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CRISTOLOGIA EM PERSPECTIVA ATUAL Crer em Jesus Cristo hoje Pe. Manuel Hurtado, sj p. 3 Conhecer melhor a Cristo: O significado histórico e teológico de Jesus Cristo para a atualidade Claudio de Oliveira Ribeiro p. 9 Compreender a salvação cristã no século XXI Pe. Mario de França Miranda, sj p. 18 A ressurreição de Cristo e a compreensão da ressurreição hoje Renold Blank p. 24 Sugestões para a liturgia Ir. Veronice Fernandes, pddm p. 31 Roteiros homiléticos Pe. Jacir de Freitas Faria, ofm p. 35 maio-junho de 2012 – ano 53 – n. 284

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CRISTOLOGIA EM PERSPECTIVA ATUAL

Crer em Jesus Cristo hojePe. Manuel Hurtado, sj p. 3

Conhecer melhor a Cristo: O signi� cado histórico e teológico de Jesus Cristo para a atualidade Claudio de Oliveira Ribeirop. 9

Compreender a salvação cristã no século XXI Pe. Mario de França Miranda, sjp. 18

A ressurreição de Cristo e a compreensão da ressurreição hoje Renold Blankp. 24

Sugestões para a liturgiaIr. Veronice Fernandes, pddmp. 31

Roteiros homiléticosPe. Jacir de Freitas Faria, ofmp. 35

maio-junho de 2012 – ano 53 – n. 284

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A PAULUS traz livros com reflexões atuais e importantes sobre a Santíssima Trindade.

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pági

nas

Introdução à TrindadeLynne Faber LorenzenIntrodução à Trindade examina como a doutrina da Trindade foi interpretada pelo cristianismo oriental, pelo cristianismo ocidental e pelos teólogos contemporâneos. Construindo uma síntese de todas essas linhas, a autora procura “reautenticar” a doutrina trinitária.

Trindade, criação e ecologiaMaria Freire da SilvaO objetivo deste livro é apresentar uma refl exão teológica sobre o pensamento de J. Moltmann e L. Boff – no que se refere ao modelo societário da Trindade e seus desdobramentos na Criação – e mostrar como a pericórese trinitária constitui o eixo articulador da refl exão sobre ecologia.

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A TrindadeSanto AgostinhoAs teses aqui apresentadas sobre o mistério da Santíssima Trindade foram assumidas por toda a Igreja do Ocidente e continuam a exercer forte infl uência pelos séculos afora. A obra nos introduz na vida íntima do Deus-Trino e na própria vida de nosso espírito.

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Vida Pastoral – maio-junho 2012 – ano 53 – n. 284 1

revista bimestral para sacerdotese agentes de pastoralano 53 - número 284maio-junho de 2012

vidapastoral

Caros leitores e leitoras,

Graça e Paz!

A pessoa e a mensagem de Jesus Cristo têm des-pertado o interesse de milhões de pessoas ao longo dos séculos.É enorme o número dos que professam a fé cristã ou que de alguma maneira conhecem a Cristo ou têm nele uma referência importante. No Brasil, considerando as diversas confissões, cerca de 90% da população se professa cristã. No mundo, os cristãos são mais de dois bilhões. A figura de Jesus marca presença entre os livros mais vendidos e os filmes mais assistidos. Mas, como diz o evangelho, não basta dizer “Senhor, Senhor” para entrar na dinâmica do reino de Deus (Mt 7,21). Entre tantas mensagens e imagens do Filho de Deus, o Jesus dos evangelhos foi se diluindo em um mar de interpretações, práticas religiosas e devoções descentradas daquilo que ele viveu e ensinou, fundamentalismos, versões falsificadas... Desde o Jesus moldado à lógica do espetáculo a canções que exaltam Cristo como general e o uso da sua figura para justificar poderes absolutos e injustos e o acúmulo de riquezas materiais. Enfim, como nos diz pe. Manuel Hurtado em seu artigo, muitos que professam a fé cristã acreditam em tudo, menos em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Trata-se de fé que se separou paulatinamente do que lhe é central: crer e viver segundo o estilo de Jesus de Nazaré.

Diante dessa realidade, é inegável a impor-tância da reflexão cristológica, de uma reflexão em perspectiva atual que auxilie na equilibrada compreensão da vida, morte e ressurreição de Cristo, e ajude a relacionar isso com nossa vida. É necessário estarmos atentos para uma contínua volta ao evangelho e a Jesus, às reflexões sobre o Jesus histórico, ao caminho da comunidade nascida com Jesus antes e depois da ressurreição, para fazer nosso próprio caminho como cristãos. Não apenas como conhecimento doutrinal ou racional exterior, mas como experiência profunda, um processo de procurar se tornar semelhante a Jesus, professado

como Cristo, o ungido, vendo as pessoas, o mundo e as situações com os olhos dele.

A salvação revelada e realizada em Cristo sig-nifica a superação de toda desumanidade, negati-vidade, injustiças, discriminações e falta de sentido da vida. Não diz respeito apenas ao transcendente, mas também ao entorno histórico; passa pelo amor autêntico e desinteressado ao outro, especialmente aos que mais necessitam de solidariedade. A nova modalidade de existência anunciada e vivida por Jesus desagradava aos dirigentes religiosos, polí-ticos e econômicos de sua época. Por isso ele foi crucificado. Mas Deus autenticou sua vida e prá-tica ao ressuscitá-lo. Na cruz e ressurreição está o sentido e a suprema motivação para a autodoação em favor de um mundo mais justo, pacífico e feliz.

O evangelho e a prática histórica de Jesus se opõem a uma vida cristã voltada apenas para prá-ticas religiosas. Estas têm sentido à medida que nos transmitem uma imagem de Cristo em coerência com o evangelho e mantêm desperta nossa cons-ciência de seguidores seus. Não se trata apenas de professar a fé ou fazer belos discursos. Como cristãos, convém principalmente que demos teste-munho concreto e autêntico de discípulos de Jesus.

A fé vivida ao modo de Cristo tem muito a contribuir para o mundo de hoje, tão marcado por falsas promessas de felicidade, fundadas no individualismo, no consumismo, na hegemonia do econômico, na pouca preocupação com o bem comum, no racionalismo voltado apenas para a produtividade e para o lucro, no egoísmo, na busca do poder e na tirania do prazer imediato. A sociedade alicerçada nesses contravalores tem se direcionado ao vazio e à decepção. Uma vivência que procure superar tudo isso incomoda e gera oposição agressiva, mas a vitória de Cristo sobre o mal e a morte nos inspira a nos manter firmes, mesmo diante dessas dificuldades.

Pe. Jakson Ferreira de Alencar, ssp

Editor

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Vida Pastoral – maio-junho 2012 – ano 53 – n. 2842

REVISTA BIMESTRAL PARA SACERDOTES E AGENTES DE PASTORAL

Editora PIA SOCIEDADE DE SÃO PAULO

Diretor Pe. Zolferino Tonon

Editor Pe. Jakson F. de Alencar – MTB MG08279JP

Equipe de redação Pe. Zolferino Tonon, Pe. Darci Luiz Marin, Pe. Valdêz Dall’Agnese, Pe. Paulo Bazaglia, Pe. Jakson F. de Alencar, Pe. Manoel Quinta

Ilustração da capa Luís Henrique Alves Pinto

Editoração PAuLus

ASSInAtUrAS [email protected] (11)3789.4000•FAX:3789.4011 RuaFranciscoCruz,229 Depto.Financeiro•CEP04117-091•SãoPaulo/SP

redação © PAULUS - São Paulo (Brasil) • ISSN 0507-7184 [email protected] www.paulus.com.br www.paulinos.org.br

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Vida Pastoral – maio-junho 2012 – ano 53 – n. 284 3

CRER EM JESUS CRISTO HOJEPe. Manuel Hurtado, sj*

Esta é a vida cristã: vivermos “[...] com os olhos fixosnaquele que é o autor e realizador da fé, Jesus” (Hb 12,2).

INTRODUÇÃO

Que significa crer em Jesus Cristo hoje? Sua vida, sua pessoa e seu estilo de viver ainda nos dizem alguma coisa? A mais de 2 mil anos das primeiras comunidades que com ele viveram, somos instigados a interrogar nossa fé em Cristo. É essa interrogação que nos permitirá entrar no âmago do sentido do crer em Jesus Cristo hoje. Não se trata simplesmente de dar uma resposta conhecida, pronta, como a de muitos catecismos e livros de formação que circulam em nossas paróquias. Tampouco se trata de dar resposta que busque um recuo identitário e excludente, pouco dialógico, ao qual estão tentados alguns grupos cristãos contemporâneos. Torna-se necessária uma res-posta mais de cunho pessoal e experiencial, res-posta que transpasse nossas entranhas crentes. Uma resposta crente, sim, que, contudo, não ignore a contribuição das pesquisas históricas realizadas sobre Jesus, especialmente durante o século passado e inícios deste. É necessário voltar ao elementar da fé e da vida cristã.

A imagem de Jesus Cristo foi deturpada ao longo das épocas. Houve uma multiplicidade de imagens de Jesus Cristo em circulação, e muitas delas ainda circulam em nossos dias. A figura de Jesus de Nazaré esteve sempre exposta e indefesa, muitas vezes à mercê dos desejos desordenados dos seres humanos. O Jesus dos evangelhos foi se diluindo num mar incomensurável de ícones falsificados. Por isso, crer em Jesus Cristo hoje não é algo evidente. Constatamos que a fé cristã, nos dias atuais,

não se transmite mais culturalmente como aconteceu durante vários séculos em nosso continente... A matriz cultural da fé cristã que tornava possível a sua transmissão já não é onipresente.

Sabemos bem que muitos que professam a fé cristã acreditam em tudo, menos em Jesus Cristo morto e ressuscitado! Sentimos que a vida cristã se separou paulatinamente do que lhe é central: viver seguindo o estilo de Jesus de Nazaré. O cristianismo foi aos poucos acumulando lastros inúteis, sobrepondo à imagem do Jesus dos evangelhos e ao cristia-nismo histórico uma série de práticas piedosas, devoções quase idolátricas e rituais exangues que conduziram à deturpação da espirituali-dade, da oração e do culto cristão. Lamen-tavelmente, aquilo que era completamente marginal, secundário e prescindível tornou-se fundamental, primário e indispensável.

Nosso itinerário é simples. Trata-se de um caminho de volta a Jesus. Desenvolve-se revi-sitando alguns lugares fundamentais de sua vida. Se voltarmos aos caminhos de Jesus, é para reconhecê-lo neles. Se transitarmos pelos caminhos da comunidade cristã nascida de-pois da Páscoa, é para tentarmos percorrer, ao mesmo tempo, os caminhos de nossa própria

* Jesuíta, doutor em Teologia pelas Faculdades Jesuítas de Paris (Centre Sèvres), professor de Teologia Sistemática na

Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje) em Belo Horizonte. Último artigo publicado em cristologia: “Novas cristologias: ontem e hoje. Algumas tarefas da cristologia

contemporânea”, Perspectiva Teológica, ano 40, n. 112, setembro/dezembro 2008.

E-mail: [email protected]

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comunidade de fé, isto é, revitalizar a nossa fé em Jesus, confessado como o Cristo. É para sermos cristãos ao estilo de Jesus Cristo, autor e realizador de nossa fé.

1. Voltar a Jesus: memoria Iesu

A estrutura mesma de nossa fé cristã é de caráter anamnético, isto é, nossa fé é possi-bilitada e configurada pela memória de um evento: Jesus Cristo. A vida cristã se realiza na recordação de Jesus de Nazaré. Paulo nos convida a aceitar uma tarefa fundamental e constante em nossa vida cristã: “Lembra-te de Jesus Cristo ressuscitado dentre os mortos” (2Tm 2,8). Poderia acaso haver vida cristã sem a recordação de Jesus? Poderíamos acaso crer em Jesus Cristo sem fazer memória cotidiana do homem de Nazaré?

Essa recordação passa pela lembrança de um caminho: o caminho de Jesus com os que o seguiam antes e depois da Páscoa. Se qui-sermos voltar a Jesus, devemos entrar nesse mesmo caminho que ele e seus seguidores percorreram. Nesse caminho de recordação, não estamos sozinhos. O Espírito Santo é quem está no coração mesmo do exercício da memoria Iesu. Com efeito, João nos diz que o Espírito Santo que o Pai enviará em nome de Jesus é que nos ensinará tudo e nos recordará tudo o que Jesus nos disse (cf. Jo 14,26).

Hoje a comunidade cristã constituída tem a responsabilidade de levar viva a memória de Jesus Cristo. De fato, não poderíamos ter acesso a Jesus se não houvesse homens e mulheres que dele fizessem memória. Por isso, o grande desafio da fé cristã está em saber que memória está sendo feita de Jesus Cristo. O flagrante perigo de nossa época é voltar a falsificar a imagem dele. São muitas as tentações contemporâneas, mesmo tentações eclesiais, de querer novamente fazê-lo à nossa própria imagem e segundo nossos próprios interesses. Justamente aí reside a importância de levar em conta os estudos históricos sobre Jesus. Isso pode garantir, em parte, que não o tornemos uma marionete que faça e diga o que nos convém. A recordação de Jesus deve necessariamente passar pela Galileia,

mas não sem passar pelo Gólgota, lugar onde desaparece toda ambiguidade possível na fé em Jesus Cristo, no seu seguimento, na vida cristã.

Nós, comunidade cristã contemporânea, não fomos os primeiros a fazer memória de Jesus Cristo. Se hoje podemos recordar Jesus, é porque antes de nós foi feita a memória dele pela comunidade de fé, pela sua Igreja. Nesse sentido, podemos dizer que a recorda-ção de Jesus Cristo passa pela reminiscência da história da Igreja que testemunhou essa memória viva dele, sem esquecer que esse testemunho também é feito da recordação dos esquecimentos e perversões da figura de Jesus, da recordação da “deslembrança” da singularidade desse homem de Nazaré con-fessado como o Cristo. A fé em Jesus Cristo existe como vitória da memória na luta con-tra o esquecimento. Jesus Cristo existe no risco do esquecimento, no risco do olvido dos homens...

Em síntese, não poderíamos fazer a me-mória de Jesus Cristo sem passar pela me-mória da vida da Igreja, memória que pode remontar até a “lembrança primordial” de Jesus Cristo que chega até nós pela mediação do testemunho das primeiras comunidades cristãs que o proclamavam e adoravam, vi-vendo e morrendo por ele. Essa “lembrança primordial” situa-nos bem antes dos desen-volvimentos doutrinais ou dos credos do século II. Sabemos que bem no começo não havia doutrinas nem dogmas. Tampouco ha-via um modo único, universalmente aceito, de acreditar em Jesus; nem sequer existia um modo único de segui-lo.

2. Crer em Jesus Cristo é crer ao estilo de Jesus

Se essa afirmação é verdadeira, devemos saber como Jesus cria. Ele precisava crer? Sim, definitivamente. É isso que importa em primeiro lugar. Ele vivia a experiência de crer inserido no âmago da condição humana, no meio do claro-escuro da história. Jesus era um homem que buscava e perscrutava o horizonte. Longe de ser um vidente, um iluminado, faz

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um caminho de buscas humanas, caminho onde os atos de fé se tornam seu pão cotidiano, especialmente nos momentos de escuridão e de crises. É precisamente nesses momentos que a confiança fundamental no Pai se faz necessária e se torna apoio na descoberta progressiva da sua missão e da surpreendente vinda do Governo de Deus que se manifesta em suas palavras e obras. Diante das dificuldades do caminho e das necessidades implicadas na história do fracasso aparente (era “necessário” que o Filho do homem sofresse muito! – Mc 8,31), Jesus abre-se radicalmente ao Pai em atitude de confiança total, abandonando-se por inteiro nas mãos de quem o acolherá no instante mais escuro da sua existência, no momento da paixão e da morte. Acreditar ao estilo de Jesus é acreditar a partir do mais profundo do abismo.

A fé vivida por Jesus revela uma confiança radical no Pai, especialmente nos momentos--limite da existência, mas não só naqueles momentos extremos. Essa confiança está pre-sente no ordinário dos seus dias, manifestada na contínua e crescente intimidade com o Pai, nos longos momentos de oração pessoal e na compreensão do cerne das coisas humanas no grupo de amigos e amigas que aos poucos foi se constituindo pela vocação. Experiência vital que passa da aclamação mais admirativa da ação do Pai na criação e no coração dos pequeninos à dramaticidade mais profunda da humanidade sem defesa na angústia do Getsêmani. Nesses momentos derradeiros, é a fé-confiança de Jesus no Pai que aparece em primeiro lugar.

Crer em Jesus Cristo é crer ao estilo de Jesus, precisamente quando se crê na ten-tação, no sofrimento e na paixão, quando a “divindade se esconde”, quando Deus se torna discreto e só se escuta o silêncio ex-tremo do abandono no “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Silêncio rompido só por outra palavra que interpreta o abandono-confiança: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23,46). A fé-confiança de Jesus, no limite, no extremo das possibilidades humanas, é acreditar no poder do seu Deus e Pai.

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3. Crer em Jesus Cristo é crer no Deus de Jesus

Sabemos quem é Deus porque Jesus nos revela a identidade de Deus. “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18). Crer em Jesus é crer no Deus de Jesus, porque isso nos afasta do erro comum e constante de muitos cristãos de projetar sobre Jesus ideias preconcebidas de Deus. Só sabemos quem é Deus com base nas obras e palavras de Jesus. De fato, é Jesus quem mudou a ideia de Deus, impedindo-nos de inserir na palavra “Deus” uma série de ideias a respeito da divindade. Jesus é quem nos mostra qual é o conteúdo e a compreensão da divindade. Jamais o contrá-rio. Agora só nos resta contemplar Jesus para contemplarmos o ícone verdadeiro de Deus.

Contemplando Jesus, damo-nos conta de que seu Pai não deseja ser servido, mas servir à humanidade. Contemplando a figura de Jesus nas bem-aventuranças, descobrimos que Deus não deseja ser temido e obedecido, mas quer ser reconhecido na dor e no sofrimento do inocente. Ao contemplar o conhecido “a mim o fizestes” de Mt 25, percebemos que Deus não é um Deus separado da vida do ser humano. Contemplando a profunda humanidade do homem Jesus, tomamos consciência de que Deus é humano e só com base nessa singular humanidade de Jesus podemos intuir a singu-lar divindade de Deus, isto é, uma divindade que passa pelo crisol da humanidade. Crer em Jesus Cristo é crer no Deus dos seres humanos e para os homens (Mt 1,23; 28,20; Rm 8,31). Em síntese, crer em Jesus Cristo implica crer que Deus não é sem nós, Deus não é sem os seres humanos.1

4. Crer em Jesus Cristo é seguir Jesus

O seguimento de Jesus configura e define a nova proposta de vida decorrente da sua pre-

1. Cf. DH 425. O Concílio de Constantinopla II afirma que a união hipostática é katà súnthesin, i.e., “segundo a com-posição”. Diz-se: “A santa Igreja de Deus [...] confessa a união de Deus Verbo com a carne segundo a composi-ção, ou seja, segundo a hipóstase”.

gação e da sua práxis. Essa nova proposta de vida continua mesmo depois do evento pascal, isto é, depois da morte e ressurreição de Jesus. Ora, sabemos que o seguimento dele diz bem o que é a vida cristã. No entanto, podemos nos perguntar se hoje ainda é válido falar em seguimento, visto já não ser possível seguir Jesus, literalmente, pelas estradas empoeiradas da Galileia. Certamente, quando falamos de seguimento, não o levamos ao pé da letra; pen-samos, sobretudo, em seguir, metaforicamente, o rastro de Jesus. Numa palavra, seguir Jesus significa hoje viver ao estilo de Jesus.

A Galileia foi o lugar onde o seguimento começou (At 10,37). Mas de fato, nessas ter-ras, houve duplo começo: o do seguimento pré-pascal e o do seguimento pós-pascal. Antes da Páscoa, Jesus chamou os discípulos nessa província, mas, depois da Páscoa, ela também foi ponto de partida para que os discípulos e discípulas continuassem no seguimento de Jesus, anunciando o evangelho. Sem dúvida, a Galileia é muito mais que um lugar geográfico, é um lugar teológico. Marcos é quem insiste que a Galileia é lugar do encontro com o Res-suscitado (Mc 14,27-28; 16,7). O retorno para a Galileia é equivalente a voltar à fé em Jesus Cristo. Precisamente aí é que as aparições do Ressuscitado aconteceram. A Galileia, terra onde o reconhecimento do Ressuscitado se realizará graças ao Espírito dado pelo Senhor. O Espírito que nos leva a crer que Jesus é o Cristo é o mesmo Espírito que nos faz dizer: “Jesus é Senhor” (1Cor 12,13). Doravante, será necessário reconhecer o Ressuscitado no caminho (Lc 24,13-35).

5. Crer em Jesus Cristo é levar em nosso corpo as marcas de Jesus

À maneira de Paulo, crer em Jesus Cristo implica levar as marcas de Jesus no próprio corpo. “Doravante ninguém mais me mo-leste. Pois trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17). Essas marcas de Jesus em nosso corpo significam que levamos o selo de Jesus. Esse selo que é a garantia de que lhe pertencemos totalmente. Somos do Senhor Jesus. Ele nos marcou com o selo indelével

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do seu coração traspassado (Jo 19,34). Isso tudo evoca certamente em nós o conhecido texto do Cântico dos Cânticos: “Coloca-me como um selo sobre teu coração, como um selo em teu braço” (Ct 8,6). Também vêm à nossa memória as palavras do Evangelho de João: “Trabalhai não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, alimento que o Filho do homem vos dará, pois Deus, o Pai, o marcou com seu selo” (Jo 6,27). Trata-se da marca do Espírito Santo que recebemos no batismo.

Esse último texto tem conotações trinitárias evidentes. Nas marcas de Cristo somos envol-vidos na vida de Deus. É isso que nos lembra Ap 14,1: “Eis que o Cordeiro estava de pé sobre o monte Sião com os cento e quarenta e quatro mil que traziam escritos na fronte o nome dele e o nome do seu Pai”; e também Ef 1,13: “Nele, vós, tendo ouvido a palavra da verdade – o evangelho da vossa salvação – e nela tendo crido, fostes selados pelo Espírito da promessa, o Espírito Santo”. Assim, nós, acreditando no Filho, somos tocados pela vida da Trindade, levando a marca do Cordeiro, do Pai e do Espírito.

Mas o que significa levar as marcas de Jesus Cristo? Trata-se de assumir a “carga” (o fato de “levar” o peso!) que implica o seguimento do Crucificado. É essa carga que levamos no corpo marcado, “estigmatizado” cristãmente; isto é, nossa vida configurada à vida de Jesus Cristo, pela ação do Espírito Santo. Levar as marcas de Jesus equivale a viver ao estilo de Jesus Cristo. Nossas marcas aparecerão claramente quando lutarmos pela justiça, quando buscarmos a fraternidade, a igualdade, e gastarmos nossa vida pela vida em risco dos pequeninos e empobrecidos, quando os famintos e marginalizados ocuparem lugar central em nossa vida. Levar as marcas de Jesus é “ter em nós os sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5), é nos deixarmos enriquecer com a sua pobreza (2Cor 8,9). Antes de nós, o Senhor Jesus se identificou com os pobres da terra, com os que não contam nem para as estatísticas, com aqueles que não são ninguém. Isso é crer em Jesus Cristo.

6. Crer em Jesus Cristo é crer que ele está vivo, que Jesus é o vivente

A afirmação de que Jesus vive é de caráter fulcral para a fé cristã. Não é possível crer em Jesus Cristo sem afirmar que ele é o Vivente para sempre. Ele é a razão de nossa esperança. Essa esperança que triunfa da ameaça constan-te da morte. O Ressuscitado “encarna” os an-seios mais fundamentais das pessoas de todos os tempos. Como Tomé, somos convidados a reconhecer o Senhor vivo na transparência do seu corpo ferido e ressuscitado, convidados a reconhecer no lado aberto do crucificado-res-suscitado aquele que vive, para poder também dizer: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28).

Dizer que Jesus é o Vivente é crer que tudo aquilo que supõe a desumanidade do ser humano e toda a negatividade da vida está, de fato, superado na Vida de Jesus. Isso não significa achar que o cristão não tenha nada mais a fazer. Não! O sentido dessa afirmação é que todos os aparentes “sem sentidos” da vida humana ganham sentido na Vida de Je-sus; que podemos viver na esperança de que a última palavra está dita na Vida definitiva de Jesus. Esse é precisamente um dos sentidos primordiais da ressurreição. Na ressurreição de Jesus, a plenitude do humano é atingida, a realização da vida humana, isto é, a humani-zação do ser humano é possível.

Pelo evento da ressurreição, Jesus Cristo é a plenitude do humano para sempre. É nesse sentido que Jesus é para nós o Vivente. Ele é aquele no qual a vida humana alcança sua ple-nitude para ser-nos comunicada. Vivemos pelo Vivente, somos seres humanos no Vivente. Isso é crer em Jesus Cristo; isso é crer na Vida do Ressuscitado-Crucificado. Esse é o sentido da pergunta dos homens com vestes fulgurantes (anjos!) que as mulheres encontraram no sepul-cro de Jesus: “Por que procurais entre os mortos aquele que vive?” (Lc 24,5). Nossa fé em Jesus Cristo empurra-nos a enxergar as possibilidades de nossa humanidade profunda, a olhar nossas feridas, não nelas mesmas, mas nas feridas do Ressuscitado. Não podemos buscar o Vivente entre os mortos. Não podemos buscar nossa vida entre os cadáveres de nossa história pessoal

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de nossa história pessoal e comunitária. Os estigmas de Jesus ressuscitado se tornam para nós, cristãos, o único caminho para contem-plar o futuro transfigurado de nossa história traspassada, sofrida.

Uma palavra para não concluir

A fé em Jesus Cristo não se limita à simples confissão doutrinal da sua divindade; tampouco conhecer Jesus Cristo se limita ao conhecimento racional e exterior da sua pessoa. Crer em Jesus Cristo hoje é maneira concreta de viver como cristão, maneira concreta de segui-lo. A fé em Jesus Cristo só pode ser entendida hoje como vida configurada segundo o evangelho de Jesus, como vida que adere existencialmente à pessoa de Jesus Cristo. Talvez seja esse o sentido da oração de Paulo: “[...] que Cristo habite pela fé em vossos corações e que sejais arraigados e fundados no amor” (Ef 3,17).

Nós, cristãos, deveríamos ter claro que o cristianismo só tem sentido se lido e interpre-tado à luz de Jesus. Toda outra perspectiva ou chave interpretativa poriam em risco nossa fé cristã iniciada e realizada por e em Jesus, mas que vai além de Jesus. Ou seja, nossa fé cristã é cristológica, mas precisamente por isso e nisso ela é trinitária. Que fique claro: se nossa fé cristã é trinitária, é porque ela é cristológi-ca. Nunca pelo avesso. Jesus é a revelação de Deus, porque nele Deus se encarnou (Jo 1,14). Não esqueçamos nunca: se algo sabemos de Deus, é porque Jesus no-lo revelou (Jo 1,18). Só podemos falar de Deus à luz de Jesus. Esse é o sentido do pensamento de B. Pascal: “Deus fala bem de Deus” (Pensamentos, n. 799).

Por isso é preciso voltarmos à Galileia. E voltarmos à Galileia (e a nós mesmos!) é im-prescindível para voltarmos a Jesus. Mas não se trata de voltarmos para ficar estagnados no passado, presos na recordação melancólica de um pretérito irrepetível. Não. A memória de Jesus é memória para nos voltarmos ao futuro – não a um futuro incerto, mas ao futuro de Jesus, transformado pela Páscoa em nosso pró-prio futuro. A vida cristã, a fé em Jesus Cristo, consiste em nos deixar alcançar por esse futuro que só podemos viver como presente, sempre

como primícias do vindouro. Nesse sentido, podemos dizer que o “tempo ordinário” do cristão é em realidade o Advento.

Paradoxalmente, o exercício da memoria Iesu, levando-nos ao passado, projeta-nos ao futuro, fazendo-nos crentes aqui e agora. Crer só é possível no coração da tensão entre passa-do e futuro. Crer como cristão é crer inclinado ao futuro que nos vem de Jesus, dizendo: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20). Crer em Jesus Cristo é fazer caminho com ele. Fazer caminho com aquele que inicia e realiza nossa fé. E fa-zer memória de Jesus Cristo implica caminhar “com os olhos fixos naquele que é o autor e realizador da fé, Jesus” (Hb 12,2). Acreditar em Jesus Cristo hoje é uma forma de ser homem ou mulher ao estilo de Jesus, segundo as exigências do evangelho de Jesus Cristo. É essa nossa fé elementar em Jesus Cristo para hoje.

BIBLIOGRAFIACODINA, Victor. Seguir Jesus hoje: da modernidade à soli-

dariedade. São Paulo: Paulus, 1993.GALILEA, segundo. Seguir a Cristo. São Paulo: Paulinas, 1978.MARTÍNEZ, Felicísimo. Creer en Jesucristo, vivir en cristiano: cris-

tología y seguimiento. Estella (Navarra): Verbo Divino, 2005.MOINGT, Joseph. La imagen de Jesús. Selecciones de Teo-

logía, Barcelona, v. 47, n. 185, 2008, p. 12-22.NOLAN, Albert. Jesus antes do cristianismo. são Paulo:

Paulus, 1988.PALÁCIO, Carlos. Que significa crer em Jesus Cristo hoje?

Horizonte, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, 1/1997, p. 41-54.

SESBOÜÉ, Bernard. Imágenes deformadas de Jesús: moder-nas y contemporáneas. Bilbao: Mensajero, 1999.

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A mensagem sobre Jesus, assim como as pregações religiosas em geral, tem alcançado número considerável de ouvintes e adeptos, especialmente em virtude do florescimento religioso vivenciado no mundo inteiro nos últimos anos do segundo milênio, fenômeno que chega com intensidade até nós nos dias de hoje. Somam-se a isso o interesse das mídias e a importância da religião em outros campos. Daí o destaque, nos últimos anos, de livros como O Código Da Vinci, de Dan Brown, incluindo a versão cinematográfica de Ron Howard; de filmes como A paixão de Cristo, de Mel Gibson, e de famosos documentários sobre Jesus do Discovery Channel, cada vez mais populares no Brasil.

Assim como os demais aspectos religiosos, as interpretações acerca de Jesus e as percep-ções sobre a importância delas para a vida em geral são diversas e, em boa parte das vezes, contraditórias. Isso reforça e motiva ainda mais os estudos teológicos e as ações pastorais e missionárias.

Para esta reflexão, propomos abordar dois aspectos. O primeiro apresenta marcos para o estudo inicial da cristologia, e o segundo polo de reflexões analisa um pouco mais detidamente aspectos da vida de Jesus: sua espiritualidade, concepção escatológica e os conflitos por ele vividos.

1. O estudo da cristologia hoje

No contexto atual, diferentes grupos de cristãos têm se preocupado com a auten-ticidade da mensagem evangélica e com a

respectiva fidelidade dela ao núcleo central e histórico-teo lógico da fé cristã. Entre nu-merosos desafios teológicos, está a busca de uma cristologia que ofereça bases bíblicas e teológicas consistentes para o discernimento das variadas mensagens acerca de Jesus.

Nesse sentido, uma reflexão bíblico-teoló-gica sobre Cristo é necessária para que se pos-sa discernir, o mais adequadamente possível, qual é a vontade de Deus para a humanidade hoje. Compreendemos a cristologia como a reflexão sistemática sobre os conteúdos da fé identificados na prática de Jesus e de seus seguidores e seguidoras. Mais concretamente, diríamos que a identidade e a relevância da cristologia se fundamentam basicamente na seguinte questão: “Como reconhecer o amor de Deus por intermédio da vida de Jesus de Nazaré?”

1.1. Qual é o melhor caminho para conhecer Jesus?

A despeito da visão presente no senso co-mum das pessoas, “Jesus Cristo” não é nome próprio (como se Cristo fosse um sobrenome de Jesus), mas trata-se de expressão dupla que professa e proclama uma fé: Jesus de Nazaré é compreendido e aceito como o Cristo, o Mes-sias prometido, o Ungido de Deus. Isso torna a conhecida relação entre o “Jesus histórico”

CONHECER MELHOR A CRISTO:O SIGNIFICADO HISTÓRICO

E TEOLÓGICO DE JESUS CRISTOPARA A ATUALIDADE

Claudio de Oliveira Ribeiro*

* Pastor metodista em santo André-sP, doutor em Teologia pela PuC-Rio e professor de Teologia e Ciências

da Religião da universidade Metodista de são Paulo. Assessor das comunidades eclesiais de base.

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e o “Cristo da fé” complexa e teologicamente desafiadora. Resumidamente, compreende-se que o “‘Jesus histórico’ é o Jesus que pode ser reconstituído pela investigação histórica, aquele homem que viveu e morreu na Palestina do século I, ocupada na época pelos romanos [...] o ‘Cristo da fé’ é aquele anunciado pela Igreja depois da Páscoa, o Cristo dos símbolos de fé e das declarações dogmáticas” (GARCIA RUBIO, 1994, p. 11-12).

A abordagem que tem sido considerada como mais adequada para a cristologia (que os estudiosos denominam “baixa, ascendente”) baseia-se na afirmação histórica de Jesus, ho-mem judeu do século I. A esse ponto seguem--se uma “ascendência”, com o significado religioso a ele atribuído – Jesus como Cristo (o Messias, o Ungido) –, e uma interpretação teológica do significado histórico-teológico de Jesus Cristo para a atualidade.

A abordagem “baixa, ascendente” se con-trapõe à “alta, descendente”, cujo ponto de partida é a Palavra (divina) preexistente que encarna no humano. Essa visão é questionável, entre vários motivos, por supor como evidente a divindade de Jesus, por omitir ou esvaziar o sentido da sua vida, morte e ressurreição, e por sugerir uma figura mitológica à imagina-ção das pessoas (cf. LOEWE, 2000, p. 5-20).

A humanidade de Jesus é um fato concreto para o fortalecimento da fé da comunidade. Tal perspectiva ajuda a refletir sobre teologias atuais contrárias à ideia da cruz, como as teo-logias da prosperidade, por exemplo. Jesus não pode ser compreendido por uma nova visão docetista, que oculta a realidade da doença, do sofrimento e da morte.

A partir do momento em que o ser humano se reconhece na figura encarnada do Cristo manifestada no evento pascal e se identifica com ela, torna-se questionável a visão – for-temente difundida no meio eclesial – de que apenas a transcendência deve ser valorizada. A metodologia que parte da existência histórica de Jesus possibilita ao ser humano melhor compreensão de si mesmo, de sua fé, e melhor identificação com Deus. Com isso, as pessoas podem tornar-se mais humanas e acessíveis à

pregação do reino de Deus, ensejando à Igreja uma prática libertadora.

A fé cristã deve a sua origem e vitalidade a aspectos diferentes de um mesmo evento, a saber: “Jesus ser reconhecido como Cristo de Deus, Deus ser crido como o Pai de Jesus Cris-to que o ressuscitou dos mortos, e a presença de Cristo ser experimentada no Espírito que vivifica” (MOLTMANN, 1993, p. 69).

A revelação do Deus da vida (na ressur-reição) é inseparável da revelação do Deus solidário (na cruz de Jesus). Cruz e ressur-reição são dois momentos inseparáveis da realidade única que é o mistério pascal. O evento da morte-ressurreição de Jesus Cristo reúne e articula as dimensões próprias do “Jesus histórico” e do “Cristo da fé” ao in-tegrar esvaziamento e glorificação, serviço e eucaristia, cruz e libertação.

1.2. A dimensão profética de Jesus

Se olharmos com atenção os evangelhos, veremos que a prática de Jesus é processual (histórica e desenvolvida com base em ações e reações concretas), situada (encarnada na realidade econômica, política e religiosa) e conflituosa (algo não desejado, mas inevitável, em razão da contradição entre o reino de Deus e a realidade social da época).

Ao rejeitar os títulos de rei, doutor e si-milares, Jesus direciona sua missão/vocação para o profetismo. Suas atitudes remontam ao despojamento e à visão crítica dos profetas (AT) e à postura do servo sofredor (Isaías). Há na prática libertadora de Jesus permanente chamado ao arrependimento e ao perdão. Trata-se de realidade baseada no amor, có-digo essencial para a implantação do reino. É reflexo da espiritualidade de Jesus. Ele, na motivação do Espírito, expressa a sabedoria com base na experiência de intimidade com o Pai (Abba). Isso não se confunde com uma autocompreensão divina por parte de Jesus, mas é nessa relação afetiva e de profunda confiança que ele se esvazia de si mesmo (Kenosis) e se apresenta como anunciador do reino, sem usar como usurpação o ser igual a Deus (Filipenses 2).

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Jesus confrontou as autoridades religiosas de sua época, censurando-lhes a centraliza-ção do poder, a cristalização das doutrinas, a dogmatização e absolutização das ideias teológicas (a Lei) e a supremacia da dimensão institucional em detrimento da vida humana. Em decorrência dessa postura, foi assassinado.

O fim violento de Jesus seguiu a lógica de seu posicionamento perante Deus e o ser humano. A violenta paixão foi reação dos guardas da Lei, do Templo, do direito e da moral à ação não violenta e à defesa da justiça promovidas por Jesus. Sua morte é o resultado de opção política explícita pelas pessoas po-bres e marginalizadas – efetuada ao longo de seu ministério – em oposição às “elites” de seu tempo. Tal opção foi marcada por forte visão religiosa escatológica que pregava a iminente vinda do reino, a qual resultou na compreen-são, sobretudo por parte do poder romano, da necessidade da eliminação de Jesus. A experi-ência histórica concreta do assassinato de Jesus é a base para a compreensão do martírio de Jesus – referência teológica de relevância para a comunidade primitiva e para a fé cristã hoje.

2. Ajustar o foco: um olhar sobre Jesus de Nazaré

De posse dos pontos básicos do estudo da cristologia apresentados, muitos aspectos da discussão cristológica poderiam ser ressalta-dos. Três deles são privilegiados a seguir: a soberania de Deus expressa na mensagem de Jesus, a relação de Jesus com as expectativas do povo de sua época e a relação entre a men-sagem e a morte de Jesus.

2.1. Jesus e a soberania de Deus

A relação entre o ser humano e Deus en-contra um ponto crucial nas questões relativas à soberania divina. Esta tem sido divisor de águas de tantas correntes e perspectivas teo-lógicas, assim como nos debates pastorais e doutrinários. A história da humanidade quase que se confunde com as tentativas humanas de chegar às dimensões do sagrado, nas diversas variações culturais e históricas dele. Em geral, o ser humano busca a possibilidade de compre-

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ender decisivamente o sagrado ou, em alguns casos, de assumir o lugar que as experiências e as doutrinas religiosas concederam a ele. No caso da tradição judaico-cristã, trata-se de “comer o fruto do conhecimento do bem e do mal” (cf. Gênesis 3), e, com essa atitude, avolumam-se consequências das mais diversas ordens.

Tais reflexões situam-se no campo do poder. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Romanos 8,31), perguntam todos os cristãos, com os mais diferentes e até mesmo antagôni-cos propósitos. A qualidade de resposta a essa questão, associada às potencialidades históri-cas de cada pessoa, grupo ou nação, interfere no curso das sociedades. Isso sem considerar o plano das vivências pessoais, familiares e de pequenos grupos e instituições, com base em que a filosofia moderna consagrou o conceito de “microfísica do poder”. Essa situação, em si, exige da reflexão teológica parâmetros, critérios, formas e perspectivas de agir que possam garantir ações – gerais ou particulares, de grandiosas ou modestas consequências – coerentes com o evangelho.

Nesse sentido, há que constantemente reto-mar o reino de Deus como horizonte utópico dos cristãos. Trata-se da soberania de Deus, o poder que ele possui acima de toda e qualquer vontade humana. Nas palavras de Hans Küng: “Jesus não pregou uma teoria teológica, nem uma nova lei, nem a si mesmo, mas o reino de Deus: a causa de Deus (= vontade de Deus) que irá triunfar e que é idêntica à causa do ser humano (= bem do ser humano)” (KÜNG, 1979, p. 28). Jesus faz um convite para que se permita que Deus seja Deus (soberania), e isso requer abertura, despojamento e conversão humana. Trata-se de acolher o dom de Deus (graça). A cristologia, como uma das fontes sistemáticas de reflexão teológica, necessita situar decisivamente as ênfases bíblicas do reino e da soberania de Deus. Caso contrário, ela não poderá responder adequadamente às exigências da comunicação do evangelho.

Jesus viveu e morreu pela causa de Deus, que, por sua vez, estava e está em função do ser humano. Essa visão contribui para refutar

as interpretações mágicas ou fundamentalistas que não consideram detidamente o propósito maior presente, como fio condutor, na men-sagem do Novo Testamento – ou seja, o reino de Deus. Refuta também as mensagens, espe-cialmente as de cunho soteriológico, que não articulam a morte de Jesus com os conflitos inevitáveis com os centros de poder, em virtude da fidelidade dele ao projeto do Pai (o reino).

Outro aspecto fundamental é que o evan-gelho, por ser anúncio da boa-nova salvífica, constitui instância crítica da sociedade e da história. Para Jesus, a soberania de Deus é também um juízo crítico sobre a história A pregação de Jesus, nesse sentido, está em tensão criativa e dialética com a história de Israel. Exemplar é a mensagem das “bem--aventuranças dos pobres”, que recria as expectativas do povo quanto à “terra santa”, onde abunda “leite e mel”. Trata-se, nesse caso, de novo êxodo, que se configura em uma crítica da situação concreta da vida à luz da noção da soberania de Deus.

Por outro lado, as bem-aventuranças sig-nificam que já é chegada a hora. Ou seja, a presença de Jesus no mundo cumpre as expec-tativas pela ansiosa espera dessa novidade de vida, da chegada do “Deus auxiliador”, que se compadece dos pobres. A importância e a fragilidade humana ganham o seu redentor.

Da mesma forma compreendemos as curas e a atitude de Jesus de libertar as pessoas dos demônios. Os consensos exegéticos indicam que a afirmação neotestamentária de que Jesus curou e expulsou demônios possui sólida base histórica. Trata-se de atitude salvífica de Jesus com relação aos que sofrem. Os evangelhos revelam, portanto, que a salvação será consi-derada como boa-nova somente à medida que se manifeste aqui e agora em favor de seres humanos concretos. Juízo e novidade, portan-to, estão presentes no núcleo da pregação de Jesus (cf. SCHILLEBEECKX, 1981, p. 130).

Jesus vê o futuro como possibilidade exclu-siva de Deus. Essa mensagem se contrapõe às formas de exercício do poder humano, mesmo aquelas imbuídas de profundo interesse pela concretização do reino de Deus. Dizer que

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“é de Deus” significa relativizar o poder e as ações humanas, até mesmo as bem-intenciona-das, sobre as quais a sabedoria popular ousou afirmar que o “inferno está cheio”.

Essa mensagem de Jesus também fomentou tensões, em diferentes níveis, no contexto polí-tico-religioso de sua época. Diante do poderio romano, assim como de todo e qualquer poder constituído, a evocação de uma autoridade divina, soberana, autônoma e imperativa não ficaria impune. Tratou-se de ameaça frontal, com a consequente necessidade de enquadra-mento, o que redundou, como já referido, na morte de Jesus.

Por outro lado, o evangelho de Jesus, graças à lógica inclusiva e universal que possuía, rom-peu com as perspectivas sectárias de diferentes grupos judaicos. Jesus não agiu de forma sectária nem autoritária, mas com autoridade (Mateus 7,29), ao anunciar o reino de Deus em consonância com a sua prática de vida. Ele abominou o sectarismo arrogante e prepo-tente dos escribas e fariseus (Mateus 23,15), relativizou o ascetismo próprio dos essênios e o imediatismo dos zelotes, e questionou as formas político-religiosas, especialmente as dos saduceus, que, em vez de proclamar o amor de Deus, marginalizavam as pessoas que mantinham convicções diferentes.

A atitude de Jesus era, entre outros aspec-tos, um questionamento da noção, presente na maioria dos grupos, de um “resto santo”, de um “povo puro”. As análises desses có-digos de pureza, invariavelmente, revelam a centralidade do esforço humano no processo salvífico, ainda que com variações de natureza e de grau. Como se sabe, há constante tensão no evangelho entre os códigos da aliança e da pureza. O primeiro retoma o Êxodo, a experiência do deserto e a corrente profética, enquanto o segundo se refere ao Templo, à perspectiva do sacerdócio real e à oposição à reforma deuteronômica. A pregação e a prá-tica de Jesus são a personalização do código da aliança. O conhecimento e a sabedoria de Jesus vêm do deserto, não da sinagoga. Com isso, sua mensagem desvela a mentira e o ocultamento presentes na vivência religiosa

(cf. 1 João 1; 2). Isso se dá em, ao menos, dois níveis: no plano da segurança pessoal, com as estruturas de autossalvação humana, e no plano das contradições, quando a condição de “ser religioso” (forte nas doutrinas dos fariseus) não corresponde ao “fazer o bem” (ênfase central do evangelho).

2.2. Jesus e as expectativas do povo

Um segundo aspecto refere-se à não sinto-nia da mensagem de Jesus com as expectativas populares. Havia, em Israel, significativamente maior expectativa da vinda do Messias do que do reino de Deus. O povo também esperava expressar o seu poder com a legitimação de poderes messiânicos, iminentes e humanos.

Os evangelhos – especialmente o de Mar-cos, pelo gênero literário e pela estrutura de redação – representam uma correção da mentalidade apocalíptica triunfalista reinante nos movimentos judeus do primeiro século. Jesus de Nazaré, verdadeiramente, é o Filho de Deus (Mc 1,1), que se distancia do Mes-sias triunfante esperado por muitos, mas se revela como o Servo que assume o caminho que leva à cruz.

A expectativa (e a proibição/solicitação) de Jesus de que sua messianidade não fosse revelada representa uma das formas de conter a visão triunfalista surgida em torno dele. No Evangelho de Marcos, por exemplo, o “segre-do messiânico” é revelado gradualmente, sem-pre em conexão com a perspectiva da paixão, e mantém-se até mesmo após a ressurreição (Mc 16,18). Trata-se, sobretudo, de referência teológica questionadora da autossuficiência excessiva da comunidade humana.

Jesus anuncia que o reino está para além da história. O futuro é sempre maior que o presente, embora ajude a instaurar na rea-lidade atual uma vivência ético-religiosa em consonância com o reino de Deus. A vida e a pregação de Jesus demonstram que o pre-sente e o futuro, ainda que distintos, estão essencialmente unidos. Ele prega a salvação futura, torna-a presente com a sua práxis e, com isso, indica a conexão entre a sua pessoa e o reino de Deus.

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A presença de Jesus entre as pessoas reque-reu delas atitude de confiança fundamental. Tratava-se de uma opção a favor de Jesus e da proposta de vida por ele apresentada ou contra ele e sua proposta. Jesus revelava ao povo o sentido pleno da Lei, como signo da bondade e da misericórdia de Deus para a salvação. To-davia, perceber tal realidade salvífica requeria senso de fé, disposição para crer, abertura e acolhimento do dom salvífico.

A adesão das pessoas à proposta de Jesus gerava, para elas, outras possibilidades de convivência, alternativas ao rigor religioso de outros grupos em Israel. Paradigmático é o relato de Marcos 2,18-22, segundo o qual os discípulos de Jesus, ao contrário dos de João Batista, não jejuam, pois desfrutam da presença do Mestre. Nesse querigma se verifica uma absoluta liberdade de Jesus e de seu grupo de seguidores, diferente dos casuísmos e dos legalismos religiosos.

A convivência dos discípulos com Jesus é essencialmente fraterna, comunitária e festiva, sinal da salvação anunciada. Se o seguimen-to de João Batista, por exemplo, redundava em vida ascética de penitência, o de Jesus marcava-se pela novidade de vida plena de alegria e comunhão. Uma “comunidade de mesa”, onde se partilham a comida, a bebida e a solidariedade, como experiência presente da misericórdia divina, a ser revelada decisiva e definitivamente no futuro.

A possibilidade de salvação humana está re-lacionada, conforme os testemunhos bíblicos, ao dom gratuito de Cristo, oferecido pelo Pai e acolhido com fé pelos seres humanos, sob a ação do Espírito Santo.

A novidade do evangelho mobilizou di-ferentes pessoas e grupos. Ela baseava-se no fascínio e na força existencial que Jesus exercia sobre eles. Isso garantiu possibilidade histó-rica à fé cristã e manteve-se substancialmente relevante por meio da memória dos primeiros discípulos. A alegria da convivência fraterna com Jesus, somada ao pesar da ausência dele após a morte, formou um núcleo de lembran-ças fundador de uma fé ativa e solidária. Jesus revelou-se como um “homem da liberdade”,

cuja soberania não esteve a favor de provei-tos próprios, mas a serviço dos outros, como expressão do amor livre de Deus pelos seres humanos.

Olhar retrospectivamente essa convivência indicava para a comunidade primeira dos cristãos – assim como para as de hoje – pers-pectivas de uma comunhão futura com Cristo. Dessa forma, passado, presente e futuro se encontram, firmados na possibilidade do reino de Deus, como expressão salvífica concreta e escatológica para o ser humano.

O ministério de Jesus, segundo o relato do Evangelho de Marcos, inicia-se na Galileia após a experiência do deserto. Em Israel, havia se desenvolvido uma espiritualidade do de-serto – lugar de solidão, oração, luta interior, tentação, purificação e encontro com Deus.

Para compreender a pregação de Jesus, a Galileia possui significado teológico relevan-te. Ali Jesus escolheu os seus discípulos (Mc 1,6-20; 2,14 e 3,13-19), deu-lhes a missão (Mc 6,6b-13) e os preparou para os enfren-tamentos e para a paixão (Mc 8,31ss). A Galileia contrasta com Jerusalém – lugar de onde procedem opositores: “E os escribas que haviam descido de Jerusalém diziam: ‘Beelzebu está nele’” (Mc 3,22); “Os fariseus e alguns escribas vindos de Jerusalém reuniram-se a ele” (e discutiram sobre a tradição dos antigos) (Mc 7,1-13). A Galileia, portanto, “mais que um lugar geográfico, é um lugar teológico” e servirá posteriormente, como está redigido no final do evangelho, de referência de onde encontrar o Ressuscitado (Mc 16,7).

A ênfase do Kairos – “o tempo está realiza-do e o reino de Deus está próximo. Convertei--vos e crede no evangelho” (Mc 1,12-13) – abre, para Jesus, longa jornada de conflito em meio à sua vida e mensagem. A Galileia é distante do Centro, mas não deixa de ser lugar privilegiado para a crítica de Jesus aos poderes constituídos, que estão em contraposição à mensagem do reino proclamada por ele.

Ao lado disso é preciso destacar que os relatos dos evangelhos, especialmente o de Marcos, priorizam a ação de Jesus, enquan-to a descrição mais formal e doutrinária de

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ensinamentos fica em segundo plano. Não se trata de separação entre ação e ensino, mas, sim, de referência teológica de destaque para a vida cristã que valoriza especialmente o agir e percebe nessa prática o autêntico ensinamento.

O dinamismo do evangelho, portanto, caracteriza-se pelo apelo ao seguimento de Jesus como motivação teológica básica; pela escolha da periferia (Galileia) como lugar social privilegiado; pela relação com os empo-brecidos e oprimidos como sujeitos sociais da preferência de Deus; pela ênfase no cotidiano como o tempo e o espaço próprios do reino. Daí a importância de enfatizar que Jesus valo-rizou a vida. A afirmação de que ele “veio para morrer por nós”, além de ser teologicamente contraditória, reforça uma visão sacrificialista que, embora historicamente presente no cris-tianismo, é contrária à fé cristã (cf. BRAVO, 1996, p. 121-152).

2.3. Jesus e o exercício do poder

Para compreender melhor os conflitos vividos por Jesus, utilizaremos a palavra “Centro”. A chave interpretativa da expres-são “o Centro” é a conjugação dos fatores políticos externos e internos presentes na vida do povo judeu. Os primeiros tratam de uma dominação exercida pelo império romano, de cunho político-econômico. Os fatores internos referem-se a uma supremacia político-religiosa de lideranças judaicas, que redundava em posturas de consonância e colaboração com o poder romano, não isentas de corrupção.

Esse quadro de dupla dominação produzia massas economicamente pobres, religiosamen-te marginalizadas e politicamente reprimidas, sobretudo por força dos mecanismos insti-tucionais dos tributos, da Lei e do exército. Por outro lado, também gerou revoltas e movimentos de resistência, e a Galileia, lugar da infância e da juventude de Jesus, foi uma das regiões mais afetadas pelas convulsões políticas e sociais da época.

As autoridades judaicas exerciam o poder por intermédio do Sinédrio (como expres-são política) e do Templo (como expressão teológica), ambos localizados em Jerusalém.

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O Sinédrio (conselho supremo dos judeus) era dirigido por um sumo sacerdote judeu e formado por 71 integrantes, entre fariseus e a maioria de saduceus.

O Templo, por sua vez, era de vital impor-tância para o povo judeu e para os habitantes de Jerusalém, em especial. Tratava-se de mo-tivo de orgulho, chave de identidade, síntese sacramental da eleição e fonte da economia judaica. Esta incluía o comércio de animais para os sacrifícios, o trabalho de construção do Templo – ainda presente na época de Jesus – e os serviços dos sacerdotes, levitas e outros.

Em torno desses dois elementos havia um sistema de ideias e de práticas que foi objeto de contestação de vários grupos, também do mi-nistério e do seguimento de Jesus. Assim como a Galileia, o Centro, portanto, era também mais do que lugar geográfico, era a expressão ideológica de um sistema de doutrinas e de práticas político-religiosas vigentes.

Não obstante Jesus ter privilegiado a po-pulação camponesa e empobrecida da Galileia como alvo preferencial de sua pregação e ministério (ao contrário de se dirigir às auto-ridades e grupos sociais de destaque em Jeru-salém), sua prática estabeleceu uma polêmica radical com os fariseus e com os mestres de Israel. O Evangelho de Marcos revela, com base no relato de cinco atitudes de Jesus, em sequência, esse confronto:

a. Perdoa os pecados de um paralítico e cura-o de sua enfermidade (Mc 2,1-12).

b. Convida um cobrador de impostos (Levi) para ser seu discípulo e vai à casa dele para comer em companhia de outros publicanos (Mc 2,13-17).

c. Deixa, juntamente com os seus discí-pulos, de observar a prática do jejum, prescrita na Lei (Mc 2,18-22).

d. Faz esforços indevidos segundo a Lei ao colher espigas pelas plantações do cami-nho em que andava, em dia de sábado (Mc 2,23-28).

e. Igualmente em dia de sábado, na sinago-ga, cura um homem doente (Mc 3,1-5).

Tais atitudes geram, da parte de fariseus e de herodianos, a imediata intenção de conspi-

ração contra Jesus e de planejamento de sua morte (Mc 3,6). Eles perceberam as dimensões libertadoras (e, nesse sentido, subversivas) contidas nos discursos de Jesus, as quais orien-tavam as práticas dele:

• AuniversalidadedagraçadeDeus: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim cha-mar justos, mas pecadores” (Mc 2,17).

• AforçacriadoradeDeus: “Ninguém faz remendo de pano novo em roupa velha; porque a peça nova repuxa o vestido velho e o rasgo aumenta. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; caso contrá-rio, o vinho estourará os odres, e tanto o vinho como os odres ficam inutilizados. Mas vinho novo em odres novos” (Mc 2,21-22).

• Asupremaciadoserhumanoemrelaçãoà religião: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado, de modo que o Filho do homem é senhor até do sábado” (Mc 2,27).

A morte de Jesus na cruz, fruto dos confli-tos com os grupos político-religiosos, torna-se consumação da maldição, uma vez que ele se torna o representante das pessoas e grupos considerados violadores da lei ou tidos como pecadores. Ela mereceu objetiva consciência, tanto do poder romano como das autori-dades judaicas. Jesus deslegitimou ambos, especialmente com o silêncio. Primeiramente no Sinédrio (Mc 14,60-61), depois perante Pilatos (Mc 15,15).

O silêncio é expressão política e teológica de relevância. Jesus falou aos pobres e calou-se diante dos poderosos. Com isso, revelam-se a atitude e a missão preferencial que marcaram o ministério de Jesus. O silêncio, quando não por conveniência própria, indica especial mística, um “para além de”, despojamento absoluto e confiança no Pai. O silêncio é sinal de libertação.

3. Uma história inconclusa...

As comunidades, quando vivem e celebram os sacramentos, atualizam a mensagem da

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cruz. Com isso, a ênfase recai sobre o serviço, o perdão, o esvaziamento e a disposição de caminhar em direção aos processos de humani-zação e libertação. O cristianismo hoje parece viver um tempo no qual uma visão triunfalis-ta se sobrepõe ao sofrimento de Cristo e ao anúncio do reino. Mas a cruz nega o egoísmo humano, fundamenta a doação e o serviço e abre perspectivas para que haja satisfação pessoal em ver a realização do outro.

Jesus morreu por fidelidade às tradições libertadoras do Êxodo e da aliança dos profe-tas, expressões do reino de Deus que pregou. A cruz de Jesus, o Cristo, escândalo para os judeus e loucura para os gentios (1Cor 1,23), possibilita significado para o despojamento humano, autodoação, solidariedade e vida de serviço e de alegria.

É, sobretudo, a experiência de fé e de mar-tírio das primeiras comunidades, registradas no Novo Testamento como “memória das memórias”, que abre a possibilidade de com-preensão dos atos históricos de Jesus. Assim, encontram-se articuladas fé e vida, morte e glorificação, libertação e salvação.

É fato que, histórica e pastoralmente, os relatos bíblicos do sofrimento e da morte de Je-sus, não obstante a ressurreição, conferem um medo como o que tiveram aquelas que fugiram do túmulo, assustadas (Mc 16,6). Todavia, os consensos exegéticos indicam ser uma história inconclusa... Sinal, portanto, de que o ponto final está por vir, que fidelidade e esperança se conjugam e que a realidade presente requer vigilância e novidade permanentes.

BIBLIOGRAFIA

BRAVO, Carlos. Galileia ano 30: para ler o Evangelho de Marcos. São Paulo: Paulinas, 1996.

GARCIA RUBIO, Alfonso. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 1994.

HAIGHT, Roger. Jesus, símbolo de Deus. são Paulo: Paulinas, 2003.

KÜNG, Hans. Vinte teses sobre o ser cristão. Petrópolis: Vozes, 1979.

LOEWE, William P. Introdução à cristologia. são Paulo: Pau-lus, 2000.

MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo: cristologia em dimensões messiânicas. Petrópolis: Vozes, 1993.

SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus: a história de um vivente. são Paulo: Paulus, 2008.

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1. Uma realidade complexa

Não deixa de ser curioso que a noção cen-tral do cristianismo – como, aliás, de qualquer religião –, a saber, a noção de salvação, não tenha recebido uma formulação oficial do ma-gistério da Igreja no que diz respeito a seu con-teúdo. Uma primeira pista para entendermos esse fato já se encontra no próprio Novo Tes-tamento, que nos apresenta muitas expressões do que significa “estarmos salvos”. Vejamos. Libertados da escravidão do pecado, do jugo da lei, da morte, das trevas; reconciliados com Deus, perdoados de nossas culpas, chamados a uma vida nova, justificados, santificados, filhos de Deus, templos do Espírito Santo, irmãos de Jesus Cristo; experimentamos a alegria, a consolação, a liberdade, dons do Espírito, que também nos capacitam para o amor, para a perseverança, para a esperança da ressurreição e nos fazem participar da vida de Deus. Além disso, sabemos que, ao longo da história do cristianismo, as expressões se sucederam conforme os contextos vitais de onde se originaram.

Como explicar esse fato? Vejamos. Salva-ção, em sentido teológico, significa a plenitude do ser humano, o sentido último de sua vida, sua realização total. Para a fé cristã, a salva-ção do ser humano é Deus, como tão bem enfatiza santo Tomás de Aquino (S.Th. I,1,1). Ou, como se diz hoje, é a autocomunicação de Deus ao ser humano, que só será plenamente vivida na outra vida. E, como bem sabemos, tudo o que toca a Deus toca ao mistério. Daí a pluralidade de expressões, verdadeiras, mas

inadequadas, por não conseguirem formular perfeitamente o que seja a salvação cristã. Entretanto, nossa explicação está incomple-ta. Pois essa salvação não é só de Deus como seu autor, mas também salvação de homens e mulheres.

Aceita essa afirmação, a compreensão da salvação vai inevitavelmente se tornar com-plexa e plural. Primeiramente porque não existe um ser humano abstrato. Todo homem e toda mulher se encontram necessariamente no interior de um contexto vital, socio-cultural, histórico, que apresenta ameaças concretas, desafios próprios, mentalidades específicas, culturas distintas. E é exatamente nesse contexto que seus habitantes experi-mentam a salvação, libertando-os de algum mal ou levando-os a maior plenitude de vida. Não nos admira, portanto, que, ao longo da história, as expressões de salvação, sempre contextualizadas, se sucedam para fazer frente aos novos questionamentos e às novas linguagens. As expressões passadas, enquanto corretas, permanecem em sua verdade e não devem ser descartadas, pois representam a riqueza da tradição cristã da qual se nutre nossa fé.

Outro fator que torna a noção de salvação diversificada vem a ser o próprio indivíduo humano. Pois este constitui uma realidade

COMPREENDER A SALVAÇÃO CRISTÃNO SÉCULO XXI Pe. Mario de França Miranda, sj*

* Doutor em Teologia pela universidade Gregoriana, professor na PUC-RJ, membro da Comissão Teológica Internacional e assessor teológico do Celam. Publicou diversos livros, entre

os quais A salvação de Jesus Cristo, Edições Loyola, 2009.

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rica e complexa: corpórea, espiritual, pessoal, social, psicológica, ambiental, política, cultu-ral. Qualquer um desses setores da vida hu-mana pode clamar por salvação. Com outras palavras, a salvação cristã, como salvação de toda a pessoa humana, deve iluminar, orientar, sanear, corrigir, estimular, plenificar qualquer setor da vida humana, sem se limitar a apenas algum deles. Daí também a possibilidade de surgirem compreensões diversas, conforme as experiências salvíficas se realizem nas diversas áreas humanas. Essa afirmação é importante, pois na história do cristianismo se deu prefe-rência quase exclusiva a expressões de cunho religioso. Com isso, fatos e compromissos salvíficos acontecidos na vida das pessoas permaneceram anônimos e desvalorizados, por não terem sido captados e entendidos numa visão cristã.

2. Dom de Deus para uma humanidade fraterna

O que vimos até aqui já justifica perfeita-mente a tarefa de compreendermos a salvação para hoje. Observemos ainda que a salvação é dom de Deus, é-nos oferecida gratuitamente em Jesus Cristo. Ideologias ou cosmovisões que prometem uma humanidade feliz e sem males expressam a tentativa humana de uma autossalvação, contradizem a fé cristã e são desacreditadas pela própria história, embora manifestem a tentação constante do ser hu-mano de se emancipar de Deus. Tentação vã, pois Deus é sempre primeiro na busca humana por salvação. Com efeito, foi ele quem nos deu a existência por puro amor, é ele quem nos mantém existindo, é ainda ele quem nos capacita a atuar na busca da humanidade fraterna e justa. Esse fato não anula nossa responsabilidade diante da história. Pois esse dom de Deus é oferecido a pessoas dotadas de inteligência e de liberdade. E, conforme o acolhemos livremente, essa oferta se torna realidade, a salvação realmente acontece.

A Bíblia nos comprova que toda a iniciativa de Deus ao constituir um povo eleito, uma comunidade humana específica, não pretendia primeiramente dar origem a uma religião,

mas fazer emergir na história uma nova hu-manidade, uma sociedade alternativa às so-ciedades históricas marcadas pelas injustiças, pelo autoritarismo, pelas discriminações, pela ganância e pelo sofrimento. Daí se explica a vocação de Abraão, de Moisés e dos profetas para guiarem um povo na obediência a Deus e no amor ao semelhante. Visando ao mesmo objetivo se situa o anúncio do reino de Deus feito por Jesus (LOHFINK, 2008). Sua pessoa é a realidade viva do reino, em suas palavras e ações, na fidelidade ao Pai e no cuidado com todos, especialmente com os mais sofridos e marginalizados. A práxis cristã, marcada pela gratuidade, pela misericórdia, pelo perdão, pela justiça e pelo amor, recupera e fortalece o que há de melhor no ser humano, gera uma comunidade humana menos deformada pelo egoísmo e demonstra que o reino de Deus, embora só vá se realizar plenamente na vida eterna em Deus, já acontece em nossa histó-ria. Pois acolher o reino é acolher a Deus e o irmão, sem que possamos separar esse duplo acolhimento.

Entretanto, não só a história de Jesus de Nazaré determina nossa compreensão da sal-vação, mas também sua morte e ressurreição, como consequência de sua própria vida. Sabe-mos que seu comportamento e suas palavras desagradaram às autoridades religiosas de seu tempo, que nele viam uma ameaça à religião estabelecida e por isso procuraram eliminá-lo. De fato, sua pessoa inaugurava novo tipo de relacionamento com Deus e provocava nova modalidade de convivência humana, sem injustiças e discriminações, em continuidade com a pregação dos profetas. Enquanto Jesus Cristo, por sua ressurreição, constitui o pri-meiro a experimentar a salvação, sua vida, que desemboca no mistério pascal (morte e ressurreição), torna-se o protótipo para todo aquele que também deseja viver essa salvação na história e experimentá-la em plenitude na ressurreição. Acolhendo o reino e procurando viver para o outro, sobretudo para o mais ne-cessitado, o cristão deverá assumir a vida de Jesus Cristo, morrendo como ele para o egoís-mo, a fim de, como ele, ressuscitar para Deus. Essa realidade salvífica se expressa no batismo

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(Rm 6,3-5) e na eucaristia (1Cor 11,17-34), bem como nos demais sacramentos. Ela resulta da ação do Espírito Santo em nós que visa plasmar em nós a existência de Cristo. Essa realidade, embora imperfeitamente vivida, caracteriza sem mais o que entendemos por “ser cristão”.

Não basta pretender justificar a sucessão de compreensões da salvação apenas com base no contexto respectivo em que essa realidade acontece. Há outro elemento, anterior mesmo ao quadro sociocultural, que deve ser enfati-zado. Trata-se do conjunto das experiências de salvação feitas pelas sucessivas gerações de cristãos que garantem unidade e identidade à ação de Deus e oferecem um quadro interpre-tativo para as experiências futuras. Podemos mesmo afirmar que toda a Bíblia é, de certo modo, a sedimentação das experiências sal-víficas feitas pelo povo de Deus ao longo de sua história. Nos evangelhos, e em todo o Novo Testamento, encontramos expressões das experiências dos primeiros cristãos com a pessoa de Cristo. Desde as mais simples, como a de Pedro: “Senhor, tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68), até as profundas formulações de Paulo e João. Embora captada e entendida dentro do respectivo contexto so-ciocultural e do horizonte religioso da época, a experiência salvífica é sempre primeira. É a ação de Deus sempre presente na história por meio de seu Espírito, para salvar homens e mulheres de todas as gerações, de todos os povos, de todas as tradições religiosas. E como os tempos mudam, os contextos vitais passam, as linguagens se transformam e novos desafios surgem, assim também as experiências salvíficas acontecem em novas realidades, que exigem novas expressões para identificá-las como tais.

3. Insuficiências das compreensões da salvação no passado

Neste ponto de nossa reflexão, já podemos entender melhor o porquê destas linhas. À medida que expressões tradicionais de ex-periências salvíficas já não são devidamente entendidas por novas gerações, em virtude

dos novos quadros socioculturais com seus desafios próprios, o anúncio salvífico da Igreja deixa de ser significativo e pertinente para nossos contemporâneos. E como a sal-vação é praticamente o principal bem que nos oferecem as religiões, perde o cristianismo sua força e sua credibilidade, porque suas expressões e práticas já não correspondem às demandas e às insuficiências humanas dos nossos dias. E estas são múltiplas e comple-xas, dificultando sobremaneira a tarefa da teologia e da pregação. Não é que a ação salvífica de Deus esteja diminuindo, mas é a Igreja que não está conseguindo iluminá-la e identificá-la devidamente nesta complexa realidade da vida moderna.

Essa deficiência, ausente nos evangelhos, já que o reino de Deus anunciado e realiza-do nas palavras e nas ações de Jesus Cristo atingia a totalidade da vida humana, tem início com a funesta separação entre o que é do âmbito do natural e o que é da esfera do sobrenatural. Essa funesta compreensão teo-lógica da realidade vai relegar à categoria de profano, de sem valor religioso ou salvífico, todos aqueles setores da existência que cons-tituem de fato a realidade vivida pelos seres humanos: vida familiar, profissional, social, política, cultural, econômica, de descanso e de cuidado corporal. Numa palavra, a vida real fica fora do âmbito salvífico, não conta para Deus. Onde encontrar então o sobrenatural que nos leva à salvação? Nos atos etiquetados como “religiosos”, sejam eles os sacramentos, vistos como fontes de graça, sejam práticas e celebrações devocionais, situadas ao lado da vida concreta, embora podendo causar repercussões nela. Aqui temos a raiz de uma degeneração que lamentavelmente atinge em cheio o catolicismo em nosso país, a saber, o hiato entre fé e vida. Para muitos católicos, o que é professado na Igreja não é vivido na vida concreta.

Outra deficiência observada no passado foi restringir a salvação ao componente espi-ritual do indivíduo. O importante era salvar a alma, como se o ser humano pudesse ser feliz sem o seu corpo, que constitui também

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sua identidade. Daqui surgiu certo menospre-zo a tudo o que tinha relação com o corpo, considerado não só como neutro do ponto de vista salvífico, mas também como obstáculo à vida espiritual. E foi imposta, assim, uma concepção idealizada do ser humano como inteligência e liberdade, sem ter em consi-deração que essas faculdades se encontram na matéria, no corpo, que as condiciona e impõe limites. Quantas tragédias ocorridas no passado teriam sido evitadas se fossem respeitados esses dados fundamentais de uma adequada antropologia.

Essa última aponta para outra deficiência da tradição: o ser humano se confronta com Deus como indivíduo isolado de seu entorno. Ora, sabemos muito bem que ninguém pode se constituir em ser humano senão numa so-ciedade humana, no interior de uma tradição cultural, no meio de outras pessoas. Somente assim a pessoa pode usar sua inteligência e atuar sua liberdade. É no trato inevitável com outras pessoas que ela chega à sua identidade pessoal. É também ao interagir com seus se-melhantes que realiza sua identidade cristã. E ainda mais. Por viver numa sociedade huma-na, não pode ela se omitir em colaborar para uma organização social que não seja fonte de injustiças e sofrimentos para os mais pobres. Também esse imperativo social é intrínseco ao seu relacionamento com Deus, faz parte da construção do reino de Deus na história, reino esse que nenhuma base oferece para um individualismo religioso infelizmente muito propagado no passado.

4. Uma compreensão para nossos dias

Não basta apenas apontar as deficiências do passado, pois devemos apresentar uma compreensão da salvação cristã que seja re-almente significativa para nossos contempo-râneos. Vamos trazer algumas características que nos parecem fundamentais, sem maiores pretensões. A primeira delas enfatiza que a salvação cristã é captada como tal à medida que é vivida. As múltiplas expressões bíblicas suas nada mais são do que um apelo à nossa liberdade, para que tenhamos a audácia e a

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coragem de assumir a existência de Cristo e assim experimentar a vida nova nele. Mais concretamente, consiste em ter Jesus Cristo como aquele que orienta, estrutura, sustenta e estimula o nosso dia a dia, conferindo-lhe sentido, em meio a nossos limites e incoerên-cias, com altos e baixos, mas sempre na busca de fazer o bem, segundo nossas possibilidades.

As chamadas “práticas religiosas” só têm sentido à medida que mantêm desperta nossa consciência de seguidores de Cristo e assim nos alimentam em nossa caminhada. Se todo o mundo tem uma interpretação da realidade que marca seu comportamento, nós vemos essa mesma realidade com os olhos de Jesus Cristo e procuramos agir em coerência com ela. Desse modo, fazemos acontecer hoje o reino de Deus, tornamos a sociedade mais humana e justa, experimentamos um pouco da felicidade ao buscarmos fazer os outros felizes. Nessa vida nova verificamos que somos animados interiormente pela força do Espírito Santo, que somos guiados pela pessoa de Jesus Cristo, que caminhamos para o Pai, quando então experimentaremos a plenitude dessa salvação, hoje presente na fé e na esperança.

A história do cristianismo nos atesta que aqueles que vivem essa salvação de-vem afrontar incompreensões, resistências e mesmo agressividade por parte de seus contemporâneos. Nem Jesus escapou dessa reação. Com efeito, muitos estão instalados numa existência egoísta, voltada para os bens terrenos, o prazer sensual e a busca de poder, existência à qual o modo alternativo de vida apresentado por Jesus Cristo incomoda, pois desmascara e condena seu egoísmo de fundo, sendo então visto como uma ameaça. É nesse sentido que são Paulo fala em participar dos sofrimentos de Cristo, assemelhar-se a ele para chegar à ressurreição dos mortos (Fl 3,10s). A salvação cristã significa sempre vida, e vida plena (Jo 10,10), para si e para os demais, embora as reações do mundo egoísta tragam sofrimentos.

O ser humano só se constitui como tal ao interagir com outros seres humanos. A fé

cristã enfatiza claramente que esse interagir consiste no amor autêntico e desinteressado ao outro, especialmente ao outro necessitado. Portanto, não podemos conceber uma res-posta cristã a Deus que prescinda do entorno humano em que vivemos. Essa conclusão não termina numa ajuda de cunho assistencial, como se deu no passado, mas exige que o cristão participe ativamente, à medida de suas possibilidades, da construção da sociedade justa que corrija as gritantes desigualdades encontradas hoje. A caridade fraterna tem uma dimensão política que lhe é intrínseca e que denuncia uma vida cristã voltada ape-nas para práticas e devoções religiosas. De fato, deste modo ela deixa de assumir sua responsabilidade na Igreja e na sociedade, cujas deficiências só poderão ser sanadas com a participação de todos. Naturalmente, as modalidades de atuação são as mais diversas, mas não deveriam faltar.

Como confessamos um único Deus que, por meio da ação de seu Espírito, chama toda a humanidade à salvação, independentemente de etnias, culturas e religiões, devemos reco-nhecer que o reino de Deus também acontece para além das fronteiras do cristianismo, sempre que o ser humano acolhe e segue a inspiração do Espírito Santo para fazer o bem (Rm 2,6-11). Essas realizações na linha do evangelho, mas desprovidas da etiqueta “cristã”, deveriam ser valorizadas e promovi-das pelo cristianismo, estejam elas presentes numa tradição religiosa ou numa cultura determinada. De fato, há muitas expressões da ação salvífica de Deus na literatura, na música, na filosofia, na arte, nos anseios de uma geração, que poderiam ensinar à Igreja a atualizar sua linguagem e a transmitir mais claramente a salvação de Jesus Cristo para nossos contemporâneos.

Observemos ainda que a salvação cristã abrange também a salvação do corpo e do entorno material da pessoa. Pois o espírito humano só consegue se realizar, como espí-rito, no corpo material, por meio do qual se comunica com os outros e com Deus. O corpo, portanto, faz parte de sua identidade

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e, assim, deve experimentar a salvação plena. Essa mesma verdade vale para a natureza, que constitui o contexto vital para o ser humano e com a qual ele se encontra em contínua interação. Criada por Deus, também ela as-pira à salvação final (Rm 8,21) e, portanto, deve ser respeitada, cuidada, não destruída pelo egoísmo humano. Consequentemente, o imperativo ecológico e a preservação da natureza são elementos intrínsecos à salvação cristã.

Neste ponto da nossa reflexão, poderíamos nos perguntar: o que fica de fora da salvação cristã? E a resposta é: nada! Toda a realidade tem um destino último em Deus, toda ela pode ser mediação salvífica para a humanidade. No ambiente familiar, na vida profissional, no mundo cultural e artístico, na pesquisa científica, no trato com o corpo, nas relações afetivas, no cuidado com os outros, na ativi-dade social e política, no lazer e na diversão, estamos, por meio de nossas opções, na linha do evangelho, construindo na história a nos-sa salvação, colaborando para a salvação de nossos semelhantes, bem como do meio am-biente. Mas só conseguiremos esse objetivo, dado que o egoísmo nos corrói por dentro e nos tenta de fora, se mantivermos fé viva e consciente por meio da oração, da recepção dos sacramentos, da comunidade eclesial, da caridade vivida – numa palavra, por meio da graça de Deus, da ação do Espírito Santo por nós acolhida.

5. A atualidade da salvação cristã

Numa sociedade pluralista marcada pela diversidade de interpretações da realidade e de práticas de conduta, as quais se sucedem em espantosa velocidade, deixando a impressão de que tudo é efêmero e descartável, nossos contemporâneos anseiam por referências sólidas que possam iluminar o seu cotidiano e capacitá-los a enfrentar as dificuldades pró-prias à condição humana. A mensagem cristã da salvação trazida por Jesus Cristo pode levá-los a experimentar um modo novo de viver a própria vida, ao liberá-los da prisão do egocentrismo e lançá-los na aventura do amor

ao próximo. Somente essa experiência pode fazê-los entender “por dentro”, e não median-te doutrinas ou normas provindas “de fora”, o sentido autêntico da vida humana, mesmo em meio a contrariedades e sofrimentos que não poupam mortal algum.

A atual sociedade, dominada pelo indi-vidualismo, pela racionalidade funcional e pela hegemonia do econômico, é sociedade fadada a se autodestruir, já que a maioria de seus dirigentes se preocupa pouco com o bem comum, com a situação dos mais necessita-dos, com a preservação do meio ambiente, com a luta pela justiça social, e muito com a satisfação de seus interesses e projetos pesso-ais. Além disso, entregue apenas à razão – e a uma razão obcecada pela produtividade e pelo lucro –, ela não tem como motivar seus cidadãos para a causa do bem comum e para o gesto solidário e gratuito. Daí desempenhar a proclamação cristã da salvação um papel fundamental também para a sobrevivência da própria sociedade democrática.

Vivemos um tempo de medo e de ansieda-de com relação ao futuro pelo agravamento das desigualdades sociais, pela violência cres-cente, pela diminuição dos recursos naturais, pelo consumismo desenfreado, pela anarquia dos valores. Preocupamo-nos, e com razão, com o futuro de nossos filhos e netos. Olha-mos com pesar para o passado da humanida-de e constatamos tantos sofrimentos e tantas injustiças que nos inquietam a consciência porque foram simplesmente esquecidos pela história. Entretanto, para a fé cristã, a última palavra sobre a história será dada na vida com Deus, um futuro certo e feliz, salvação plena do ser humano, que restabelecerá a justiça e curará todo sofrimento. A esperança desse futuro nos mantém de cabeça erguida na caminhada e nos incita ao compromisso com o amor e a justiça.

BIBLIOGRAFIA

FRANÇA MIRANDA, M. A salvação de Jesus Cristo. são Paulo: Loyola, 2009.

LOHFINK, G. Deus precisa da Igreja? são Paulo: Loyola, 2008.

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1. Toda a nossa fé se baseia na ressurreição

A fé na ressurreição é base e fundamento da fé cristã. Sem ela, a fé cristã seria simplesmente mais uma entre muitas outras crenças. Todas elas, assim se poderia então argumentar, ten-tam de maneira mais ou menos bem-sucedida responder aos anseios existenciais das pessoas, às suas dúvidas a respeito do sentido da vida e às dúvidas diante da indagação sobre se essa vida simplesmente acaba com absurda e detestável experiência da morte ou se atrás dela ainda se abre alguma perspectiva futura.

Já o apóstolo Paulo se deu conta da impor-tância dessa questão, e a sua resposta é bem clara: “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé” (1Cor 15,14).

Nessa mesma perspectiva, o autor dos Atos dos Apóstolos mostra que a mensagem da ressurreição provocou troça por parte de uns (cf. At 17,32) e agressividade ou rejeição por parte de outros (cf. At 4,2). Essa experiência não mudou muito até os dias atuais. Há, de fato, um contingente considerável de pessoas que não acreditam na ressurreição. Tal pers-pectiva lhes parece irrelevante ou sem grande atratividade.

Há milhões de pessoas que preferem se-guir uma das muitas concepções de doutrinas reencarnacionistas. Seguindo sua convicção, mantêm a ideia de que, depois da morte, voltarão a viver outras vivências terrenas em diferentes épocas e lugares. E, finalmente, há aquelas pessoas para as quais ressurreição e

reencarnação não se distinguem e, no fundo, são o mesmo.

Independentemente, porém, de todas essas reações cépticas ou críticas, os representantes da Igreja continuam a defender e transmitir a mensagem da ressurreição, e para milhões de cristãos e cristãs essa mensagem realmente se tornou o centro da sua fé. Não é por acaso que o último livro do papa Bento XVI se tornou um best-seller em escala mundial.

Apesar dos ataques e das dúvidas que vêm de todos os lados, a nossa fé mantém a convicção de que existem dimensões do ser humano que ultrapassam aquelas acessíveis às nossas pesquisas científicas e empíricas. A fé cristã continua confiante que, acima de todos os sinais aparentes de morte, a vida triunfará pela força de Deus. Paulo diz claramente que esse Deus “faz viver os mortos e chama à vida as coisas que não existem” (Rm 4,17).

Esse Deus que gera vida solidariza-se de tal maneira com a humanidade, que se encarnou ele mesmo na história humana por meio da

A RESSURREIÇÃO DE CRISTOE A COMPREENSÃO DA RESSURREIÇÃO HOJE Renold Blank*

* Doutor em Teologia e em Filosofia, licenciado em Letras, professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de

São Paulo. Além disso, é professor do Instituto de Teologia de São Paulo e do Instituto Teológico Pio XI. De 1985 até 1994, foi diretor do Instituto de Teologia para Leigos, em

santo Amaro. Publicou diversos livros na América Latina e na Europa, entre os quais: Reencarnação ou ressurreição

– uma decisão de fé; Escatologia da pessoa – vida, morte e ressurreição; Escatologia do mundo – projeto

cósmico de Deus; Creio na ressurreição dos mortos; Creio na vida eterna; A face mais íntima de Deus; Encontrar sentido na vida – propostas filosóficas;

Ovelha ou protagonista? – a Igreja e a nova autonomiado laicato no século 21.

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pessoa de Jesus Cristo. Jesus viveu todas as alegrias, mas também toda a negatividade e todas as desgraças de uma vida terrena, incluindo até a aniquilação pela morte. Uma morte vergonhosa, aliás, a ponto de ser defi-nida pelo sistema da época como vergonha, loucura e escândalo (cf. 1Cor 1,18; Dt 21,23).

Mas é exatamente nesse aparente fracasso que se manifesta a vitória sobre tudo aquilo que é a morte, porque a cruz e a morte de Jesus não foram o fim da sua história terre-na. Foi nesse momento que o próprio Deus demonstrou a todos a sua força. Ele transfor-mou a aparente aniquilação em nova vida, ressuscitando Jesus da morte (At 2,32). Essa ressurreição, assim, confirma para todas as pessoas e para todos os tempos o fato de que a morte, a destruição e o ódio não teriam a última palavra. Deus é mais forte que tudo isso, e tal convicção recebe a sua confirmação pelo fato de ele ter ressuscitado o seu Filho.

Essa ressurreição, além disso, assume o caráter de grande revelação sobre como Deus é, quais serão os seus planos para o mundo e qual será o destino de todo ser humano; a sua mensagem central culmina na confirmação de que, apesar de todas as estruturas de morte que marcam a história do mundo, a vida finalmente triunfará sobre toda morte e toda negatividade, porque Deus é o Deus da vida. Disso Deus deu seu testemunho ao ressuscitar seu Filho da morte. Dessa forma, a ressurrei-ção permanece sendo, até o fim da história, a base e o ponto central de tudo aquilo em que, por nossa fé, acreditamos.

2. Mas será que temos alguma prova de que a ressurreição de Jesus realmente aconteceu?

As pessoas de hoje estão acostumadas a um pensamento científico, que se fundamenta em provas e confirmações empíricas. Assim sen-do, não é de admirar que, também diante da mensagem da ressurreição, há cada vez mais pessoas que perguntam por uma prova desse fenômeno. De certa maneira, é até compreen-sível esse desejo, uma vez que a mensagem da ressurreição é assunto absolutamente central

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da nossa expectativa religiosa. Já menciona-mos que Paulo, não sem razão, formula clara-mente que, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé” (1Cor 15,14).

Não obstante essa afirmação, há muitos cristãos que até hoje situam a questão da ressurreição exclusivamente no campo da fé, dizendo que devemos simplesmente acreditar nela. Mas a nova geração aceita cada vez menos declarações apodícticas como essa. Essa nova geração exige provas. Felizmente, é exatamente perante a questão crucial da ressurreição que de fato temos, pelo menos em termos indiretos, tal prova. A maioria, porém, não a conhece, o que torna sua divulgação mais crucial.

Podemos chamá-la de “prova sociológica da ressurreição”, porque, na sua formulação, segue a argumentação indireta, muito utilizada pelas ciências sociológicas. Para compreendê--la, devemos nos lembrar do significado da crucificação na época de Jesus. Naquela época, a cruz de maneira alguma era sinal de venera-ção, como é hoje. Era, pelo contrário, o maior sinal de fracasso, vergonha e exclusão. De um crucificado ninguém mais podia falar, nem pronunciar o seu nome. Baseado em Dt 21,23, um crucificado até chegava a ser considerado maldito pelo próprio Deus. Jesus morreu as-sim e, consequentemente, caiu sobre ele toda a maldição de um crucificado.

Se a história dele tivesse terminado com a cruz, jamais alguém teria continuado a falar dele, porque, de um maldito por Deus, naquela constelação sociorreligiosa, já nem se podia falar. Essa consequência certamente era tam-bém entendida e tencionada por aqueles que ordenaram a crucificação de Jesus. O fato é que, se as pessoas não tivessem voltado a falar dele naquela época, também nos dias atuais ninguém mais falaria. Todavia, é assunto em pauta nos dias de hoje. Não só se fala dele, mas sobretudo se fala de sua pessoa, de suas obras, a ponto de se formar uma religião com bilhões de adeptos.

Como isso foi possível?

Seria por causa da cruz?

Impossível! Já vimos que de um crucificado ninguém mais podia falar.

As pessoas voltaram a falar de Jesus por-que, depois da sua crucificação, depois da sua morte na cruz, aconteceu algo que era tão chocante, tão novo, tão absolutamente impressionante, que era impossível não vol-tar a falar dele. Não por causa da cruz, mas apesar da cruz.

O que é que havia acontecido?

As testemunhas, em unanimidade, dizem o mesmo:

Ele voltou à vida!

Deus o ressuscitou!

A partir daí, foi possível voltar a falar dele, já que se tratava de um ressuscitado. De um ressuscitado era possível contar a vida, bem como falar da sua mensagem. Passo a passo, sob o impacto da ressurreição, até o sinal vergonhoso da cruz começou a mudar de significado e se tornou o grande sinal dos seguidores do Ressuscitado. Dessa maneira, o fato de esses seguidores existirem hoje é a maior prova daquilo em que fundamentam a sua fé: a ressurreição.1

3. Também na ressurreição, Deus age de maneira discreta

Apesar de ser elemento central de todo o discurso sobre Deus e do projeto que tem para os seres humanos e o mundo, a ressurreição não se manifesta de maneira triunfal e irresis-tível, a ponto de ninguém jamais duvidar dela. Em vez disso, também ela permanece dentro da lógica de um Deus cujo agir não subjuga com força e poder de tal maneira que ninguém lhe possa resistir.

Também na realização da prova mais sig-nificante daquilo que será o último destino da criação, Deus permanece discreto, suave e até um pouco tímido. Ele não se manifesta por meio do vento impetuoso, nem por meio do fogo ou de um terremoto, mas no “murmúrio de uma leve brisa” (cf. 1 Reis 19,11-12). É essa leve brisa que, com o passar do tempo,

1. O texto segue com certas modificações o cap. 23 de BLANK, R. Creio na ressurreição dos mortos. são Paulo: Paulus, 2007, p. 24-25. Cf. também: BLANK, R. Reencar-nação ou ressurreição. São Paulo: Paulus, 2008, p. 89-93.

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modula as rochas mais duras e os corações mais fechados.

Deus, de fato, não age como os humanos em geral gostariam que ele agisse: com poder e glória, por meio de macroestruturas que esmagam. O seu agir, bem pelo contrário, é marcado por suave ternura, e é ela que possi-bilita ao ser humano gozar de sua liberdade.

Assim, constatamos que também diante do evento mais tremendo de toda a história do cosmo as pessoas podem permanecer incrédu-las, fechadas e até negativas. Com efeito, até hoje muitos não acreditam na ressurreição de Jesus, assim como não acreditam na própria ressurreição. Todavia, ela acontecerá!

E, sendo assim, vale a pena refletir sobre ela.

4. Ressurreição é a transformação inteira e global do ser humano por dentro de nova maneira de ser

A compreensão da ressurreição como trans-formação se encontra em lugar dominante nos escritos de Paulo. Ainda em uma perspectiva apocalíptica, ele escreve em 1Cor 15,51: “to-dos seremos transformados”. E no cap. 15 da mesma carta, recorre à imagem metafórica da semente que parece morrer, mas na realidade se transforma em planta (cf. 1Cor 35-39). Em 2Cor 3,18, finalmente, o mesmo Paulo denomina a ressurreição uma transformação em termos de uma “metamorfose”: “todos nós [...] somos transformados [metamorfouetá] de glória em glória [...] pela ação do Espírito do Senhor”.

Todavia, jamais essas imagens metafóricas sugerem a concepção da ressurreição como revitalização do cadáver. É exatamente isso que ela não é! Ressurreição é muito mais e é algo bem diferente.

Ressurreição tampouco significa a volta para nova vivência terrena. Conforme a reli-gião cristã, esta vida humana, incluindo a sua morte, é vivida somente uma única vez. Assim já o formula claramente o autor da carta aos Hebreus: “Para os homens está estabelecido morrerem uma vez” (Hb 9,27; cf. também: Catecismo da Igreja Católica, n. 1.013).

Ressurreição, consequentemente, não tem nada que ver com reencarnação. Ela, em vez disso, deve ser compreendida como trans-formação plena e total da maneira de ser de uma pessoa. O autor dessa transformação é Deus. Esse Deus mantém tudo aquilo que o ser humano é, mas a sua maneira de existir será transformada em analogia com aquilo que acontece com uma semente que se transforma em planta (cf. 1Cor 15,35-38.42-44).

Essa mesma concepção vem à tona também quando, na tradição narrativa dos textos bí-blicos, se recorre a descrições das aparições de Jesus ressuscitado. Todos os evangelhos sus-tentam bem, por meio do gênero literário da narração, que o Ressuscitado é de fato aquele mesmo Jesus que os discípulos já conheciam antes. Mas, ao mesmo tempo, fazem questão de mostrar que a maneira de ser desse Jesus ressuscitado, agora, é bem diferente. Podemos mostrar isso, pela justaposição dos versículos respectivos, em alguns dos textos bíblicos que tratam do assunto:

A maneira de ser do Ressuscitado é diferente

MaseleéomesmoJesusque os discípulos já

conheciam

Jo 20,26: Ele entra apesar de as portas estarem fechadas.

Ele pode ser tocado por Tomé.

Jo 20,27: As chagas não doem mais, de tal maneira que Tomé pode tocá-las.

Ele mantém as chagas da crucificação.

Jo 20,14ss: A sua aparência é diferente, de tal maneira q u e M a r i a M a d a l e n a inicialmente pensa que é o jardineiro.

Ele é realmente o Mestre e Rabboni.

Jo 21,4-5: Os discípulos não o reconhecem quando pergunta se há algum peixe para comer.

Pedro o reconhece, quando se repete a pesca milagrosa de Lc 5.

Lc 24,13-32: Dois discípulos andam horas com ele, p e n s a n d o q u e é u m forasteiro.

Eles o reconhecem quando repete o gesto da última ceia.

Nos textos acima, os autores bíblicos recor-rem ao gênero literário da tradição narrativa para expressar, por meio de objetivações, uma das verdades fundamentais daquilo que é ressurreição: ela não é simples volta a uma vida terrena. Tampouco é “a ideia de uma devolução do corpo às almas após um pro-

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longado intervalo” (RATZINGER, 2005, p. 305), “à qual, no entanto, reduzimos em nossa concepção” (Ibid., p. 299-309).

Em vez de recorrermos a tais objetivações, de longe superadas pela reflexão teológica, devemos compreender a ressurreição em di-mensões muito mais amplas e mais comple-xas. Ressurreição significa a transformação estrutural da maneira de ser de uma pessoa. Essa transformação mantém a essência da pessoa, mas muda totalmente a sua aparência fenomenológica.

5. Ressurreição ultrapassa a dimensão individual e inclui a criação inteira

O evento da ressurreição não se limita ao mundo restrito de um indivíduo. Em vez disso, implica e inclui também tudo aquilo que esse indivíduo era e fez no decorrer de toda a sua vida vivida. Essa dimensão histórica e cós-mica daquilo que chamamos de ressurreição foi encoberta por uma restrição dualista, na qual toda discussão se limitou a falar de uma ressurreição do corpo, enquanto a alma já em si seria imortal, de tal maneira que no fundo nem precisaria haver a ressurreição. As novas concepções antropológico-fenomenológicas, junto com as atuais pesquisas neurobiológicas, felizmente superaram esse modelo limitado do ser humano. Ele, aliás, nunca correspondeu à concepção antropológica da Sagrada Escritura.

Baseado nesta, fica claro que Deus não ressuscita uma alma desligada de todas as di-mensões terrenas e materiais, mas tampouco ressuscita somente um corpo material. Deus, em vez disso, ressuscita o ser humano inteiro, global, com todas as suas dimensões. A todas elas dá imortalidade; em outras palavras, ele as inclui e integra por dentro de uma maneira de ser da qual a morte e toda a sua negatividade já não fazem parte e que, em última análise, signi-fica ser amparado no amor infinito desse Deus.

O que, porém, está sendo amparado é a pessoa inteira e integral, com toda a sua rea-lidade de vida vivida; com as suas dimensões individuais, sociais, históricas e até cósmicas. Todas essas dimensões fazem parte da vida vivida de uma pessoa, e todas elas serão inte-

gradas por dentro da nova realidade de vida que vem de Deus.

É nesse Deus que a pessoa humana, e com ela todo o cosmo dentro do qual a pessoa se moveu e viveu, encontra a sua plenificação, o seu amparo e o seu último destino, que é a imortalidade.

Em decorrência disso, a ressurreição ul-trapassa em muito a dimensão do indivíduo como tal. Com efeito, abrange a criação como um todo, de tal maneira que já Teilhard de Chardin, em contexto similar, podia falar de uma “cristificação do cosmo”.

Esse cosmo, como Paulo o formula em Rm 8,21-27, “tem gemido e sofrido as dores de parto”. Com essa imagem, já o apóstolo interliga a dimensão da transformação in-dividual da pessoa com a ideia de que essa transformação radical tem uma dimensão que abrange a criação inteira e global.

O processo da transformação radical do indivíduo, que chamamos de ressurreição, de fato não diz respeito somente à pessoa humana individualizada. A sua vigência inclui também todo o contexto social, histórico e cósmico dentro do qual essa pessoa viveu, do qual fez parte e com o qual constantemente interagiu. Por essa interação, todo ser humano é integra-do e intimamente interligado com a criação inteira. Uma parte dela, por assim dizer, está sendo humanizada pela vida da pessoa e, con-sequentemente, faz parte também do processo de transformação radical que chamamos de “ressurreição dessa pessoa”.

Essa perspectiva cósmica, aliás, outra vez encontra a sua base no grande apóstolo e pen-sador da Igreja primitiva, Paulo. Este formula explicitamente em Rm 8,21 a esperança de que toda criação será “libertada da servidão da corrupção para participar livremente da glória dos filhos de Deus”.

6. Também a palavra do “túmulo vazio” aponta para um significado além do individual

Na perspectiva acima desenvolvida, tam-bém o topos bíblico do “túmulo vazio” alcan-

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ça um significado que ultrapassa em muito o seu sentido objetivo. Insistindo que “o túmulo de Jesus estava vazio”, a Igreja primitiva ex-pressou não somente o fato da ressurreição em si, mas também o seu significado: a superação de toda dimensão de corruptividade, simboli-zada pela putrefação que se verificaria dentro de um túmulo não vazio. Tudo isso é superado pelo agir de Deus. O seu agir implica o mundo empírico, mas o ultrapassa em muito, abrindo novas dimensões além de tudo aquilo que po-demos imaginar. Por causa disso, Paulo pôde exclamar que “nem o olho viu nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que o amam” ( 1Cor 2,9).

7. Ressurreição como promessa e antecipação

Tudo isso e muito mais a mensagem bíblica da ressurreição de Jesus quer transmitir. Mas a Escritura compreende essa ressurreição não simplesmente no sentido de um relato his-tórico, por meio do qual informa sobre um acontecimento do passado que diz respeito a certa pessoa. Para a Bíblia e para toda a Igreja desde as suas primícias, a ressurreição de Jesus sempre teve o caráter de promessa e antecipa-ção. Paulo formula tal convicção de maneira bem clara em 1Cor 6,14 e em Rm 8,11:

Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós pelo poder (1Cor 6,14).

[...] quem ressuscitou Jesus Cristo dos mortos também dará vida a vossos corpos mortais por virtude do Espírito que habita em vós (Rm 8,11).

O fato de Deus ter ressuscitado Jesus se torna assim a prova e a confirmação para a esperança de que cada um de nós, na sua mor-te, também será ressuscitado. É essa a grande promessa, formulada também pelo próprio Jesus Cristo. O Evangelho de João a põe na boca de Jesus pelas seguintes palavras:

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia (Jo 6,54).

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Pela ressurreição de Jesus, o próprio Deus também confirma essa promessa, de tal ma-neira que o fato de Jesus ter sido ressuscitado se torna, olhando de outro ângulo, novamente peça-chave para toda a fé cristã, e isso dentro dos seguintes cinco enfoques (cf. BLANK, 2007, p. 28-29):

1. Deus, ressuscitando Jesus, provou que é capaz de ressuscitar mortos. Na ressur-reição do Jesus morto, Deus comprova aquilo que até aquele momento só era crença: ele ressuscitou alguém que de fato tinha sido morto. Assim comprovou a crença como certa e mostrou concre-tamente que realmente é um Deus mais forte que a morte.

2. Ressuscitando Jesus, Deus confirma que ele é assim como esse Jesus tinha dito: O DEUS DA VIDA.

3. Ressuscitando Jesus morto, Deus dá fundamento sólido à esperança em nossa própria ressurreição, assim como Paulo o formula: é com base no fato de Deus ter ressuscitado Jesus que se pode acreditar na ressurreição de todos os mortos.

4. Ressuscitando Jesus, Deus se revela fiel ao ser humano.

5. Ressuscitando Jesus, Deus comprova que ele se solidariza com Jesus e com tudo aquilo que Jesus tinha dito e feito. Uma das grandes promessas de Jesus tinha sido a garantia de que ele nos ressus-citaria. Ressuscitando Jesus, o próprio Deus Pai dá a essa promessa o seu peso de veracidade absoluta.

8. Ressurreição como concretização da última solidariedade de Deus com o ser humano

Com base nas afirmações acima, a fé cristã formula a sua esperança de que essa solidarie-dade incondicional de Deus, manifestada na ressurreição de Jesus, se estende a partir dele a todos os seres humanos. Desenvolvendo essa ideia com base na concepção de um Deus que ama esses humanos, pode-se chegar, finalmen-te, a uma correlação interessante desse amor com a ressurreição.

Numa reflexão fascinante sobre aquilo que é o amor, Josef Pieper mostra que a essência do amor é a aceitação incondicional do outro, simplesmente porque esse outro existe. Essa aceitação se manifesta pela expressão “é bom que tu existas” (PIEPER, 2000, p. 200). Tal aceitação, porém, não se formula a posterio-ri, em consequência de uma vida vivida que justificaria a afirmação. Não, ela se expressa a priori, simplesmente por causa do fato da existência da pessoa amada.

Aplicando essa concepção àquilo que acontece com o ser humano no momento da ressurreição, poder-se-ia imaginar, em termos de analogia, que o Deus que ama também fala à pessoa em questão estas mesmas palavras: “É bom que tu existas”! Essa afirmação im-plica necessária e consequentemente a vontade divina de que esse ser humano amado exista para sempre. A ressurreição da pessoa humana por parte de Deus seria assim a concretização de tudo aquilo que Paulo formula em 1Cor 13,1-13: o amor de Deus é mais forte que a morte. É ele que tem a última palavra, contra todas as manifestações da morte, da rejeição e do pecado.

É assim que podemos sintetizar toda a questão sobre o significado da ressurreição: ela é a expressão e a confirmação do fato de o último destino de toda pessoa e da criação inteira ser o repousar no amor inimaginável daquele que criou a todos nós. É para isto que Deus ressuscita todo ser humano depois de uma única vida vivida: para que esse ser seja eternamente amparado no seu amor; para que – balbuciando e hesitando, tenho a coragem de o formular – também Deus seja amparado no amor daqueles pelos quais ele se apaixonou, os seres humanos.

BIBLIOGRAFIA

BLANK, Renold. Creio na ressurreição dos mortos. são Paulo: Paulus, 2007.

______. Reencarnação ou ressurreição. são Paulo: Paulus, 2008.

PIEPER, Josef. Über die Liebe (Sobre o amor). Munique: Kösel, 2000.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. são Paulo: Loyola, 2005.

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6 de maio – 5º domingo da Páscoa

1. O mistério que celebramos

Neste quinto domingo da Páscoa, Jesus Cristo se apresenta como videira verdadeira e revela o Pai como agricultor. Somos convocados a permanecer unidos a ele de forma vital, atentos e obedientes à sua palavra de vida e salvação.

Pascalizados pela presença do Senhor res-suscitado, sejamos no mundo sinais verdadei-ros de amor, paz e justiça.

2. Sugestões para a celebração

•Dar destaque ao círio pascal e à fontebatismal.•Distribuiracomunhãosobasduasespé-

cies.•Usarabênçãofinalprópriaparaotempo

pascal.•Oscantoseasmúsicasdevemnoscon-

duzir ao coração do mistério celebrado.

13 de maio – 6º domingo da Páscoa

1. O mistério que celebramos

Deus é amor. Ele nos amou primeiro, sem medidas, e nos enviou o seu Filho para que tivéssemos vida em plenitude.

Renovados no amor de Deus, sejamos for-talecidos na plena comunhão de seu amor, e que ele faça de nós pessoas disponíveis para a edificação do mundo humano e fraterno.

Hoje comemoramos também o dia das mães. Agradecemos ao Senhor, pois elas são sinais visíveis do amor de Deus.

2. Sugestões para a celebração

•Umamãepodeentrarcomocíriopascalaceso e, chegando à frente, reza: Bendito sejais, Senhor, Deus da vida, pela ressur-reição de Jesus e por esta luz radiante! Em seguida, um pequeno grupo de mães incensa o círio.•Noabraçodapaz,motivarparaqueseja

expressão de comunhão e amor fraterno.•No final, dar uma bênção especial às

mães.•Oscantoseasmúsicasdevemnoscon-

duzir ao coração do mistério celebrado.

20 de maio – Ascensão do Senhor

1. O mistério que celebramos

“Por entre aclamações Deus se elevou, o Senhor subiu ao toque da trombeta.” Hoje, domingo da Ascensão do Senhor, com todos os povos do universo, rendemos graças a Deus Pai. É dia de festa e alegria pascal, pois o Senhor Jesus apareceu aos seus discípulos e, à vista deles, subiu aos céus e está senta-do à direita do Pai. Nós, comunidade de fé, membros do seu corpo, com esperança, somos chamados a participar da sua glória eterna.

SUGESTÕES PARA A LITURGIAIr. Veronice Fernandes, pddm*

* Pia discípula do Divino Mestre, mestra em Teologia, com especialização em Liturgia. Atual provincial

de sua congregação, é membro do Centro de Liturgia e da Equipe de Reflexão da Pastoral Litúrgica

da CNBB e trabalha como assessora nos cursos de formação litúrgica.

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2. Sugestões para a celebração

•Cuidardoespaçoparaquesejaexpres-são da Páscoa do Senhor, destacando o círio pascal, a fonte batismal, a mesa da Palavra e a mesa eucarística.•No início da semana de oração pela

unidade das Igrejas, convidar pessoas de outras Igrejas para participar da procis-são de abertura. Cada membro leva uma vela acesa, que será colocada num lugar previamente preparado.•Dardestaqueaoenvioemmissão,utili-

zando a bênção solene para a Ascensão, conforme o Missal Romano.

27 de maio – Pentecostes

1. O mistério que celebramos

A renovação litúrgica proposta pelo Concí-lio Vaticano II resgatou a mais antiga tradição da celebração de Pentecostes: o encerramento da quinquagésima pascal. O mistério pascal é celebrado como um todo (morte, ressurreição, ascensão, envio do Espírito).

O domingo de Pentecostes (no qual desembo-ca todo o tempo pascal) recorda o Espírito Santo, Dom do Pai, Amor de Deus derramado sobre nós, condição de nossa comunhão no Cristo ressuscitado, fonte da transformação pascal de toda a realidade. Essa festa ativa em cada um de nós a vocação e a capacidade para o encontro, para o amor, para a união, para a doação, como pede a aclamação ao evangelho: “Vinde, Espí-rito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor”.

2. Sugestões para a celebração

•Prepararbemoespaçocelebrativoparaqueseja expressão do cume da Páscoa anual.•Algumaspessoasqueexercemministérios

na comunidade podem fazer parte da procissão de entrada. Entram portando o círio pascal e sete velas acesas. Che-gando ao presbitério, voltam-se para a assembleia, e a pessoa que porta o círio reza: Bendito sejais, Deus da vida, pela ressurreição de Jesus Cristo e por esta luz radiante! Em seguida, alguém incensa o

círio pascal, enquanto todos cantam um refrão apropriado. Em seguida, colocam-se o círio e as sete velas no lugar previamen-te preparado. •Seoportuno,levarnaprocissãodeaber-

tura a bandeira do Divino.•DuranteocantodasequênciadePente-

costes, as pessoas da assembleia acendem suas velas no círio pascal (organizar o acendimento de forma funcional, perma-necendo com as velas acesas até o final do evangelho).•Utilizarabênçãosolene para Pentecostes,

conforme o Missal Romano.

3 de junho – Santíssima Trindade

1. O mistério que celebramos

Celebramos hoje o mistério de amor do nosso Deus que se revela como Pai, Filho e Espírito Santo.

Pelo batismo vivemos uma relação filial com Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Como bem afirmou santo Atanásio: “Com efeito, toda a graça que nos é dada em nome da Santíssima Trindade vem do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Assim como toda a graça nos vem do Pai por meio do Filho, assim também não podemos receber nenhuma graça senão no Espírito Santo. Realmente, participantes do Es-pírito Santo, possuímos o amor do Pai, a graça do Filho e a comunhão do mesmo Espírito”.

Sejamos sinais de unidade e comunhão no mundo.

2. Sugestões para a celebração

•PodeserlevadoumíconedaSantíssimaTrindade na procissão de entrada. Che-gando à frente, incensá-lo.•Osinaldacruzeasaudaçãoinicialpo-

dem ser cantados.•AoraçãoeucarísticapodeseraIII,como

prefácio próprio da Santíssima Trindade. O prefácio pode ainda ser cantado. Veja letra e música no Hinário III, CNBB, p. 65-68.•Bênção final do tempo comum IV do

Missal Romano.

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Vida Pastoral – maio-junho 2012 – ano 53 – n. 284 33

7 de junho – Corpus Christi

1. O mistério que celebramos

A solenidade de hoje, eco da celebração da Quinta-Feira Santa, faz-nos experimentar de forma mística e concreta o mistério da entrega do Senhor Jesus.

Como afirma Tomás de Aquino: “Ninguém seria capaz de expressar a suavidade desse sacramento (eucaristia); nele se pode saborear a doçura espiritual em sua própria fonte; e torna-se presente a memória daquele imenso e inefável amor que Cristo demonstrou para conosco em sua paixão. Enfim, para que a imensidade desse amor ficasse mais profunda-mente gravada nos corações dos fiéis, Cristo instituiu esse sacramento durante a última Ceia, quando, ao celebrar a Páscoa com seus discípulos, estava prestes a passar deste mundo para o Pai. A eucaristia é o memorial perene da sua paixão, o cumprimento perfeito das figuras da antiga aliança e o maior de todos os milagres que Cristo realizou...”.

Que sejamos sinais de partilha de vida e de bens, de forma que não haja fome, miséria e injustiça no mundo em que vivemos.

2. Sugestões para a celebração

•Ondeforpossível,osfiéispodemseapro-ximar do altar na liturgia eucarística.•PrefácioprópriodaSantíssimaEucaristia

I ou II.•Valorizarogestodafraçãodopão.•Distribuiracomunhãosobasduasespé-

cies, pois, como diz a Instrução Geral do Missal Romano: “A comunhão realiza mais plenamente o seu aspecto de sinal quando sob as duas espécies. Sob essa forma se manifesta mais perfeitamente o sinal do banquete eucarístico e se exprime de modo mais claro a vontade divina de realizar a nova e eterna aliança no Sangue do Senhor, assim como a relação entre o banquete eucarístico e o banquete esca-tológico no reino do Pai” (n. 271).•Bênção final do tempo comum IV do

Missal Romano.

Existem cerca de 70 mil comuni-dades no Brasil que não podem celebrar a Eucaristia por falta de presbíteros. Tendo em mente essa realidade, o leitor encontrará nestas páginas informações para que todos possam participar deste crucialcrucial debate, que interessa à Igreja no mundo inteiro. Os autores delineiam o perfil teológico e pastoral das comunidades e dos seus eventuais candidatos à orde-nação para o serviço eucarístico.

Formato: 13,5 cm x 21 cmPáginas: 272Cód.: 9788534930437

Equipes de ministros ordenadosUma solução para a eucaristia nas comunidadesDom Fritz Lobinger e Pe. Antônio José de Almeida

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•Apósamissa,realiza-seaprocissãocomo Santíssimo.

10 de junho – 10º domingo do Tempo Comum

1. O mistério que celebramos

Jesus nos revela que seu poder vem de Deus. Ele é o vencedor do mal e de tudo aquilo que divide. Diante da revelação que ele nos faz, é preciso reconhecê-lo e aceitar o seu jeito de ser, seu projeto, sua vida. Fazer essa opção nos torna “parentes” de Jesus: “‘Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?’ E, olhando para os que estavam sentados ao seu redor, disse: ‘Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu ir-mão, minha irmã e minha mãe’” (vv. 34-35).

2. Sugestões para a celebração

•Oscantosemúsicasdevemexpressarosentido de cada domingo. Para isso, temos o Hinário Litúrgico da CNBB. Não se devem escolher cantos aleatoriamente, em desacordo com o tempo litúrgico e com a liturgia da Palavra de cada domingo.•AntesdaproclamaçãodaPalavra,cantar

um refrão que ajude a preparar o “ouvido do coração” para a escuta.

17 de junho – 11º domingo do Tempo Comum

1. O mistério que celebramos

Jesus nos revela o jeito de ser do reino de Deus. Percebemos que ele nos mostra que o reino tem o seu próprio percurso.

O reino é comparado a uma semente espa-lhada na terra. Ela cresce e se desenvolve sem qualquer intervenção humana.

Renovamos a nossa confiança e esperança em Deus, que nos faz sinais do reino, não obstante nossas fragilidades.

2. Sugestões para a celebração

•Oscantosemúsicasdevemexpressarosentido de cada domingo. Preparar bem

os leitores para o anúncio da Palavra de Deus.•Nofinaldacelebração,podeserfeitaa

bênção das sementes, distribuídas para serem plantadas.

24 de junho – Natividade de São João Batista

1. O mistério que celebramos

Celebramos a Natividade de João Batista. Santo Agostinho afirma: “A Igreja celebra o nascimento de João como um acontecimento sagrado. Dentre os nossos antepassados, não há nenhum cujo nascimento seja celebrado solenemente”.

João Batista é o maior de todos os profetas (Lc 7,26-28); veio para preparar os caminhos do Senhor (Lc 3,1-20).

João é santo querido e amado. Festejamos o seu nascimento na certeza de que Deus nos é favorável e não nos abandona nunca.

2. Sugestões para a celebração

•Seacelebraçãoforànoite,podeserini-ciada ao redor da fogueira de são João.•Naprocissãodeabertura,podeserlevado

um ícone de João Batista.•Depoisdasaudaçãoinicial,acomunidade

pode lembrar nomes de profetas e profe-tisas de hoje.•Oevangelhopodesercantado.•Antesdoprefácio,apresentarosmotivos

de ação de graças por todos os favores que Deus tem realizado na nossa história.•Darbênçãoespecialaosrecém-nascidos.

FOLHETO O DOMINGOCELEBRAÇÃO DA PALAVRA DE DEUS

Trata-se de um excelente subsídio para as celebrações litúrgicas nas comunidades sem padres. O folheto auxilia na preparação e na animação das celebrações da Palavra, trazendo as leituras, orações, comentários e dicas para a reflexão sobre as leituras, além de artigos para o enriquecimento catequético-pastoral e espiritual.

Assinaturas: (11) 3789-4000ou pelo e-mail: [email protected]

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Vida Pastoral – maio-junho 2012 – ano 53 – n. 284 35

* Padre franciscano, escritor, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; especialista em

evangelhos apócrifos, professor de exegese bíblica no Instituto Santo Tomás de Aquino – Ista, em Belo Horizonte, e em cursos de teologia para leigos. Autor de uma centena

de artigos. Autor de oito livros e coautor de outros seis, entre os quais: Infância apócrifa do menino Jesus

– histórias de ternura e travessura; Israel e Palestina em três dimensões – história, cultura e geografia; Judaísmo,

cristianismo e islamismo. Diretor-geral e pedagógico dos Colégios Santo Antônio e Frei Orlando, ambos em Belo

Horizonte. Site: www.bibliaeapocrifos.com.br; e-mail: [email protected]

ROTEIROS HOMILÉTICOS(Também na internet: www.paulus.com.br)

Pe. Jacir de Freitas Faria, ofm*

5ºDOMINGODAPÁSCOA (6 de maio)

A COMUNIDADE E O MUNDO

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras deste domingo nos apresentam teologicamente o Jesus homem que fez his-tória conosco, veio morar no meio de nós. Por ele, Paulo se converteu e tudo deixou, para anunciar a sua ressurreição. Em Jesus histórico, Deus nos visitou. No simbolismo da videira e seus ramos, unimo-nos todos em Jesus para levar adiante o seu projeto de salvação a toda a humanidade. Na fé em Je-sus, professada pela comunidade da primeira epístola de João, somos impelidos a afirmar: “Deus que tudo conhece é maior do que o nosso coração” (1Jo 3,20). Jesus é maior do que o mundo que o acolheu. Sem ele, nada podemos fazer.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 9,26-31): A Igreja é missionária como Paulo

Uma das polêmicas do início do cristianis-mo foi a aceitação de Saulo – primeiro nome desse fariseu convertido ao cristianismo após um contato com o Ressuscitado a caminho de Damasco (At 9,1-2), de onde prometera trazer presos para Jerusalém os seguidores

do Caminho (Jesus), o qual passou desde então a se chamar Paulo. A primeira leitura de hoje nos mostra, por meio da habilidade da pena de Lucas, a argumentação necessária para convencer os irmãos de Jerusalém – os quais tinham motivos de sobra para não acreditar naquele que havia perseguido até a morte o irmão Estêvão (At 7,58) – de que Paulo era apóstolo do mestre ressuscitado Jesus de Nazaré. A descrição de Lucas mos-tra como Barnabé, o irmão de confiança da comunidade, oferece argumentos confiáveis sobre a pessoa de Paulo. Ele havia visto o Senhor ressuscitado, ouvido suas palavras e se convertido (At 9,3-9). Ver para crer era de fundamental importância para os cristãos. Os judeus preferiam o ouvir. Ademais, Paulo havia pregado em Damasco e sido persegui-do pelos judeus, que tramaram a sua morte (At 9,23). Paulo teve de fugir escondido. O testemunho de Barnabé convenceu os irmãos de Jerusalém. Paulo foi aceito e confirmado pela comunidade-mãe, onde logo iniciou

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Vida Pastoral – maio-junho 2012 – ano 53 – n. 28436

sua pregação. Não tardou muito e os judeus o perseguiram. Paulo, agora evangelizador reconhecido, teve de fugir novamente. Foi para a sua terra natal, Tarso, para dar conti-nuidade à sua missão.

2. Evangelho (Jo 15,1-8): Jesus é a videira, crescida no meio de nós para revelar Deus

Estamos no Tempo Pascal. Nada melhor para confirmar a nossa fé em Jesus ressuscita-do que as imagens da videira da comunidade joanina. De forma figurativa, como em tantas outras passagens, o Evangelho de João nos oferece a imagem do “eu sou” de Jesus, o qual se revela como: pão da vida (6,35); luz do mundo (8,12); porta das ovelhas (10,7); bom pastor (10,11); ressurreição e a vida (11,25); caminho, verdade e vida (14,6).

Tomemos para a nossa reflexão o “eu sou a videira”. No Oriente, o vinho era a bebida dos deuses; Baco ou Dionísio, o deus do vinho, era celebrado na Roma antiga com grandes festas, no período da vindima, que se transformaram em festas orgiásticas à base de vinho. Em Israel, a videira era e é planta comum nas casas do povo. Israel se considerava a vinha escolhida por Deus para levar a santificação a todos os povos. Cada israelita é um vinhateiro, um cuidador da aliança (vinha) que Deus, o grande Senhor da vinha, tinha feito com Israel. O livro do Gênesis mostra mitologicamente que o ser humano perdeu o paraíso e passou a viver numa terra infértil (Gn 3,17-18). Após o di-lúvio, Noé começou a plantar uma vinha (Gn 9,20). Vieram a uva e o vinho como símbolos eternos de bênção para Israel. Noé chega a beber muito vinho e fica embriagado. Os profetas condenaram os israelitas infiéis que levavam o povo a perder o direito de poder beber vinho, usufruir das benesses da aliança com Deus (Am 5,11-12; Sf 1,13). Mais tarde, no tempo do Segundo Testamento, as lide-ranças do povo judeu se julgavam senhores da vinha, no comando e na manutenção da

fé israelita. Ocorreu, no entanto, que eles perderam o controle e desvirtuaram o povo do caminho. Acabaram, em conchavo com as lideranças romanas, condenando Jesus, o Filho de Deus, a morrer fora da vinha (Jerusalém).

No contexto acima apresentado, pode-mos entender a mensagem de Jesus: “Eu sou a videira, e vós, os ramos” (Jo 15,5). Antes, Jesus dissera: “Vós estais podados [puros] por causa da palavra que vos ensinei” (15,3). De forma incisiva, Jesus chama seus discípulos a permanecer nele, no anúncio de sua palavra. Permanecer nele é o mesmo que renovar a aliança de outrora, no seu sangue derramado. E Jesus é ainda mais contundente: sem mim nada podeis fazer (15,5), ou melhor, sem Deus nada podemos fazer. Os frutos a serem produzidos pela comunidade são os do reino de Deus. O novo judeu-cristão é aquele que deixa Jesus morar dentro dele. O cristão passa a ser um novo Jesus ressuscitado.

3. II leitura (1Jo 3,18-24): Como reconhecer que Jesus mora dentro de nós?

Esse belíssimo texto poético e afetuoso da comunidade joanina parece ser uma con-tinuidade do evangelho de hoje. Os sinais que demonstram que o seguidor de Jesus age conforme os ensinamentos do mestre são: a) amar com ações de verdade, e não com palavras e língua; b) rezar de forma verda-deira; c) consciência tranquila; d) guardar os mandamentos; e) crer no nome do Filho Jesus Cristo; f) amar os outros como ele nos amou. Agindo assim, os cristãos se tornavam morada de Deus, e Deus morava neles. Deus permanece nos discípulos de Jesus pelo Es-pírito enviado por Deus (v. 24). Assim, cada discípulo demonstra que Deus mora nele e se torna forte. Ninguém poderá vencê-los, como afirmara Paulo em Rm 8,21: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” Essa convicção dos cristãos os levou ao martírio como teste-

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munho da ressurreição de Jesus. Desse modo, as raízes do cristianismo ganharam força, e ele ganhou o mundo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Levar a comunidade a se perguntar pe-los frutos que ela produz, unida ao projeto de Jesus.

– É possível viver a fé sem vínculo com uma comunidade? É possível ser cristão sem estar em comunhão com a proposta de Jesus?

– Paulo, após o encontro com o Ressusci-tado, logo iniciou a sua caminhada de evan-gelizador do reino. Esse episódio mudou a vida de Paulo, e ele mudou a vida de muitas pessoas. Diante disso, perguntemo-nos: as palavras de Jesus, de fato, permanecem, isto é, fizeram morada em nós, transformando--nos por inteiro?

– Que sentido tem a frase do evangelho de hoje: “Sem mim nada podeis fazer”, nas culturas que pouco conhecem de Jesus e de seus ensinamentos? Qual deveria ser a nossa atitude pastoral, nesse caso?

– Na hora do abraço da paz, explicar que desejar a paz de Cristo é o mesmo que afirmar: que você seja qual outro Jesus res-suscitado que mora dentro de você.

6ºDOMINGODAPÁSCOA (13 de maio)

TEOLOGIA DO AMOR DE DEUS, NO DIA DAS MÃES!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Hoje, dia das mães, é dia de falar do amor; amor de Deus e amor de mãe. As leituras de hoje nos oferecem pistas para a vivência do amor fraterno, divino, maternal e solidário. O amor existe somente em função do outro. Pedro, judeu e seguidor de Jesus, entende que o amor salvífico de Deus é também para os pagãos. Já Jesus declara amor pelo seu Pai,

O livro reflete o que o autor con-sidera fundamental na compreen-são de um cristianismo vivo e atento às exigências da cultura atual: qual é o significado funda-mental da religião em nossa vida? É Deus um juiz que incute medo ou um pai que inspira confiança e promove a vida? É sobre essa questão que o teólogo e sacerdote Andrés Torres Queiruga discorre.

Formato: 13 cm x 20 cmPáginas: 232Cód.: 9788534913935

Recuperar a salvaçãoPor uma interpretação libertadora da experiência cristãAndrés Torres Queiruga

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Deus, que nos criou e nos convoca a amar uns aos outros, sendo ele o amor. Tudo isso veremos nas leituras de hoje.

Amor não é questão abstrata, mas expe-riência de vida que vem de Deus, de Jesus e de nossas mães. O amor de Deus por nós se concretizou na presença de seu Filho en-carnado. Já “o amor de mãe envolve muitos sentimentos. A mãe está no filho que cho-ra, ri, briga, apanha, vence, sonha, perde, frustra-se... A mãe está em todas as fases de sua vida. Ser mãe é viver a vida em etapas, nas etapas da vida do filho. O filho é quase uma extensão da mãe” (cf. FARIA, Jacir de Freitas. História de Maria, mãe e apóstola do seu filho, nos evangelhos apócrifos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 11).

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 10,25-26.34-35.44-48): Pedro toma consciência de que a salvação é para todos

Lucas, relatando, nos Atos dos Apóstolos, a visita de Pedro ao centurião da corte itálica, em Cesareia, descreve um passo decisivo na conversão de Pedro, que defendia zelosamente a adaptação dos valores da fé judaica ao cris-tianismo. Pedro sustentava que o não judeu, ao abraçar a fé cristã, teria de fazer a circun-cisão. Cornélio, o pagão que se tornara um temente a Deus, simpatizante do judaísmo, homem de oração e de esmola, pediu a Pedro que fosse à sua casa. O encontro dos dois foi marcado pela prostração de Cornélio diante de Pedro, gesto que evidenciou, na pessoa de Pedro, a presença de Deus. Pedro refuta tal atitude, afirmando que ele era apenas um homem. Cornélio e sua casa, representantes da gentilidade, encontram-se com Pedro. Nesse momento, ocorre a declaração pública de Pedro de sua conversão: “Dou-me conta, em verdade, de que Deus não faz acepção de pessoas, mas que, em qualquer nação, quem o teme e pratica a justiça lhe é agradável” (v. 34-35). Numa via de mão dupla, a família

de Cornélio se deixa catequizar por Pedro e o catequista Pedro se deixa catequizar pelos seus catequizandos.

A visão que Pedro teve em Jope (At 10,9-16) e o encontro com Cornélio selaram, definitivamente, a sua mudança de posição. Nesse contexto de aproximação dos gentios e mudança de mentalidade de Pedro, o Espí-rito Santo desce sobre todos os presentes, na maioria não judeus. Estes começam a falar em línguas e a louvar a Deus. Pedro, não tendo dúvida dos fatos, pede que pagãos sejam batizados em nome de Jesus.

Os fatos ocorridos acima demonstram a sabedoria dos apóstolos em levar a fé em Jesus a todos os povos. Para além das mes-quinharias exclusivistas, o cristianismo de Jesus ressuscitado ganhou novos adeptos e se expandiu mundo afora. Caso Pedro tivesse se mantido nos preconceitos de raça, religião e pureza ritual de seu povo, o cristianismo teria se tornado uma entre as tantas religiões que já sucumbiram na história da humanidade.

2. Evangelho (Jo 15,9-17): Jesus nos escolheu para nele permanecer no amor

O evangelho de hoje é a continuidade do domingo anterior, a parábola da videira e seus ramos. Amar é a chave de interpretação de Jo 15,9-17. Jesus ama sua comunidade, assim como Deus o amou. A comunidade é chamada a permanecer no amor, guardar os mandamentos, amar uns aos outros. Jesus deu a vida por amor, e isso devia ser o combustível a mover a comunidade. Nada menos que nove vezes aparecem amar e amor no texto, o que prova a centralidade dessa temática.

O verbo “amar” e seu substantivo “amor” são largamente utilizados no cotidiano de nossa vida. Muitas vezes, eles chegam a ser banalizados. Quantos casais iniciam sua vida conjugal chamando o(a) parceiro(a) de “meu amor”, bem como de seu correlato, “meu bem”. Amor/amar é um bem precioso que poucos de nós conseguimos vivenciar de

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forma eficaz. Nas relações dos casais, o que vemos muitas vezes, infelizmente, é que, com o passar dos anos, a máxima “meu bem” se transforma em “bem longe”. “Meu amor” em “meu pesadelo”. Toda relação, se não for refeita sempre, acabará perdendo o seu encantamento. Amar é um caminho sempre aberto, apesar de a estrada ser sempre a mesma; por mais batida que ela seja, precisa ser reaberta sempre. A arte de amar no casa-mento consiste em acreditar sempre, perdoar sempre, encantar-se sempre com o projeto de vida selado. De um casal é dito também que eles são cônjuges, termo que deriva de canga, instrumento utilizado no mundo agrário para atrelar os bois no serviço do arado. Em outras palavras: quando duas pessoas resolvem unir--se em matrimônio, elas colocam sobre o pes-coço uma canga. É como se dissessem: vamos caminhar juntos no mesmo projeto, apesar das nossas diferenças. O amor é exigente.

Fazendo uso do simbolismo do casamento, entendamos o que Jesus, no evangelho de hoje, tem a nos dizer sobre o amor eterno estabelecido entre ele, o Pai e a comunidade. Vários pontos são estabelecidos nessa relação amorosa: a) observar os mandamentos de Deus que Jesus mesmo havia seguido. Esses mandamentos são todos aqueles que possi-bilitam uma relação justa entre as pessoas, concretizada em obras libertadoras. Ninguém é escravo de ninguém. Deus não nos criou para sermos explorados. É assim na relação matrimonial e na sociedade. Quando o par-ceiro oprime e trai o outro, o amor deixa de existir; b) viver na alegria. Solidariedade e respeito na vida comunitária nos dão fru-tos de alegria; c) observar o mandamento. Antes, no texto, “mandamento” foi usado no plural, agora é expresso no singular para ressaltar a sua importância: amar uns aos outros. A consequência dessa opção nos leva a sacrificar, a dar a vida por quem amamos. Ademais, tornamo-nos amigos, confidentes e parceiros em um único projeto. A morte de Jesus na cruz foi o testemunho claro dessa sua

Trata-se de um estudo do cristia-nismo a partir de seus conceitos fundamentais. A preocupação de Rahner é falar do cristianismo para o homem de hoje, um homem rodeado de problemas, ideologias, sistemas e, sobretudo, um homem queque se pergunta sobre o sentido da fé. O livro sintetiza longos anos de estudo e reflexão do autor.

Formato: 13,5 cm x 21 cmPáginas: 544Cód.: 9788534905169

Curso fundamental da féKarl Rahner

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fala. A comunidade que nasce dessa relação amorosa com Jesus não se torna a sua serva, agindo por comandos e ordens, mas é amiga e colaboradora no projeto do reino. A vida familiar também é assim: um projeto de vida comunitário. Jesus escolhe a comunidade para ser sua amiga e parceira (v. 16).

Duas conclusões se impõem com base na relação entre Jesus e a comunidade: produção de frutos e recebimento de Deus de todos os pedidos feitos. “Amai-vos uns aos outros”, essa é chave de leitura da vida amorosa, en-sinada por Jesus.

3. II leitura (1Jo 4,7-10): Deus nos amou, enviando seu Filho e nos convidando a viver o amor solidário

A primeira carta de João nos apresenta, na leitura de hoje, uma raridade teológica do amor divino. Ela se liga ao evangelho e ao dia das mães. Mãe é sinal de amor. Deus é amor e, também, pai e mãe de todos nós. Ele nos deu a vida e um Filho que, qual uma mãe, doou a sua vida por todos nós. Tudo em nossa vida depende do amor. Sem amor, sem Deus, sem mãe, nenhum de nós existiria. Mãe e Deus não se dão a conhecer teorica-mente, mas pela prática do amor. “Amar é entregar-se, como a mãe, em tantas noites mal dormidas, para acalentar o filho e fazê--lo crescer. Ser mãe não é padecer no paraíso, mas é amar e aceitar os limites da vida. É viver no paraíso da vida, aqui e ainda não, no mistério de Deus que se encarnou no meio de nós no seio de uma mulher, Maria-Mãe, que reverenciamos neste mês de maio. Ser mãe é não ter armas para atirar contra o filho, pois o amor a desarma sempre. Mãe é aquela que impõe limites ao filho, pois a sua experiência lhe ensinou que o mundo tem limites. O filho precisa aprender a lição cedo, pois senão o mundo o devorará violentamente. E quan-tas mães sofrem por saber que, apesar de terem ensinado essa lição ao filho, a droga do mundo o tragou?” (cf. FARIA, Jacir de Freitas. História de Maria, mãe e apóstola

do seu filho, nos evangelhos apócrifos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 12).

Ser como Deus, que nos carrega na pal-ma de sua mão materna, é vivenciar o amor solidário com o outro, nas suas angústias e nas lutas por melhores dias, por justiça social. Portanto, sigamos o eterno conselho da comunidade joanina: “amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (v. 7).

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Demonstrar as dificuldades da Igreja, que ainda hoje se vê mergulhada em precon-ceitos, moralismo e regras, o que impede a expansão das propostas do reino. Ligar essa questão com a catequese que Pedro realizou na casa de Cornélio, a qual possibilitou a todos o entendimento e o crescimento na nova religião abraçada por eles. Nessa mesma linha, perguntar pelo modo como a catequese é aplicada na comunidade.

– Perguntar pela experiência de amor vivida pela comunidade e pelo exemplo das mães. Fazer uma correlação entre o amor de Deus, o da comunidade e o das mães.

– Demonstrar que o amor solidário/social exige de nós compartilhar com os que nada têm e lutar pelo fim das injustiças sociais.

ASCENSÃODOSENHOR (20demaio)

Dia Mundial das Comunicações

IDE POR TODO O MUNDO

I. INTRODUÇÃO GERAL

Celebramos hoje a Ascensão de Jesus. Ascensão tem a ver com a ressurreição e com o tempo da Igreja. Jesus volta para a casa do Pai, a morada eterna onde todos nós espera-mos estar após nossa morte. Jesus viveu no meio de nós como ser humano e agora volta

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para Deus. Somos privados de sua presença física e chamados a eternizá-lo na vida da Igreja, representada, primeiramente, pela comunidade de Jerusalém. Ao mesmo tempo, tornamo-nos participantes da divindade do mestre Jesus de Nazaré. O sentido último de nossa vida é Deus, autor e doador da vida ple-na. O humano Jesus leva consigo a natureza humana para a glória de Deus. Jesus ressus-citado permanece no meio de nós, na vida de fé da comunidade e no anúncio do reino.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 1,1-11): Jesus não foi embora, ele está vivo na comunidade

A primeira leitura de hoje, tirada dos Atos dos Apóstolos, tem sua ligação com o Evangelho de Lucas, duas obras que se entrelaçam, pois teriam saído da pena do mesmo escritor ou comunidade. O evangelho não termina, mas continua com a ação da comunidade de Jerusalém, Antioquia, Sama-ria etc. Nesse trecho, introdução de toda a obra, Lucas se propõe escrever uma narração ordenada dos fatos que se cumpririam entre eles. Ele dedica a sua obra a Teófilo (Lc 1,1-4) – nome grego que significa o amigo de Deus. No fim do Evangelho de Lucas, Jesus promete o Espírito Santo e convoca os seus seguidores a permanecer em Jerusalém para a realização das promessas (Lc 24,49). Já no início dos Atos, a nossa leitura de hoje, os discípulos perguntam a Jesus: “é agora que vais restabelecer o reino de Israel?” (At 1,6). Jesus responde dizendo que eles não devem se preocupar com a data, pois esta compete ao Pai (At 1,7). O Espírito Santo continuará a realização do prometido (1,8a), que não é a restauração de Israel, mas o ser sua teste-munha em Jerusalém, na Judeia, na Samaria e nos confins do mundo (At 1,8b).

A ascensão em At 1,9-11 é narrada para mostrar que Jesus não foi embora, mas continua vivo dentro de cada apóstolo(a) que testemunha o Ressuscitado e entre eles.

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Jesus não foi embora. Só assim podemos falar teológica e historicamente de “Igrejas” de Je-rusalém. Tivemos, na origem, como resultado da ação do Espírito Santo, vários núcleos do seguimento de Jesus, embora Lucas tenha, nos Atos, idealizado e privilegiado a comunidade de Jerusalém.

A ascensão somente tem sentido à luz de sua relação estreita com a comunidade de Jerusalém, a qual passará a ser o símbolo da Igreja, que se expandirá, na sequência, para as regiões da Judeia, da Samaria e da Galileia e daí para os confins do mundo, isto é, para o então centro daquele mundo, Roma.

Segundo o relato dos Atos, depois da ascensão, os discípulos e discípulas de Jesus voltam do monte das Oliveiras para Jerusa-lém. O livro dos Atos dos Apóstolos usa dois termos para falar da cidade de Jerusalém: o nome bíblico e sagrado Jerusalém (36 vezes) e o nome grego como designação geográfica Jerosolyma (23 vezes). At 1,12 fala de voltar para Jerusalém, o que significa, então, voltar para o lugar sagrado do judaísmo, para o lugar da missão, da salvação. É como um católico dizer: “Vou a Aparecida”. Na cabeça de quem escreve os Atos estaria, com certeza, o sonho da nova Jerusalém, pois a Jerusalém cidade já tinha sido destruída pelos romanos quando os Atos foram escritos.

A comunidade de Jerusalém é judaica de origem e, por isso, fiel observante da Torá (lei, conduta, caminho, modo de vida baseado no Decálogo); ela celebra a eucaristia como memória do martírio redentor e profético de Jesus (At 2,42-46); partilha os bens (At 2,44-45) como expressão de uma espiritualidade comprometida com a justiça; está em conflito com as autoridades locais (At 3,11-4,22); está centrada no grupo dos doze apóstolos e unida em torno deles (At 2,42; 4,23-31); tem conflitos (At 5,1-11); opera prodígios e milagres (At 3,1-10).

Nessas características encontramos o rosto, às vezes idealizado, da comunidade

de Jerusalém. Esse modo de viver a fé na comunidade de Jerusalém foi o jeito que os primeiros cristãos encontraram para expri-mir a utopia do reino de Deus anunciado e vivido por Jesus na sua integralidade e com a sua ascensão. A ascensão de Jesus no monte das Oliveiras teria sido a sua glorificação e a certeza da sua presença definitiva na co-munidade de Jerusalém de forma histórica (presente), escatológica (futuro) e pneumática (plena do Espírito Santo). Tendo Jerusalém como referência e origem da comunidade judaico-cristã, os discípulos devem partir em missão até os confins do mundo, anunciando que Jesus ressuscitou e não morreu. Esse foi o grande segredo do cristianismo; caso con-trário, teria se perdido, como tantas religiões do mundo antigo.

2. Evangelho (Mc 16,15-20): Atitudes que nos põem no caminho do anúncio da boa notícia: Jesus ressuscitou

O evangelho de hoje nos mostra o movi-mento de Jesus ressuscitado, que aparece aos onze discípulos, enquanto comiam, e desapa-rece por meio da ascensão, após os instruir para a evangelização. Jesus foi levado ao céu e sentou-se à direita de Deus. Sentar-se numa cadeira é sinal de poder. Daí que um profes-sor se torna catedrático. O bispo tem a sua catedral e profere sua homilia, normalmente, sentado. O poder de Jesus é transferido aos discípulos, que devem se pôr de pé e sair mundo afora, anunciando a sua ressurreição em movimento de ascensão, de subida.

A ação de ascensão, isto é, de movimento de permanência de Jesus, consiste em sete atitudes: 1) anunciar a boa-nova a toda a hu-manidade; 2) batizar; 3) salvar; 4) condenar; 5) expulsar demônios em nome de Jesus; 6) falar novas línguas; 7) impor as mãos para curar doentes. Essas atitudes vêm acom-panhadas da certeza de que nem serpentes nem venenos serão causa de morte para os discípulos. Anunciar, crer e salvar interagem num crescendo na ação ascensional dos dis-

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cípulos. É a nova língua; não novo idioma, mas novo modo de comunicar a libertação, a vida nova do reino. Trata-se da linguagem da evangelização, não obstante as tantas línguas (idiomas) presentes. Quem caminha visando ao alto, isto é, às coisas do reino, vai deparar com venenos e serpentes e deles não deverá ter medo. Assim como Jesus venceu a morte, os seus discípulos serão amparados pela vida que não morre mais, a de Jesus ressuscitado, que os acompanhará por todo o sempre. Amém!

3. II leitura (Ef 1,17-23): Igreja, sinal do reino no movimento de fé e constante conversão

Paulo ficou sabendo que a comunidade de Éfeso estava sendo fiel a Deus na fé, no testemunho e na resistência às adversidades da evangelização. Na perspectiva da ascen-são, o apóstolo reconhece que “Deus colocou tudo debaixo dos pés de Cristo e o colocou acima de todas as coisas, como cabeça da Igreja, a qual é o corpo, a plenitude daquele que plenifica tudo em todas as coisas” (v. 23). A teologia paulina reforça a caminhada da Igreja, sinal do reino em movimento de conversão contínua e testemunho de fé em Jesus ressuscitado.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Levar a comunidade a perceber que a ascensão é um movimento de ação transfor-madora do mundo com base em nossa fé em Jesus ressuscitado e na ação libertadora da Igreja.

– Viver a ascensão significa não ficar olhando para o alto, esperando Jesus, mas pôr-se a caminho, no anúncio do reino, na evangelização. É tornar-se um bem-aventu-rado.

– Evangelizar é falar a mesma linguagem – anunciar a todos a vida nova do reino –, e não falar a mesma língua (idioma). É expul-sar demônios e não ter medo de serpentes e venenos, que nos impedem de caminhar.

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PENTECOSTES(27demaio)

A FORÇA DO ESPÍRITO ROMPE BARREIRAS E RENOVA O MUNDO!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Na era da internet, uma notícia chega aos quatro cantos do mundo em frações de segundos. Por meio do computador, ve-mos o mundo e nos comunicamos com ele, mobilizamo-nos para coisas boas e ruins. Tudo se parece com um espírito que corre veloz nas ondas invisíveis e nas fibras ópti-cas de um mundo globalizado, que, apesar dos avanços tecnológicos, ainda persiste em mostrar o incômodo da miséria, do racismo, da exploração sexual e das injustiças sociais reinantes em grande parte do nosso planeta. A globalização ainda não acontece satisfato-riamente na promoção da solidariedade, da cultura da paz, do acesso aos bens necessários à vida, da justiça.

É neste contexto de século XXI que conti-nuamos celebrando Pentecostes como acon-tecimento profundamente aglutinador, pois nele todos os povos são reunidos por Deus para desfrutar da Páscoa de seu Filho, fonte de paz, salvação e vida plena para todos. Pen-tecostes é o oposto de Babel (Gn 11,1-9), pois não envolve multiplicação de línguas, mas é a plenitude da comunicação entre o divino e o humano e o evento basilar do cristianismo primitivo, ao reler a manifestação de Deus no monte Sinai. É o que veremos nas leituras de hoje.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 2,1-11): Pentecostes é a releitura simbólica do Sinai

Haviam se passado os 50 dias entre as festas da Páscoa e Pentecostes. Era o quinqua-gésimo dia da festa das Semanas, daí o nome hebraico da festa: “Pentecostes”. Era o dia 6 do mês de sivan – 22 de maio no nosso calen-

dário. Jerusalém estava repleta de peregrinos. Todos teriam trazido as primeiras colheitas para serem ofertadas no Templo. A peregri-nação até Jerusalém teria sido linda. Imagine grupos de pessoas caminhando juntos com cestos de uva, trigo, azeitonas, tâmaras, mel... Imagine o povo sendo acolhido em Jerusalém ao som de harpa, flauta e recitação de salmos. Todos carregavam dentro de si o desejo de agradecer a Deus pelas primeiras colheitas e de comemorar o “dom da Torá”, da Lei dada ao povo no monte Sinai tantos séculos atrás. Nisso consistia a festa judaica de Pentecostes: comemorar o recebimento da Torá no monte Sinai e afirmar, com isso, que no dia de sua revelação “eu também estava lá” (Dt 5,24). O ontem se torna hoje (Lc 4).

Em Jerusalém estavam todos. E todos pre-senciaram a vinda do Espírito Santo. Como podemos interpretar esse episódio narrado por Lucas nos Atos? Não estaria aí uma releitura do evento Sinai? Lucas descreve o acontecido em Pentecostes tendo na memória a narrativa do Sinai. Era preciso demonstrar que um novo Sinai estava acontecendo para legitimar a ação da comunidade de Jerusalém. Jesus teria dito para voltarem a Jerusalém e lá eles receberiam o Espírito Santo. Pentecostes passa a ser o batismo da comunidade cristã, o qual a confirma na missão de ir para o mundo e evangelizar. Mais que de um dado histórico, estamos diante de uma profissão de fé. Sem Pentecostes, a Páscoa (passagem) para uma nova vida em Jesus não estaria completa. É belíssima a simbologia usada por Lucas para falar de uma experiência tão importante, que marca o início da missão das comunidades cristãs.

Em At 2,1-13, temos dois relatos unidos: um mais antigo (vv. 1-4 + 12-13) e um mais desenvolvido redacionalmente (vv. 5-11). O objetivo do primeiro é chamar a atenção para o fato carismático e apocalíptico de Pentecostes, e o do segundo, demonstrar o caráter profético e missionário do evento. Vamos considerar o texto como um todo e

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interpretá-lo simbolicamente, também como releitura do Sinai.

Eis os símbolos:

a) Casa em Jerusalém: a vinda do Espírito Santo ocorre, segundo a tradição, em uma casa de dois andares na cidade de Jerusalém, que está situada sobre o monte Sião. Esses dois detalhes evocam claramente o monte Sinai, local onde Moisés recebeu as Dez Pa-lavras de Deus. No Primeiro Testamento, os montes eram considerados lugares privilegia-dos da manifestação de Deus.

b) Língua/linguagem: Lucas substitui o termo voz, que aparece na narrativa do Sinai, por língua. Esses termos são semelhantes e ambos se referem à Palavra. E cada um enten-de na sua própria língua. A Palavra é a pre-sença de Deus. Língua (idioma) e linguagem (modo de se comunicar) têm o mesmo sentido no texto. O milagre de Pentecostes consiste no fato de os presentes poderem entender os apóstolos no interior de sua própria cultura. É o mesmo que dizer: a evangelização está sendo realizada com sucesso. Por isso, esse fenômeno, também encontrado em At 10,46 e 19,6, 1Cor 12,10.28.30 e 14,2.4-6.9, apa-rece nessa leitura com o acréscimo de “outras línguas”, com a intenção de demonstrar que a evangelização era para “todos no mundo todo”. Evangelizar não é falar em língua que ninguém entende, mas justamente o contrá-rio. Não importa o idioma (língua-mãe), mas a linguagem comum, o modo como é transmitida a proposta do reino.

c) De fogo: representa a manifestação de Deus; é um modo apocalíptico de dizer que Deus se manifestou (Ex 3,2-3; 13,21; 19,18). Deus acompanha o povo pelo deserto numa coluna de fogo que iluminava a noite (Ex 13,20-22). Deus desce para falar com o povo e Moisés no Sinai por meio do fogo (Ex 19,18). A comunidade de Mateus conservou a memória da fala de João Batista que anuncia o batismo no Espírito Santo e no fogo que Jesus deveria realizar (Mt 3,11). E é isso que

Segundo o bem-aventurado papa João Paulo II, “o principal objetivo das Jornadas [Mundiais da Juven-tude] é fazer da pessoa de Jesus o centro da fé e da vida de cada jovem (...)”. Pautado por esses dizeres, padre Jerônimo reflete a ppreocupação em estimular e aper-feiçoar, de forma cuidadosa e pastoral, a preparação à Jornada Mundial da Juventude aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, em 2013.

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Botar fé na juventudeSubsídios e reflexões para a Jornada Mundial da Juventude no Brasil 2013Pe. Jerônimo Gasques

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ocorre em Pentecostes, segundo a interpreta-ção da comunidade dos Atos dos Apóstolos. O Espírito Santo é o fogo da palavra de Jesus que deve ser anunciada pelos seus seguidores.

d) Multidão: simboliza o povo no deserto que recebeu as tábuas da Lei. No dia de Pen-tecostes, 3 mil pessoas estavam em Jerusalém. Não se trata aqui de uma cifra exata. A co-munidade dos Atos quis, com isso, afirmar que a comunidade dos convertidos era uma multidão, proveniente de 12 povos e 3 regiões.

e) Vendaval impetuoso: simboliza a ma-nifestação de Deus. É a “violência” do Espí-rito que leva a comunidade a ser profética e missionária. Deus fala no Primeiro e Segundo Testamentos.

f) Estão cheios de vinho doce: essa acu-sação simboliza os que não estão abertos ao novo da comunidade cristã. Segundo os Rolos do Templo (cf. FITZMYER, J. The acts of the apostles, The Anchor Bible, vol. 31, p. 235), gruta 11, os judeus de Qumrã celebravam três Pentecostes: a) a festa das Semanas e do Novo Trigo (50 dias após a Páscoa); b) a festa do Novo Vinho (50 dias após a festa do Novo Trigo); c) a festa do Novo Óleo (50 dias após a festa do Novo Vinho). Essa sequência de festas nos mostra que, depois da Páscoa, de 50 em 50 dias, era celebrada uma festa. Sendo uma das festas a do Novo Vinho, podemos entender melhor esta zombaria no texto: “estão cheios de vinho doce”. Lucas pode ter conhecido múltiplos Pentecostes entre os contemporâneos judeus e fez alusão ao Pen-tecostes do Novo Vinho, quando fala, mais propriamente, do Pentecostes do Novo Trigo.

2. Evangelho (Jo 20,19-23): Pentecostes é a nova Páscoa para os seguidores de Jesus, na paz e no anúncio do Espírito Santo

A comunidade está reunida e com medo. O Ressuscitado ultrapassa as barreiras físicas e aparece diante dela. Ele lhes diz: “A paz esteja convosco”. “Paz” se diz em hebraico shalom,

palavra originada do verbo shlm, que, no tempo verbal piel, significa pagar, devolver, ressarcir, indenizar, conservar. Da mesma raiz, o adjetivo shalem significa estar completo, inteiro. Pagar em hebraico tem o sentido de completar o valor justo. É forma simbólica de completar o vazio deixado pelo objeto tirado. Quem compra e não paga mutila o outro. Paz é eterna harmonia com Deus, com o outro e com o universo. Os judeus acreditam que o Messias só virá quando a justiça social estiver implantada em nosso meio. Jerusalém, a cida-de (yeru) da paz (shalem), é protótipo desse sonho, dessa esperança. Jerusalém, em hebrai-co, escreve-se, na verdade, Ierushalaim. Duas vezes aparece o i (em hebraico yod), ainda que na segunda vez ele não seja pronunciado, pois representa o nome de Deus, Iahweh. Os ou-tros povos, não compreendendo o significado do i no nome dessa cidade santa, traduziram--no como Jerusalém. O yod representa, para o semita, a esperança. E é nesse contexto que podemos entender a fala de Jesus: “Nem um i sequer será tirado da Lei” (Mt 5,18). A es-perança de paz, de voltar ao tempo de Deus, jamais acabará para quem sabe esperar. Jesus pôde dizer Paz a vós, pois ele é a paz. A sua presença já é paz e esperança. Quando, na missa, saudamos o outro com a expressão “paz de Cristo”, desejamos que Cristo esteja dentro dele e ele seja qual outro ressuscita-do. A expressão “paz de Cristo” reúne os elementos do ser completo, da harmonia e, mais que isso, da presença duradoura de Deus transmitida por Jesus aos seus.

Para as comunidades joaninas, Pentecostes, como dom do Espírito, realiza-se na Páscoa. Jesus, na sua morte de cruz, entrega o Espíri-to (Jo 19,30). Jesus ressuscitado aparece aos discípulos e lhes oferece o Espírito Santo, como nos atesta o evangelho de hoje (v. 22). A comunidade pascal é portadora da paz e da força do Espírito do Ressuscitado que deve ser levado ao mundo. Ela é sinal da ação do Espí-rito que faz passar da morte para a vida todo o universo. Por isso, Jesus envia a comunidade

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ao mundo, com a missão de reconciliá-lo com Deus, combatendo as forças do mal. A nova comunidade dos judeu-cristãos é portadora do projeto de Deus para a verdadeira unificação do mundo. Esse segredo chama-se: Páscoa do Ressuscitado. Sua força é a mesma de Pentecostes: reunir a diversidade na unidade. O desafio da comunidade é abrir as portas da “casa”: sair de si para reconhecer no universo o “vendaval” do Espírito que tudo renova, tudo recria e que sopra onde quer.

3. II leitura (1Cor 12,3b-7.12-13): O Espírito, fonte de diversidade e de comunhão

Tendo aprofundado o caráter simbólico da solenidade de Pentecostes, deparamos com a segunda leitura de hoje, a qual é um desafio proposto à comunidade de Corinto, em meio às divisões que ela sofria. Paulo insiste na comunhão no mesmo Espírito, na diversidade de ministérios, atividades, raças, culturas e povos. Diversidade é sinal da riqueza do único corpo de Cristo e condição para a unidade. O Espírito distribui os dons e reúne tudo e todos em Cristo. Assim, todos devem ser res-ponsáveis e contribuir para o crescimento da comunidade, o Corpo do Senhor. Essa unidade só é possível porque envolve três realidades: 1) a ressurreição de Jesus que reúne o corpo e a comunidade; 2) a força do Espírito que impulsiona esse corpo; e 3) a diversidade de dons necessários à vida do corpo.

Na comunidade de Corinto e nas de hoje, reconhecer Jesus como Senhor, título do Ressuscitado, é abandonar toda e qualquer divisão entre os irmãos. É ser sinal do amor de Deus para o mundo, deixando a energia do Espírito nos conduzir ao diferente, ao novo, manifestando a todos a vida que Deus dá. É o que expressa o prefácio litúrgico de Pentecostes: “[...] é ele quem dá a todos os povos o conhecimento do verdadeiro Deus e une, numa só fé, a diversidade das raças e línguas”. A unidade dos cristãos é desafio constante para todos nós. É nesse espírito que

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somos convidados a viver a Páscoa do Senhor como fator de unidade entre todas as Igrejas e entre todo o gênero humano. Pentecostes, assumido pela tradição cristã como plenitude da Páscoa de Jesus, é a força capaz de nos fazer compreender e viver em profundidade o projeto universal de vida para todos. Faz-nos enxergar no diferente, e até no estranho, a força da vida divina. A vida nova em Cristo tem força “simbólica”, unificadora: supõe abandonar tudo o que divide, afasta e cria abismos na convivência humana e ecológica, para abraçar outra norma de vida: o amor que reúne, aproxima e refaz a convivência na humanidade. É o Espírito, força de vida e de unidade, o único capaz de nos conectar com todo o universo e com a fonte da vida.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Demonstrar que o Espírito Santo é o coração palpitante que animou a vida das primeiras comunidades cristãs no anúncio do evangelho e na fé em Jesus ressuscitado. Somos herdeiros dessa fé intrépida que rom-peu barreiras e ganhou o mundo.

– Demonstrar que a grande mensagem de Pentecostes é a evangelização e não o falar línguas. A vivacidade de nossas comunidades é exemplo de um novo Pentecostes aconte-cendo.

– O Espírito de Deus em Pentecostes enche todo o universo, e mantém unidas todas as coisas; gera novas relações na comunidade e no mundo; realiza a plenitude da aliança do Sinai: o amor sem fronteiras.

SANTÍSSIMATRINDADE(3dejunho)

GLÓRIA AO PAI! PODER AO FILHO! LOUVOR AO DINAMISMO DO ESPÍRITO!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Ao celebrarmos hoje, na festa da Santíssi-ma Trindade, a nossa fé em Deus Pai, Filho e

Espírito Santo, recordemos, primeiramente, o longo processo vivido pela Igreja na solidifi-cação da fé na Trindade. Primeiramente, vale recordar os testemunhos de santos mártires, que morreram comprovando a fé na Trinda-de. Um deles ficou famoso, o de santa Cecília, a padroeira da música, martirizada em Roma por volta do ano 230. Na catacumba de São Calisto, em Roma, onde foram encontrados seus restos mortais em 1599, pode-se ver a cópia de uma estátua da santa, do escultor Stefano Maderno, que estava presente no momento da abertura do túmulo. O escultor retratou o corte da espada no pescoço e a posição dos seus dedos: três abertos na mão direita e um na esquerda, o que demonstrava a sua fé na Unidade e na Trindade de Deus.

Na verdade, Tertuliano, padre da Igreja, morto em 222, foi quem usou primeiro a expressão Trindade. Para ele, Deus é três em grau, não em condição; em forma, não em substância; em aspecto, não em poder (Con-tra Praxeias, n. 2). Em 318, Ário, um presbí-tero de Alexandria, propôs a tese trinitária do subordinacionismo do Verbo, Filho, ao Pai. Ário negava a preexistência de Cristo como Deus. Em 333, o imperador Constantino mandou queimar todos os escritos de Ário, mas a sua ideia permaneceu em seus adeptos e foi propagada por eles à revelia da Igreja, que se tornava hegemônica. Já no Concílio Ecumênico de Niceia, em 325, com a presença e convocação do imperador Constantino, são estabelecidas as normas de fé para o cristia-nismo, em oposição a Ário, que fora exilado. Posteriormente, surgem movimentos antini-cenos. Em 350 surge outra tese trinitária, a de que o Filho (Verbo) é diferente do Pai. Assim, em Niceia ficou estabelecido que: há um só Deus, Pai criador; um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, gerado desde a eternidade, gerado e não criado, nascido por obra do Espírito Santo no seio da virgem Maria. Ele morreu, ressuscitou, voltou para Deus e retornará para julgar vivos e mortos. Há o Espírito Santo, Senhor e fonte da vida

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que procede do Pai; com o Filho é adorado e glorificado. A Igreja é una, santa, católica e apostólica. Há um só batismo que redime pecados. Os cristãos devem manter-se firmes na fé na ressurreição dos mortos.

Mais tarde, em 381, no I Concílio de Constantinopla, ficou definida a divindade do Espírito Santo: “Uma substância, três pessoas”. Nesse momento, consolida-se a teologia trini-tária do cristianismo. No entanto, foi mesmo em 451, no Concílio de Calcedônia, que a Igreja proclamou as duas naturezas na única pessoa de Cristo: “Cristo é uma substância conosco no tocante à sua humanidade; ele é como nós em todos os aspectos, menos no pecado; no tocante à sua divindade, ele foi gerado pelo Pai antes dos tempos, mas mesmo assim gerado, quanto à sua humanidade, por Maria, a Virgem, a portadora de Deus; ele é um e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, apenas gerado, reconhecido em duas naturezas sem confusão, sem mudança, sem divisão e sem separação”.

Vale ressaltar ainda que, na numerologia judaica, o número três representa o divino: firmamento, céu e Xeol – morada dos mortos. A estrela de Davi, que aparece na bandeira de Israel, é composta de dois triângulos equiláteros – de três partes cada um. Nos evangelhos, várias vezes aparece o número três. Pedro nega Jesus três vezes, e Jesus lhe pergunta outras três vezes se ele o ama; Jesus morre às três horas e ressuscita ao terceiro dia. Diante dessas evidências, será que não poderíamos afirmar que a base da fé cristã na Trindade tem relação direta com esse modo de pensar? Bases bíblicas é que não faltam. É o que ouvimos nas leituras de hoje, que passamos a comentar.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Dt 4,32-34.39-40): Deus é Pai criador de tudo e de todos

Partindo da fé vivida por nossos irmãos judeus, desde tempos antigos, a leitura que

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ouvimos do livro do Deuteronômio nos mostra que Deus é criador de tudo e de to-dos. Ele escolheu Israel dentre outros povos, falou diretamente com esse povo, libertou-o do Egito e, por fim, pediu-lhe o cumprimento da aliança estabelecida. A Deus a glória por seu ato criador!

Nessa breve exortação, o autor de Dt estabelece o princípio criador de Deus e sua essência, o de ser Um – isto é, não existem outros deuses. Ele não é único, pois não está em relação a outro deus. Ele é um, indivisível e forte. Somente a esse Deus Israel deve servir e amar. Os profetas bíblicos se encarregaram de firmar a fé monoteísta.

A tradição cristã transmitiu a fé trinitária. E somente assim se deve compreender o ato criador de Deus. A diferença e a unidade de Deus em três pessoas, já no seu ato criador, revelam-se como comunidade que cria o ser humano à sua imagem – o ser humano é como Deus – e à sua semelhança – o ser é um vir a ser como Deus, por meio de suas atitudes.

As primeiras palavras da Bíblia afirmam que, “no princípio, Deuses criou” (Gn 1,1). O sujeito está no plural, e o verbo, no singular. O ser humano, na sua singular diferença, é chamado a ser como Deus trinitário, na co-munhão e no respeito ao diferente que nos une. Israel, como sociedade de povo escolhi-do, é chamado a ser imagem e semelhança de Deus, Pai e libertador dos oprimidos. Para que isso acontecesse, bastaria uma coisa: se-guir a Torá, de modo que a fome e a injustiça não se estabelecessem no meio do povo.

2. Evangelho (Mt 28,16-20): Jesus é o Filho Deus que pede o batismo trinitário para seus seguidores

O término do mais judeu dos evange-lhos, Mateus, apresenta-nos a missão dos seguidores da primeira hora de Jesus: “Ir pelo mundo afora, converter as nações e batizá-las em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Jesus aparece aos onze

discípulos na Galileia, conforme ele mesmo havia prometido. O evangelho afirma que Jesus tem autoridade sobre o céu e a terra, recordando o ato criador de Deus Pai, da primeira leitura. Além disso, Jesus pede aos discípulos que batizem as nações em nome da Trindade. Anunciar o reino pregado por Jesus é estar em comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Jesus também fora batizado no Espírito (Mt 3,16), e ele mesmo dizia: “Quem me vê, vê o Pai. Eu e o Pai somos um!” (Jo 14,9-10). Ele tinha consciência de que fazia a obra do seu Pai (Jo 10,37), por isso pede aos seus discípulos que perpetuem a sua obra, tornando-se missionários da sal-vação, criando comunidades parecidas com aquela de onde ele veio, a da Trindade, a melhor comunidade. Ao Filho, o poder que vem de Deus! Ao batizado, expressão da fé sacramental na Trindade, o poder e a missão de levar a salvação, o reino, a todos.

3. II leitura (Rm 8,14-17): O Espírito de Deus é santo e nos põe na condição de filiação adotiva de Deus

Na experiência trinitária, Paulo nos re-corda com mestria que “todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (v. 14). Nós nos tornamos filhos de Deus graças ao Espírito. Recebemos um Espírito de filhos adotivos, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo. O Espírito nos torna livres, como disse Paulo. O Espírito é cheio de dinamismo e nos impulsiona a viver na liberdade criativa da Trindade.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Demonstrar à comunidade a importância de nunca nos acomodar na glória do Pai, no poder do Filho, mas sempre nos inserir no di-namismo do Espírito que tudo vivifica e cria. A união dos diferentes é que nos faz cristãos.

– A Trindade tem sua essência na expe-riência comunitária de solidariedade dos diferentes, no amor e na comunhão. Tudo

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isso deve suscitar em nós o desejo de cons-truir a sociedade justa e igualitária, espelho da Trindade, a melhor comunidade.

– O Espírito Santo não pode ficar aprisio-nado em instituições e comunidades que se julgam detentoras do poder divino.

CORPUSCHRISTI(7dejunho)

CELEBRAÇÃO DE CRISTO EUCARÍSTICO NA SACRAMENTALIDADE DA COMUNIDADE QUE SE REÚNE

I. INTRODUÇÃO GERAL

Em muitos lugares do Brasil, hoje, multi-dões se aglomeram para celebrar a festa do Corpo e Sangue de Cristo. Essa celebração foi instituída na Igreja pelo decreto do papa Urbano IV, em 1264, no qual se afirma que a data deveria ser numa quinta-feira, 60 dias após a Páscoa cristã, de modo que fosse feita a memória da instituição da eucaristia por Jesus. Dessa forma, Corpus Christi tornou--se uma celebração de caráter devocional, uma vez que a verdadeira festa da instituição da eucaristia na Igreja é aquela da noite da Quinta-Feira Santa.

Na origem da festa de Corpus Christi está a religiosa agostiniana – e, mais tarde, santa – irmã Julian de Mont Cornillon. Conforme se difundiu na Europa, essa religiosa teve uma visão divina que exigia a inclusão de uma festa anual no calendário da Igreja para comemorar o sacramento da eucaristia. Tudo começou em 1230, na paróquia de Saint Mar-tin, em Liège, Bélgica, onde se realizou uma procissão eucarística no interior da igreja. Dezessete anos mais tarde, ela foi para as ruas e tornou-se festa nacional na Bélgica. Em 1264, essa celebração do “triunfo euca-rístico” ganhou expressão mundial, sendo celebrada nas ruas, como desejava o papa. O Concílio de Trento (1545-1563) – em respos-ta a Lutero, que negava a transubstanciação

No segundo volume da série de livros que trata sobre as diversas linguagens a respeito de Jesus, o autor mostra como a exegese moderna trouxe maravilhosas con-tribuições que nos põem bem perto Dele. No final, o conjunto dasdas linguagens reforça a figura de Jesus diante do leitor, de modo a poder pedir, com Inácio de Loyola, a graça de conhecê-lo internamente para amá-lo e segui-lo.

Formato: 13 cm x 20 cmPáginas: 176Cód.: 9788534933094

Linguagens sobre Jesus (vol. 2)Linguagens narrativa e exegética modernaJ. B. Libanio

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como modo de explicar a presença real de Cristo na eucaristia –, de certo modo, incen-tivou tais manifestações para fazer frente às ideias luteranas.

Até Trento, muitas discussões e polêmicas foram travadas em torno da compreensão da “presença real” de Cristo na eucaristia e do modo como esse sacramento era celebrado. Como é sabido, no início do cristianismo, uma das dimensões mais acentuadas da eu-caristia era a ação de graças da comunidade, que se reunia para atender ao preceito do Senhor de celebrar a memória de sua morte e ressurreição.

Na Baixa Idade Média, o acento recai sobre o caráter milagroso, quase mágico, da “consagração” do pão e do vinho, des-vinculado do conjunto da prece eucarística. Aqui, a dimensão de ceia pascal (comer e beber juntos) cede à de adoração: basta ver a hóstia consagrada e adorá-la! Vale recordar que, nessa época, a grande maioria dos fiéis já não comungava durante a missa. A propó-sito, o termo “comunhão espiritual” adveio dessa compreensão reducionista do mistério da eucaristia. Não foram poucos os fiéis que receberam a comunhão eucarística apenas como viático, ou seja, momentos antes da morte. Dessa feita, em compensação, expan-diu-se rapidamente o costume de promover grandes celebrações devocionais de adoração ao Santíssimo Sacramento, incluindo solenes procissões.

Após o Concílio Vaticano II, sem renegar a dimensão sacrifical da eucaristia, a teolo-gia recupera sua dimensão de ceia pascal, de memorial da paixão e morte de Cristo. Novamente, o acento recai sobre a impor-tância dos fiéis reunidos, que, comungando do Corpo e Sangue de Cristo em cada cele-bração eucarística, buscam conformar a vida ao corpo eclesial de Cristo. Não é à toa que na segunda epiclese da prece eucarística se pede que, comungando do Corpo e Sangue de Cristo, todos se tornem um só corpo. Em outras palavras: a comunidade celebra

a eucaristia para cada vez mais se tornar autêntico corpo eclesial. Para que isso acon-teça, é indispensável que os participantes da celebração comam do mesmo pão e bebam do mesmo cálice transubstanciados no Corpo e Sangue do Senhor e assim formem com ele um só corpo.

As leituras que ouvimos hoje nos oferecem os fundamentos bíblicos para a nossa fé na eucaristia como presença real de Cristo no pão e no vinho, alimentos da comunidade que deseja se tornar verdadeiro corpo eclesial. Vejamos.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mc 14,12-16.22-26): Eucaristia: Jesus se oferece como alimento e sangue derramado

A comunidade de Marcos, assim como as de Mateus, Lucas e Corinto (Mt 26,26-29; Lc 22,15-20; 1Cor 11,23-26), relatou o fato de Jesus celebrar a Páscoa com os seus discípulos, da qual se originou a eucaristia. No evangelho de hoje, chama a atenção o fato de Jesus pedir a dois de seus discípulos que fossem se encontrar com um homem que levava uma bilha em direção à casa de outro homem. O número dois representa, na visão judaica, o testemunho. Quem lê o texto entende que é verdadeiro o fato que será descrito.

Testemunhos dão conta de que as comu-nidades se reuniam aos domingos para uma “ceia do Senhor” ou para a “fração do pão”. Tratava-se de uma ceia especial de memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus, fazendo uso do pão e do vinho – como nos atesta o evangelho de hoje –, mas também do peixe. Para os judeus, o peixe expressava a dimensão escatológica e messiânica. Para os cristãos, ele relembrava a pessoa de Jesus, visto que do substantivo “peixe” em grego, ichthys, se formava o título dado ao mestre: “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”. O nome “eucaristia”, substituindo ceia do Se-

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nhor e fração do pão, apareceu somente entre os anos 90 e 110 E.C.

Jesus tomou o pão e disse: “Tomai, isto é meu corpo”. Tendo nas mãos uma das taças de vinho que os judeus tomavam na ceia pascal – no caso, aquela tomada depois da refeição –, Jesus disse: “Isto é o meu san-gue”. Jesus se oferece como alimento (pão) e sangue derramado em favor de muitos. O pão é o sustento da vida comunitária. O sangue, na visão judaica, representava a vida (Deus). Vale recordar que, como nos atestam os evangelhos, no início de sua trajetória de paixão, Jesus, no monte das Oliveiras, rezava, e o seu suor era semelhante a gotas espessas de sangue que caíam por terra (Lc 22,44). Jesus, ao derramar lágrimas de sangue, torna-se qual um novo Adão, devolvendo ao ser humano o paraíso perdido, por causa da transgressão de Adão. Agora, no momento de sua última refeição, diante dos(as) seus(suas) discípulos(as), Jesus volta a demonstrar que o seu sangue, que deverá ser bebido pelos seus seguidores, é redentor.

Em Lc, após esse gesto com o pão, Jesus acrescenta: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19). A eucaristia tem, então, um sen-tido memorial da aliança feita por Deus no passado com o seu povo, atualizada na morte redentora e pascal de Jesus e projetada para o futuro, na vida do cristão que a celebra. Eu-caristia é presença sacramental que continua depois da celebração litúrgica, que atualiza o sacrifício pascal.

2. I leitura (Ex 24,3-8): Aliança com Deus selada em uma refeição e com aspersão do sangue

Para compreendermos ainda mais a di-mensão da eucaristia no Segundo Testamen-to, observemos os elementos que Ex 24,3-8 nos oferece e que são relidos no contexto eucarístico. Moisés reuniu o povo e lhe disse todas as palavras que Deus lhe revelou, fez um altar, criou condições para a comunidade oferecer um sacrifício de comunhão e, por

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fim, aspergiu o altar e o povo com o sangue do sacrifício, após ler o livro da aliança. A esse sangue Moisés chamou sangue da aliança que Javé tinha feito com o povo.

Nesse relato, haveremos de notar elemen-tos que se relacionam com celebração euca-rística cristã, tais como comunidade reunida, sacrifício de comunhão, sangue da aliança.

3. II leitura (Hb 9,11-15): Releitura teológica do sacrifício de expiação dos judeus em Cristo

O tema que inspira a reflexão teológica dessa leitura se encontra no Primeiro Testa-mento, em Levítico 16, em que são descritas as atitudes que deveriam ser tomadas pelo sumo sacerdote, na festa da Expiação dos pecados do povo: vestes especiais, banhos, tipos de animais, entrada no Santo dos Santos para interceder pelo povo.

A carta aos Hebreus é clara ao afirmar que Cristo ressuscitado é o novo sumo sacerdote que atravessou a tenda maior e mais perfeita – entenda-se: com a sua ascensão, ele voltou para a presença de Deus. Ademais, Jesus não precisou oferecer sacrifício para si, mas ele mesmo se tornou um sacrifício para todos nós. A sua oferenda não é o sangue dos ani-mais, mas o seu próprio sangue, o que nos concede a libertação definitiva. “Cristo, por um Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha. Ele há de purificar a nossa consciência das obras mortas para que prestemos um culto ao Deus vivo” (v. 14).

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Levar a comunidade a perceber que a eucaristia, além de ser celebração do sacrifí-cio de Jesus na cruz, é memória desse evento salvador. Quem vai à missa não o faz por sacrifício pessoal nem por obrigação, mas em atenção ao mandato de Cristo de celebrar o seu memorial: “Fazei isto em memória de mim”.

– Demonstrar que a “presença real” de Cristo na eucaristia se dá também na comu-nidade reunida, que celebra o sacrifício de Cristo, faz sua memória, proclama-o ressus-citado, rende graças a Deus e se associa a ele. Portanto, o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo está relacionado à comunidade que se reúne, pois o que se pede durante a prece eucarística é que, comungando dos dons do Corpo e do Sangue de Cristo, ela (a comuni-dade) se torne um corpo eclesial.

– A adoração do Santíssimo Sacramento ganhou forte impulso depois do Concílio de Trento, como uma resposta da Igreja a Lutero, que acreditava na “presença real” de Cristo somente durante a celebração eu-carística. Para nós, católicos, Jesus continua presente na reserva eucarística e é previsto o culto eucarístico fora da missa. Contudo, a própria Igreja orienta como se deve fazê-lo, para que não haja desvios e práticas devocio-nais equivocadas.

10ºDOMINGODOTEMPOCOMUM(10 de junho)

SAUDADE DO PARAÍSO, VIVÊNCIA DO REINO E IMORTALIDADE NA RESSURREIÇÃO

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras de hoje nos levam a refletir sobre a nossa condição humana de viver op-tando ora pelo bem, ora pelo mal. Estivemos no simbólico paraíso terrestre e decidimos sair dele para viver lutando pela sobrevivên-cia, em meio a espinhos e dores. Muitos dos conterrâneos de Jesus não o aceitaram como enviado de Deus e lhe fizeram oposição, até mesmo seus irmãos. Após a morte de Jesus, viver, para o cristão, passou a ser a certeza de que reconquistaremos a nossa morada eterna e definitiva. Vejamos como as leituras que ouvimos nos ajudam a compreender esses mistérios.

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II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Gn 3,9-15): A estulta serpente / o mal engana as pessoas

A primeira leitura de hoje faz parte de um bloco maior de texto: Gn 2,4b-3,24, escrito no século IX a.E.C. Trata-se de narrativa mitológica da condição humana no paraíso e fora dele. O trecho do qual nos ocupamos aqui fala da expulsão do paraíso. O que vem antes é bem conhecido de todos nós, ou seja: não havia ser humano para cultivar o solo. Havia um jardim com quatro rios e, no meio dele, duas árvores, uma da vida e outra do conhecimento do bem e do mal. Deus cria os seres humanos com o objetivo de eles gerarem filhos; Adão e Eva, o tirado da terra e a mãe dos viventes, que representam o ser humano de forma geral. Nunca existiram como personagens. Trata-se de profundo simbolismo; sua verdade não é da ordem da história positivista.

O casal é colocado nu no jardim, com a proibição de comer o fruto da árvore do conhecimento. Até que um dia a serpente, na sua estultícia, os engana, e eles comem do fruto proibido. O medo se apodera de-les. Ambos abrem os olhos, veem-se nus e passam a ter vergonha, a ponto de terem de se cobrir com vestes de folhas que eles mes-mos teceram. Ouvindo os passos de Deus, que passeava pelo jardim, eles se escondem, porque também já sentem medo. Deus os interroga pelo ato de desobediência. Ho-mem e mulher acusam a serpente. Todos os três recebem um castigo do Criador. A serpente se arrastará e será pisada pela mulher, que, agora, chamada de Eva – a mãe dos viventes –, passará a ter dores de parto e desejo voltado para o homem; já o homem terá de tirar do solo maldito o sustento com o suor do seu rosto. O fim é trágico: a perda do paraíso. Para cobrir as vergonhas, eles recebem de Deus uma roupa de pele. Fora do paraíso, uma nova etapa se inicia na vida deles. O cultivo do solo

A pergunta pelo destino final é uma das grandes preocupações de todo ser humano. Quem tem razão? O médium, que fala de suas experiências sobre reencarnação e espíritos, ou o cristão, que acredita em ser ressuscitado uma vezvez tendo cumprido esta etapa? Tais são as indagações, inquietan-tes e atuais, a que o presente livro pode responder.

Formato: 13 cm x 20 cmPáginas: 136Cód.: 9788534902977

Reencarnação ou ressurreiçãoUma decisão de féRenold Blank

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para comer passa a ser um labor pesado e diário. O paraíso é lacrado. Um querubim e uma espada fulgurante passam a guarnecê--lo, impedindo ao ser humano o acesso ao caminho da árvore da vida.

Esse clássico texto da literatura bíblica foi, ao longo da história da humanidade, fonte de inspiração para tantos outros, para pinturas, discursos poéticos e moralistas. A esperança de retorno ao paraíso perdido e a saudade dele foram, e continuam sendo, objeto de desejo dos humanos, sejam eles judeus, sejam cristãos. Na sinagoga judaica, a árvore da vida recebe os nomes dos fale-cidos. Para os cristãos, Jesus é o caminho, a verdade e a vida em Gn 2,4b-3,24. Com a sua morte e o seu sangue derramado na terra outrora maldita, a vida eterna volta a ser condição para o ser humano, que ressusci-tará com ele. Na organização dos livros que compõem a Bíblia, há o cuidado de colocar, como livro final, o Apocalipse, que descreve uma nova Jerusalém Celeste – um novo Éden Celeste –, tendo no seu centro, também, uma árvore da vida. Alguns elementos desse mito que explicam a condição humana e sua relação com o sagrado merecem destaques, tais como:

a) Jardim: símbolo do paraíso terrestre. “Jardim” em hebraico é gan, que também significa proteger. No Oriente Antigo, na Pérsia e na Babilônia, era muito comum a construção de um jardim cercado. Os jardins podiam ser propriedade exclusiva de um rei, bem como simbolizavam o poder real e o seu controle sobre a agricultura e as fontes de água. Muitos deles eram ornamentais e serviam para o descanso do rei ou para a sua sepultura (2Rs 21,18.26). Na leitura, o jar-dim é chamado de Éden. Éden é substantivo hebraico que significa “delícias”. O jardim passa a ser um paraíso celeste. Um paraíso das delícias em um jardim plantado no Éden (Gn 2,8), região e lugar da felicidade plena. Deus é o companheiro do ser humano, que vive em plena liberdade sem se preocupar

com nada. O mito expressa o desejo humano, que, na sua relação com o Sagrado (Vida), foi possível outrora e será novamente. Jardim é sinônimo de esperança, de vida realizada. Não é por menos que Is 51,3 chama o Éden de “Jardim do Senhor”.

b) Árvores da vida e do conhecimento: a primeira árvore é o símbolo da imorta-lidade, a segunda, do conhecimento do bem e do mal. No último livro da Bíblia, o Apocalipse cita a árvore da vida no cen-tro da Nova Jerusalém (Ap 22,2). A nova árvore da vida representa o novo céu e a nova terra. Trata-se de uma inclusão. Sabe-dor de sua condição mortal, o ser humano almeja a imortalidade. Ele sabe também que essa condição só é possível no Sagra-do, em Deus. Por isso, o seu desejo será sempre o da imortalidade. Ninguém quer morrer, à exceção daqueles que perdem o sentido da vida. Na mitologia, a fonte da vida está na divindade, nos deuses, os quais não aceitam repassar esse segredo para o ser humano. No texto em questão, o fato de Deus passear pelo jardim demons-tra que a vida humana está, no paraíso, bem próxima de Deus. Há, no entanto, um contraste: o fruto da árvore da vida confere imortalidade, o da árvore do co-nhecimento, a morte. Ao ser humano fica expressa a proibição divina de não comer o segundo fruto (Gn 2,17). Ao ser humano, após comer mitologicamente esse fruto, é conferida a faculdade de optar pelo bem ou pelo mal. A primeira consequência de tudo isso foi a perda do paraíso.

c) Serpente: um animal astuto e falador, portador de falsas promessas, deixando as consequências para os humanos. A serpente no mundo antigo tinha vários simbolismos, sobretudo aqueles relacionados com a vida e o poder opressor de um país. O faraó tinha uma serpente sobre a sua cabeça para repre-sentar o seu poder, a vida e sua imortalidade. Na Babilônia, a divindade principal, Marduk, era representada por uma serpente-dragão.

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Em Israel, a partir de Gênesis, a serpente passou a significar a força do mal.

d) Punição: o encontro da serpente com os humanos se transformou em punição para a serpente, que deverá se arrastar pela terra e terá a descendência da mulher como sua inimiga. A mulher, por sua vez, terá dores de parto, e o homem terá de cultivar a terra com seu suor. A parceria entre Eva, Adão e a serpente resulta em sofrimento. O poder da serpente leva o homem a viver de suor e fadigas. A serpente, o poder domi-nador, precisa desse trabalho forçado para sobreviver. O homem se torna pó da terra e morre de tanto trabalhar. O mito explica o sofrimento pelo viés da opressão, que o lavrador conhecia.

2. Evangelho (Mc 3,20-35): Escribas e irmãos de Jesus se opõem ao projeto de reino de Jesus, o novo Éden. A serpente/satanás continua agindo

O evangelho de hoje mostra Jesus na sua casa, a física e a dos pobres, por quem ele tinha especial apreço. Seus familiares, sabendo de suas ações, tentaram impedi-lo, julgando-o louco. Antes que chegassem seus irmãos, os escribas já dão a sentença: “Ele está possuído por Belzebu, bem como rea-liza tudo em parceria com satanás” (v. 22). Jesus se defende, dizendo que as suas ações não podem ser feitas em parceria com quem já é seu inimigo, satanás. Fazendo jogo com o substantivo “satanás”, aquele que divide, assim como a serpente da primeira leitura, Jesus demonstra que um reino e uma casa divididos não podem subsistir. Assim como no paraíso Deus condena a serpente, Jesus condena os escribas, acusando-os de blasfe-madores do Espírito Santo, seu real parceiro na missão, e decreta que eles não terão perdão por tal atitude.

Nesse momento, Maria e os irmãos de Jesus chegam para se encontrar com ele. Tendo a multidão impedido a passagem deles, Jesus, avisado do fato, declara em

Quase toda a psicologia profunda tem como funcionamento a relação da criança com a mãe, e pouco ou quase nada se fala do pai e de sua função arquetípica na vida psíquica. Será que o papel paterno é apenas o de transmitir a consciência e a tradição?tradição? Este estudo apresenta a manifestação do arquétipo do pai juntamente com seu necessário e consequente papel na vida humana.

Formato: 13 cm x 20 cmPáginas: 520Cód.: 9788534919265

O pai e a psiqueAlberto Pereira Lima Filho

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alto e bom som que sua mãe e seus irmãos são aqueles que fazem a vontade de Deus. A resposta de Jesus, dura em um primeiro momento, teve várias repercussões entre os intérpretes desse texto. Irmão, em hebraico ’ah, significa irmão de sangue, mas também parentes próximos, patrícios e vizinhos. São Jerônimo dirá que no evangelho se trata de primos de Jesus. Os evangelhos apócrifos nos conservaram a tradição de que José, ao ser escolhido para casar-se com Maria, era viúvo, tinha 90 anos, quatro filhos – Judas, Justo, Tiago e Simeão – e duas filhas, Lísia e Lídia. Quando Maria chegou à casa de José, logo se afeiçoou a Tiago, o filho menor de José, que ainda sofria a ausência da mãe. Maria cuidou dele como mãe. O Evangelho de Mateus fala, por isso, de Maria, a mãe de Tiago (Mt 27,56), embora ela não o fos-se. Sendo assim, os irmãos de Jesus são de criação. Portanto, Jesus, seguindo o mesmo trocadilho feito com o substantivo “sata-nás”, quis dizer que irmãos seus são também os que seguem os seus ensinamentos, povo e discípulos(as), incluindo sua mãe. Jesus não nega os seus irmãos, tampouco sua mãe. Isso não era possível na cultura judaica. Irmão aqui quer dizer aquele que assume a causa, ao contrário de satanás, aquele que divide, tornando-se uma serpente, assim como agi-ram os escribas.

3. II leitura (2Cor 4,13-5,1): A ressurreição nos confere a imortalidade querida pelo ser humano no paraíso

A primeira leitura nos apresentou o Éden como morada paradisíaca da condição huma-na, que, por sua opção, diante da liberdade proporcionada por Deus, acaba por perdê-lo. O ser humano alimenta uma saudade eterna por ele. Já o evangelho nos anuncia que Jesus é a esperança que nos mostra o caminho de volta. Ele age em parceria com o Espírito Santo e com todos os que são seus irmãos. Nesta terceira leitura, Paulo expressa sua fir-me convicção de fé na ressurreição de todos

nós, no mesmo Deus que ressuscitou Jesus (2Cor 4,13-15). O apóstolo lembra que vi-vemos num corpo, morada terrestre que será destruída em favor de uma morada eterna em Deus. Morre o ser humano exterior para viver o interior. É como se dissesse: saímos de Deus para morar num paraíso, perdemo-lo, mas, com a graça de Deus e o testemunho vivo de Jesus, voltaremos para a eternidade. A imortalidade querida pelo ser humano, ao comer o fruto proibido, só será possível com a ressurreição.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Demonstrar à comunidade que a nossa vida é marcada pela lembrança do paraíso perdido e pelo mal que nos levou a perdê-lo. A parceira com a serpente, inclinação para o mal, ocasionou isso. Cabe-nos esmagar-lhe a cabeça, o lugar pensante de toda vil estrutura humana injusta.

– Os irmãos de Jesus somos todos nós, seus seguidores. Muitas vezes, no entanto, torna-mo-nos seus opositores, com satanás. A Igreja é a grande irmã de Jesus na construção da sociedade justa, espelho de seu reino. É uma pena que muitos cristãos e igrejas caminhem em sentido oposto. O reino de Deus é a nossa esperança de um novo Éden, já presente, mas em caminhada para a plenitude.

11ºDOMINGODOTEMPOCOMUM(17 de junho)

O REINO DE DEUS, SEMENTE QUE GERMINA E CRESCE

I. INTRODUÇÃO GERAL

A primeira leitura e o evangelho de hoje tratam do desejo do povo judeu exilado de tornar-se liberto, uma grande e soberana árvore, e da definição que Jesus deu do reino de Deus. As duas posturas incomodam; a pri-meira exige coragem e esperança, a segunda,

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desinstalação. O reino, por si só, mostra sua força a quem o acolhe e a quem o rejeita.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Ez 17,22-24): Israel é como uma árvore frondosa e liberta do reino opressor

Ezequiel, o homem que se tornou profeta no exílio da Babilônia (597-536 a.E.C.), ani-mou o seu povo a permanecer firme na aliança com Deus, pois o sofrimento do desterro haveria de chegar ao fim com o advento da era messiânica e de um novo tempo para os judeus. Deus haveria de extirpar o inimigo.

Fazendo uso do simbolismo do broto de cedro, árvore de boa qualidade, que seria colhido e plantado sobre o alto monte de Israel, o profeta explicita a sua mensagem de fé. Essa árvore, Israel, tornar-se-ia grande, produziria frutos e serviria de abrigo para os pássaros. A comparação serviu de consolo para os oprimidos. Um novo tempo haveria de surgir, não obstante os sofrimentos. E assim ocorreu: a Pérsia dominou a Babilônia e o seu rei, Ciro, permitiu ao povo retornar e recomeçar a vida em Judá. Desse modo, concretizou-se a profecia: “Deus abaixa a árvore grande (império babilônico) e eleva a árvore pequena (os israelitas oprimidos)”. Ademais, o Deus de Israel, por ter poder so-bre a vida, é capaz de secar a árvore verde e fazer brotar a árvore seca. Deus fala e realiza a sua promessa.

2. Evangelho (Mc 4,26-34): O reino de Deus é como a semente

O evangelho do domingo passado tratou da crise entre Jesus, seus irmãos e os escribas, que se opunham ao seu ensinamento. Em con-tinuidade a esse episódio, hoje Jesus aparece, conforme o relato da comunidade de Marcos, ensinando de novo (Mc 4,1), mas em forma de parábola, isto é, de modo comparativo. Jesus faz uso da realidade agrária da Palestina

Muitos são os episódios que comprovam o imenso poder da mídia. E apontam para a questão crucial, objeto dos ensaios que compõem esta obra definitiva do professor Venício Lima: como regular o mercado da comunica-çãoção de massa numa sociedade em que a informação é uma mercado-ria apropriada por empresas privadas portadoras de interesses políticos, de modo a preservar o potencial democrático da mídia e, ao mesmo tempo, impedir abusos de poder desse veículo?

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Regulação das comunicaçõesHistória, poder e direitosVenício Artur de Lima

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para fazer os seus seguidores entenderem a sua mensagem. Ele não explica a compara-ção, mas deixa o ouvinte pensando sobre o fato. Aos seus discípulos(as), no entanto, ele explicava em particular (4,34).

O evangelho de hoje trata de duas pará-bolas do reino: a da semente e a do grão de mostarda. Cada uma delas tem um centro, um entendimento possível.

A semente que germina por si só: crescer por si só é o centro dessa parábola. A men-sagem é simples: basta semear o reino e ele crescerá, mesmo que os opositores não quei-ram. O importante é semear sempre. Jesus incentiva os seus seguidores, seus irmãos na fé, a permanecer no árduo trabalho de semear o reino. A semente, o reino, cresce por si só. Não há como impedi-lo.

A pequena semente: essa interpretação é a mais recorrente. O centro da parábola con-siste na passagem do pequeno para o grande. A pequena semente de mostarda é o novo Israel, isto é, os seguidores de Jesus, os quais se tornarão “grandes árvores”. Cada seguidor do reino é chamado a lavrar constantemente o seu interior para deixar a semente do reino crescer e produzir abundantes frutos.

A mostarda que cresce e incomoda: a mostarda é uma planta medicinal e culiná-ria que chega a medir, no máximo, 1,5 m de altura. Ela se desenvolve melhor ao ser transplantada. Temos dois tipos de mostarda, a selvagem e a culinária. Por ser uma planta impura, o código deuteronômico (Dt 22,9) proíbe a sua plantação. Assim é o reino de Deus, como a erva que chega e se esparrama. Não pode ser controlada, torna-se abundante como a nossa tiririca. Assim como o reino, a mostarda é motivo de escândalo e incômo-do para muitos. O reino é indesejável para muitos e questionador das regras de pureza. Essa interpretação nos ajuda a compreender o valor do reino e sua ação transformadora em nossa vida, mesmo para aqueles que nele não acreditam.

3. II leitura (2Cor 5,6-10): A fé no reino exige responsabilidades

Em oposição ao pensamento de muitos irmãos de Corinto, que, diante do sofrimento e das perseguições, pensavam que o melhor seria morrer, Paulo afirma que esse poderia ser, sim, um bom caminho, mas melhor ain-da é assumir as responsabilidades inerentes à fé até o dia de nossa prestação de contas no tribunal de Cristo (v. 10). A fé no reino exige responsabilidades. Esse pensamento complementa as leituras anteriores, quando nos mostra o valor da fé e suas consequências em nossa vida e até mesmo em nosso corpo mortal.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Levar as comunidades a perceber que o fruto do reino de Deus aparece lentamente. Quando menos esperamos, algo acontece.

– Demonstrar, por outro lado, que, quan-do agimos em prol do reino, somos como a tiririca, que cresce sem pedir licença, ao incomodar os inimigos do reino da justiça e da paz.

– Por sermos cristãos, temos uma força advinda do reino da qual não nos damos conta. Deus se dá a conhecer por sua força libertadora que se encontra no povo e em cada cristão.

NATIVIDADEDEJOÃOBATISTA(24dejunho)

ELE SE CHAMARÁ JOÃO, ISTO É, “DEUS SE MOSTROU MISERICORDIOSO”

I. INTRODUÇÃO GERAL

Celebrando hoje a Natividade de João Batista, a Igreja relembra a importância dessa personagem para o cristianismo. O nascimento de João Batista foi testemunhado pela tradição como um evento importante (Lc

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1,5-25.57-80). Seu pai, Zacarias, estando a exercer suas funções sacerdotais no Templo, recebe de um anjo o anúncio de que a sua mu-lher, Isabel, idosa e estéril, conceberia e daria à luz um filho, a quem ele poria o nome de João. Deus promete alegria com o nascimento de João, pois o menino seria um consagrado – um nazireu, daí a proibição de lhe dar vinho ou bebida embriagante; estaria sempre cheio do Espírito Santo; converteria os filhos de Israel e teria o espírito e o poder de Elias, o profeta que subiu ao céu em um carro de fogo e que, segundo a tradição, voltaria antes da visita de Deus (Eclo 48,9-11). Zacarias, tendo duvidado de tudo isso, tornou-se, naquele instante, mudo e surdo. João nasceu em um lugarejo chamado Ain Karim, naquele tempo distante oito quilômetros de Jerusalém, hoje bairro dessa cidade.

As leituras deste domingo nos ajudam a compreender o papel de João e sua relação com o ministério de Jesus, seu primo. Aliás, a natividade de João Batista só pode ser en-tendida no ciclo dos evangelhos da infância de Jesus. As histórias são parecidas: um anjo também aparece a Maria, que não era estéril, mas virgem; assim como Zacarias, Maria du-vida; Deus promete o seu Espírito; tal como Zacarias, Maria teria a obrigação de pôr determinado nome em seu filho.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Lc 1,57-66.80): João, profeta e precursor

O evangelho se inicia dizendo que chegara o tempo de Isabel dar à luz. Parentes e vizi-nhos se alegram ao ouvirem dizer que Deus a havia cumulado de misericórdia. Para Deus nada é impossível (Lc 1,36-37). Em tempos bíblicos, a esterilidade era considerada de-sonra e castigo (Gn 30,23; 1Sm 1,5-8; 2Sm 6,23). Várias mulheres estéreis dão à luz para demonstrar que Deus “abriu a sua madre”, de modo que ela voltasse a ser fecunda, assim como a terra que faz germinar a semente.

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Isabel é uma dessas mulheres, tal como Sara, a esposa de Abraão (Gn 21,6), que riu ao receber o anúncio divino e gerou um filho, Isaac, cujo nome significa “aquele que ri”.

Oito dias após o seu nascimento, João teria de ser circuncidado. A comunidade de Lucas valoriza muito o rito da circuncisão de João. Em relação a Jesus, diz-se apenas que foi circuncidado e recebeu o nome de Jesus (Lc 1,21), pois o mais importante se-ria ressaltar o seu nascimento em Belém (Lc 2,1-20). Já em relação a João, é relatada a dificuldade em decidir pelo nome do menino. Muitos queriam que ele recebesse o nome do pai, Zacarias – “Deus se lembrou” –, pois este já era velho e não haveria motivo de confusão das pessoas. Nesse momento, sem saber que o anjo já havia revelado o nome do menino a seu marido, Isabel toma a palavra e diz que o seu filho se chamaria João, Yohanan, que significa “Deus (Y de Yahweh) tem misericórdia” (hanan). A bem da verdade, Deus teve misericórdia com o velho casal e lhe deu um dom, um presente, chamado João.

O nome significava a essência e a missão da pessoa. Ele até podia mudar. Abrão (pai elevado) torna-se Abraão (pai de muitos). Não por menos, ao nome de João foi acres-centado Batista, aquele que batiza. João bati-zou Jesus, que mais tarde também se chamaria Cristo, o ungido. João foi testemunha da misericórdia de Deus, ao chamar o seu povo para a conversão, de modo que Deus pudesse agir com misericórdia. Misericórdia não teve, no entanto, o impiedoso Herodes Antipas, que mandou decapitá-lo (Mc 6,17-29).

O episódio do nome termina com Zaca-rias dando a palavra final, escrevendo em uma tabuleta: “Seu nome é João”. Logo em seguida, ele voltou a falar e todos se maravi-lhavam com o ocorrido. Da boca de Zacarias veio o anúncio da ação de Deus em João – o protegido, símbolo da gratuidade de Deus para com seu povo – por meio de um canto

de ação de graças chamado Benedictus (v. 68-79). Como a jovem Maria, que, inspirando-se no canto de Ana (1Sm 2,1-10), louva a Deus, o velho Zacarias rende louvores a Deus pelo nascimento de seu filho e acrescenta: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo; pois irás à frente do Senhor, para preparar-lhe os caminhos, para transmitir ao seu povo o conhecimento da salvação, pela remissão de seus pecados” (vv. 76-77). O último versículo do evangelho de hoje – fazendo forte alusão a outro menino, Jesus – diz que o menino crescia e se fortalecia em espírito. Além disso, ele moraria no deserto até o dia em que se manifestaria a Israel (v. 80).

Essa manifestação, como cumprimento da profecia, aconteceu por volta do ano 20 E.C., no movimento que ele mesmo começou

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no deserto da Judeia, à beira do rio Jordão. João anunciava o batismo e a conversão dos pecados para obter o perdão. O batismo na água punha as pessoas em relação direta com Deus. Já não eram necessárias as práticas rituais do templo de Jerusalém. Assim, os batistas se tornaram perigosos para a ordem judaica estabelecida desde o Templo. João conclamava o povo a ir ao deserto, o que, simbolicamente, retomava a figura de Moisés e o êxodo. E do deserto, de novo, o povo entraria na terra da promessa, perdoado e batizado, para destruir o império romano. As-sim, o movimento de João Batista tornou-se perigoso também para o império romano. A destruição romana viria pelas mãos de Deus, aquele que vem. Herodes Antipas, prevendo uma rebelião de João contra Roma, mandou decapitá-lo. João foi um crítico do poder e por isso foi assassinado, não necessariamente por questões morais, relativas à sua crítica ao relacionamento amoroso de Herodes Antipas e Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe (Mc 6,17-29).

2. I leitura (Is 49,1-6): João é a luz que aponta a luz definitiva, Jesus

A primeira leitura de hoje é tirada do livro do profeta Isaías, ou melhor, do Segundo Isaías, que escreve no fim do exílio babilônico (587-536 a.E.C.), propondo aos deportados um projeto de vida nova, baseado em uma releitu-ra, no presente, dos valores antigos. Israel se tornaria luz para os estrangeiros. Chamemos esse projeto de “Luz das Nações” (Is 49,6), o qual teve o seu apogeu entre os anos 520 e 445 a.E.C.

A nossa primeira leitura fala também de um servo escolhido por Deus, desde o ventre materno, para ser luz e guia do povo de Israel e de todas as nações. E é nesse sentido que podemos aplicar o espírito do texto a João, de quem celebramos o nascimento. Ele foi escolhido para ser luz e apontar para todos a luz definitiva, o salvador e Messias Jesus.

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3. II leitura (At 13,22-26): João é o precursor do Messias

Nesta leitura, Paulo, pregando aos judeus, relembra a figura de João Batista como pro-clamador de um batismo de arrependimento, em preparação à vinda do Messias. Paulo lembra que João não se deixou confundir com o Messias. Afirmava que depois dele viria “aquele de quem não sou digno de desatar a correia das sandálias” (v. 25; Jo 1,27). João aqui é o precursor do Messias.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Demonstrar que o nascimento de João Batista significa novo tempo de fecundidade para a comunidade de Lucas e para nós hoje.

Não há mais como ficarmos estéreis, surdos e mudos. Chegou o tempo do anúncio da palavra de misericórdia e de libertação de Deus.

– Deixar claro que, ainda hoje, “os ca-minhos do Senhor devem ser abertos” por todos nós, quais outros “Joões Batistas” que nascem para anunciar a vida nova. Para que isso se concretize, só nos resta a constante conversão, o rompimento com o erro, de modo que possamos renascer e aderir ao projeto de Jesus.

– “João” somos todos nós quando nasce-mos para o reino. Somente assim tem sentido celebrar a Natividade de João, o nascimento de uma Igreja voltada para a justiça social.

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