a pesquisa sobre Órgão no brasil - estado da arte

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25 A pesquisa sobre órgão no Brasil: estado da arte Dorotéa Kerr (UNESP) dkerr @uol.com.br Any Raquel Carvalho (UFRGS) anyraque @cpovo.net Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar um inventário descritivo e analítico da produção acadêmica musical brasileira sobre órgão, a partir de dissertações e teses oriundas dos programas de Pós-graduação e de concursos de ascensão na carreira docente. Este estudo justifica-se por ser um instrumento de conhecimento das abordagens utilizadas na subárea e como indicador para estudos sobre a área de música em geral. Fundamenta- se nos estudos de RICHARDSON (1989), SOUZA (1990), CARVALHO (2000) e FERREIRA (2002). Este estudo incluiu duas fases: (1) a identificação dos dados bibliográficos e (2) estudo das tendências, ênfases e escolhas metodológicas. Palavras chave: música para órgão, música brasileira, literatura para órgão, estado da arte. Organ research in Brazil: state-of-the art Abstract: This state-of-the art research aims at presenting a descriptive, analytical and critical inventory of the academic output of Brazilian organ music. This will be achieved through the use of theses and dissertations from the graduate programs in Brazil, as well as from board exams within the academic career. The study is justified by the approaches utilized in Brazilian graduate studies in organ and can be seen as an indication of the main areas of study in music in Brazil. Theoretical references used include Richardson (1989), Souza (1990), Carvalho (2000), and Ferreira (2002). The study is being developed through the identification of bibliographical data and the study of tendencies and methodological emphasis and choices. Keywords: organ music, Brazilian music, organ literature, state-of-the-art. 1. Introdução Este artigo é resultado de uma pesquisa “estado da arte” ou “estado do conhecimento”, de caráter bibliográfico, que tem por objetivo apresentar um inventário da produção acadêmica da subárea órgão e, ao mesmo tempo, elucidar de que forma e em que condições essa produção tem se dado. Pesquisas dessa natureza têm sido realizadas no Brasil, nos últimos quinze anos, em várias áreas de conhecimento, principalmente na Educação, da qual foram emprestados o modelo e a fundamentação para este estudo. Esse inventário é, inicialmente, de caráter descritivo, ou de “mapeamento”; no segundo momento, de caráter analítico, procura-se responder as questões levantadas a partir desse trabalho inicial, entre elas que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares (...), de modo a se compreender as grandes linhas que têm norteado a produção bibliográfica na área estudada (FERREIRA, 2002, p. 258). Vez por outra, uma área precisa fazer um balanço da totalidade de estudos, textos e pesquisas que têm sido realizados em seu domínio para avaliar seu crescimento tanto qualitativo quanto quantitativo. Essa necessidade torna-se mais premente quando essa produção vem, principalmente, dos programas de pós-graduação, cujos trabalhos permanecem, muitas vezes, desconhecidos da comunidade científica mais ampla, que

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Estado da Arte

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    A pesquisa sobre rgo no Brasil:estado da arte

    Dorota Kerr (UNESP)[email protected]

    Any Raquel Carvalho (UFRGS)[email protected]

    Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar um inventrio descritivo e analtico da produo acadmicamusical brasileira sobre rgo, a partir de dissertaes e teses oriundas dos programas de Ps-graduao e deconcursos de ascenso na carreira docente. Este estudo justifica-se por ser um instrumento de conhecimento dasabordagens utilizadas na subrea e como indicador para estudos sobre a rea de msica em geral. Fundamenta-se nos estudos de RICHARDSON (1989), SOUZA (1990), CARVALHO (2000) e FERREIRA (2002). Este estudoincluiu duas fases: (1) a identificao dos dados bibliogrficos e (2) estudo das tendncias, nfases e escolhasmetodolgicas.Palavras chave: msica para rgo, msica brasileira, literatura para rgo, estado da arte.

    Organ research in Brazil: state-of-the artAbstract: This state-of-the art research aims at presenting a descriptive, analytical and critical inventory of theacademic output of Brazilian organ music. This will be achieved through the use of theses and dissertations fromthe graduate programs in Brazil, as well as from board exams within the academic career. The study is justified bythe approaches utilized in Brazilian graduate studies in organ and can be seen as an indication of the main areasof study in music in Brazil. Theoretical references used include Richardson (1989), Souza (1990), Carvalho(2000), and Ferreira (2002). The study is being developed through the identification of bibliographical data andthe study of tendencies and methodological emphasis and choices.Keywords: organ music, Brazilian music, organ literature, state-of-the-art.

    1. IntroduoEste artigo resultado de uma pesquisa estado da arte ou estado do conhecimento,de carter bibliogrfico, que tem por objetivo apresentar um inventrio da produoacadmica da subrea rgo e, ao mesmo tempo, elucidar de que forma e em quecondies essa produo tem se dado. Pesquisas dessa natureza tm sido realizadasno Brasil, nos ltimos quinze anos, em vrias reas de conhecimento, principalmente naEducao, da qual foram emprestados o modelo e a fundamentao para este estudo.Esse inventrio , inicialmente, de carter descritivo, ou de mapeamento; no segundomomento, de carter analtico, procura-se responder as questes levantadas a partirdesse trabalho inicial, entre elas que aspectos e d imenses vm sendo destacados eprivilegiados em diferentes pocas e lugares (...), de modo a se compreender as grandeslinhas que tm norteado a produo b ibl iogrfica na rea estudada (FERREIRA,2002, p. 258).Vez por outra, uma rea precisa fazer um balano da totalidade de estudos, textos epesquisas que tm sido realizados em seu domnio para avaliar seu crescimento tantoqualitativo quanto quantitativo. Essa necessidade torna-se mais premente quando essaproduo vem, principalmente, dos programas de ps-graduao, cujos trabalhospermanecem, muitas vezes, desconhecidos da comunidade cientfica mais ampla, que

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    deveria avali-los, e principalmente da sociedade, sua principal beneficiria. Pesquisasestado da arte permitem indicar os temas mais abordados, evitando assim repetio, econhecer as diferentes perspectivas, abordagens e metodologias empregadas. Em suma,visam elaborao de uma reviso crtica da produo de uma determinada rea. Assimentende SOARES:

    Esta compreenso do estado de conhecimento sobre um tema, em determinado momento, necessria no processo de evoluo da cincia, afim de que se ordene periodicamente o conjuntode informaes e resultados j obtidos, ordenao que permita indicao das possibilidades deintegrao de diferentes perspectivas, aparentemente autnomas, a identificao de duplicaesou contradies, e a determinao de lacuna e vieses (1987, p. 3).

    As autoras desse artigo desenvolvem, atualmente, pesquisa sobre a atividade organsticano Brasil (A atividade organstica no Brasil: organistas, compositores, construtores do sculoXVI ao XX) e entendem que uma avaliao do estado da arte nessa subrea fundamentalpara se levar a cabo uma pesquisa to abrangente. O conhecimento das muitasinterpretaes, reflexes de organistas e estudiosos sobre a atividade parte fundamentalda situao hermenutica das autoras para o estabelecimento de dilogo necessrio comas muitas interpretaes visando ao entendimento desse fenmeno atividade organsticano Brasil. Para alm do domnio especfico dessa subrea, este estudo poder, tambm,contribuir para o entendimento de alguns problemas da pesquisa na grande rea da msicano Brasil.

    Assim, como FERREIRA, as autoras entendem que pesquisas estado da arte justificam-sepelo

    desafio de conhecer o j construdo e produzido para depois buscar o que ainda no foi feito,de dedicar cada vez mais ateno a um nmero considervel de pesquisas realizadas dedifcil acesso, de dar conta de determinado saber que se avoluma cada vez mais rapidamentee de divulg-lo para a sociedade (...) (2002, p. 259).

    O modelo utilizado baseia-se nos estudos de RICHARDSON (1989), SOUZA (1990),CARVALHO (2000) e FERREIRA (2002). Esses textos indicam formas para a realizaodo mapeamento inicial e, a partir desses modelos que se inter-relacionam e se completam,as autoras elaboraram um plano prprio, cujos resultados parciais esto expostos nesteartigo. Alguns pontos merecem ser realados. Para FERREIRA, h necessidade de seanalisar as condies institucionais em que ocorreram as pesquisas e de se fazerentrevistas com os autores para enriquecimento dessa primeira fase do trabalho;CARVALHO trabalha mais com modos de classificao dos tipos de produo, enquantoSOUZA detm-se mais na descrio de itens necessrios para um levantamento maiscompleto. Para RICHARDSON e GOUVEIA (1976), as pesquisas tambm devem seravaliadas pela contribuio no s rea de conhecimento como tambm por suacontribuio social. Todos os autores enfatizam a necessidade de anlise de contedo,para a identificao de temas e metodologias empregadas, ponto central das pesquisasestado da arte.

    2. ObjetoO objeto desta pesquisa so as dissertaes acadmicas produzidas em universidades emcursos de ps-graduao, como requisitos para obteno de ttulos de mestre e doutor, e

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    aquelas produzidas como requisitos ascenso na carreira docente (concursos delivre-docncia).A divulgao das dissertaes (nome genrico, de agora em diante, que abrange asconsideradas teses e os memoriais1 ) d-se por meio de consulta local e direta s bibliotecasdepositrias ou por meio de emprstimos realizados pelo Sistema de Comutao Bibliogrfica(COMUT). Nenhuma das dissertaes consta ainda do sistema de Biblioteca Digital on-line,recentemente criado; tambm no so encontradas em forma de Cd rom e somente uma foitransformada em livro2. Outra possibilidade de acesso por meio de solicitao de cpia aoautor da dissertao.

    A delimitao temporal procede de 1941 data da primeira dissertao (chamada de tese)apresentada para concurso cadeira de rgo da Escola Nacional de Msica da Universidadedo Brasil at 2002, com uma dissertao de mestrado pela UFRJ.

    3. MetodologiaA pesquisa desenvolveu-se em duas fases distintas, baseada nas indicaes de FERREIRA:

    Um primeiro, que aquele em que [o pesquisador] interage com a produo acadmica atravsda quantificao e de identificao de dados bibliogrficos, com o objetivo de mapear essaproduo num perodo delimitado, em anos, locais, reas de produo. Nesse caso, h umcerto conforto para o pesquisador, pois ele lidar com os dados objetivos e concretos localizadosnas indicaes bibliogrficas que remetem pesquisa (2002, p. 265).

    A partir dessa primeira descrio, foi possvel elaborar uma narrativa histrica da produo,narrativa que aborda os momentos de implantao e de amadurecimento dos programas de ps-graduao de forma geral e, em particular, daqueles nos quais as dissertaes foram produzidas.Foi possvel apontar os perodos em que as pesquisas cresceram, locais de produo e agentesnelas envolvidos. O segundo momento desta pesquisa (a ser publicada em outro artigo) trata doinventrio da produo procurando identificar tendncias, nfases, escolhas metodolgicas etericas, aproximando ou diferenciando trabalhos entre si, na escrita de uma histria de umadeterminada rea de conhecimento. As questes a serem respondidas so de outra ordem; noprimeiro momento, perguntava-se quando, onde, quem, na segunda fase, as respostas devematender ao o qu, o como dos trabalhos (FERREIRA, 2002, p. 265).4. Resultados da pesquisaColetou-se um conjunto de material que envolve vinte trabalhos, denominados dissertaes,memoriais ou teses. Seis, denominados teses, foram apresentados em concursos pblicos; osdemais trabalhos foram produzidos pelos Programas de Ps-graduao. O Quadro 1 apresentaesses trabalhos em ordem cronolgica por ano e em ordem alfabtica dentro do ano.

    1 Nesse primeiro momento da pesquisa, far-se- uso desse nome genrico dissertao; cientes das diferenasde conceitos que envolvem esses tipos de trabalho, as autoras decidiram deixar esse detalhamento para umaprxima exposio de resultados.

    2 Trata-se de uma edio em ingls da dissertao da organista Domitila Ballesteros - Jeanne Demissieuxs Sixtudes and the Piano Technique - publicada pela autora em 2004. A dissertao, embora na subrea rgo,trata de problemas de tcnica pianstica e foi orientada pela Prof. Dra. Miriam Grosman.

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    1941 - CAMIN, ngelo. Consideraes sobre a fnica organstica. Tese para concurso cadeira de rgo da Escola Nacional de Msica da Universidade do Brasil. 63 pginas.1941 - SILVA, Antonio da. Ser compositor indispensvel ao organista. Tese apresentadaao concurso para provimento efetivo da cadeira de Harmnio e rgo da Escola de Msicada Universidade do Brasil. 48 pginas.1944 - SILVA, Antonio da. No rgo, constitue (sic) fator expressivo a registrao. Teseapresentada ao concurso de docente livre para a cadeira de harmnio e rgo da EscolaNacional de Msica da Universidade do Brasil. 18 pginas.1961 GAZANEGO, Mrio. Registrao: complemento indispensvel composio parargo. Tese de concurso para livre docente da cadeira de Harmnio e rgo da EscolaNacional de Msica da Universidade do Brasil. 31 pginas.1962 GAZANEGO, Mrio. Do rgo, sua didtica e conquistas tcnicas. Tese de concursopara Catedrtico da cadeira de rgo e harmnio da Escola Nacional de Msica daUniversidade do Brasil. 45 pginas.1966 SALGADO, Syme. O rgo, fascinante mistrio sonoro! Tese de concurso para livredocncia de harmnio e rgo da Escola de Msica da Universidade Federal do Rio deJaneiro. 42 pginas.1985 KERR, Dorota Machado. Possveis causas do declnio do rgo no Brasil e Catlogodos rgos do Brasil . Dissertao de mestrado apresentada Escola de Msica daUniversidade Federal do Rio de Janeiro. 175 e 476 pginas, respectivamente.1988 MERSIOVSKY, Gertrud. O rgo da Escola de Msica da Universidade Federal doRio de Janeiro. Trabalho apresentado Escola de Msica da Universidade Federal do Riode Janeiro como requisito obteno do grau de doutor em msica. 419 pginas.1990 - AQUINO, Jos Luis Prudente de. Um estudo da registrao na Grande PiceSymphonique op. 17, de Csar Franck para rgo. Memorial de recital de mestrado,apresentado Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 280 pginas.1992 AGUIAR Jr. Ary. O problema da registrao da msica de Max Reger para rgo.Memorial de recital de mestrado, apresentado Escola de Msica da Universidade Federaldo Rio de Janeiro. 279 pginas.1992 RACHID, Alexandre. Olivier Messiaen: Messe de la Pentecte. Memorial de recitalde mestrado, apresentado Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.280 pginas.1993 SANTOS, Marco Aurlio Lischt dos. Max Reger: Variationen und Fugue uber einOriginalthema fur Orgel, p. 73: aspectos tcnico-vistuossticos na obra para piano e rgo.Dissertao de mestrado apresentada Escola de Msica da Universidade Federal do Riode Janeiro. 284 pginas.1995 BIATO, Eduardo Bertolossi. Arnold Schoenberg Variations on a Recitative, op. 40.Anlise formal e realizao tmbrica no rgo da Escola de Msica da UFRJ. Dissertao deMestrado apresentada Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 206pginas.1995 LACERDA, Regina Clia Coutinho de. Wolfgang Amadeus Mozart: a Fantasia emf menor KV 608 no repertrio organstico. Dissertao de Mestrado apresentada Escolade Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 209 pginas.

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    1996 PEREIRA, Benedito Jos Rosa. Charles-Marie Widor Sixime Symphonie pourorgue, op. 42, no. 2 . Dissertao de Mestrado apresentada Escola de Msica daUniversidade Federal do Rio de Janeiro. 166 pginas.1997 HECKERT, Bailinda. Francisco Correa de Arauxo execuo de Tientos. Dissertaode Mestrado apresentada Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.171 pginas.2000 AQUINO, Jos Luis Prudente de. Frio Franceschini e o rgo: relao constantepreferencialmente voltada msica sacra. 2 vol. Tese de Doutorado apresentada Escolade Comunicao e Arte (ECA) da USP. 592 pginas.2001 AMSTALDEN, Jlio. A Msica na Liturgia Catlica Urbana no Brasil aps o ConclioEcumnico Vaticano II (1962-1965). Dissertao de Mestrado apresentada ao Instituto deArtes da UNESP. 206 pginas.2001 CHAGAS, Junia. As Vingt-quatre pices de Fantaisie de Louis Vierne. Dissertaode Mestrado apresentada ao Instituto de Artes da UNESP. 150 pginas.2002 - BALLESTEROS, Domitila. Consequncias da utilizao de elementos piansticos nacomposio dos Six tudes de Jeanne Demessieux. Dissertao de Mestrado apresentada Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 127 pginas.

    Quadro 1: Dissertaes de mestrado na subrea rgo realizadas no Brasil

    Identificar os objetivos que nortearam essa produo o primeiro ponto dessa partedescritiva do trabalho, segundo RICHARDSON (1989, p. 6). Assim, os seis primeirostrabalhos, realizados de 1941 a 1966, visavam ao preenchimento de cargos de professoresou ascenso na carreira do magistrio universitrio, conforme configurao da carreiradocente vigente, naquele momento, na Escola Nacional de Msica da Universidade doBrasil (hoje Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Esses trabalhosapresentam a denominao de teses e foram realizados em um momento em que aindano se manifestara a necessidade de implantao de cursos de ps-graduao na rea demsica. A partir de 1985, inaugurou-se uma nova fase, com as dissertaes e memoriaisde mestrado ou doutorado, resultantes de pesquisas realizadas em alguns dos programasde ps-graduao.

    A ps-graduao tem como objetivo formar recursos humanos em todo o espectro da formao,como docentes, pesquisadores e tcnicos e, segundo alguns autores, a produo de trabalhoscientficos que dela decorre deve visar a soluo de problemas sociais, econmicos etecnolgicos do pas (RICHARDSON, 1989, p. 40). Disseminou-se a noo, entre todas asreas de conhecimento inseridas nas universidades brasileiras, de que a pesquisa, alm deser instrumento de criao de conhecimento novo, deve ser vista como meio fundamentalpara criao de solues tecnolgicas aos problemas apresentados. Nesse sentido, encaradacomo indagao ou busca minuciosa para averiguao da realidade; investigao e estudossistemticos com o fim de descobrir ou estabelecer fatos ou princpios relativos a um campoqualquer do conhecimento, a pesquisa - diligente, inquisitiva e investigativa que atendia necessidade apontada tanto nas chamadas cincias, na tecnologia, e nas humanidades -incluindo nessas as artes - no s ganhou grande impulso nas universidades como seconverteu em uma de suas principais funes (FERREIRA, 1999, p.259).

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    A investigao acadmica em msica, segundo os moldes assim descritos, no foi de imediatopercebida como tal e, ainda hoje, encontra-se em estado de discusso e procura deconsolidao nos programas de ps-graduao no Brasil, apesar de j se terem passado maisde 20 anos desde a implantao do primeiro curso. Do ponto de vista dos objetos musicais,das metodologias e teorias empregadas, ou a serem empregadas, h ainda muito a discutir.Seus resultados, ainda fragmentados, aguardam um trabalho de sntese, e a discusso sobreos princpios e razes da pesquisa em msica ainda parece necessria como aponta amusicloga LUCAS, em artigo de 1991, no qual insiste sobre conceitos fundamentais esignificados da pesquisa cientfica, chamando ateno para a necessidade de sua aplicaona rea da msica:

    pesquisa em msica obedece ao princpio bsico da pesquisa em qualquer rea, qual seja, ode ultrapassar o senso comum e produzir conhecimento de forma organizada e coerente. Noh um receiturio pronto para atingir tais objetivos, mas protocolos norteadores da conduta deinvestigao que se originam na teoria e tornam-se familiares atravs de uma prtica continuada(1991, p. 53).

    Esse modus operandi na pesquisa, se ainda est basicamente restrito s investigaes oriundasdos cursos de ps-graduao (e tambm, em bem menor escala, aos programas de iniciaocientfica), era inexistente pesquisa musical dita acadmica iniciada h mais de cinqentaanos atrs, poca em que se realizaram as chamadas teses. At a implantao da avaliaoexterna da Capes, rgo do Ministrio da Educao, segundo relatrio de NOGUEIRA, aatividade da rea pode ser caracterizada como espordica e confusa quanto prpria concepode pesquisa (1996, p. 40-41).

    Atualmente, existem no Brasil, onze programas de Ps-graduao em Msica, dentre os quaistrs tm linhas de pesquisa, com diferentes nomes, relacionadas s prticas de interpretaoou performance em rgo, e cursos de graduao no instrumento. Esto localizados naUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS) e na Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)3 . Emoutro Programa, o da ECA/USP, em cujo departamento de msica no h graduao em rgo,foi defendida tese de doutorado na rea em questo.

    Os primeiros cursos de Mestrado em Msica foram implantados na UFRJ, em 1980, e noConservatrio Brasileiro de Msica (CBM), em 1982. Segundo NOGUEIRA, no resultaram doinvestimento que as agncias de fomento estavam realizando para formao de doutores noexterior, com o objetivo de criar docentes habilitados ao ensino nesse nvel (1996, p. 40).Resultavam da vontade de seus docentes de se incorporarem ao universo universitrio emantiveram caractersticas de seus cursos de graduao. A partir de 1987, com a implantaodo Mestrado em Msica na UFRGS, passou-se a ter a absoro dos primeiros doutores tituladosem universidades americanas (Idem, p. 41). A partir da dcada de 1990, outros cursos foramcriados, conforme Quadro 2 a seguir:

    3 A partir deste momento, as universidades e seus programas sero referidos por meio de suas siglas.

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    CURSO INSTITUIO ANO DEIMPLANTAO

    Mestrado em Msica UFRJ 1980Mestrado em Msica UFRGS 1987Mestrado em Artes (nfase: Msica) UNICAMP* 1989Mestrado em Msica UFBa 1990Mestrado em Msica Brasileira UNI-RIO 1993Mestrado em Artes (nfase: Musicologia) USP 1993Mestrado em Artes UFG* 1995Mestrado em Artes (nfase: Msica e Artes Visuais) UNESP 1997Mestrado em Msica UFG 1999Mestrado em Msica UFMG 1999Mestrado em Msica UNICAMP 2001Mestrado em Msica UNESP* 2002Mestrado em Msica UnB 2004Mestrado em Msica UFPb (Joo Pessoa) 2005Doutorado em Msica4 UFRGS 1995Doutorado em Msica UFBa 1997Doutorado em Msica UNI-RIO 1998Doutorado em Msica UNICAMP 2001Doutorado em Musicologia USP-ECA 2005

    *Incio do Mestrado como curso misto com separao posterior de reas.Quadro 2: Programas de Ps-graduao em Msica no Brasil

    O crescimento da pesquisa em msica gerada nos Programas de Ps-graduao foiimpulsionado pela mencionada crescente presso da avaliao externa aos programas,instrumentalizada pela Capes, a cujo modelo de Ps-graduao os programas com reasartsticas precisavam se adequar. A criao da ANPPOM - Associao Nacional de Pesquisa ePs-graduao em Msica, em 1988 parece ter sido um fator para o amadurecimento darea, ao abrir espao para divulgao e crtica de resultados de pesquisas, e por enfatizaralguns objetivos polticos, entre eles a valorizao das temticas brasileiras e a criao de umabibliografia voltada ao perfil e s necessidades dos cursos de ps-graduao em Msica.

    4 Os cursos de doutorado em msica foram criados a partir de 1995. Apenas o da UFRGS possui a subreargo.

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    A grande rea Msica, que de incio dividia-se nas tradicionais subreas de Composio,Educao Musical, Musicologia, Prticas Interpretativas e Teoria, foi sendo ampliada no apenascom novas denominaes, mas tambm com a criao de outras. Assim, Composio sesubdividiu em Composio Acstica, Composio Eletroacstica; Educao Musical em Filosofiae Fundamentos da Educao Musical, Processos Formais e No-formais da Educao Musical,Processos Cognitivos na Educao Musical, Instrumental e Coral na Educao Musical; aMusicologia, em Musicologia Histrica, Musicologia Sistemtica, Etnomusicologia; Teoria daMsica, entre tantos outros ttulos surgidos pela criatividade e produo dos docentes dessesprogramas5 . subrea de Interpretao ou Prticas Interpretativas passou a englobar msicainstrumental, msica vocal e regncia. .

    5. Condies institucionais em que se produziram as dissertaesA pesquisa acadmica na subrea rgo surgiu com a incorporao do curso de msica, e dergo, Universidade pblica. Em um primeiro momento, serviu como caminho para entradana universidade ou para galgar outro nvel na carreira docente, como no caso, da Universidadedo Brasil, depois URFJ. Assim, as dissertaes de 1941 a 1966, nela produzidas, foram escritastanto para o provimento da cadeira de professor de Harmnio e rgo, quanto para ascensoa livre docente, um dos nveis internos Universidade. A dissertao de 1988 (MERSIOVSKY)foi tambm um desses casos. Essa e as demais fazem parte das atividades dos Programas deps-graduao.

    O primeiro curso de Mestrado em Msica, o da Escola de Msica da UFRJ, criado em 1980quando da gesto da Profa. Andrelly Quintella de Paola, foi tambm o primeiro a incluir oinstrumento rgo, ao lado de piano. O programa foi criado com apenas uma subreaprudentemente, como convinha, a Escola ofereceu apenas a rea de concentraoInstrumentos de Teclado, desdobrada em duas subreas: Piano e rgo, segundo SOARES,o primeiro coordenador do programa (1982, p. 83). reconhecida a vocao pianstica daquela escola, que formou alguns dos pianistas mais importantesdo pas; e, para o que nos interessa, a criao das Prticas Interpretativas/rgo merece ser observada.Da mesma forma que com o piano, a incluso do instrumento rgo seguia seu traado histrico.

    O primeiro curso oficial desse instrumento foi criado em 1895, no ento Instituto Nacional deMsica, e seu primeiro professor foi Alberto Nepomuceno (1864-1920). Nomeado, enquantoestudava composio na Europa, para assumir a cadeira, Nepomuceno foi para Paris estudarrgo com Alexandre Guilmant (1837-1911), organista da Igreja de la Trinit e professor doConservatrio de Paris. O instrumento j estava disponvel, um rgo Sauer, de tradicionalfbrica da Alemanha, que fora doado por Leopoldo Miguez (1850-1902)6 . Quando incorporado Universidade do Brasil, o curso passou a ser ministrado por Antonio Silva que foi o

    5 As diferentes denominaes so encontradas nos sites dos respectivos Programas. O estudo das mudanasocorridas na terminologia poder, quem sabe, revelar as caractersticas da produo acadmica na rea.

    6 Em 1890, ganhou o primeiro prmio no concurso para o Hino da Proclamao da Repblica. Como um dosfundadores do Instituto Nacional de Msica, criado em substituio ao Conservatrio Imperial, Miguez foi umdos seus primeiros diretores e com o dinheiro do prmio comprou o rgo Sauer e criou o primeiro curso oficialdo instrumento no Brasil.

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    responsvel pela aquisio do rgo Tamburini da Escola.7 Adquirido em 19548 , dentro doperodo que se caracterizou pelo maior nmero de construo e instalao de rgos no Riode Janeiro (de 1940-1960), a colocao desse instrumento em uma universidade pblicapassou a servir como referncia e evidenciava o interesse da Escola pela manuteno ecrescimento do curso de graduao e sua ampliao posterior para a ps-graduao -meio que na contramo das tendncias que j prenunciavam o abandono dos rgos aps oConcilio Vaticano II (1962-1965).Ao primeiro exame ao curso de mestrado, em 1980, inscreveram-se dezenove candidatos dosquais seis foram aprovados para piano; nenhum, entretanto, para rgo. A primeira candidataao curso, Dorota Kerr, entrou em 1983 e foi a primeira a obter o ttulo de mestre, em 1985. Aterminalidade do Mestrado podia ocorrer por via de defesa de Dissertao ou de Recital; asduas possibilidades baseavam-se no princpio de flexibilidade, um dos aspectos pilares dafilosofia da Ps-graduao, juntamente com a procura de uma formao acadmica e depesquisa que, visando sempre excelncia de qualidade do produto, faa a unio entre ofazer-artstico e o saber-artstico (SOARES, 1982, p. 84).

    O segundo curso surgiu na UFRGS. A histria do Instituto de Artes, fundado em 1908 com umcurso de msica, foi uma histria de luta para integrao e aceitao na ento Universidade dePorto Alegre - depois federalizada em 1952, como UFRGS - at 1962, quando foi definitivamentereincorporado a essa universidade. O curso de rgo foi iniciado como um curso de especializaocom o organista Leo Schneider9 . As aulas eram dadas no rgo Walcker (um teclado e pedaleira,construdo no final do sculo XIX) da Igreja Luterana do Centro (hoje Igreja da Reconciliao); ena dcada de 1960 foi adquirido, pelo Instituto, um harmnio eltrico Bohn, com dois manuais epedaleira. Em 1970, o rgo Walcker da Igreja da Reconciliao foi substitudo por um de doisteclados e pedaleira, fabricado por J. E. Bohn. Esse tambm foi utilizado para aulas de rgo doInstituto. Aps o falecimento de Leo Schneider, os poucos alunos que restaram foram concluindoo curso com outros docentes. Em 1989, foi aberto concurso para docente de rgo, cargo que foipreenchido por Any Raquel Carvalho, que fizera graduao com o Prof. Schneider e que acabarade retornar com doutorado obtido nos Estados Unidos.

    O mestrado em msica na UFRGS foi criado em 1987, com uma linha de Prticas Interpretativasem piano, violo, violino e rgo. Embora esta subrea rgo tenha comeado a existir no anoseguinte, a partir do concurso da docente mencionada, na prtica, como no havia instrumento7 Foi tambm organista da Igreja de So Francisco de Paula e da Igreja Santa Cruz dos Militares, no Rio de

    Janeiro. Inaugurou alguns dos instrumentos mais importantes da cidade, na dcada de 1950, como o rgoWalcker da Igreja de Santo Afonso no Rio de Janeiro; segundo um cronista da Revista Msica Sacra, AntonioSilva foi o introdutor dos concertos clssicos desse instrumento no Brasil (1949, p. 156).

    8 um rgo da fbrica italiana Tamburini, com quatro manuais, pedaleira, trao eletro-pneumtica. Outroinstrumento do mesmo porte fora colocado, desde 1945, no Mosteiro de So Bento, um rgo que tem partes deinstrumento do sculo XVIII e que foi aumentado em diversas reformas, entre elas uma feita por GuilhermeBerner. interessante notar que, nesse mesmo ano de 1954, foram inaugurados, em So Paulo, o rgo Walcker(quatro manuais) do Mosteiro de So Bento e o rgo Vegessi Bossi (cinco manuais) da Catedral da S; e doisanos depois o Tamburini (com sete manuais em duas consolas) da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, em Niteri.

    9 Leo Schneider (1910-1978) - organista, pianista, compositor - foi tambm organista na Igreja Luterana Matriz,na Igreja Metodista Central e na Catedral Episcopal de Porto Alegre e compositor de vrias peas para piano,canto e rgo.

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    prprio para estudo e o curso de graduao, diminudo em nmero de alunos, no forneciacandidatos; o mestrado no recebeu nenhum aluno por muitos anos. Em 2002, o Instituto deArtes adquiriu um rgo Johannus (digital), com trs manuais. A partir da, novos alunos sejuntaram aos que j cursavam a graduao10.

    Em So Paulo havia, desde 1929, um curso de rgo no ento Instituto Musical Santa Marcelina,curso que visava a formao de organistas para a igreja e cujo diploma era reconhecido pelaCria Metropolitana. Seu criador fora o maestro Frio Franceschini (1880-1976), sucedido peloorganista ngelo Camin (1913-1986). Este ltimo continuou a ser o professor quando esseInstituto passou a fazer parte da Escola Superior de Msica Santa Marcelina, em 1969 etransformado, em 1980, na Faculdade Santa Marcelina. Esse foi o nico curso de graduaoem rgo em So Paulo at 1984, quando o Instituto de Artes da UNESP criou essa habilitaodentro da sua graduao em Instrumento.

    O Mestrado foi criado como mestrado em Artes, com rea de concentrao em Msica, em1991; embora o projeto de criao inclusse uma linha em Interpretao Musical, os primeirosalunos ao mestrado na subrea rgo entraram somente a partir de 1997, sob a orientao deDorota Kerr. O curso de graduao e o programa de ps-graduao podiam contar, desdeseu incio, com um rgo Balbiani Bossi, adquirido em 1979, e instalado na ento capela doedifcio que ainda hoje abriga o Instituto de Artes11 .

    Para entendimento das dissertaes a partir da criao dos programas de ps-graduao, faz-se necessrio observar a formao e orientao dos professores envolvidos. Quando o mestradofoi instalado na UFRJ, o professor da graduao era Mrio Gazanego12 (1920-1984), que possuaum doutorado direto fornecido pela prpria universidade. Sob sua orientao, a primeiracandidata acabou por produzir um dos nicos trabalhos (1985) que tratam do tema no mbitodo Brasil. A partir desta data, os trabalhos de mestrado em rgo passaram a versar sobreobras de compositores europeus, conforme a linha adotada pela docente Gertrud Mersiovsky,como evidencia o Quadro 1.

    No Programa da Unesp, duas dissertaes foram produzidas em 2001. A primeira, A Msicana Liturgia Catlica Urbana no Brasil aps o Conclio Ecumnico Vaticano II (1962-1965), deJulio Amstalden, foi uma espcie de continuao da dissertao de sua orientadora, DorotaKerr; enquanto que a seguinte, de Junia Chagas, voltou-se para o compositor francs LouisVierne, trabalhando aspectos tericos e composicionais de sua obra, sem vinculao diretacom a interpretao.

    Essa narrativa histrica permite perceber que, no mbito do fluxo da produo, h uma diferenaexpressiva entre o nmero de trabalhos produzidos na UFRJ dez dissertaes - e no Programa10 A falta de um instrumento rgo no Instituto dificultava muito o estudo dos alunos, embora as aulas fossem

    dadas no rgo Rieger (dois manuais) da Igreja So Jos.11 Esse instrumento de dois teclados, 550 tubos, dez registros reais, foi vendido ao Instituto de Artes pela famlia

    do maestro Franceschini, juntamente com seu acervo de partituras e livros, em 1979. Nessa montagem foicolocada uma nova consola e o instrumento foi eletrificado.

    12 Foi organista da Igreja So Francisco de Paulo, Rio de Janeiro, e professor titular da cadeira de rgo daUFRJ, na qual sucedeu a Antonio Silva.

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    da Unesp duas dissertaes. Essa diferena pode ser parcialmente explicada pela conquistadaimplantao do curso de graduao na primeira universidade, o que levou formao de alunosaptos e interessados em prosseguir seus estudos no mestrado, enquanto que na Unesp, ocurso de graduao no fornecia massa crtica para o mestrado, pela baixa procura e pequenonmero de alunos que costumava formar. Na UFRJ, dos oito alunos que fizeram dissertaode mestrado de 1990 a 2000, seis haviam sido alunos da graduao, enquanto os outros doishaviam se graduado em So Paulo. Na Unesp, os dois alunos que fizeram dissertao em2001 no eram oriundos dos cursos do Instituto de Artes; eram organistas atuantes, comformao de nvel superior em outras reas.

    Pode-se verificar que h uma possvel relao de dependncia dos programas de mestrado sedimentao dos cursos de graduao, que atuam como principais fornecedores de alunosquele nvel; o exerccio da atividade de organista parece no garantir candidatos ao mestrado,visto que organistas que a exercem podem no ter motivao nem interesses necessriospara prosseguirem seus estudos.

    O perodo de maior fluxo aconteceu na dcada de 1990, com oito dissertaes de mestrado,nmero maior mesmo do que os perodos das teses de concurso. Esse nmero pode indicar,entre outros: a) maior interesse pelo estudo do instrumento, em decorrncia, entre outros fatores,do crescimento das atividades de concertos de rgo13; b) resposta s presses sociais eculturais que exigem estudo universitrio mais longo em anos e em titulao obtida; c)reconhecimento da possibilidade de se seguir uma carreira universitria.

    Do ponto de vista dos temas escolhidos, esse estudo separa-os em dois perodos. Oprimeiro perodo caracteriza-se pelos temas de carter geral (O rgo, fascinante mistriosonoro!; Ser compositor indispensvel ao organista) ao lado daqueles que pretendemser mais tcnicos, abordando questes da fnica organstica (CAMIN, 1941) - ou seja, deque maneira o som produzido no instrumento; questes de registrao (SILVA, 1944;GAZANEGO, 1961; tema que tambm est presente na dissertao sobre a fnicaorganstica); questes didticas aliadas a caractersticas tcnicas do instrumento(GAZANEGO, 1962), finalizando com um estudo sobre o instrumento Tamburini da Escolade Msica da UFRJ (MERSIOVSKY, 1988).A nfase nesses temas pode estar relacionada ao momento de maior prosperidade, emtermos de construo de instrumentos nacionais e instalao de rgos importados, queaconteceu entre 1930 e 196014. A escolha dos temas, o pequeno nmero de pginas escritas(no superior a 64 pginas e com o mnimo de 18), o enfoque pessoal e a ausncia de rigormetodolgico e cientfico evidenciam trabalhos que podem ser vistos mais como ensaios doque como teses.

    13 1 A fundao das associaes de organistas a primeira delas, Associao Paulista de Organistas (APO), em1977, certamente influenciaram a atividade organstica promovendo sries de concertos de rgo sem similaresanteriores. Entre 1985 e 1995, a APO chegou a realizar cinqenta concertos anuais, divididos entre as vriassries ento em andamento.

    14 Na cidade de So Paulo, entre 1930 e 1960 foram instalados vinte e quatro rgos, quase a metade dos hojeexistentes; entre 1900 e 1930 foram oito e entre 1960 e 1990 foram dezesseis instrumentos.

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    A necessidade de se refletir sobre o que era esse instrumento, de valoriz-lo como o rei dosinstrumentos, fazia parte desse momento da histria do instrumento no Brasil; a difuso dessasinformaes, mesmo por meio de trabalhos restritos Universidade, evidenciava umapreocupao constante de alguns organistas com o valor musical do instrumento rgo diantede uma sociedade que parecia lhe tributar pouco valor cultural.

    A primeira dissertao oriunda do Mestrado na UFRJ tratou da histria do instrumento noBrasil (KERR, 1985), incluindo um inventrio (Catlogo dos rgos do Brasil) dos instrumentosexistentes no Brasil. A prpria escolha do tema e o ttulo da dissertao no escondiam asidias ento vigentes que viam nas mudanas ps-conclio Vaticano II o comeo da decadnciado rgo no Brasil.

    A partir da dcada de 1990, h uma mudana de direo, passando-se a foca lizarcompositores da corrente principal da msica para rgo europia. Assim foram estudadosCsar Franck, Max Reger (duas vezes), Messiaen, Widor, Arauxo, Vierne, ao lado decompositores bissextos como Mozart e Schoenberg. O objetivo desses trabalhos era realizaranlises musicais de obras desses compositores para conhecimento da linguagemcomposicional empregada como suporte interpretao, principalmente ao rgo Tamburinida Escola de Msica da UFRJ. L-se, assim, na introduo de AGUIAR (1992), que oobjetivo do trabalho levar a execuo mais possvel s intenes de Reger num rgoecltico da firma Tamburini (p. 5); ou em AQUINO (1990, p. 9), (...) para interpretar fielmentea Grande Pice Symphonique, composta sob inspirao e visando o rgo Cavaill-Coll,no rgo Tamburini impe-se cuidadosa adaptao dos recursos tcnicos e fnicos bemcomo de limitaes deste ltimo instrumento. Os trabalhos apresentam partes relativas aocontexto, biografia do compositor e obra analisada.

    Duas outras dissertaes tratam da msica sacra catlica. A primeira, de doutorado, realizadana ECA/USP por Jos Luis de Aquino (2000), aborda o tema por meio da figura de Franceschinie sua atuao pr-conciliar, com nfase numa abordagem biogrfica; a segunda, de mestrado,realizada na UNESP (AMSTALDEN, 2001) apresenta um estudo sobre a msica na IgrejaCatlica nos centros urbanos a partir do final da dcada de 1960.

    Ao lado das observaes j expressas, nota-se tambm um direcionamento maior para umadas linhas a da composio europia para rgo e uma lacuna em pesquisas sobre aatividade organstica (construo, execuo, composio) no Brasil. Se por um lado, essasdissertaes sobre obras de compositores europeus so fontes bibliogrficas em portugus, aprincipio de mais fcil acesso, elas permanecem desconhecidas entre os organistas em geral15.Apenas um trabalho (GAZANEGO, 1962) aborda questes de didtica e ensino do instrumento;nenhum, entretanto, trata da atividade propriamente dita do organista em missas e cultos.Essas poderiam ser algumas das novas direes a serem buscadas por relacionarem-se maisdiretamente ao trabalho dos organistas em geral.

    15 Em pesquisa emprica realizada em 1997 para apresentao do primeiro trabalho que veio a dar origem pesquisa atual das autoras, foram perguntados a trinta organistas se conheciam as dissertaes produzidasat ento. Somente dez dos consultados alguns alunos do mestrado da UFRJ e outros organistas profissionaisde reconhecida carreira no instrumento haviam lido alguns dos trabalhos.

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    Resulta que poucos trabalhos tm sido consultados, seja pelas dificuldades de acesso ou porno resultarem em artigos, livros, comunicaes e outros tipos de materiais mais utilizveispelos organistas e estudantes em geral. A correo da falta de divulgao poderia ser uma dasmedidas a serem tomadas a partir desta avaliao. Mesmo sabendo-se que trabalhosacadmicos no devem ficar nas prateleiras das bibliotecas, o problema persiste e, portanto,formas mais eficientes de divulgao ainda devem ser encontradas.

    Faz-se tambm necessria uma discusso maior sobre as bases, ou fundamentos tericos,dessas dissertaes como forma de se refletir sobre os caminhos dos trabalhos em andamentoou que ainda viro. Nesse aspecto, h ainda muito o que fazer.

    Por ltimo, deve-se mencionar que existem quatro dissertaes produzidas em universidadesde outros pases por organistas brasileiros. As quatro dissertaes so em nvel de doutoradoe, de um modo geral, seguiram os caminhos atrs apontados na escolha dos temas. Umasobre um rgo especfico, a segunda sobre composio de autor estrangeiro, outra sobre umcompositor brasileiro e a ltima, at o momento, apresenta um panorama geral na histria damsica e do rgo no Brasil.

    1985 FERREIRA, Pe. Marcel Martiniano. Arp Schnitger: dois rgos congneres de 1701.Tese doutoral defendida no Instituto Pontifcio de Msica Sacra, Roma. (Edio particular,Niteri, 1991). 459 p.1988 FAGUNDES, Any Raquel Carvalho. Cantus firmus treatment in Paul A. Pisks ChoralFantasy, Op. 73. Tese de Doutorado. University of Georgia, Estados Unidos, 85 p.1989 KERR, Dorota Machado. Henrique Oswald and Brazilian Organ Music: a studyof his life and works (1852-1931). Tese de Doutorado. Indiana University, Estados Unidos.247 p.1993 BROWN, Julia. The Organ in Brazil: a Cultural and Musical Prospective. Tese deDoutorado. Northwestern University (Illinois), Estados Unidos. 133 p.

    Quadro 3: Teses de doutorado sobre rgo realizadas por brasileiros em universidades estrangeiras

    Esta uma apresentao parcial da primeira parte desta pesquisa.

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    Referncias bibliogrficasAGUIAR JR, Ary. O problema da registrao da msica de Max Reger para rgo. 1992. 279 fls. Memorial de

    Recital de Mestrado Escola de Msica da UFRJ, Rio de Janeiro, 1992.AQUINO, Jos Luis Prudente de. Um estudo da registrao na Grande Pice Symphonique op. 17 de Csar

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    Dorota Kerr, doutora em msica graduada pela Indiana University (USA), formada emHistria e Pedagogia pela USP; com graduao em rgo na Faculdade Santa Marcelina;Mestrado em msica/rgo na Escola de Msica da UFRJ. Fundadora da Associao Paulistade Organistas, em 1977, presidente em duas ocasies. Ex-professora do Instituto de Artes daUNICAMP. Docente na Graduao e Ps-Graduao do Instituto de Artes da UNESP;coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Msica. Membro Conselho Editorial deCaixa Expressiva, presidente da Associao Brasileira de Organistas at 2004.

    Any Raquel Carvalho, doutora em msica graduada pela University of Georgia (USA) combolsa CAPES, docente e orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Ps-Graduaoem Msica e no Departamento de Msica do Instituto de Arte da UFRGS. Fundadora da Associaodos Organistas do Rio Grande do Sul e da Associao Brasileira de Organistas, tendo atuado emambas como presidente. Atua como organista e conferencista no Brasil e no exterior. Comopesquisadora do CNPq tem desenvolvido trabalhos na rea de contraponto e fuga (dois livrospublicados), e na rea de msica brasileira para rgo. membro do Conselho Editorial da EmPauta (PPG-MUS/UFRGS) e da Caixa Expressiva (Associao Brasileira de Organistas).