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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem n o 44, p. 359-380, 2012 359 A PERDA DE DISTINÇÃO FONÉTICA ENTRE –L E –U EM FIM DE SÍLABA E CONSEQUÊNCIAS PARA A PLURALIZAÇÃO Ana Paula Huback e Gisele Breder RESUMO Este artigo analisa como a perda de distinção fonética entre –l e –u em posição de coda no português brasileiro está interferindo nos processos de pluralização de pala- vras terminadas em –l e em ditongo em –u. Experimen- tos psicolinguísticos foram realizados para identificar os fatores que interferem nas variações de plurais observa- das. Como base teórica, adotamos o Modelo de Redes, proposto por Bybee (2001, 2010). PALAVRAS-CHAVE: Modelo de Redes, léxico mental, pluralização Introdução E ste artigo discute, primeiramente, a perda de distinção fonética entre l e –u em fim de sílaba no português brasileiro (doravante PB). Na maioria dos dialetos do PB (Cf. Cristófaro-Silva, 2002; Quandt, 2004, Hora, 2007), pares como “mel” / “véu” ou “sal” / “mau” têm o –l ou –u final realizados foneticamente como [w]. Essa perda de distinção fonética em po- sição de coda tem causado consequências para a morfologia de plural desses itens. Assim sendo, já se pode constatar, em corpora do português falado, a ocorrência de itens como “troféis” ou “degrais”, casos em que o plural de pa- lavras terminadas em –l está sendo aplicado a itens que terminam em ditongo em –u. Neste artigo, vamos discutir experimentos psicolinguísticos que foram realizados para analisar o status cognitivo desses dois grupos de plurais no léxico

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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem no 44, p. 359-380, 2012 359

A PErdA dE diSTiNÇÃo foNéTicA ENTrE –L E –U Em fim dE SÍLABA E coNSEQuÊNciAS PArA A

PLurALiZAÇÃo

Ana Paula Huback e Gisele Breder

RESUMOEste artigo analisa como a perda de distinção fonética entre –l e –u em posição de coda no português brasileiro está interferindo nos processos de pluralização de pala-vras terminadas em –l e em ditongo em –u. Experimen-tos psicolinguísticos foram realizados para identificar os fatores que interferem nas variações de plurais observa-das. Como base teórica, adotamos o Modelo de Redes, proposto por Bybee (2001, 2010).

PALAVRAS-CHAVE: Modelo de Redes, léxico mental, pluralização

introdução

Este artigo discute, primeiramente, a perda de distinção fonética entre –l e –u em fim de sílaba no português brasileiro (doravante PB). Na maioria dos dialetos do PB (Cf. Cristófaro-Silva, 2002; Quandt, 2004,

Hora, 2007), pares como “mel” / “véu” ou “sal” / “mau” têm o –l ou –u final realizados foneticamente como [w]. Essa perda de distinção fonética em po-sição de coda tem causado consequências para a morfologia de plural desses itens. Assim sendo, já se pode constatar, em corpora do português falado, a ocorrência de itens como “troféis” ou “degrais”, casos em que o plural de pa-lavras terminadas em –l está sendo aplicado a itens que terminam em ditongo em –u. Neste artigo, vamos discutir experimentos psicolinguísticos que foram realizados para analisar o status cognitivo desses dois grupos de plurais no léxico

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A perda de distinção fonética entre –l e –u em fim de sílaba e consequências para a pluralização

mental dos falantes. Os objetivos de tais experimentos e, consequentemente, deste artigo, são:

n Determinar que consequências morfológicas estão ocorrendo em função da perda de distinção fonética entre –l e –u em fim de palavra;n Identificar fatores linguísticos e não-linguísticos que estão motivando a variação;n Verificar se a frequência de uso dos itens léxicos interfere nos proces-sos de variação linguística.

Na subseção seguinte, vamos discutir os pressupostos do Modelo de Re-des, adotado como base teórica para nosso artigo.

Fundamentação teórica

O Modelo de Redes (cf. BYBEE, 1985, 2001, 2010) questiona os pos-tulados da Teoria Gerativa, proposta por Chomsky e Halle (1968). Grosso modo, a Teoria Gerativa propõe que o conhecimento linguístico é algo tão específico que a mente humana possui um módulo próprio somente para lidar com informações linguísticas. Tal teoria propõe também a separação entre competência e desempenho. Competência seria o conhecimento internaliza-do que o falante tem sobre a língua que fala; desempenho seria a capacidade individual de utilizar esse conhecimento para se comunicar. À linguística cabe o estudo da competência, já que o desempenho é variável demais para ser analisado cientificamente.

O Gerativismo postula também que a unidade básica de estocagem linguística é o fonema ou morfema. A formação de palavras é feita através de duas formas específicas: quando o item é derivável por regras, como o plural de vocábulos regulares do português (casa-casas, telefone-telefones), a palavra não é estocada no léxico mental do falante. Armazenar palavras cuja formação é regular seria desnecessário, já que regras podem ser aplicadas para derivar esses itens. Por outro lado, no caso de palavras irregulares, como a flexão dos verbos “ser” e “ir”, não há maneira de derivá-los através de regras, por isso esses itens seriam estocados na memória lexical do falante (PINKER, 1991, 1999).

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O Modelo de Redes, conforme afirmamos, surge como uma corrente teórica contrária ao Gerativismo. Abaixo vamos apresentar algumas caracterís-ticas do Modelo de Redes que o diferem da Teoria Gerativa.

O Modelo de Redes (“Network Model”) recebe este nome porque pres-supõe a existência de um léxico mental plástico e remodelável a partir do uso da língua em situações cotidianas. Para esse modelo, os processos cognitivos utilizados pelo falante interferem em fenômenos de variação e mudança lin-guística. De acordo com Bybee (2001, 2010), o léxico mental do falante é composto, basicamente, por palavras inteiras que são categorizadas em termos de similaridades fonéticas e semânticas. A partir dessas semelhanças, conexões morfológicas emergem e redes de palavras são formadas. Essa é a origem da terminologia “Modelo de Redes”.

Basicamente, o Modelo de Redes tenta demonstrar que não existem diferenças significativas entre a forma como a mente humana lida com in-formações linguísticas e outras informações de domínio mais geral (BYBEE, 2010). Sendo assim, o processamento de informações linguísticas deve ser norteado pelos mesmos princípios que regem outras atividades desempenha-das pelos seres humanos. A forma como categorizamos cores, por exemplo, é análoga à maneira como processamos informações linguísticas. Categoriza-mos as cores a partir das similaridades que elas partilham entre si. Com base nessas semelhanças, utilizamos rótulos como “verde”, “azul”, “amarelo”, etc., para um grupo de nuances que nos parecem análogas. No entanto, mesmo dentro de cada uma dessas categorias, existe armazenagem de detalhes com relação às cores. Temos, por exemplo, tipos diferentes de azul: azul cobalto, azul esverdeado, azul marinho, azul turquesa, etc. O fato de todos esses tons de azul partilharem propriedades similares não faz com que armazenemos so-mente um tipo de azul. Ao contrário disso, nossa memória cognitiva registra todos os exemplares de azul com o qual tivemos contato em nossas vidas. A representação cognitiva é, portanto, redundante e rica em detalhes sobre os eventos que experenciamos no cotidiano. Princípios similares são aplicados à categorização de itens linguísticos. As palavras que ouvimos são estocadas no léxico mental a partir de similaridades fonéticas e semânticas. Ocorrên-cias idênticas do mesmo item, detalhamento fonético e informações sobre o contexto de uso de cada palavra também são estocados. Provavelmente todos nós já ouvimos as palavras “problema”, “poblema”, “pobrema” como variações

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para o item lexical “problema”. Nosso léxico mental guarda todas as diferentes pronúncias para essa palavra, bem como informações socioculturais associadas a cada uma delas. O falante escolarizado geralmente sabe que “problema” é a variante padrão, ao passo que as outras são consideradas não-padrão e, por isso, sofrem estigma social. Ao ouvirmos um falante pronunciar “poblema”, automaticamente deduzimos a informação sobre a classe social ou o nível de escolaridade desse indivíduo. Todos esses dados são indícios de que o léxi-co mental do falante guarda informações redundantes e probabilísticas sobre cada item lexical com que temos contato. Se não armazenássemos esses dados em nosso léxico mental, como seríamos capazes de atribuir julgamentos de valor às variantes da palavra “problema”? Todas as informações linguísticas a que temos acesso são mentalmente organizadas pelo falante e compõem a gramática que cada um de nós possui sobre a língua que falamos. Sendo assim, o uso da língua em situações cotidianas sempre tem impacto na categorização e acesso a informações linguísticas.

Outro ponto importante a mencionar quanto ao Modelo de Redes é o fato de que nossas representações mentais sobre itens linguísticos vão mu-dando à medida que aprendemos palavras novas. A tarefa de categorizar e estocar itens linguísticos é inerente à vida humana, assim como a habilidade de aprender coisas novas. Nesse sentido, a repetição de palavras é muito im-portante para que o léxico mental seja atualizado conforme adquirimos novos exemplares linguísticos e descartamos outros. O Modelo de Redes define duas medidas diferentes para frequência: frequência de tipo (“type”) e de ocorrência (“token”). A frequência de tipo refere-se à repetição de padrões linguísticos no dicionário da língua. Se fizermos uma busca no Dicionário Eletrônico Hou-aiss da Língua Portuguesa para verificar quantos verbos pertencem à terceira conjugação do PB, encontramos o número 742. Essa é a frequência de tipo da desinência –ir em verbos do PB. Por outro lado, se procuramos no Corpus Lael1 a quantidade de vezes que a palavra “computador” aparece, teremos o número 117. Essa é a frequência de ocorrência desse item. Na tarefa de atuali-zação do léxico mental do falante, essas duas medidas de frequência geram as seguintes consequências:

1 O Corpus LAEL, disponível em <http://lael.pucsp.br/corpora/index.htm>, é composto por 1.182.994 dados extraídos de língua falada e escrita.

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n A alta frequência de tipo faz com que uma classe linguística se torne mais forte e possa exercer efeitos analógicos sobre outras classes cuja frequên-cia de tipo seja mais baixa2;

n Classes de baixa frequência de tipo podem ter itens “atraídos” por redes que tenham frequência de tipo mais alta. Para que isso ocorra, é im-prescindível que haja algum tipo de identidade fonética entre as duas classes (HARE; ELMAN, 1995);

n A alta frequência de ocorrência geralmente faz com que os itens lin-guísticos se tornem mais imunes à variação linguística. Palavras altamente frequentes têm representação autônoma no léxico mental do falante e não dependem da rede a que pertencem, por isso são analisadas separadamente e sofrem menos o efeito da analogia; por outro, itens de alta frequência de ocorrência são mais propensos a reduções fonéticas em geral (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1992, PAGLIUCA; MOWREY, 1987). Isso acontece por-que palavras que são muito usadas tornam-se muito previsíveis no discurso e, por isso, são mais sujeitas à redução e sobreposição de gestos articulatórios;

n Palavras de baixa frequência de ocorrência geralmente são as primei-ras a sofrer variações linguísticas em que existem efeitos analógicos. Isso ocorre porque palavras pouco frequentes dependem de sua classe para que sejam re-lembradas. Se sua frequência de ocorrência é baixa, o falante não tem memó-ria suficiente para acessá-las. Por isso, quando vai utilizá-las, o falante pode flexioná-las de acordo com tipos mais frequentes da língua.

Com relação ao objeto de estudo que estamos analisando neste artigo (plural das palavras terminadas em –l e ditongo em –u), vamos observar se efeitos de frequência podem justificar eventuais variações ocorridas com essas classes. Na próxima subseção deste artigo, vamos apresentar informações so-bre os dois grupos de plural sob análise.

Objeto de estudo

Nesta subseção, vamos apresentar informações sobre os grupos de plurais terminados em ditongo em –u ou em –l. Como um dos objetivos de nosso

2 Na subseção seguinte vamos apresentar exemplos sobre esse ponto.

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A perda de distinção fonética entre –l e –u em fim de sílaba e consequências para a pluralização

artigo é avaliar efeitos de frequência nas variações de plural, vamos embasar nossa análise com informações sobre os quantitativos de palavras terminadas em –l ou ditongo em –u no léxico do PB.

As palavras que terminam em –l no singular formam um grupo bastante significativo no léxico do PB. A tabela abaixo, baseada no Dicionário Eletrôni-co Houaiss da Língua Portuguesa3, mostra quantitativos para itens terminados em vogal + –l final:

Tabela 1: Quantitativo de itens terminados em –l no PBTerminação Número de

ocorrências% no grupo de itens

terminados em –l% no dicionário

–AL 3.054 49,1 1,33–[ɛ]L4 253 4,1 0,11–[E]L5 2.066 33,2 0,9–iL 403 6,5 0,17–[ɔ]L 302 4,8 0,13–[O]L 7 0,1 0,003–UL 140 2,2 0,06TOTAL 6.225 100 2,7

De acordo com a tabela acima, os itens terminados em –l representam 2,7% do total do léxico do PB. Nesse grupo, a terminação mais frequente é –al (quase metade do grupo) e a segunda mais frequente é –[e]l (33,2% do grupo). As outras terminações apresentam quantitativos bem menores que –al e –[e]l.

A regra básica de pluralização para essas palavras se faz removendo o –l do singular e acrescentando –is: carnaval/carnavais, anel/anéis, etc. Uma característica marcante desse grupo de palavras é a forte presença de sufixos. Abaixo listamos alguns sufixos dessa classe, juntamente com o valor semântico que agregam ao radical das palavras:

n –al: relação ou coletivo, como em cafezal, milharal, vital; n –il: diminutivo ou lugar onde se guardam animais, como em canil,

covil, pernil;

3 O Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2001) é composto por aproxima-damente 228.500 verbetes.

4 Enquadram-se nesse grupo palavras oxítonas, como “anel”, “pastel”, “pincel”, etc. 5 A esse grupo pertencem itens paroxítonos, como “amável”, “móvel”, “responsável”, etc.

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n –vel: possibilidade de praticar ou sofrer uma ação, como em amável, incrível, perecível.

O grupo de palavras terminadas em ditongo em –u é mais reduzido que o de itens terminados em –l. A tabela abaixo, também feita com base no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, mostra os quantitativos das palavras terminadas em ditongo em –u, de acordo com a vogal precedente:

Tabela 2: Quantitativo de itens terminados em ditongo em –u no PBTerminação Número de ocorrências % no grupo de itens

terminados em –u% no dicionário

–AU 207 28 0,09–[ɛ]U 132 17,8 0,05–[E]U 360 48,5 0,16–iU 17 2,3 0,007–[ɔ]U 0 0 0–OU 18 2,4 0,007–UU 07 1 0,003TOTAL 741 100 0,32

Conforme a tabela acima demonstra, o grupo terminado em ditongo em –u compõe 0,32% do léxico do PB. Esse total é bem menor que o dos itens em –l (2,7%, conforme Tab. 1). No grupo em ditongo em –u, observamos que a terminação mais frequente é –[e]u, com quase metade das ocorrências da classe. Em segundo lugar está a terminação –au, com 28% de ocorrências. A terminação –[ɛ]u corresponde a 17,8% do grupo. As terminações –iu, –ou e –uu são praticamente inexistentes no grupo em ditongo em –u.

A regra de pluralização para esse grupo de palavras é a canônica do PB. Como todos os itens terminam em vogal, basta que se acrescente o morfe-ma –s ao fim da palavra: céu/céus, museu/museus, etc. O grupo de palavras terminadas em ditongo em –u não tem muitos sufixos no PB. Consultando gramáticas da nossa língua, os únicos dois sufixos a que se faz referência são –eu, indicando nacionalidade, como em europeu, judeu; –aréu, denotando aumentativo, como em fogaréu, povaréu.

Várias pesquisas sobre o PB (cf. CRISTÓFARO-SILVA, 2002; QUANDT, 2004, HORA, 2007) documentam a vocalização de –l em fim de sílaba. Niveladas as distinções fonéticas entre –l e ditongo em –u em

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fim de palavra, perde-se o correlato sobre que tipo de pluralização aplicar a cada um dos itens. Quando uma palavra é escrita frequentemente, sua grafia pode ser memorizada e, consequentemente, sua pluralização pode ser preservada. Por outro lado, palavras que não são escritas com frequ-ência podem gerar dúvidas quanto à pluralização. É o caso de itens como berimbau ou jirau. Por serem palavras pouco frequentes na fala e também na escrita, sua grafia não favorece a manutenção do plural considerado correto pela gramática padrão.

Na subseção seguinte, vamos descrever a metodologia adotada para a coleta de dados.

Metodologia para a coleta e classificação de dados

Por se tratar de um estudo que atribui importância crucial ao uso real das formas linguísticas, o ideal seria que nosso trabalho de campo contasse com entrevistas sociolinguísticas em que as formas analisadas pudessem ser espon-taneamente registradas a partir da fala dos informantes. No entanto, os itens terminados em –l ou ditongo em –u constituem um percentual pequeno no léxico do PB (cf. Tabs. 1 e 2). Por causa disso, resolvemos fazer experimentos psicolinguísticos com palavras pré-selecionadas. Agindo assim garantiríamos a produção dos itens sob análise neste artigo.

Selecionamos três faixas diferentes de frequência e alocamos palavras terminadas em –l ou ditongo em –u em cada uma dessas faixas. Os números para frequência de ocorrência foram medidos no Corpus NILC/São Car-los6.4 Abaixo apresentamos uma tabela com as palavras selecionadas organi-zadas em ordem crescente de frequência de ocorrência:

6 O Corpus NILC/São Carlos (<www.linguateca.pt/ACDC/>) é composto por 41.372.943 dados extraídos somente de textos escritos.

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Tabela 3: Palavras adotadas nos experimentosPalavras terminadas em –l

Frequência baixa (0-99) Frequência baixa (100-500) Frequência baixa (+ de 500)Palavras Ocorrências Palavras Ocorrências Palavras Ocorrências mel 0 farol 100 espanhol 501cachecol 02 anel 110 difícil 654funil 02 lençol 118 móvel 728anzol 08 sal 129 útil 783avental 17 acessível 165 sinal 1.422sol 27 míssil 237 hospital 1.513gentil 31 azul 280 responsável 1.894pincel 37 infantil 328 jornal 2.490pastel 63agradável 74

Palavras terminadas em ditongo em –uFrequência Baixa (0-99) Frequência Média (100-500) Frequência Alta (+ de 500)Palavras Ocorrências Palavras Palavras Ocorrências Palavrasberimbau 0 degrau 109 pneu 554jirau 1 chapéu 125 judeu 808mausoléu 4 céu 163 grau 916ateu 24 réu 309 europeu 1.119véu 33 mau 346 meu 2.139pau 46 museu 424 seu 29.682troféu 72

Para realizar a coleta de dados, utilizamos os seguintes experimentos psi-colinguísticos:

a) Conjunto de figuras: selecionamos figuras em que as palavras sob análise apareciam em quantidade plural. Mostramos as figuras indivi-dualmente aos informantes e pedimos que eles fizessem um comentário sobre a figura que viam7;5

b) Leitura de frases: elaboramos frases em que os itens sob análise eram inseridos em forma de desenhos em uma frase. A tarefa dos informantes era ler essas frases pluralizando as palavras representadas pela figura8;6

7 Em cada um dos experimentos foram utilizadas também “palavras distratoras”, ou seja, itens que não seriam analisados, mas cuja função era fazer com que o informante não percebesse exatamente que tipos de palavras estavam sendo investigados.

8 Dois exemplos desse experimento são: “Quantos (figura de dois anéis) você tem?” e “O pessoal da capoeira estava tocando os (figura de dois berimbaus).”

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c) Teste de reação: formulamos uma lista de palavras e perguntamos aos informantes o plural de cada uma das palavras.

Os dados foram coletados em 2006, no estado do Rio de Janeiro. Depois de realizados os experimentos, contamos com 954 dados para palavras termina-das em ditongo em –u e 1.077 dados para palavras terminadas em –l. Essas ocor-rências foram codificadas a partir de fatores externos e internos descritos a seguir.

Fatores externos (ou sociais):n Faixa etária: 15-30 anos, 31-45 anos, 46-60 anos;n Escolaridade: nível fundamental ou superior;n Gênero: feminino ou masculino.

Fatores internos (ou linguísticos):n Estrutura morfológica: sufixo (“europeu”, “agradável”), não-sufixo (“degrau”, “sal”);n Número de sílabas: monossílabos (“mau”, “sol”), polissílabos (“chapéu”, “responsável”);n Vogal precedente: [a] (“degrau”, “avental”), [ɛ] (“chapéu”, “pincel”), [e] (“meu”, “móvel”), [i] (“funil97”), [ɔ] (“sol”), [u] (“azul”);n Frequência de ocorrência: baixa, média, alta (cf. Tabela 3).

Para fazer a análise estatística, utilizamos o programa SPSS. Através desse software, alcançamos resultados de porcentagem e probabilidade para cada um dos fatores analisados. Fizemos uma análise binária cuja variável depen-dente considerada foi adoção (pelo informante) de plural em –u ou em –l. Na subseção a seguir apresentamos os resultados da análise estatística.

Resultados

Nesta subseção vamos apresentar os resultados gerais para os dois tipos de plural. Na subseção seguinte, faremos comentários mais extensos sobre o

9 Os itens terminados em –iu, –ou e –uu são em número extremamente reduzido no léxico do PB (cf. Tab. 1). Por causa disso, decidimos não incluí-los em nossa pesquisa.

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quadro amplo de variação apresentado pelos dados. Vamos apresentar primei-ro estatísticas gerais de itens do grupo em –l que foram pluralizados como ditongo em –u e vice-versa. Vejamos a tabela abaixo:

Tabela 4: Resultados gerais de palavras que sofreram variação de plural

Palavras em –lpluralizadas como dit. –u

Palavras em dit. –u pluralizadas como –l

N % N %

60/1.077 5,6 193/954 20

Os resultados acima demonstram que houve mais palavras terminadas em ditongo em –u migrando para –l (20%) do que o oposto. Apenas 5,6% dos itens terminados em –l foram pluralizados como se terminassem em di-tongo em –u. Esses resultados apontam para efeitos de frequência de tipo. Como vimos nas tabelas 1 e 2, o grupo em –l é mais numeroso no PB que o grupo em ditongo em –u. Os itens terminados em –l compõem 2,7% do Di-cionário Eletrônico Houaiss, ao passo que as palavras terminadas em ditongo em –u representam apenas 0,32% do mesmo dicionário. Por causa dessa alta frequência de tipo e também devido à falta de diferenciação fonética entre –l e –u em fim de sílaba, itens terminados em ditongo em –u estão migrando para a classe em –l 10.8

O SPSS selecionou os fatores significativos para cada um dos grupos de plural. Para as palavras terminadas em –l, as variáveis significantes fo-ram escolaridade, número de sílabas, vogal precedente e estrutura mor-fológica. Para os itens em ditongo em –u, os fatores significativos foram escolaridade, gênero, número de sílabas, vogal precedente e frequência de ocorrência. Vamos começar comentando os resultados para fatores ex-tralinguísticos.

A variável escolaridade foi significativa para os dois grupos de plural.

10 Esse ponto será melhor explorado na discussão geral de dados.11 “Plural em –l” refere-se a palavras terminadas em –l que foram pluralizadas como ditongo

em –u; “plural em –u” refere-se a palavras terminadas em ditongo em –u que foram plurali-zadas como se terminassem em –l.

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A perda de distinção fonética entre –l e –u em fim de sílaba e consequências para a pluralização

Tabela 5: Efeito da escolaridade nos plurais em –l e em ditongo em –u Escolaridade Dados obtidos % P.R.

Plural –l11 Plural –u Plural –l Plural –u Plural –l Plural –u Fundamental 45/527 123/478 8,5 25,7 0.717 0.625Superior 15/550 70/476 2,7 14,7 0.291 0.374

Para os dois tipos de plural, falantes com nível fundamental de educação formal favoreceram as formas variantes (em negrito na tabela). Por outro lado, também nos dois plurais, falantes pertencentes ao ensino superior tenderam a preservar os plurais. Nossas hipóteses para justificar esse resultado são duas: 1) Primeiro, o falante com mais anos de escolaridade pode ser, em geral, mais atento a questões relacionadas à linguagem. Consequentemente, tal indivíduo teria um cuidado maior com a fala e evitaria formas linguísticas considera-das não-padrão pela gramática normativa; 2) Em segundo lugar, o nível mais alto de escolarização pode levar os falantes a um contato maior com a língua escrita, modalidade essa em que há mais preocupação gramatical e as formas padronizadas prevalecem. A escrita, em geral, preserva as formas de plural padrão, por isso apresenta menos palavras em ditongo em –u pluralizadas em –l e vice-versa. O falante menos escolarizado geralmente tem menos acesso à língua escrita, por isso pode ser que seu léxico mental contenha mais formas de plural generalizadas, já que, normalmente, é na modalidade falada que se originam as variações linguísticas.

A variável gênero foi significativa somente para os plurais em ditongo em –u.

Tabela 6: Efeito do gênero nos plurais em ditongo em –u Gênero Dados Obtidos % P.R.Feminino 74/481 15,4 0.391Masculino 119/473 25,2 0.611

Aqui observamos que os homens favoreceram a aplicação de plurais em –l para palavras terminadas em ditongo em –u (peso relativo de 0.611). Existe vasta literatura linguística (LABOV:1972, 2001; CHAMBERS:1995) demons-trando que as mulheres costumam ser mais conservadoras em relação a proces-sos linguísticos estigmatizados. Pode ser que as mulheres tenham consciência de

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que o uso de plural em –l para itens em ditongo em –u sofra estigma social e por isso evitem o fenômeno.

Começando com os fatores linguísticos, a variável estrutura morfológi-ca foi selecionada somente para os plurais em –l. Os resultados são apresen-tados abaixo:

Tabela 7: Efeito da estrutura morfológica nos plurais em –l Estrutura Morfológica N % P.R.Sufixo 2/336 0,6 0.067Não-Sufixo 58/741 7,8 0.768

Esta tabela mostra que a estrutura morfológica é um fator determinante para que haja migrações de plural –l em direção a ditongo em –u. Os resul-tados demonstram que palavras que não têm sufixo favorecem a variação de plural (0.768) e palavras com sufixo a desfavorecem (0.067). Provavelmente, esse resultado ocorreu porque, no grupo de ditongo em –u, existem poucos sufixos (–aréu e –eu e são os mais produtivos), ao passo que, no grupo em –l, há mais sufixos, como –al, –el, –il, –ol, –vel, etc. A partir da estocagem de pa-lavras inteiras no léxico mental, a informação de que os itens em –l têm mais sufixos que os em –u emerge e faz com que os informantes preservem a forma de plural em –l.

Analisamos agora o efeito do número de sílabas para os dois tipos de plural.

Tabela 8: Efeito do número de sílabas para plurais em –l e em ditongo em –u Número de sílabas

Dados obtidos % P.R. Plural –l Plural –u Plural –l Plural –u Plural –l Plural –u

Monossílabos 47/138 21/328 34,1 6,4 0.995 0.195Polissílabos 13/939 172/626 1,4 27,5 0.311 0.678

Aqui observamos que as palavras monossílabas terminadas em –l favo-recem plurais em ditongo em –u (peso relativo de 0.995). Por outro lado, palavras polissílabas terminadas em –u favorecem o plural em –l (peso relativo de 0.678). Para justificar esses resultados, fizemos uma busca no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa para descobrir quantos itens monossílabos ter-

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minados em –l ou em ditongo em –u nossa língua possui. Os resultados são apresentados abaixo:

Tabela 9: Número de monossílabos em –l e ditongo em –u no Dicionário Houaiss

Tipos Monossílabos % no grupo –l ou –u % no dicionárioDitongo em –u 36/741 4,8 0,015–l 29/6.225 0,46 0,012

Esta tabela demonstra que, apesar de o grupo em ditongo em –u ser re-duzido no português, ele apresenta mais monossílabos (0,015% do dicionário ou 4,8% do grupo em –u) do que palavras terminadas em –l (os monossílabos em –l representam 0,012% do dicionário ou apenas 0,46% de todo o grupo terminado em –l). Esses quantitativos sugerem que os falantes utilizaram as informações de que monossílabos em geral pertencem ao grupo em –u e polissílabos, à classe em –l. Mais uma vez, observamos uma evidência para a esto-cagem de palavras inteiras no léxico mental. A partir da comparação entre os itens armazenados, a informação sobre número de sílabas para os dois grupos de plural analisados emerge e faz com que os falantes pluralizem itens monossíla-bos como –u e itens polissílabos como –l.

A seguir vamos analisar os resultados para vogal precedente, fator consi-derado determinante para os dois tipos de plural sob análise.

Tabela 10: Efeito da vogal precedente para plurais em –l e em ditongo em –u Vogalprecedente

Dados obtidos % P.R. Plural –l Plural –u Plural –l Plural –u Plural –l Plural –u

[a] 7/234 65/327 3 19,9 0.067 0.637[ɛ] 25/205 122/346 12,2 35,3 0.479 0.778[e] 2/160 6/281 1,2 2,1 0.987 0.1[i] 9/195 12 4,6 0.918[ɔ] 16/249 6,4 0.088[u] 1/34 2,9 0.792

A tabela acima demonstra que, no grupo em –u, a vogal [ɛ] foi a que mais favoreceu os plurais em –l (peso relativo de 0.778) e a vogal [e] desfavo-receu muito o fenômeno (peso relativo de 0.1). Retornando às tabelas 1 e 2, se

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compararmos as terminações –[ɛ]u com –[ɛ]l, –[e]u com [e]l, vamos observar que a terminação –[e]u corresponde a quase 50% dos itens terminados em –u. Essa pode ser uma justificativa para os falantes preservarem os plurais das pa-lavras terminadas em –[e]u. As terminações –au e –[ɛ]u são menos frequentes no grupo em –u, por isso sua frequência de tipo não garante a manutenção de seus plurais e elas tenderam a ser pluralizadas como –l. No grupo em –l, percebemos que as terminações –[e]l e –il foram as que mais favoreceram plurais em ditongo em –u (pesos relativos de 0.987 e 0.918, respectivamente). Conforme afirmamos anteriormente, a terminação –[e]u é a mais frequente no grupo em –u, provavelmente por isso os falantes pluralizaram a terminação –[e]l como –u. Por outro lado, a terminação em –iu é bastante incipiente no grupo de ditongo em –u (apenas 2,3% do grupo), por isso não se esperava que fosse uma das líderes na migração de plural.129

Finalmente, vamos analisar os dados para frequência de ocorrência, que foi relevante somente para os plurais terminados em ditongo em –u.

Tabela 11: Efeito da frequência de ocorrência nos plurais em ditongo em –u Frequência Dados obtidos % P.R.Baixa 112/339 33 0.609Média 75/327 22,9 0.502Alta 6/288 2,1 0.370

Esta tabela corrobora nossa hipótese principal de trabalho: na classe em ditongo em –u, palavras de baixa frequência de ocorrência favorecem o processo de migração de plural (0.609), palavras de frequência média têm efeito neutro (0.502) e palavras de frequência alta desfavorecem o fenômeno (0.370). No grupo em –l, por outro lado, frequência de ocorrência não foi determinante para as variações de plural. Já sabemos que os itens terminados em –l compõem um quantitativo maior no léxico do PB que os itens termi-nados em ditongo em –u (cf. Tabs. 1 e 2). Por causa disso, a frequência de tipo da classe em –l está atraindo os itens em ditongo em –u (em 20% dos dados dos nossos experimentos). No entanto, como a classe em –l já tem maior frequência de tipo de que a de ditongo em –u, a variação linguística

12 Os itens terminados em –iu, –ou e –uu não foram incluídos em nossa pesquisa (cf. Tabelas 1 e 2).

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nesse grupo (em –l) é bem menor: apenas 5,6% dos nossos dados. A alta frequência de tipo da classe em –l já faz com que ela tenha seus plurais pre-servados, por isso a frequência de ocorrência atua menos nesse grupo que no grupo em ditongo em –u. Na classe de ditongo em –u, em que a variação de plurais realmente ocorre, a frequência de ocorrência determina que itens vão mudar primeiro e quais serão preservados. No grupo em –l, no entanto, a frequência de tipo já mantém os plurais, por isso a frequência de ocorrência é menos significativa.

Para finalizar nossa análise, fizemos gráficos que mostram a variação de palavras individualmente, tanto no grupo em –l quanto em ditongo em –u. Em cada gráfico, as palavras estão organizadas em ordem crescente por frequ-ência de ocorrência. À frente de cada uma das palavras há uma letra que indica a faixa de frequência a que elas pertencem: (B) baixa, (M) média, (A) alta.

Gráfico 1: Efeito de frequência de ocorrência nas palavras terminadas em –l

Neste gráfico sobre itens em –l, observamos que os efeitos de frequência não são muito significativos, ou seja, não se percebe visualmente uma variação das palavras em função da frequência de ocorrência. O dado mais interessante é o fato de que as palavras que mais sofreram variação de plural são as monos-sílabas (mel, sol e sal). Conforme vimos nas tabela 9, o grupo em ditongo em –u tem mais porcentagem de monossílabos que o grupo em –l. Por causa disso, itens monossílabos em –l são ocasionalmente pluralizados como –u. Outro fato interessante a notar é que, dentre os três monossílabos analisados, a frequência de ocorrência atuou. Mel e sol pertencem à frequência baixa e foram as mais afe-tadas; sal pertence à frequência alta e foi a que sofreu menos variação de plural.

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Vamos comentar agora as palavras terminadas em ditongo em –u.

Gráfico 2: Efeito de frequência de ocorrência nas palavras terminadas em ditongo em –u

No gráfico de palavras em –u, observamos claramente os efeitos de fre-quência de ocorrência: a migração de plurais diminui conforme aumenta a frequência de ocorrência das palavras. Dois itens que pertencem à frequência baixa e não sofreram nenhuma migração de plural foram ateu e pau. Já vimos que a terminação –[e]u é a mais frequente no grupo em –u, por isso as palavras com essa terminação (como ateu) costumam preservar seus plurais; por outro lado, o quantitativo de monossílabos no grupo em –u também é percentu-almente maior, por isso itens de uma sílaba (como pau) também tendem a manter seus plurais. Excluindo-se esses dois itens, os efeitos de frequência de ocorrência são bastante claros.

Na subseção seguinte vamos fazer comentários gerais sobre os resultados.

Discussão geral dos dados

A partir da análise dos grupos de plurais terminados em ditongo em –u e em –l, pudemos traçar algumas conclusões interessantes sobre os processos cognitivos que os falantes adotam para estocar e acessar itens léxicos.

Em primeiro lugar, observamos que, por causa da perda de distinção fonética entre –l e –u em coda, as duas classes de plural começaram a sofrer variação linguística. Essa variação é mais recorrente no grupo em ditongo em

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–u, justamente por esse ter frequência de tipo menor do que o grupo em –l (cf. Tabs. 1 e 2). Niveladas as distinções fonéticas entre –l e –u em fim de sílaba, não há referência significativa para que o plural em –us ou –is seja adotado.

No caso de ditongo em –u, em que a variação é mais frequente (20% dos casos), efeitos de frequência de ocorrência são bastante claros. Convém notar que esse grupo adota pluralização regular no PB (adição de –s). No entanto, por causa da similaridade fonética com a classe em –l, essas palavras (em –u) estão adotando pluralização diferente da regular. Esse fato nos faz hipotetizar que, ao pluralizar uma palavra, o falante não considera somente a terminação final, mas a palavra como um todo e suas peculiaridades (se é monossílaba, se tem sufixo, qual a vogal precedente, qual a frequência de ocorrência, etc.). É claro que esse processo é inconsciente, mas, conforme vimos, afeta significati-vamente as respostas dos informantes.

Com nossos experimentos, encontramos evidências para a estocagem de palavras inteiras no léxico mental do falante. Se as palavras não fossem arma-zenadas como unidades inteiras, como seria possível justificar que os fatores mencionados acima (número de sílabas, estrutura morfológica, vogal prece-dente) determinassem a propensão ou não propensão dos itens à variação de plural? Nossos experimentos, portanto, fornecem indícios de que os falantes es-tocam palavras inteiras no léxico mental e as organizam através de similaridades fonéticas e semânticas. A partir de comparações entre os itens léxicos estocados, informações morfológicas emergem e se tornam características associadas a de-terminados grupos de palavras. Assim, vimos que as classes terminadas em –l e ditongo em –u já sofreram certo grau de fusão, por isso características de um grupo estão sendo aplicadas ao outro. Observamos, por exemplo, que itens mo-nossílabos foram pluralizados como ditongo em –u e itens polissílabos foram pluralizados em –l. Esse resultado provém do fato que monossílabos são mais frequentes na classe em –u e polissílabos, no grupo em –l. Da mesma maneira, itens com sufixo mantiveram seu plural em –l, ao passo que itens sem sufixo favoreceram plural em ditongo em –u. Isso demonstra que o falante possui informação detalhada no léxico mental e sabe (mesmo inconscientemente) que os sufixos são mais frequentes na classe em –l que na classe em ditongo em –u. Finalmente, no caso das vogais precedentes, palavras terminadas em –[e]u foram preservadas por serem o subgrupo mais frequente dentro da classe em ditongo em –u. Por outro lado, as palavras terminadas em –[e]l foram as que

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mais sofreram variação de plural, justamente porque a terminação em –eu é uma informação forte para itens terminados em ditongo em –u.

Todos esses resultados apontam para a existência de um léxico men-tal rico em informações probabilísticas sobre as palavras. Esquemas locais (BYBEE; MODER 1983) são formados a partir de características partilhadas por itens lexicais. Além disso, o léxico mental também preserva detalhes foné-ticos e morfológicos sobre as palavras, caso contrário não veríamos variações linguísticas determinadas por sufixos, número de sílabas e vogal precedente. Ao contrário das representações econômicas e não-redundantes propostas por Chomsky, nossos resultados demonstram a existência de um léxico mental rico em detalhes fonéticos e com estocagem redundante de informação sobre palavras e suas idiossincrasias. Ademais, os resultados também corroboram os postulados da Difusão Lexical (WANG; CHENG:1977; HSIEH:1977; OLIVEIRA:1997), no sentido de que as palavras são afetadas uma a uma pela variação lexical, não havendo, necessariamente, regularidade nesse processo.

Na subseção seguinte apresentamos as principais conclusões alcançadas com nossos experimentos.

Conclusões finais

Os experimentos psicolinguísticos sobre palavras terminadas em –l e em ditongo em –u nos permitiram alcançar as seguintes conclusões:

n A perda de distinção fonética entre –l e –u em coda criou um ambiente propício para que variações decorrentes da analogia entre as duas classes ocorressem;

n A alta frequência de tipo de –l em fim de palavra está atraindo itens terminados em ditongo em –u;

n Na classe de ditongo em –u, a frequência de ocorrência atua, fazendo com que itens de baixa frequência sejam os primeiros a sofrer variação linguís-tica, ao passo que palavras de alta frequência resistem mais ao processo;

n Nas duas classes de plural, observamos a formação de esquemas locais, como o de palavras monossílabas, com sufixos ou vogais precedentes específicas;

n Em geral, esses resultados demonstram processos cognitivos desem-penhados por falantes que possuem um léxico mental rico em informações sobre as probabilidades de padrões linguísticos encontrados no PB.

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Futuramente, um desdobramento interessante para essa pesquisa seria fazer novos experimentos linguísticos com palavras inventadas. Dessa forma, poderí-amos verificar se os falantes também preservariam as informações sobre sufixos, palavras monossílabas e o favorecimento de determinadas vogais precedentes.

ABSTRACTThis article analyzes how the loss of phonetic distinc-tion between –l and –u in final syllable position in Bra-zilian Portuguese is affecting the pluralization of words ending in –l and in –u dipthong. Psicolinguistic expe-riments were carried out in order to identify the factors which interfere in the plural variation. As for the the-oretical background, the Network Model, proposed by Bybee (2001, 2010), was adopted.

KEYWORDS: Network Model, mental lexicon, plura-lization.

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Recebido em: 21/09/11Aprovado em: 13/06/12