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16 Revista de Administraçªo, Sªo Paulo v.36, n.2, p.16-24, abril/junho 2001 Sempre que se discute uma pesquisa científica, estÆ-se optando por certa produçªo de conhecimento que atende a determinados parâmetros ou exigŒncias propostos por determinado grupo de pesquisadores. Um equívoco que geralmente se comete Ø pressupor a existŒncia de uma teoria epistemológica œnica que fundamentaria a escolha dos mØtodos de investigaçªo. Em meio ao pensamento administrativo, a noçªo de ciŒncia mais di- fundida filia-se às escolas derivadas do empirismo. Mesmo nessa tradi- çªo, hÆ muitas escolas epistemológicas concorrentes, como o empirismo lógico, o empirismo probabilista, o empirismo crítico e o empirismo evolucionista. Em ruptura à tradiçªo empirista, tem-se inœmeras escolas de teoria do conhecimento, como a fenomenológica (e seus desdobra- mentos) e a pragmÆtica. A idØia de que o conhecimento científico Ø um tipo de conhecimento verdadeiro, e que a aplicaçªo da metodologia científica conduz à obten- çªo da verdade, Ø um mito de difícil sustentaçªo se o leitor dispuser-se a analisar atentamente os pressupostos sobre os quais se constrói uma dada teoria epistemológica. O QUE É CI˚NCIA? Francis Bacon (1561-1626), ao redigir sua obra Novum organum (1988) lançou algumas das bases da ciŒncia moderna. Propôs que o estu- do se voltasse à anÆlise da natureza, cujos resultados pudessem permitir acumulaçªo sistemÆtica do conhecimento. Propôs o mØtodo indutivo como o caminho para atingir esse objetivo, por meio da experiŒncia escritura- da, que compreendia a observaçªo sistemÆtica e a realizaçªo de experi- mentos. O filósofo natural deveria observar as condiçıes em que deter- minado fenômeno ocorria (tÆbua de presença) e as condiçıes em que ele nªo ocorria (tÆbua de ausŒncia), e registrar os diferentes graus de varia- çªo do fenômeno a fim de descobrir possíveis correlaçıes entre as varia- çıes (tÆbua das graduaçıes). Feitas as observaçıes, o pesquisador procu- raria estabelecer induçıes amplificadoras (generalizaçıes), extraindo o que existe de geral em uma coleçªo de fenômenos e estendendo por A pesquisa qualitativa entre a fenomenologia e o empirismo formal JÆder dos Reis Sampaio JÆder dos Reis Sampaio Ø Professor Assistente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Psicólogo formado pela UFMG, Especialista em Psicologia do Trabalho pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Administraçªo pela UFMG e Doutorando em Administraçªo na Universidade de Sªo Paulo (USP). E-mail: [email protected] Recebido em outubro/2000 Atualizado em novembro/2000

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  • 16 Revista de Administrao, So Paulo v.36, n.2, p.16-24, abril/junho 2001

    Sempre que se discute uma pesquisa cientfica, est-se optando porcerta produo de conhecimento que atende a determinados parmetrosou exigncias propostos por determinado grupo de pesquisadores. Umequvoco que geralmente se comete pressupor a existncia de umateoria epistemolgica nica que fundamentaria a escolha dos mtodos deinvestigao.

    Em meio ao pensamento administrativo, a noo de cincia mais di-fundida filia-se s escolas derivadas do empirismo. Mesmo nessa tradi-o, h muitas escolas epistemolgicas concorrentes, como o empirismolgico, o empirismo probabilista, o empirismo crtico e o empirismoevolucionista. Em ruptura tradio empirista, tem-se inmeras escolasde teoria do conhecimento, como a fenomenolgica (e seus desdobra-mentos) e a pragmtica.

    A idia de que o conhecimento cientfico um tipo de conhecimentoverdadeiro, e que a aplicao da metodologia cientfica conduz obten-o da verdade, um mito de difcil sustentao se o leitor dispuser-se aanalisar atentamente os pressupostos sobre os quais se constri uma dadateoria epistemolgica.

    O QUE CINCIA?

    Francis Bacon (1561-1626), ao redigir sua obra Novum organum(1988) lanou algumas das bases da cincia moderna. Props que o estu-do se voltasse anlise da natureza, cujos resultados pudessem permitiracumulao sistemtica do conhecimento. Props o mtodo indutivo comoo caminho para atingir esse objetivo, por meio da experincia escritura-da, que compreendia a observao sistemtica e a realizao de experi-mentos. O filsofo natural deveria observar as condies em que deter-minado fenmeno ocorria (tbua de presena) e as condies em que eleno ocorria (tbua de ausncia), e registrar os diferentes graus de varia-o do fenmeno a fim de descobrir possveis correlaes entre as varia-es (tbua das graduaes). Feitas as observaes, o pesquisador procu-raria estabelecer indues amplificadoras (generalizaes), extraindo oque existe de geral em uma coleo de fenmenos e estendendo por

    A pesquisa qualitativa entre a fenomenologia

    e o empirismo formal

    Jder dos Reis Sampaio

    Jder dos Reis Sampaio Professor Assistente daUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG),Psiclogo formado pela UFMG, Especialista emPsicologia do Trabalho pela Universidade deBraslia (UnB), Mestre em Administrao pelaUFMG e Doutorando em Administrao naUniversidade de So Paulo (USP).E-mail: [email protected]

    Recebido em outubro/2000Atualizado em novembro/2000

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    A PESQUISA QUALITATIVA ENTRE A FENOMENOLOGIA E O EMPIRISMO FORMAL

    analogia aos demais nas mesmas condies. Em Bacon(1988) j se tem uma distino entre cincia (fruto da ex-perincia humana) e especulao ou metafsica (fruto doraciocnio calcado na lgica vulgar ou mesmo da revela-o divina).

    Isaac Newton (1642-1727), apud Valverde (1987),abriu mo da anlise terica calcada em uma autoridade(pelo menos formalmente) para analisar as regularidadesfsicas, tendo como parmetros comparativos os modelosda lgebra. Uma frase famosa em que ele expe sua crti-ca ao emprego de hipteses foi: Hypotheses non fingo(No fao hipteses). Ele possibilitou uma certa formade fazer-se cincia, na qual se procura o avano do conhe-cimento atravs da identificao de regularidades consta-tadas matematicamente e por induo ou, simplesmente,leis naturais. Newton adiciona, portanto, as matemti-cas ao mtodo de Bacon.

    Uma das dificuldades que esse procedimento geravaenvolvia a sucessiva complexificao das teorias expli-cativas dos fatos estudados, o que poderia fazer com queos cientistas se perdessem no perigo da especulao apartir delas. Um filsofo que deu contribuio histricapara a resoluo desse problema foi David Hume (1711-1776), com sua famosa Investigao acerca do conheci-mento humano (1988). Ele defende a identificao denexos de causalidade dos fenmenos naturais (entendi-dos como sucesses temporais entre dois fenmenos per-cebidos em bases de uma vinculao necessria, ou seja,para que o segundo acontea necessrio que o primeiroo anteceda) e toma como critrio de verdade a possibili-dade de retorno das teorias s bases empricas que asgeraram (fenmenos sensveis), isto , s percepes ori-ginais. Criticando o pensamento cartesiano, Hume (1988)admite a lgica dedutiva apenas para a matemtica (por-que consiste em relaes entre smbolos), considerando-acriadora de sofismas e iluses quando aplicada ao mundonatural, que no se comporta, necessariamente, segundoa lgica.

    O projeto de Hume (1988) de construo do conheci-mento foi muito bem-sucedido no mundo das ocorrnciasfsicas, e marcou uma distino entre as Fsicas e as Meta-fsicas, o que gerou certo desprezo nos meios acadmicospor essas ltimas. Hume foi extremamente influente at ofinal do sculo XIX e incio do sculo XX, quando fsicoscomo Albert Einstein propuseram teorias que invalidavama aplicao das leis de Newton a territrios pouco conhe-cidos da Fsica, como as partculas subatmicas, o que geroudesconfiana na capacidade de generalizao das conclu-ses obtidas por esses mtodos.

    Grosso modo, tem-se ento uma noo de cincia, aqual seria um mtodo de produo de conhecimentoverificvel e acumulvel, que estabelece nexos de causali-dade entre fenmenos a partir da observao sistemtica

    e da experimentao de fenmenos naturais com a finali-dade de identificarem-se, por generalizao, regularidades(leis) passveis de descrio matemtica.

    Essa definio foi quase que totalmente criticada nosculo XX. Bachelard (1988) e Kuhn (1982) criticaram acumulatividade do conhecimento cientfico, introduzindoconceitos como corte epistemolgico e mudana deparadigma, respectivamente. Carnap (1988) abriu modo conceito de verificabilidade, substituindo-o pelo de con-firmabilidade. Popper (1975; 1999) estendeu as crticas induo e generalizao, questionou os fundamentosepistemolgicos do probabilismo e props a falseabilidadee a falsificao, assim como a transitoriedade das teoriascientficas aceitas. Todos os autores citados tratam daschamadas cincias naturais. Evitar-se- o desenvolvimen-to dessas contribuies porque elas fazem perder a linhamestra do presente trabalho.

    EXISTEM DIFERENTES MTODOS?

    O raciocnio que est sendo desenvolvido mostra quepor detrs de um conceito aparentemente aceito de cin-cia h inmeras discusses, entre seus prprios expoen-tes, que esto longe de poderem ser consideradas acess-rias, posto que se referem a elementos essenciais da no-o emprico-formal de cincia.

    Pode-se dizer que existem diferentes mtodos do co-nhecimento cientfico? Apesar de a grande maioria dosautores citados defender a teoria da cincia unificada, cadaum buscando trazer para a sua proposta as diretrizes ver-dadeiras do mtodo cientfico, pode-se dizer que h va-riao ainda mais acentuada em torno do conceito de ci-ncia, especialmente das cincias humanas e sociais, cujaquesto ser discutida mais adiante.

    Em meio aos livros de teoria do conhecimento e meto-dologia de pesquisa cientfica, h diferentes classificaesde mtodos concorrentes, que surgiram de bases de pen-samento epistemolgico diversas (ou matrizes epistemo-lgicas) e que, mais do que um exerccio especulativo,passaram a orientar pesquisadores e cientistas, consoli-dando-se em orientaes concorrentes de escolas, linhasde pesquisa e disciplinas.

    Para fins de ilustrao desse ponto de vista, passa-se a apresentar o referencial de Zilles (1994), adotadoneste trabalho por sua simplicidade, apesar de existiremdiversos outros, como o de De Bruyne, Herman & DeSchoutheete (1991).

    Zilles (1994) divide o conhecimento cientfico em trsgrupos: o das cincias formais, o das cincias emprico-formais e o das cincias hermenuticas.

    As cincias formais tm as relaes entre signoscomo seu objeto de pesquisa, compreendem a mate-mtica e a lgica, so racionais e sistemticas, e so

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    verificveis no sentido da possibilidade do emprego dadeduo.

    As cincias emprico-formais foram descritas no tpi-co anterior e tm como objeto a realidade empirica-mente apreensvel (natureza), podendo usar as cinciasformais como seu instrumental.

    As cincias hermenuticas so, por sua vez, cin-cias da interpretao. (...) A interpretao procura evi-denciar uma significao no imediatamente aparente.A significao uma relao entre um signo e umaentidade pertencente ao mundo real ou ao mundo ideal.Em resumo, as cincias hermenuticas visam realida-de humana enquanto apreensvel, enquanto per-ceptvel na natureza transformada pela cultura.(...) visa subjetividade, suas intencionalidades. (...)trabalham essencialmente com a categoria do sentido(Zilles, 1994:164).

    A Fenomenologia de Edmund Husserl (1988) umadas teorias que procuram fundamentar epistemologica-mente esse ltimo conceito. Ela ser abordada de formamais detida neste artigo, mas antes sero discutidos ospontos de conflito entre as cincias naturais e as cinciashumanas e sociais.

    O PROBLEMA DO MTODO NAS CINCIASHUMANAS E SOCIAIS

    Uma discusso tambm histrica, em meio aos episte-mologistas, repousa na possibilidade de adoo dos mto-dos do empirismo formal nas chamadas cincias humanase sociais. Independente dos argumentos pr ou contra esseprojeto, qualquer leitor desapaixonado considera razovelque a aplicao desses mtodos s cincias do homempressupe a aceitao apriorstica de que o ser humano explicvel partir de leis que desvendam a sua natureza.Caso contrrio, tratando-se o homem como um ser porta-dor de uma condio humana, ou seja, dotado de livre-arb-trio, capaz de construir sua prpria cultura e resignificar (darnovo sentido ou significado) o mundo ao seu redor, no fazsentido empregar-se um mtodo que busca explic-lo desti-tuindo-o de suas capacidades. Essa condio humana (ter-mo aqui empregado no sentido de delimitar o homem pro-dutor de cultura e produzido por ela, em distino nature-za humana) seria incognoscvel por uma matriz epistemol-gica calcada no empirismo, no sendo objeto passvel doemprego dos mtodos das cincias naturais.

    Aps quase um sculo e meio de Psicologia concebidacomo cincia humana, pode-se acompanhar o desdobra-mento da aplicao dos mtodos das cincias naturais esugerir que eles so mais bem-sucedidos quando o homem visto como (ou reduzido a) um ser orgnico. A pesquisamdica um exemplo de sucesso do emprego dos mto-dos naturais, mas nenhum mdico acreditaria, por exem-

    plo, na existncia de diferenas estruturais e funcionaissignificativas entre dois coraes humanos, a menos quese estivesse estudando patologias, ou seja, os mdicos tra-balham com uma natureza do organismo humano.

    As concluses da Psicologia emprica tornam-se, en-tretanto, polmicas e duvidosas quando se analisa o ho-mem como um ser psquico. Elas tm algum poder expli-cativo quando so descritivas, mas so incertas quandopreditivas. Parece que o ser psquico apenas parcialmentedeterminado, ou seja, as regularidades que podem seridentificadas a partir de sua pesquisa no seriam suficien-tes para a compreenso de sua dinmica singular e rara-mente so passveis de generalizao para pessoaseducadas em culturas muito diferentes entre si.

    Jung (1985:2-3), psiquiatra de renome, parece ter che-gado a concluso semelhante e talvez um pouco menospessimista quando desenvolveu o seguinte pensamento:Uma das antinomias fundamentais a proposio: Apsique depende do corpo, e o corpo depende da psique.(...) Chegamos assim formulao dialtica, que no fundosignifica que a interao psquica nada mais do que arelao de troca entre dois sistemas psquicos. Uma vezque a individualidade do sistema infinitamente varivel,o resultado uma variabilidade infinita de afirmaes devalidade relativa. No entanto, se individualidade fosse sin-gularidade, isto , se o indivduo fosse totalmente diferen-te de qualquer outro indivduo, a psicologia seria imposs-vel enquanto cincia, isto , ela consistiria num caosinextricvel de opinies subjetivas. Mas como a individua-lidade apenas relativa, isto , apenas complementa aconformidade ou a semelhana entre os homens, as afir-maes de validade universal, ou seja, as constataes ci-entficas, tornam-se possveis. Conseqentemente, estasafirmaes podem referir-se unicamente s partes do sis-tema psquico conformes, isto , s que podem ser com-paradas e, portanto, apanhadas estatisticamente, e noao individual, ao nico dentro do sistema. A segundaantinomia fundamental da psicologia a seguinte: O indi-vidual no importa perante o genrico, e o genrico noimporta perante o individual.

    Muitos autores consagrados na literatura aceitam asdiferenas epistemolgicas existentes nas cincias huma-nas e sociais. Kirk & Miller (1988:10) apontam o seguin-te: ... Objetividade , tambm, um conceito ambguo.Em um sentido, ele refere-se ao pressuposto heurstico,comum nas cincias naturais, de que tudo no universo pode,em princpio, ser explicado em termos de causalidade. Nascincias sociais, esse pressuposto freqentemente pareceperder o sentido, em razo de que aquilo que os cientistassociais tentam explicar a conseqncia das escolhas exis-tenciais internas feitas pelas pessoas.

    Esse problema no diferente nas cincias administra-tivas, posto que elas tm como objeto as organizaes de

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    A PESQUISA QUALITATIVA ENTRE A FENOMENOLOGIA E O EMPIRISMO FORMAL

    trabalho constitudas por seres humanos. Se por um lado possvel estabelecer regularidades que parecem ser uni-versais s relaes de troca (lei de oferta e procura nascincias econmicas), por outro tem-se as organizaescom suas singularidades (os transplantes de modelos ad-ministrativos, por exemplo), gerando outputs diferentesdaqueles que seriam esperados de um certo modelo admi-nistrativo.

    Pode-se ver por que determinadas metodologias quali-tativas so to difundidas nessa rea do conhecimento,como os estudos de caso, a despeito do desenvolvimentodos mtodos quantitativos e dos aparelhos de auxlio aoprocessamento de informaes. Quanto mais prximosdos fenmenos culturais humanos, mais singulares se tor-nam os fenmenos em Administrao e, portanto, maisimportante a compreenso das unidades. Quanto maio-res as possibilidades de tomada de decises e as mudanasno ambiente, menos preditivos se tornam os modelos ad-ministrativos, que parecem ter validade circunscrita a de-terminados cenrios.

    Em um cenrio turbulento, para o gerente pode sermais valioso deter um repertrio de construes compre-ensivas e capacidade analtica (de preferncia criativa) doque conhecer prescries calcadas em modelos universaisde funcionamento das organizaes. O emprego de ferra-mentas de finalidade prospectiva e situacional parece ter-se desenvolvido bastante na administrao, com a finali-dade de dar suporte tomada de decises.

    Como lidar com o conhecimento tendo em vista obje-tos possivelmente dotados de singularidade? aceitvelrenunciar ao desejo de conhec-los, taxando-os de incog-noscveis, ou h formas de desenvolver algum tipo de en-tendimento?

    Dilthey (1833-1911), apud Zilles (1994), foi um dosfilsofos alemes que defenderam a idia de que as cin-cias humanas e sociais tm como objeto uma realidadehumana, histrica e social, criticando o emprego isoladodos mtodos das cincias naturais nessa rea. Ele conside-ra fundamental a anlise da compreenso da experinciapessoal e da expresso do esprito humano nessa rea doconhecimento.

    Dentre as escolas de pensamento epistemolgico, apre-sentar-se a seguir uma das mais influentes e prolficas noreferente a esse assunto: a Fenomenologia de EdmundHusserl.

    O QUE FENOMENOLOGIA?

    Zilles (1994) fez uma sntese da evoluo dos concei-tos de fenmeno em Filosofia, na qual mostra haver pelomenos dois sentidos marcantes: o primeiro, mais amplo,significaria tudo o que aparece, se manifesta ou se reve-la e est conectado a tudo o que existe exteriormente, ou

    seja, os fenmenos fsicos. No entanto, Kant (apud Zilles,1994) notabilizou-se ao distinguir o fenmeno da coisaem si (que denominou noumenon). Para ele os fenme-nos seriam os objetos da experincia; as coisas em siseriam incognoscveis e transcendentes experincia.

    Edmund Husserl (1859-1938) construiu a fenomeno-logia como uma vertente crtica ao naturalismo vigente sua poca, que insistia em negar a subjetividade para estu-dar os fatos naturais como se fossem uma realidade nica.Volta-se, portanto, ao mundo interior dos homens, cha-mado transcendental *, no qual se far a conexo possvelentre as coisas em si e as idias. Husserl (1988) privilegia,portanto, o estudo da conscincia, a qual define como umainstncia psquica que constitui significaes, seja ao apre-ender seja ao constituir os significados dos acontecimen-tos naturais ou psquicos.

    A conscincia entendida pela fenomenologia deHusserl (1988) como sendo um fluxo temporal de vivn-cias, peculiar, porque imanente, ou seja, capaz de darsentido s coisas e de apreender pela intuio aquilo que universal, j que ela capta a multiplicidade de fatos e a suaessncia comum. Outro aspecto importante da conscin-cia diz respeito sua intencionalidade. Chau (1988)descreve a intencionalidade como dirigir-se para, visar aalguma coisa, o que a torna uma atividade constituda deatos que visam a algo. Toda conscincia uma conscin-cia de algo. Husserl (1988) denomina esses atos, quepodem ser perceptivos, imaginativos, especulativos,volitivos etc., com o termo noese, e aquilo a que visamcom o termo noema. As noemas esto presentes na cons-cincia sem serem partes dela.

    Husserl (1988) distingue, ainda, dois nveis de noese: onvel emprico, em que se identificam atos psicolgicose individuais para conhecer um significado independentedeles; e o nvel transcendental, no qual as noeses soatos do sujeito constituinte que cria as noemas enquantoidealidades puras ou significaes.

    A fenomenologia husserliana pretende estudar, pois,no puramente o ser, nem puramente a representao oua aparncia do ser, mas o ser tal como se apresenta noprprio fenmeno. E fenmeno tudo aquilo de que po-demos ter conscincia, de qualquer modo que seja (Zilles,1994:125).

    Outro conceito importante para o entendimento dafenomenologia reside na dinmica da relao entre o fatoe a conscincia. Como j afirmado, Husserl trabalha comas intuies da conscincia como sendo os elementos cons-tituintes do conhecimento. Entretanto, elas s constroem

    * Zilles (1994) mostra a distino que o pensador austraco (Husserl) fazentre o transcendental e o transcendente. Enquanto o primeiro fruto daconscincia, o ltimo empregado em relao ao mundo exterior.

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    conhecimento medida que so capazes de perceber asessncias, distinguindo diferentes possibilidades de repre-sentao dos objetos.

    Dizemos que dois atos intuitivos possuem a mesma es-sncia quando as suas intuies puras tm a mesma mat-ria. (...) Todas as intuies objetivamente completas de umamesma matria tm a mesma essncia (Husserl, 1988:78).

    Uma vez aceita a premissa husserliana, pergunta-se comofazer cincia ou, ainda, o que cincia para a fenomenologia.O critrio de verdade definido por Husserl (1988:94) comoa plena concordncia entre o visado e o dado como talou, como interpreta Chau (1988), entre o ato de conhecere o seu correlato. Isso no significa que a verdade seja so-mente uma verdade subjetiva, no sentido de ser consideradaapenas no recesso do pensamento de seu criador, mas tam-bm reflete a ordem das coisas.

    A questo a que essa afirmao remete : como podeo agente do conhecimento distinguir as essncias das coi-sas e no ser iludido pelas aparncias da realidade exteriorou pelos contedos preexistentes da sua conscincia?

    Zilles (1994) e Chau (1988) identificam trs condiespropostas por Husserl para a fundamentao de uma ci-ncia de rigor:

    Ausncia de pressupostos ou seja, o pesquisadorevitaria considerar o que j foi dito por pensadores oupela teoria, indo diretamente s coisas mesmas buscarsuas essncias. A epoqu consiste em nos abstermospor completo de julgar acerca das doutrinas de qualquerfilosofia anterior e em levar a cabo todas as nossas des-cries no mbito desta absteno (Husserl apud Zilles,1994:128).

    Carter a priori que significa desconfiar dos dadosempricos para fundamentar-se em idealidades (as coi-sas mesmas) da conscincia transcendental, a nicacapaz de captar as essncias. Entende Husserl (1988)que a intuio da essncia diferente da percepo dofato. fcil ilustrar esse tipo de postulado quando soobservadas as aes de pessoas, que esto revestidas deintencionalidades. A mera observao do resultado daao ou da ao em curso no revela a intencionalidadedo sujeito. O trabalhador que opera em ritmo lento podeestar protestando contra a fbrica, estar estressado, des-pido de conhecimento necessrio para a realizao desua atividade, disperso, preocupado com problemas decasa ou, ento, por uma infinidade de motivos.

    Evidncias apodticas seriam as bases das cons-trues dos juzos (nos moldes do pensamento carte-siano). Seriam evidncias com ausncia total de dvi-da, cuja obteno se d a partir das redues fenomeno-lgicas que Zilles (1994:130-131) descreve da seguinte

    forma: Para chegar ao fenmeno puro, Husserl sus-pende o juzo em relao existncia do mundo exte-rior (transcendente). Descreve apenas o mundo comose apresenta na conscincia, ou seja, reduzido consci-ncia. Tal suspenso ou colocao entre parnteses cha-mou epoqu. Portanto, no duvida da existncia domundo, mas simplesmente o pe entre parnteses ouo idealiza ou o reduz ao fenmeno: a reduo fenomeno-lgica. No fenmeno, por sua vez, procede a sucessi-vas redues em busca da essncia: a reduo eidtica.Assim, entende a fenomenologia como anlise descriti-va das vivncias da conscincia depuradas de seus ele-mentos empricos para descobrir e apreender as essn-cias diretamente na intuio.

    No de fcil entendimento a delimitao da redu-o eidtica como mtodo. De Bruyne, Herman &De Schoutheete (1991) entendem, a partir de MerleauPonty, que se o pesquisador imaginar todas as relaesimplicadas por um fenmeno e o fizer variar pela imagi-nao, tudo o que no puder ser variado sem que o objetodesaparea uma essncia.

    A fenomenologia, apesar de situar-se como uma cin-cia rigorosa, no se acha descrita metodologicamente deforma prescritiva, o que levou Martin Heiddegger (apudZilles, 1994), discpulo de Husserl, a escrever uma fraseque ficou famosa: compreender a Fenomenologia apre-ender suas possibilidades. Como a fenomenologia fezescola, alguns dos seus pesquisadores realizaram esfor-os de apresentao compreensiva do mtodo. Bruyn(1970:284), por exemplo, fez uma releitura do trabalhode Spigelberg, identificando sete passos do mtodofenomenolgico: investigar fenmenos particulares; investigar essncias gerais; apreender as relaes essenciais entre as essncias; observar os modos de aparecimento; observar a constituio dos fenmenos na conscincia; suspender a crena na existncia do fenmeno; interpretar o significado do fenmeno.

    Miles & Huberman (1994) tecem outra consideraometodolgica sobre o trabalho dos fenomenologistas. Elesafirmam que os pesquisadores dessa orientao freqen-temente trabalham com transcries de entrevistas e queso cuidadosos na condensao desse material. Evitar-se-ia o uso de codificao, mas trabalhar-se-ia fazendoreleituras continuadas nas fontes primrias, tomando cui-dado com suas prprias pressuposies, para capturar aessncia (o lebenswelt do informante). Pode-se adicionarque os discpulos da fenomenologia empregam outrosmtodos, alm do da leitura de estrevistas transcritas, uti-lizando tambm a observao participante.

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    A PESQUISA QUALITATIVA ENTRE A FENOMENOLOGIA E O EMPIRISMO FORMAL

    A fenomenologia tem seu lugar nas cincias humanase sociais e a tentativa de empreg-la como mtodo deanlise de objetos prprios das cincias naturais infrut-fera, posto que eles se acham despidos de intencionalidadeou de conscincia de si. Nesse campo, a aparncia estariamais prxima das essncias; os determinismos so maispatentes e, por isso, os mtodos emprico-formais so maisprodutivos, j que se focalizam na identificao de regula-ridades e na conseqente construo terica, seja pela viada induo, seja pela do mtodo hipottico-dedutivo.

    Miles & Huberman (1994) situam a fenomenologia, asemitica, o desconstrutivismo esttico, a etnometodologiae a hermenutica em uma nica categoria de linhas demetodologia de pesquisa, denominada de interpreta-tivismo. Eles consideram que, apesar de suas diferentesnfases e variaes, h uma linha comum de ao e com-preenso.

    O QUE PESQUISA QUALITATIVA?

    Muitos autores entendem a pesquisa qualitativa comosendo uma pesquisa cujas variveis no podem sermensuradas a nvel intervalar ou de razo. Parasuraman(1986:240), por exemplo, define-se nessa linha: Pesqui-sa qualitativa envolve coletar, analisar e interpretar dadosque no podem ser significativamente quantificados, isto, sumarizados em forma de nmeros. Por essa razo, apesquisa qualitativa algumas vezes considerada como umapesquisa soft.

    Sampson (1991:29) leva essa concepo s suas con-seqncias: A pesquisa qualitativa usualmente explora-tria ou diagnstica. Ela envolve um nmero pequeno depessoas que no esto amostradas em uma base probabi-lstica. Elas podem, contudo, ser selecionadas para repre-sentar diferentes categorias de pessoas de um mercado-alvo ou segmento da comunidade. Em pesquisa qualitati-va, nenhuma tentativa feita para obter concluses rpi-das e slidas (hard).

    Essas vises esto associadas concepo emprico-formal de cincia. Outros autores defendem uma defini-o um tanto diferente de pesquisa qualitativa.

    Kirk & Miller (1988:10) ampliam o conceito de pes-quisa qualitativa dizendo que ele pode ser visto a partir deduas ticas: a tica da oposio quantidade e a datradio das cincias sociais que fundamentalmente de-pendem da observao de pessoas em seu prprio territ-rio e interagindo com elas em sua prpria linguagem, emseus prprios termos. Eles consideram a primeira defini-o limitada e posicionam-se da seguinte forma: A partirda nossa viso pragmtica, a pesquisa qualitativa implicacomprometimento com atividades de campo. No implicacomprometimento com a inumerao. A pesquisa quali-tativa um fenmeno emprico, socialmente localizado,

    definido pela sua prpria histria, no apenas um sacode gatos que compreende todas as coisas que no soquantitativas (Kirk & Miller, 1988:10).

    Eles adotam uma posio epistemolgica interessante.Se por um lado, no crem que o mundo externo deter-mina absolutamente a nica e correta forma de viso quese pode ter dele (positivismo), por outro, criticam a posi-o oposta e extrema de que possvel encontrar explica-es alternativas para tudo e, com isso, desistir de fazerqualquer esforo de escolha entre elas (relativismo). Lem-bram que h um outro lado da objetividade: o de que omundo externo existe, apesar de tudo (realismo).

    Posio semelhante a de Miles & Huberman (1994),que se definem como realistas transcendentais por acre-ditarem que o fenmeno social no existe apenas na men-te, mas tambm no mundo objetivo e que algumas rela-es estveis podem ser encontradas entre eles.

    Glaser & Strauss (1970) criticam a concepo empirista-formal da teoria cientfica, como a de Sampson (1991), edefendem que a pesquisa qualitativa no uma preliminarda pesquisa quantitativa, mas que pode ser a base da for-mulao e da descoberta da teoria substantiva. Os m-todos clnicos tm sido a base de inmeras teorias em Psi-cologia. A psicanlise e a epistemologia gentica de JeanPiaget so exemplos de teorias que se tornaram global-mente difundidas. Nas cincias sociais, a etnometodologiae o interacionismo simblico tm sido construdos a partirdos mtodos qualitativos, quase que exclusivamente.

    Em um outro extremo tem-se a definio de Cicourel(1969), um cientista social que seria considerado relativistapor Miles & Huberman, j que ele considera semelhanteso dogma religioso e a cincia, considerando-os ao mesmotempo como corpos de conhecimento e ideologias, poisambos possuem seus prprios pressupostos tericos,mtodos e regras para admitir proposies para o seurespectivo corpo de conhecimento. Ele entende que omundo dos observveis no est simplesmente l forapara ser descrito e medido com os sistemas de mensuraoda cincia moderna, mas o curso dos eventos histricos edas ideologias de uma dada era pode influenciar o queest l fora e como esses objetos e eventos devem serpercebidos, avaliados, descritos e medidos (Cicourel,1969:38). Com base nessa perspectiva, ele evita a anlisede mtodos pela via da distino entre sistemas cientficose metafsicos ou se representam ideologias particulares,mas considera-os todos como meios de obter conhecimentosobre o mundo social.

    Ely et alii (1996) tambm definem a pesquisa qualitati-va de perspectiva diferente, a qual no pode ser conside-rada relativista, como a de Cicourel (1969), mas fenome-nolgica. Essas autoras consideram pouco compreensivodefinir o termo pesquisa qualitativa, achando melhoranalisar as caractersticas comuns de seus mtodos. Elas

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    Jder dos Reis Sampaio

    identificam as caractersticas abaixo que consideram co-muns a todo tipo de pesquisa qualitativa (Ely et alii,1996:4): Os eventos s podem ser entendidos adequadamente

    se eles so vistos no contexto. Por isso, o pesquisadorqualitativo imerge-se no setting.

    Os contextos de questionamento no so planejados,eles so naturais. Nada predefinido ou suposto.

    Os pesquisadores qualitativos querem que aqueles queso estudados falem por si mesmos, para que forneamsuas perspectivas em palavras e outras aes. Conse-qentemente, a pesquisa qualitativa um processointerativo no qual as pessoas estudadas ensinam ao pes-quisador sobre suas vidas.

    Os pesquisadores qualitativos presenciam a experin-cia como um todo, no como variveis separadas. Oobjetivo da pesquisa qualitativa compreender a experi-ncia de forma global (... to understand experience asunified).

    Os mtodos qualitativos so apropriados s afirmaesacima. No h um mtodo geral.

    Para muitos pesquisadores qualitativos, o processo emseu curso fornece uma avaliao do que foi estudado.

    As autoras sintetizam bem em seu texto as diretrizesinterpretacionistas para a pesquisa qualitativa, mas certa-mente no abarcam com elas o tipo de investigao reali-zado por cientistas como Parasuraman (1986). Isso con-duz s consideraes finais deste despretensioso trabalho.

    A PESQUISA QUALITATIVA ENTRE A MATRIZHERMENUTICO-FENOMENOLGICA E AMATRIZ EMPRICO-FORMAL

    No foi difcil mostrar que em meio aos chamados ci-entistas humanos e sociais, incluindo-se a os que laboramno campo da Administrao, h multiplicidade de con-cepes de cincia. Selecionou-se duas orientaes, se-guindo a proposta de Zilles (1994), designando-as comomatrizes, posto que no se trata de aplicar um mtodoem uma disciplina (como a fsica) e outro em outra (comoa medicina). Trata-se de entender que, mesmo dentro deuma dada disciplina, especialmente daquelas cujo objetose acha em clara interao com o homem e a sua cultura, possvel a aplicao de mtodos de pesquisa qualitativacom bases hermenutico-fenomenolgicas ou com basesemprico-formais.

    Geralmente, quando se usa o conceito pesquisa qua-litativa est-se dizendo pesquisa no-quantitativa, ouseja, que por algum motivo no se construiu suas conclu-ses a partir da anlise matemtica das suas variveis que,por sua vez, no foram mensuradas a nvel intervalar oude razo. Sempre que se define assim, est-se dizendo

    que se aceita a matriz emprico-formal como refernciaepistemolgica (nica) para a construo do conhecimen-to, que se est procedendo segundo as suas prescriesmetodolgicas, mas que se reconhece uma limitao dapesquisa: seja ela o desconhecimento terico do fenme-no especfico (ausncia de variveis conhecidas) que de-manda uma pesquisa exploratria, seja a desconfiana nacapacidade de um modelo terico aceito explicar correta-mente um fenmeno, seja a impossibilidade de mensurar-se nmero significativo de variveis a nvel nominal. Tudoisso justificaria o emprego da pesquisa qualitativa comouma pr-etapa ou uma etapa confirmatria do desenvolvi-mento terico (uma teoria de regularidades).

    Considerando-se a matriz hermenutico-fenomeno-lgica, entretanto, o termo pesquisa qualitativa assumedimenso totalmente diferente diante da construo teri-ca. Aqui se parte da crtica metodologia emprico-formalcomo incapaz de construir teorias vlidas, especialmentecom relao a fenmenos que pressupem a subjetividadeou a ao subjetiva e intencional dos atores sociais. Nessecenrio no se buscam regularidades, mas sim a compre-enso das opes dos agentes, daquilo que os levou singu-larmente a agir como agiram. Essa empreitada s pos-svel se os sujeitos forem ouvidos a partir de sua lgica eexposio de razes. Quando muito, pode-se identificarcrenas mais ou menos compartilhadas por grupos soci-ais, ou seja, a cultura, sem pressupor que ela seja umacategoria esttica no tempo e no espao, mas uma cate-goria analtica em permanente transformao. Dessa for-ma, a anlise da linguagem (ou anlise do discurso) pareceser mais produtiva do que a anlise matemtica.

    Na matriz emprico-formal tem-se a anlise a partir deobjetos, mesmo que eles sejam produes ideolgicas deuma pessoa ou um grupo social. Isso leva seus crticos aatentarem para o fenmeno da reificao que, nesse sen-tido, seria a transformao em objeto daquilo que no o .

    Na matriz hermenutico-fenomenolgica tem-se a an-lise a partir da percepo do sentido das produes dosujeito, em busca de essncias e de compreenso, atravsda intersubjetividade, o que leva seus crticos a atentarempara o fenmeno da subjetividade, no sentido de certaarbitrariedade do pesquisador na construo de suas teo-rias, assim como no de dificuldade de verificao ou defalsificao dessas teorias.

    Entende-se que os dois mtodos produzem conheci-mento, mas cabem ao pesquisador senso crtico e clarezasobre seus objetos e objetivos, assim como a explicitaosuficiente das matrizes epistemolgicas que esto em uso,a fim de no se perder em sua pesquisa e de fazer-se com-preender por seus pares. Conclu-se tambm que, medi-da que a objetividade e a subjetividade se entrecruzam noobjeto de pesquisa, se torna mais complexo fazer escolhasmetodolgicas.u

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    A PESQUISA QUALITATIVA ENTRE A FENOMENOLOGIA E O EMPIRISMO FORMAL

    Metodologia e epistemologia so duas reas relacionadas, mas independentes entre si. muito comum napesquisa administrativa brasileira entender-se a pesquisa chamada de qualitativa a partir de um referencialepistemolgico emprico-formal. Neste artigo, realiza-se uma anlise das contribuies tericas ao tema,tanto de autores clssicos como de contemporneos. A proposta neste trabalho terico distinguir a orientaoepistemolgica baseada no empirismo formal daquela que se fundamenta na fenomenologia. Aceitos essadistino e o status cientfico dessas duas matrizes de conhecimento, mostra-se que h implicaesmetodolgicas distintas para a pesquisa qualitativa, seja com relao ao objetivo, seja com relao abordagemdo objeto, seja com relao construo de constructos e indicadores. Dessa forma, a pesquisa qualitativano uma pesquisa para a qual no se tem flego de estudar nmero suficiente de eventos que permitamgeneralizao, nem est s voltas com um tipo de objeto que permite apenas mensurao no-mtrica etampouco uma abordagem menor da cincia porque no consegue fixar com fundamento as leis queestabelecem relaes determinantes ou probabilsticas entre eventos. Trata-se de um tipo de pesquisa prpriapara a anlise em profundidade de fenmenos, na qual se pressupe ou se busca entender melhor a singularidadeou a subjetividade.

    Palavras-chave: pesquisa qualitativa, metodologia de pesquisa, epistemologia.

    Methodology and epistemology are two related areas, but independent to each other. It is very usual in themanagement research in Brazil to understand the so-called qualitative research starting from an empiric-formal epistemological referential. In this paper, an analysis of the theoretical contributions to the theme ofclassic and of contemporary authors is presented. The proposal in this theoretical work is to distinguish theepistemological orientation based on the formal empiricism of the one that is based on the phenomenology.Once that distinction and the scientific status of those two knowledge bases are accepted, it is shown thatthere are different methodological implications for the qualitative research, related to the objects approach aswell as to the construction of constructos and indicators. Therefore the qualitative research is not a researchfor which it is difficult to study a large enough number of events in order to allow generalization, nor itconcerns an object type that allows only non-metric measuring and it is neither a lesser scientific approachjust because it fails to bind with fundaments the laws that establish determinant or probabilistic relationshipsamong events. It is a kind of research for a deep analysis of phenomena, in which to understand the singularityor the subjectivity better is presupposed or sought.

    Uniterms: qualitative research, research methodology, epistemology.

    Metodologa y epistemologa son dos reas relacionadas, pero independientes entre s. Es muy comn en lainvestigacin administrativa brasilea entender la investigacin llamada cualitativa a partir de un referencialepistemolgico empirista-formal. Se realiz un anlisis de las contribuciones tericas al tema por autoresclsicos y contemporneos. La propuesta del presente trabajo terico es distinguir la orientacin epistemolgicabasada en el empirismo-formal de aquella que se fundamenta la fenomenologa. Aceptada esta distincin y elstatus cientfico de stas dos matrices de conocimiento, se muestra que hay implicaciones metodolgicasdistintas para la investigacin cualitativa, sea con relacin al objetivo, sea con relacin al abordaje del objeto,sea con relacin a la construccin de constructos e indicadores. De esta forma, la investigacin cualitativa noes una investigacin para la cual no se tuvo energa para estudiar un nmero suficiente de eventos quepermitan generalizacin, ni se interesa por un tipo de objeto que permite slo una medicin no-mtrica ymucho menos es un abordaje menor de la ciencia porque no consigue establecer con fundamento leyes queestablecen relaciones determinantes o probabilsticas entre eventos. Se trata de un tipo de investigacinpropia para el anlisis, en profundidad, de fenmenos donde se presupone o se busca entender mejor lasingularidad o la subjetividad.

    Palabras-clave: investigacin cualitativa, metodologa de investigacin, epistemologa.

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