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171 ISSN 1809-2616 ANAIS VI FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2008-2009 __________________________________________________________________ EXPO STICKERS 2008: O STICKER COMO MODALIDADE ARTÍSTICA Jair Guilherme Cordeiro * [email protected] João Afonso Malinowski Correia * [email protected] Resumo: A Expo Stickers 2008 (EXS 08), exposição referente à Sticker Art em um contexto mundial, reúne 170 artistas, 25 países e mais de 8.000 stickers. Para a realização da exposição, foi realizada uma contextualização histórica e artística acerca da arte urbana, com aprofundamento na Sticker Art, onde se buscou significado e conceito. Este artigo, além de mostrar como foi o evento, propõe uma reflexão sobre as intervenções urbanas, visando que os stickers e as demais modalidades da arte urbana se consolidem como expressão artística. Palavras-chave: Sticker, Sticker Art; Exposição; Arte Urbana. INTRODUÇÃO Expressões artísticas contemporâneas, como as modalidades da arte urbana, têm conquistado a cada dia o respeito das pessoas. O artista pós-moderno se revela um ser incumbido de responsabilidade social, um questionador dos valores da sociedade. Uma das principais intenções é aumentar a percepção das pessoas acerca dos mecanismos de alienação que as cercam. Na arte urbana, artistas exploram as paisagens das cidades em busca de suporte para sua liberdade criativa. Porém, intervir em espaços públicos é considerado contravenção, e muitas pessoas apóiam a punição dos artistas urbanos, enxergando-os como transgressores. A arte nos espaços públicos, que muitas vezes só faz sentido a céu aberto, ainda é muito polêmica. Seja para protestar, amenizar a saturação dos grandes centros ou se divertir, quando um artista de rua cola o seu sticker no ambiente urbano, inicia um diálogo Graduandos no Curso Superior de Tecnologia em Artes Gráficas do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). *

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Page 1: VI FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE · 171 ISSN 1809-2616 ANAIS VI FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2008-2009

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ISSN 1809-2616

ANAISVI FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTEEscola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2008-2009__________________________________________________________________

EXPO STICKERS 2008:O STICKER COMO MODALIDADE ARTÍSTICA

Jair Guilherme Cordeiro∗

[email protected]ão Afonso Malinowski Correia*

[email protected]

Resumo: A Expo Stickers 2008 (EXS 08), exposição referente à Sticker Art em um contexto mundial, reúne 170 artistas, 25 países e mais de 8.000 stickers. Para a realização da exposição, foi realizada uma contextualização histórica e artística acerca da arte urbana, com aprofundamento na Sticker Art, onde se buscou significado e conceito. Este artigo, além de mostrar como foi o evento, propõe uma reflexão sobre as intervenções urbanas, visando que os stickers e as demais modalidades da arte urbana se consolidem como expressão artística.Palavras-chave: Sticker, Sticker Art; Exposição; Arte Urbana.

INTRODUÇÃO

Expressões artísticas contemporâneas, como as modalidades da arte urbana,

têm conquistado a cada dia o respeito das pessoas. O artista pós-moderno se revela

um ser incumbido de responsabilidade social, um questionador dos valores da

sociedade. Uma das principais intenções é aumentar a percepção das pessoas

acerca dos mecanismos de alienação que as cercam. Na arte urbana, artistas

exploram as paisagens das cidades em busca de suporte para sua liberdade

criativa. Porém, intervir em espaços públicos é considerado contravenção, e muitas

pessoas apóiam a punição dos artistas urbanos, enxergando-os como

transgressores. A arte nos espaços públicos, que muitas vezes só faz sentido a céu

aberto, ainda é muito polêmica.

Seja para protestar, amenizar a saturação dos grandes centros ou se divertir,

quando um artista de rua cola o seu sticker no ambiente urbano, inicia um diálogo

Graduandos no Curso Superior de Tecnologia em Artes Gráficas do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).*

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com qualquer pessoa que passe pelo local e veja sua obra. É notável que a Sticker

Art1 vem evoluindo e derrubando barreiras, fato que a deixa cada vez mais próxima

de uma consolidação no cenário artístico da sociedade atual. Porém, muitos artistas

urbanos ainda não se sentem à vontade para exercer a sua manifestação artística.

Dentro desse contexto, a Expo Stickers 2008 surgiu como mais uma forma de

dar visibilidade a essa modalidade. Realizada entre abril e junho de 2008, no SESC

da Esquina, em Curitiba, a exposição mostrou mais do que simples adesivos.

Durante sete semanas, quem visitou a EXS 08 viu envelopes, fotos, textos

explanativos, materiais e milhares de adesivos. O evento serviu para mostrar ao

público a magnitude dessa arte que une pessoas de todo o mundo e têm em comum

a vontade de se relacionar com quem estiver disposto a receber arte.

OBJETIVOS

Uma exposição ampla, onde os visitantes têm a liberdade de caminhar e

analisar o que está exposto, corre o risco de ser interpretada de forma equivocada.

Entretanto, espera-se que o visitante seja capaz de comparar o sticker da exposição

com o visto nas ruas. Sem a ameaçadora combinação do sticker com a paisagem

urbana, a apresentação desta modalidade da arte urbana em um ambiente

expositivo possibilita que os indivíduos conheçam, reflitam e venham a enxergar os

stickers como objetos artísticos.

Dentro de um espaço voltado a atividades sócio-culturais, onde são

realizados espetáculos e exposições e ministrados cursos das mais diversas áreas,

a Expo Stickers 2008 buscou justamente atingir um público eclético e ainda não

iniciado no meio da arte urbana. Com a utilização de várias dezenas de painéis

tomados por stickers de todas as cores, formas, tamanhos e sentidos, a exposição

buscou cumprir o seu papel de educar quem a visitou no SESC da Esquina, em

Curitiba.

Por ter ocorrido em um local que freqüentemente vêm oferecendo

oportunidade a eventos de arte urbana, é de se esperar que a EXS 08 alcance suas

metas previamente delineadas, dentre elas, localizar a Sticker Art como uma

modalidade artística e não como uma atividade de transgressores.

1 Sticker Art: forma de transmitir uma mensagem, intervindo no meio urbano mediante stickers (adesivos) colados em diversos tipos de suportes, como por exemplo, lixeiras e postes.

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Dessa forma cumpre-se a necessidade de dialogar com os preconceitos e

paradigmas do mundo artístico, tomando a responsabilidade de contribuir com a

significação das modalidades artísticas urbanas, afastando-as de conceitos

depreciativos.

DIALOGANDO COM A ARTE

Quando um artista se propõe a produzir arte ele corre o risco de sua obra ser

compreendida de maneira adversa, pois muitas pessoas podem não compreender

ou dar devida consideração a esta obra de arte. Os motivos para a rejeição variam e

geralmente se justificam nos padrões culturais das sociedades. Essa incompreensão

comum é ainda mais freqüente quando se trata de modalidades artísticas

contemporâneas.

No Reino Unido, por exemplo, o conselho municipal da cidade de Bristol

determinou que todas as obras do artista urbano Banksy fossem preservadas.

Porém, em um caso de luta contra a pichação, a própria prefeitura apagou por

engano um mural do artista.

Neste ocorrido ficou clara a incompreensão da sociedade com relação à obra

de Banksy, revelando que muitas expressões artísticas contemporâneas ainda não

se consolidaram como arte. Sobre este panorama de reconhecimento e aceitação da

arte, Gruszynski afirma que: “A legitimação de um discurso se dá pelo contrato entre

dois jogadores, sendo que sem regras não há jogo. Ao se alterarem as regras, o

jogo se transforma”.2

Porém, o diálogo entre artistas urbanos e a população torna-se um combate,

onde se reluta mudar as regras. Para entender a arte urbana e outras expressões

artísticas contemporâneas é necessário descartar preconceitos.

A seguir, uma das obras de Banksy (Figura 1), onde fez sua intervenção a

partir da fenda de uma parede rachada:

2 GRUSZYNSKI, Ana Cláudia. A imagem da palavra: retórica tipográfica na pós-modernidade. Teresópolis: Novas Idéias, 2007. p. 64.

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Figura 1 - Intervenção urbana em parede Fonte: Disponível em: <http://www.banksy.co.uk>. Acesso em: 10 jun. 2008.

É fato que nem todos enxergam a arte no trabalho de Banksy. Muitos indicam

ser um ato transgressor, de vandalismo. Logo se chega à conclusão de que a arte

não se trata de um conceito simples. No Novo Dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa, a arte é definida como uma “atividade que supõe a criação de

sensações ou de estados de espírito, de caráter estético, carregados de vivência

pessoal e profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou

renovação”; e ainda como a “capacidade criadora do artista de expressar ou

transmitir tais sensações ou sentimentos”.3

Nas duas definições são mencionados o ato de criar e a habilidade criativa do

artista. Responsável pela concepção da arte, o artista pode codificar sua mensagem

através de diferentes meios. São as chamadas modalidades, ramificações da arte.

Modalidades artísticas tais como pintura, escultura, arquitetura, música,

literatura, artes cênicas e muitas outras são classificadas didaticamente a partir a

pré-história, sendo também representadas através de uma linha do tempo. Porém,

definir o que é arte não se trata de uma questão simples, e em paralelo a uma

diversidade de conceitos surgiram dúvidas e controvérsias sobre o que deve ser

considerado arte. Quanto à definição de arte, o historiador de arte Gombrich afirma:

Nada existe realmente a que se possa dar o nome Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe.4

3 FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Português. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004. p. 201.4 GOMBRICH, Ernst Hans Josef. A história da arte. 16. ed. São Paulo: LTC, 2000. p. 15

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Partindo dessas afirmações, da desmistificação da “Arte com A maiúsculo” e da

existência dos artistas, entra em cena o questionamento sobre os limites de criação

destes artistas em suas concepções. Novas tecnologias e mudanças na dinâmica das

sociedades geram novas formas e possibilidades de expressão, uma arte inovadora.

Em contrapartida, quando a arte é rotulada e limitada ao já existente, fechada às

definições únicas e costumeiras, pode perder sua essência. “Toda definição acabada

é uma espécie de morte, porque sendo fechada, mata justo a inquietação e

curiosidade que nos impulsionam para as coisas que, vivas, palpitam e pulsam”.5

Contrariamente às “definições acabadas”, que esgotam as possibilidades

criativas, existe o engajamento que visa à instigação e o conhecimento. Essa

característica de questionamento se faz presente em muitas obras consideradas

pós-modernas, pois possuem características que vão além das fronteiras da arte

convencional.

As manifestações artísticas pós-modernas se iniciaram no final da década de

1950, tendo a Pop Art como expressão artística pioneira, que surgiu com a explosão

das comunicações de massa. Ela tinha como ideal estético ironizar os símbolos,

objetos e ícones do consumismo idolatrados pela sociedade.

Andy Warhol, um dos precursores deste estilo artístico, em diversas ocasiões

trabalhou com a estilização de ícones populares, como por exemplo, a atriz

americana Marylin Monroe (Figura 2).

Figura 2 - Marylin repruduzida por Andy Warhol Fonte: Disponível em: <http://www.o-prima.blogspot.com>. Acesso em 10 jun. 2008.

Em algumas de suas obras, Andy Warhol transmitia seu estilo com da

simplificação das formas e da combinação de cores. Tornou-se um artista de

5 SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 9.

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prestígio e conseguiu ser reconhecido por seus trabalhos polêmicos e originais.

Acerca das criações deste artista, Biesenbach comenta: “Como artista visual Warhol

aproximava-se mais à verdade e à beleza dos fenômenos que lhe fascinavam

aplicando o mecanismo de fazer imagens da própria indústria ao seu trabalho”.6

Apesar do sucesso de Warhol e de muitas outras expressões artísticas

consideradas pós-modernas, diferentes estilos ainda entram em choque com

preceitos de manifestações artísticas tradicionais.

Mas como lidar com os limites criados pelas manifestações já existentes?

Para Santaella, “Sempre que o artista começa a falar uma outra linguagem, distinta

das que o precederam, as fronteiras, as funções, o lugar social e, sobretudo, o

conceito de arte têm de ser negociados”.7

Uma nova manifestação, com as características inovadoras da arte pós-

moderna, não possui a pretensão de acabar com as expressões artísticas que a

precederam, mas sim inaugurar uma nova etapa. O mundo mudou e as

necessidades são outras. É necessário construir uma identidade própria e coerente

com as relações humanas do presente, época mediada pela globalização e pelos

apelos do consumismo.

Neste contexto, as identidades são desvinculadas de muitos valores

tradicionais, tornando possível a construção de uma identidade nova. “Somos

confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo

apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais

parece possível fazer uma escolha”.8

Nessa construção de uma identidade contemporânea, as expressões não

convencionais têm gradualmente superado as críticas. Muito dessa evolução se

deve ao diálogo com a ética, onde se firmou uma espécie de código de conduta

perante os padrões culturais da sociedade. É no dialogo entre os limites do certo e

do errado que se afirma o aceitável. Um exemplo polêmico e mal sucedido ocorreu

na Costa Rica, onde um homem pegou um cão abandonado, o amarrou na parede

de uma galeria de arte e o deixou lá sem assistência. Lentamente o cão morreu de

fome e sede. Essa ação ultrapassou os limites do errado. A sociedade repugnou o

ato, classificou como covarde e cruel, nomeando esse ato como uma arte criminosa.

6 BIESENBACH, Klaus. Andy Warhol motion pictures: catálogo: de 16 de junho a 14 de agosto de 2005, Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo.7 SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. p. 23.8 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 75.

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O fato é que a postura do artista contemporâneo tem de ser aceitável.

Amarrar um cão ao poste e deixá-lo morrer, tal manifestação pode até ser entendida

como protesto à postura humana perante os cães abandonados, mas será

eternamente condenada perante a humanidade e seus padrões éticos. O artista

deve ousar, porém seu discurso deve ser compreensível, passível de ser recebido,

contextualizando a arte de acordo com sua época. É a partir de um processo versátil

e reflexivo que a arte tende a se confirmar como “uma linguagem na qual o homem

codifica sua visão de mundo e suas inquietações”.9

Dentro desse contexto, a Sticker Art e as outras modalidades da arte urbana

caminham juntas em busca do reconhecimento que merecem. A cada obra que ocupa

um novo espaço urbano, mais uma oportunidade de cumplicidade se faz presente.

A ORIGEM DA STICKER ART

Em meados de 1990, o estudante de design gráfico Shepard Fairey começou

a espalhar o que hoje é conhecido como Obey (Figura 3).

Figura 3 - STICKER OBEY GIANT Fonte: Disponível em: <http://bigchase.wordpress.com>. Acesso em: 20 jun. 2008.

Esse ato consistia em colar nos espaços públicos a imagem estilizada do

lutador André Roussinof, mais conhecido como Andre the Giant. Além da imagem

dele, o sticker continha a mensagem OBEY, que traduzido do inglês, significa

9 PROSSER, Elisabeth Seraphim. A cidade como suporte da arte de rua em Curitiba: uma perspectiva sociológica e antropológica. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE: 4º, 2006, Curitiba. Anais do... Curitiba: ArtEMBAP, 2006. Disponível em: <www.anais.embap.br>. ISSN 1809-2616.

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obedeça. Como a mensagem era composta por letras brancas em um fundo

vermelho, a intervenção chegou a ser percebida como manifesto ao comunismo,

mas logo essa hipótese foi desmistificada.

O objetivo deste sticker era fazer com que as pessoas refletissem acerca da

sociedade vigente. A mensagem clara e direta, OBEY, utilizava um recurso próprio

da publicidade e ao mesmo tempo ironizava uma sociedade marcada pelo consumo

e obediência das leis. Nos dias que se seguiram, OBEY tornou-se o marco inicial da

Sticker Art.

PROPOSTAS DA STICKER ART

Quando colados os stickers passam uma mensagem direta, variando do

aspecto estético e poético da arte ao inconformismo crítico, abordando e dialogando

vários conceitos. Resultantes da vivência cotidiana, essas intervenções urbanas

apresentam formas, cores, texturas, conteúdos, visões de mundo e universos

imaginários. “Do ponto de vista da representação, da imagem, da comunicação, da

linguagem e da arte, os símbolos, os significantes, os significados e suas múltiplas

leituras são um universo apaixonante”.10

Em meio ao caos das grandes metrópoles é possível entrar em contato com a

arte no simples ato de sair de casa e circular pelas ruas. Muitos defendem que

somente quando integrado ao ambiente urbano que o sticker deve ser considerado

arte, inserido no cotidiano das pessoas e longe dos museus, aonde viria a ser uma

arte domesticada. Em meio à poluição visual das propagandas e do cinza

predominante das cidades, Yuge comenta: “Uma expressão cultural nasceu

justamente desse caos para usar os espaços da selva de pedra para se fazer ouvir,

rir das próprias mazelas modernas e desafiar os parâmetros do diálogo entre os

transeuntes e a própria arte”.11

Muitas vezes as intervenções podem não ser vistas, talvez as pessoas não

percebam nada de diferente. Isso também se dá pelo caráter efêmero da Sticker Art,

onde, após ser colado, um sticker pode ser removido em questão de minutos.

10 PROSSER, Elisabeth Seraphim. A cidade como suporte da arte de rua em Curitiba: uma perspectiva sociológica e antropológica. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE: 4º, 2006, Curitiba. Anais do... Curitiba: ArtEMBAP, 2006. <www.anais.embap.br>. ISSN 1809-2616. 11 YUGE, C. Na cola da sticker art. Folha de Londrina, Londrina, 23 mar. 2008. Mundo Jovem, Folha dois, p. 6.

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UMA ARTE DE INTERCÂMBIO

Graças à enorme rede de contatos existente entre os praticantes da Sticker

Art, o que um artista produz pode ser visto em qualquer lugar do mundo. Para isso

basta acessar sites12 e fóruns13 direcionados a esse público e então estabelecer

contatos com diversos parceiros que estão sempre dispostos a sair pelas suas

cidades e divulgar os trabalhos que, normalmente, atravessam oceanos em simples

envelopes.

É pela Internet, que os artistas e os coletivos14 se apresentam e fazem esse

intercâmbio de produção: trocam stickers e se responsabilizam em espalhar a arte

do outro nos seus domínios, registrando a ação para depois publicar na rede. É

assim que muitos artistas ganham espaço e são reconhecidos mundialmente.

Segundo Santaella, a era digital pode ser classificada como “cultura do acesso”,

onde a Internet fez surgir o primeiro sistema amplamente difundido que possibilita ao

usuário não só gerar, mas também compartilhar e obter conteúdo áudio-visual em

um só equipamento.15

IDENTIDADE VISUAL

O emaranhado visual visto nas colagens coletivas, nos combos16, é uma

marca da Sticker Art. Em um pequeno espaço, dezenas de stickers podem se

aglomerar, deixando à mostra uma grande variedade de formas e cores, sem que

ninguém saia prejudicado. Mesmo com esse precedente, a criação da marca da

EXS 08 priorizou um visual limpo, destacando o conjunto formado pelas cores e

formas escolhidas.

12 Sites: termo inglês derivado de website, que é um conjunto de páginas web, isto é, de hipertextos acessíveis geralmente pelo protocolo HTTP na Internet.13 Fóruns: ferramentas para páginas de Internet destinados a promover debates e discussões através de mensagens publicadas abordando uma mesma questão.14 Coletivos: grupos de colaboradores que se unem para realizar algo em conjunto, estabelecendo uma relação dinâmica de ação e colaboração criativa.15 SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.16 Combo: redução do termo combinação. Na Sticker Art, significa que vários stickers foram colados juntos em um determinado local.

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Utilizando um pictograma, o personagem representado é uma referência

direta ao ato de colar stickers, nesse caso no verso de uma placa. Com cores

chapadas, vermelho e branco, o símbolo da marca consegue se destacar mesmo

quando circundado por outros stickers. Além disso, a parte tipográfica, representada

pela inscrição “EXS 08” com uma fonte espessa, completa a marca do evento.

Figura 4 – Marca da exposiçãoFonte: Os autores.

A EXPOSIÇÃO

Durante as sete semanas em que esteve aberta ao público no SESC da

Esquina, a EXS 08 deu sua contribuição para o crescimento, divulgação e

consolidação desta modalidade artística informal. Nesse período, a Sticker Art foi

divulgada não apenas através das instalações da exposição, mas também em sites,

mídias impressas, em visitas guiadas e em uma oficina realizada nas dependências

do SESC. Foi um evento que envolveu uma grande quantidade de pessoas, direta e

indiretamente. A exibição de combos gigantes foi a base da Expo Stickers 2008, que

mostrou stickers feitos por 170 artistas de 25 países. Estados Unidos, Espanha,

Argentina, Taiwan, Israel, Inglaterra, França, Colômbia e Brasil foram algumas das

nações representadas neste evento que celebrou a Sticker Art.

A exposição foi dividida em partes distintas, para que assim os visitantes

pudessem aproveitar ao máximo o contato com tamanha quantidade de materiais.

Logo na entrada, a parede do hall recebeu dois textos explanativos e a lista com os

nomes dos 170 artistas participantes. Além disso, o símbolo oficial e os auxiliares da

EXS 08 foram também aplicados.

No corredor, o lado esquerdo foi reservado para grandes painéis. Tendo como

base chapas de poliestireno, ou PS, representações de placas de trânsito gigantes

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serviram como base para combos. Colados de forma aleatória, essa parte da

exposição reproduziu, em tamanho maior, o que pode ser encontrado nas ruas das

grandes cidades. Os suportes deixaram à mostra stickers de vários tamanhos,

produzidos através de técnicas variadas e objetivos diversos, como protesto,

estética, diversão, argumentação, dentre outros.

A outra metade do corredor recebeu três segmentos diferentes do evento.

Uma parte foi reservada para a exposição de alguns dos envelopes, ou packs17,

recebidos para a EXS 08. Logo adiante, painéis com combos organizados foram

exibidos com a identificação de cada artista. Junto ao sticker foram coladas duas

etiquetas, contendo o nome e o país de origem de cada participante. Por fim, um

segmento recebeu doze fotos feitas com ênfase na Sticker Art. Cedidas pela

fotógrafa Carolina Corção, essas fotos mostravam stickers colados nas cidades de

Curitiba e São José dos Pinhais.

Figura 5 - Abertura da exposição Fonte: Carolina Corção.

Três vitrines foram utilizadas no local da exposição. Uma foi ocupada por

materiais promocionais da EXS 08, como cartazes, stickers, e bottons18. Na outra,

17 Pack: pode ser traduzido como pacote. Na Sticker Art, representa o envelope ou mala postal enviada no processo de intercâmbio entre os praticantes do sticker.18 Botton: pingente circular, confeccionado em alumínio, com fixação geralmente em tecidos, mediante um alfinete. Também conhecido como broche.

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materiais utilizados na produção de stickers, como canetões, adesivo vinílico, tintas

e uma tela de serigrafia19, foram expostos. Já a terceira vitrine mostrou as duas

maiores e mais trabalhadas embalagens recebidas, que foram enviadas pelos

estadunidenses Tigapics e ten13one.

OFICINA

Durante a exposição, um grupo de alunos e professores de Porto Amazonas –

PR participou de uma oficina. Essa atividade durou aproximadamente 50 minutos e

proporcionou um contato direto das crianças com a Sticker Art.

Inicialmente foi passado um breve conteúdo teórico a respeito dos stickers.

Em seguida, a parte prática prendeu a atenção do grupo, que pôde produzir e colar

seus stickers em um painel especial da exposição, reservado para intervenções.

Figura 6 - Oficina Fonte: Os autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da atual evolução da arte urbana, em especial da Sticker Art, o papel

da Expo Stickers 2008 vai além da simples realização de um evento expositivo. É

um conjunto composto pela criação de uma logomarca e seus materiais de apoio,

junto à concepção, organização e realização de uma exposição que repercutiu em

todo o mundo.

19 Serigrafia: ou silk-screen, é um processo de impressão no qual a tinta é vazada pela pressão de um rodo ou puxador, através de uma tela preparada.

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Entretanto, a principal contribuição é o que foi levado por cada visitante, que

diante das obras expostas, continuou ou iniciou uma reflexão a respeito da atitude

que representa a Sticker Art.

Quando enfatizados os números indicadores da EXS 08, que representou 170

artistas de 25 países, não é possível deixar de sentir a força que move o mundo dos

stickers.

Dessa forma, com a realização desse evento que envolveu design, logística e

arte, inicia-se mais uma etapa em busca da consolidação dessa modalidade artística

que, através de pequenas obras de arte autocolantes, a cada dia modifica

positivamente as ruas dos grandes centros.

REFERÊNCIAS

BIESENBACH, Klaus. Andy Warhol motion pictures: catálogo: de 16 de junho a 14 de agosto de 2005, Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo.

FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Português. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004.

GOMBRICH, Ernst Hans Josef. A história da arte. 16. ed. São Paulo: LTC, 2000.

GRUSZYNSKI, Ana Cláudia. A imagem da palavra: retórica tipográfica na pós-modernidade. Teresópolis: Novas Idéias, 2007.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

PROSSER, Elisabeth Seraphim. A cidade como suporte da arte de rua em Curitiba: uma perspectiva sociológica e antropológica. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE: 4º, 2006, Curitiba. Anais do... Curitiba: ArtEMBAP, 2006. p. 1-19. Disponível em: <www.anais.embap.br>. ISSN 1809-2616.

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. 7. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.

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