a praxeologia de mises

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  A praxeologia de Mises “Estatística e história são inúteis na economia a menos que acompanhadas por um entendimento dedutivo básico dos fatos.”  (Henry Hazlitt) Um dos maiores economistas de todos os tempos foi, sem dúvida, Ludwig Von Mises. Sua contribuição teórica foi fantástica, e seu clássico de quase mil páginas, Human Action, é inquestionavelmente uma das obras-primas em economia. Mises revolucionou a ciência econômica com seu foco na praxeologia, ou a teoria geral da ação humana. A seguir, pretendo fazer um breve resumo do que isso significa.  Antes, porém, é importante frisar que o próprio Mises reconhece não existir uma teoria econômica perfeita. Não existe perfeição quando se trata do conhecimento humano. A onisciência é negada aos humanos. A ciência não garante uma certeza final e absoluta. Ela fornece bases sólidas dentro dos limites de nossas habilidades mentais, mas a busca pelo conhecimento é um progresso contínuo e infinito. Dito isto, podemos avançar um pouco na praxeologia de Mises. O homem é um ser de ação, que escolhe, determina e tenta alcançar uma finalidade. A ação humana significa o emprego de meios para a obtenção de certos fins. Sempre que as condições para a interferência humana estiverem presentes, o homem estará agindo, pois a inação, neste caso, também é uma escolha. Agir não é somente fazer algo, mas também se omitir quando algo era possível de ser feito. A ação pressupõe desconfor to, a tentativa de migrar de uma situação menos satisfatória para outra mais satisfatória, segundo uma avaliação subjetiva do agente. Com isso em mente, podemos passar à importante distinção que Mises faz entre os dois grandes campos das ciências da ação humana: a praxeologia e a história. A história, segundo Mises, é uma coleção e arranjo sistemático de todos os dados de experiências que dizem respeito à ação humana. O foco é o passado, e ela não pode nos ensinar aquilo que seria válido para todas as ações humanas, ou seja, para o futuro também. Não há um laboratório para experimentos da ação humana. A experiência histórica é uma coletânea de fenômenos complexos, e não nos fornece fatos no mesmo sentido em que a ciência natural faz. A informação contida na experiência histórica não pode, conforme diz Mises, ser usada para a construção de teorias e previsões do futuro. Todos os atos históricos estão sujeitos a várias interpretações diferentes. Portanto, Mises afirma que não há meios de se estabelecer uma teoria a posteriori da conduta humana e dos eventos sociais. Faz-se necessário o uso de uma teoria previamente desenvolvida que explique e interprete os fenômenos históricos. As interpretações das experiências não devem ficar sujeitas às explicações arbitrárias. Eis a relevância da praxeologia, uma ciência teórica, e não histórica. Suas proposições não são derivadas da experiência, mas, como ocorre na matemática, são obtidas a priori , com base em axiomas. Axiomas são auto-evidências perceptuais. Segundo  Ayn Rand, “um axioma é uma proposição que derrota seus oponentes pelo fato de que eles têm de aceitá-la no processo de tentar negá-l a”. Um exemplo clássico seria tentar negar a existência da consciência, sendo que é preciso aceitá-la para tanto. As proposições obtidas a priori não são afirmações sujeitas à verificação ou falsificação no campo da experiência, mas sim logicamente necessárias para a compreensã o dos fatos históricos. Sem esta lógica teórica, o curso dos eventos não passaria de algo caótico, sem sentido.

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  • A praxeologia de Mises

    Estatstica e histria so inteis na economia a menos

    que acompanhadas por um entendimento dedutivo

    bsico dos fatos. (Henry Hazlitt)

    Um dos maiores economistas de todos os tempos foi,

    sem dvida, Ludwig Von Mises. Sua contribuio

    terica foi fantstica, e seu clssico de quase mil

    pginas, Human Action, inquestionavelmente uma

    das obras-primas em economia. Mises revolucionou a

    cincia econmica com seu foco na praxeologia, ou a

    teoria geral da ao humana. A seguir, pretendo fazer

    um breve resumo do que isso significa.

    Antes, porm, importante frisar que o prprio Mises

    reconhece no existir uma teoria econmica perfeita.

    No existe perfeio quando se trata do conhecimento

    humano. A oniscincia negada aos humanos. A cincia no garante uma certeza final e

    absoluta. Ela fornece bases slidas dentro dos limites de nossas habilidades mentais, mas

    a busca pelo conhecimento um progresso contnuo e infinito.

    Dito isto, podemos avanar um pouco na praxeologia de Mises. O homem um ser de ao,

    que escolhe, determina e tenta alcanar uma finalidade. A ao humana significa o emprego

    de meios para a obteno de certos fins. Sempre que as condies para a interferncia

    humana estiverem presentes, o homem estar agindo, pois a inao, neste caso, tambm

    uma escolha. Agir no somente fazer algo, mas tambm se omitir quando algo era

    possvel de ser feito. A ao pressupe desconforto, a tentativa de migrar de uma situao

    menos satisfatria para outra mais satisfatria, segundo uma avaliao subjetiva do agente.

    Com isso em mente, podemos passar importante distino que Mises faz entre os dois

    grandes campos das cincias da ao humana: a praxeologia e a histria. A histria,

    segundo Mises, uma coleo e arranjo sistemtico de todos os dados de experincias que

    dizem respeito ao humana. O foco o passado, e ela no pode nos ensinar aquilo que

    seria vlido para todas as aes humanas, ou seja, para o futuro tambm.

    No h um laboratrio para experimentos da ao humana. A experincia histrica uma

    coletnea de fenmenos complexos, e no nos fornece fatos no mesmo sentido em que a

    cincia natural faz. A informao contida na experincia histrica no pode, conforme diz

    Mises, ser usada para a construo de teorias e previses do futuro. Todos os atos histricos

    esto sujeitos a vrias interpretaes diferentes. Portanto, Mises afirma que no h meios

    de se estabelecer uma teoria a posteriori da conduta humana e dos eventos sociais.

    Faz-se necessrio o uso de uma teoria previamente desenvolvida que explique e interprete

    os fenmenos histricos. As interpretaes das experincias no devem ficar sujeitas s

    explicaes arbitrrias. Eis a relevncia da praxeologia, uma cincia terica, e no histrica.

    Suas proposies no so derivadas da experincia, mas, como ocorre na matemtica, so

    obtidas a priori, com base em axiomas. Axiomas so auto-evidncias perceptuais. Segundo

    Ayn Rand, um axioma uma proposio que derrota seus oponentes pelo fato de que eles

    tm de aceit-la no processo de tentar neg-la.

    Um exemplo clssico seria tentar negar a existncia da conscincia, sendo que preciso

    aceit-la para tanto. As proposies obtidas a priori no so afirmaes sujeitas verificao

    ou falsificao no campo da experincia, mas sim logicamente necessrias para a

    compreenso dos fatos histricos. Sem esta lgica terica, o curso dos eventos no passaria

    de algo catico, sem sentido.

  • Essa lgica apriorstica no lida com o problema de como a conscincia ou a razo surgiram

    nos homens atravs da evoluo. Ela lida com o carter essencial e necessrio da estrutura

    lgica da mente humana. A mente dos homens no uma tabula rasa onde eventos

    externos escrevem a prpria histria. Ela est equipada com ferramentas que permitem a

    percepo da realidade. Tais ferramentas foram adquiridas no decorrer da evoluo de

    nossa espcie. Mas, segundo Mises, elas so logicamente anteriores a qualquer

    experincia. A idia de que A pode ser ao mesmo tempo no-A seria simplesmente

    inconcebvel e absurda para uma mente humana, assim como seria igualmente ilgico

    preferir A a B ao mesmo tempo que B a A. A lgica no permite tais contradies.

    Para Mises, no h como compreender a realidade da ao humana sem uma teoria, uma

    cincia apriorstica da ao humana. O ponto de partida da praxeologia no a escolha de

    axiomas e uma deciso sobre os mtodos de procedimento, mas uma reflexo sobre a

    essncia da ao. Os mtodos das cincias naturais, portanto, no so apropriados para o

    estudo da praxeologia, economia e histria. A verdade que a experincia de um fenmeno

    complexo como a ao humana pode sempre ser interpretada por vrias teorias distintas.

    Se esta interpretao pode ser considerada satisfatria ou no, depende da apreciao da

    teoria em questo, estabelecida anteriormente atravs do processo racional aprioristico. A

    histria em si no pode nos ensinar uma regra geral, um princpio geral. No h como extrair

    da histria uma teoria posterior ou um teorema sobre a conduta humana. Mises acredita que

    os dados histricos seriam apenas o acmulo de ocorrncias desconexas e confusas se no

    pudessem ser arranjados e interpretados pelo conhecimento praxeolgico.

    Tal teoria ter profundos impactos no estudo da economia. Murray Rothbard, discpulo de

    Mises, conclui, por exemplo, que as estatsticas sozinhas no podem provar nada, pois

    refletem a operao de inmeras foras causais. Para ele, o nico teste de uma teoria so

    os acertos das premissas e uma cadeia lgica de raciocnio. Como dizia Roberto Campos,

    as estatsticas so como o biquni: o que revelam interessante, mas o que ocultam

    essencial. A estatstica pode ser a arte de torturar os nmeros at que eles confessem o

    que se deseja. Sem uma teoria lgica decente, pode-se confundir muitas vezes a correlao

    com a causalidade.

    Um observador poderia concluir que mdicos causam doenas, pois onde h mais doenas

    costuma haver mais mdicos. Nas questes da ao humana, os problemas so ainda

    maiores. Pelo grau de complexidade dos eventos sociais e econmicos, muitas concluses

    erradas podem surgir pela falta de capacidade de uma compreenso lgica da ligao entre

    os fatos. Uma medida econmica hoje pode surtir efeito somente em meses, e fica

    praticamente impossvel compreender o fenmeno sem uma base terica apriorstica.

    As estatsticas e a histria podem ser excelentes ferramentas de auxlio nas anlises

    econmicas, mas jamais iro substituir a necessidade da lgica terica. Eis a crucial

    importncia da praxeologia, que o brilhante Mises estudou a fundo. preciso entender a

    ao humana atravs de sua lgica, no pela simples observao dos fatos passados.

    Texto presente em Uma luz na escurido, minha coletnea de resenhas de 2008.