a possibilidade de locaÇÃo de aÇÕes e quotas como inovaÇÃo...

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A POSSIBILIDADE DE LOCAÇÃO DE AÇÕES E QUOTAS COMO INOVAÇÃO ESTRATÉGICA TOMÁS LIMA DE CARVALHO RESUMO: O Direito, por ser dinâmico, deve ser utilizado de tal maneira que possa alcançar respostas rápidas e eficientes às necessidades que surgirem. Mas não deve ser visto tão somente como fonte para a solução e prevenção de conflitos, sequer, em apego excessivo ao contexto legislativo ou às teses doutrinárias e jurisprudenciais já existentes. Ao contrário, o Direito deve ser utilizado, também, como um instrumento de estruturação de objetivos, uma ferramenta capaz de criar soluções estratégicas e inovadoras, diferentes do contexto já existente e capaz de saciar os anseios do mundo pós-moderno, o qual vive em constante mudança e crescimento. No âmbito do Direito Privado, em virtude do caráter dinâmico dos contratos, a aplicação destes em face de regras e institutos próprios do direito societário poderia gerar estratégias inovadoras mais atinentes às necessidades e peculiaridades dos investidores, acionistas e das organizações empresariais. A locação de quotas e ações traz reflexos inovadores dentro do contexto dos planejamentos e das estratégias jurídicas. PALAVRAS-CHAVE: Inovação Estratégica do Direito; Direito Societário; Ações e Quotas; Direito Contratual; Contrato de Locação; Locação de Ações e Quotas. SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 A Importância da Inovação no Direito – 3 Natureza Jurídica das Ações e Quotas – 3.1 O Capital Social e a sua Subdivisão – 3.2 A Natureza Jurídica das Quotas de Sociedade Limitada – 3.3 A Natureza Jurídica das Ações de Sociedade Anônima – 4 O Contrato de Locação – 5 A Possibilidade de Locação de Ações e Quotas como Inovação Estratégica – 6 Conclusão – 7 Referências Bibliográficas. 1 INTRODUÇÃO O direito, visto como um viés dinâmico, em constante mudança, atualização, renovação, implica premente necessidade de os seus operadores fugirem do apego excessivo

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A POSSIBILIDADE DE LOCAÇÃO DE AÇÕES E QUOTAS COMO

INOVAÇÃO ESTRATÉGICA

TOMÁS LIMA DE CARVALHO

RESUMO: O Direito, por ser dinâmico, deve ser utilizado de tal maneira que possa

alcançar respostas rápidas e eficientes às necessidades que surgirem. Mas não deve ser visto

tão somente como fonte para a solução e prevenção de conflitos, sequer, em apego excessivo

ao contexto legislativo ou às teses doutrinárias e jurisprudenciais já existentes. Ao contrário, o

Direito deve ser utilizado, também, como um instrumento de estruturação de objetivos, uma

ferramenta capaz de criar soluções estratégicas e inovadoras, diferentes do contexto já

existente e capaz de saciar os anseios do mundo pós-moderno, o qual vive em constante

mudança e crescimento. No âmbito do Direito Privado, em virtude do caráter dinâmico dos

contratos, a aplicação destes em face de regras e institutos próprios do direito societário

poderia gerar estratégias inovadoras mais atinentes às necessidades e peculiaridades dos

investidores, acionistas e das organizações empresariais. A locação de quotas e ações traz

reflexos inovadores dentro do contexto dos planejamentos e das estratégias jurídicas.

PALAVRAS-CHAVE: Inovação Estratégica do Direito; Direito Societário; Ações e

Quotas; Direito Contratual; Contrato de Locação; Locação de Ações e Quotas.

SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 A Importância da Inovação no Direito – 3 Natureza

Jurídica das Ações e Quotas – 3.1 O Capital Social e a sua Subdivisão – 3.2 A Natureza

Jurídica das Quotas de Sociedade Limitada – 3.3 A Natureza Jurídica das Ações de Sociedade

Anônima – 4 O Contrato de Locação – 5 A Possibilidade de Locação de Ações e Quotas

como Inovação Estratégica – 6 Conclusão – 7 Referências Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

O direito, visto como um viés dinâmico, em constante mudança, atualização,

renovação, implica premente necessidade de os seus operadores fugirem do apego excessivo

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ao contexto legislativo que é dado, bem como às teses doutrinárias e jurisprudenciais

passadas.

A adoção de uma postura inovadora pelos cientistas do direito tem o condão de abrir

um horizonte de possibilidades, relacionadas à criação de novas vertentes, de novas

estratégias, de mecanismos para solucionar ou produzir novos caminhos, além de diferenciar a

atuação profissional em relação aos seus concorrentes e trazer soluções diferenciadas e

melhor adequadas aos anseios que lhes são propostos.

Nesse contexto, o presente artigo vislumbra dar uma maior importância ao tema da

inovação estratégica do direito, tratando de introduzir esta idéia junto ao Direito Societário no

sentido de utilização de mecanismos do Direito Contratual como solução estratégica e

inovadora para ampliar possibilidades de estruturação dos objetivos das pessoas.

Para tanto, passa-se, a abordar, brevemente no segundo capítulo, acerca da

importância da inovação estratégica do direito, a fim de se superar paradigmas antigos,

atinando-se para o contexto pós-moderno e o caráter dinâmico do direito, em constante

atualização. Pretende-se, assim, incentivar a inovação, deixando-se de lado a construção

acadêmica no sentido de tratar sobre temas que já são tratados; falar de questões já muito

debatidas; propor soluções e caminhos já conhecidos, tratados expressamente em lei ou já

delineados a contento pela jurisprudência.

Partindo-se desta premissa, passa-se ao foco da aplicação de questões de Direito

Contratual junto ao Direito Societário, na determinação de interseção de ideias e conceitos

inovadores. Desta maneira, no terceiro capítulo, faz-se uma abordagem acerca do capital

social das sociedades, em especial, no que se refere à natureza jurídica das quotas de

Sociedade Limitada e ações de Sociedade Anônima, de cuja posição a ser encontrada

decorrem inúmeros reflexos.

No quarto capítulo, após analisada a natureza jurídica das quotas e ações, pretende-se

fazer uma pequena abordagem pormenorizada acerca dos Contratos de Locação, em especial,

no que concerne às regras que envolvem tal instrumento e a questão atinente ao seu objeto.

Após as análises preliminares acima, passa-se, no quinto capítulo, a demonstrar a

possibilidade de locação de quotas e ações, bem como a explorar a sua utilização como

inovação estratégica, tangendo brevemente acerca das possibilidades e cabimentos

decorrentes de tal utilização para as Companhias abertas e fechadas, bem como para as

Sociedades Limitadas.

Espera-se que o presente trabalho possa contribuir para a compreensão da

importância da inovação estratégica no Direito e a possibilidade de intercomunicação de

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institutos de diversos ramos do direito, com vistas ao alcance de soluções novas e modernas,

ou mesmo, ampliação do campo de possibilidades, a exemplo da intercomunicação entre o

Direito Societário e o Direito Contratual, no âmbito do Direito Privado. Isso se mostra

fundamental, como sendo um primeiro passo para a construção de um sistema jurídico

dinâmico e mais adequado à hipercomplexidade da sociedade atual.

2 A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO NO DIREITO

O Direito, que pode ser visto pelo viés sociológico como forma de apaziguamento e

inserção social, possui uma série de princípios e regras com vistas à regulamentação da vida

em sociedade, com o fim precípuo de “preservar a unidade de ordem da sociedade segundo

os imperativos dos valores do justo”1. Assim, competem aos advogados e demais operadores

do direito, diante do vasto campo legislativo que possuem à sua disposição, inferindo-se na

atual hipercomplexidade do sistema jurídico, buscar a melhor interpretação da lei, orientando

e defendendo a correta aplicação ao caso concreto, conforme seus respectivos entendimentos

e observando, inclusive reflexivamente, os próprios princípios jurídicos do discurso dialético.

Acerca do papel exercido pelo Direito, Frederico Andrade Gabrich2 preleciona com

precisão que “a ciência do Direito, como determinadora da Justiça, visa estabelecer critérios

teóricos e práticos para a solução e para a prevenção de conflitos, que determinam a paz na

sociedade, que, por sua vez, é um dos mais importantes instrumentos da felicidade”.

Todavia, considerando que todos têm à sua disposição o mesmo campo legislativo e

o mesmo acesso às informações relacionadas ao direito, especialmente no contexto do mundo

globalizado, em que a Internet facilita, em muito, o acesso às informações, ter-se-ia, em

princípio, um verdadeiro “oceano vermelho”3, em que todos os operadores se encontram

inseridos, “nadando uns contra os outros”. Por óbvio, se mostra de estrema dificuldade

destacar a atuação de determinado operador neste contexto jurídico; ou mesmo, de se criarem

diretrizes diferenciadas, novas vertentes ou novos caminhos. 1 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 332. 2 GABRICH, Frederico de Andrade. A Inconstitucionalidade do Artigo 2.031 do Código Civil. Revista Forense Eletrônica, v. 374, p. 578-590, 2004. 3 Alusão à obra “A Estratégia do Oceano Azul” dos autores Kim e Mauborgne (2005), pelo qual propõem que as empresas bem sucedidas são aquelas que buscam não vencer os seus concorrentes, mas sim, a criação de “oceanos azuis”, espaços de mercados ainda desbravados, onde não encontramos concorrentes. A metáfora dos oceanos azuis e vermelhos descrevem os espaços de mercado, sendo o vermelho aquele em que a competição é altíssima, ou seja, repletos de concorrentes.

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Nesse sentido, a atuação estratégica no contexto de dar nova interpretação à Lei

(hermenêutica jurídica), ou, principalmente, utilizá-la, modificá-la e adequá-la visando

ampliar as possibilidades de atuação, exercício ou defesa de interesses, dá destaque a uma

necessidade de atuação inovadora dos profissionais da área jurídica.

A ciência jurídica, com efeito, é utilizada como instrumento para solução e

prevenção de conflitos. Contudo, deve ser analisada também sob uma nova ótica: a de

instrumento para estruturação de objetivos. O Direito, visto sob este novo contexto, deixa de

ser mero coadjuvante, ou, nos dizeres de Luhmann4, óleo da engrenagem social, para ser um

sistema autônomo e também atuante na maquina social, assim como outros sistemas. Trata-se,

ainda segundo o referido autor, do primeiro passo para a construção de um sistema jurídico

dinâmico mais adequado à hipercomplexidade da sociedade atual.

Partindo-se desta premissa, é possível utilizar o direito como instrumento estratégico,

reflexivo, heterovinculador, atuante e, acima de tudo, afirmativo, mediante a construção de

um processo criativo para encontrar alternativas lícitas e, assim, possibilitar sejam

encontradas soluções inovadoras e legais para determinado objetivo. E tal processo criativo se

dá por meio da inovação.

Com efeito, a realidade da dinâmica do direito demonstra que os operadores devem

adotar estratégias competitivas distintivas no que diz respeito à elaboração de planejamentos e

soluções inovadoras. Nesse sentido, infere-se a possibilidade de o inovador se apropriar de

ganhos extraordinários gerados pelo monopólio temporário, além de influenciar o mercado

tanto no que diz respeito ao estimulo a inovar, quanto ao potencial crescimento da atuação

inovadora5.

Afinal, o direito não é estático, mas sim, dinâmico, estando em constante mudança,

movimentação e transformação. Com efeito, reconhecer a importância da inovação como

forma de abertura de horizontes de possibilidades, importa na instauração de alguns aspectos

dinâmicos, relacionados à criação de novas vertentes, de novas estratégias, de mecanismos

para solucionar ou produzir novos caminhos, além de diferenciar a atuação profissional em

relação aos seus concorrentes e trazer soluções diferenciadas e melhor adequadas aos anseios

que lhes são propostos.

Ao se pensar em inovação, em especial, no Direito, pretende-se alcançar soluções e

propostas novas, diferentes; mudanças, novas perspectivas, novas maneiras de se pensar e

4 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. V. I. 5 POSSAS, Sílvia. Concorrência e Inovação. In: Pelaez, Victor; e Szmrecsányi, Tomás. (orgs.) Economia da Inovação Tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006, p. 34.

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trabalhar. Desta maneira, os cientistas do direito devem fugir do conflito em que se encontram

inseridos, do contexto positivista, do excesso de normas e do apego às soluções já existentes,

seja nas doutrinas antigas (que, a todo momento se renovam, mas, na maior parte das vezes,

sempre dentro da mesma linha de pensamento) ou entendimentos jurisprudenciais já

consolidados.

Deve o Direito, assim, servir como fonte não só para a solução e prevenção de

conflitos, mas, ainda, como um instrumento de estruturação de objetivos, uma ferramenta

capaz de criar soluções estratégicas e inovadoras, diferentes do contexto já existente e capaz

de saciar os anseios do mundo pós-moderno, o qual vive em constante mudança e

crescimento. Assim, poder-se-ia alcançar respostas rápidas e eficientes às necessidades que

surgirem.

Nesse contexto, a multiplicidade de fontes do direito; a necessária comunicação entre

os diversos ramos; a regra máxima do Direito Privado, de que tudo que não é proibido é

permitido; e a multiplicidade de princípios; aliados à análise estratégica do direito, permitem

alcançar estratégias inovadoras dentro do Direito.

No âmbito do Direito Privado, por exemplo, o Direito Societário possui princípios

próprios que, muitas vezes recepcionam a maioria dos institutos da teoria geral das obrigações

e dos contratos. Dessa maneira, em virtude do caráter dinâmico dos contratos, a aplicação

destes em face de regras e institutos próprios do direito societário poderia gerar estratégias

inovadoras dentro do Direito Societário.

E isso se mostra de suma importância, já que o Direito Societário envolve também o

conhecimento da empresa, noções econômicas, de mercado, de contabilidade etc. Assim, o

estabelecimento de soluções inovadoras, dentro do contexto jurídico, para questões atinentes

às corporações possibilita aproximar o Direito dos planejamentos e das estratégias

constantemente criadas por aquelas; ou seja, trazer a ciência jurídica para dentro da vida das

empresas.

3 NATUREZA JURÍDICA DAS AÇÕES E QUOTAS

3.1 O Capital Social e a sua Subdivisão

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Em virtude da finalidade de obtenção de resultados por parte das sociedades

limitadas e anônimas, estas, para iniciar a suas atividades econômicas, necessitam de recursos

para atuar na consecução do fim social que justificou a sua criação, ou seja, de dinheiro,

máquinas, tecnologia, serviços, trabalho e outros meios indispensáveis para a organização da

empresa abrangida no objeto social, cabendo, pois, aos sócios prover tais recursos (dinheiro

ou bens).

A principal obrigação contraída pelo sócio, pois, quando da assinatura do contrato ou

estatuto social, é a de investir recursos na sociedade, disponibilizando, de seu patrimônio, os

recursos que julgar necessários ao negócio que irá explorar, em parceria com o(s) outro(s)

sócio(s). Geralmente, parte dos recursos que ingressam na sociedade para a formação de seu

patrimônio social são destinados à formação do capital social, por isso, em muitos casos, este

é composto pela “soma representativa das contribuições dos sócios”6.

Segundo Alfredo de Assis Gonçalves Neto:

O capital social, assim, representa a somatória dos valores em dinheiro das contribuições (em bens ou em dinheiro de contado) que os sócios trazem para formar o patrimônio da sociedade, seja no momento de sua constituição, seja em virtude de deliberações posteriores que o aumentem pelo ingresso de novos recursos ou que o reduzam, quer por perda significativa do mesmo patrimônio, quer por se revelar excessivo aos fins sociais. 7

Contudo, é importante observar que, na prática, o capital social nem sempre é

composto apenas por contribuições dos sócios em dinheiro e/ou em bens suscetíveis de

avaliação em dinheito, pois, em muitos casos, a sua majoração pode decorrer da incorporação

de reservas e/ou de lucros.

Muito embora se expresse em simples cifra, o capital social, segundo destaca

Hernani Estrella, “é o elemento básico à formação da sociedade e nesta desempenha papel

tão relevante que todos os sistemas legislativos editam normas visando sua realidade e

integralidade” 8.

Todavia, além de indicar o patrimônio que deve ter a sociedade, o capital social não

se confunde com o patrimônio social. Neste sentido, mais uma vez Alfredo de Assis

Gonçalves Neto 9 assim preleciona:

6 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. p. 401 7 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p.199. 8 ESTRELLA, Ernani. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Editora Konfino, 1973. 9 Op. Cit. p. 199/200.

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Por patrimônio social deve-se entender o conjunto de bens e direitos de que a sociedade é possuidora. Já o capital social estampa o valor do patrimônio que ingressou na sociedade em virtude da contribuição dos sócios. Ou seja, o capital social é a expressão numérica em moeda do valor do patrimônio fornecido pelos sócios para sociedade, por eles reputado necessário ou adequado para a consecução dos fins sociais.

Não obstante, também neste tópico, é importante observar que o patrimônio social

não é integrado somente por bens e direitos, mas também por dívidas e obrigações. Por isso, o

capital social tem muito mais uma importância nominal e jurídica que pode servir de

parâmetro para a composição dos interesses dos sócios do que importância econômica ou

financeira.

Com efeito, o capital social das Sociedades Limitadas se subdivide em quotas, e o da

Sociedade Anônima em ações, contendo duas consideráveis diferenças entre elas: as ações

podem ser representadas por certificados (apesar disso não ocorrer na prática, desde a

Lei8.021/90 que extinguiu as ações ao portador), enquanto as quotas não são representadas

por títulos formais; a existência da ação é “desprendida” do Estatuto Social, pelo que a sua

cessão não gera efeitos modificativos no referido instrumento, enquanto que a mudança da

propriedade das quotas, implica, necessariamente, a alteração do Contrato Social.

Destarte, de suma importância perquirir acerca da natureza jurídica das quotas e

ações, de cuja posição adotada decorrem inúmeros efeitos.

3.2 A Natureza Jurídica das Quotas da Sociedade Limitada

Segundo esclarece Alfredo de Assim Gonçalves Neto10, a quota social dos sócios

“individualiza-se como um bem imaterial ou incorpóreo, de existência autônoma e de valor

próprio, que pode ser objeto de relações jurídicas. O sócio, assim, subscreve quotas, adquire

quotas, aliena quotas etc.”

Em sentido contrário, Rubens Requião, adotando posicionamento de Carvalho de

Mendonça, aduz se tratar a natureza jurídica das quotas como sendo um direito de crédito

futuro, “pois ao contribuir para a formação do capital social o sócio transfere seus cabedais

e passa a gozar apenas dos resultados líquidos do investimento”11, que, por sua vez, geram

uma expectativa de crédito futuro. Ainda segundo o Autor, referido direito abrangeria não só

10 Op. Cit. p. 208/209. 11 Op. Cit. p. 500.

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um crédito, mas ainda seria também de ordem pessoal, caracterizado como uma espécie de

status da qualidade de sócio.

Adotando divergente posição, Arnaldo Rizzardo entende se tratar a natureza jurídica

das quotas como sendo um título representativo de crédito (título apto ao exercício de direitos

e obrigações que decorrem do contrato social), assim elucidando:

A natureza jurídica da quota é um título representativo de crédito com algumas diferenças, salientando-se a não-circulação de modo autônomo, e a sujeição a restrições de ordem legal e contratual, como a que não permite a liquidação antes da prévia dissolução da sociedade, em razão dos arts. 1.053, 1.087, 1.044 e 1.033.12

Com efeito, a simples menção à impossibilidade de não-circulação de modo

autônomo e à sujeição à restrições de ordem legal, por si só, já servem para desqualificar a

classificação como sendo título de crédito, já que ausente a sua autonomia e restrita sua

circulação. Mesmo porque, se não podem ser materialmente representados, não há que se falar

em natureza jurídica de títulos de crédito, por ausência de cartularidade.

Dúvidas não restam, pois, acerca da natureza jurídica de bens imateriais ou

incorpóreos, posto não prescritos em instrumento escrito autônomo, mas que, no entanto,

podem ser objetos de relações jurídicas.

Nesse sentido, aproximando-se ainda das considerações acima prescritas por Rubens

Requião, vislumbra-se possuir a quota social natureza jurídica de bem incorpóreo, que

consiste em direitos pessoais (deliberar, fiscalizar a sociedade, votar e ser votado etc.) e

patrimoniais (receber dividendos, participar do acervo social em caso de dissolução total ou

parcial da sociedade etc.). Assim, é que o proprietário das quotas detém a titularidade dos

direitos que lhe são relativos, ou a legitimidade para o exercício dos poderes inerentes ao

domínio, com exclusão de terceiros13.

Diante, desta maneira, de sua natureza jurídica de bem incorpóreo, seu regime

jurídico se dá pelo direito das coisas móveis, elencado no art. 83, III, do Código Civil

Brasileiro (CCB)14, com a aplicação das regras especiais exigidas pela sua feição imaterial15.

12 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 206. 13 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 209. 14 Art. 83, CCB. “Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.” 15 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 209.

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Segundo preleciona Silvio de Salvo Venosa, “os bens incorpóreos não têm

existência tangível. São direitos das pessoas sobre as coisas, sobre o produto de seu intelecto,

ou em relação a outra pessoa, com valor econômico: direitos autorais, créditos, invenções”16.

Embora não possam ser objetos de usucapião nem de transferência pela tradição (que requer a

entrega material da coisa), podem ser objetos de cessão, já que possuem existência jurídica.

Desta feita, por possuírem existência jurídica e, como tal, ser objetos de cessão, as

quotas de Sociedade Limitada, podem ser objeto de transmissão por ato inter vivios ou causa

mortis; objeto de penhor para garantir dívida do sócio ou de terceiro; pode ser dada em

usufruto; ou pode ser objeto de penhora17. E, nesse mesmo sentido, inexistem óbices para que

possa figurar como sendo objeto de contrato de locação.

3.3 A Natureza Jurídica das Ações de Sociedade Anônima

O surgimento da sociedade anônima relega-se, mais diretamente, nas companhias

coloniais fundadas a partir do sec. XVII, em concurso com o Estado e a iniciativa privada, no

intuito de explorar e colonizar a América, África e Índia. As Companhias Holandesas das

Índias Ocidentais, surgidas em 1612, contavam com a participação de acionistas não

empresários, os quais, não obstante não tivessem participação nas deliberações sociais,

detinham o direito quanto à participação dos resultados, na forma de dividendos18.

Nesse sentido, a criação das sociedades anônimas, vinculada às grandes descobertas

e viagens marítimas, proporcionou um processo de transferência de riquezas, culminando no

aumento do risco decorrente da natureza do empreendimento e a necessidade de captação de

recursos compatíveis com o porte do empreendimento. Isso porque a sua existência decorreu

da necessidade de um instrumento jurídico adequado para superar as dificuldades então

existentes: limitação da responsabilidade patrimonial (redução do risco) e possibilidade de

busca de recursos em mãos de poupadores, interessados na remuneração sobre o capital

investido19.

16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1. p. 305. 17 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 209. 18 PAPINI, Roberto. Sociedade Anônima e Mercado de Valores Mobiliários. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 33/35. 19 PAPINI, Roberto. Sociedade Anônima e Mercado de Valores Mobiliários. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 36/37.

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Com efeito, tal como ocorre na atualidade, as ações de Sociedade Anônima conferem

ao seu titular um direito de crédito, mas, em razão de tal fato, poder-se-ia ser considerada

como um título de crédito e, como tal, pertencente à categoria dos bens móveis?

Em sentido positivo, Arnaldo Rizzardo esclarece que a natureza jurídica das ações

como sendo títulos de crédito se justificam pelo fato de fazerem “emanar direitos,

assegurando o titular a participação na vida social, tomando parta da vida na sociedade, e

influindo nas decisões com o exercício do voto”20.

Também de maneira afirmativa, Rubens Requião acrescenta, de forma didática, que a

qualidade de acionista gera direito patrimonial e pessoal, seja, respectivamente, no que

concerne à participação nos lucros ou na participação da vida social mediante voto ou

fiscalização de seus negócios21.

Contudo, é importante destacar que, no Brasil, o direito a voto não é essencial à

caracterização das ações, haja vista o disposto no art. 111 da Lei 6.404/76, que permite ao

estatuto limitar ou restringir o direito de voto das ações preferenciais, mediante cláusula

expressa.

Não obstante, Roberto Papini esclarece que “com a extinção da forma ao portador as

ações não mais apresentam todas as características de título de crédito (falta cartularidade à

ação nominativa, pois o exercício do direito é independente do documento)22. E ainda

acrescenta, afirmando que se trataria, pois, de um título de crédito impropriamente dito, que

confere apenas participação e legitimação corporativos.

Tratando com propriedade acerca da problemática, Modesto Carvalhosa assevera que

a ação escritural não mais pode ser vista como sendo um título de crédito, na medida em que

não mais pode ser representada por certificado (ausência do requisito fundamental do

documento), tratando-se, assim, de valor patrimonial incorpóreo:

Restando atualmente, apenas a forma nominativa (Lei n°. 8.021, de 1990), sob as subformas registrada e escritural, perderam os certificados sua função primordial de materializar direitos inerentes à qualidade de acionista, não tendo qualquer utilidade. Com efeito, sua emissão, no caso das ações nominativas escriturais (art. 34), é impossível, dada sua natureza de bens incorpóreos, que não permite, em nenhuma hipótese, a representação por certificado, e, no caso das nominativas registradas (art. 31), é desnecessária, pois o certificado não possui qualquer função constitutiva de direitos. Não tem a eficácia de documento autônomo, por lhe faltar literalidade. A declaração cartular do certificado nominativo não representa uma declaração bastante

20 Op. Cit. p. 319. 21 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 2. p. 74/75. 22 PAPINI, Roberto. Sociedade Anônima e Mercado de Valores Mobiliários. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 60.

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de vontade que pudesse ser exercitada mediante a simples apresentação do documento, como no caso das extintas ações ao portador23.

Destarte, no que concerne às ações, representativas de parcela do capital social das

sociedades por ações (Sociedade Anônima e Comandita por Ações) e que geram direitos

patrimoniais e pessoais, infere-se, com exceção das escriturais, que as mesmas são bens e,

portanto, podem ser objetos de diversos negócios jurídicos, a exemplo de venda, cessão,

doação, locação, usufruto, caução, penhor etc.

Diante da divergência doutrinária instaurada, preferimos aquela solução trazida com

propriedade por Américo Luíz Martins da Silva, pela qual, abordando-se as diversas posições

doutrinárias existentes, conclui não se tratar a natureza jurídica das ações de um título de

crédito propriamente dito, mas sim, “um indicativo, cartular ou não, de participação do

acionista no empreendimento”.

E ainda acrescenta o referido autor que:

Esta ação, dentro dos limites por ela mesma estabelecidos em relação ao montante do capital social, em vista de sua própria natureza, expressa, em proporcionalidade com aquele, o domínio indireto sobre uma parte na universalidade indivisa dos bens sociais, pois o fundo social está indiviso entre todos os acionistas. Como consequência do domínio indireto, tem o acionista o direito à percepção dos frutos resultantes da utilização econômica e comercial do bem entregue (dividendos), que fica ao dispor da sociedade, como, também, o direito de participar direta ou indiretamente da gestão do empreendimento, sendo o domínio sobre o bem, ou o seu equivalente em espécie, resgatado pelo acionista, quando discordar dos caminhos que a sociedade tomou (acionista dissidente) ou quando for dissolvida a união dos bens sociais (liquidação da sociedade). 24

Desta maneira, tal como ocorre com relação às quotas, as ações têm seu regime

jurídico regido pelo direito das coisas móveis, elencado no art. 83, III, do Código Civil

Brasileiro (CCB)25 e, portanto, podem ser objetos de cessão, compra e venda, locação etc..

Convém observar, todavia, que, apesar de não atender a todos os requisitos formais

do citado art. 83 do Código Civil para serem considerados como bens móveis por natureza, o

caráter mobiliário da ação decorre de disposição legal expressa, sobretudo por meio dos arts.

41 a 43 da Lei 6.406/76, que regulam a possibilidade de celebração do contrato de custódia de

23 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: artigos 1°. a 74. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v.1. p. 140/141. 24 SILVA, Américo Luís Martins da. As Ações das Sociedades e os Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 180. 25 Art. 83, CCB. “Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.”

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ações fungíveis. Da mesma forma, as ações são expressamente classificadas como valores

mobiliários nos termos do art. 2º, I, da Lei 6.385/7626

4 O CONTRATO DE LOCAÇÃO

Como bem assevera Carlos Roberto Gonçalves, o contrato de locação “[...] sempre

desfrutou de enorme prestígio no direito privado, figurando hoje logo em seguida à compra e

venda, no grau de utilização e importância no mundo negocial”27.

O Contrato de Locação pode ser conceituado como o negócio jurídico pelo qual uma

das partes se obriga à concessão, à outra, temporariamente e mediante contraprestação, o uso

e gozo de coisa não fungível. Da dicção do art. 565 do Código Civil Brasileiro (CCB), define-

se o contrato de locação como sendo o negócio jurídico pelo qual “uma das partes se obriga a

ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante

certa retribuição”.

Por bem infungível, esclarece Silvio de Salvo Venosa ser “aqueles corpos certos,

que não admitem substituição por outros do mesmo gênero, quantidade e qualidade”28. E

ainda complementa, o referido autor, no sentido de que “a fungibilidade ou infungibilidade é

conceito próprio das coisas móveis”29.

Discorrendo acerca da questão, Caio Mário da Silva Pereira preleciona, com

propriedade, que “As coisas infungíveis, ao revés, caracterizam-se pelos requisitos próprios

que as individuam como corpo certo, o que impede ao devedor entregar uma por outra em

solução do obrigado”30.

Por envolver prestações recíprocas, ou seja, por gerar obrigações para ambas as

partes, trata-se de contrato bilateral, sendo admitida, ainda, a figura da “exceção do contrato

não cumprido”, prescrita no art. 476 do Código Civil Brasileiro31. Além disso, o contrato de

26 Art. 2o, Lei 6.385/76. “São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;” 27 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. 6. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. v. III. p. 285. 28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1. p. 315. 29 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1. p. 317. 30 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v.1. p. 368. 31 CCB. Art. 476. “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

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locação é classificado como sendo oneroso, consensual, comutativo, não solene e de trato

sucessivo (ou de execução continuada).

Diz-se oneroso porque importa, necessariamente, “em vantagem e sacrifício para as

partes”32, ou seja, a obrigação de uma das partes equivale ao cumprimento da prestação

assumida pela outra parte. Do contrário, se a cessão da coisa fosse gratuita, ter-se-ia de

contrato de comodato, e não o de locação.

É consensual na medida em que o seu aperfeiçoamento encontra-se atrelado à

manifestação de vontade das partes, além de independer da entrega da coisa para que se tenha

como perfeito (esta se mostra apenas necessária apenas na fase de execução ou cumprimento

do contrato). Além disso, o contrato de locação é comutativo uma vez que não importa

assunção de riscos, já que as prestações são estritamente previstas no contrato, de forma certa

e não aleatória.

O contrato de locação é não-solene, ainda, por não exigir a lei forma especial,

podendo, inclusive, ser verbal. Lado outro, como bem lembra Carlos Roberto Gonçalves,

“para se convencionar uma garantia, como a fiança, por exemplo, o contrato deve

obrigatoriamente ser escrito”33. Assim sendo, infere-se que a sua forma é livre, somente

sendo exigida em casos especiais, a exemplo daquele constante na Lei do Inquilinato (Lei

8.245/91).

Com efeito, o contrato de locação pode ser celebrado por prazo determinado ou

indeterminado. Independentemente, diz-se tratar de contrato de trato sucessivo uma vez que

se prolonga ao longo do tempo (ainda que determinado), possuindo prestações periódicas, o

que implica a sua não extinção com o pagamento de uma parcela.

Pelo contrato de locação, o locatário exerce posse direta sobre a coisa, embora de

maneira precária. Como elementos principais do contrato, infere-se a necessidade conjunta de

definição de objeto, preço e consentimento.

Com relação ao preço, denominado de aluguel ou remuneração, consoante já

mencionado, trata-se de elemento essencial do contrato, uma vez que se o uso e gozo da coisa

o fossem cedidos a título gratuito, ter-se-ia de verdadeiro comodato, e não locação. A fixação

do preço pode ser feita pelas partes, pode ocorrer mediante ato governamental, ou

arbitramento administrativo ou judicial; só não se pode consignar no instrumento contratual a

sua estipulação a cargo exclusivo (e arbitrário) de uma das partes contratantes.

32 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 3. p. 127. 33 Op. Cit. p. 286.

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No que concerne ao consentimento, que pode ser expresso ou tácito, preleciona

Carlos Roberto Gonçalves que “é capaz de locar quem tem poderes de administração. Não se

exige, necessariamente, que seja proprietário [...]. O proprietário aparente, como é o

possuidor de boa-fé, estando usufruindo da coisa, pode arrendá-la ou locá-la”34. Já quanto a

pessoa do locatário, este deve ser estranho à coisa locada, na medida em que não pode receber

coisa sua em locação, “salvo se o uso da coisa, por força do contrato ou em virtude de lei,

pertencer validamente a outrem”35.

Com relação ao objeto, cuja análise é o cerne da questão do presente estudo, infere-

se que pode ser coisa móvel ou imóvel, sendo que aquela deverá ser infungível. Nesse

sentido, esclarece Silvio de Salvo Venosa:

Quanto ao objeto da coisa locada, o art. 565 (antigo, art. 1.188) adverte que trata de bem não fungível. Isso porque incumbe ao locatário restituí-la ao locador uma vez findo o contrato, nos termos do art. 569, IV (antigo, art. 1.192, IV). Ficam, portanto, excluídas da locação as coisas consumíveis, como a energia elétrica anteriormente referida. O objeto do contrato deve ser apto à utilização e fruição pelo locador. Objeto inidôneo, neste ou e qualquer outro contrato, torna nulo o negócio. Destarte, nula será a locação de objeto ilícito. Não é necessário que o locador tenha o poder de dispor da coisa, pois pode até não ser seu dono, como ocorre com o usufrutuário. Basta que tenha o poder de cedê-la; dá-la em locação36.

Com relação aos esclarecimentos do referido autor, cumpre elucidar que, atualmente,

há possibilidade de a locação recair sobre bem fungível, inclusive energia elétrica, no âmbito

do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE), nos termos da Lei nº 10.848, de 2004.

Por fim, importa perquirir acerca das obrigações atinentes ao locador e locatário,

inerentes ao contrato de locação. Quanto ao locador, o art. 566 do Código Civil Brasileiro

estabelece a obrigação de (i) entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em

estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato,

salvo cláusula expressa em contrário; e (ii) a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso

pacífico da coisa.

Da dicção do art. 567 do Código Civil Brasileiro, ocorrendo a deterioração da coisa

sem culpa do locatário, caberá a este um pedido ao locador de redução proporcional do valor

do aluguel, ou, não servindo a coisa para o fim a que se destinava, requerer a resolução do

contrato.

34 Op. Cit. p. 290. 35 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. 6. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. v. III. p. 290. 36 Op. Cit. p. 129.

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Quanto ao locatário, dispõe o art. 569 do Código Civil Brasileiro, quanto às suas

obrigações: “I - a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos,

conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado como

se sua fosse; II - a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste,

segundo o costume do lugar; III - a levar ao conhecimento do locador as turbações de

terceiros, que se pretendam fundadas em direito; IV - a restituir a coisa, finda a locação, no

estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular.”

Chama-se a atenção para o fato de que o desvio de finalidade, a ser auferido em cada

caso, pode ensejar em infração ao contrato, culminando em sua rescisão antecipada, sem

prejuízo do pagamento das perdas e danos que se verificarem37. Além disso, ao final da

locação, se por prazo determinado, deve o locatário automaticamente restituir a coisa; ou, o

sendo por prazo indeterminado, deverá fazê-lo após notificado para tanto, sob pena de

permanecer pagando o valor do aluguel enquanto a tiver em seu poder (art. 575 do Código

Civil Brasileiro38).

5 A POSSIBILIDADE DE LOCAÇÃO DE AÇÕES E QUOTAS COMO INOVAÇÃO

ESTRATÉGICA

Uma vez perquiridas as naturezas jurídicas das quotas de Sociedades Limitadas e

Ações de Sociedades Anônimas, bem como após a análise perfunctória do Contrato de

Locação, demonstrar-se-á a possibilidade, dentro do contexto de inovação estratégica do

direito, de aquelas poderem ser objetos deste instrumento de negócio jurídico.

Reportando-se à lição de Cézar Fiuza39, cumpre trazer à tona o caráter dinâmico dos

contratos, colocando em voga a sua função social e econômica; bem como a cooperação

inerente ao seu processamento:

37 Complementa, ainda, SILVIO VENOSA (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 3. p. 131), que “se preferir, pode o locador ingressar com ação para que o locatário cesse ou se abstenha do uso indevido. A lei especifica o uso convencionado ou presumido. É necessário examinar o caso concreto. Importante por vezes tornar-se-á a prova pericial”. 38 CCB. Art. 575. “Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito”. 39 FIÚZA, César Augusto de Castro. Por uma Redefinição da Contratualidade. In FIUZA, C. A. C. (Org.) ; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org.) ; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.) . Direito Civil - Atualidades II. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 264/265.

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Não se deve jamais esquecer o caráter dinâmico dos contratos, que são fontes de relações obrigacionais que se movimentam, que se transformam no tempo e no espaço. Sem essa visão de contrato enquanto processo dinâmico, não se poderia falar em função social e, muito menos, em função econômica Além da dinâmica, a relação contratual se processa em cooperação. Não se pode ver nas partes contratantes inimigos, um desejando destruir o outro. Para o contrato chegar a bom termo, deixando todos satisfeitos, é fundamental que as partes possam exigir cooperação recíproca. Por fim, vem a lei, dando o necessário respaldo às partes que têm a segurança de que, se contratarem segundo o ordenamento jurídico, terão seus direitos assegurados. [...]

Como visto, as quotas de Sociedade Limitada têm natureza jurídica de bem

incorpóreo e, por tal razão, seu regime jurídico se dá pelo direito das coisas móveis, elencado

no art. 83, III, do Código Civil Brasileiro (CCB)40, com a aplicação das regras especiais

exigidas pela sua feição imaterial41. De igual modo, as ações de Sociedade Anônimas também

são tratadas como bens móveis, para os fins do citado art. 83, III, do CCB.

Desta feita, por possuírem existência jurídica e, como tal, poderem ser objetos de

cessão, as quotas de Sociedade Limitada e ações de Sociedades Anônimas podem ser objeto

de transmissão por ato inter vivios ou causa mortis; objeto de penhor para garantir dívida do

sócio ou de terceiro; pode ser dada em usufruto; ou pode ser objeto de penhora.

No sistema jurídico brasileiro, tanto as quotas quanto as ações são obrigatoriamente

nominativas, e isso retira delas a fungibilidade plena, possível somente nos ordenamentos que

permitem a existência de quotas e ações ao portador. E, como tal, por se tratarem de bem

móvel infungível, as quotas e ações são compatíveis, assim, para figurarem como sendo

objeto de Contrato de Locação.

Em se tratando de locação de ações, para as Companhias de capital aberto, a

Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no contexto das políticas emanadas pelo Conselho

Monetário Nacional (CMN)42, expediu a Instrução CVM n°. 249/2006, dispondo acerca do

empréstimo de ações pelas entidades prestadoras de serviços de liquidação, registro e custódia

de ações.

Pela dicção do art. 1º da referida norma reguladora, as entidades prestadoras de

serviços de liquidação, registro e custódia de ações poderão manter serviço de empréstimo de

40 Art. 83, CCB. “Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.” 41 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 209. 42 A exemplo da Resolução CMN nº 1.289, de 20.03.87; Resolução CMN nº 1.787, de 01.02.91; e Resolução CMN nº 2.268,de 11.04.96.

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ações de emissão de companhias abertas, mediante aprovação prévia da CVM. Para tanto,

referidas ações devem estar depositadas em custódia fungível nas respectivas entidades, livres

de ônus ou gravames que impeçam sua circulação, e seus titulares devem previamente

autorizar por escrito a realização de operações desta natureza.

Para tanto, estabelece o art. 3º da referida Instrução que o contrato de empréstimo a

ser celebrado deverá mencionar, no mínimo:

(i) o prazo de sua vigência e se renovável ou não automaticamente;

(ii) o compromisso de o tomador liquidar o empréstimo mediante a entrega de ações

da mesma espécie, classe e companhia, independentemente do número de ordem;

(iii) o tratamento a ser conferido aos direitos inerentes às ações utilizadas na operação

de empréstimo;

(iv) a obrigatoriedade de o tomador dar garantias equivalentes a 100% (cem por cento)

do valor das ações objeto do empréstimo, acrescido de percentual adicional

destinado a compensar a variação desse valor em dois pregões consecutivos, a

favor da entidade prestadora de serviços de liquidação, registro e custódia de

ações;

(v) a faculdade de a entidade prestadora de serviços de liquidação, registro e custódia

de ações exigir do tomador do empréstimo a entrega de garantias adicionais, a

qualquer momento e segundo os seus critérios, bem como de proceder à venda,

independentemente de formalidade judicial ou extrajudicial, de títulos e valores

mobiliários ou outros ativos que constituam a garantia da operação de empréstimo,

quando o tomador deixar de atender qualquer obrigação decorrente dessa operação

no prazo regulamentar estabelecido;

(vi) além das garantias previstas no inciso anterior, o intermediário poderá exigir do

tomador do empréstimo a entrega de garantias adicionais, a qualquer momento e

segundo os seus critérios, bem como proceder à venda, independentemente de

formalidade judicial ou extrajudicial, de títulos e valores mobiliários ou outros

ativos que constituam esta garantia adicional da operação de empréstimo, quando

o tomador deixar de atender a qualquer obrigação decorrente dessa operação no

prazo regulamentar estabelecido; e, por fim,

(vii) a forma de remuneração do empréstimo e de cobrança de taxas e encargos

incidentes. (g.n.)

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No que concerne às ações de Sociedades Anônimas abertas, portanto, dentro do

contexto do mercado de capitais, infere-se que qualquer investidor ou companhia aberta

interessada pode oferecê-las para locação já que no caso, havendo remuneração esta fica

caracterizada.

Convém asseverar que não há limitação regulatória acerca do alcance dos direitos

inerentes à titularidade das ações objetos da locação. Melhor dizendo, por implicar direitos

pessoais e patrimoniais, conforme já visto, em não havendo qualquer especificação ou

limitação no contrato, infere-se que ao locatário são dados o uso e gozo de todos os direitos

inerentes à titularidade ações, como não só o direito de exercício de voto (se for o caso) e

participação em assembleias de acionistas, mas, também, direito sobre os dividendos e

eventuais bonificações da companhia.

Aquele que dá em locação as ações de sua titularidade é denominado locador,

enquanto quem toma os papéis é chamado de tomador. Com efeito, a motivação para a

celebração de contrato de locação de ações de Companhia Aberta decorre de questão

exclusivamente financeira. Assim como ocorre com bens imóveis, por exemplo, há

possibilidade de locação de ações no intuito de auferir uma renda extra.

Neste caso, para o doador, a taxa de aluguel tem o condão de se afigurar como um

rendimento, adicional ou não43, das ações; enquanto para o tomador, a posse da referida ação

possibilita o exercício de determinadas operações no mercado de capitais, como a realização

de opções de compra, liquidação de posições no mercado à vista e garantia de operações no

mercado futuro44.

Ao tomador, inclusive, pode ser vantajoso alugar as ações com menor liquidez e,

durante o período do contrato de locação, negociá-las no mercado a um preço alto e,

posteriormente, comprá-las a um preço menor, auferindo vantagem em razão do ágio obtido.

Saliente-se, outrossim, que a Resolução n°. 3.914/3010 do Banco Central do Brasil

veda expressamente às instituições financeiras a realização de aluguel, troca ou empréstimo

de títulos, valores mobiliários e outro ativo financeiro para investidor não residente no

mercado brasileiro, cujo objetivo seja o de realizar operações nos mercados de derivativos;

embora as operações já contratadas anteriormente à publicação da referida norma possam ser

43 Consoante salientado, o Contrato de Locação deve estabelecer, pormenorizadamente, os direitos pessoais ou patrimoniais, inerentes à ação, que serão dados em locação. Poderá, assim, o titular (locador) ceder também os direitos patrimoniais, como dividendos, bonificações e subscrições, que, por óbvio, englobarão o preço da locação. 44 Nesse sentido, conferir: YAZBEK, Otávio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. 2. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 103/111 e 115/120.

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mantidas até os seus respectivos vencimentos ou, não havendo prazo determinado, até 31 de

dezembro de 2010.

Conquanto inexista legislação ou norma reguladora tratando da questão da locação

de quotas ou ações para, respectivamente, as Sociedades Limitadas e Sociedades Anônimas

fechadas, vislumbra-se, consoante acima já restou alinhavado, se tratar de objeto lícito e

possível, possuindo, ainda, forma não vedada em lei.

Assim sendo, em não havendo proibição específica no Contrato Social ou Estatuto

Social, acerca de locação de quotas e ações, ou ainda, limitações ao referido exercício

(percentual máximo, direitos inerentes à titularidade que poderão ser exercidos, etc.), infere-se

a plena possibilidade da locação de ações e quotas. Mais uma vez, reportando-se à máxima do

Direito Privado, impende ressaltar que tudo aquilo que não é proibido é permitido.

Desta feita, se traduzindo em uma forma inovadora de atingir diversos objetivos

mediante o exercício do status de sócio ou possuidor de ações de Companhias abertas, o

instituto da locação também se mostra interessante no que concerne às ações de sociedades

anônimas fechadas e sociedades limitadas, seja como modelo de investimento, seja como

instrumento de participação em deliberações sociais, seja ainda, para composição temporária

dos interesses das partes.

No caso das sociedades anônimas fechadas, por exemplo, a utilização de contrato de

locação de ações pode ser direcionada como uma forma alternativa (inovadora, estratégica)

para reunir a maioria do capital social e, assim, em regra45, possibilitar o exercício do poder

de controle; além daquela possibilidade de se auferir uma renda extra, tal como ocorre em

face das Companhias abertas.

Com relação às Sociedades Limitadas, lado outro, a locação de quotas de uma

sociedade junto à outra pode se afigurar como um meio lícito para assegurar a transferência de

recursos entre elas, contabilmente justificado, evitando-se a caracterização de eventual grupo

econômico, ou mesmo, confusão patrimonial.

Vale salientar, outrossim, que a transferência objeto do contrato de locação è a posse,

e não a titularidade. Destarte, os deveres e responsabilidades do sócio proprietário das quotas

ou ações permanecem integralmente intactos e, como tal, não se pode imputá-las ao terceiro

locatário como forma de isenção.

45 Existem determinadas peculiaridades que podem impedir o exercício do poder de controle, mesmo diante da reunião da maioria absoluta do capital social, a exemplo da instituição de ações “golden shares”, as quais possuem poder absoluto de veto, na forma e peculiaridades que o estatuto ou acordo de acionistas determinar.

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6 CONCLUSÃO

Seguindo-se o contexto do princípio da ampla liberdade, é possível a celebração de

negócio jurídico inominado ou atípico, conforme prescrevem os princípios gerais dos

contratos. Isso, porque diante da natureza jurídica dos contratos em geral – e desde que o

objeto seja lícito, possível e determinado, bem como sendo as partes plenamente capazes e

não tenha a sua forma não defesa em lei46 – as partes são livres para pactuar o objeto da

locação.

Desta forma, as partes, gozando de capacidade plena, podem usar, gozar e dispor de

seus bens da maneira que acharem melhor, a teor do art. 1.228 do Código Civil Brasileiro47.

Consoante salienta Bruno Albergaria, “um dos fatores da globalização é a

dinamização e volatividade das empresas”48, que “buscam sempre espaço mais favorável

para obter o menor custo de produção”49. Diante de tal fato, o Direito Societário, por

envolver também o conhecimento da empresa, noções econômicas, de mercado, de

contabilidade, deve ser direcionado para o estabelecimento de soluções inovadoras, dentro do

contexto jurídico, para questões atinentes às organizações empresariais, possibilitando

aproximar o Direito dos planejamentos e das estratégias constantemente criadas por aquelas;

ou seja, trazer a ciência jurídica para a vida das empresas.

Como visto acima, as quotas de Sociedade Limitada têm natureza jurídica de bem

incorpóreo e, por tal razão, seu regime jurídico se dá pelo direito das coisas móveis, elencado

no art. 83, III, do Código Civil Brasileiro (CCB)50, com a aplicação das regras especiais

exigidas pela sua feição imaterial51. De igual modo, as ações de Sociedade Anônimas também

são tratadas como bens móveis, para os fins do citado art. 83, III, do CCB.

46 Conforme art. 104 do Código Civil Brasileiro. 47 CCB. Art. 1.228. “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. 48 ALBERGARIA, Bruno. A melhor Estratégia do Direito Internacional Público para inflingir às Empresas Transnacionais a melhor Conduta Ambiental. In. AMARAL, Paulo Adyr Dias do (Coord); FLORIANO NETO, Alex (Coord.). Direito Empresarial: Teorias, Práticas e Estratégias. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 29. 49 ALBERGARIA, Bruno. A melhor Estratégia do Direito Internacional Público para inflingir às Empresas Transnacionais a melhor Conduta Ambiental. In. AMARAL, Paulo Adyr Dias do (Coord); FLORIANO NETO, Alex (Coord.). Direito Empresarial: Teorias, Práticas e Estratégias. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 28. 50 Art. 83, CCB. “Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.” 51 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 209.

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Desta feita, por possuírem existência jurídica e, como tal, poderem ser objetos de

cessão, as quotas de Sociedade Limitada e ações de Sociedades Anônimas podem ser objeto

de Contrato de Locação, já que este abrange qualquer coisa móvel (infungível) ou imóvel. E,

desta forma, inúmeras estratégias inovadoras podem decorrer do uso da locação de quotas e

de ações, seja para auferir rendimentos extras, utilizar do direito de voto e exercer controle

acionário, receber dividendos etc.

Destarte, a comunicação de áreas dentro do Direito, a exemplo dos Direitos

Contratual e Societário, tem o condão de abrir um horizonte de possibilidades, relacionados à

criação de novas vertentes, de novas estratégias, de mecanismos para solucionar ou produzir

novos caminhos; todos, inovadores às necessidades das organizações empresariais, bem como

aos anseios dos investidores e acionistas.

Por tais razões, impende a necessidade de se atribuir uma maior importância ao tema

da inovação estratégica do direito, imprescindível para a utilização do sistema jurídico não

apenas como sendo fonte para a solução e prevenção de conflitos, mas, ainda, como um

instrumento de estruturação de objetivos, uma ferramenta capaz de criar soluções estratégicas

e inovadoras, rápidas e eficientes às necessidades que surgirem, diferentes do contexto já

existente e capaz de saciar os anseios do mundo pós-moderno, o qual, tal como o Direito, vive

em constante mudança e crescimento.

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