a ponte da amizade: um elo de cooperaÇÃo transfronteiriÇa entre brasil e … · 2016-12-31 ·...

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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 5500 A PONTE DA AMIZADE: UM ELO DE COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA ENTRE BRASIL E PARAGUAI VALDELICE DO AMARAL FAGUNDES 1 RESUMO: Este trabalho tem por objetivo debater o papel da Ponte da Amizade como infraestrutura de comunicação entre as cidades gêmeas de Foz do Iguaçu (BR) e Ciudad del Este (PY). Para esse debate, consideramos as transformações espaciais ocorrentes a partir da construção desta ponte, seu fluxo diário e, por fim, um breve levantamento das ações e projetos que visam solucionar os problemas comuns às duas cidades, por meio de políticas locais. Os resultados indicam que a Ponte da Amizade promove a comunicação, a circulação e, consequentemente, a promoção do caráter transfronteiriço. É importante ressaltar que este texto faz parte de uma pesquisa em nível de dissertação de mestrado, sobre a mobilidade urbana na fronteira entre Foz do Iguaçu (Brasil) e Ciudad del Este (Paraguai). PALAVRAS-CHAVE: Ponte da Amizade; políticas locais; cooperação transfronteiriça. ABSTRACT: This paper aims to discuss the role of the Ponte da Amizade (Friendship Bridge) as communication infrastructure between the twin cities of Foz do Iguaçu (Iguassu Falls, Brazil) and Ciudad del Este (City of the East, Paraguay). For this study, we consider the spatial transformations occurring from the construction of this bridge, its daily flow and, finally, a brief survey of the actions and projects aimed at solving the problems common to both cities through local policies. The results indicate that the Ponte da Amizade promotes circulation, communication, and, consequently, enhances the cross-border character. It is important to note that this text is part of a Master’s research on urban mobility on the border between Foz do Iguaçu and Ciudad del Este. Keywords: Ponte da Amizade; local policies; cross-border cooperation. 1 Introdução Este trabalho aborda a questão da Ponte da Amizade, que liga Foz do Iguaçu (Brasil) a Ciudad del Este (Paraguai), sob o ponto de vista da comunicação, analisando o papel desempenhado pelas redes de infraestrutura no processo de transfronteirização e cooperação transfronteiriça. No recorte espacial pesquisado, as realidades locais desses países transcendem os limites políticos, promovendo o entrelaçamento da identidade dos povos e formando redes de solidariedade de caráter transfronteiriço, além de trocas comerciais, culturais e, até mesmo, políticas. Assim, a Ponte da Amizade representa a integração entre Brasil e Paraguai, sobretudo a aproximação das duas cidades gêmeas de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. 1 Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, campus de Marechal Cândido Rondon. [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

5500

A PONTE DA AMIZADE: UM ELO DE COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA ENTRE BRASIL E PARAGUAI

VALDELICE DO AMARAL FAGUNDES1

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo debater o papel da Ponte da Amizade como

infraestrutura de comunicação entre as cidades gêmeas de Foz do Iguaçu (BR) e Ciudad del

Este (PY). Para esse debate, consideramos as transformações espaciais ocorrentes a partir da

construção desta ponte, seu fluxo diário e, por fim, um breve levantamento das ações e projetos que visam solucionar os problemas comuns às duas cidades, por meio de políticas locais. Os resultados indicam que a Ponte da Amizade promove a comunicação, a circulação e, consequentemente, a promoção do caráter transfronteiriço. É importante ressaltar que este texto faz parte de uma pesquisa

em nível de dissertação de mestrado, sobre a mobilidade urbana na fronteira entre Foz do Iguaçu

(Brasil) e Ciudad del Este (Paraguai). PALAVRAS-CHAVE: Ponte da Amizade; políticas locais; cooperação transfronteiriça. ABSTRACT: This paper aims to discuss the role of the Ponte da Amizade (Friendship

Bridge) as communication infrastructure between the twin cities of Foz do Iguaçu (Iguassu Falls, Brazil) and Ciudad del Este (City of the East, Paraguay). For this study, we consider the spatial transformations occurring from the construction of this bridge, its daily flow and, finally, a brief survey of the actions and projects aimed at solving the problems common to both cities through local policies. The results indicate that the Ponte da Amizade promotes circulation, communication, and, consequently, enhances the cross-border character. It is important to note that this text is part of a Master’s research on urban mobility on the border between Foz do Iguaçu and Ciudad del Este.

Keywords: Ponte da Amizade; local policies; cross-border cooperation.

1 – Introdução

Este trabalho aborda a questão da Ponte da Amizade, que liga Foz do Iguaçu

(Brasil) a Ciudad del Este (Paraguai), sob o ponto de vista da comunicação,

analisando o papel desempenhado pelas redes de infraestrutura no processo de

transfronteirização e cooperação transfronteiriça.

No recorte espacial pesquisado, as realidades locais desses países

transcendem os limites políticos, promovendo o entrelaçamento da identidade dos

povos e formando redes de solidariedade de caráter transfronteiriço, além de trocas

comerciais, culturais e, até mesmo, políticas. Assim, a Ponte da Amizade representa

a integração entre Brasil e Paraguai, sobretudo a aproximação das duas cidades

gêmeas de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este.

1 Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Marechal Cândido Rondon. [email protected]

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Esta ponte representa a base física por onde ambas as cidades estabelecem

seu fluxo, que é permeado por diversos agentes sociais. Nesse sentido, destaca-se

a atuação dos motoboys, dos compristas, turistas e dos comerciários brasileiros e

paraguaios. Todos esses agentes exercem uma dinâmica territorial que promove a

transfronteirização, visto que toda essa mobilidade no cotidiano da fronteira

aproxima diferentes culturas. Essas ações - sejam elas por meio de trabalho, lazer

ou entretenimento - integram diversos segmentos sociais, econômicos e financeiros.

Na prática, a transfronteirização é facilitada por meio da cooperação, seja ela

no plano das políticas e programas nacionais e supranacionais ou na esfera da

informalidade. Estas ações de caráter informal são aquelas criadas pelos agentes

sociais com o objetivo de viabilizar os seus serviços. A otimização de recursos e a

solução de problemas comuns são da natureza da cooperação transfronteiriça, uma

vez que tanto a cooperação como a transfronteirização são indissociáveis ao

desenvolvimento e à integração regional.

Deste modo, buscando verificar o papel da Ponte da Amizade na promoção

da comunicação e da cooperação, investigamos as transformações advindas a partir

da construção desta infraestrutura e que culminaram na transfronteirização. Para

compor este quadro, nos pautamos em levantamento teórico, dados históricos,

informações da mídia, pesquisa em documentos públicos.

2 - Discussões

2.1 Conceitos

O conceito de fronteira, assim como outros termos da geografia, renova-se de

acordo com o momento histórico. Inicialmente, passamos por um período em que a

palavra fronteira servia de cunho ao firmamento estatal, já que a necessidade era o

estabelecimento formal das áreas limítrofes de cada estado-nação, usando meios

para que “o outro” reconhecesse esse limite imposto. Assim, o termo fronteira estava

totalmente ligado às palavras limite ou linha.

Superadas essas questões em quase todo o mundo, compreendemos que

não existem mais ecúmenos e tão poucos são os espaços de fronteiras indefinidas.

Nesse novo tempo, as questões motrizes em torno da fronteira são outras. Uma das

análises que mais atende às especificidades atuais reconhece que a fronteira deixou

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de ser apenas uma linha de fim de um território e início de outro, mesmo porque há

o reconhecimento das diversas formas de poder e, consequentemente, da

manifestação de múltiplos territórios para além do tradicional território estado-nação,

havendo, assim, a sobreposição e/ou transcendência destes conceitos para além

dos limites políticos estabelecidos. Embora a legislação estatal ainda utilize a

concepção tradicional de fronteira, estudos geográficos demonstram que a linha

estabelecida não limita a condição humana, visto que os sujeitos pertencentes ao

contexto fronteiriço transcendem os limites territoriais, criando relações intimistas

com os “dois lados” da divisa.

Reconhecendo essa dinâmica nas fronteiras, houve a inserção dos termos

transfronteiriço, transfronteirização e, posteriormente, a construção do conceito

cooperação transfronteiriça. Os dois primeiros surgiram na tentativa de compreender

as relações fronteiriças e o último foi inserido para nortear formas de estimular o

desenvolvimento, aproveitando as potencialidades da fronteira e contravertendo a

ideia deste território como órgão periférico do estado. Os pesquisadores Reitel e

Zander (2004, p. 2) buscaram esclarecer o termo transfronteiriço, afirmando que

esse adjetivo “traduz a travessia, a passagem, a transgressão: ele se aplica a priori

a todo movimento, toda relação através de um limite político entre dois Estados”.

Entendemos aqui como transfronteiriço o agente que habita próximo ao limite de um

estado-nação, cujas ações culturais, religiosas ou as de sobrevivência transpassam

o limite estatal e se entrelaçam ao país vizinho.

Já a transfronteirização é um conceito que traz maior abrangência, não

tratando apenas das ações isoladas dos agentes, mas sim de um conjunto de ações

dos povos que habitam esses territórios. Transfronteirização, segundo Guibert e

Ligrone:

[...] se refere a um conjunto de processos de aproveitamento e de

valorização de uma fronteira, limite territorial que separa dois sistemas políticos, econômicos e/ou sócio-culturais [sic]. Esse conceito se caracteriza quando os habitantes de ambos os lados transcendem a fronteira e a incorporam em suas estratégias de vida através de múltiplas modalidades. (GUIBERT E LIGRONE, 2006, p. 536).

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Alguns traços de transfronteirização são evidentes entre as cidades de Foz do

Iguaçu e Ciudad del Este, sobretudo ao analisarmos a circulação constante sobre a

Ponte da Amizade. A infraestrutura em regiões de fronteira promove a integração, a

exemplo disso Moura (2008) aponta que:

A efetivação de infraestruturas, principalmente aquelas ligadas ao transporte de pessoas e mercadorias, representa um marco na integração interna e externa dessas porções territoriais, com desdobramentos e repercussões em seus tecidos políticos, econômicos e sociais. (MOURA, 2008, p. 3).

É importante destacar que o diálogo desta pesquisa aborda apenas as

potencialidades geradas pela infraestrutura na comunicação e solução conjunta de

problemas entre as cidades gêmeas de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, porém se

reconhece que há fragilidades a serem enfrentadas para maiores integrações. O

exemplo disso está na Proposta de Reestruturação do Programa de

Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, que cita entraves à cooperação

transfronteiriça e propõe indicações que possam nortear futuras políticas públicas

brasileiras.

2.2 - Caracterização da área de estudo e traços da cooperação transfronteiriça

entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este

A região Oeste do estado do Paraná esteve historicamente isolada, em

períodos de concretização de projetos geopolíticos, que reafirmavam o controle das

fronteiras, foi formada, na área da atual cidade de Foz do Iguaçu, uma colônia militar

para garantir a estabilidade dos traços fronteiriços recém-definidos. Posteriormente,

no ano de 1954, foi fundada, neste mesmo espaço, a cidade iguaçuense. Da mesma

forma, o leste do Paraguai também não era fronteira habitada, cenário que mudou

apenas a partir do acordo de construção da Ponte da Amizade, facilitando o acesso

ao Paraguai. Posterior ao acordo, firmado em 1957, que iniciaram as principais

obras da construção de Ciudad del Este.

Portanto, ao analisar a gênese de Foz do Iguaçu e de Ciudad del Este,

verifica-se que a formação das duas cidades e o desenvolvimento desses espaços

estão relacionados à implantação de infraestruturas.

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A construção da Ponte da Amizade impulsionou a decisão do governo Alfredo

Stroessner, presidente do Paraguai na presente época, em desenvolver uma cidade

(Ciudad del Este) na cabeceira da edificação, causando um elevado crescimento

populacional na região. O mesmo governo havia realizado o acordo para a

construção da rodovia que liga a cidade de Assunção, capital do Paraguai, até a

ponte. Já do lado brasileiro, houve o asfaltamento da BR 277, criando, assim, uma

rede de infraestrutura entre Assunção e o Porto de Paranaguá.

Essas são apenas as primeiras interações espaciais proporcionadas pela

construção da ponte, obra que foi concluída em 27 de março de 1965. A partir da

ruptura da barreira física, imposta pela presença do rio, a contiguidade dos territórios

deu suporte a muitas outras esferas de desenvolvimento, tanto populacional, quanto

econômico e cultural. Assim, considera-se a circulação como um elemento

fundamental para a transfronteirização, visto que à medida que se disponibilizam

meios para o ir e vir do povo, possibilita-se o entrelaçamento entre esses povos,

formando redes de solidariedade, de trocas comerciais, culturais e, até mesmo,

políticas.

A movimentação diária entre estas cidades ocorre por diversos fatores, como

a migração pendular para trabalho e estudo, o turismo de compras, turismo

ambiental, entre outras. Inclui-se a essas atividades as de caráter ilícito, como o

tráfico de drogas, de armas e a passagem de veículos brasileiros roubados.

O fato é que esta rede de circulação promove a interdependência entre os

espaços e a complementaridade da economia. Por um lado, a compra realizada pelo

turista brasileiro é essencial para a manutenção da economia paraguaia. Por outro

lado, é através dessa compra que muitos brasileiros têm acesso a produtos

tecnológicos com valores mais acessíveis, mantendo, assim, uma parcela

significativa da população nacional que sobrevive do comércio informal, não só na

região, mas também em outros estados brasileiros.

A conexão entre ambas as cidades e a forte presença de turistas brasileiros

no Paraguai fica evidente na integração das línguas faladas. O Paraguai possui duas

línguas oficiais: o Guarani e o Espanhol. No entanto, ao caminhar pelas ruas de

Ciudad del Este, nota-se que os comerciantes e os mesiteiros, como são

denominados os vendedores ambulantes, falam a língua portuguesa, além de sua

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língua nativa. Essa influência da língua portuguesa na cidade paraguaia demonstra

o caráter transfronteiriço, mas também evidencia uma desigualdade nas relações de

dependência entre estes espaços, já que o mesmo fenômeno não ocorre quando se

trata do uso das línguas paraguaias em Foz do Iguaçu - PR.

Partindo das interações existentes nesta aglomeração da fronteira, buscamos

por ações e projetos que traços da cooperação transfronteiriça. Entre as principais

ações que estão acontecendo entre Ciudad del Este e Foz do Iguaçu, no ano de

2015, estão: a Campanha Trinacional de Combate à Violência Infantojuvenil; a

entrega de viaturas operacionais ao Paraguai, doadas pelo governo brasileiro; a

construção da Linha de Transmissão de Energia; a implantação de cabeamento para

fibra óptica, levando internet banda larga ao Paraguai; a criação do Conselho

Consultivo da Unila, que tem a missão de manter o diálogo da Universidade com a

comunidade da fronteira trinacional, formada pelos municípios de Foz do Iguaçu

(Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazu (Argentina); o Projeto Fronteiras

Cooperativas, do SEBRAE/PR; o Gabinete de Gestão Integrada Municipal de Foz do

Iguaçu; o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteiras), um programa

de atendimento à saúde dos fronteiriços; e o Projeto de Ensino Bilíngue.

As ações citadas ocorreram no primeiro semestre de 2015 e foram

mencionadas a título de conhecimento, visto que outras ações como essas estão

sendo realizadas na região. Nesta pesquisa, aprofundaremos as análises em duas

ações específicas, que envolvem o planejamento da população local, partindo da

ideia de que a cooperação transfronteiriça não consiste apenas em propor soluções

aos problemas comuns à fronteira, através da participação dos órgãos responsáveis

de ambos os países, mas sim em promover a participação dos agentes locais nas

tomadas de decisões sobre o território limítrofe. A primeira ação aqui abordada é a

reforma da Ponte da Amizade e a segunda é a busca pelo aumento da cota de

compras.

Já havia reconhecimento da necessidade de reparos na ponte há longa data,

visto que a edificação já estava prestes a completar o quinquagésimo ano sem

receber nenhuma reforma desse porte. De acordo com informações da Sala de

Imprensa da Itaipu Binacional (2014), a reforma ocorrerá em nível estrutural, mas

também irá abarcar as questões estéticas e de humanização da ponte.

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Os trâmites para a execução desta obra envolvem diversas instituições,

sendo estas: o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), O

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Foz do Iguaçu (CODEFOZ),

as Polícias Federais, os agentes das aduanas brasileira e paraguaia, a Polícia

Rodoviária Federal, a Receita Federal, a Agência Nacional de Navegação e Portos

do Paraguai (ANPP), a Asociación Plan de Desarrollo del Este, a União Industrial

Paraguai – Filial Alto Paraná, a Marinha e a Direção de Trânsito da Prefeitura. Além

desses agentes de ambos os países envolvidos na reforma, a Prefeitura Municipal

de Foz do Iguaçu2 (2015) cita, em nota, a abertura para a sugestão da comunidade

na execução da obra:

[...] foi apresentada uma série de sugestões colhidas na primeira semana das obras. As ideias vieram de motoristas, pedestres, trabalhadores, empresários e usuários (diretamente, via imprensa e internet). Elas serão analisadas em grupos técnicos montados conforme a origem de cada proposta. (PREFEITURA MUNICIPAL DE FOZ DO IGUAÇU-PR).

O momento crucial para a reforma configurou-se em 2013, quando foram

concluídos os projetos arquitetônicos e estruturais da obra e entregues ao

Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), sendo estes

projetos uma doação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Foz

do Iguaçu (CODEFOZ) e do Fundo Iguaçu. Evidenciou-se, nesta fase, a organização

das esferas locais na construção das políticas púbicas, pois em muitos casos de

obras financiadas por órgãos federais os projetos são finalizados pelos próprios

ministérios superiores, porém, nesse caso, há um envolvimento de diferentes

escalas de poder nacional e internacional no desenvolvimento desse trabalho.

As reuniões e os acordos estão sendo coordenados pelo CODEFOZ, através

de uma câmara técnica criada para cuidar dos assuntos referentes à reforma. O

CODEFOZ tem obtido êxito na promoção do diálogo entre as cidades gêmeas.

Reconhecendo a importância deste Conselho, o SEBRAE, por meio do projeto

Fronteiras Cooperativas, está trabalhando para que Ciudad del Este e Puerto Iguazu

também tenham órgãos semelhantes, que possam gerir os assuntos de interesses

2 Disponível em: http://www.pmfi.pr.gov.br/noticia/?idNoticia=36226. Acesso 15 mai. 2015.

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comunitários. Assim, os problemas comuns às três cidades poderiam ser debatidos

entre os respectivos conselhos, na busca por soluções satisfatórias e democráticas.

O programa Fronteiras Cooperativas, projeto, iniciado em 2013, buscou,

através de encontros e palestras com participações trilaterais, formar uma

consciência de cooperação e, posteriormente, consolidar os Conselhos. Atualmente

o programa já possui ações em andamento, como o Conselho de Ciudad del Este

(CODELESTE), que já está formado. Nesse sentido, ao analisar as atas das

reuniões ocorridas em 2015, que tratavam de assuntos relacionados à execução das

obras de revitalização da ponte, verifica-se que o CODELESTE já está presente

nestes eventos.

Outro problema que vem sendo tratado de forma conjunta é o valor de cota

imposta pelo Brasil aos estrangeiros que entram no país acompanhados de

bagagem. A última vez que este valor foi reajustado foi em 2005, através da

Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº. 538/2005, quando a cota

passou de 150 para 300 dólares. A justificativa, na época, para tal aumento foi o

aumento no valor da renda da família brasileira, fazendo com que o montante de 150

dólares se tornasse um preço demasiadamente baixo.

Em julho de 2014, através da Portaria do Ministro da Fazenda nº 307,

estabeleceu-se a redução da cota de isenção válida para viajantes que ingressam

no país via terrestre, fluvial ou lacustre, reduzindo, novamente, o valor para 150

dólares. Essa diminuição foi imposta pelos órgãos federais brasileiros, motivados

pela tentativa de aquecer a economia nacional. No entanto, devido às manifestações

dos comerciantes fronteiriços, o decreto foi suspendido temporariamente. Embora as

medidas federais estejam tendenciosas à diminuição desse valor, os movimentos

locais tendem pela outra posição, pois já vem sendo discutido entre Foz do Iguaçu e

Ciudad del Este a possibilidade de aumento da cota terrestre de 300 para 500

dólares, igualando-a à cota aérea e fluvial utilizada pelo Brasil.

Em 2013, o CODEFOZ encomendou um estudo de caso denominado

“Proposta de Elevação do Limite da Cota Terrestre, Fluvial e Lacustre de Bagagem

Acompanhada” que avaliou as potencialidades do aumento da cota. Uma das

constatações mencionadas pela autora Vanessa Dantas é o fato de que esse

aumento contribuiria para a mudança do perfil do comprista que frequenta Ciudad

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del Este, já que muitos brasileiros têm viajado a outros centros comerciais, como

Miami, para realizar suas compras, uma vez que a cota aérea é mais elevada que a

terrestre. Portanto, o aumento da cota atrairia esse turista a comprar no país vizinho

e, consequentemente, traria lucros para Foz do Iguaçu, pois esses consumidores

gastariam com alimentação e hotelaria. Em reunião bilateral realizada pelo

CODEFOZ, para tratar do aumento da cota, foi mencionada essa integração

econômica existente entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. Ressaltou-se, na

ocasião, que medidas federais de redução desse valor quebram a ordem de

integração e podem gerar não apenas problemas econômicos, mas também

problemas sociais na região.

Trabalhando sob esta perspectiva, através de reuniões que contaram com a

presença de entidades paraguaias e brasileiras, o assunto foi intensamente

debatido. O resultado desses diálogos foi a elaboração do estudo “Proposta de

Elevação do Limite da Cota Terrestre, Fluvial e Lacustre de Bagagem

Acompanhada”, que, posteriormente, foi enviado à Brasília para ser entregue à

presidente Dilma Rousseff, através das mãos do então presidente paraguaio Horácio

Cortez, demonstrando a soma de forças bilaterais locais interferindo nas decisões

nacionais.

Considerando o que foi exposto até aqui, sintetizamos a questão

transfronteiriça com a citação do diretor-executivo da Associação de Regiões de

Fronteira da União Europeia (ARFE), Martín Guillermo Ramirez, que afirmou,

durante a participação no Seminário de Capacitação Internacional em Foz do

Iguaçu, que: “Os protagonistas, que são os agentes de desenvolvimento nos países,

estão integrados, pensando e agindo em favor da cooperação. Já se tem aqui os

setores público, privado e as universidades incorporadas ao processo integratório

[sic]”.

2.4 - A Ponte da Amizade em números

Trabalhando essa linha de análise da cooperação transfronteiriça, subsidiada

pela infraestrutura da Ponte da Amizade, cumpre analisarmos o quão integrador é

este local. Sob esse viés, ressaltamos que a mobilidade não possui uma finalidade

em si só, mas reconhecemos que ela vai além, uma vez que produz a interação

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entre os espaços. Partindo desse pressuposto, apresentamos os dados que revelam

o fluxo diário da ponte.

A Universidade União Dinâmica de Faculdades Cataratas - UDC, de Foz do

Iguaçu, em parceria com a Polícia Federal, quantificou, em 2014, o fluxo de

pedestres e veículos que passam pela ponte. Segundo a pesquisa, a média diária de

pessoas que fazem a travessia é de, aproximadamente, 51.296 pedestres e de

42.917 veículos. Revela-se, assim, a interação e relação de interdependência entre

esses espaços.

3 – Metodologia

Como procedimento metodológico, utilizou-se um escopo bibliográfico com

autores que discutem questões referentes à cooperação transfronteiriça. Além disso,

foi utilizado um levantamento de dados de órgãos públicos brasileiros, como

Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu e CODEFOZ; dados oriundos da mídia local,

de pesquisa realizada pela União Dinâmica das Cataratas. Após o levantamento

bibliográfico e a coleta de dados, as informações foram sistematizadas no

desenvolvimento do texto e analisadas com base na literatura usada.

4 – Resultados

Com base na proposta de investigação da presente pesquisa, de analisar a

Ponte da Amizade como um elo de cooperação transfronteiriça, obtivemos os

resultados que serão expostos a seguir.

Certificamos que no cenário da fronteira entre Foz do Iguaçu (BR) e Ciudad

del Este (PY), a Ponte da Amizade e as demais redes de infraestrutura a ela

relacionadas possibilitam a comunicação, a circulação e, consequentemente, a

promoção do caráter transfronteiriço.

As constatações citadas foram evidenciadas através de análises da

transformação espacial e econômica que ocorreu nesta região após a construção da

ponte. Descrevemos essa situação durante o texto e, a seguir, demonstraremos

essas mudanças por meio de imagens que retratam a região de Ciudad del Este. Ao

analisar as imagens, torna-se explícita a inexistência de espaço urbano no período

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recente à construção da ponte, em oposição à imagem mais atual, que retrata o

desenvolvimento da cidade.

Figura 1 – Ponte da Amizade ano de 1961. Fonte: http://elofoz.com.br/v1/artigo/326/NOTICIAS/23/ponte_da_ amizade_completa_49%C2%BA_aniversario.html – Acesso em: 01 jun. 2015 Organização: Valdelice Fagundes

Figura 2 – Ponte da Amizade em 2015 Fonte: http://www.novafm103.com.br/noticia/5140 Acesso em: 01 jun. 2015 Organização: Valdelice Fagundes

Constatamos, também, o potencial de comunicação e complementaridade

destas cidades, promovido através do elevado fluxo diário de pessoas que

perpassam pela ponte, dando origem a uma gama de relações que mantém parte

considerável da economia local.

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5 - Conclusões

Ao finalizar, percebemos o entrelaçamento de diversos aspectos entre os

povos fronteiriços, como a interação linguística e a busca de soluções conjuntas a

problemas comuns. Essa busca por soluções torna-se perceptível por meio da

análise das ações e dos projetos realizados na região, que foram pesquisados e

citados no texto. Dessa forma, verifica-se a existência de cooperação

institucionalizada, através de projetos bilaterais. Somam-se a isso as ações na

esfera da informalidade, que acontecem todos os dias em torno da ponte e que são

subsidiadas pela solidariedade entre os povos

Referências Bibliográficas: ASSESSORIA DE IMPRENSA DA ITAIPU (Foz do Iguaçu). Assessor de Imprensa. Revitalização da Ponte da Amizade começa em uma semana. 2014. Disponível em: <https://www.itaipu.gov.br/sala-de-imprensa/noticia/revitalizacao-da-ponte-da-amizade-comeca-em-uma-semana>. Acesso em: 20 jun. 2015 BRASIL. LIA OSÓRIO MACHADO. . PROPOSTA DE REESTRUTURAÇÃO DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA: BASES DE UMA POLÍTICA INTEGRADA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL PARA A FAIXA DE FRONTEIRA. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2005. 418 p. DANTAS, Vanessa. Proposta de Elevação do Limite da Cota Terrestre, Fluvial e Lacustre de Bagagem Acompanhada.Foz do Iguaçu: Sem Editora, 2013. 31 p. GUILBERT, Martine; LIGRONE, Pablo. Transfronterización. In: BIAGINI, Hugo e ROIG, Andrés Arturo. Diccionario del pensamiento alternativo. Buenos Aires, 2006. MOURA, Rosa; CARDOSO, Nelson Ari. AGLOMERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA: INTEGRAÇÃO REGIONAL OU CONSTITUIÇÃO DE UM ENCLAVE? In: 7° COLÓQUIO DE TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS DESENVOLVIMENTO, INTEGRAÇÃO REGIONAL E TERRITÓRIO: MARCOS CONCEITUAIS E DE INTEGRAÇÃO, 7., 2008, Curitiba. AGLOMERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA: INTEGRAÇÃO REGIONAL OU CONSTITUIÇÃO DE UM ENCLAVE?. Curitiba: Anales de La Bienal del Coloquio de Transformaciones Territoriales, 2008. v. 1, p. 1 - 20. Disponível em: <http://www.augm-cadr.org.ar/archivos/7mo-coloquio/mesa_6/20080379.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2015. REITEL, Bernard; ZANDER, Patricia. Espace transfrontalier. http://www.hypergeo.eu/IMG/_article_PDF/article_207.pdf.