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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARINA LUZIA DORIGO BARÃO A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MARINA LUZIA DORIGO BARÃO

A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS

CURITIBA

2014

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MARINA LUZIA DORIGO BARÃO

A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, com intuito da obtenção parcial do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Drª. Thais Pascoaloto Venturi

CURITIBA

2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

MARINA LUZIA DORIGO BARÃO

A PERSONIFICAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de __________ de 2014.

____________________________________

Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Profª. Doutora Thais Pascoaloto Venturi

UTP

Prof.

UTP

Prof.

UTP

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter me dado forças para

ingressar em outro curso superior e continuar, após uma interrupção de um ano e

meio para me tornar mãe de dois filhos maravilhosos.

Agradeço especialmente ao meu marido, a quem já dediquei o presente

trabalho, pela paciência, compreensão, apoio incondicional e pelas saídas

estratégicas com as crianças para que eu pudesse estudar tranquilamente.

Agradeço à minha orientadora e incentivadora Profª. Drª. Thais

Pascoaloto Venturi, por quem nutro admiração e respeito, especialmente porque já

“confessou” sua paixão pelos animais. Pessoa extraordinária, paciente e dedicada.

Não poderia deixar de agradecer a todos os animais que passaram por

minha vida pessoal e profissional. Ao Chester, que nos deixou há 4 anos, mas ainda

está presente em meus pensamentos. Companheiro e fiel, deixou imensa saudades.

À Kitty Amada, Theobaldo, Mimucho e Filomena, gatinhos que estão sob minha

responsabilidade, pelo carinho dedicado a toda família.

Aos colegas da faculdade Jessica Chagas, Ricardo, Pedro e Amilton,

pelo companheirismo e paciência.

Ao final, agradeço à minha mãe pelo incentivo velado para que eu

cursasse Direito (sei que esse era o seu desejo desde minha adolescência, há muito

tempo) e às minhas irmãs que, mesmo longe, sempre estiveram presentes.

E, por último, ao meu pai, que há 28 anos partiu deste mundo, quando

eu ainda era uma criança. Tenho certeza que me protege e me apóia em todas as

minhas decisões. Acredito que adoraria brincar com seus netos. Saiba que sinto

muito a sua falta.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu marido, Ricardo Maia, pela

compreensão e incentivo para realização dos meus objetivos.

Sem você, com certeza, tudo isso não seria possível.

Dedico também aos meus filhos, Rafael e Vitor, que, apesar da

falta de compreensão pela tenra idade, sentiram a ausência da

mãe. Saibam que sempre tive vocês em meus pensamentos,

mesmo estando longe por várias horas e talvez nos momentos

que vocês mais precisavam de mim. Vocês foram meu

incentivo para o alcance dos meus objetivos.

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EPÍGRAFE

Não importa se os animais são incapazes ou não de pensar. O que importa é que são capazes de sofrer.

Jeremy Bentham

Não há diferença fundamental entre o Homem e os animais nas suas faculdades mentais(...). Os animais, como o Homem, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento.

Charles Darwin

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RESUMO

O presente trabalho trata da discussão acerca da personalidade jurídica dos animais não-humanos e visa analisar as diferentes teorias sobre o tema, tendo como referência a visão moderna de antropocentrismo mitigado e a tutela estabelecida no plano constitucional. Nos dias atuais, diante do despertar de consciência das relações do homem com o meio ambiente, que afasta a visão antropocêntrica, discute-se o enquadramento jurídico dos animais não-humanos, pois o Direito tradicional civilista, considera os animais não–humanos como coisas ou bens. Diante disso, questiona-se se esses seres sencientes podem ser considerados sujeitos de direito, capazes de titularizar deveres e direitos ou seriam sujeitos de direitos despersonificados não-humanos?Há três teorias principais que abrangem o assunto: a tradicional, que mantém os animais não humanos na condição de coisas; a personificação, que visa atribuir status de pessoas, sujeitos de direitos e deveres, aos animais; e a terceira teoria que pretende inserir os animais em uma terceira categoria, com regime jurídico próprio. Para tanto,por meio de revisão bibliográfica, legislação, revistas especializadas, teses, dissertações e artigos que abordam o assunto, o trabalho inicia pelo estudo da personalidade jurídica adotada pelo Código Civil brasileiro, destaca as regulamentações acerca do meio ambiente, especialmente quanto aos animais não-humanos e, por último, ingressa no campo ético-filosófico do direito dos animais, apontando as posições dos principais doutrinadores.

Palavras-chave: animais não-humanos. personalidade dos animais. teoria abolicionista. teoria reformista.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 - DESENHO ESQUEMÁTICO DOS CRITÉRIOS DE ORGANIZAÇÃO...17

FIGURA 2 - CLASSIFICAÇÃO DOS BENS...............................................................33

FIGURA 3 - CLASSIFICAÇÃO DOS BENS MÓVEIS................................................35

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 9

2 PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO........................ 11

2.1 AS RELAÇÕES JURÍDICAS......................................................................... 11

2.2 OS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA..................................................... 15

2.3 O OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA........................................................... 20

2.4 PERSONALIDADE E CAPACIDADE............................................................ 22

2.5 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS...................................................................... 32

3 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE E O DIREITO DOS

ANIMAIS NÃO-HUMANOS...........................................................................

40

3.1 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL............................................................... 40

3.2 A PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.................................................... 51

4 DIREITO DOS ANIMAIS: SUJEITOS DE DIREITO?.................................... 59

4.1 QUAL A ORIGEM DO ANTROPOCENTRISMO?......................................... 59

4.2 O DIREITO DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS NO MUNDO ATUAL.............. 68

4.2.1 Teoria reformista............................................................................................ 69

4.2.2 Teoria abolicionista........................................................................................ 72

4.3 PERSONALIDADE JURÍDICA DOS ANIMAIS: TENDÊNCIAS ATUAIS....... 76

4.3.1 Os animais como sujeitos de direito.............................................................. 77

4.3.2 Crítica à teoria dos animais como sujeitos de direito..................................... 81

4.3.3 Animais com status intermediário entre pessoa e coisa................................ 83

5 CONCLUSÃO................................................................................................ 86

REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 87

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1 INTRODUÇÃO

O pensamento jurídico atual, diante da consciência ecológica e da mudança

dos paradigmas éticos, sofreu alterações para se repensar as bases ético-jurídicas

do enquadramento dos animais no Direito Positivo.

O tema leva em consideração as mudanças de valores e percepções sociais

ao longo dos anos que alcançam o mundo jurídico em relação à natureza. Dessa

forma, surgiu a necessidade de estudar a relação da natureza, mais especificamente

dos animais não-humanos, no que concerne a sua personalidade diante do Direito

moderno.

O antropocentrismo, que considera a superioridade humana sobre os

demais animais e a natureza como mero objeto que se encontra à disposição do

homem começa a entrar em crise diante da compreensão ambiental e social que

considera o homem uma parte do conjunto biótico ou uma peça de uma cadeia da

vida.

A doutrina, diante do enquadramento tradicional, considera os animais como

coisas ou objetos do direito. Entretanto, diante da condição de seres sencientes,

necessário se faz uma revisão do status moral e jurídico, para que sejam titulares de

direitos, consoante o Artigo 225, § 1º, VII da Constituição da República Federativa

do Brasil.

O presente trabalho visa analisar as diferentes teorias adotadas acerca da

personalidade jurídica dos animais, tendo como referência a visão moderna de

antropocentrismo mitigado e a tutela estabelecida no plano constitucional.

Para tanto, a fim de pontuar a posição jurídica dos animais na legislação

pátria, inicia-se com uma revisão teórica acerca da relação jurídica, abordando os

sujeitos de direito, seus objetos, personalidade e capacidade, bem como a

classificação dos bens, ressaltando, especialmente, a questão dos animais,

incluídos na categoria de coisas no atual Código Civil Brasileiro.

No segundo capítulo, buscou-se apontar as normas brasileiras que protegem

o meio ambiente, incluindo animais não humanos. Iniciou-se com a análise da

proteção constitucional, em especial, a Carta Magna de 1988, que, ao destinar um

capítulo para o meio ambiente, tornou-se marco histórico, pois suas antecessoras

tinham visão de que os recursos naturais eram infinitos e inesgotáveis. No tocante à

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proteção infraconstitucional, fez-se referência às principais normas concernentes

aos animais, desde o ano de 1934, no qual foi promulgada a primeira lei de proteção

aos animais no Brasil.

O terceiro e último capítulo é dedicado especificamente aos direitos dos

animais. Inicia com a origem do antropocentrismo, retratando um breve olhar sobre

os animais na história da humanidade, com a finalidade de obter uma melhor

compreensão do tema e de como o pensamento atual conservador encontra-se

arraigado no antepassado. Chegando à atualidade, evidencia-se que as discussões

acerca da natureza jurídica dos animais vêm se avolumando, afastando a visão

antropocêntrica e alcançando vertentes ao redor do mundo. O trabalho aborda as

três concepções pelas quais o ser humano interage com os não-humanos:

conservadores, reformistas e abolicionistas, sendo que as duas últimas destacam-se

por serem compartilhadas pelos defensores dos Direitos dos Animais.

Acerca da natureza jurídica dos animais, apresentam-se os enfoques que,

devido à tendência legislativa de descaracterizá-los como coisas, busca-se o seu

enquadramento jurídico. Diante disso, foram apresentadas as teorias que buscam a

satisfação dos interesses dos animais: animais como sujeitos de direito e animais

com status intermediário entre pessoa e coisa.

Destarte, o presente trabalho tem por objetivo principal apresentar as teorias

atuais sobre os Direitos dos Animais, que buscam atribuir personalidade jurídica aos

animais não humanos pensado sobre o prisma não antropocêntrico, constatando-se

que os animais não-humanos, como seres sencientes, possuem interesses próprios

e direitos, afastando a concepção antropocêntrica que abarca objeto, coisa e animal

não-humano.

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2 PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO

2.1 AS RELAÇÕES JURÍDICAS

Desde os tempos mais remotos, afirma Caio Mário da Silva Pereira, onde

quer que homens coexistam, quer em uma unidade familiar, quer em uma tribo ou

entidade estatal, ainda que rudimentar, pode-se encontrar o fenômeno jurídico. Para

o autor, “há e sempre houve um mínimo de condições existenciais da vida em

sociedade, que se impõe à pessoa por meio de forças que contenham sua tendência

à expansão individual e egoísta”1.

Francisco Amaral, afirma:

A compreensão do que realmente seja o fenômeno jurídico não deve partir da visão do direito como simples conjunto de normas ou como determinado procedimento de solução de conflitos de interesses, mas da certeza de ser ele produto de uma realidade complexa e dinâmica, que é a vida em sociedade, com seus problemas e controvérsias. (...) Como produto histórico e, consequentemente, cultural, o direito resulta de um processo de institucionalização de práticas e de comportamentos típicos, de órgãos e de critérios de decisão, que a sociedade e o Estado estabelecem, para o fim de dirimirem conflitos de interesses, previsíveis e tipificados.2

Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, o Direito não existe sem sociedade,

assim como não existe sociedade sem Direito. A sociedade é composta por pessoas

e regulada e ordenada pelo Direito, que disciplina as condutas. E para que essas

condutas tornem a convivência viável, surge a disciplina social, ou seja, a norma

jurídica é a expressão formal do Direito, disciplinadora das condutas.3

Mesmo atualmente ou ainda no passado, a vida jurídica de um determinado

povo, em época determinada, em dado momento histórico, a normatividade da

coexistência social submete-se a regras dirigidas à vontade de todos. Caio Mário da

Silva Pereira dá o nome a este complexo de Direito Positivo, que define como

“conjunto de regras e princípios jurídicos que pautam a vida social de determinado

povo em determinada época”. Em contraposição de sentido, tem-se a ideia de

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil.

Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 3. 2 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 8. 3 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p.

125.

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Direito Natural que pode ser definido como o que a própria natureza ensina a todos

os animais4, correspondendo às relações instintivas dos irracionais.5

Nesse diapasão, Francisco Amaral define direito natural como sendo “o

conjunto de princípios essenciais e permanentes atribuídos à Natureza (na

antiguidade greco-romana), a Deus (na Idade Média), ou à razão humana (na época

moderna)”, sendo fundamento para o direito positivo (criado por uma vontade

humana). Desenvolve-se, na época moderna, sob o nome de Jusnaturalismo,

expressão de princípios superiores ligados à natureza racional e social do homem,

deduzindo-se um sistema de regras jurídicas.6

No século XVIII, por influência do iluminismo, movimento que defendeu a

liberdade de pensamento e lutava pelo progresso e razão em todos os campos da

experiência humana, torna-se a expressão do racionalismo no direito, sendo

denominado, “ius-racionalismo”. A principal questão quanto ao direito natural é a

possível superioridade em relação ao direito positivo, sendo que sua função é de

legitimar o poder do legislador, a ele se recorrendo no processo de aplicação das

normas.7

Em sentido oposto ao jusnaturalismo, o positivismo jurídico, desenvolvido nos

séculos XIX e XX, vê o direito como um conjunto de ordens ou comandos,

emanados do Estado e providos de sanção, tendo por características a

coercitividade do direito; a imperatividade das normas jurídicas no sentido de

estabelecerem ordens, comandos; e a supremacia da lei sobre as outras fontes do

direito (costume, jurisprudência, princípios gerais). Para Francisco Amaral, embora

ainda seja a doutrina dominante, o positivismo jurídico apresenta limitações e

insuficiências que atestam a sua crise.8

Complementa, ainda, Francisco Amaral que a influência do jusracionalismo no

direito moderno no processo de racionalização e sistematização do direito, resultou

nos códigos e as constituições dos séculos XVIII e XIX, bem como na preocupação

com a justiça e a igualdade material, no reconhecimento de princípios supra-

positivos, no conceito e defesa dos direitos fundamentais, no desenvolvimento da 4 Termo definido por Ulpiano em seu livro I, tit. I do Digesto: “Ius naturale, est quod natura omnia

animalia docuit”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 6.

5 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 5.

6 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 32. 7 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 32. 8 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 33.

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responsabilidade civil, na fundamentação de um direito geral da personalidade, na

elaboração de categorias de natureza técnico jurídica, como a de sujeito de direito,

de declaração de vontade, de negócio jurídico, etc.9

Conforme Caio Mário da Silva Pereira “o direito positivo se opõe ao direito

natural, aquele representando o regime de vida social corrente, este o conjunto de

princípios ideais preexistentes e dominantes”. Um é fonte de inspiração para o outro,

não são antagônicos, pois exprimem uma convergência ideológica: o direito positivo

ampara-se no direito natural para que a regra encontre o ideal; o direito natural

inspira o direito positivo para que este se aproxime da perfeição.10

A relação entre a sociedade e o Direito, de acordo com Paulo Nader,

respalda-se na questão de que o ordenamento jurídico é elaborado como um

processo de adaptação social, ajustando-se às condições do meio e, por outro lado,

o Direito estabelecido, cria a necessidade de adaptação do comportamento social

aos novos padrões de convivência. Para o autor, a vida em sociedade já pressupõe

organização e a própria existência do Direito, pois a sociedade cria o Direito com o

propósito de formular as bases da justiça e segurança.11

O valor supremo do Direito e a maior virtude do homem é a justiça e, para que

seja implementada, deve ser regida pela organização social mediante normas e pelo

respeito a certos princípios fundamentais. Neste sentido, a justiça depende da

segurança para produzir seus efeitos na vida social, pois não se chega à justiça se

não houver uma ordem jurídica definida. Para que a segurança jurídica seja

alcançada e, por seu intermédio, a justiça, é imprescindível que haja padrões de

organização interna adotados pelo Estado.12

Neste diapasão, a relação jurídica, no entender de Miguel Reale, é uma

espécie de relação social, na qual os homens, com o intuito de obtenção de diversos

fins, entram em contato uns com os outros, mas nem sempre de natureza jurídica. A

conduta humana pode ter fins morais, religiosos, econômicos, estéticos, artísticos

ou, ainda, utilitários.13

9 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 34. 10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil.

Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 6. 11 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 30. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008,

p. 18. 12 _____. Introdução ao Estudo do Direito. 30. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 18. 13 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 216.

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As relações jurídicas são relações sociais reconhecidas pelo Estado com a

finalidade de protegê-las, ou seja, o Estado, baseado nos dados sociais, instaura

modelos jurídicos que condicionam e orientam as relações jurídicas. Dessa forma,

conclui o autor, que “quando uma relação de homem para homem se subsume ao

modelo normativo instaurado pelo legislador, essa realidade concreta é reconhecida

como sendo relação jurídica”.14

Nas palavras de Francisco Amaral:

Relação jurídica é o vínculo que o direito estabelece entre pessoas ou grupos, atribuindo-lhes poderes e deveres. Representa uma situação em que duas ou mais pessoas se encontram, a respeito de bens ou interesses jurídicos. É conceito básico do direito privado, representando a situação jurídica de bilateralidade que se estabelece entre sujeitos, em posição de poder, e outros em correspondente posição de dever.

15

Para Carlos Roberto Gonçalves, a relação jurídica é toda relação da vida

social regulada pelo Direito, sendo que o sujeito dessa relação é sempre o ser

humano, na condição de ente social. As relações jurídicas privadas nascem da vida

em sociedade e são disciplinadas pelo Código Civil. Os efeitos, no âmbito do direito,

são aqueles produzidos pelas relações sociais de pessoa a pessoa, física ou

jurídica. Essas pessoas são os sujeitos das relações jurídicas.16

Conforme Orlando Gomes, a relação jurídica pode ser encarada sob dois

aspectos. No primeiro, é o vínculo entre dois ou mais sujeitos de direito que obriga

um deles, ou os dois, a ter certo comportamento, ou seja, é o poder direto de uma

pessoa sobre determinada coisa. Sob o segundo aspecto, a relação jurídica é o

conjunto dos efeitos jurídicos que nascem de sua constituição, consistentes em

direitos e deveres.17

A principal fonte de referência da relação jurídica é o conjunto de relações

cujos poderes e deveres são determinados pela autonomia dos particulares.

Francisco Amaral explica que a relação jurídica “consiste nas relações sociais de

14 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 216. 15 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 8. 16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 98. 17 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.86.

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que os indivíduos participam e que, pela possibilidade potencial de gerarem conflitos

de interesses, são disciplinadas pelo direito”.18

Dessa forma, a relação social regulada pelo Direito passa a denominar-se

relação jurídica e apresenta requisitos de ordem material (relação social, o

comportamento dos indivíduos) e de ordem formal (norma de direito incidente), que

confere à relação social o caráter de jurídica. Conclui o autor que “a relação jurídica

é a relação social disciplinada pelo direito, e concretamente, é uma relação entre

sujeitos, um titular de um poder, outro, de um dever”.19

2.2 OS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA

Os sujeitos de direito são o elemento subjetivo das relações jurídicas. É quem

participa da relação jurídica, sendo titular de direitos e deveres. São sujeitos de

direito as pessoas físicas ou naturais isto é, os seres humanos, e as pessoas

jurídicas, grupos de pessoas ou de bens a quem o direito atribui titularidade

jurídica.20

A relação jurídica reúne os elementos sujeito, objeto e fato propulsor, sendo

que em cada relação figura, ao menos, um sujeito, que deve ser capaz e possuidor

de qualidades jurídicas das quais derivam direitos e deveres para as pessoas. O

objeto é o bem no qual incide o poder do sujeito ou a prestação exigível, ou seja,

tudo que representa uma utilidade para a pessoa, não somente as coisas, mas

também as ações humanas (prestações).21

Nas palavras de Orlando Gomes, o fato é o acontecimento, dependente ou

não da vontade humana a quem a lei atribui a função de criar, modificar ou extinguir

direitos, ou seja, é o elemento propulsor da relação jurídica que vincula os sujeitos

ou submete a coisa ao poder da pessoa, concretizando a relação abstrata.22

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, os animais e as coisas podem ser objeto do

Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa. Os

18 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.

105. 19 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 105. 20 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 138. 21 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

91-92. 22_____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 92.

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animais são levados em consideração tão-só para sua finalidade social, no sentido

protetivo.23

Francisco Amaral explica que os animais são coisas e, como tais, possíveis

objeto de direito. O direito protege-os para garantir-lhes a sua função ecológica,

evitar a extinção de espécies ou defendê-los da crueldade humana (CF art. 255, VII

e Declaração Universal de Direitos Humanos).24

Sob esta ótica, Hugo Nigro Mazzili explica:

Considerados em si mesmo, os animais, plantas e coisas inanimadas não são sujeitos de direitos ou deveres, pois não são suscetíveis a noções de ética ou de valor moral. Se existem obrigações dos homens em relação à preservação de animais e plantas, e até em relação aos seres inanimados, não é porque estes tenham direitos, mas porque os homens, sim, têm noção de valoração ética, e, estes sim, individual ou coletivamente considerados, têm direitos e deveres, inclusive no que diz respeito às demais formas de vida e à preservação do meio ambiente em que vivem, aqui incluídos os seres inanimados.

25

Fábio Ulhoa Coelho estabelece dois critérios de organização dos sujeitos de

direito: personificados/despersonificados e humanos (corpóreos)/não humanos

(incorpóreos). Explica que nem todos os sujeitos de direito são personificados, mas

mesmo os despersonalizados são titulares de direitos e deveres.26

Os sujeitos personificados são os sujeitos de direito dotados de personalidade

jurídica. São as pessoas, que podem ser físicas (ou naturais) ou jurídicas (ou

morais). As pessoas físicas são sujeitos de direito humanos (homens e mulheres) e

as jurídicas, não humanos.27

Os sujeitos despersonificados também podem ser humanos ou não humanos.

Os nascituros, homem ou mulher em processo de gestação no útero materno, são já

sujeitos de direito, embora ainda não tenham personalidade jurídica, então, são

sujeitos despersonalizados humanos. Os despersonificados não humanos são

23 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 134.

24 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 139.

25 MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 143.

26 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 327-328.

27 _____. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 334-335.

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17

SUJEITOS

DE

DIREITO

PERSONIFICADOS

PESSOAS

FÍSICAS

(naturais)

humanos

JURÍDICAS

(morais)

não-humanos

DESPERSONIFICADOS

humanos

nascituro

não-humanos

massa falida, espólio, condomínio edilício,

sociedade em comum, conta de participação

entidades criadas pelo direito para melhor disciplinar os interesses de homens e

mulheres.28

Todo ente despersonificado não humano tem uma finalidade, que justifica a

sua constituição e abrange os negócios jurídicos que está autorizado a praticar. Os

principais exemplos de sujeito de direito despersonificado são o espólio, o

condomínio edilício e a massa falida.29

Para ilustrar a ideia, seguem abaixo os critérios estabelecidos pelo autor de

maneira esquematizada:

FIGURA 1: DESENHO ESQUEMÁTICO DOS CRITÉRIOS DE ORGANIZAÇÃO

Fonte: COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2012, p. 327-328.

Heron José de Santana Gordilho e Tagore Trajano de Almeida Silva sugerem,

baseados na classificação proposta por Fabio Ulhoa Coelho, que os animais sejam

incluídos na categoria de sujeitos não-humanos personificados.30

28 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2012, p. 342. 29 _____. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 359. 30 GORDILHO, Heron José de Santana; SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo:

Direito, Personalidade Jurídica e Capacidade Processual. Revista de Direito Ambiental. 2012. RDA 65. p. 350-351. Disponível em:

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18

Cabe aqui ressaltar que este assunto, essência do presente trabalho, será

abordado adiante, com maior expressividade.

Segundo Carlos Alberto Gonçalves, todo direito tem seu objeto e sobre esse

objeto desenvolve-se o poder de fruição da pessoa. O objeto da relação jurídica é

tudo o que se pode submeter ao poder dos sujeitos de direito, como instrumento de

realização de suas finalidades jurídicas.31

Em uma relação jurídica, aquele a quem cabe o dever de cumprir ou o poder

de exigir, ou ambos, se denomina sujeito de direito. Destarte, sujeitos de direitos são

as pessoas às quais as regras jurídicas se destinam e podem ser tanto pessoa

natural ou física quanto pessoa jurídica, que é um ente coletivo.32

Ser pessoa é ter a possibilidade de ser sujeito de direitos nas relações

jurídicas. É na pessoa que os direitos se localizam, por isso ela é sujeito de direitos

ou centro de imputações jurídicas no sentido de que a ela se atribuem posições

jurídicas. O termo pessoa, na linguagem comum, é o ser humano. No entanto, na

linguagem jurídica, pessoa é o ser com personalidade jurídica, aptidão para a

titularidade de direitos e deveres. Todo ser humano é pessoa pelo fato de nascer ou

até de ser concebido. Pessoa é o ser humano como sujeito de direitos.33

Conforme Francisco Amaral, os sujeitos de direito podem ser pessoas

naturais ou físicas, se coincidentes com o ser humano, e pessoas jurídicas, quando

são entidades ou organizações unitárias de pessoas ou de bens a que o direito

atribui aptidão para a titularidade de relações jurídicas. Pessoa jurídica é um

conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica.34

A ordem jurídica disciplina o surgimento desses grupos, reconhecendo-os

como sujeitos de direito, tendo por razão de ser a necessidade ou conveniência de

as pessoas singulares combinarem recursos de ordem pessoal ou material para a

realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades de cada um dos

interessados. Dessa forma, pessoas e bens organizam-se, de modo unitário,

passando o direito a atribuir personalidade ao conjunto.35

<http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/animais%20em%20juizo.pdf.> Acesso em: 04 ago. 2014.

31 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 275.

32 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.227. 33

AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 139.

34 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.173. 35 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.173.

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19

Na lição de Orlando Gomes, as pessoas naturais ou físicas são os seres

humanos. Todo homem é pessoa, entretanto, mede-se a personalidade na

capacidade de ser titular de direitos e obrigações, influindo na capacidade de agir.

As pessoas jurídicas são as associações, sociedades, fundações, organizações

religiosas e os partidos políticos. Ambas as pessoas são sujeitos de direito, mas são

disciplinadas diversamente, não se lhes aplicando as mesmas regras quanto ao

início e fim da personalidade, nem quanto à capacidade. Conclui o autor que sujeito

de direito “é a pessoa a quem a lei atribui a faculdade ou a obrigação de agir,

exercendo poderes ou cumprindo deveres”36.

As pessoas jurídicas, conforme Carlos Roberto Gonçalves, são agrupamentos

de pessoas naturais, visando alcançar fins de interesse comum, também

denominadas pessoa moral ou pessoa coletiva em outros países.37

A existência da pessoa jurídica justifica-se pela necessidade ou conveniência

dos indivíduos utilizarem recursos coletivos para a realização de objetivos comuns,

além das possibilidades individuais, o que motivou a organização de pessoas e

bens, com reconhecimento do direito e com atribuição de personalidade ao grupo,

distinta da de cada um de seus membros, atuando na vida jurídica com

personalidade própria.38

A pessoa jurídica, portanto, é um conjunto de pessoas ou de bens, dotado de

personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de

fins comuns, ou seja, são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-

as a serem sujeitos de direitos e obrigações.39

Entretanto, há previsão legal que, em certos casos de universalidades de

direitos e de massas de bens, identificáveis como unidade que, mesmo não tendo

personalidade jurídica, podem gozar de capacidade processual e ter legitimidade

ativa ou passiva para atuarem em juízo por meio de representação. Dentre os

grupos despersonalizados, destacam-se a família, a massa falida, heranças jacente

e vacante, espólio, sociedades sem personalidade jurídica, condomínio.40

36 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

128. 37

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.

38 _____. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 216. 39

_____. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 216. 40 _____. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 226.

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20

Trazendo a matéria para o tema em debate, Danielle Tetü Rodrigues ensina

que, embora toda pessoa natural seja considerada sujeito de direito, nem todo

sujeito de direito é pessoa física, em razão de a própria lei reconhecer direitos a

determinados agregados patrimoniais como a massa falida e o espólio. Neste

sentido, a noção de sujeito de direito baseada na teoria moderna encontra assente

vez que a própria dogmática jurídica construiu artificialmente as personalidades

jurídicas.41

Sob este enfoque, Edna Dias citada por Danielle Tetü Rodrigues, pondera

que o animal, como sujeito de direitos, já é concebido por grande parte de

doutrinadores jurídicos de todo o mundo, tendo por argumento para a defesa desta

concepção de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de

personalidade reconhecidos desde o momento do registro de seus atos

constitutivos, podendo comparecer em Juízo para a defesa de seus direitos, também

os animais tornam-se sujeitos de direitos em razão da legislação que os protege.

Seus direitos devem ser pleiteados por meio da representatividade (Ministério

Público), assim como ocorre com os relativamente incapazes ou com ou

absolutamente incapazes.42

Conclui a autora que, ainda que determinadas pessoas sejam consideradas

incapazes, ainda assim são sujeitos de direito. Portanto, “para os animais não

humanos, como também são incapazes, podem ser sujeitos de direitos, mesmo

porque a lei permitiu que seus direitos sejam defendidos e representados por órgãos

competentes”.43

2.3 O OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA

Para Caio Mário da Silva Pereira, toda relação jurídica tem um objeto, seja

este um bem ou uma coisa. Também os fatos humanos podem ser objeto de relação

jurídica sob a denominação de “prestação”. Para o autor, tudo que pode ser

41 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e

Normativa. 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2012, p. 186. 42 _____. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e Normativa. 4ª ed. Curitiba:

Juruá, 2012, p.187. 43 _____. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e Normativa. 4ª ed. Curitiba:

Juruá, 2012, p. 188.

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integrado ao patrimônio é um bem, ou seja, são bens econômicos, mas não

somente.44

Outros bens economicamente inestimáveis ou insuscetíveis de valor

pecuniário também recebem proteção legal como, por exemplo, o estado de filiação,

direito ao nome, poder sobre os filhos. O autor compreende como bem jurídico, em

sentido amplo, tudo que pode ser objeto da relação jurídica, não distinguindo a

materialidade ou patrimonialidade.45

Orlando Gomes considera como objeto dos direitos os bens e as prestações.

A noção jurídica de bem é mais ampla do que a econômica, pois abrange as coisas

suscetíveis de apreciação pecuniária e as que não comportam essa avaliação. Bem

e coisa não se confundem, pois o primeiro é gênero e a segunda é espécie.46

Em sentido estrito, no entanto, os bens distinguem-se das coisas, pois estas

são materiais ou concretas, enquanto o nome bens fica reservado para designar os

imateriais ou abstrato. Explica Caio Mário da Silva Pereira:

Uma casa, um animal de tração são coisas, porque concretizado cada um em uma unidade material e objetiva, distinta de qualquer outra. Um direito de crédito, uma faculdade, embora defensável pelos remédios jurídicos postos à disposição do sujeito em caso de lesão, diz-se, com maior precisão, ser um bem. Sob o aspecto de sua materialidade é que se faz a distinção entre a coisa e o bem.

47

Para Orlando Gomes, o bem compreende o que pode ser objeto de direito

sem valor econômico, enquanto a de coisa restringe-se às utilidades patrimoniais,

isto é, as que possuem valor pecuniário. Dessa forma, coisa deve ser compreendida

como bem econômico, ou seja, suscetível de utilização ou apropriação por um

sujeito de direito para satisfação de uma necessidade. O objeto de direito pode ser,

portanto, uma coisa, como nos direitos reais e nos direitos sucessórios, como

também a atividade humana ou os bens incorpóreos.48

44 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil.

Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 337. 45 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito

Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 337. 46 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

179. 47 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Introdução ao Direito Civil.

Teoria Geral de Direito Civil. 27. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 338. 48 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

180.

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22

2.4 PERSONALIDADE E CAPACIDADE

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, a ideia de personalidade está

intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir

direitos e contrair deveres. A personalidade, como atributo da pessoa humana, está

a ela indissoluvelmente ligada, sendo que sua duração é da vida, pois desde que

vive e enquanto vive, o ser humano é dotado de personalidade.49

Diz-se que toda pessoa é dotada de personalidade, pois o ser humano é o

sujeito das relações jurídicas e a personalidade é a faculdade a ele reconhecida. No

entanto, o direito também reconhece personalidade a entes morais, a que o Código

Civil denomina de pessoas jurídicas, ou seja, agrupamentos de indivíduos que se

associam para a realização de uma finalidade econômica ou social (sociedades e

associações) ou destinando patrimônio para determinado fim (fundações).50

Em sentido jurídico, pessoa é o ente suscetível de direitos e obrigações. A

personalidade jurídica é a aptidão para adquirir direitos e obrigações, enquanto a

capacidade jurídica dá a extensão da personalidade, sendo aquela que gera a

aptidão para exercer direitos e contrair obrigações.51

Nas palavras de Francisco Amaral:

Enquanto a personalidade é um valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz em um quantum. Capacidade, de capax (que contém), liga-se à ideia de quantidade e, portanto, à possibilidade de medida e de graduação. Pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa. Compreende-se, assim, a existência de direitos da personalidade, não de direitos da capacidade. O ordenamento jurídico reconhece a personalidade e concede a capacidade, podendo considerar-se esta como um atributo daquela. A capacidade é então a "manifestação do poder de ação implícito no conceito de personalidade", ou a "medida jurídica da personalidade". E, enquanto a personalidade é valor ético que emana do próprio indivíduo, a capacidade é atribuída pelo ordenamento jurídico, como realização desse valor.52

49 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 181. 50 Atualmente essa aptidão é reconhecida a todo ser humano, com sentido de universalidade, mas

nem sempre isso aconteceu. No direito romano, os escravos eram tratados como coisas, desprovidos da faculdade de ser titular de direitos. Na relação jurídica ocupavam a posição de objeto e não de sujeito. PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 181.

51 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 126.

52 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 140.

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23

A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida e

termina com a morte, real ou presumida.53 É um atributo do ser humano dentro da

ordem jurídica, pois, independentemente da consciência ou da vontade do indivíduo,

a criança, o deficiente mental ou portador de enfermidade, mesmo na ausência de

conhecimento da realidade ou falta de reação psíquica, é uma pessoa, dotado de

personalidade.54

Para Caio Mário da Silva Pereira, o conceito de personalidade está

indissoluvelmente ligado ao de pessoa, pois desde que vive e enquanto vive, o ser

humano possui personalidade.55

Atualmente, o Código Civil de 2002 reconhece os atributos da personalidade

estendido a todo ser humano em seu art. 1º, ao proclamar que toda pessoa é capaz

de direitos e deveres na ordem civil56. Então, afirmar que o homem tem

personalidade é o mesmo que dizer que tem capacidade para ser titular de direitos.57

Pessoa natural ou física é o ser humano como sujeito de direitos e deveres.

Todo ser humano é pessoa, pelo simples fato de existir, e por isso, é capaz de

direitos e deveres na ordem civil, conforme preceitua art. 1° do Código Civil, e todos

têm a mesma personalidade porque todos têm a mesma aptidão para a titularidade

de relações jurídicas, sendo irrenunciável.58

O artigo 2º do Código Civil59 vigente dispõe que a personalidade civil da

pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do

nascituro, desde a concepção. Dessa forma, o sistema adotado pelo direito positivo

considera o início da personalidade com o nascimento com vida (teoria natalista),

50 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

180, p. 129. 54

PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 181.

55 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 183.

56 Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

57 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 95. 58 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.

140. 59 Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,

desde a concepção, os direitos do nascituro. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

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mas respeitam-se os direitos do nascituro, desde a concepção, ou seja, desde que

formado o novo ser.60

Para o direito brasileiro, antes do nascimento com vida não há personalidade,

mas a lei protege e resguarda, em algumas circunstâncias, os interesses do

nascituro. Há situações em que se reconhecem direito em potencial ao ente

concebido, mas não se fala em “pessoa” do nascituro. Portanto, no direito brasileiro,

a personalidade jurídica tem começo com o nascimento com vida e são, dessa

forma, necessários dois requisitos para sua caracterização: nascimento e a vida.61

Para Caio Mário da Silva Pereira, ocorre nascimento quando é feto é

separado do ventre materno, seja naturalmente, seja com auxílio de recursos

obstétricos. Também não se cogita em tempo de gestação ou se o nascimento

ocorreu a termo ou foi antecipado. Para preencher a condição do nascimento, é

necessário e suficiente que se desfaça a unidade biológica, de forma que mãe e filho

constituam dois corpos. Sendo assim, a vida do novo ser configura-se no momento

que se opera a primeira troca oxicarbônica no meio ambiente, ou seja, viveu a

criança que tiver inalado o ar atmosférico, ainda que haja perecimento em seguida.62

Francisco Amaral dispõe:

Nascimento é o fato, natural ou artificial, da separação do feto do ventre materno. Com a primeira respiração tem início o ciclo vital da pessoa, marcando, também, o nascimento, o início da capacidade de direito. Assim dispõe no art. 2° do Código Civil: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro". Significa isso que, verificado o nascimento e o início da vida com a penetração do ar nos pulmões, firmou-se a capacidade jurídica do recém-nascido. Mesmo que esse venha a morrer, já adquiriu direitos que serão transmitidos aos herdeiros. Nesse dispositivo, a exemplo do que ensina a doutrina mais tradicional, o Código emprega o termo personalidade como sinônimo de capacidade de direito, o que é, a meu ver, superado.

63

60

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100.

61 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 185.

62 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 186.

63 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 140.

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25

Conforme Carlos Alberto Gonçalves a capacidade que todos têm, sem

qualquer distinção, que adquirem ao nascer com vida, é a capacidade de direito ou

de gozo, que também denomina de capacidade de aquisição de direitos.64

Assim, sendo o começo da personalidade o nascimento com vida, somente a

partir de então existe uma pessoa em que se integram direitos e obrigações. Até

então, os direitos são potenciais, para cuja constituição dever-se-á aguardar o

nascimento e a aquisição da personalidade. O interesse prático reside na questão

sucessória, pois, nascendo com vida, ainda que por alguns instantes, recebeu,

adquiriu e transmite seus direitos aos seus sucessores.65

Complementa Caio Mário da Silva Pereira:

Se a toda pessoa, e aos entes morais por ela criados, a ordem jurídica concede personalidade, não a confere, porém, a outros seres vivos. É certo que a lei protege as coisas inanimadas, porém em atenção ao indivíduo que delas desfruta. Certo, também, que os animais são defendidos de maus-tratos, que a lei proíbe, como interdiz também a caça na época da cria. Mas não são, por isso, portadores de personalidade, nem têm um direito a tal ou qual o tratamento, o qual lhes é dispensado em razão de sua utilidade, e ainda com o propósito de amenizar os costumes e impedir brutalidades inúteis.66

Orlando Gomes indica que o termo “capacidade” emprega-se em dois

sentidos. O primeiro, com o mesmo significado de personalidade, denominando-se

capacidade de direito ou de gozo. Toda pessoa é capaz de ter direitos e ninguém

pode ser totalmente privado dessa espécie de capacidade. O segundo sentido é a

aptidão para exercer direitos, denominado capacidade de fato ou de exercício,

podendo ser restringido por diversas causas. Essa capacidade de fato é

condicionada à capacidade de direito. É possível ter-se a capacidade de direito sem

ter a de fato, ou adquirir o direito sem poder exercê-lo por si. Essa impossibilidade

de exercer o direito é a incapacidade.67

Para Caio Mário da Silva Pereira, todo ser humano é dotado de aptidão

genérica para adquirir direitos e contrair obrigações (personalidade). Ligado a isso, a

64

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 95.

65 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 188.

66 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 183.

53 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 149-150.

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ordem jurídica reconhece ao indivíduo a capacidade para aquisição dos direitos e

para exercê-los por si mesmo, diretamente, ou por meio de representação ou

assistência de outrem. Personalidade e capacidade se completam. Quem tem

aptidão para adquirir direitos deve ser hábil a gozá-lo e exercê-los, por si ou por via

de representação. A esta aptidão oriunda da personalidade para adquirir os direitos

na vida civil, dá-se o nome de capacidade de direito, enquanto a capacidade de fato

é a aptidão para utilizá-los e exercê-los por si mesmo.68

A capacidade de fato ou de exercício é a aptidão pessoal para praticar atos

com efeitos jurídicos, ou seja, é a aptidão para pessoalmente o indivíduo adquirir

direitos e contrair obrigações, podendo sofrer restrições por diversos fatores como

idade e estado de saúde da pessoa.69

Caio Mário da Silva Pereira esclarece que a denominada capacidade direito

ou de gozo é a aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos na vida civil,

distinguindo-se da capacidade de fato ou de exercício, também denominada de

capacidade de ação, é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil.70

Conceitua Francisco Amaral:

Capacidade de direito é a aptidão para alguém ser titular de direitos e deveres, ser sujeito de relações jurídicas. Todas as pessoas físicas a têm (CC, art. 1º), como efeito imediato do princípio da igualdade. Têm-na também as pessoas jurídicas, se obedecidas as formalidades legais de sua constituição. As pessoas físicas adquirem-na com o nascimento e conservam-na até a morte. Diversa da capacidade de direito é a capacidade de fato, aptidão para a prática dos atos da vida civil, e para o exercício dos direitos como efeito imediato da autonomia que as pessoas têm.71

A capacidade de direito é indivisível, irredutível e irrenunciável e a capacidade

de fato é variável, pois nem todos a têm, vez que comporta diversidade de graus.

Nesse sentido, as pessoas físicas podem ser capazes, absolutamente incapazes e

68

PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 223.

69 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 138.

70 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 223.

71 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 145.

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relativamente incapazes, na medida em que possam ou não praticar os atos da vida

civil.72

Segundo Orlando Gomes, as limitações da capacidade de fato estão ligadas

ao estado da pessoa e são de ordem física ou jurídica. Podem produzir

incapacidade absoluta ou relativa, ora impedindo totalmente o exercício dos direitos,

ora inabilitando a pessoa à prática de um ou vários atos jurídicos. O modo como

essa incapacidade é suprida é influenciada diretamente pela natureza da causa

impeditiva.73

Quando há falta de alguns requisitos para dirigirem-se com autonomia no

mundo civil, embora não haja negação da ordem jurídica da capacidade de direito,

esta lhes recusa a autodeterminação, interdizendo-lhes o exercício dos direitos,

pessoal e diretamente, porém condicionado à intervenção de outra pessoa, o que

importa na incapacidade.74

Importante salientar que a incapacidade para o exercício dos direitos é

exceção à regra geral da capacidade e resulta de preceito legal de ordem pública. A

lei priva da capacidade as pessoas que, presumivelmente, não possuam

discernimento suficiente para a prática de alguns ou todos os atos jurídicos,

resultando na incapacidade absoluta ou incapacidade relativa.75

Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:

Aquele que se acha em pleno exercício de seus direitos é capaz, ou tem a capacidade de fato, de exercício ou de ação; aquele a quem falta a aptidão para agir não tem a capacidade de fato, Regra é, então, que toda pessoa tem a capacidade de direito; mas nem toda pessoa tem a de fato. Toda pessoa tem a faculdade de adquirir direitos, mas nem toda pessoa tem o poder de usá-los pessoalmente e transmiti-los a outrem por ato de vontade. Por isso mesmo se diz que a regra é a capacidade, e a incapacidade é exceção, ou, enunciado de outra maneira, afirma-se que toda pessoa tem a capacidade de direito ou de aquisição, e presume-se a capacidade de fato ou de ação; somente por exceção, e expressamente decorrente de lei, é que se recusa ao indivíduo a capacidade de fato. É por isso, também, que ninguém tem a faculdade de abdicar da sua capacidade, ou de se declarar incapaz, ou de reduzir a sua capacidade, seja de direito, seja de fato.76

72 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.

146. 73 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

150. 74 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 224. 75 _____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 153. 76

_____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 224.

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Essa limitação ao exercício dos direitos revela-se na incapacidade, que pode

ser absoluta ou relativa. Quanto à primeira, a pessoa fica completamente tolhida dos

atos da vida civil, necessitando de representação. Na incapacidade relativa, há

limitação, sendo permitida a realização de certos atos por meio da assistência.77

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Incapacidade, destarte, é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, imposta pela lei somente aos que, excepcionalmente, necessitam de proteção, pois a capacidade é a regra. Decorre aquela do reconhecimento da inexistência, numa pessoa, dos requisitos indispensáveis ao exercício dos seus direitos. Somente por exceção expressamente consignada na lei é que se sonega ao indivíduo a capacidade de ação.78

Para Caio Mário da Silva Pereira, algumas pessoas, sem perderem os

atributos da personalidade, não têm a faculdade do exercício pessoal e direito dos

direitos civis, são os denominados incapazes, ou seja, possuem restrição ao poder

de agir. Mas toda incapacidade resulta da lei, estabelecendo, com caráter de ordem

pública, os casos em que o indivíduo é privado, total ou parcialmente, do poder de

ação pessoal.79

A incapacidade para exercício é regulada pelo Código Civil nos artigos 3º e

4º, que estabelece incapacidade absoluta aos menores de 16 anos, aos que não

possuem discernimento para prática dos atos da vida civil em razão de enfermidade

ou deficiência mental e aos que não puderem exprimir sua vontade, mesmo que

transitoriamente. A incapacidade para certos atos abrange os maiores de 16 anos e

menores de 18 anos, os ébrios habituais, viciados em tóxicos e os que têm

discernimento reduzido por deficiência mental, os excepcionais sem

desenvolvimento mental completo e os pródigos.80

Segundo Orlando Gomes, “a incapacidade absoluta consiste na

impossibilidade do exercício dos atos da vida civil. Suas causas ligam-se ao estado

individual da pessoa: a idade e a saúde.” Para ele, até certa idade, é presumível que

77 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p.

138. 78

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 110.

79 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 229.

80 _____. Direito Civil: Parte Geral. 9. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 139.

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o homem não possui o discernimento indispensável ao exercício pessoal dos

direitos. Salienta, ainda, que a velhice não é causa de incapacidade.81

Os doentes mentais, independentemente da natureza do processo patológico,

por serem privados da razão, não podem exercer por si os direitos que possuem. Os

que possuem deficiência nos sentidos também podem ser incapazes absolutos, mas

é necessário que não a pessoa não consiga exprimir a vontade. Portanto, o cego, o

surdo ou o mudo não são absolutamente incapazes.82

O instituto das incapacidades foi construído visando a proteção dos

portadores de uma deficiência juridicamente apreciável, e não com o propósito de

prejudicar as pessoas que dela padecem, pois atende falta de discernimento de que

sejam portadores, aconselha tratamento especial, buscando restabelecer um

equilíbrio psíquico. Essas deficiências podem ser mais profundas e alcançar a

totalidade de discernimento ou mais superficiais.83

Tendo em vista essa diversidade de condições pessoais, o direito observa

estas diferenças e gradua a extensão da incapacidade, estabelecendo

representação para os que são completamente impedidos de agir juridicamente

(absolutamente incapazes) e a assistência para os que possuem poder de atuar na

vida civil, porém mediante autorização (relativamente incapazes).84

Os absolutamente incapazes são aqueles indivíduos que a lei considera

totalmente inaptos ao exercício das atividades da vida civil. Possuem direitos,

podem adquiri-los, mas não são habilitados a exercê-los. A ligação estabelecida

entre os absolutamente incapazes e a vida jurídica é indireta, por via da

representação. As causas dessa incapacidade relaciona-se com idade (menores de

16 anos), enfermidade ou deficiência mental (enfermos da mente e ou que não

podem exprimir sua vontade).85

Orlando Gomes ainda cita como causa determinante de incapacidade

absoluta a ausência e a condenação penal, pois ambos não podem exercem por si

os atos da vida civil. Para o ausente, em razão do desaparecimento de seu domicílio

81 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

155. 79 _____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 155. 83 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 230. 84 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p.

230. 85 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p.

231.

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sem deixar representante legal, devendo ser nomeada pessoa para administração

dos bens. O indivíduo condenado penalmente, pelo fato da reclusão o impedir de

exercer seus direitos da vida civil. No entanto, alerta o autor, que tecnicamente, não

se deve considerá-los incapazes.86

Francisco Amaral ensina que a incapacidade relativa é a que se restringe a

determinados atos. Os maiores de 16 anos e os menores de 18 anos; os ébrios

habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o

discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; os

pródigos são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer. No

Código de 1916, os silvícolas, eram também considerados relativamente incapazes,

e hoje são regidos por legislação especial (CC, art. 4°).87; 88

As causas da incapacidade relativa também se prendem ao estado individual

sob o ponto de vista da idade e saúde. Nas palavras de Orlando Gomes:

Até certa idade, a pessoa não adquire a maturidade de espírito indispensável ao exercício pessoal dos atos da vida civil. Atingindo esse limite, embora não se lhe reconheça plena aptidão para exercer todos os direitos, admite-se que possa praticar certos atos e realize outros sob vigilância. Adquire, então, semicapacidade. Do menor que se encontra nessa situação, diz-se que é relativamente incapaz.

89 Os relativamente incapazes são aqueles que não são totalmente privados da

capacidade de fato, em razão de não vigorarem as mesmas razões predominantes

que determinam a incapacidade absoluta. O ordenamento jurídico os coloca em um

termo médio entre a incapacidade e o livre exercício dos direitos, sendo que o

exercício de seus direitos somente se realiza com a sua presença, mas com

assistência por lhes faltarem completa autonomia. Essa incapacidade relativa

68 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

156. 87 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.

148. 88 Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de

dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

89 _____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 132.

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provém de causas como a idade (16 a 18 anos), discernimento reduzido,

excepcionais e os pródigos.90

Pródigo é o indivíduo que dissipa seu patrimônio desvairadamente, gasta

imoderadamente, dissipando seu patrimônio com o risco de reduzir-se à miséria. A

lei considera o pródigo como relativamente incapaz para que seja assistido em seus

atos. Não tem condições de dirigir a si próprio quem compromete insensata e

fatalmente seu patrimônio, dissipando-o com gastos excessivos e anormais.91

A proteção dos incapazes na ordem jurídica ocorre ao estabelecer processos

técnicos destinados a possibilitar-lhes o exercício dos direitos, como a

representação, a assistência e a autorização. A representação é a substituição, na

prática de um ato jurídico, do incapaz por uma pessoa capaz que possa agir por sua

conta e em nome do incapaz, o representante, podendo ser os pais, no exercício do

poder familiar, os tutores e os curadores.92

A intervenção conjunta do relativamente incapaz com seu assistente na

prática do ato jurídico é a assistência, podendo ser exercida pelos pais e tutores. A

diferença reside no fato de que, enquanto na representação é o representante que

pratica o ato em nome e no interesse do representado, na assistência, o assistente

pratica o ato juntamente com o assistido. Os absolutamente incapazes são

representados, enquanto relativamente incapazes são assistidos.93

Autorização é a aprovação para a prática de um determinado ato ou exercício

de determinada atividade, como, por exemplo, a autorização que os pais dão para o

casamento dos filhos, ou para os próprios pais, ou tutores, venderem os bens dos

filhos, ou dos tutelados.94

90 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 238. 91

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 125.

92 Francisco Amaral explica que “o poder familiar é instituto que reúne os direitos e deveres dos pais quanto à pessoa e bens do filho. Compete ao pai e à mãe (CC, art. l .631). A tutela é instituto destinado à assistência e representação dos menores que não estejam sob o poder familiar, porque os pais morreram, são ausentes, ou desse poder foram destituídos. A curatela é instituto de proteção aos incapazes por outros motivos que não a idade. Quem exerce é o curador, sobre o curatelado ou interdito. É dada aos maiores de idade, exige decisão judicial em processo de interdição, e pode limitar-se à administração dos bens, sendo que os poderes do curador são mais restritos do que os do tutor. Destina-se a proteger os doentes mentais, os pródigos, os nascituros e os ausentes.” AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.149.

93 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 149-150. 94 _____. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 149-150.

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A prática de ato jurídico por agente absolutamente incapaz implica na

nulidade do ato (CC, art. 166, I)95. Se relativamente incapaz, o ato será anulável

(CC, art. 171, I)96. Portanto, a nulidade e a anulabilidade são sanções específicas de

direito civil estabelecidas em favor dos incapazes.97

2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS

A classificação dos bens é vista sob diversos critérios, levando em

consideração as características particulares como as qualidades físicas ou jurídicas,

as relações que guardam entre si ou a pessoa titular do domínio, podendo um bem

enquadrar-se em mais de uma categoria.98

A razão pela qual a classificação de bens ocorre em várias espécies está no

fato de que as mesmas regras não podem ser aplicadas a todos, quer no modo de

aquisição ou alienação ou quer quanto aos atos que o titular pode praticar.99

Orlando Gomes classifica os bens em três grandes grupos, conforme

contemplado no Código Civil vigente, a saber:

95 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

(...)BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul 2014.

96 Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; (...)BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul 2014.

97 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p.

149-150. 98 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 281. 73 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

189.

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33

bens considerados em

si mesmos ou em

relação à própria

natureza

corpóreos e incorpóreos

móveis e imóveis

fungíveis e não-

fungíveis

consumíveis e não-consumíveis

simples e compostas

singulares e coletivas,

compreendendo as

coisas simples e

compostas

presentes e futuras

bens reciprocamente considerados

principais e acessórios

bens considerados em

relação ao sujeito

públicos ou

particulares

FIGURA 2: CLASSIFICAÇÃO DOS BENS

Fonte: GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009,

p. 189

Para Orlando Gomes, coisa corpórea é aquela que pode ser vistam tocado ou

apreendida, ou seja, que possui forma exterior. O bem incorpóreo é aquele que não

tem existência material, não é perceptível, mas pode ser objeto do direito, como a

energia elétrica, térmica, produtos da atividade intelectual e criativa.100

O autor considera como bens imóveis as coisas que não podem ser

transportadas, sem destruição, de um lugar para outro, isto é, as coisas que não

podem ser removidas sem alteração da substância.101

Nos termos do artigo 79 do diploma civil, os bens imóveis são o solo e tudo

quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente102. Dessa forma, conforme Caio

100 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p.

192. 101

_____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 195. 102 Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. BRASIL.

Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

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Mário da Silva Pereira que o diploma conhece três categorias de bens imóveis: por

natureza, por acessão física ou por determinação legal.103

Para o referido autor, os bens imóveis por natureza abrangem o solo e tudo

que a ele se adere em estado de natureza como a árvore, o arbusto, a planta

rasteira fixados ao solo pela raízes. A categoria de imóveis por acessão física inclui

tudo que se incorpora permanentemente ao solo, natural ou artificialmente, e não

podem ser retirados sem destruição, modificação ou dano, como por exemplo, as

construções, edifícios, pontes, viadutos. A acessão também pode ocorrer

naturalmente, sem a intervenção humana, como a aluvião, avulsão, ou formação de

ilhas.104

Os bens imóveis por determinação legal são aqueles que a lei trata como

imóveis (art. 80, incisos I e II do Código Civil de 2002105). São os direitos reais sobre

imóveis (de gozo ou garantia) e as ações que os asseguram e o direito à sucessão

aberta.106 Carlos Roberto Gonçalves atribui a essa hipótese uma ficção da lei, pois

se trata de direitos vários a que, por circunstâncias especiais, a lei atribui condição

de imóveis.107

O artigo 82 do Código Civil108 considera bens móveis aqueles suscetíveis de

movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou

da destinação econômico-social. Conforme Caio Mário da Silva Pereira, na

classificação jurídica, os bens móveis se agrupam em duas classes: a dos que o são

por natureza e a dos que assim se consideram por determinação legal.109

Segundo Orlando Gomes, são bens móveis os que, sem alteração da

substância, podem ser removidos, por movimento próprio, ou força estranha, bem

103 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 349. 104 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p.

349. 105 Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e as ações

que os asseguram; II - o direito à sucessão aberta. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

106 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 352.

107 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

108 Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

109 _____. Instituições de Direito Civil. Volume I. 27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 353.

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como os que têm essa qualidade jurídica por disposição legal, por exemplo, as

energias (elétrica, etc.) desde que tenham valor econômico. Dessa forma, os bens

móveis que se podem deslocar por força própria são denominados semoventes. Os

que se movem por força alheia são coisas inanimadas. Ambos são bens móveis por

sua própria natureza. Há também certos bens incorpóreos considerados móveis

para efeitos legais como os direitos de crédito, direitos reais sobre objetos móveis,

os direitos intelectuais e as ações correspondentes.110

Apenas para ilustrar, segue abaixo um gráfico:

FIGURA 3: CLASSIFICAÇÃO DOS BENS MÓVEIS

Fonte: GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009,

p. 198-199.

Conforme Carlos Roberto Gonçalves, os bens móveis por natureza se

dividem em semoventes e móveis propriamente ditos. Dentro dessa divisão, os

semoventes são aqueles bens suscetíveis de movimento próprio, que se movem de

um local para outro por força própria, aqui inseridos os animais, propósito do

presente estudo. Recebem o mesmo tratamento jurídico dos demais bens móveis.111

Por outro lado, os bens móveis propriamente ditos são aquelas que admitem

remoção por força alheia, sem dano, como os objetos inanimados, que podem ser

exemplificados pelas moedas, títulos da dívida pública e de dívida particular,

110 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

198-199. 111 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 290.

bens móveis

por sua própria natureza

semoventes

Ex.: animais

coisas inanimadas Ex: mercadorias

por disposição legal Ex.: direitos de crédito, direitos reais sobre objetos móveis,

direitos intelectuais e ações correspondentes

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mercadorias, etc. Alguns bens imateriais adquirem a qualidade jurídica de móvel por

disposição legal. O artigo 83 do Código Civil112 considera móvel as energias que

tenham valor econômico, os direitos reais sobre objetos móveis e as ações

correspondentes e os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas

ações.113

Segundo Orlando Gomes, as coisas móveis dividem-se em individuais e

genéricas; fungíveis e não-fungíveis; consumíveis e não-consumíveis; divisíveis e

indivisíveis; singulares e coletivas; presentes e futuras.114

São individuais as coisas que se distinguem por suas próprias características

e genéricas aquelas que se identificam pelos caracteres comuns à espécie a que

pertencem. Os bens fungíveis são aqueles suscetíveis de substituição por outros da

mesma espécie, qualidade e quantidade e não-fungíveis os que não podem ser

substituídos em razão das duas qualidades individuais. Consumíveis são os bens

móveis cuja existência termina com o primeiro uso, ou seja, quando, com o uso,

sofre destruição imediata. Não consumível é a coisa que suporta uso continuado,

repetido.115

Divisíveis são as coisas que, sem modificação da substância ou considerável

desvalorização, podem dividir-se em partes homogêneas e distintas, sendo que

cada parte deve formar coisa autônoma, da mesma espécie e qualidade do todo

dividido. São indivisíveis as coisas que se não podem partir sem alteração em sua

substância ou sacrifício do seu valor. São classificadas como singulares as coisas

distintamente consideradas em sua individualidade enquanto coletivas, são as

coisas singulares agrupadas que formam coisa distinta em sua unidade. Coisa

presente é coisa já existente, enquanto coisa futura é aquela que ainda não existe in

natura ou que, embora exista, ainda não entrou no patrimônio do sujeito.116

Os bens reciprocamente considerados são tratados no segundo capítulo do

atual Código Civil e contempla os bens principais e acessórios, sendo que os

112 Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico;

II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

113 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 290.

114 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 199-207.

115 _____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 199-207. 116

_____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 199-207.

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primeiros são aqueles que existem sobre si mesmos. Segundo dispõe o art. 92 do

citado diploma117, os bens acessórios são aqueles cuja existência supõe a do

principal.

Conforme Orlando Gomes, bem principal é aquele que tem existência própria,

autônoma, concreta ou abstrata. Aqueles bens que se encontram em dependência

jurídica em relação ao principal, denominam-se acessórios. A importância da

distinção entre bens principais e acessórios está no fato de que (1º) a coisa

acessória segue a sorte da coisa principal e (2º) a coisa acessória, formando um

todo ou massa com a coisa principal, integra o direito que sobre esta exerce o titular.

Os bens acessórios são os frutos, os produtos, os rendimentos, as acessões, as

benfeitorias e as pertenças.118

Os frutos são as coisas provenientes de outras cuja separação não determina

a destruição total ou parcial. Para essa caracterização, necessária a presença de

três requisitos: periodicidade, inalterabilidade da substância e separabilidade da

coisa principal. Os produtos são as utilidades que se retiram de uma coisa,

diminuindo-lhe a quantidade até o esgotamento, como por exemplo, a lã do carneiro,

o leite, os cereais ou a lenha. Os rendimentos são prestações periódicas, em

dinheiro, decorrentes da concessão do uso e gozo de uma coisa que uma pessoa

faz a outra como os juros dos capitais, as rendas vitalícias, os alugueres.119

Acessão é tudo que se incorpora natural ou artificialmente a uma coisa como,

por exemplo, aluvião (acréscimos formados por depósitos naturais), avulsão (porção

de terra destacada por força natural, violenta) e construções. Importante destacar

que a acessão segue a sorte da coisa principal.120

Pertenças são as coisas acessórias destinadas a conservar ou facilitar o uso

das coisas principais, sem que destas sejam parte integrante, ou seja, são coisas

acessórias que o proprietário mantém intencionalmente empregadas num imóvel

para servir à finalidade econômica deste.121

117 Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja

existência supõe a do principal. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul. 2014.

118 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 209.

119 _____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 209-213. 120 _____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 209-213. 121 _____. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 209-213.

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Benfeitorias são as despesas e obras com a conservação e melhoramento de

uma coisa. Podem ser necessárias (indispensáveis para a conservação da coisa),

úteis (aumentam ou favorecem o uso da coisa) ou voluptuárias (tornam a coisa mais

agradável ou a embelezam).122

O terceiro capítulo trata dos bens públicos, que podem ser de uso comum do

povo (rios, mares, estradas, ruas e praças); de uso especial (edifícios ou terrenos

destinados a serviço ou estabelecimento da administração pública); ou dominicais

(patrimônio das pessoas jurídicas de direito público).123 Para Orlando Gomes, os

bens podem ser públicos ou particulares, sendo que a caracterização é feita por

exclusão. Assim, todos os bens, em princípio, são particulares, salvo os

pertencentes às pessoas jurídicas de direito público discriminados numerus clausus

nas categorias de bens de uso comum do povo, uso especial e dominicais.124

Sob a ótica de Danielle Tetü Rodrigues, tanto o Código Civil Brasileiro de

1916 como o atual, definem os animais como coisas sem dono até o momento de

sua apropriação.125

Hoje, ainda, os animais são vistos como coisas ou semoventes disponíveis,

embora a lei de Proteção à Fauna tenha modificado a natureza jurídica de coisas

sem dono para bens públicos, nos casos de animais silvestres fora de cativeiro e a

Constituição Federal atual para bens socioambientais, como será visto adiante. Para

a autora “de qualquer forma, se antes considerados sob o regime privado, hoje

alguns o são sob o regime público, mas em ambos sob a ótica de objeto de direito e

não sujeito de direito.”126

Importante salientar que a esta breve revisão acerca da personalidade e da

capacidade jurídica no direito brasileiro tem crucial importância dentro do assunto

abordado no presente trabalho em razão das teorias que aventam a possibilidade de

122 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p.

209-213. 123 Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e

praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 jul 2014.

124 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 213-214.

125 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e Normativa. 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2012.

126 _____. O Direito & os Animais. Uma Abordagem Ética, Filosófica e Normativa. 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2012.

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personificação jurídica dos animais, tema que será abordado adiante, em capítulo

específico.

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40

3 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE E O DIREITO DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS

3.1 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL

Diante da prática de atos cruéis e socialmente inaceitáveis contra os animais

no decorrer da história da humanidade127, surgiu a necessidade da defesa e

preservação da fauna e flora remanescentes, indispensáveis ao equilíbrio ecológico

e sobrevivência das espécies e da própria humanidade. Com a evolução do

processo civilizatório, surgiu a legislação visando a proteção animal, sendo

substituída progressivamente por normas compatíveis com a atualidade e o estágio

consciencial da humanidade. 128

A falta de consciência ecológica e a tendência destrutiva do homem em

relação ao ambiente em que vive tem por consequência a exploração descontrolada

do meio ambiente, produzindo danos irreparáveis e irreversíveis como a extinção de

espécies e de recursos ambientais, com importantes reflexos econômicos.129

Atualmente, em uma estimativa aproximada, há mais de seis bilhões de

humanos na Terra e seu crescimento é exponencial. Para Danielle Tetü Rodrigues,

“tudo leva a crer que a sobrevivência humana no planeta dependerá de como o

homem continuará a tratar a natureza”.130 A exploração do meio ambiente pelo

homem ocorre em ritmo acelerado e a capacidade de suprimento alimentar está

sendo exaurida pela superpopulação humana.131

A rápida expansão demográfica e a degradação dos recursos naturais de

forma acelerada acarretam um evidente desequilíbrio ecológico de difícil reversão.

127 Breves apontamentos sobre a história dos animais na humanidade serão abordados em um

capítulo adiante. 128

DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos animais e as conquistas legislativas do movimento de proteção animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007. p. 155. Disponível em: <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2014.

129 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

130 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 83. 131 Fritjof Capra, citado por Danielle Tetü Rodrigues adverte que “a superpopulação e a tecnologia

industrial têm contribuído de várias maneiras para uma grave deterioração do meio ambiente natural, do qual dependemos completamente. (...) Tornou-se claro que nossa tecnologia está perturbando seriamente e pode até estar destruindo os sistemas ecológicos de que depende nossa existência.” RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 83.

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Diante desse quadro, caso não ocorra uma estabilidade populacional, econômica e

ecológica, haverá a extinção dos recursos naturais e, consequentemente, da

população humana132.

O descontrolado crescimento populacional e suas consequentes exigências

sobre os recursos do planeta tem como principal resultado a degradação da

natureza, que está interligada à da fauna no momento em que se traduz por

eliminação das espécies mais especializadas e com maior dificuldade de adaptação

a condições impostas na estrutura do ecossistema. Há evidente necessidade de

alfabetização ecológica e da integração entre a conservação do ambiente e do

progresso e desenvolvimento, de modo que as normas jurídicas possam servir de

instrumento de regulação da sociedade.133

É indiscutível a importância da proteção do meio ambiente para a

sobrevivência da humanidade e o ordenamento jurídico, dessa forma, deve

responder aos anseios sociais de forma coerente e eficaz. Reconhece-se, portanto,

um novo direito fundamental que tem como objeto a proteção jurídica do meio

ambiente.134

Nesse diapasão, o desafio da humanidade é tentar conciliar o

desenvolvimento econômico e social com a proteção e a preservação ambiental, a

fim de não inviabilizar a qualidade de vida das presentes e futuras gerações, pois é

em decorrência dos recursos naturais que o ser humano desenvolve todas as suas

atividades, econômicas ou não.135

No Brasil, as iniciativas que buscavam a tutela jurídica dos animais sempre

tiveram cunho político e econômico. No período colonial, a visão era de que a selva

era inimiga do homem e não havia qualquer dispositivo com caráter

preservacionista. Os animais selvagens eram comercializados interna e

externamente e os domésticos viviam em servidão. Os cães serviam para vigilância

e caça, as vacas para fornecer leite e carne, os burros para o transporte, os bois

para a tração, os cavalos para viagens e combates.136

132

RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 83-84.

133 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 84-85. 134 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2013, p. 67. 135 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 26. 136

LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais. Disponível em: <http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf.> Acesso em: 04 ago. 2014.

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Mesmo com a emancipação política e a organização do Brasil, a situação

normativa não sofreu alteração substancial. Antes da Carta de 1988, o legislador

nunca buscou proteger o meio ambiente como um todo, fazendo-o de maneira

dispersa e com objetivos essencialmente econômicos.137

O direito à proteção constitucional do ambiente, consubstanciado na

prerrogativa de usufruí-lo como um bem ecologicamente equilibrado é fruto da

evolução dos direitos como um produto histórico, decorrente das necessidades

humanas do final do século XX. Portanto, normas jurídicas de proteção ambiental

são disposições contextualizadas com as mudanças sociais e históricas. Depreende-

se que o Direito é decorrente das transformações sociais e de suas demandas e as

normas jurídicas são fruto da necessidade do Estado regular em conformidade com

essas novas demandas da sociedade.138

A necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre o desenvolvimento

social e o ambiental em relação à qualidade de vida das presentes e futuras

gerações faz nascer, nas palavras de Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, o

Estado Socioambiental e Democrático de Direito. Esse Estado Socioambiental que a

autora classifica como utopia, tem como princípio nuclear o direito fundamental à

vida e à manutenção das bases que a sustentam, ou seja, um ambiente equilibrado

e saudável que visa concretizar a dignidade da pessoa humana e, de forma mais

ampla, a dignidade da vida.139

O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado tem por escopo a sadia

qualidade de vida e sua meta é a defesa dos recursos ambientais de uso comum

necessários para uma vida digna.140

137 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais. Disponível em:

<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf.> Acesso em: 04 ago. 2014.

138 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 45

139 “Essa utopia, da construção de um Estado Socioambiental, está cada vez mais próxima de tornar-se uma realidade. Há de se remodelar a estrutura do Estado, em face da necessidade de se reconfigurar a forma de desenvolvimento econômico, a fim de incluir e fazer integrar o bem ambiental, efetivamente, como elemento indissociável desse novo modelo estatal. Um Estado Socioambiental e Democrático de Direito é decorrente da unidade de sua Constituição, assim como qualquer Estado Democrático de Direito. Contudo, esse Estado em especial é um Estado Ambiental e, portanto, calcado em princípios ambientais. O Estado Socioambiental está fundado numa tríade de princípios: o princípio da precaução, o princípio da responsabilidade e o princípio da cooperação.” _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2013. p. 27.

140 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2013.

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43

É considerado um direito fundamental, ou seja, direito reconhecido

constitucionalmente ou por tratado internacional que atribui ao indivíduo ou a um

grupo uma garantia pessoal. Como direito fundamental, o meio ambiente

ecologicamente equilibrado é o resultado de fatores sociais que permitiram e até

mesmo impuseram a sua cristalização sob forma jurídica, explicitando sua relevância

para o desenvolvimento das relações sociais.141

Embora não contemplado no rol dos direitos fundamentais do artigo 5º, a

Constituição Federal, no seu artigo 225, consagrou o meio ambiente como direito

fundamental, invocando, ainda, o direito intergeracional segundo o qual as gerações

presentes têm o direito de receber este ambiente sadio, mas, também, têm a

obrigação de transmitir a seus descendentes da mesma forma ou, ainda, em

melhores condições.142

Importante salientar que o status de direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado leva à formulação de um princípio da primariedade do

ambiente, o qual indica que este direito está acima de qualquer outro direito posto

que diga respeito à garantia da vida. Ainda, como direito fundamental, tem aplicação

direta, independentemente de lei e uma regulamentação ulterior ajuda, somente, a

densificar a exequibilidade.143

Para Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, o direito ao meio ambiente está

diretamente ligado à própria dignidade da vida, sendo uma concretização do

princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, expressamente previsto na

Constituição Federal. Assim, salienta, “como legítimo protetor da dignidade da

pessoa humana e, muito além, como legítimo protetor da dignidade da vida como

um todo, o direito à proteção ambiental é, indubitavelmente, um direito fundamental

no ordenamento jurídico brasileiro”.144

Conforme José Joaquim Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite, o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é de terceira geração145,

141 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional

Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 117. 142 WIEDMANN, Sonia Maria Pereira. A Fauna Silvestre na Legislação Brasileira. In: MARQUES, José

Roberto (Org.). Sustentabilidade e Temas Fundamentais de Direito Ambiental. Campinas: Editora Millennium, 2009, p. 449.

143 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 118.

144 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 74.

145 Apenas para aprimorar a didática, conforme Alexandre de Moraes, a Carta Magna trouxe os direitos e garantias fundamentais inseridos no Título II, sendo que a doutrina classifica-os como

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baseado na fraternidade ou na solidariedade, categoria em que se encontram os

direitos que se destinam ao gênero humano e não especificamente à proteção dos

interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado.146

A característica principal dos direitos fundamentais de terceira geração

consubstancia-se no fato de desprender-se da figura do indivíduo como titular do

direito, tomando como destinatário os grupos humanos, com titularidade difusa ou

coletiva. Nesse ínterim, conceitua-se o interesse difuso como sendo um interesse

reconhecido juridicamente, pertencente a uma pluralidade indeterminada ou

indeterminável de sujeitos. Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros conclui que

“interesses juridicamente difusos são definidos como necessidades comuns a

conjuntos indeterminados de indivíduos e que estas necessidades somente poder

ser satisfeitas em uma perspectiva comunitária.” Dessa forma, o meio ambiente

caracteriza-se por interesse difuso, pois se trata de interesses dispersos por toda a

comunidade.147

Mas o que é meio ambiente?

Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros conceitua o meio ambiente tutelado

pelo estado socioambiental como aquele que envolve o ambiente em sentido amplo

com todas as circunstâncias econômicas, sociais e culturais que influenciam, de

forma direta ou indireta, na qualidade de vida humana. Completa, ainda:

O meio ambiente é um dos bens jurídicos mais caros e preciosos para o ser humano, especialmente nos tempos em que se vive, tendo em vista que a vida nunca esteve tão ameaçada (inundações, extinção da camada de ozônio, falta de água potável e energia, chuva ácida) pelo risco da falta de bens indispensáveis. Trata-se de um dos direitos humanos mais relevantes e merece proteção em escala mundial. Possui também status de direito fundamental à medida que constitui a principal forma de concretização da dignidade da pessoa humana, sua existência e qualidade de vida. O Estado constitucional com vertentes ambientais e sociais impõe uma redefinição do

direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseada na ordem histórica cronológica. Sendo assim, os direitos fundamentais de primeira geração abordam os direitos e garantias individuais e políticos. Os de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais. Modernamente, passou-se a proteger os direitos chamados de terceira geração, chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualidade de vida saudável, progresso, paz, autodeterminação dos povos e outros direitos difusos. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 31-32.

146 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 123.

147 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 92-93.

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conteúdo dos direitos com feições individualistas, os quais devem estar também a serviço de toda a coletividade.

148 A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional

do Meio Ambiente, considera, no inciso I do artigo 3º, que meio ambiente é o

conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e

biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.149

No entanto, para Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, embora se possa

destacar nitidamente um conceito antropocêntrico moderado, em razão de

considerar a vida em todas as suas formas, há de se considerar que ambiente é

muito mais que o ambiente natural descrito, pois a vida pode se desenvolver em

diversos espaços e de diversas maneiras.150

Carlos Frederico Marés Souza Filho, citado por Danielle Tetü Rodrigues,

define:

O meio ambiente, entendido em toda a sua plenitude e de um ponto de vista humanista, compreende a natureza e as modificações que nela vem introduzindo o ser humano. Assim, o meio ambiente é composto pela terra, a água, o ar, a flora e a fauna, as edificações, as obras-de-arte e os elementos subjetivos e evocativos, como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições, marcos ou sinais de fatos naturais ou da passagem de seres humanos. Dessa forma, para compreender o meio ambiente é tão importante a montanha, como a evocação mística que dela faça o povo.151

Assim, didaticamente, o meio ambiente é dividido em natural, cultural, artificial

e do trabalho. O ambiente natural pode ser definido como o conjunto de compostos

bióticos e abióticos que dão suporte à vida, como a água, o solo e o ar atmosférico,

ou seja, é o equilíbrio entre os seres e o meio em que vivem.152 Importante destacar,

para melhor compreensão do tema, que o objeto deste estudo está na proteção dos

148

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 69-70.

149 Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; (...)BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm> Acesso em: 01 ago. 2014.

150 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 30.

151 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 91.

152 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 30-31.

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animais não humanos, parte desta categoria de meio ambiente (meio ambiente

natural).

A proteção ao ambiente natural está prevista na Constituição Federal, no §1º

do art. 225. A proteção do ambiente cultural, também prevista pela carta

fundamental, tem como objetivo a preservação da história do povo por meio de

cuidados com o patrimônio histórico, paisagístico, artístico, arqueológico e turístico.

O ambiente artificial engloba as edificações, públicas e privadas. Também é

protegido pela Constituição de 1988 no art. 225, bem como no artigo 182. O artigo

200 da mesma legislação pátria aborda a proteção do ambiente laboral, que deve

ser equilibrado para a saúde física e psíquica do trabalhador.153

Nessa ótica, compreende-se como ambiente a natureza e as modificações

que o homem possa ter realizado, ou seja, deve abranger toda a natureza original e

artificial, bem como os bens culturais correlatos compreendendo, portanto, o solo, a

água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico,

paisagístico e arqueológico.154

Conclui Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros (2013) que “o meio ocupa-se

dos elementos abióticos que sustentam a vida, preocupa-se com os elementos

imateriais que representam a vida, uma vez que o ambiente engloba a vida humana

e de todos os seres vivos, engloba o meio em que a vida acontece e engloba a sua

história.”155

Diante da conjuntura socioeconômica e da necessidade de estudos, análise e

discussões acerca de questões e problemas ambientais e sua relação com o ser

humano, com a finalidade de proteção ao meio ambiente e melhorias das condições

de vida, surge o Direito Socioambiental, regido por um conjunto de normas jurídicas

por meio das quais se estabelecem limitações ao direito de exploração econômica

dos recursos da natureza e delimitam o direito de propriedade com o intuito de

preservar o equilíbrio natural do ambiente para a qualidade de vida sadia.156

Para Danielle Tetü Rodrigues, o marco inicial do Direito Socioambiental foi a

promulgação da Lei nº 6.938/81, já citada anteriormente, que dispõe sobre a Política

Nacional do Meio Ambiente. No entanto, somente com a Constituição de 1988, com

153 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2013, p. 30-31. 154

_____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 33. 155 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 33. 156 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 92.

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a influência dos Direitos Humanos, que o Direito Socioambiental ganhou importância

ao estipular que o bem ambiental é essencial à qualidade de vida e de uso comum

do povo.157

Até a promulgação da Constituição de 1988, o legislador brasileiro nunca teve

qualquer intenção de proteger o meio ambiente como um todo, fazendo-o de forma

dispersa e com objetivos econômicos. Nas Constituições republicanas de 1934,

1937, 1946 e 1967 foi atribuída competência à União para legislar sobre florestas,

águas, riquezas de subsolo, caça e pesca, mas com postura patrimonial do que

ecológica, pois a natureza era tratada como bem suscetível de valor monetário.158

Diferentemente, a atual Constituição pátria, destinou um capítulo para a

proteção do meio ambiente, tratando de um marco histórico. Assim, adotou-se a

tendência contemporânea de preocupação com os interesses difusos, em especial

com o meio ambiente, na esteira Conferência das Nações Unidas realizada em

Estocolmo, na Suécia, em junho de 1972, em que nasceu a Declaração sobre o

Meio Ambiente159. O primeiro princípio estabelecido na referida Declaração dispõe:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. (...)160

Explicam José Joaquim Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite que a

Constituição de 1988 não seguiu o modelo de suas antecessoras que tinham uma

visão dos recursos naturais como abundantes e infinitos. Antes, o meio ambiente

não era adequadamente tutelado porque se acreditava na inesgotabilidade dos

recursos naturais. Diversamente, o constituinte de 1988, buscou compreender a

natureza como realidade frágil e ameaçada pelos seres humanos e Estado.161

157 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 93. 158 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais. Disponível em:

<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf.> Acesso em: 04 ago. 2014.

159 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 838.

160 ONU. Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano. Disponível em: <http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm> Acesso em: 31 jul. 2014.

161 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 129.

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Para os autores, a norma constitucional reflete a marca da transição e do

compromisso e incorporou aspectos antropocêntricos, como a proteção a favor das

presentes e futuras gerações) e também biocêntricos (noção de preservação), que

serão adiante estudados.162

Na afirmação de Alexandre de Moraes, no caput do art. 225, o texto

constitucional considera o meio ambiente patrimônio comum da humanidade e

requer que se utilizem todos os meios do Poder Público necessários para sua

proteção efetiva, especialmente em relação às gerações futuras.163

No entanto, advertem José Joaquim Gomes Canotilho e José Rubens Morato

Leite, que o caput do art. 225 não esgota a aplicação do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, pois é uma síntese de todos os dispositivos ambientais,

sendo apenas a sede de sua organização como direito autônomo e de caráter

genérico. Há, no decorrer do texto constitucional, menção a tal direito como reflexo

ou como preceito de apoio, ligando-se umbilicalmente a proteção à vida e à saúde, à

salvaguarda da dignidade da pessoa humana e à funcionalização ecológica da

propriedade. Dessa forma, embora a regulação seja vasta e esparsa, certo é que a

norma constitucional conduz ao mesmo objetivo: a regulação do uso dos bens

ambientais (como a água, fauna, solo, ar e florestas) ou das atividades humanas que

podem afetar o meio ambiente, como a biotecnologia, mineração, energia nuclear,

caça, agricultura e turismo.164

Na doutrina de Danielle Tetü Rodrigues, a Carta Magna outorgou tanto

poderes quanto deveres de administração à coletividade e também ao Poder

Público. Impôs ao Estado a responsabilidade de proteger e preservar o ambiente

para as gerações presentes e futuras. Também incumbiu ao Poder Público a

proteção da fauna, vedando as práticas que coloquem em risco a sua função

ecológica, que provoquem a extinção da espécie ou que submetam os animais à

crueldade.165

162 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional

Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 129. 163 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p.

839. 164 _____. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.

124. 165 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 94.

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Diante da importância nuclear, imprescindível a transcrição do artigo 225 da

Constituição Federal de 1988166, como segue:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

Para Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, não há dúvidas que o caput do

art. 225 é antropocêntrico, ou seja, feito pelo homem e para o homem. Nessa linha,

sustenta que o disposto no referido artigo é um direito fundamental da pessoa

humana, previsto como forma de preservar a vida e a dignidade das pessoas, o 166 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 31 jul. 2014.

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núcleo dos direitos fundamentais. Nos incisos I, II, III e VII do §1º e os §§4º e 5º do

artigo 225 há um equilíbrio do antropocentrismo previsto no caput, tendendo ao

biocentrismo, pois há uma preocupação na harmonização e integração dos seres

humanos e da biota.167

Para a referida autora, “toda a matéria relacionada, direta ou indiretamente,

com a proteção do ambiente, projeta-se, portanto, no domínio dos direitos

fundamentais”. Nesse sentido, os direitos e garantias fundamentais baseiam-se na

dignidade da pessoa humana de modo e intensidade variáveis, sendo que a

proteção ao ecossistema foi concebida para respeitar o desenvolvimento econômico

e social para que o ser humano desfrute de uma vida digna.168

Embora em primeira leitura do artigo 225 da Carta Magna leve a pensar na

predominância do pensamento antropocêntrico, para a autora, o conjunto normativo

alberga um ideal biocêntrico, pois somente por meio da preservação da vida que se

alcançará o equilíbrio proposto pelo legislador. Dessa feita, a partir da relação entre

os seres e o ambiente que os recebe é que se poderá alcançar o equilíbrio e a

Constituição brasileira assevera o meio ambiente como bem ecologicamente

equilibrado, determinando que é dever do Poder Público proteger a fauna impedindo

as práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou provoquem extinção das

espécies.169

Observa-se que, em razão do contido no inciso VII do §1º do artigo 225, o

texto constitucional abarcou todos os animais, não privilegiando somente a proteção

da fauna silvestre, de forma coerente com o sistema jurídico brasileiro. A norma

contempla os animais domésticos, silvestres, exóticos, domesticados ou migratórios

porque, segundo Sonia Maria Pereira Wiedmann, “proteger os animais domésticos é

não só impedir seu abandono como proibir que lhes seja dado tratamento cruel; e,

no caso da fauna silvestre, acresce ainda a necessidade de evitar sua captura,

contrabando, destruição e extinção por todas as formas.”170

Sob o enfoque de Edna Cardozo Dias, a Constituição Federal vigente, com o

objetivo de efetivar o exercício ao meio ambiente sadio, estabeleceu uma série de

167 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2013, p. 51. 168

_____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 51. 169

_____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 54. 170

WIEDMANN, Sonia Maria Pereira. A Fauna Silvestre na Legislação Brasileira. In: MARQUES, José Roberto (Org.). Sustentabilidade e Temas Fundamentais de Direito Ambiental. Campinas: Editora Millennium, 2009, p. 449.

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incumbências para o Poder Público, arroladas nos incisos I ao VII do seu art. 225.

Dessa forma, os animais, independentemente de serem ou não da fauna brasileira,

possuem garantia constitucional dando maior força à legislação vigente, pois todas

as situações jurídicas devem se conformar com os princípios constitucionais.

Exemplo disso é, no âmbito da legislação ordinária, a Lei de Crimes Ambientais (Lei

9.605, de 12 de dezembro de 1998), que considerou como crime os maus tratos a

animais, sejam eles domésticos, domesticados, exóticos ou silvestres.171

3.2 A PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

A primeira legislação de proteção aos animais no Brasil foi promulgada no

Governo de Getúlio Vargas (Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934) que tornou

os maus tratos contra os animas uma contravenção. Fernando Araújo172 considera

esta legislação brasileira como pioneira, ao estabelecer que “todos os animais

existentes no País são tutelados pelo Estado”173 e que “os animais serão assistidos

em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos

membros das sociedades protetoras de animais”174.

No mesmo diapasão, o autor evidencia o pioneirismo na detalhada

enumeração de maus tratos no seu artigo 3º175, e a inserção de ressalvas que

171 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos animais e as conquistas legislativas do movimento de

proteção animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007, p. 156-157. Disponível em: <http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol2.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2014.

172 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 288. 173 Art. 1º Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado. BRASIL. Decreto nº 24.645,

de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567>. Acesso em: 02 set. 2014.

174 Art. 2º (...) § 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais. BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567>. Acesso em: 02 set. 2014.

175 Art. 3º Consideram-se maus tratos: I praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; III obrigar animais a trabalhos excessívos ou superiores ás suas fôrças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo; IV golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em beneficio exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interêsse da ciência; V abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem coma deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; VI não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo exterminio seja

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excluem do conceito de maus tratos as operações que beneficiem exclusivamente o

animal, que defendam o homem ou que sirvam de interesse da ciência (art. 3º, IV),

bem como a exclusão da proteção os animais daninhos (art. 17176).177

Fernando Araújo explica:

Para se ter uma medida do pioneirismo e da sofisticação conceptual desse Decreto-Lei nº 24645, destaque-se a título de exemplo algumas soluções que propõe para problemas que já abordámos: considera-se integrada na

necessário, parar consumo ou não; VII abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação; VIII atrelar, no mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com equinos, com muares ou com asininos, sendo somente permitido o trabalho etc conjunto a animais da mesma espécie; IX atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, ganchos e lanças ou com arreios incompletos incomodas ou em mau estado, ou com acréscimo de acessórios que os molestem ou lhes perturbem o funcionamento do organismo; X utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que êste último caso somente se aplica a localidade com ruas calçadas; Xl açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma um animal caído sob o veiculo ou com ele, devendo o condutor desprendê-lo do tiro para levantar-se; XII descer ladeiras com veículos de tração animal sem utilização das respectivas travas, cujo uso é obrigatório; XIII deixar de revestir com couro ou material com identica qualidade de proteção as correntes atreladas aos animais de tiro; XIV conduzir veículo de terão animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha bola é fixa e arreios apropriados, com tesouras, pontas de guia e retranca; XV prender animais atraz dos veículos ou atados ás caudas de outros; XVI fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de 6 horas continuas sem lhe dar água e alimento; XVII conservar animais embarcados por mais da 12 horas, sem água e alimento, devendo as emprêsas de transportes providenciar, saibro as necessárias modificações no seu material, dentro de 12 mêses a partir da publicação desta lei; XVIII conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer outro modo que lhes produza sofrimento; XIX transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rênde metálica ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro da animal; XX encerrar em curral ou outros lugares animais em úmero tal que não lhes seja possível moverem-se livremente, ou deixá-los sem Agua e alimento mais de 12 horas; XXI deixar sem ordenhar as vacas por mais de 24 horas, quando utilizadas na explorado do leite; XXII ter animais encerrados juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem; XXIII ter animais destinados á venda em locais que não reunam as condições de higiene e comodidades relativas; XXIV expor, nos mercados e outros locais de venda, por mais de 12 horas, aves em gaiolas; sem que se faca nestas a devida limpeza e renovação de água e alimento; XXV engordar aves mecanicamente; XXVI despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos á alimentação de outros; XXVII ministrar ensino a animais com maus tratos físicos; XXVIII exercitar tiro ao alvo sobre patos ou qualquer animal selvagem exceto sobre os pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e Pesca; XXIX realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; XXX arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculo e exibí-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias; XXXI transportar, negociar ou cair, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizares Para fins ciêntíficos, consignadas em lei anterior. BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567>. Acesso em: 02 set. 2014.

176 Artigo 17. A palavra animal, da presente lei, compreende todo ser irracional, quadrupede ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos. BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567>. Acesso em: 02 set. 2014.

177 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 288.

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categoria de <<maus tratos>> a omissão de eutanásia activa a animais em sofrimento prolongado (art. 3º, VI), não se fazendo ressalva para a situação da predação natural, a qual é prevenida pela proibição de trabalho em conjunto de animais de espécies diversas (art. 3º, VIII), de encerramento de animais com outros que os aterrorizem ou molestem (art. 3º, XXII), ou de entrega de animais vivos à alimentação de outros (art. 3º, XXVI). Um nobre exemplo, pois, hoje continuado pela Constituição Federal do Brasil, ao estabelecer, no art. 225, §1º, VII, que incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.

178 Em 1941, a Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de

outubro de 1941) proibiu, em seu art. 64179 a crueldade contra os animais.180

Importante mencionar que a proteção infraconstitucional dos animais não

humanos no ordenamento jurídico brasileiro foi introduzida antes da história

constitucional recente. Em 1967, foi promulgada a Lei 5.197 que dispõe sobre a

proteção à fauna, especialmente no que se refere à caça. O artigo 1º da referida lei

proíbe a caça de animais, de qualquer espécie, que compõem a fauna silvestre.181

178 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 289. 179 Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena – prisão simples,

de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis. § 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo. § 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm> Acesso em: 01 ago. 2014.

180 Art. 2º Aquele que, em lugar público ou privado, aplicar ou fizer aplicar maus tratos aos animais, incorrerá em multa de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinquentes seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que possa caber. § 1º A critério da autoridade que verificar a infração da presente lei, será imposta qualquer das penalidades acima estatuídas, ou ambas. § 2º A pena a aplicar dependerá da gravidade do delito, a juízo da autoridade. § 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais. BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567>. Acesso em: 02 set. 2014.

181 Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha. § 1º Se peculiaridades regionais comportarem o exercício da caça, a permissão será estabelecida em ato regulamentador do Poder Público Federal.§ 2º A utilização, perseguição, caça ou apanha de espécies da fauna silvestre em terras de domínio privado, mesmo quando permitidas na forma do parágrafo anterior, poderão ser igualmente proibidas pelos respectivos proprietários, assumindo estes a responsabilidade de fiscalização de seus domínios. Nestas áreas, para a prática do ato de caça é necessário o consentimento expresso ou tácito dos proprietários, nos termos dos arts. 594, 595, 596, 597 e 598 do Código Civil. BRASIL. Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5197.htm>. Acesso em 19 jul. 2014.

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No entanto, o parágrafo primeiro abre exceção quanto às peculiaridades

regionais. O parágrafo segundo permite que, mesmo liberada a caça em razão do

parágrafo primeiro, em domínio privado, pode-se proibir a caça, mas a fiscalização

fica a cargo do particular, eximindo o Estado de qualquer tipo de

responsabilidade.182

A Lei de Proteção à Fauna revogou o então vigente Código de Caça (Decreto-

Lei nº 5.894, de 20 de outubro de 1943), que, com o mesmo enfoque do Código Civil

de 1916, considerava sem dono e sujeitos à apropriação os animais da fauna

silvestre. O revogado Código de Caça se restringia a estabelecer formas de como se

poderia apropriar desse bem sem nenhuma preocupação com sua preservação ou

utilização sustentável. Passou então, a fauna silvestre, de ser coisa de ninguém ou

acessória da propriedade onde se encontrasse para tornar-se bem público, tutelado

pelo Estado.183

Em 1979, a Lei nº 6.638 regulamentou a vivissecção184 de animais para

pesquisa científica e para fins didáticos. Estabeleceu as normas para a prática em

todo o território nacional desde que os biotérios e centros de experiências e

demonstrações com animais vivos estivessem registrado. Proibia a realização de

qualquer atividade sem anestésicos ou sem supervisão de técnico especializado,

demonstrando um certo caráter protetivo. Por outro lado, permitia o sacrifício do

animal utilizado na pesquisa ou a adoção185. Esta lei foi revogada em 2008 quando

182

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 54.

183 WIEDMANN, Sonia Maria Pereira. A Fauna Silvestre na Legislação Brasileira. In: MARQUES, José Roberto (Org.). Sustentabilidade e Temas Fundamentais de Direito Ambiental. Campinas: Editora Millennium, 2009, p. 442-446.

184 A palavra vivissecção vem do latim e significa vivo (vivus) e secção (sectio), ou seja, cortar ou seccionar um corpo vivo. Pode ser definida, portanto, como sendo o uso de seres vivos, especialmente animais não humanos, para o estudo dos processos da vida e das doenças na prática experimental e didática. _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 55.

185 Art 4º - O animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos das experiências que constituem a pesquisa ou os programas de aprendizado cirúrgico, quando, durante ou após a vivissecção, receber cuidados especiais. § 1º - Quando houver indicação, o animal poderá ser sacrificado sob estrita obediência às prescrições científicas. § 2º - Caso não sejam sacrificados, os animais utilizados em experiências ou demonstrações somente poderão sair do biotério trinta dias após a intervenção, desde que destinados a pessoas ou entidades idôneas que por eles queiram responsabilizar-se. BRASIL. Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979. Estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais e determina outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/l6638.htm>. Acesso em 19 jul. 2014.

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sancionada a Lei nº 11.794186, que incluiu a possibilidade de vivissecção em

estabelecimentos de ensino médio, antes proibido pela legislação anterior.187

Em 1983, foi promulgada a Lei nº 7.173 que dispõe sobre o estabelecimento e

funcionamento de jardins zoológicos. Ressalta-se que a lei considera jardim

zoológico qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou

semi-liberdade e expostos à visitação.188 Sob a ótica de Fernanda Luiza Fontoura de

Medeiros (2013)189, convém observar que, a exemplo do artigo 7º, o legislador

preocupou-se com a proteção e o conforto do visitante.190

Em 1987, foi proibida a pesca ou qualquer outra forma de molestamento de

toda a espécie de cetáceos das águas brasileiras (Lei nº 7.643, de 18 de dezembro

de 1987),191 o que possibilitou o retorno das populações de várias espécies no

litoral, principalmente no sul do país.192

No ano de 1988, foi editada a Lei nº 7.679, que proibiu a pesca em períodos

de reprodução ou utilizando métodos com explosivos, substâncias tóxicas, em locais

interditados, entre outros.193 Foi revogada posteriormente pela Lei nº 11.959, de 29

186 Art. 1o A criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo

o território nacional, obedece aos critérios estabelecidos nesta Lei. § 1o A utilização de animais em atividades educacionais fica restrita a: I – estabelecimentos de ensino superior; II – estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica. BRASIL. Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11794.htm#art27>. Acesso em 19 jul. 2014.

187 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 56.

188 Art 1º - Para os efeitos desta lei, considera-se jardim zoológico qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semi-liberdade e expostos à visitação pública. BRASIL. Lei nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983. Dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos e dá outras providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l7173.htm>. Acesso em 19 jul. 2014.

189 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 57. 190 Art 7º - As dimensões dos jardins zoológicos e as respectivas instalações deverão atender aos

requisitos mínimos de habitabilidade, sanidade e segurança de cada espécie, atendendo às necessidades ecológicas, ao mesmo tempo garantindo a continuidade do manejo e do tratamento indispensáveis à proteção e conforto do público visitante. BRASIL. Lei nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983. Dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos e dá outras providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l7173.htm>. Acesso em 19 jul 2014.

191 Art. 1º Fica proibida a pesca, ou qualquer forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras. BRASIL. Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987. Proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7643.htm>. Acesso em 19 jul 2014.

192 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 58. 193 Art. 1º Fica proibido pescar: I - em cursos d'água, nos períodos em que ocorrem fenômenos

migratórios para reprodução e, em água parada ou mar territorial, nos períodos de desova, de reprodução ou de defeso; II - espécies que devam ser preservadas ou indivíduos com tamanhos

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de junho de 2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável da Aquicultura e da Pesca.194

Um grande avanço na proteção dos animais não humanos ocorreu no ano de

1998, quando editada a Lei nº 9.605, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais,

pois os crimes cometidos contra a fauna passaram de contravenção para crime. O

artigo 29 do referido diploma legal prevê crime, com pena de detenção de seis

meses a um ano e multa para quem matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar

espécimes da fauna silvestre ou impedir sua procriação. 195

inferiores aos permitidos; III - quantidades superiores às permitidas; IV - mediante a utilização de: a) explosivos ou de substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante; b) substâncias tóxicas; c) aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos; V - em época e nos locais interditados pelo órgão competente; VI - sem inscrição, autorização, licença, permissão ou concessão do órgão competente. § 1º Ficam excluídos da proibição prevista no item I deste artigo os pescadores artesanais e amadores que utilizem, para o exercício da pesca, linha de mão ou vara, linha e anzol. § 2º É vedado o transporte, a comercialização, o beneficiamento e a industrialização de espécimes provenientes da pesca proibida. BRASIL. Lei nº 7.679, de 23 de novembro de 1988. Dispõe sobre a proibição da pesca de espécies em períodos de reprodução e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7679.htm. Acesso em 19 jul. 2014.

194 A Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca tem por objetivo a promoção do desenvolvimento sustentável da pesca e da aquicultura como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer, garantindo-se o uso sustentável dos recursos pesqueiros, bem como a otimização dos benefícios econômicos decorrentes, em harmonia com a preservação e a conservação do meio ambiente e da biodiversidade. No seu artigo 6º, proibiu a pesca visando a proteção de espécies ameaçadas, da reprodução, da saúde pública e do trabalhador, além da utilização de explosivos ou substâncias tóxicas ou químicas. BRASIL. Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a Lei no 7.679, de 23 de novembro de 1988, e dispositivos do Decreto-Lei no 221, de 28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11959.htm#art37. Acesso em 19 jul. 2014.

195 Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas: I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida; II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. § 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. § 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras. § 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado: I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração; II - em período proibido à caça; III - durante a noite; IV - com abuso de licença; V - em unidade de conservação; VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa. § 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional. § 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca. BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas

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A referida lei ainda define como espécimes da fauna silvestre os animais

pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou

terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos

limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras. Considera prática de

abuso ou maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos196, penalizando com detenção, de três meses a

um ano, e multa.197 Salienta-se que o parágrafo primeiro deste artigo aplica a

mesma penalidade para quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo,

ainda que para fins didáticos ou científicos, mesmo se existirem recursos

alternativos, aumentando a pena de um sexto a um terço, se ocorre morte do

animal.198

Importante destacar que no ano de 2000, entrou em vigor o Decreto nº 3.607,

que dispôs sobre a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das

Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES e designou o

IBAMA como Autoridade Administrativa, com atribuição de emitir licenças para a

comercialização internacional de espécies. A CITES, firmada em Washington em

1973, é um dos acordos ambientais mais importantes para a preservação das

de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em 19 jul. 2014.

196 A Portaria nº 93, de 07 de julho 1998 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA define como fauna silvestre brasileira como todos aqueles animais pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do Território Brasileiro ou águas jurisdicionais brasileiras. Fauna silvestre exótica são todos aqueles animais pertencentes às espécies ou subespécies cuja distribuição geográfica não inclui o Território Brasileiro e as espécies ou subespécies introduzidas pelo homem, inclusive domésticas em estado asselvajado ou alçado. Também são consideradas exóticas as espécies ou subespécies que tenham sido introduzidas fora das fronteiras brasileiras e suas águas jurisdicionais e que tenham entrado em Território Brasileiro. Como fauna doméstica são considerados todos aqueles animais que através de processos tradicionais e sistematizados de manejo e/ou melhoramento zootécnico tornaram-se domésticas, apresentando características biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, diferente da espécie silvestre que os originou. BRASIL. Portaria nº 93, de 07 de julho 1998 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Dispõe sobre a Importação e Exportação da Fauna Brasileira. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/supes-es/legislacao. Acesso em 19 jul 2014.

197 Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em 19 jul. 2014.

198 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 59-60.

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espécies e regulamenta a exportação, importação e reexportação de animais e

plantas, suas partes e derivados por meio de emissão de licenças e certificados. O

Brasil aderiu à convenção em 1975, sendo aprovado pelo Decreto Legislativo nº 54

do mesmo ano.199

Para Fernanda Luiza Fontoura Medeiros, a CITES é uma convenção

extremamente controversa, haja vista a permissão e legitimação do comércio de

animais. Entretanto, sua importância para o Brasil reside no fato de que o país é

uma das maiores rotas de tráfico de animais silvestres do mundo em razão da sua

alta biodiversidade. 200; 201

Nas palavras de Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, “muitas das normas

de “proteção dos animais” existentes, na realidade, apontam para uma inexistência

legislativa, haja vista a lacuna normativa no que concerne ao conteúdo das

mesmas”. Para ela, embora a Constituição vigente busque a proteção do meio

ambiente, deve-se produzir, efetivamente, normas que protejam os animais não

humanos, reconhecendo-os como seres sencientes.202

Apesar das inúmeras normas relacionadas à proteção do meio ambiente

conforme aqui comentadas, evidentemente não se esgotou a imensidão normativa

acerca do assunto. O presente capítulo buscou situar os animais na legislação pátria

vigente diante das proposições acerca do tema do trabalho, as quais serão

abordadas oportunamente.

199 CITES. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/servicos/cites.> Acesso em: 19 jul 2014. 200 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2013, p. 63. 201 O Brasil é um dos principais alvos dos traficantes da fauna silvestre devido a sua imensa

biodiversidade. Esses traficantes movimentam cerca de 10 a 20 bilhões de dólares em todo o mundo, colocando o comércio ilegal de animais silvestres na terceira maior atividade ilícita do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas. De cada 10 animais traficados, 9 morrem antes de chegar ao seu destino final, ou seja, quase 38 milhões de espécimes são retirados de seus ninhos (aves) e tocas (mamíferos), sendo que apenas 1% chega ao destino final. TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. Disponível em: <http://ambientes.ambientebrasil.com.br/fauna/trafico_de_animais_silvestres/trafico_de_animais_silvestres.html.> Acesso em: 19 jul. 2014.

202 _____. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 65.

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4 DIREITO DOS ANIMAIS: SUJEITOS DE DIREITO?

4.1 QUAL A ORIGEM DO ANTROPOCENTRISMO?

Antes de ingressar na discussão acerca dos direitos dos animais, faz-se

necessária a compreensão da origem do antropocentrismo que até os dias atuais

encontra-se arraigado nas sociedades modernas. Dessa forma, retrata-se adiante

um breve olhar sobre os animais na história da humanidade.

Inicia-se desde os primórdios, ao tempo em que o Homo Sapiens apareceu

na face da Terra e que a ideia de domínio transpassou o pensamento do que seria a

luta pela sobrevivência. Após a Idade da Pedra, por volta de 10.000 a.C., a

civilização passou a praticar agricultura e domesticação dos animais, bem como a

organizar-se em sociedade. Embora ainda não compreendesse os fenômenos

físicos, químicos e biológicos, o homem foi dominando o planeta, valendo-se da sua

capacidade de raciocínio e discernimento.203

O desenvolvimento das religiões fez crer que o homem era imagem e

semelhança de Deus, superior às demais criaturas, com exceção do antigo Egito e

da Índia, que consideravam alguns animais sagrados.204 Os animais, tidos como

serem inferiores porque desprovidos de intelecto e livre arbítrio, serviam para

alimentação humana, diversão, transporte e trabalho no campo. A doutrina judaico- 203 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais.

<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

204 No Egito, muitos deuses eram representados com corpos de homens e cabeça de animais, demonstrando a união entre o divino e o humano. O gato era considerado um animal sagrado. Um templo foi erigido para a deusa Batest, representada com corpo de mulher e cabeça de gata. A lei era severa com que atentava contra os gatos e estes, quando mortos, eram embalsamados e oferecidos a Batest. Em escavações no Egito, arqueólogos encontraram cemitérios de gatos. Os templos egípcios eram guardados por gatos, que exerciam papel de guardião dos celeiros do Egito ou tinham o poder de exorcizar o ambiente. A deusa da justiça, Maat, representada por uma mulher com uma pena de avestruz na cabeça, significa o respeito às leis e às individualidades, com papel marcante no juízo final. Usando a pena para pesar as almas dos que chegassem ao salão de julgamento e caso o coração estivesse pesado, era entregue à deusa Ahemait, cabeça de hipopótamo, para devorá-lo. Na Índia, os animais são considerados sagrados, como a vaca. O hinduísmo adota a ideia de panenteísmo (Deus está em tudo), sendo a única diferença que existe entre os animais e o ser humano é o grau de evolução. O Código Védico adverte que quem matar e comer uma vaca renascerá como vaca e será morto quantas vezes quantos forem os pelos do animal. a pessoa não pode matar nem uma formiga pois, como não se pode criar, não se tem o direito de matar nenhuma entidade viva. Segundo as leis de deus, matar um animal é tão condenável quanto matar um homem. DIAS, Edna Cardozo. Códigos Morais e os Animais. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 4. Número 5. jan-dez 2009. p. 185-191. Disponível em: <http://www.abolicionismoanimal.org.br/revistas/revista_dir._animal_v5_virtual-1.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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cristã, pregando a submissão de todas as criaturas ao jugo do homem, influenciou a

civilização ocidental, especialmente o cristianismo. A Bíblia prega que os animais

existem para servir ao homem, concluindo-se, a partir disso, que Deus outorgou à

humanidade o poder de subjugar as demais criaturas em prol de seus interesses.205

Na Grécia Antiga, o primeiro filósofo dos direitos animais, o matemático

Pitágoras (580 - 500 a.C.) e figura central no animismo206, pedia respeito pelos

animais, porque acreditava que os seres humanos e não-humanos tinham o mesmo

tipo de alma, um espírito que permeava o universo. Era vegetariano e teria sido o

primeiro "abolicionista animal", comprando animais do mercado, a fim de libertá-

los.207

Em contrapartida, Aristóteles (384-322 a.C.) sustentava que animais não-

humanos não tinham interesses próprios, que eram serem muito inferiores aos

humanos por causa da alegada irracionalidade. Foi o primeiro a tentar a criação de

uma categorização taxonômica e hierárquica dos animais.208

Aristóteles percebeu algumas semelhanças entre os seres humanos e outras

espécies, mas ele negou aos animais racionalidade e igualdade moral,

argumentando que as plantas foram criadas para o bem dos animais e os animais

por causa dos homens. O pensamento aristotélico sedimentou as bases do Direito.

Afirmava que os animais tinham por finalidade servir ao homem e que este era o

“mestre” na hierarquia em razão da capacidade de raciocínio.209

205 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais.

<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

206 Segundo o Dicionário Aurélio, animismo é o modo de pensamento ou sistema de crenças em que se atribui a seres vivos, objetos inanimados e fenômenos naturais um princípio vital pessoal, isto é, uma alma. DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em: <https://intranet.trt9.jus.br/intranet2/f?p=104:14:105412928266972::NO::P14_LINK:dicionario.trt9.jus.br> Acesso em: 29 ago. 2014.

207 MABELLINI, Erico. O Direito Ambiental e a Proteção e Defesa da Fauna sob a Luz da Constituição Federal e da Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98 – A Tutela de um Novo Direito, o Direito dos Animais. <http://tribunaanimal.org/index.php?/Editorial/Editorial-mais-recente/Monografia-Direito-Ambiental.html.> Acesso em: 12 ago. 2014.

208 _____. O Direito Ambiental e a Proteção e Defesa da Fauna sob a Luz da Constituição Federal e da Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98 – A Tutela de um Novo Direito, o Direito dos Animais. Disponível em: <http://tribunaanimal.org/index.php?/Editorial/Editorial-mais-recente/Monografia-Direito-Ambiental.html.> Acesso em: 12 ago. 2014.

209 _____. O Direito Ambiental e a Proteção e Defesa da Fauna sob a Luz da Constituição Federal e da Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98 – A Tutela de um Novo Direito, o Direito dos Animais. Disponível em: <http://tribunaanimal.org/index.php?/Editorial/Editorial-mais-recente/Monografia-Direito-Ambiental.html.> Acesso em: 12 ago. 2014.

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Essa cultura filosófica conduziu o homem, aos poucos, ao centro do universo,

surgindo o antropocentrismo, doutrina incorporada na civilização ocidental, e em

grande parte incontestada, por mais de dois mil anos, que justifica, ainda hoje, a

postura racionalista e utilitária que proclama a superioridade humana. Sócrates,

filósofo das essências e das definições, trouxe o cerne do individualismo com a

máxima “Conhece-te a ti mesmo”. A teoria geocêntrica de Aristóteles foi incorporada

à cultura e transmitida a outras gerações até que Copérnico e Galileu descobrissem

que o Sol era o centro do universo.210

Aristóteles argumentava que a família se forma da união do homem com a

mulher, do senhor com o escravo e que a primeira família se formou da mulher e do

boi feito para a lavra, sendo que o boi servia de escravo aos pobres. Via uma forma

de elevação do homem o fato deste ter o dom da palavra, ao ser comparado com os

outros animais que só têm a voz para expressar o prazer e a dor. Entendia como

natural o domínio do homem sobre o animal da mesma forma que para ele é natural

o domínio do homem que tem ideias sobre aquele que só tem a força. Aristóteles

incluía o animal na sociedade como escravo.211

No século XVII, o filósofo francês René Descartes (1596-1650) considerava

os animais incapazes de raciocinar, de sentir dor e desprovidos de alma, simples

autômatos inanimados.212 Com Descartes, o racionalismo atingiu a sua culminância,

pois com sua máxima Cogito ergo sum - penso, logo existo - reduziu o homem à sua

mente. Isto alienou o homem da natureza e dos demais seres humanos. Ao lado de

Descartes, Galileu e Newton constituíram a base da revolução tecnológica.213

Para Fernando Araújo, com o mecanicismo cartesiano214 surge a analogia

210 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais.

<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

211 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007 p.150. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

212 _____. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais. <http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

213 _____. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007 p.151. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

214 O mecanicismo foi um movimento intelectual do século XVII, uma espécie de mentalidade, de visão de mundo. Em seus aspectos mais gerais, pode ser definido como um modelo explicativo das mais diferentes manifestações do mundo natural a partir de cinco eixos básicos: 1) a uniformização e a redução das entidades e dos processos existentes na natureza, de modo que

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que assemelha os animais a máquinas, sem alma, ainda que Descates admita a

existência da paixão nos animais, entretanto, em dimensão automática, não auto-

consciente.215

O legado mais perene foi a ideia de que a dor e o sofrimento eram exclusivos

dos humanos e, desse modo, os não-humanos poderiam ter qualquer destino nas

mãos dos interesses humanos, sem qualquer consideração pelo bem-estar. A teoria

deixou, na prática, um estímulo à prática da vivissecção, à perpetuação da

crueldade e da indiferença.216

Na mesma época, Voltaire (1694-1778) criticou a opressão, a intolerância e o

fanatismo vigente, afirmando que se tratava de uma enorme pobreza de espírito

dizer que os animais são privados de sentimento e que a crueldade gratuita parece

arraigado na natureza humana.217

O estoicismo218, de inspiração naturalista e que busca a harmonia cósmica

entre todas as criaturas, entendia que o mundo era governado pela mãe Natureza,

mãe de todas as coisas, e não por Deus. Mas essa ideia não foi aceita pelos

jurisconsultos romanos, que atribuíram a noção de direito apenas aos seres

todo fenômeno possa ser explicado por meio de elementos simples, tais como a matéria e o movimento, e de seus diferentes arranjos e combinações; 2) a utilização de modelos explicativos, inspirados na concepção e no funcionamento das máquinas, de sorte que os fenômenos naturais possam ser entendidos como mecanismos semelhantes aos inventados pelo homem e cujo conhecimento implique a possibilidade de sua decomposição e reconstrução e, portanto, de sua reprodução e imitação; 3) a introdução da matemática como instrumento de análise e de explicação científica, de maneira que o conhecimento de um fenômeno só estará completo se puder ser traduzido, em algum sentido, quantitativa ou geometricamente; 4) a substituição da distinção entre coisas naturais e coisas artificiais pela distinção entre mundo humano e mundo natural, entre o mundo da liberdade e da consciência, por um lado, e o mundo do determinismo material, por outro, de modo que não se poderá mais transpor propriedades entre eles nem avaliar um a partir do outro; 5) a clara distinção entre causa final e causa eficiente ou operativa, com a consequente negação da possibilidade de conhecer, caso existam, as causas finais da natureza. BATTISTI, César Augusto. A Natureza do Mecanicismo Cartesiano. Disponível em: <http://www.nexos.ufsc.br/index.php/peri/article/viewFile/80/29>. Acesso em: 14 ago. 2014.

215 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 83. 216 _____. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 88-89. 217 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais.

<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 12 ago 2014.

218 No estoicismo encontra-se a ideia de que o direito natural é comum a homens e animais, ou seja, de que todos os seres vivos estão sujeitos a uma lei, bem como a um Deus. No entanto, preconizavam a ideia de que a aplicação da justiça é apenas para os seres racionais. DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2. jan/jun 2007. p.150. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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humanos.219 De certa forma, o estoicismo é o precursor da teoria do contrato

social.220

Rousseau (1712-1778) argumentava que os seres humanos são animais,

portanto, como os animais (não humanos) são seres sencientes221, deveriam

também participar do direito natural e que o homem é responsável pelo cumprimento

de alguns deveres e, especificamente, um tem o direito de não ser

desnecessariamente maltratado pelo outro.222

Da mesma forma, Montaigne defendia o pensamento não manipulador da

natureza. Acreditava que o Criador nos pôs na terra para servi-l e os animais são

como nossa família. Pregava o respeito não só pelos animais, mas às árvores e

plantas. Montaigne dizia que aos homens devemos justiça, mas aos animais

devemos solicitude e benevolência.223

Foi dentro desse pensamento que o filósofo inglês Thomas Hobbes fundou a

filosofia do direito individual moderno, dando à linguagem o papel de formadora das

relações sociais e políticas, excluindo os animais do contrato social. Para a

formação do Estado é preciso um pacto, para cuja adesão é preciso a linguagem.224

No pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção de

dignidade de pessoa humana passou por processo de racionalização e laicização.

Dentro disso, Immanuel Kant difundiu a ideia de que os animais não são auto-

conscientes, existindo apenas como instrumento destinado a um fim, o homem.

219 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais.

<http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

220 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007 p.150. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

221 O termo “senciente” expressa, genericamente, as noções de sensibilidade e de consciência. BOIT, Olivier Le. Direitos Fundamentais para os Animais: Uma Ideia Absurda? Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 7. Volume 11. Jul-Dez 2012. p. 43. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/8415.> Acesso em: 18 ago 2014.

222 MABELLINI, Erico. O Direito Ambiental e a Proteção e Defesa da Fauna sob a Luz da Constituição Federal e da Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98 – A Tutela de um Novo Direito, o Direito dos Animais. Disponível em: <http://tribunaanimal.org/index.php?/Editorial/Editorial-mais-recente/Monografia-Direito-Ambiental.html.> Acesso em: 12 ago. 2014.

223 _____. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007 p.151. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

224 _____. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007 p.152. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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Dessa forma, os deveres do homem para com eles são apenas indiretos, pois o

verdadeiro fim dos animais é a humanidade. Tagore Trajano de Almeida Silva cita

os dizeres de Immanuel Kant em sua obra Fundamentação da Metafísica dos

Costumes, de 1785:

(...) Os seres, cuja existência não depende precisamente de nossa vontade, mas da natureza, quando são seres desprovidos de razão, só possuem valor relativo, valor de meios e por isso se chamam coisas. Ao invés, os seres racionais são chamados pessoas, porque a natureza deles os designa já como fins em si mesmos, isto é, como alguma coisa que, consequentemente, põe um limite, em certo sentido, a todo livre arbítrio (e que é objeto de respeito) (...).

225

No século XVIII, o filósofo britânico Jeremy Bentham, um dos fundadores do

utilitarismo226, defende que a dor animal é tão real e moralmente relevante como a

dor humana e que medida para tratar outros seres deve ser a capacidade de sofrer e

não a capacidade de raciocínio. Caso contrário, se a razão fosse critério, muitos

humanos incluindo bebês e pessoas especiais deveriam também ser tratados como

coisas.227

Já no século XVIII, o foco central deixa de ser a demonstração da

superioridade da espécie humana dentro da “Cadeia do Ser” e passa a ser a própria

natureza dos animais.228

Em 1858, o naturalista inglês Charles Darwin publicou A Origem das Espécies

pela Seleção Natural, livro que desvendou o segredo da evolução da vida em nosso

planeta e provocou uma importante revolução científica. Uma das suas principais

contribuições foi refutar a teoria aristotélica da imutabilidade do universo, até então

concebido como um ente imutável e hierarquizado, com cada espécie ocupando um

225 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia.

Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

226 Utilitarismo é a corrente ética baseada na extensão do princípio da igual consideração de interesses. O elemento básico é considerar os interesses de um ser, sejam quais forem eles, não importando de quem sejam: negros ou brancos, do sexo masculino ou feminino, humanos ou não-humanos. _____. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia. Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

227 MABELLINI, Erico. O Direito Ambiental e a Proteção e Defesa da Fauna sob a Luz da Constituição Federal e da Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98 – A Tutela de um Novo Direito, o Direito dos Animais. <http://tribunaanimal.org/index.php?/Editorial/Editorial-mais-recente/Monografia-Direito-Ambiental.html.> Acesso em: 12 ago 2014.

228 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 92.

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lugar apropriado, necessário e permanente. Em 1871, Darwin publica A Origem do

Homem e a seleção em relação ao sexo, sugerindo que a espécie humana teria

evoluído a partir de ancestrais semelhantes a macacos, ideia considerada, à época,

absurda, mas confirmada com o tempo em razão de uma série de evidências.229

Seguiu-se a publicação de A Expressão das Emoções no Animal e no Homem

(1872), que demonstrou, por meio de provas empíricas contundentes que entre o

homem e os animais as diferenças anatômicas e mentais são apenas de grau e não

de essência. Para Heron José de Santana Gordilho, os avanços científicos dos

últimos tempos, em sua maioria, não teriam sido possíveis sem o conhecimento

proveniente da teoria da evolução pela seleção natural. Entretanto, completa, “a

despeito do enorme prestígio que Darwin desfruta no mundo científico, os juristas

seguem operando com institutos que se chocam frontalmente com os postulados

evolucionistas. Para o mundo jurídico é como se Darwin nunca houvesse

existido.”230

Para Fernando Araújo, o darwinismo destruiu a distinção entre criaturas

superiores e inferiores, insistindo na adaptabilidade ambiental de cada espécie,

demonstrada pelo sucesso dentro da evolução. Segundo o autor, o darwinismo,

também teve um sentido ambíguo, porque:

Para uns ele não fazia senão demonstrar, no plano dos factos, essa superior capacidade da espécie humana em termos de <<luta pela sobrevivência>>, em termos de <<adequação ao nicho ecológico>> - ao mesmo tempo que parecia igualmente legitimar a exploração dos animais não-humanos como parte de uma estratégia de sobrevivência, sobretudo aquela que fosse ditada pela escassez alimentar -; sendo que, para outros (a maioria da comunidade científica, e hoje a maioria dos cultores da bioética), o darwinismo destruía, como dissemos, a visão hierárquica e teleológica da natureza, destronando a espécie humana da posição privilegiada exaltada, que lhe era atribuída por aquela visão – que passava a ser substituída por uma outra visão mais desapaixonada, naturalística e pragmática, reportada à coexistência das espécies na partilha dos recursos do nosso planeta, capaz, pois, de encarar os problemas da condição dos seres vivos em termos mais igualitários e menos discriminadores.231

Na cultura ocidental, o liberalismo e o socialismo limitaram o direito natural à

229 GORDILHO, Heron José de Santana. Darwin e a Evolução Jurídica: Habeas Corpus para

Chimpanzés. Disponível em: <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/darwin.pdf>. p. 1582. Acesso em: 12 ago. 2014.

230 _____. Darwin e a Evolução Jurídica: Habeas Corpus para Chimpanzés. Disponível em: <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/darwin.pdf>. p. 1582. Acesso em: 12 ago. 2014.

231 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 94.

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natureza humana, outorgando ao homem o título de rei da criação. Este pensamento

tomou força depois das revoluções francesas e industrial, mas somente após quase

duzentos anos, em 1978, foi proclamada na UNESCO - Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - a Declaração dos Direitos dos

Animais, que preconiza: “Todos os animais nascem iguais perante a vida e tem os

mesmos direitos à existência.”

Nessa linha de pensamento, explica Edna Cardozo Dias, que o filósofo

francês Michel Serres, em seu livro “Le Contrat Naturel”, de 1990, defende a ideia de

substituição da Teoria do Contrato Social de Hobbes, pela Teoria do Contrato

Natural. Para Serres, o homem deve buscar o estado de paz e, para tanto, deve

renunciar ao contrato social primitivo para firmar um novo pacto com o mundo: o

contrato natural. Preconiza a revisão conceitual do direito natural pelo qual o homem

é o único sujeito de direito. Sobre a teoria de Serres, preconiza Edna Cardozo Dias:

O mundo que foi visto como nosso senhor, depois se tornou nosso escravo, em seguida passou a ser visto como nosso hospedeiro, e agora temos que admitir que é, na verdade, nosso simbiota. Para Serres, homem parasita da natureza e do mundo, filho do direito de propriedade, tudo tomou e não deu nada. A Terra hospedeira deu tudo e não tomou nada. Um relacionamento correto terá que se assentar na reciprocidade. Tudo que a natureza dá ao homem ele deve restituir. 232

Entretanto, o homem impôs ainda mais sua supremacia sobre as demais

criaturas. As atividades relacionadas à experimentação animal ganham vulto em

busca de soluções para a cura das doenças. Houve o desenvolvimento da

vivissecção em prol da deusa-ciência, principalmente a partir de 1865, quando o

fisiologista francês Claude Bernard passou a realizar experiências cruentas com a

finalidade de estudos fisiológicos, realizando dissecação de animais vivos,

anestesiados ou não. Entretanto, essa prática não se restringiu apenas a essa

época, atravessou o século XIX e avançando pela era contemporânea, provocando

a morte de milhares de animais.233

No Brasil, o descobrimento no ano de 1500, representou um marco para a 232 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de

Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2 – Número 2 – jan/jun 2007 p.153. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

233 LEVAI, Laerte Fernando. Ministério Público e Proteção Jurídica dos Animais. <http://www.forumnacional.com.br/ministerio_publico_e_protecao_juridica_dos_animais.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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destruição da natureza. A partir da colonização portuguesa foi sendo reduzido o

espaço natural, chegando a desaparecer cerca de 92% da mata atlântica em menos

de 500 anos, assim como as florestas naturais e parte da Amazônia. Dessa forma,

houve expressiva contribuição para a destruição dos habitats, submetendo os

animais à extinção.234

Não bastasse, os animais passaram a despertar interesses econômicos, com

a captura de aves e macacos para exportação. O colonizador, quando não

afugentava ou matava os animais, mantinha-os sob seu domínio para proveito

próprio, destinado a alimentação ou ao trabalho no campo, ou para seu deleite, ao

manter pássaros nativos presos em gaiolas.235

Laerte Fernando Levai assevera:

Difícil precisar a verdadeira dimensão dos tormentos infligidos, dentro e fora do Brasil, aos animais. Porque o homem, apesar de toda sua cultura e tecnologia – é o mais selvagem e perigoso habitante do planeta. O homem derruba florestas e que leva centenas de espécies à extinção. O homem que, na febre das conquistas, devasta campos sem fim, condenando à morte os legítimos detentores da terra. Que, movido por interesses mercantilistas, reduz os animais à condição de escravos, objetos ou matérias-prima.236

Nesse sentido, ensina Edna Cardozo Dias que, para reconhecermos os

direitos dos animais, muitas coisas devem ser repensadas, principalmente, mudar

nossas relações com o ambiente. O movimento de libertação dos animais exigirá um

altruísmo maior que qualquer outro (feminismo, racismo) já que eles não podem

exigir a própria libertação. Os humanos, como seres mais conscientes, têm o dever

de respeitar todas as formas de vida e de tomar as providências para evitar o

sofrimento de outros seres. Os humanos são “os únicos seres capazes de

transformar a si mesmo e ao mundo”.237

234 LEVAI, Laerte Fernando. Animais e Bioética: Uma Reflexão Filosófica. Escola Superior do Ministério Público. Caderno Jurídico. julho/01. ano 1. nº 2. p. 59. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf> Acesso em: 12 ago. 2014.

235 _____. Animais e Bioética: Uma Reflexão Filosófica. Escola Superior do Ministério Público. Caderno Jurídico. julho/01. ano 1. nº 2. p. 59. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf> Acesso em: 12 ago. 2014.

236 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 203.

237 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos Animais e as Conquistas Legislativas do Movimento de Proteção Animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. Número 2. jan/jun 2007. p.154. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/33676220/Revista-Brasileira-de-Direito-Dos-Animais-Vol-2>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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4.2 O DIREITO DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS NO MUNDO ATUAL

No início do século XXI, prima-se pela libertação da dogmática jurídica

tradicional, impondo o dever de solidariedade, aliada à ética e sob uma nova

concepção cultural. Muito embora se pense que o direito de proteção aos animais

não-humanos é assunto recente, o tema já alcançou vertentes ao redor do mundo,

principalmente Europa e Estados Unidos. 238

Na Áustria, Alemanha e Suíça, os Códigos Civis estabeleceram uma nova

categoria para os animais não-humanos. Em 2001, a Suprema Corte dos Estados

Unidos já tinha o entendimento de que os animais eram sujeitos de direitos. Diversas

universidades norte-americanas possuem a disciplina específica de Direito dos

Animais (Harvard, Yale, Columbia, New York University, entre outras).239

No Brasil, o debate acerca dos direitos dos animais ganhou repercussão

nacional e até internacional com a decisão do habeas corpus impetrado em favor da

chimpanzé denominada Suíça, em 2005, que se encontrava em uma jaula

inapropriada no Parque Zoobotânico Getúlio Vargas de Salvador, Bahia. Entretanto,

poucos dias após a impetração, Suíça veio a óbito por problemas de saúde e o

processo foi extintos sem julgamento do mérito. 240 Para o juiz de Direito Edmundo

Lúcio da Cruz, os animais poderiam ser considerados sujeitos de direito, bastando

que os juristas abram a mentalidade para o tema, conforme observa-se na sua

decisão:

Tenho a certeza que, com a aceitação do debate, consegui despertar a atenção de juristas de todo o país, tornando o tema motivo de amplas discussões, mesmo porque é sabido que o Direito Processual Penal não é estático, e sim sujeito a constantes mutações, onde novas decisões têm que se adaptar aos tempos hodiernos. Acredito que mesmo com a morte de “Suíça”, o assunto ainda irá perdurar em debates contínuos, principalmente nas salas de aula dos cursos de Direito, eis que houve diversas manifestações de colegas, advogados, estudantes e entidades outras, cada um deles dando opiniões e querendo fazer prevalecer seu ponto de vista. É certo que o tema não se esgota neste “Writ”, continuará, induvidosamente, provocando polêmica. Enfim. Pode, ou não pode, um primata ser equiparado a um ser humano? Será possível um animal ser liberado de uma

238 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 198. 239 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 198. 240 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia.

Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

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jaula através de uma ordem de Habeas Corpus?241

Fernando Araújo observa que um dos pontos mais fracos da legislação que

atualmente prima pelos interesses do bem-estar dos animais reside nas concessões

feitas na forma de exploração animal, que, frequentemente, acarretam sofrimento

generalizado.242

Entretanto, critica o autor, tais sofrimentos são justificados tendo em vista a

manutenção de um nível econômico de bem-estar humano que se associa ao

progresso da civilização. Ou seja, justifica-se o utilitarismo pelos interesses da

alimentação e da saúde humana, colocando os animais ao serviço da indústria

pecuária ou da investigação científica. Ainda, sob o enfoque econômico, sustenta-se

que não deve haver interferência na exploração, pois disso depende a prosperidade

humana e a possibilidade de minimização da fome e erradicação das doenças.243

Tom Regan, professor emérito de Filosofia da Universidade da Carolina do

Norte e líder intelectual do movimento pelos direitos dos animais, propôs três

concepções pelas quais o ser humano interage com os não-humanos: dos

conservadores, dos reformistas e dos abolicionistas. 244

A corrente conservadora entende não haver necessidade de qualquer

mudança em relação aos animais não-humanos. Os defensores dos Direitos dos

Animais compartilham duas vertentes: bem-estar animal (reformistas) e dos

abolicionistas, que desejam extinguir todas as práticas que usam os animais não-

humanos como meros objetos para os desígnios humanos.245

4.2.1 Teoria reformista

A corrente do bem-estar animais, preconizada pelo filósofo australiano Peter

Singer, defende um protecionismo utilitarista em que o bem-estar dos animais não-

humanos está acima dos direitos individuais dos homens, em razão do princípio da

igual consideração dos interesses, fundamentado no respeito, valor intrínseco e

241 CRUZ, Edmundo. Sentença do Habeas Corpus impetrado em favor da chimpanzé Suíça. Habeas Corpus nº 833085-3/2005. Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 1 – Número 2 – jun/dez 2006 p.284. Disponível em: < https://www.animallaw.info/sites/default/files/Brazilvol1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2014. 242 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 203. 243 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 203. 244 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 205. 245 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 205.

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compaixão, sensibilidade ao sofrimento e outros conceitos de ordem moral.246

Preconiza o tratamento humanitário e a eliminação do sofrimento

desnecessário, com certa precaução relacionada à regulamentação da exploração

dos não-humanos, pois, sendo considerados como meios para alcançar os fins

humanos são, por isso, passíveis de serem apropriados pelos homens, como coisas

ou objetos.247

Para os seguidores da teoria do bem-estar animal o argumento principal é a

quantidade de sofrimento imposto, não existindo nada errado na utilização de

animais em pesquisa científica ou na alimentação.248

Antônio Herman Benjamin, considera uma corrente antropocêntrica mitigada

que, mesmo havendo oposição entre humanos e não-humanos, preconiza um

tratamento mais humanitário aos outros seres vivos, especialmente os domesticados

e de estimação. Aceita-se que os animais, apesar de dotados de sensibilidade e

percepção, são objetos e passíveis de dominialidade.249

O bem-estarismo é reformista por endossar as premissas éticas

exclusivamente antropocêntricas,250 entretanto, repudia a crueldade no trato com os

animais. Por ser mais maleável, essa teoria costuma ser a perspectiva adotada pelo

arcabouço legislativo e por órgãos representativos das classes biomédica, científica

e industrial. Para Diogo Luiz Cordeiro Rodrigues, “é a válvula de escape para a

preservação de interesses econômicos que, devido a pressões sociais, já não

podem satisfazer-se sem alguma concessão.”

Peter Singer publicou, em 1975, o livro “Libertação Animal”, trazendo a noção

de bem-estar animal. A intenção era buscar as ideias dos movimentos liberais a fim

de rejeitar o especismo251, racismo, sexismo e a homofobia. Buscavam demonstrar

246 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 205-206. 247 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 205 - 206. 248 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia.

Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

249 BENJAMIN, Antônio Herman. A Natureza no Direito Brasileiro: Coisa, Sujeito ou Nada Disso. Escola Superior do Ministério Público. Caderno Jurídico. julho/01. ano 1. nº 2. p. 160. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

250 RODRIGUES, Diogo Luiz Cordeiro. Legitimação dos Direitos Animais. Custos Legis. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. p.15. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2010/2010/aprovados/2010a_Dir_Pub_Diogo.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

251 O especismo é um rótulo que exprime a ideia de discriminação injusta dirigida aos animais, comparável ao racismo e ao sexismo entre os humanos. GODINHO, Adriano Marteleto; GODINHO, Helena Telino Neves. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em:

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que as diferenças biológicas entre humanos e não-humanos era irrelevante.252

Singer defende o reconhecimento da igual consideração dos interesses dos

animais, equiparando a discriminação animal às segregações racistas. O movimento

indica, ainda, que os humanos, por serem conscientes, têm o dever de respeitar

todas as formas de vida e de evitar o sofrimento de outros seres vivos.253

O livro do filósofo representou um marco na proteção animal, propõe a

expansão dos horizontes morais do homem por meio do hábito, não só de

alimentação, mas de pensamento e linguagem. A obra permitiu uma reflexão mais

aprofundada do assunto ao expor a face oculta da experimentação animal, além de

alegar que, ao cessar a criação e matança de animais para consumo, o homem

poderia produzir comida suficiente para acabar com a fome do planeta. Para Singer,

a essência ética relacionada à tese de que os animais são sujeitos de direito não se

restringe à capacidade de falar ou de pensar, mas, sim, à capacidade de sofrer.254

Nesse diapasão, Fernando Araújo explica que a capacidade para sofrer não é

apenas uma característica, como a capacidade de falar ou de raciocinar, que

fundamenta a demarcação entre os seres que merecem ou não uma demarcação

ética plena. A capacidade de sofrimento é o próprio requisito para a existência de

interesses. Se um ser não é capaz de sofrer, não há nada a se levar em

consideração do ponto de vista ético.255

Entretanto, se é capaz de sofrer, não é o fato de não usar uma linguagem

inteligível ou não ser capaz de fabricar utensílios que é motivo para desconsiderar

esse sofrimento. A racionalidade não deve ser o critério.256 Explica o autor:

Dito de forma mais crua ainda, se fossemos assentar a discriminação em

<http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

252 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia. Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

253 _____. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

254 LEVAI, Laerte Fernando. Animais e Bioética: Uma Reflexão Filosófica. Escola Superior do Ministério Público. Caderno Jurídico. julho/01. ano 1. nº 2. p. 59. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

255 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 97. 256 _____. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 97.

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<<capacidades racionais>> e aceitássemos qualquer grau de sofrimento nos seres discriminados, seríamos levados à conclusão de que as crianças, os deficientes profundos e os irreversivelmente incapacitados entre os humanos poderiam justificadamente ficar mais expostos ao sofrimento do que os demais membros da sua espécie, e até do que muitos não-humanos.257

Essa teoria remonta ao movimento pioneiro de defesa dos animais,

desenvolvido a partir da atuação de sociedades protetoras fundadas no século XIX.

Segundo Daniel Braga Lourenço, citado por Diogo Luiz Cordeiro Rodrigues, na Grã-

Bretanha, desde 1821 já possuía uma lei contra os maus-tratos aos animais e em

1824 foi criada a SPCA (Society for the Prevention of Cruelty to Animals, tendo como

integrante, desde 1835, a Rainha Victoria. Nos Estados Unidos, a primeira entidade

de proteção surgiu em 1866, a ASPCA (American Society for the Prevention of

Cruelty to Animals). Somente em 1895, surge no Brasil a União Internacional

Protetora dos Animais (UIPA).258

4.2.2 Teoria abolicionista

A vertente mais radical, a abolicionista, sustentada por Tom Regan, propõe a

libertação dos animais não-humanos, pois possuem os mesmos direitos de

experimentar a experiência do viver, pois os considera sujeitos-de-uma-vida.

Propugna pela ruptura total do antropocentrismo, para que os bens mais importantes

como a vida e a liberdade sejam sacrificados.259

Ensina Fernando Araújo que:

Deve-se a Tom Regan, como temos referido, a visão mais <<jusnaturalista>> relativamente aos direitos dos animais, centrada na ideia de que não há diferença substancial nenhuma entre espécies que justifique, só por ela, a redução do valor intrínseco dos não-humanos e, com ela, a recusa de reconhecimento de um estatuto jurídico pleno.

A posição de Tom Regan alerta para a necessidade de uma prévia

reformulação dos valores com o intuito de se obter uma eficaz consagração dos

257 _____. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 97. 258 RODRIGUES, Diogo Luiz Cordeiro. Legitimação dos Direitos Animais. Custos Legis. Revista

Eletrônica do Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2010/2010/aprovados/2010a_Dir_Pub_Diogo.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014. p.14-15.

259 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 207.

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interesses dos não-humanos. Esse pensamento evoluiu a partir da objeção ao

utilitarismo e é centrado no caráter absoluto dos direitos dos animais, significando

que o respeito aos interesses dos não-humanos não pode ficar dependente de

reavaliações de interesses ou de definições do que seja o bem-estar.260

Esse direito absoluto é o mesmo que permite o reconhecimento de direitos

humanos fundamentais aos seres humanos que possuam menor consciência

reflexiva e de menos capacidade de experimentarem um bem-estar mínimo, como,

por exemplo, os seres humanos em situações vegetativas com pouca possibilidade

de sobrevivência.261

Os defensores da abolição das formas de utilização de animais não-humanos

buscam o reconhecimento dos direitos morais básicos dos animais. Para esta

corrente não importa quão doloroso é a utilização de um animal, pois preconiza o

tratamento dos animais como fins em si mesmos e não como meios, possuindo valor

um inerente, que faz com que sejam possuidores dos direitos básicos tais como a

vida, integridade física e liberdade para buscar sua subsistência.262

Essa teoria prega a extensão dos direitos fundamentais individuais aos

animais não-humanos. Dessa forma, os animais não poderiam ser objeto de

qualquer forma de manipulação, pois suas vidas representam valores em si

mesmas, assim como a dos humanos.263

Dispõe Fernando Araújo:

Não se trata, em absoluto, de reclamar tratamento idêntico, mas sim de exigir consideração imparcial de interesses, respeitando diferenças: nomeadamente, dada a impossibilidade de inserção normal dos animais não-humanos dentro das referências e práticas convencionais que regem as sociedades políticas, seria absurda a atribuição de direitos políticos, económicos e sociais diretamente aos animais não-humanos – mas exclusivamente pela mesma razão que tornaria absurda a atribuição aos seres humanos do sexo masculino de direitos relativos ao estado de gravidez em nome de um princípio de igualdade -. Que um homem não possa engravidar, não se vê que seja motivo de desconsideração genérica dos seus interesses; porque havia de sê-lo, para um animal, a circunstância de não só não poder participar integralmente na sociedade humana como

260 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 120. 261 _____. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 120. 262 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia.

Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

263 RODRIGUES, Diogo Luiz Cordeiro. Legitimação dos Direitos Animais. Custos Legis. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2010/2010/aprovados/2010a_Dir_Pub_Diogo.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014. p.27.

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ainda não ter interesse aparente em fazê-lo? 264

Para Fernando Araújo, os animais não possuem normalmente uma linguagem

normal e articulada e não podem se representar perante o sistema de tutela jurídica.

E este é o problema dos direitos dos animais, que sob a visão racionalista, não se

torna possível transpor o sistema jurídico que vigora entre os seres humanos adultos

normais por meio de uma equiparação plena. Poderia isso até ser considerado de

extrema crueldade com os animais não-humanos atribuir-lhes direitos que requerem

plena autonomia e capacidade de exercício. Seria não lhes atribuir direito algum.265

A visão racionalista bloqueia essa atribuição plena, apesar de existirem casos

marginais dentro da espécie humana que demonstra que a proteção plena não

requer a capacidade plena de exercício de direitos e tampouco, de conhecimento e

compreensão do sistema jurídico. Fernando Araújo enfatiza que a racionalidade,

específica dos seres humanos, é requerida apenas para a integração num contexto

social e político. A atribuição de direitos a nascituros, incapazes e entes coletivos

são convencionais e demonstra que é o reconhecimento social o fator decisivo para

a atribuição de direitos. 266

Nesse sentido, afirma o autor que:

esses interesses relevantes são igualmente detectáveis nos não-humanos: um interesse em nascer, um interesse em sobreviver (ao menos como espécie), um interesse em experimentar um grau de bem estar consistente com o normal desenvolvimento de aptidões inatas, um interesse na proteção contra a violência.267

A proposta aceita pela maioria das pessoas quando se fala em Direito dos

Animais incide sobre a corrente do Bem-estar animal, pois se preocupa com a

questão dos maus-tratos e da morte mediante dor ou sofrimentos desnecessários.

Entretanto, essa teoria protege os comportamentos do homem para com os não-

humanos.268

A lei protege os animais, não contra sua morte ou uso físico ou químico, mas

apenas contra o sofrimento. Protege os não-humanos quando priva o proprietário de

praticar abuso contra o mesmo, mas permite que este lhe retire a vida, desde que 264 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 294. 265_____. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 170. 266 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 170. 267 _____. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 172. 268 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 208.

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não sofra. Sob esta ótica, o partidário da filosofia ética do bem-estar animal, por

mais que entenda como uma luta para um tratamento mais humanitário, aceita a

titularidade do humano sobre o não-humano, considerando-os objetos de direito.269

Nas palavras de Danielle Tetü Rodrigues270:

O Animal possui direito à vida, exatamente por isso, precisa ser respeitado. Em outras palavras; é obrigatório compreender o direito a vida dos Animais não-humanos igualmente ao direito dos humanos, ou seja, há de ser reverenciada a vida em sua existência até os limites naturais. Seres sensíveis, com capacidade de sofrer, independentemente do grau da dor ou da capacidade da manifestação, devem ser respaldados pelo princípio da igualdade e fazem jus a uma total consideração ética. Infligir dor aos animais não-humanos não desculpa qualquer tese de domínio dos interesses do homem, sobretudo quando o fim é a lucratividade.

Para Fernando Araújo, deve-se demonstrar que os animais têm interesses, no

sentido de que são capazes de demonstrar suas preferências, experimentar o

sofrimento e de cumprir funções essenciais a sua sobrevivência e perpetuação

genética. São, enfim, “sujeitos de uma vida” e que têm mais do que uma vida, uma

verdadeira existência.271

Tagore Trajano de Almeida Silva pondera que é inegável que há diferenças

entre humanos e não-humanos, mas isso não pode ser erigido como critério

distintivo para um tratamento diferenciado do sistema jurídico. O fato dos não-

humanos pertencerem a outra espécie não dá o direito dos humanos utilizarem o

sistema jurídico contra eles. O autor cita um exemplo de Peter Singer:

Nenhum animalista defende o direito de voto para os animais, assim como, nenhuma mulher defende o direito de fazer um aborto para os homens. De fato, pode-se dizer que homens, mulheres, negros e brancos, altos e baixos, americanos e chineses, judeus e islâmicos são diferentes. Contudo, o reconhecimento deste fato evidente, não impede a extensão do princípio básico da igualdade matéria entre eles.

272 Para Rodrigues, a crença de que o ser humano é o centro do universo e dono

de tudo que existe deve ser alterada pela racionalidade. Ignorar os direitos

fundamentais e indiscutíveis como o direito à vida e à liberdade é imoral, assim 269 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 208. 270 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 210. 271 ARAÚJO, Fernando. A Hora do Direito dos Animais. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 284. 272 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia.

Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

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como considerar os resultados econômicos obtidos com a privação da liberdade dos

animais não-humanos. Dessa forma, devem-se aliar aos direitos jurídicos os direitos

morais que obrigatoriamente devem prevalecer.273

4.3 A PERSONALIDADE JURÍDICA DOS ANIMAIS: TENDÊNCIAS ATUAIS Como visto em capítulo anterior, o Direito Clássico, pós-revolução Francesa,

coloca a natureza na categoria de coisa ou bem, ou coisa de ninguém, para ser

utilizada ou até destruída por quem estivesse em sua posse ou propriedade, a

serviço direito da pessoa a fim de satisfazer os desejos humanos.274

Hodiernamente, a discussão acerca da natureza jurídica dos animais justifica-

se na medida em que se observa a tendência legislativa de descaracterizá-los como

coisas sem, entretanto, atribuir-lhes personalidade jurídica. Contudo questiona-se o

fato da natureza jurídica do animal ser algo intermediário entre as pessoas e as

coisas ou seria o animal uma “incógnita jurídica” passível de tutela?275

Antônio Herman Benjamin, para fins didáticos, representa os paradigmas do

antropocentrismo (puro ou mitigado) e do não-antropocentrismo em uma linha,

delimitada por dois pontos antagônicos: a natureza-objeto e a natureza-sujeito. A

primeira, utilitarista e antropocêntrica, baseada na separação rígida entre o homem e

a natureza. Sob o ponto de vista natureza-sujeito, propõe-se uma releitura da

relação entre o ser humano e o mundo natural, pretendendo uma reorganização

dogmática que afeta as noções de direito e interesse.276

Dentro da busca pela satisfação dos interesses dos animais, surge um

preceito dentro do ordenamento jurídico, posto que os animais não se adequam ao

273 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 212. 274 BENJAMIN, Antônio Herman. A Natureza no Direito Brasileiro: Coisa, Sujeito ou Nada Disso.

Escola Superior do Ministério Público. Caderno Jurídico. julho/01. ano 1. nº 2. p. 150. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

275 GODINHO, Adriano Marteleto; GODINHO, Helena Telino Neves. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

276 BENJAMIN, Antônio Herman. A Natureza no Direito Brasileiro: Coisa, Sujeito ou Nada Disso. Escola Superior do Ministério Público. Caderno Jurídico. julho/01. ano 1. nº 2. p. 166. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Cadernos/caderno_2.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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conceito de entes despersonalizados, tampouco podem ser mantidos dentro do

status de coisa.277

4.3.1 Os animais como sujeitos de direito

Segundo Edna Cardoso Dias, um dos argumentos mais comuns para a

defesa dos animais como sujeitos de direito é o de que, assim como as pessoas

jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o

momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e,

consequentemente, podem comparecer em Juízo para pleitear seus direitos, da

mesma forma, os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis

que os protegem, embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para

pleiteá-los.278

Daniel Braga Lourenço, citado por Célia Regina Ferrari Faganello Noirtin e Sílvia

Maria Guerra Molina, em tese de doutorado, defende a ideia do animal como sujeito de

direito, considerando que existem os sujeitos de direitos personificados e os não

personificados, conforme classificação de Fábio Ulhoa Coelho, já abordada em

capítulo anterior. Nos sujeitos personificados, encontram-se as pessoas humanas e

as pessoas jurídicas. Como entes despersonalizados, tem-se os humanos (embrião)

e os não-humanos, entes do artigo 12 do Código de Processo Civil e os animais.279

Tanto os sujeitos personalizados quanto os despersonalizados são titulares

de direitos e deveres. Pode-se dizer, então, que são sujeitos de direitos, ou seja,

estão no centro de imputação de direitos e deveres pelas normas jurídicas, os

animais humanos e não-humanos, pessoas jurídicas e entes despersonalizados.280

A Constituição Federal incumbiu o Poder Público e a coletividade de proteger

os animais e o Ministério Público, expressamente, recebeu a competência legal para

277 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia.

Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

278 DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte, 2000, 150 p. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/livros/tutela.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

279 NOIRTIN, Célia Regina Ferrari Faganello; MOLINA, Sílvia Maria Guerra. Proposta de Mudança do Status Jurídico dos Animais nas Legislações do Brasil e da França. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/artigos/PROPOSTAPARAMUDANCA.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

280 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia. Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

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representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Para

aqueles que resistem ao reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, a

principal asserção consiste na convicção de que os direitos só podem ser aplicados

a pessoas e, portanto, somente as pessoas físicas ou jurídicas podem ser sujeitos

de direitos.281

Como já apontado, os animais silvestres são classificados pela legislação

brasileira como bem de uso comum do povo, ou seja, um bem difuso indivisível e

indisponível. Os animais domésticos são considerados pelo Código Civil como

semoventes passíveis de direitos reais.282

Segundo Laerte Fernando Levai, citado por Tagore Trajano de Almeida Silva,

o conceito jurídico de propriedade possui uma conotação estritamente econômica,

fazendo com que os animais sejam vistos como bens de consumo para venda, uso e

gozo. A Constituição Brasileira, em seu artigo 225, §1º, inciso VII, opõe-se a este

modelo ao vedar expressamente a crueldade, permitindo, assim, considerar os

animais como sujeitos jurídicos.283

Para Danielle Tetü Rodrigues, a legislação brasileira, em uma interpretação

antropocêntrica, protege os animais como propriedade privada do homem e passível

de apropriação. Para a autora, com base em uma interpretação não-antropocêntrica

das leis brasileiras, se para o Direito a ideia de ser pessoa não implica o ser

humano, mas sim o ser capaz de ser titular de deveres e direitos, os animais podem

ser inseridos sob esta ótica, a exemplo das pessoas jurídicas, resultado da

personificação de um patrimônio, que são protegidas juridicamente.284

Dessa forma, o animal adquire capacidade processual, podendo ingressar em

Juízo como sujeito de direito e obrigações, substituído pelo Ministério Público. A

autora aduz, ainda, que “argumentar que os animais, por não serem seres humanos,

281 DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte, 2000, 150 p. Tese de

Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/livros/tutela.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

282 DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte, 2000, 150 p. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/livros/tutela.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

283 SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo. Salvador, 2009, 152 p. Monografia. Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

284 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 126-127.

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portanto não são pessoas e, consequentemente, não são sujeitos de direito, seria

total incongruência com o ordenamento jurídico.”285

Os animais, embora não sejam pessoas humanas ou jurídicas, são indivíduos

que possuem direitos, tanto conferidos pela lei ou também inatos, acima de qualquer

condição legislativa. Se os direitos de uma pessoa humana forem equiparados com

os direitos do animal como indivíduo ou espécie, verifica-se que ambos têm direito à

defesa de seus direitos essenciais, tais como o direito à vida, ao livre

desenvolvimento de sua espécie, da integridade de seu organismo e de seu corpo,

bem como o direito ao não sofrimento.286

Danielle Tetü Rodrigues propõe que os animais não-humanos sejam

considerados sujeitos de direito, incluídos na categoria de pessoas. Explica melhor:

A palavra pessoa conceituada sob o prisma jurídico importa no ente suscetível de direitos e obrigações, ou seja, sujeito de direitos e titular das relações jurídicas. Uma vez que todo titular de fato de relações jurídicas é obrigatoriamente sujeito de direito, é obviamente claro qie a noção de sujeito de direito não equivale à ideia de ser indivíduo, e portanto, os Animais como titulares de relações jurídicas podem ser considerados sujeitos de direito e seriam normalmente incluídos na categoria de pessoas, ainda que não sejam pessoas físicas ou jurídicas de acordo com o predicado terminológico.287

Importante esclarecer que, em juízo, ocorre a representação dos animais não-

humanos, assim como com os demais incapacitados juridicamente. Dessa forma,

não prevalece a autonomia da vontade, mas sim, a obrigatoriedade de

representatividade calcada no interesse subjetivo. Ao se falar de Direito Ambiental,

não se pode conceber somente o ser humano como sujeito de direito, pois a

representação dos animais não humanos pelos animais humanos em juízo é aceita,

assim como ocorre com as pessoas jurídicas.288

Assim, a Constituição Federal nos seus artigos 127289 e 129, inciso III290,

juntamente com o artigo 2º, § 3º do Decreto 24.645, de 10 de julho de 1934291,

285 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 126. 286 DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte, 2000, 150 p. Tese de

Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/livros/tutela.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

287 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 126. 288 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 191-192. 289 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (...) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível

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incumbe o Ministério Público de representar os animais não-humanos em Juízo.

Além disso, a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24 de julho de 1985) autoriza

expressamente que a defesa dos interesses difusos (art. 1º292) em juízo pelos

Promotores de Justiça, embora outras instituições e entidades, nos termos do artigo

5º293, possam igualmente realizar esta tarefa.294

Diante do exposto, registra Daniele Tetü Rodrigues:

Se os animais fossem considerados juridicamente como sendo “coisas”, o Ministério Público não teria legitimidade para substituí-los em juízo. Impende observar que a legitimidade é conceito fechado, impassível de acréscimos advindos de interpretações. (...) O status de sujeito de direito não advém da capacidade ou da volitividade do ser, mas, do reconhecimento de seu direito em lei, cuja observância haverá de ser garantida por meio de representação. Ou seja: somente aquele que possui interesse pode ter direito. Consequentemente, os animais não humanos podem ter direitos e configurar como verdadeiros sujeitos de direito para o próprio ordenamento jurídico.295

Para Edna Cardozo Dias, a questão aqui não é saber se os humanos são

capazes de falar ou de raciocinar, mas se são passíveis de sofrimento, se são seres

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 02 set. 2014.

290 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...)III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 02 set. 2014.

291 Art. 2º (...) § 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público,

seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais. BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567>. Acesso em: 02 set. 2014.

292 Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente; ll - ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. V - por infração da ordem econômica; VI - à ordem urbanística. VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos. VIII – ao patrimônio público e social. (...) BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 02 set. 2014.

293 Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 02 set. 2014.

294 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 193. 295 _____. O Direito & os Animais. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2012. p. 193-194.

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sensíveis. A capacidade de sofrimento e de sentir são as características vitais que

conferem a um ser o direito à igual consideração. O fato de o homem ser

juridicamente capaz de assumir deveres em contraposição a seus direitos, e

inclusive de possuir deveres em relação aos animais, não pode servir de argumento

para negar que os animais possam ser sujeitos de direito.296

É justamente pelo fato dos animais serem objeto de deveres que os fazem

sujeitos de direito, que devem ser tutelados pelos homens. Conclui a autora, que os

animais são sujeitos de direitos e que seus direitos são deveres de todos os

homens.297

4.3.2 Crítica à teoria dos animais como sujeitos de direito

A dificuldade de atribuição de personalidade jurídica aos animais se assenta

na incompatibilidade verificada entre o regime jurídico das pessoas e a condição dos

animais que os impede de serem considerados pessoas. Características atribuídas

aos seres humanos como a intelectualidade, espiritualidade, governabilidade de

seus destinos, liberdade e consciência dessa liberdade impedem, biológica e

juridicamente, que ocorra a equiparação pretendida.298

Explicam Adriano Marteleto Godinho e Helena Telino Neves Godinho:

Juridicamente, soaria incoerente atribuir personalidade aos animais para, na sequência, esvaziar esta mesma personalidade e proclamar que, afinal, animais são pessoas, embora não gozem dos direitos e deveres conferidos ou impostos a estas. Tal personalidade, se reconhecida, nada mais representaria que um rótulo desprovido de conteúdo. Tecnicamente, atribui-se personalidade a determinados entes para permitir que eles atuem no mundo jurídico como sujeitos de direitos, o que implica, por outra via, que serão eles também obrigados ao cumprimento dos deveres que a lei a todos impõe. Basta ilustrar a ideia pela análise da essência das pessoas jurídicas. Elas recebem da lei personalidade para que possam atuar no mundo jurídico, assumindo direitos próprios, distintos dos direitos dos seus membros ou sócios, e também contraindo obrigações autônomas, pelas quais respondem, em regra, com seu próprio patrimônio. Tais entes gozam

296 DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte, 2000, 150 p. Tese de

Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/livros/tutela.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

297 _____. A Tutela Jurídica dos Animais. Belo Horizonte, 2000, 150 p. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.sosanimalmg.com.br/pdf/livros/tutela.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2014.

298 GODINHO, Adriano Marteleto; GODINHO, Helena Telino Neves. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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de personalidade porque convém aos seres humanos – pessoas naturais, na dicção do Código Civil brasileiro de 2002 – que assim seja, já que as pessoas jurídicas, manejadas pelas naturais, servem aos seus interesses. O mesmo não se pode dizer dos animais, que, se inequivocamente merecem ampla proteção, posto que são seres vivos, não podem merecer a personificação, o que não contribuiria, por si só, sequer para ampliar sua tutela, que continuará a depender da elaboração de leis específicas e da atuação de órgãos protetivos.299

Para os autores, deve-se tutelar de forma efetiva os animais sem cair na

inadequada tentativa de personificação. Há diferenças entre os animais que, caso

consideradas, a personalidade não poderia ser conferida da mesma forma a todos

eles. Não há como valorar juridicamente os seres vivos em função de sua

complexibilidade biológica, pois os preceitos que não consideram o interesse de

todos os animais, também seriam considerados discriminatórios, repetindo o

especismo.300

O argumento de que as pessoas jurídicas não são capazes de titularizar os

mesmos direitos reconhecidos às pessoas naturais e que, portanto, poderia, da

mesma forma, ser concedida personalidade aos animais, não é cabível. As pessoas

jurídicas são geridas por pessoas naturais que se formam por um complexo

patrimonial personificado. Podem titularizar inúmeras relações de caráter patrimonial

e são autorizadas a contratar em nome próprio. Semelhante prerrogativa não

poderia ser admissível aos animais.301

Quanto aos direitos extrapatrimoniais, o Código Civil brasileiro em vigor, em

seu art. 52, determina serem aplicáveis às pessoas jurídicas, no que couber, a

proteção dos direitos da personalidade. Dessa forma, afirma-se que as pessoas

jurídicas recebem, por analogia, alguns dos direitos da personalidade compatíveis

com sua existência, como os direitos ao nome (comercial e transmissível, no caso

299 _____. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado

Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

300 GODINHO, Adriano Marteleto; GODINHO, Helena Telino Neves. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

301 _____. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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das pessoas jurídicas), à privacidade (relativamente à inviolabilidade dos seus dados

sigilosos) e à honra. Esses direitos não são compatíveis com a condição própria e

natural dos animais, o que impede a atribuição de personalidade em seu favor.302

Concluem Adriano Marteleto Godinho e Helena Telino Neves Godinho que,

dotar os animais de personalidade seria um biocentrismo exagerado e

desnecessário, pois é possível o desenvolvimento de outra lógica de proteção aos

animais, afastando-se da personificação. O estatuto jurídico próprio das pessoas,

que titularizam direitos e contraem deveres é incompatível com a essência dos

animais. Embora mereçam o amparo legal contra os tratamentos cruéis, não são

passíveis de assumir direitos e deveres, uma vez que são objetos de direitos (e não

sujeitos).303

4.3.3 Animais com status intermediário entre pessoa e coisa

Os defensores desta teoria, Eduardo Rabenhorst e François Ost, entendem

que o que caracterizaria as diferenças entre o homem e as outras espécies animais

seria a liberdade, história e cultura. Para eles, o atual direito positivo já não permite a

consideração do animal nem como objeto, nem como um sujeito de direito. Neste

sentido, não é indicada a atribuição de direitos subjetivos aos animais, pois a

problemática pode ser resolvida por meio de legislação que se distancie do

antropocentrismo e que considere exclusivamente os interesses dos humanos.304

Esta teoria propõe uma categoria intermediária entre os animais e os sujeitos

de direito, ou seja, uma posição mediana para os animais, baseada na capacidade

de sentir e de traçar objetivos futuros. Não necessita de ampliação da lista de

302 _____. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado

Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

303 GODINHO, Adriano Marteleto; GODINHO, Helena Telino Neves. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

304 GORDILHO, Heron José de Santana; SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em Juízo: Direito, Personalidade Jurídica e Capacidade Processual. Revista de Direito Ambiental 2012, RDA 65. p. 357. Disponível em: <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/animais%20em%20juizo.pdf.> Acesso em: 18 ago. 2014.

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sujeitos de direito, requerendo uma definição normativa que assegure a

determinadas entidades um estatuto especial dentro do ordenamento jurídico. A

proposta é de reinventar um estatuto jurídico a fim de que se faça justiça aos

animais.305

François Ost, citado por Renata Duarte de Oliveira Freitas, ao propor um

estatuto jurídico aos animais, afirma que:

A justaposição dos dois tipos de abordagem jurídica, uma que objetiva o animal, outra o protege em consideração da sua qualidade de ser sensível, suscita a perplexidade da doutrina jurídica. Alguns dirão “que é, a partir de agora, impossível continuar a afirmar que eles são apenas coisa”, outros anunciam “o animal sujeito de direito, realidade do amanhã”, ou ainda “o animal sujeito de direito em formação”. Não retomemos, aqui, a refutação da tese personificadora; tomaremos antes, em consideração, o fato de que os desenvolvimentos atuais do direito positivo já não permitem considerar o animal, nem como um objeto de direito nem como um sujeito de direito. É preciso reinventar um estatuto jurídico que faça justiça à situação do animal, “esse ser vivo que se nos assemelha”.

306

A classificação dos animais em um terceiro gênero permitiria reconhecer as

suas particularidades em relação às outras coisas, mantendo o dever de respeitá-

los, sem dotá-los de personalidade jurídica. Esta mudança de paradigma estenderia

o regime jurídico das coisas, no que couber, aos animais e, mesmo não

classificados como coisas, poderiam ser objetos de relações jurídicas.307

Sob outro enfoque, outra solução poderia ser conferida ao assegurar a efetiva

tutela aos animais, sem alteração da natureza jurídica, podendo as normas

especiais de proteção coexistir com a natureza jurídica de coisa. Dessa forma,

sendo o animal objeto de transações, poderia, sem negar a sua natureza, mantê-lo

305 _____. Animais em Juízo: Direito, Personalidade Jurídica e Capacidade Processual. Revista

de Direito Ambiental 2012, RDA 65. p. 357. Disponível em: <http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/animais%20em%20juizo.pdf.> Acesso em: 18 ago. 2014.

306 FREITAS, Renata Duarte de Oliveira. Animais Não Humanos: os Novos Sujeitos de Direito. Ética Animal. Revista Brasileira de Direito Animal. p. 112. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/viewFile/9142/6589> Acesso em: 01 set. 2014.

307 GODINHO, Adriano Marteleto; GODINHO, Helena Telino Neves. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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no direito das coisas, com a criação de uma categoria específica, comportando

coisas móveis, imóveis e sensíveis (os animais).308

308 _____. A Controversa Definição da Natureza Jurídica dos Animais no Estado

Socioambiental. Disponível em: <http://www.esdm.com.br/include%5CdownloadSA.asp?file=downloads%5CPaper%20-%20Natureza%20Jur%EDdica%20dos%20Animais_652011141504.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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CONCLUSÃO

Os animais não-humanos, desde os tempos mais remotos, foram vistos de

acordo com a sua finalidade e interesse humano, quer seja na alimentação,

entretenimento, transporte, trabalho no campo, pesquisa científica, entre outros. A

religião influenciou soberanamente a sociedade, fazendo crer que o homem era

superior aos demais seres vivos, pois desprovidos de intelecto.

Foi com Charles Darwin, em 1858, com a publicação do livro “A Origem das

Espécies pela Seleção Natural”, que o pensamento começou a mudar, pois

provocou uma importante revolução científica ao refutar a teoria aristotélica da

imutabilidade do universo. Demonstrou, mais tarde, que as diferenças anatômicas e

mentais entre os animais e o homem são apenas em grau e não de categoria,

destruindo a distinção entre criaturas superiores e inferiores.

Atualmente, esse pensamento antropocêntrico vem mudando e a luta pela

defesa dos animais vem ganhando espaço na sociedade e na esfera legislativa ao

redor do mundo. No Brasil, a discussão ganhou repercussão a partir de um caso

paradigmático de habeas corpus impetrado em favor da chimpanzé Suíça, em 2005.

Suíça veio a óbito poucos dias após e o processo foi extinto, mas para o juiz, os

animais poderiam ser considerados sujeitos de direito.

Há três correntes pelas quais o ser humano interage com os animais não-

humanos: dos conservadores, dos reformistas e dos abolicionistas. A primeira

entende não necessitar de qualquer mudança quanto ao assunto. A corrente dos

reformistas, denominada bem-estar animal, defende protecionismo utilitarista, com

tratamento humanitário e eliminação de qualquer sofrimento desnecessário. É

considerada uma corrente antropocêntrica mitigada, pois admite que os animais

não-humanos, apesar de sencientes, são objetos.

A teoria abolicionista, mais radical, preconiza a extinção de todo e qualquer

prática que utilize animal não-humano como objeto. Propõe a libertação dos animais

não-humanos, com total ruptura do antropocentrismo, pois são sujeitos de uma vida.

Prega a extensão dos direitos fundamentais individuais aos animais não-humanos.

Diante das teorias apresentadas, discute-se a natureza jurídica dos animais

não-humanos, posto que a tendência é descaracterizá-los como coisas sem atribuir-

lhes personalidade jurídica. A teoria que considera os animais como sujeitos de

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direito argumenta que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos

reconhecidos, os animais não-humanos também poderiam ser sujeitos de direitos

por força das leis que os protegem. Em interpretação não antropocêntrica das

normas brasileiras, se pessoa é o ser capaz de ser titular de direitos e deveres, os

animais podem ser sujeitos de direitos, assim como as pessoas jurídicas. Outra tese

seria de considerá-los sujeitos de direitos despersonalizados. Sendo assim, o

Ministério Público teria a competência legal para representa-los em Juízo quando

ocorrer qualquer violação da legislação que os protegem.

Para os defensores da atribuição de um status intermediário entre pessoa e

coisa, não há necessidade de ampliação da lista de sujeitos de direito. Basta uma

definição normativa para que se faça justiça aos animais não-humanos.

Apresentadas as teorias que abarcam a possibilidade de consideração de

personalidade jurídica aos animais não-humanos, verifica-se que os institutos

jurídicos devem ser repensados para que se possa reconhecer direitos aos que não

conseguem expressar suas vontades, mas, no entanto, possuem sentimentos.

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