangenciar aspectos a partir das ime

    o de outros autores, afinal,

    Este ser que procura a construo de um futuro melhor, que sonha sonhos felizesde cidade, um ser do devir, um ser em devir, um ser que se constripermanentemente; que, portanto, no pode ser paralisado, congelado emesteretipos preconceituosos, que o buscam capturar e reduzir; que buscam domar

    sua diferena. Deve-se procurar explodir os esteretipos, buscando reconstruir oslugares onde se criam, onde se produzem e se reproduzem. 20

    Pois preciso lembrar que a histria continuou e continua em mov

    cia de alguns destes imigrantes de Bastos j foi encerrada, mas para outros a vida

    ainda pulsa. Tanto elas como eles, que aqui so tidos como japoneses e no japo como

    brasileiros, foram inevitavelmente impregnados pelo ar dos trpicos, o mesmo ar que

    impregna a mim e a voc. Neste espao e no tempo, envelhecemos dia a dia, reinventando-nos

    20ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A singularidade: uma construo nos andaimes pingentes dateoria histrica. p. 253

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    as falas de

    idosos japoneses imigrantes frente a essas imagens da colnia de Bastos? Que aspectos mais

    lhe tocam? Que lembranas as imagens despertam? Que outras narrativas migratrias

    podemos traar ou evocar a partir do trabalho realizado por Suejiro Yasunaka? As perguntas

    eres a passar por ele, a mover-se

    no mundo, no giro que no cessa. E os seres humanos continuam a precisar dos feixes de luz

    da fotografia para reter e cristalizar os instantes de seu contnuo migrar pela vida.

    Artigo recebido em 15/12/2008 e aprovado em 01/03/2009.

    a cada instante, na velocidade de um clique de pensamento. Selecionando memrias e

    imaginando razes que nos dem sustentao em nosso navegar de ilhas flutuantes.

    Muitos valores mudaram com o tempo, e, portanto, novas pesquisas se fazem

    necessrias sobre as imagens que analisei. Como os nikkeis da atualidade percebem as

    representaes de gnero ali expressas? Que memria se conserva e se projeta n

    esto postas. O tempo continua a passar e os homens e mulh