a poesia modernista no brasil: mário de andrade

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  • 8/17/2019 A poesia modernista no Brasil: Mário de Andrade

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    magorias da Modernidade nos tró-picos. Ele colocou seu trabalhocomo poeta, romancista e crítico aserviço dessa causa”3.

    De fato, guardando-se as devi-das proporções e particularidades,de acordo com as diferenças deenquadramento histórico e cultural,pode-se rastrear em Mário de

     Andrade interessantes af inidadescom o poeta francês no que dizrespeito à maneira como as paisa-gens urbanas são apresentadas atra-

     vés das figu rações poét icas .Evidentemente, a linguagem, o esti-lo e a perspectiva geográfica sãodiferentes, mas alguns temas e pon-tos de vista podem ser compara-dos, à luz de critérios interpretati-

     vos com que Walter Benjamimanalisa as imagens da metrópolesob a ótica de Baudelaire. Os escri-tos do poeta francês apontam oscaminhos iniciais que a percepçãopoética iria percorrer para apreen-

    der e representar a modernidadecomo uma contingência inerente à

     vida das grandes cidades. E, assimcomo as vivências urbanas consti-tuem um tema intrínseco aos seus

     versos, também há uma teoria poé-tica moderna que lhe é subjacente,cuja formulação mais expressiva seencontra nos poemas em prosa e

    nos ensaios estéticos.Mário de Andrade, em suaépoca, estava atento às experimen-tações estéticas que se faziam naFrança, na virada do século XIX para o século XX 4. Conhecia nãoapenas os poemas de Émile

     Verhaeren, mas também oUnanimismo de Jules Romains, quepregava uma poesia que exprimis-se os sentimentos unânimes dohomem diante da agitada vida urba-na5. O poeta brasileiro tambémacompanhava os desdobramentosartísticos resultantes das propostasfuturistas e dadaístas, após a

    Primeira Guerra Mundial, quando oímpeto destruidor dessas vanguar-das “já se encontrava travado pelaconcepção ordenadora de ummundo novo, donde a idéia de umespírito novo (ou moderno) quepresidia a nova mentalidade cria-

    dora”6.Mário tinha conhecimentodas experiências cubistas e surrea-listas, das idéias de Paul Dermée,Epstein, Georges Migot e Ribot, liae anotava os principais artigos darevista L’Esprit nouveau, donde seorigina o ecletismo de suas teoriza-ções. A partir desse conjunto deinformações, o poeta paulistanoassimilou a contribuição estrangei-ra e desenvolveu suas própriasreflexões, formulando, na introdu-

    ção do seu livro, um “Prefácio inte-ressantíssimo”, que representa aprimeira proposta formal de umapoética da modernidade no Brasil.Logo depois ele amplia suas idéiasno ensaio A escrava que não éIsaura, escrito no período de 1922a 1924 e publicado em 19257.

    Os poemas de Paulicéia desvai-rada têm, direta e indiretamente, amarca definidora da modernidadebrasileira. Essa marca se caracteri-za, sobretudo, por sua dimensão

    metapoética, uma vez que os poe-mas são representativos de umapráxis criadora que o poeta instau-ra e explicita no seu prefácio, comouma estética do “Desvairismo”. Aolado de seu sentido teórico nortea-dor de um novo fazer poético, aexpressão também aponta para aperspectiva de um olhar empenha-do em traduzir os sentidos da cida-de. Trata-se de uma posição emlinha de mirada, a partir da qual as

    imagens urbanas são observadas eincorporadas ao discurso da poe-sia. Com efeito, a palavra desvairis-mo remete à condição de um olharem vertigem, que se envolve inten-samente naquilo que observa e nãoconsegue abarcar ou compreenderna totalidade. O olhar em vertigemcapta as imagens e as traduz emlinguagem, diante de algo aomesmo tempo próximo e grandio-so, mas também distante e inóspi-to. Esta é a perspectiva fundamen-tal do poeta observador diante dagrande cidade, espaço que funcio-na sob a lógica da velocidade e da

    Retrato de Mario de Andrade, Pintura de Lasar Segall (1927).

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    transitoriedade que levam ao des- vario do olhar sensível.

    Em Paulicéia desvairada a cida-de é o tema prioritário e obsessivo.

     Atualiza-se numa abordagem exal-tada em que o poeta emprega todoo alcance do seu olhar em diversos

    ângulos de observação. Já no próxi-mo livro, Losango cáqui (1926), asimagens urbanas são definidas apartir de observações e reflexõescolhidas nas andanças pelas ruas enas viagens de bonde. Nessemomento, o poeta exprime a cida-de através de imagens amenas,entusiasmado com as vivências docotidiano. Nos livros seguintes acidade continua sendo referida, emtrechos em que a paisagem urbana

     volta a ser objeto de considerações.Mas é em Lira paulistana (1945) queo tema volta a ser trabalhado demaneira contínua e metódica emtoda a extensão do livro. Trata-sede uma revisão de pontos de vista,resultante da abertura da percep-ção crítica para outros aspectos da

     vida urbana, suas cont ingênciassociais e políticas. Nesse livro,Mário retoma os motivos urbanosde forma sistemática, em poemascuja elaboração supera em muito a

    concepção formal, os virtuais dese-quilíbrios e o artificialismo dePaulicéia desvairada que “vêm comcerteza do fato de que a poéticaimportada não correspondia à rea-lidade local, muito mais limitada eprovinciana do que Paris, seu pontode origem”8.

     Ao tematizar São Paulo, o poetabrasileiro p roduz sobretudo umapoética do olhar. A atitude decontemplação da cidade é um dos

    traços mais fortes de toda a suapoesia. Já no livro inicial, o autorse propõe a expressar diversas

     visões da cidade, estabelecidas apartir de um ponto de vista arle-quinal. O arlequim moderno é amáscara do poeta “sentimental ezombeteiro que encarna o espíritoda modernidade e de suas contra-dições”9, o que permite a expressãodas aparências urbanas, sem deixarde mostrar que o eu lírico as per-cebe como tal e, portanto, elaboraem contraface um discurso que pro-cura exprimir a busca de umaessência perdida.

    Paulicéia desvairada e Lira pau-listana representam os dois momen-tos cruciais da poesia urbana deMário de Andrade. Marcam os pon-tos extremos de uma evolução que

     va i gradat ivamente do desvar io ,predominante no primeiro livro, à

    observação metódica mais rigoro-sa, predominante no segundo. Oseu discurso poético transita daexaltação à reflexão, da contempla-ção abismada ao crivo crítico dian-te da cidade em movimento. Nosdois livros, o desvario e o métodoestão presentes, mas com umainversão clara da proporcionalida-de com que presidem a voz dopoeta. Ambos constituem doismomentos distintos e complemen-

    tares, entremeados pelo percursourbano dos demais livros, em quese pode rastrear o jogo dialéticoque envolve a visão, a revisão e asíntese da imagem da cidade naobra do autor. Mário de Andradeatualiza e insere a poesia brasileirana tradição ocidental da poéticaurbana moderna, acrescentando-lhe a experiência de uma grandecidade dos trópicos. Dessa manei-ra, São Paulo participa de formaparticular da elaboração de uma

    nova escrita das metrópoles oci-dentais, na primeira metade doSéculo XX

    * Aleilton Fonseca é poeta, contista,ensaísta e professor de literatura bra-sileira na Universidade de Feira deSantana (Estado da Bahia). Tambémé co-editor da revista Iararana.

    1  ANDRADE, Mário de. “O movimentomodernista”. In: Aspectos da literatu-ra brasileira. São Paulo: Martins,1974, p. 233.

    2 BOLLE, Willi. Fisionomia da metró-pole moderna. São Paulo: EDUSP,1994, p. 34.

    3 Idem., p. 35.4 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de

     Andrade. Ramais e caminhos. SãoPaulo: Duas Cidades, 1972.

    5 “Manifesto Unanimista”. In: TELES,Gilberto Mendonça. Vanguarda euro-péia e modernismo brasileiro. 8 ed.Petrópolis: Vozes, 1985, p. 75 e 77.

    6 TELES, Gilberto Mendonça. Estudosde poesia brasileira. Lisboa:

     Almedina, 1985, p. 58.7 Idem, p. 55.8 LAFETÁ, João Luiz. Figuração da inti-

    midade. Imagens na poesia de Máriode Andrade. São Paulo: MartinsFontes, 1986, p. 20.

    9 LAFETÁ, João Luiz. Op. cit., p. 15.

    Obras recebidasna redacção

    LIVROS• ADESKY, Jacques d’: Racismes et anti-

    racismes au Brésil, pref. de JulietteMinces, Paris, L’Harmattan, 2001, 225 p.

    • ALBUES, Tereza - Pedra Canga, Ed.Philobiblion, Rio de Janeiro, 1987, 109 p.

    • ALBUES, Tereza - O Berro do

    Cordeiro em Nova York, Ed.Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,1995, 245 p.

    • BESSE, Maria Graciete: Percursos doFeminino, Lisboa, Ulmeiro, 2001, 255 p.recolha de ensaios sobre as romancis-tas contemporâneas: Maria OndinaBraga, Luísa Costa Gomes, TeolindaGersão, Clara Pinto Correia, JoanaRuas, Isabel de Sá, Raquel Gonçalves,Leonor Xavier, Sophia de Melo Breyner

     Andresen e Maria Isabel Barreno.• BRASILEIRO, Antonio - A Estética da

    Sinceridade & outros ensaios, UEFS,Salvador, 2000, 98 p.

    • BRASILEIRO, Antonio - Pequenosassombros (poesia), Ed. Cordel, Feirade Santana (Bahia), 2001, 59 p.

    • DANTAS, Luís: A Revolta da Maria da

    Fonte, Ponte do Lima, Edições Ceres,2001, 87 p.• DANTAS, Luís: Bocage no seu tempo,

    Ponte do Lima, Edições Ceres, 2000,59 pp.

    • DU PASQUIER, Thierry: Les baleiniersbasques, Paris, S.P.M. col. Kronos,2000, 455 pp. in-8° ills. 295 F.

    • INDUTA, Zamora: Guiné 24 anos deIndependência (1974-1998), pref.

     Jaime Nogueira Pinto, Lisboa, Hugin,2001, 196 p. in-8° ills.

    • MACHADO, Alice: A Cor da Ausência,Lisboa, Publicações Europa-América,2001, 113 p.

    • MATTOS, Florisvaldo - Mares anoiteci-dos (poesia), Fundação Cultural daBahia/Imago, Rio de Janeiro, 2000,119 p.

    • MONTEIRO, António Enes, org.:Reencontro com Nietzsche noCentenário da sua Morte (1900-2000),Porto, Granito Edições e Livreiros,2001, 270 pp. Comporta comunicaçõesde Joaquim F. Saraiva de Sousa, Luísde Araújo, Luís M. Aires VenturaBernardo, Carlos A. do Couto Amaral,Mário André P. Veríssimo, JoséFernando Guimarães, Fátima Pombo,

     João Manuel Duque, Neiza Teixeira,Dieter Borchmeyer, Peter Pütz, AstridDeuber-Mankowsky e Américo Monteiro.

    • NETO, Godofredo de Oliveira:Marcelino Nanmbrá, o Manumisso, Riode Janeiro, Nova Fronteira, 2000, 211p.

    • OLIVIERI-GODET, Rita et SOARES de

    SOUZA, Lícia - Identidades e repre-sentações na cultura brasileira, Ed.Idéia, João Pessoa (Paraíba), 2001, 230p.

    • PEREYR, Roberval -A Amálgama (poe-sia), Ed. MAC, Feira de Santana(Bahia), 2000, 45 p.

    • PEREYR, Roberval - A UnidadePrimordial da Lírica Moderna, UEFS,Bahia, 2000, 102 p.

    • PÉRONCEL-HUGOZ, Jean-Pierre - Petitjournal lusitan, avec des photogra-phies de José Afonso Furtado, Ed.Domens, 34120 Pézenas, 2001, 196 p.

    • QUINT, Anne-Marie, dir.: Le conte etla lettre dans l’espace lusophone,Cahier n° 8 du CREPAL - Centre deRecherche sur les Pays Lusophones,Paris, Presses de la Sorbonne-Nouvelle,2001, 190 p. in-8° 121, 40 F.

    • REEVE, Charles: Crónicas Portuguesas,trad. Júlio Henriques, Lisboa, Fenda,2001, 127 p. fotografias de JoséManuel Balbino.