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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL DA ORGANICIDADE DAS FAMÍLIAS NA ESPACIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO ESTADO DO PARANÁ ADELIR JUNIOR BATISTA Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Clifford Andrew Welch Co-orientador: Tiago Egídio Avanço Cubas Monitor: Hellen Carolina Gomes Mesquita da Silva Presidente Prudente 2011

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Câmpus de Presidente Prudente

Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/Pronera

Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes

A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL

DA ORGANICIDADE DAS FAMÍLIAS NA

ESPACIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO ESTADO

DO PARANÁ

ADELIR JUNIOR BATISTA

Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Clifford Andrew Welch

Co-orientador: Tiago Egídio Avanço Cubas

Monitor: Hellen Carolina Gomes Mesquita da Silva

Presidente Prudente

2011

Page 2: A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL DA ... · Figura 1 Acampamento 1º de Agosto 24 Figura 2 Primeiro plantio da Área da fazendo Refopaz 34 ... III. A TERRITORIALIZAÇÃO

A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL

DA ORGANICIDADE DAS FAMÍLIAS NA

ESPACIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO ESTADO

DO PARANÀ

ADELIR JUNIOR BATISTA

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Clifford Andrew Welch

Co-orientador: Tiago Egídio Avanço Cubas

Presidente Prudente

2011

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Adelir Junior Batista

A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL

DA ORGANICIDADE DAS FAMÍLIAS NA

ESPACIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO ESTADO

DO PARANÀ

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho,” submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Presidente Prudente, novembro de 2011

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DEDICATÓRIA

Aos meus familiares pela força que me deram nesta caminhada. E a

minha companheira que tem me apoiado em todas as dificuldades

enfrentadas no percurso. Dedico este trabalho em especial ao

Movimento Sem Terra. Ao nosso companheiro Valmir Mota de

Oliveira (in memoriam), o Keno, que dedicou sua vida em defesa da

luta pela reforma agrária.

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Agradecimentos

Em especial ao professor Clifford Andrew Welch, que me orientou nesta pesquisa,

pelo empenho, paciência e amizade nos momentos mais difíceis.

Agradeço ao MST pela oportunidade de poder estudar e conviver com as famílias

sem terras. A Liciane M. Andrioli, a Maria Izabel Gren, Hellen Mesquita da Silva e Tiago

Cubas que contribuíram para que minha pesquisa avança-se, pelos sábios conselhos e suas

contribuições. Aos meus colegas da turma Milton Santos. Aos professores que contribuíram

para a realização do curso CEGEO.

Agradeço a família Welch com todo o meu carinho e respeito, pelos momentos

maravilhosos em seu lar.

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“As forças organizativas disponíveis nos sujeitos forjados nas

batalhas contra o modelo dominante nos permitem acreditar

numa nova realidade para homens e mulheres livres.”

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RESUMO O presente trabalho busca contextualizar o papel da organicidade na espacialização das

famílias como forma de resistência na luta pela terra no Estado do Paraná entre 2003 a 2010.

Analisamos a conflitualidade entre agronegócio e camponeses que diante da atual conjuntura

do campo paranaense exige das famílias varias estratégias de resistência na luta pela terra. O

processo de espacialização do movimento é a afirmação de sua capacidade de implantar

novos modelos de relações sociais na formação do espaço geográfico.

Palavras-chave: organicidade; espacialização; conflitualidade; resistência;

ABSTRACT

This study aims to contextualize the role of internal organization structure in the spatial

distribution of peasant families as they struggle for land. The Landless Workers Movement

(MST) calls this factor “organicidade.” Organicidade is seen as a form of resistance and we

examine its role in the struggle for land in the State of Paraná between 2003 and 2010 by

investigating the experiences of families in two MST encampments: 1º de Agosto e Valmir

Mota de Oliveira. We analyze conflicts between the peasantry and agribusiness, as the former

sought to recuperate lost land and the latter sought to retain their territorial acquisitions

during the period. The spatialization process is analyzed as the temporary occupation of the

land by the landless, while the territorialization process results in establishing permanent

agrarian reform settlements.

Keywords: internal organizational structure; spatialization; conflict; resistance

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Lista de siglas

CNA Confederação Nacional de Agricultura CPT Comissão Pastoral da Terra EUA Estados Unidos da América FM Frente de Massa GETSOP Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente IBGE Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS Imposto sobre circulação de mercadoria e prestação de serviço INCRA Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária MLST Movimento de Libertação dos Sem Terra MP Ministério Público MPR Movimento dos Produtores Rurais MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NBs Núcleos de Bases Familiares NF Empresa de Segurança: Nerci Freitas P2 Seção de inteligência da Polícia Militar PM Polícia Militar PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária SRO Sociedade Rural Oeste do Paraná UDR União Democrática Ruralista UNESP Universidade Estadual Paulista

Lista de pranchas

Prancha 1 Localização da área de estudo: Brasil, Paraná e as microrregiões de Cascavel e de Jacarezinho.

12

Lista de organogramas

Organograma 1 Estrutura Organizativa – Paraná (2003) 33

Lista de mapas Mapa 1 Famílias em ocupações no Paraná - 1988 a 2009 20

Mapa 2 Espacialização das ocupações do MST e de Outros movimentos socioterritoriais - 2003 a

47

Mapa 3 2009Assentamentos no Paraná - 1998 a 2009 51

Lista de quadros Quadro 1 Violência contra a luta pela terra 7 Quadro 2 Violência contra a pessoa 7

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Lista de Figuras Figura 1 Acampamento 1º de Agosto 24 Figura 2 Primeiro plantio da Área da fazendo Refopaz 34 Figura 3 Observação policial do Acampamento 1º de Agosto 37 Figura 4 Confronto com a Sociedade Rural do Oeste do Paraná (Ruralistas)

na Jornada de Educação – Cascavel Paraná 39

Figura 5 Confronto com a Sociedade Rural do Oeste do Paraná (Ruralistas) na Jornada de Educação – Cascavel Paraná

39

Figura 6 Caveirão do Agronegócio 41 Figura 7 Localização das famílias no processo de espacialização 49 Figura 8 Acampamento na beira da estrada 52 Figura 9 Construção coletiva da escola 55 Figura 10 Estrutura da escola 55 Figura 11 Tempo formatura 56 Figura 12 Secretaria da escola 57 Figura 13 Consorcio de plantas cultura típica dos costumes camponeses 59 Figura 14 Plantio de quiabo e milho 60 Figura 15 Recuperação do solo com alguns tipos de culturas 60 Figura 16 Horta de uma família 61

Page 10: A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL DA ... · Figura 1 Acampamento 1º de Agosto 24 Figura 2 Primeiro plantio da Área da fazendo Refopaz 34 ... III. A TERRITORIALIZAÇÃO

SUMÁRIO

Introdução 11 I. PROCESSOS HISTÓRICO-GEOGRÁFICOS DA LUTA PELA TERRA 13

1.1 A luta pela reforma agrária 13 1.2 Conflitualidade e desenvolvimento 16 II. CONFLITOS ENTRE RURALISTAS E CAMPONESES EM CASCAVEL 21

2.1 A criação e organicidade do Acampamento 1º de Agosto 23 2.2 A renovação da organicidade do MST no Paraná 28 2.3 As famílias territorializam o espaço de produção e espacializam a luta 33 2.4 A ofensiva dos latifundiários: o caso Syngenta 36

III. A TERRITORIALIZAÇÃO DA CONQUISTA DA TERRA CAMPONESA 46

3.1 Assentamento Valmir Mota 50 3.2 Assentamento Companheiro Keno 51 Considerações Finais 64 Referências 66

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11

INTRODUÇÃO

Ao ingressar no Curso Especial de Geografia da UNESP (CEGEO) em 2006, busquei

encontrar, junto ao MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra -, qual poderia

ser a minha contribuição. Como se sabe o curso é especial por ser direcionado a participação

dos membros dos movimentos sociais ligados á Via Campesina. Numa pareceria entre o

PRONERA/INCRA e UNESP, o curso tem objetivos de garantir aos trabalhadores o acesso

em cursos de graduação para se qualificarem no ensino superior.

Com este intuito, refletimos sobre a minha experiência no movimento no estado do

Paraná para poder desenvolver um projeto para compreender os complexidades do campo

paranaense. Fui desafiado a contextualizar as transformações na organicidade do MST, um

elemento essencial da luta pela terra e que às vezes é difícil de perceber.

Daí começou a inserção da pesquisa que tinha – e, ainda tem – como objetivo

compreender a forma organizativa do MST, o papel da organicidade e a espacialização do

movimento socioterritorial no Paraná entre 2003 e 2010. Em específico região oeste Cascavel

e região norte pioneiro Jacarezinho, a Prancha 1 traz a localização da área de estudo (além

dos municípios que formam essas mesorregiões).

O estudo feito até aqui procura registrar e problematizar a questão organizativa,

buscando as várias formas de resistência das famílias na luta pela terra. No primeiro

momento, examinamos a história violenta da apropriação das terras do estado e da luta de

resistência dos camponeses do Paraná. No segundo momento, registra a conflitualidade entre

latifundiários e camponeses no município de Cascavel no contexto do primeiro mandato do

Presidente Lula. No terceiro momento abordamos a organicidade das famílias para no

contexto da espacialização do MST para o norte do estado durante o segundo mandato do

governo do Partido dos Trabalhadores.

Desde que surgiu o MST em 1984, a classe dominante brasileira observa os passos do

movimento. A verdade é que, o quanto mais o MST insiste na reforma agrária, o tanto mais a

classe dominante e os interesses imperialistas buscam forças para derrotar o movimento.

Houve momentos em que se dedicaram com muita força a matar as lideranças de

acampamentos e dirigentes. Mais recentemente, o capitalismo se transvestiu, mudou sua

roupagem daquela do latifundiário para a do agronegócio na tentativa de garantir a

permanência de sua hegemonia.

Cabe a nós da classe trabalhadora, então, desenvolver estratégias de resistência para a

construção de um novo projeto. Este projeto esta pautado no respeito com a natureza e o

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cuidado com a vida. Isso só será possível através da garantia dos princípios e os objetivos do

MST nas diversas formas de resistência que vem sendo construídas em sua marcha para um

mundo melhor.

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CAPÍTULO I

PROCESSOS HISTÓRICO-GEOGRÁFICOS

DA LUTA PELA TERRA

A história da luta pela posse da terra no estado do Paraná começa no início do século

XX com a ocupação do interior pelos migrantes de outras partes do Brasil. Mas, foi a partir

dos anos 1950 que a luta explodiu com mais intensidade. Os conflitos combinaram com o

ciclo da madeira, onde colonos ocuparam a floresta e a desmataram para abrir pastos ou áreas

para plantar café, trigo e soja. Muitos trabalharam pensando que em desbravar a terra eles

iam virar proprietários. Mas empresas de terra e latifundiários estavam de olho na terra.

Enquanto os camponeses trabalhavam, os poderosos fizeram lobby entre os governantes ou

compraram documentos falsificados para grilar a terra. Foram vários conflitos quando os

jagunços de grileiros se infiltraram na floresta para despejar os posseiros e encontraram

resistência. Destes motivos e conflitos, o território paranaense de hoje foi formado.

O avanço da produção agrícola se da a partir da década de 60 com a construção da

estrada de ferro para escoamento da produção, ligando os pontos mais estratégicos do estado

para os portos de exportação. Em meados dos anos 1970, o estado do Paraná, impulsionada

pelo processo de industrialização, implanta grandes empresas com tecnologia moderna. Com

estes processos, a oferta de emprego industrial e as condições mais difíceis para a pequena

produção levaram muitos camponeses a tentar a vida na cidade. A saída de muitas pessoas

para os centros industriais facilitou mais um salto na concentração da terra nas mãos de um

grupo menor de donos. Então, comentou João Pedro Stédile, um dos fundadores do MST, “o

capitalismo acabou com as alternativas para a pequena propriedade, de outro modelo na

agricultura” (1994, p.315). Ainda assim, até hoje grande parte do povo do estado está ligada à

agricultura. A contradição entre a concentração da terra e a importância da agricultura para a

economia e o povo fazem especialmente violenta a luta pela reforma agrária no estado do

Paraná.

1.1 A luta pela reforma agrária

Durante toda a história do Brasil a classe trabalhadora teve apenas três momentos

onde a reforma agrária apareceu com destaque como programa de governo. Segundo o

militante do MST, José Valdir Misnerovicz (2011), isto só foi possível, pelo enorme esforço

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das mobilizações populares, onde a sociedade como um todo exigiu que se tomassem duras

medidas contra o latifúndio

O primeiro momento foi com o governo de João Goulart no início dos anos 1960.

Neste governo, a reforma agrária apareceu junto com as demais reformas conhecidas como

“Reformas de Base.” A proposta era desapropriar as terras que estivessem próximas às

rodovias federais para se fazer os assentamentos. Palco de alguns conflitos abordados

anteriormente, as disputa pelas terras da União instigou uma conspiração contra Goulart, dos

militares, latifundiários e outras forças. Esta ampla mobilização do povo brasileiro foi

derrotada com o golpe militar no dia 31 de março de 1964 (WELCH, 2004).

Os militares, pressionados, incluíram a reforma agrária em seu programa de governo

através do Estatuto da Terra, que foi aprovado em novembro de 1964. Devido à forte

repressão contra os camponeses, aos poucos a reforma agrária foi perdendo força. Como

comentou o famoso revolucionário Carlos Marighella, “A experiência histórica brasileira

ensina, como já foi assinalado, que o inimigo sempre se prepara para interceptar o caminho

da democracia, quando percebe o avanço do movimento de massas inexorável para sua

conquista do poder” (1968?, p.226). Quando se encerrou oficialmente a ditadura militar em

1984, haviam sido fixadas aproximadamente em 48 assentamentos com 13.246 famílias, das

quais 80% eram da região norte do país.

Segundo Misnerovicz (2011), a Ditadura incentivou que os sem-terra fossem para o

norte com o lema “terras sem homens e homens sem terra”. De fato, a colonização das terras

devolutas do Norte e do Centro Oeste virou uma das saídas para não resolver a questão

agrária no país. Com a construção da estrada Trans-Amazônia, milhares de agricultores

migraram do Paraná e outros estados do sul para o norte. De acordo com o historiador Mitsue

Morissawa , para manter o controle da questão agrária, o regime promoveu colonização como

se fosse reforma agrária, estabelecendo o INCRA - Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária.

Como manter o controle sobre a questão agrária sem fazer reforma agrária? A resposta do governo militar a essa pergunta, que era crucial para ele, foi a criação de vários projetos de colonização, a partir de 1970, no governo do presidente general Médici. As regiões escolhidas foram a Amazônia e o Centro Oeste (MORISSAWA, 2001, p.102).

O segundo momento se dá justamente depois do término da ditadura militar quando

foi eleito, em 1985, pelo colégio eleitoral, o Presidente da República Tancredo Neves. As

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grandes mobilizações exigindo eleições diretas reivindicavam também uma Assembléia

Nacional Constituinte, reconhecimento dos direitos trabalhistas, reforma agrária e outras

demandas sociais. Naquele momento, os projetos da Ditadura forma substituídos pelo Plano

Nacional de Reforma Agrária (conhecido como I PNRA), que previa assentar 1,4 milhão de

famílias de trabalhadores rurais sem-terra.

Contudo, o presidente Tancredo Neves veio a falecer antes mesmo de tomar posse.

Quando assumiu, o vice-presidente José Sarney driblou o compromisso a executar o referido

plano, assentando apenas 10.537 famílias. Este processo de distribuir algumas parcelas de

terra foi uma forma de amenizar os conflitos e de manter camponeses ligados ao mercado

pois o capital transformou e mudou o jeito de produzir não cabe mais a reforma agrária.

A lógica capitalista que visa o lucro e a reorganização do campo esta ligada a grande

produção e na concentração de terra. Mas por força das mobilizações e ocupações de terra, a

Reforma Agrária foi sendo disputadas nas lutas em todos os governos seguintes até chegar

em 2002 com 5.223 projetos de assentamento implantados, dos quais 45% pertencerem ao

MST (MST, 2007).

O terceiro momento se iniciou a partir de 2003, com a inauguração do presidente Luis

Inácio Lula da Silva. Sua eleição criou uma enorme expectativa em torno da realização da

reforma agrária no Brasil. Ao votar, os trabalhadores sem-terra, organizados ou não,

manifestaram a esperança de cada qual ter a sua terra para trabalhar (BATISTA, 2008). Mas,

como nas outras vezes, a reforma agrária não veio para ser realizada. Logo no primeiro

momento do seu mandato, o governo buscou estratégias para amenizar os conflitos pela terra

e tirar a reforma agrária de verdade da pauta.

De acordo com o MST o governo cumpre a tarefa de engessar a reforma agrária:

Ao governo Lula, cabe o ônus de não enfrentar as causas estruturais da gigantesca desigualdade social existente em nosso país. Ao invés de enfrentar a concentração fundiária, se aliou ao modelo agrícola do agronegócio e destinou a população pobre do campo, políticas assistencialista. Essa sua política para o campo, pode lhe render a popularidade momentânea que desfruta atualmente. Mas, também lhe remeteu ao rol dos presidentes que perderam oportunidade histórica de fazer a reforma agrária em nosso país e se contentaram com os afagos da burguesia (MST, 2009, p.5).

O governo gastou todo o primeiro ano do mandato para fazer um plano que serviu

somente para estabelecer metas que ficaram muito abaixo do que se esperava. Isto porque a

intenção do governo era investir nos assentamentos já feitos e não na desapropriação de

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novas áreas. Ironicamente, ao invés de desapropriar as terras, o governo “trabalhista” investiu

milhões no agronegócio para não descontentar a classe dominante

Enfim, aprovou o plano prevendo assentar 530 mil famílias em quatro anos. Mas, as

duas prioridades principais não foram resolvidas, ou seja, o governo não resolveu o problema

financeiro para fazer as desapropriações, nem reestruturou o INCRA com funcionários

qualificados e infra-estrutura para fazer as desapropriações. Mais uma vez as expectativas de

reforma agrária foram frustradas e as metas largadas. Como observou o MST, “E aqui no

Brasil nunca houve um processo de reforma agrária massivo, mas o Estado dominado pela

burguesia industrial ia fazendo assentamento aqui e acolá, multiplicando camponeses” (2009,

p.7).

Por outro lado, se o movimento não conseguir manter a Reforma Agrária em

evidência no próximo período e o agronegócio se tornar a referência para o modelo agrícola,

é provável que percamos uma oportunidade única de mexermos na estrutura agrária brasileira

pela via legal, como foi feito em outros países capitalistas. Mem a reforma agrária clássica

pode ser feita hoje. Já não a espaço para isso, pois o modelo capitalista cada vez mais tem que

concentra a propriedade para sua manutenção.

Diante de tantas dificuldades, percebe-se que a reforma agrária será uma luta longa e,

certamente, não se realizara na totalidade do capitalismo. Só com outro modelo de sociedade

será possível de fato distribuir a terra, e a renda neste país para a classe trabalhadora.

1.2 Conflitualidade e desenvolvimento

Historicamente, a luta pela terra no estado do Paraná é marcada pelo sangue dos

trabalhadores. A atuação das forças capitalistas com o processo de modernização da

agricultura mais a junção do capital financeiro passam a ser o motor do agronegócio no

Paraná. Esta atuação do latifúndio moderno, do agronegócio não mais do fazendeiro que

antes colocava uma arma na cinta e resolvia suas questões, agora passa a zelar pela sua

imagem, passando a responsabilidade de reprimir os trabalhadores para o Estado e as

empresas de segurança, jeitos de agir que mudaram o caráter da luta pela reforma agrária. Os

índices de conflitos no campo paranaense aumentam a partir dos mandatos políticos de

presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e governador Jaime Lerner (1994-2002)

no Paraná, promovendo vários despejos usando a força policial no estado.

Analisando dados recentes da CPT - Comissão Pastoral da Terra -, Priscilla Bagli e

Bernardo Fernandes (2002) encontraram registros de numerosos assassinatos, torturas,

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prisões e trabalhadores feridos. A defesa da propriedade da terra e do poder político que

procede, foi construída na base das armas dos pistoleiros e dos jagunços a serviço dos

latifundiários que buscavam combater a luta pela terra através da violência e criação de

milícias. Vejamos a tabela com alguns dados da violência direcionada recentemente contra os

trabalhadores:

As informações apresentadas pelos cadernos de Conflitos no Campo da CPT de 1996

a 2001, analisadas pelos geógrafos Bagli e Fernandes (2002) revela um quadro trágico de

pessoas assaltadas, torturadas, presas e assassinadas como forma de conter a luta dos

camponeses pela terra. “A conflitualidade é inerente ao processo de formação do capitalismo

e do campesinato. Ela acontece por causa da contradição criada pela destruição, criação e

recriação simultâneas dessas relações sociais” (FERNANDES, 2008, p. 7). De fato, a partir

dos meados de 1990, o estado tornou-se um dos maiores produtor de soja, trigo e milho que o

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levou a se tornar um dos maiores exportadores, no entanto, isso acarretou sérias

conseqüências sociais e ambientais, vinculadas a nova forma de produzir, provocando

mudanças nas relações sociais, o agronegócio passa a ser uma forte potência em tecnologia

mudando a relação de trabalho no campo brasileiro. Os conflitos aumentaram e as vitimas

também.

Os presentes dados sobre a violência no Estado paranaense deixa claro como é tratada

a questão agrária no Estado. Como estratégias do capital intensificando a concentração da

propriedade da terra, a atuação da UDR - União Democrática Ruralista - que tem seus

representantes políticos na Assembléia Legislativa formam parte da chamada bancada

ruralista. Eles incentivaram os fazendeiros a se armar e proteger a propriedade privada em

resposta a marcha nacional em 1997, onde o MST reivindicava perante a sociedade a reforma

agrária.

Ao negligenciar a sua tarefa, dentro do regime democrático, o governo do Paraná

promoveu uma onda de violação contida dos direitos humanos dos trabalhadores rurais, por

vezes omitindo e interagindo com as milícias privadas que desfilavam livremente seus

armamentos, declarando publicamente o uso de armas contra os sem terra. As declarações do

líder da bancada ruralista Abelardo Lupion circularam nos meios de comunicação,

convocando os fazendeiros para defender de suas propriedades. Não é novidade para a classe

trabalhadora a relação entre este sobrenome e a violência. Se voltaram um pouco a História,

veremos que Lupion Neto seguiu pelos mesmos caminhos do avô Moyses Lupion, que,

quando governador do estado na década de 1950, foi um dos maiores responsáveis pela

grilagem de terras no estado, bem como o uso da violência para reprimir a resistência dos

posseiros da época (VORPAGEL, 2011).

A partir dos anos 1990, várias empresas multinacionais se instalaram no Paraná com

políticas de incentivo do governo. A conflitualidade no campo paranaense aumentou ainda

mais quando as multinacionais começaram estabelecer centros de pesquisa de sementes

modificadas no estado. A pesquisa possibilitou – necessitou – a expansão da produção em

maior escala, provocando um aumento nas áreas plantadas para o mercado. A expansão e

intensificação da produção instigaram novas discussões sobre o uso da terra já que muitas

propriedades antes compreendidas como improdutivas passaram a produzir para a

agroexportação, sem levar em conta a função social da terra.

No período dos anos 2002 a 2004, o MST teve uma grande ascensão de membros. O

resultado vitorioso para o Partido dos Trabalhadores em 2002 estimulou a esperança de cada

qual ter a sua terra para trabalhar. Imaginava com a eleição do presidente Luis Inácio Lula da

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Silva haveria a realização da reforma agrária no Brasil. Os acampamentos começaram a se

encher com gente, surgindo assim, uma grande necessidade de se fazer novas ocupações

porque do período do Governo Lerner, sobrou poucos acampamentos no estado. De fato,

novos acampamentos foram construídos. Os com mais famílias foram os acampamentos: 1)

Bacia - localizado em Quedas do Iguaçu, com 500 famílias, 2) Dorcelina Folador - em

Cascavel, com 300 famílias e 3) Sete Mil - em Jardim Alegre, com 350 famílias.

Mas os latifundiários organizados pelo agronegócio e com a força do poder judiciário

ao seu lado provocaram várias desocupações de terra no Paraná, instigando um alto nível de

violência. Como comenta Fernandes, “a conflitualidade e o desenvolvimento acontecem

simultâneos, promovendo transformação de territórios” (2008, p. 179). Com a ofensiva dos

latifundiários, o MST percebeu a vulnerabilidade das ocupações com menos de 500 famílias.

Começaram as discussões para se fazer ocupações de terra ainda maior no estado e Cascavel.

Foi um dos lugares onde este processo histórico-geográfico foi mais dinâmico.

A espacialização do MST é o movimento concreto das ações e sua reprodução no

espaço geográfico e no território. De acordo com o Mapa 1 podemos observar a ocupação de

terras no estado do Paraná entre 1988 a 2009. Em algumas áreas o contingente maiores de

famílias, como forma de resistência ao modelo de agricultura imposta. Em determinadas

regiões, ao observamos o mapa, percebemos que as regiões norte e oeste são as regiões onde

teve o maior numero de ocupações neste período, indicando uma quantidade grande de

conflitos pela terra. Com forme o INCRA áreas para fins de reforma agrária que não cumpre

sua função social. Neste processo de espacialização o MST se concretizar no espaço através

da luta e resistência das famílias.

Page 20: A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL DA ... · Figura 1 Acampamento 1º de Agosto 24 Figura 2 Primeiro plantio da Área da fazendo Refopaz 34 ... III. A TERRITORIALIZAÇÃO

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Após a ditadura militar e com o surgimento do MST em 1985, os latifundiários

incentivados por sues colegas na classe dominante contratavam milícias para sua prática de

enfrentamentos perante a luta pela reforma agrária. A ofensiva dos latifundiários com

perseguição e assassinatos de militantes e dirigentes foi ficando complicada perante a

sociedade com a utilização de formas violentas de reprimir os trabalhadores. Já em meados

de 1990, a classe dominante sustentou os atos violentos perante a sociedade. Mudam-se as

estratégias para garantir a propriedade privada. Contratam empresas de segurança e

disponibilizam as forças do Estado para reprimir os camponeses.

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CAPÍTULO II

CONFLITOS ENTRE RURALISTAS E CAMPONESES EM CASCAVEL

Para compreender melhor esta conflitualidade na formação de territórios, podemos

examinar o caso do processo histórico-geográfico da luta pela terra em Cascavel, palco dos

principais enfrentamentos entre sem terras e latifundiários no período de 2003 a 2010. Com o

processo de colonização no início dos anos 1910, colonos, caboclos e descendentes de

imigrantes vieram do sul para o Paraná, no auge do ciclo da erva mate. O primeiro vilarejo se

da na encruzilhada de varias trilhas abertas por ervateiros, tropeiros e militares. Foi aberto o

primeiro armazém em 1930, já no ciclo da madeira atraído pelas companhias madeireiras

mais famílias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina em particular colonos alemães, italianos

e poloneses. Em 1934, foi criado o distrito policial de Cascavel. Em 1938, Cascavel foi

desmembrada de Foz de Iguaçu e começou sua vida municipal particular.

Na medida em que as áreas de matas nativas eram retiradas, a extração madeireira

dava lugar as pastagem e agropecuária. Os investimentos dos governos no município de

Cascavel para o desenvolvimento possibilitou a abertura de novas áreas para produzir e

expandir suas produções. A eliminação da floresta e expansão de agricultura capitalista

aumentou a conflitualidade da região.

Na década de 1950, a região foi perturbada por sérios problemas de colonização,

como o exemplo da grilagem de terras por empresas e o massacre de muitos camponeses.

Grupos de jagunços ligados as companhias que se diziam ter as posses das terras, prendiam,

espancavam, e matavam os posseiros que se negassem a pagar pelos títulos, mesmo aqueles

que já estavam em terras regularizadas pelas autoridades.

Em 1957, a revolta dos posseiros no sudoeste paranaense marcou resistência dos

posseiros para garantir sua permanência nas terras. Terras pertencentes a união foram

ocupadas por posseiros como parte do plano de colonização do sudoeste do estado. Vieram

camponeses gaúchos catarinenses e caboclos em geral. Instalados, logo os posseiros

começaram a ter problemas com empresas que chegam na região como se fossem donos da

área. Estas companhias que se estabeleceram no sudoeste contratavam jagunços como

corretores para cobrar a posse. Quem não pagasse, tinha boa chance de ser torturado ou

assassinado. Mas, em 1957 grupos de posseiros se armaram para resistir sua exploração.

Chegaram a ocupar parte das cidades do sudoeste, expulsando os representantes das

companhias e requerendo as promissórias das posses. Exigiu do governo uma solução para a

regularização das terras (BATISTA, 2007).

Page 22: A PARTIR DO ACAMPAMENTO 1º DE AGOSTO: O PAPEL DA ... · Figura 1 Acampamento 1º de Agosto 24 Figura 2 Primeiro plantio da Área da fazendo Refopaz 34 ... III. A TERRITORIALIZAÇÃO

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Mas a resistência não foi vitoriosa. O estado reagiu ao lado das empresas

latifundiárias. O testemunho de Ademal Batista, filho de Emanuel Candido Batista, um

posseiro que teve terra titulada pelo GETSOP – Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste

do Paraná por volta de 1962, quando o grupo foi estabelecido pelo governo federal para

coordenar o desenvolvimento da região, ajuda entender a formação da região.

Os presos políticos capturados pela policia principalmente aqueles participava e instigavam o movimento dos posseiros de 1957 eram enviados a delegacia de Cascavel uma das praticas usada era expor seu presos ou mortos, na frente da delegacia para que outras pessoas vise o que acontecia com quem não andasse dentro da lei ( BATISTA, 2007).

No período da Ditadura, o processo de mecanização do campo aumentou a

concentração da propriedade. Pior, no oeste paranaense a construção da usina hidrelétrica de

Itaipu desabrigou cerca de 12 mil famílias de oito municípios que tiveram suas terras

alagadas pela construção da barragem. Essas famílias buscaram ajuda para conseguir

indenização justa pelas suas terra e feitorias. Mas, os posseiros que não tinham escritura, não

foram atendidos. Os atingidos criaram em 1978 o Movimento Terra e Justiça com apoio da

CPT. Mais uma vez na história do estado do Paraná, as famílias camponesas perceberam que

isoladamente não iam alcançar seus objetivos, e que a união faz a força.

Segundo José Valdir Misnerovicz (2011), um militante histórico do movimento que

ainda atua no setor de mobilização popular, surgiu à gênese do MST neste período, a partir de

vários focos de movimento pela terra no Brasil, inclusive no Paraná.

Em setembro de 1982, a CPT pauta a questão agrária, reúne representantes da sociedade para discutir a reforma agrária. Surge a idéia e discussão para ser criado um movimento único que atendesse a dos os sem terras que estavam em varias partes do Sul como o caso dos posseiros que foram expulsos das terras indígenas, os atingidos por barragem no Paraná, a igreja não teria esta função. Em 1984, a gestação mesma do Movimento Sem Terra em Cascavel nos dias 20, 22 e 23 de janeiro no Seminário Diocesano. Estavam presentes representantes de 12 estados. Neste “encontro nacional” foi propício para definir o que queria dizer terra ou reforma agrária? Com isso foi tirados os objetivos que sustenta o tema da reforma agrária que são a base material e a base filosófica do MST: 1) a base material - a contradição histórica no Brasil poucos com muito e muitos sem pouco e 2) a base filosófica - se a terra é um bem da natureza, então ela pertence a todos, principalmente aos camponeses guardiões da natureza. Então o objetivo tem sustentação na reforma agrária (MISNEROVICZ, 2011, p. 7).

Na reunião inicial, que ocorreu em Medianeira, PR [e em julho, segundo Branford e

Rocha (2004)], a presença dos atingidos de Itaipu foi significante. Anotamos a importância

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do estado do Paraná na fala de Misnerovicz (2011) como berço do MST. Além de ser o sítio

da primeira reunião dos interessados, a liderança escolheu Cascavel, centro de uma região

histórica de resistência camponesa e também de agressão ruralista. Assim, a liderança

construiu o MST a partir da ampla herança da luta pela terra no estado e se distanciou de sua

base no Rio Grande do Sul, fazendo esforço para criar espaço por um “encontro nacional”.

A conflitualidade depende na dialética para avançar a formação histórico-geográfica.

Em 1980, os latifundiários da região pautados pela Sociedade Rural do Paraná criaram a SRO

- Sociedade Rural do Oeste, no Tuiuti Esporte clube de Cascavel. Entre os fundadores

estavam Francisco Sciarra, Diacomo Menenguel, Waldimir Walter, Edegar Ribeiro Pimentel,

Olimpio Giovanelli, Luiz Carlos Patrial e José Geraldo Alves. Estes ruralistas juntamente

com alguns políticos fizeram doações generosas para efetivar a fundação da organização

regional dos agropecuaristas (ADAMY e KOLING, 2008, p.21).

No estado do Paraná, principalmente em Cascavel, ficou alguns anos depois uma boa

parte do agronegócio organizado pelos ruralistas pertencentes à UDR. Estes criaram outro

movimento, o MPR - Movimento Proprietários Ruralistas, para perseguir os sem terras e

fazer despejos irregulares e violentos. Não serem punidos pelas suas barbáries contra os

trabalhadores.

2.1 A criação e organicidade do Acampamento 1º de Agosto

A questão da organicidade era especialmente importante nesta nova conjuntura da

questão agrária no cenário de Cascavel. Segundo Stédile (1994), para derrotar a burguesia é

preciso estar organizado:

Mas as luta que os trabalhadores vão acumulando, em termos de capacidade organizativa, em termos de capacidade de mobilização, em termos de consciência da classe trabalhadora, para ela se dar conta dessa realidade, esse acumulo de forças nesses três campos- organizativo, político e de massas- é que devera gerar um amplo movimento de massa no Brasil que consiga derrotar politicamente a burguesia,romper a dominação burguesa que feita hoje através das leis do Estado (p.321).

Por isso, o MST vem buscando ao longo de sua historia construir alternativas que

dêem conta diante da atual conjuntura de responder suas perspectivas através da práxis para

se qualificar diante da realidade. As famílias têm que incorporar esta forma de organização

interna com experiência de outras lutas históricas do campesinato e a própria caminhada do

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movimento reforça que os estudos e formação dão um caráter organizativo para resistir à

ofensiva violenta do estado e do agronegócio.

No caso de Cascavel, a conflitualidade estava constantemente presente entre os sem-

terra e os latifundiários. Os latifundiários se utilizam dos meios de comunicação para denegrir

a imagem do MST e marginalizar as famílias acampadas. Como Stédile observou para a

escala nacional, a tendência dos ruralistas estarem envolvidos em vários setores da economia

além da agricultura é relativamente nova.

Esse movimento do capital em que o capitalista controla vários setores de atividades chama-se movimento de centralização. E hoje, como conseqüência disso, nós não temos mais uma burguesia agrária típica que vive só do trabalho que explora na lavoura. Hoje as grandes propriedades rurais brasileira estão nas mãos de grandes grupos econômicos que operam em varias áreas, como bancos, comercio, indústria (STÉDILE, 1994, p.314).

Para resistir à ofensiva dos latifundiários e de seus parceiros e aliados da mídia e de

outros setores da economia, as famílias acampadas precisavam renovar a organicidade

interna. Devido uma série de despejos em várias partes do estado, o movimento busca juntar

as várias famílias que foram despejadas ficando em beiras de rodovias (BRs) com intuito de

juntar todas em um único espaço. Nesse contexto, no dia 29 de julho de 2004, cerca de 800

famílias foram conduzidas para o Acampamento Dorcelina Folador, no complexo de Cajatí,

próximo a Cascavel. Juntamente com as famílias já acampadas lá, o número transbordou um

mil famílias.

No dia primeiro de agosto às 5 horas da manhã, aproximadamente 1.300 famílias se

organizaram para ocupar a Fazenda 4R Refopaz, (com aproximadamente 35 mil hectares de

terra). Chegando lá em um combóio de mais que dez veículos, inclusive caminhões e ônibus,

essas famílias acamparam em uma área de 380 alqueires próxima ao melhor manancial de

água da região oeste do Paraná. Assim nasceu o Acampamento 1º de Agosto.

Dentro de poucos dias, as famílias organizadas montaram uma vila de mais que 300

barracas. Foi selecionada uma área acima da manancial de água, permitindo assim fácil

aproveito dos recursos naturais de água e lenha. O bosque serviu também como barreira de

segurança de um lado do acampamento. A Figura 1 nos traz uma perspectiva de como foi

organizado o espaço do Acampamento 1º de Agosto próximo a manancial de água em um

ponto estratégico de chegada.

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Figura 1: Acampamento 1º de Agosto

Fonte: Jornal O Paraná (MST, 2004-2008).

Para compreendermos o caminho percorrido pelos sem terra, tomando por base, como

origem, os enfrentamentos ocorridos no Acampamento 1º de Agosto por se tratar de um

acampamento grande com 1.300 famílias, vindas de várias regiões e com costumes

diferentes, isso requer uma nova estruturação organizativa. Urge então a necessidade de

contextualizar o processo de leitura e reflexão da realidade, na perspectiva de compreender

como os Sem Terra, se organizam no espaço e no tempo, e como essa organização contribuiu

,contribui e tem mantido o MST como um dos mais importantes movimentos sociais da

história. Segundo Fernandes:

os acampamentos são espaços e tempos de transição na luta pela terra. São, por conseguinte, realidades em transformação. São uma forma de materialização da organização dos sem terra e trazem em si, os principais elementos organizacionais do movimento (1999, p. 293).

Ainda segundo Fernandes espacializar é “registrar no espaço social um processo de

luta. É o multidimensionamento do espaço de socialização política. È escrever no espaço por

intermédio de ações concretas como manifestações, passeatas, caminhadas, ocupações de

prédios públicos, negociações ocupações e reocupações de terras, etc.” (1999, p. 136). A

conquista do espaço de socialização política que o MST vem construindo tem sido condição

fundamental para o desenvolvimento das diferentes experiências no seu processo de

formação, fortalecendo as famílias para o avanço da luta pela terra e para os enfrentamentos

com o estado, latifundiários e grileiros.

A forma pela qual os acampados organizavam a vida, o espaço e sua busca pela

cultura e consciência social no MST demonstravam a importância fundamental da

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consideração da dimensão cultural imprescindível para compreendermos o significado do

movimento de luta pela terra.

A realidade do acampamento, a convivência, e as constantes lutas pela terra visando o

resgate da dignidade do camponês, tornou-se um fator relevante para que o movimento

organizasse, inicialmente, uma necessidade de segurança. E como conseqüência surgiu uma

forma de reconstruir a vida social com outra ordem. O MST chama esta estrutura de

organização interna – a sua organicidade.

Em princípio o movimento começou a trabalhar a organicidade das famílias

acampadas na sua formação organizativa, distribuindo tarefas e responsabilidades como

instrumento formador de militantes para a organização. Isso no âmbito da revolução cultural,

da mudança de métodos de trabalho e de direção que possibilitam a ampliação e impulso na

qualificação orgânica do movimento, onde cada 12 famílias formam um Núcleo de Base

(NB).

A partir de 2003, e cada núcleo é escolhido um coordenador e uma coordenadora,

tendo assim cada componente uma função no grupo.

No momento inicial do acampamento, a organicidade cumpre um papel fundamental, já aprendemos que “a forma também forma”, portanto o jeito como organizamos o acampamento poderá contribuir ou não, sendo necessário organizá-lo de forma a potencializar a organicidade interna através dos Núcleos de Base, setores estratégicos, equipes necessárias, enfim colocar em prática a nova organicidade. Também, buscar formas de ir resolvendo os problemas que vão surgindo (MISNEROVICZ, 2007, p,9.).

Os setores são organizados em volta de determinada categorias do cotidiano que

foram identificados durante anos de experiência de luta. Em 2004, quando o Acampamento 1º

de Agosto foi formado, os sete setores foram denominados pelas categorias: Educação,

Saúde, Produção, Frente de Massa, Formação, Comunicação e Cultura, Finanças.

Dependendo da necessidade de cada local, também têm equipes especificas.

Foram constituídos os seguintes setores e equipes de trabalho:

a) EDUCAÇÃO: Para que se possa assegurar o direito à educação, o MST,

teve o cuidado de criar o seu Projeto Político Pedagógico, embasados nos seus

princípios filosóficos, políticos, éticos, pedagógicos, organizativos entre outros e é de

responsabilidade dos membros desse setor cuidar da formação do sujeito sem terra, e

também é responsável pelo bom andamento da escola do acampamento.

b) SAÚDE: é de responsabilidade dos membros deste setor orientar trabalhar

com a prevenção das famílias sobre as doenças, acompanhá-las quando necessário,

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organizarem as farmácias, os remédios alternativos, convencionais e os

acompanhamentos médicos as famílias acampadas. Orientar sobre as vacinações

necessárias e providenciar quando possível vacinação em massa. Também é de

responsabilidade deste setor estimular e orientar as famílias quanto à utilização o

cultivo de plantas e ervas medicinal.

c) PRODUÇÃO: é um setor que cuida da questão alimentar das famílias,

orienta a época de plantio, de como produzir, organiza as áreas de plantio coletivas e a

auto-sustentação do acampamento. Como também busca de projetos que venha

contemplar as família assentadas ou acampadas tenta garantir junto com as família a

diversidade cultural a autonomia nas sementes crioulas e incentiva agricultura

agroecologica e orgânica .

d) FRENTE DE MASSAS: é um setor que organiza as famílias, faz o trabalho

de buscar gente para acampar, pessoas empenhadas em fazer a luta por reforma

agrária. Como também negociações juntos aos órgãos responsáveis pela questão

agrária, além de cuidar das estratégias dos territórios do movimento junto com a FM

tem a equipe de disciplina que garante os regimento internos construídos em cada

território de atuação do MST.

e) FORMAÇÃO: setor responsável pela formação dos militantes e das

famílias, e a formação de quadros responsável pelos estudos e debates na construção

de uma nova sociedade.

f) COMUNICAÇÃO E CULTURA: cuida a questão cultural das famílias

camponesas e o trabalho da comunicação com rádios comunitárias, responsáveis pela

assessoria de imprensa que responde aos interesses do movimento divulgação dos

materiais produzidos pela classe trabalhadora.

g) DISCIPLINA: responsável pela segurança do acampamento cuida do

regime interno para que haja democracia e estimula o trabalho com a disciplina

consciente de cada sujeito.

h) RELIGIÃO: uma equipe responsável na organização dos espaços destinados

aos cultos evangélicos e as missas católicas, e ainda manter a comunidade informada

dos dias e das horas que haverão as reuniões.

i) ALIMENTAÇÃO: Esta equipe organiza a distribuição de cestas básicas, são

responsáveis para identificar as famílias mais necessitadas e as que estão chegando,

para que não faltem alimentos.

Na base dos setores e equipes são os NBs. Cada cinco núcleos formam uma brigada

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de 50 famílias, sendo compostas por membros da coordenação da brigada e direção. Os 10

coordenadores e mais um representante de cada setor escolhido pelos cinco grupos, formam a

coordenação da brigada, além desta coordenação tem dois dirigentes um homem e uma

mulher que é escolhido pela brigada para representá-los na direção do acampamento

A direção do acampamento é composta pelos dirigentes de cada brigada de 50

famílias mais os representantes de 500 famílias de cada setor, que se reúnem às sextas feiras

para pautar as discussões do MST e do acampamento, reúnem se também conforme a

necessidade. A coordenação do acampamento é composta por todos os coordenadores dos

núcleos de famílias, que se reúnem todos os sábados para definição e encaminhamentos das

discussões da direção referente a organicidade do acampamento e do MST.

Juntamente com os demais acampamentos e assentamentos formam uma brigada de

500 famílias. A brigada a qual o Acampamento 1º de Agosto esta inserido chama-se Brigada

Teixeirinha que tem aproximadamente 1.800 famílias na sua composição. Desta também sai

dois representantes estaduais, um homem e uma mulher que estão vinculados à direção

estadual do MST que garante as discussões e o interesse das famílias acampadas e assentadas.

2.2 A renovação da organicidade do MST no Paraná

Na organização do gigantesco Acampamento 1º de Agosto estava colocado em prática

os resultados de uma discussão iniciada em 2003 sobre a necessidade de melhorar a

organicidade do movimento no estado do Paraná. Tendo em vista o crescimento dos sem-

terra depois da eleição de Lula e as demais atividades realizadas em 2003, amadureceu uma

proposta de renovação organizativa que culminou na implementação de uma nova estrutura

orgânica.

Através desse processo, constituído em um conjunto de diretrizes metodológicas,

foram construídas estratégias de resistência frente aos ruralistas. As experiências vivenciadas

pelos quadros os equiparam teórica e metodologicamente para que o movimento pude dar um

salto de qualidade na organização que o momento político exigiu.

Neste período, o Setor de Educação do movimento no Paraná tinha que lidar com a

formação de 15 mil famílias espalhadas em muitos acampamentos, nas diversas regiões do

estado. Entre elas havia centenas de crianças, jovens e adultos em idade escolar, sem escola,

gerando descontentamento por vê-los sem estudar ou freqüentando uma escola distante de seu

mundo, e por isso afastando-os de sua realidade.

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De preferência que a educação formal-escola, esteja integrada com a educação

informal-formação política, de acordo com os princípios e objetivos do MST e da concepção

de educação que vem sendo construída e implementada ao longo da nossa história. Diante

disso, queremos reafirmar ações que o setor de educação vem desenvolvendo, principalmente

intensificá-las nos acampamentos, aonde a questão geográfica, das proximidades das famílias

contribui melhor para o avanço do processo (MISNEROVICZ, 2007, p.10).

A construção de um acampamento é peça chave da estratégia. É visto pelo movimento

como processo de re-socializar o espaço depois de ter sido expropriado pelo capital, espaço

esse que anteriormente era marginalizado da sociedade, da classe trabalhadora do campo,

bem como de outras esferas socioeconômicas. Vamos entender o processo de construção de

um acampamento segundo Misnerovicz:

O acampamento passa a ser lugar aonde as pessoas voltam a sonhar, ter esperança na realização do sonho de sua vida, elevam sua auto-estima, dão sentido para a vida e passam a ser mais felizes, pois vão assumindo a responsabilidade da missão para com a libertação da terra e dos seres humanos ou seja, de si próprios. O acampamento é o início do processo, que se fôssemos comparar com o ritual do batismo, é ali que se faz a preparação para que num ato de ocupação do latifúndio o batismo na luta do Movimento seja consolidado. As pessoas são levadas a assumir um compromisso coletivo com a causa. Isso exige disposição, coerência e atitude de mudança de comportamento, de humildade, de acreditar na luta e na organização como única forma de alcançar os objetivos. Assim podemos afirmar que o acampamento é um marco histórico, é o fim e o começo da vida ao mesmo tempo, numa relação dialética. A maioria das pessoas que passa por um acampamento é transformadas,elas passam a ver o mundo de outra forma, se tornam críticas ao sistema e defendem as mudanças estruturais da sociedade. A organização do MST, em cada acampamento, acolhe para seu interior todas as pessoas que dele querem participar, aglutinando mulheres, homens, crianças e jovens, até mesmo alguns idosos que tiveram a maior parte de suas vidas explorada, com muitas necessidades e que já tentaram outras formas de sobrevivência. O MST não é a primeira possibilidade de mudança econômica, mas às vezes acaba sendo a última esperança após tantas tentativas frustradas. Há casos de pessoas que querem permanecer e outras de retornar ao campo, chegam com sua força física e disposição para lutar (MISNEROVCZ, 2007, p. 3-4).

Nos debates que o MST realizou, as famílias acampadas e assentadas mostraram que

têm um patrimônio organizativo enorme construído, com a práxis, mas que ainda tem que ser

trabalhado. Para tirar todas as impurezas que são resquícios da sociedade capitalista, é preciso

dedicar muito esforço para dar qualidade a este produto feito por milhares de pessoas.

Para entender o processo, estrategistas do movimento como Ademar Bogo, tem

garimpado ideias entre as escritas políticas de antigos revolucionários mundiais. Segundo o

grande líder da revolução Vietnã Ho Chi-Minh: “Não é só indo á escola ou assistido cursos

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de formação que se pode estudar, aperfeiçoar-se e transformar-se Em todas as atividades

revolucionárias, poderemos e deveremos todos estudar e corrigir nós mesmos nossos erros”

(1958, p.201). A reflexão de Ho Chi Minh permite compreender como o movimento vem

aperfeiçoado suas práxis no decorrer do tempo em que a teoria e pratica não são

desvinculadas da realidade.

No processo de investigação que realizamos pudemos perceber que a organização se

orienta por princípios filosóficos, políticos, éticos, pedagógicos, organizativos e outros. Eles

estão na origem de tudo e aponta onde o movimento quer chegar. Em entrevista com

Misnerovicz pude compreender melhor o caminho percorrido pelo movimento: Com a formação do movimento em 1984, foi levantado a grande pergunta: existir pra que e qual seria a via o caminho a ser percorrido? Primeiro lutar pela reforma agrária; segundo lutar pela construção do socialismo! Mas qual a via a ser seguido? O mundo estava vivendo um momento importante de transformação com experiências incríveis de revolução. Tínhamos três caminhos que poderíamos percorrer primeiro avia institucional a traves de partido político. A segunda via armada como experiências de El salvador, Nicarágua, vintena e Cuba. O terceiro caminho via popular, que a força esta no povo não no dinheiro nem nas armas e sim em números de pessoas organizada. Então ficamos com a terceira opção o caminho via popular mais demorado porem mais seguro (MISNEROVICZ, 2011).

Sabendo que os princípios representam os interesses do momento e as intenções que

tem para trilhar o futuro, é natural que aquilo que viveu no início da caminhada histórica, não

é o que estão enxergando agora do caminho percorrido no tempo e na história. Se tudo o que

existe se move e se desenvolve, não seria o conteúdo dos princípios que ficariam estáticos? O

movimento tem ao longo desta caminhada lutado pela reforma agrária, e buscado construir

novos valores humanistas. De acordo com Ho Chi- Minh (1958): “Para eliminar as seqüelas

da antiga sociedade, para forjarmos em nós uma virtude revolucionária, devemos estudar,

aperfeiçoar-nos, remodelar-nos para progredir sem cessar” (p.200). É com estes objetivos que

o MST olha para dentro do próprio movimento para poder progredir na atual conjuntura.

O MST, no seu início, tinha como certo que não podia ter um presidente e que a

direção deveria ser exercida de forma coletiva por um grupo de dirigentes. Estes, após serem

escolhidos nos encontros, deveriam dividir entre si as tarefas. Para Stedile, que comenta estas

questões na entrevista com Fernandes em Brava Gente, explica que um “movimento

camponês com um presidente só tem dois caminhos: ou ele vai ser assassinado ou vai ser

traidor” (STEDILE e FERNANDES,1999, p.39). A escolha foi direção coletiva. Aconteceu

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que, como o crescimento do movimento, o conteúdo do princípio da “Direção coletiva” ficou

insuficiente.

Depois de uma geração de luta, mesmo sem presidente que decide tudo, foi resolvido

que até ter “direção coletiva” significa que um grupo concentra as decisões e a grande

maioria dos que pertencem ao movimento fica de fora das discussões. Muitas vezes não

sabem o que está acontecendo, como se os próprios membros não fizessem parte da

organização.

Desta forma, o MST percebeu que a única maneira de ter de fato uma direção coletiva

é se as famílias assentadas e acampadas estiverem organizadas em núcleos e possam discutir

os problemas enviando suas preocupações e sugestões para a direção. Segundo Misnerovicz

“o que aprofundamos, referente a teoria do método de direção percebemos que este está

intimamente relacionada á estrutura orgânica. Ou seja, a forma como compomos a

organização determina o método de trabalho da direção”(MISNEROVICZ, 2011).

Dando a forma organizativa de cada espaço com esta compreensão, o movimento vem

trabalhando para estabelecer um modelo de estrutura horizontal que valoriza todas as formas

de organização de base, e que passa a integrá-las como se fossem instâncias de decisão. Logo

a democracia deixa de ser representativa e passa a ser participativa, onde todos ao

participar dos núcleos de base representam a si próprio.

Com este entendimento, o movimento passou a conceber que um núcleo de famílias

tem a mesma importância que a direção estadual, que têm todas as instâncias a partir dos

acampamentos e assentamentos, dos setores, das equipes de trabalho e as antigas hierarquias.

Cada qual tem suas funções e tarefas, igualmente importantes.

Portanto, a estrutura horizontal funciona em círculos não de cima para baixo como foi

a estrutura vertical. Todos os membros da organização são importantes e tem direito a dar

opinião e sugestão para se tomar conscientemente as decisões. Com esta discussão de

remanejamento da forma para re-compor a estrutura, percebeu que é possível dentro do

movimento de massa se estabelecer uma organização de massa, onde a participação é o fator

determinante para garantir o desenvolvimento da consciência de cada sem-terra (BATISTA,

2008).

Sendo assim, através da composição da direção da brigada, a estruturação dos setores

e a escolha dos coordenadores de núcleos de base, amplia-se o número de lideranças.

Sabendo que a cada dois anos, renovam-se todas as instâncias, reformulam-se todos os

setores e equipes para que não se corrompam e acabem sofrendo de vícios e desvios

ideológicos. Para que a luta pela Reforma Agrária ganhe qualidade, não basta que quem lute

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por ela esteja bem organizado e consciente. É preciso também praticar valores diferentes

daqueles que o capitalismo nos ensina.

Por isso, se fala em valores culturais, que é a busca de mudar os hábitos, superar os

vícios e levar á transformação nosso caráter, tudo isso para que possamos andar no sentido de

construção de uma sociedade mais humana. Tudo o que fazemos, pensamos e sentimos

repetidamente faz parte de uma cultura que esta empregada em nós. Por isso, se nos

descuidarmos e praticarmos erros e desvios por muito tempo é provável nos acostumem com

estes defeitos como se fossem normais e assim aceitáveis.

Então a compreensão limitada de princípios, o método de direção equivocado, a

desorganização da base, o não investimentos na formação da consciência, o mau trato com a

terra e com a natureza etc. podem se tornar parte da cultura negativa que deforma nossos

hábitos e com eles a nossa organização e as nossas chances de realizar uma reforma agrária

de verdade. Como observou o Ho Chi Minh, “Aquele que possui a moral revolucionaria não

tem medo, não se deixa intimidar e não recua diante das dificuldades, das provações e dos

fracassos” (1958, p.201). A busca pelo interesse do todo enquanto organização torna-se maior

que o indivíduo buscando a força para o bem de todos.

Com base nestes conceitos e reflexões sob a atual conjuntura nos remete a estruturar

em nossos espaços a forma organizativa para todos os acampamentos, assentamentos e

secretarias regionais, estaduais e setoriais. Com a base da organicidade do movimento

construída nas brigadas de núcleos de família, a nova organicidade procurou integrar a base

com a cúpula através da direção, coordenação e secretaria da brigada. O organograma a

seguir representa as instancias do movimento no estado e as linhas as os canais de

comunicação entre as famílias e a direção para ampliar a participação, eleva o nível de

consciência e qualificar a formação dos militantes e quadros.

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Fonte: MST Paraná, 2003. Organização: Tiago Cubas

2.3 As famílias territorializam o espaço de produção e espacializam a luta

As características físicas da área ocupada pelo Acampamento 1º da Agosto

começavam a mudar com a chegada das famílias sem terra. Antes da ocupação havia somente

um tipo de produto e uso abusivo de agrotóxicos que deixava o meio ambiente degradado.

Muitas das nascentes estavam no relento do sol e a água jorrava no limpo sem proteger este

valioso recurso natural. Os recursos hídricos estão em várias partes da área, as águas

cristalinas e minerais se encontravam em volta das minas de embalagens de agrotóxicos.

Diante disto às famílias começavam a fazer proteções verdes nas cabeceiras das nascentes.

Segundo o acampado Pedro, raramente se avistava pássaros ou outros animais a não ser na

mata fechada. Depois das reformas feitas pelos camponeses, contudo, se enxergava várias

espécies de pássaros sobrevoando ao acampamento. Diminuiu também a quantidade de

agrotóxico jogado no solo quando algumas famílias optaram pelo plantio orgânico

(BATISTA, 2007).

No primeiro ano de formação do Acampamento 1º de Agosto, as famílias se

organizaram para o plantio coletivo, pois a maioria das famílias não tinham condições

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financeiras para plantar individualmente. No entanto se juntaram para poder comprar as

sementes e realizar o restante dos procedimentos da lavoura, pois ainda enfrentavam ameaça

de despejo nas áreas ocupadas, mas as famílias continuavam persistentes. Mesmo com

dificuldade as famílias garantiram o plantio como podemos observar na figura as seguir.

Figura 2 – Primeiro plantio da área da Fazenda Refopaz

Fonte: Jornal O Paraná (MST, 2004-2008).

A Figura 2 traz a imagem das famílias de uma brigada de 50 famílias fazendo

segurança para o plantio da área. Esta era uma tática usada para que os latifundiários não

impedissem o plantio de algumas áreas. O movimento tinha que ficar atento a disputa com o

MPR pelo controle do território, de um lado as famílias querendo plantar e do outro os

fazendeiros querendo retomar as áreas ocupadas.

Houve a necessidade de fazer do acampamento um espaço familiar com melhores

condições para se viver neste local, onde seria necessário a presença de escola para seus

filhos e para adultos estudarem na educação infantil até o ensino médio. Diante disto às

famílias acampadas discutiram e organizaram junto com o setor de educação Estadual do

MST as Escola Itinerante Zumbi dos Palmares, nome sugerido pelas famílias que

construíram salas de aulas, secretaria e bibliotecas, bem como hortas, campo de futebol e uma

farmácia com remédios naturais e convencionais (onde vêm duas vezes por semana um

medico do município, a atender as famílias acampadas e uma vez por mês vem um médico

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naturalista para fazer o atendimento aos acampados). Com isso se deu uma nova forma para o

acampamento passando a ser uma comunidade mais organizada.

Sentiu-se também a necessidade em construir um mercado para poder atender as

necessidades de compra das famílias, pois elas se encontram a 27 quilômetros da cidade de

Cascavel e o distrito mais próximo está localizado a 17 quilômetros de distância. E muitas

vezes os mercados do distrito não dispõem de mantimentos suficientes para atender as

necessidades de consumo das famílias.

No segundo ano de acampamento cada família, individualmente, poderia plantar

9.000 metros quadrados, pois a maioria já se encontrava em condições de fazer seu próprio

plantio. Com esta organização as famílias começavam a ter mais condições financeiras,

podendo produzir sua própria semente aumentando assim à diversidade de produção.

As famílias continuam plantando coletivamente e individual, com a sua produção

ajudam a outras famílias de outras partes do estado que estam na beira das estradas sem poder

plantar. Cada família doa o produto excedente, a solidariedade faz parte da vida dessas

pessoas no acampamento. Também ajudam um bairro pobre de Cascavel com trabalho

voluntário e fazem a partilha dos alimentos produzidos no acampamento com as famílias

deste bairro.

Além das doações feitas às famílias estão comercializando seus produtos para os

trabalhadores da cidade, não só entregando para as cooperativas agrícolas. Os produtos dos

acampados são mais baratos do que os do mercado e também mais saudáveis por serem

produzidos organicamente. Os camponeses vendem seus produtos por dinheiro e com o

mesmo compram outros produtos que suas famílias necessitam.

Com a agricultura camponesa não é somente os sem terra que ganham com isso, mais

sim toda a sociedade local. Para Simonetti: “Ao mesmo tempo que o camponês está

subordinado à lógica do capital, ele também descobriu caminhos para o rompimento dessa

submissão, fazendo escolhas para viver em sociedade, de acordo com seus valores” (1999,

p.56).

Com a falta de conquista de novas áreas na região o movimento se reorganiza no

território em busca de novas conquistas. No terceiro ano o Acampamento 1o de Agosto ficou

com 780 famílias acampadas sendo que uma boa parte das mesmas foram para outros espaços

que o MST ocupou no território.

Foram organizados mais acampamentos como forma de pressão pela Reforma

Agrária. A ocupação de uma área próximo a complexo Cajati com problemas de

documentação foi dado o nome de 7 de Setembro, o dia que foi ocupado em 2005. Lá foram

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acampadas aproximadamente 120 famílias. No ano seguinte mais duas ocupações montaram

os barracos. Na beira da Rodovia BR 277, próximo o município de Céu Azul, foi formado um

acampamento com 150 famílias e também na BR 277, próximo a Campo Bonito, foi

implantado um acampamento com 50 famílias. Em Lidoeste, outro acampamento com 150

famílias foi estabelecido.

O MST passou a ter nove acampamentos no oeste do estado, sendo quatro no

complexo Cajati e outros cinco no entorno de Cascavel. Desta forma o MST pressionou as

vistorias das áreas na região pelo INCRA.

O Acampamento 1º de Agosto passou a ser um ponto estratégico na construção da

organicidade. No espaço do acampamento foi se consolidando várias formas de organicidade

que fortaleceu o avanço ideológico e a compreensão da realidade na qual os acampados

faziam parte, despertado o sujeito político em cada membro envolvendo na luta pela terra. Esse debate passa, necessariamente, por uma compreensão de como estamos formando as pessoas que chegam ou que são trazidos para nosso Movimento, na perspectiva de desconstruir um “vício cultural” e reconstruir novos valores, re-significando a vida dessas pessoas. Aqui é possível pensar o acúmulo de forças para mais do que números, mas de qualidade/capacidade de intervenção política de quem já está no MST (MISNEROVICZ, 2007, p.1).

As famílias percebiam como a força coletiva e organizada faz a diferença na luta, o

que era antes separado pela lógica do egoísmo individual davam lugar a valores humanistas e

culturais.

2.4 A ofensiva dos latifundiários e o caso Syngenta

Como foi antecipado pelo MST, começou o acirramento da conflitualidade entre o

agronegócio e o campesinato pelo fato dos sem-terra ocuparem uma área grande no coração

do território dominado pelos ruralistas. O fato da criação do Acampamento de 1º de Agosto

teve uma grande repercussão entre eles. Até então os acampamentos que tinham em Cascavel

não representavam perigo aos latifundiários, pois eram um numero pequeno e facilemente

reprimido pelos fazendeiros. Agora os sem-terra estavam ocupando, em grande número

combatendo o cerne do agronegócio. As sementes cajati eram um símbolo para exportação, e

por ocupar uma das melhores terras do Paraná, o acampamento passou a ser vigiado dia e

noite por milícias, a unidade P2 da Policia Militar e os próprios PMs que assim mostraram a

preocupação da elite local com a presença do MST. A Figura 3 ilustra a polícia fazendo sua

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observação diária como parte do plantão que foi mantido por cinco meses no Acampamento

1º de Agosto.

Figura 3: Observação policial do Acampamento 1º de Agosto

Fonte: Jornal O Paraná (MST, 2004-2008).

Por ser um território em disputa, começavam pela mídia os ataques difamando o

movimento, fazendo acusações de que os sem-terra estavam destruindo o meio ambiente e

poluindo as águas do local ocupado. Durante a ocupação, o presidente do SRO, Alessandro

Meneguel, começou uma campanha contra o MST, todos os dias na radio Capital FM.

Chamou os fazendeiros a se armar e expulsar os sem-terra.

Grandes proprietários de terras, a família Meneguel, é bastante conhecida pelo seu

coronelismo no norte e oeste do Paraná. Alessandro tem fama de ser violento e assumiu o

papel truculento na fundação do MPR, criado para combater os movimentos sociais. Vale

ressaltar que famílias como as de Lupion e Meneguel sempre foram vistas pelos camponeses

por seus ataques contra a classe trabalhadora.

A vigilância das forças públicas de segurança e o uso da mídia para pronunciar

perspectivas particulares assim são sinais da colusão entre os interesses de classe dos

ruralistas e estadistas. Segundo Fernandes (2004), esta cumplicidade se forma na lógica do

modelo de desenvolvimento capitalista: A apologia ao agronegócio, realizada pela mídia, pelas empresas e pelo Estado, é uma forma de criar uma espécie de blindagem desse modelo, procurando invisibilizar sua conflitualidade. O agronegócio procura representar a imagem da produtividade, da geração de riquezas para o país.

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Desse modo, aparece como espaço produtivo por excelência, cuja supremacia não pode ser ameaçada pela ocupação da terra. Se o território do latifúndio pode ser desapropriado para a implantação de projetos de reforma agrária, o território do agronegócio apresenta-se como sagrado, que não pode ser violado (FERNANDES, 2004, p.38).

A concentração de terra e das riquezas está sempre na mão do capital, onde na maioria

das vezes, os camponeses são expropriados, presos, assassinados por interesse do capital pela

terra e pela riqueza.

Em julho de 2006, por exemplo, os participantes de uma “Jornada de Educação”

foram atacados por um grupo de fazendeiros, apoiados pela milícia contratada pelo MPR. Os

movimentos sociais tinham organizado como parte da jornada uma marcha até o campo

experimental da Syngenta Seeds.1

1 A Syngenta é uma das empresas líder mundial na área de agribusness, comprometida com a pesquisa de agroquímicos e melhoramento de sementes precoces e trangênicas. A companhia é uma das lideres em proteção de cultivos e ocupa a terceira posição no ranking do mercado de Sementes de alto valor agregado. As vendas em 2006 foram de aproximadamente us$ 8,1 bilhões. A empresa emprega cerca de 19,5 mil pessoas em mais de 90 paises. A Syngenta está listada nas bolsas de valores da Suíça (SYNN) e de Nova York (SYT).

Desde então, a Via Campesina exigia que o campo

experimental da transnacional Syngenta, localizada em Santa Teresa do Oeste (PR), seja

desapropriado, uma vez que promove o cultivo ilegal de sementes transgênicas dentro da

zona de amortecimento do parque nacional do Iguaçu. Com a jornada, pretendiam plantar

árvores para chamar atenção à contradição de ter num parque ecológico um laboratório de

sementes transgênicas. Mas, os participantes foram barrados pelos ruralistas. De fato,

atacaram os manifestantes com o intuito de fortalecer a propriedade privada. Vejamos nas

próximas duas imagens o conflito na BR 277, onde os integrantes do MPR confrontaram a

manifestação.

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Figura 4 - Confronto entre o MPR e MST na Jornada de Educação em Cascavel Paraná

Fonte: Jornal O Paraná (MST, 2004-2008).

Figura 5 - Confronto entre o MPR e MST na Jornada de Educação em Cascavel Paraná

Fonte: Jornal O Paraná (MST, 2004-2008).

A Figura 4 retrata o episodio onde o MPR tentou barrar a passagem dos participantes

da jornada com o bloqueio da rodovia por caminhões. Na Figura 5 os manifestantes

continuam sua marcha pela rodovia a pé quando são atacados por latifundiários e seguranças

com pedaços de madeiras e barras de ferros.

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A seguir, o jornal Gazeta do Povo de 1 de dezembro de 2006 publicou uma

reportagem sobre o enfrentamento envolvendo os sem terra e os latifundiários: O presidente da Sociedade Rural do Oeste (SRO), Alessandro Meneghel, comandou os ruralistas que, de mãos dadas e portando pedaços de paus, fizeram uma barreira humana na rodovia. Do outro lado, estavam várias lideranças do Movimento Sem-Terra (MST), como Roberto Baggio, e o advogado da ONG Terra de Direito, Darci Frigo. O ato dos ruralistas não intimidou os sem-terra, que estavam em maioria – cerca de 600, segundo a PRF. Depois de uma tentativa frustrada de desvio, eles saíram dos ônibus e decidiram avançar sobre o bloqueio dos fazendeiros. Alguns agricultores usaram até cavalos para atacar e se defender dos sem-terra, que por sua vez revidaram com socos e pontapés. Uma das brigas envolveu o presidente da SRO e um dos líderes regionais do MST, Keno de Oliveira, que levou um soco na testa. Tanto a SRO quanto o MST informaram que prestariam queixa por agressão na Polícia Civil em Cascavel. Para Oliveira, o incidente mostra a postura que os ruralistas da região tomaram em relação à questão agrária. “Os fazendeiros usaram da agressão e da violência. São sinais claro que eles não querem a reforma agrária.” Ele crê que o ato pode aumentar a tensão agrária no Oeste, onde vivem mais de 2 mil famílias acampadas. Já o presidente da SRO deu um recado aos sem-terra. “Não vamos ficar calados diante das ameaças de invasões de terra na nossa região. Vamos cobrar as reintegrações do governo e se isso não acontecer os ruralistas vão fazer por conta própria” (PORTELA, 2006.).

Esta postura agressiva é a maneira que Alessandro Meneghel tem adotado para

combater os camponeses. As milícias contratadas para perseguir os sem terras e fazer

despejos irregulares e violentos; usam a força de brutalidade e pistolagem para tirar os sem

terras das áreas. Exemplo é o despejo violento de 60 famílias do MLST em abril de 2007,

ocorrido na Fazenda Gasparetto, em Lindoeste, que deixou vários feridos. A atuação da NF

Segurança, contratada pelo SRO, se repetiu, quando em maio de 2008, 150 famílias do MLST

foram violentamente despejadas de seu Acampamento Primeiros Passos, localizado na

Rodovia BR 369, entre os municípios de Cascavel e Corbélia.

Neste caso, a milícia supostamente utilizou um caminhão blindado. Os movimentos

deram o nome de “Caveirão do Agronegócio” ao veiculo (Figura 6) em alusão ao carro-forte

utilizado pela polícia nas favelas do Rio de Janeiro. Vejamos uma imagem do caveirão

recolhido pela polícia militar de Cascavel.

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Figura 6 – Caveirão do Agronegócio

Fonte: http://www.direitos.org.br

A ofensiva por parte dos latifundiários fica transparente no caso do confronto entre a

Via Campesina e a Syngenta Seeds. Em 1998, esta empresa suíça construiu um centro

experimental, com área de 127 hectares, na cidade de Santa Tereza do Oeste, a 6 km do

Parque Nacional do Iguaçu. Com a Jornada de Educação em 2006, a Via Campesina e o MST

começaram sua campanha contra a transnacional. Na época, a empresa estava utilizando o

centro experimental começou a modificar geneticamente as sementes de soja e milho

ameaçando a ecologia da zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu. Tais

desenvolvimentos preocupavam cientistas como o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira,

que escreveu:

As sementes são patrimônio da humanidade e não pode estar na mão das empresas e sim a serviço da humanidade primeiro tem que se respeitar a natureza e as culturas dos povos. As sementes não podem ser privatizadas e nem contaminadas; estão acabando com a diversidade das sementes crioulas (OLIVEIRA, 2007).

O caso levou o IBAMA a investigar a multinacional com base na Lei de

Biossegurança por desrespeitar a legislação ambiental, o Plano de Manejo do Parque e os

direitos dos povos indígenas. Assim, a empresa foi acusada de cometer uma série de crimes

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ambientais, realizando seus experimentos com soja e milho e fazendo plantio de sementes

transgênicas. Em março de 2006, o IBAMA multou-a no valor de R$1 milhão.

Segundo um integrante da Via Campesina – Jonas - para denunciar os crimes

cometidos pela Syngenta, os militantes da Via Campesina ocuparam a estação experimental,

no dia 14 de março, durante a realização da Convenção de Biodiversidade Biológica

(COP/MOP) em Curitiba Brasil. A ocupação do Campo Experimental teve ampla repercussão

e apoio internacional, inclusive com a organização de uma visita de ambientalistas de mais de

15 países à área ocupada, durante a Convenção (BATISTA, 2007).

A ocupação teve a participação de 450 famílias ligadas a Via Campesina e MST. O

ato resultou na criação do Acampamento Terra Livre com 80 famílias. Permaneceram na área

até novembro de 2006, quando o estado do Paraná cumpriu a liminar de reintegração de posse

expedida pela Justiça Estadual de Cascavel. As famílias mudaram o acampamento para a

beira da rodovia que liga Cascavel a Capitão Leônidas Marques, permanecendo acampadas

na frente da multinacional.

No dia 18 de julho de 2007, após 16 meses de resistência camponesa, o governador do

Paraná, Roberto Requião (PMDB), desapropriou o campo experimental. Atendendo a

reivindicação dos camponeses, o governador propôs criação de um Centro de Agroecologia, e

as famílias retornaram ao local. Mas a fazenda foi liberada por apenas três meses quando o

poder judiciário anulou o decreto de desapropriação e cobrou uma multa diária de R$ 50 mil

a Requião caso a reintegração não fosse cumprida.

Sem a necessidade de empregar força policial, o local foi deixado pelos sem-terra,

cumprindo a ordem judicial. As famílias se deslocaram para o Assentamento Olga Benário,

ao lado da Syngenta.

No dia 21 de outubro de 2007, cerca de 350 trabalhadores da Via Campesina

reocuparam a Fazenda Experimental após rumores de que a Syngenta retomaria os

experimentos ilegais, o que exporia as lavouras tradicionais próximas ao parque ao perigo da

contaminação por transgênicos. Além disso, a Syngenta ainda não havia pago a multa

aplicada pelo IBAMA.

De acordo com Jonas, integrante da Via Campesina, a ocupação aconteceu por volta

das 6 horas da manha. O grupo se dividiu em três: uma parte começava a adentrar na área

pelos fundos da fazenda; outro pela parte que fica ao lado do assentamento e o terceiro grupo

pelo portão principal. Na chegada, os sem terras foram recebidos a bala por dois seguranças

que estavam num carro modelo Gol, branco, ao perceber que estavam cercados. Os mesmos

jogaram o carro encima dos manifestantes para forçar sua saída. Os demais seguranças da NF

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- aproximadamente 8 homens – se renderam com a presença dos camponeses. Foram

encontradas armas no local (BATISTA, 2007).

Às 7 horas da manha, chegaram mais dois seguranças para a troca de turno. Ao se

deparar com a presença dos camponeses, eles saíram de carro com armas em punho. Os

camponeses foram cercando os dois ao tentar os desarmar. Mas, um deles disparou sua arma

e atingiu um dos integrantes da Via Campesina. Os camponeses encaminharam

imediatamente para o hospital o ferido. Também acionaram a polícia para vir buscar as armas

e os seguranças.

Por volta das 8 horas da manhã, voltou no local o carro com o chefe do grupo de

armas em punho e ameaçam os integrantes da Via que iam voltar com força e matar todos os

camponeses. Eles saíram no carro e aproximaram uma viatura da policia militar. Os

seguranças particulares ficaram ao lado dos policias distante do local, mas visíveis. Logo

depois, os militantes resolvem soltar os seguranças. Os mandaram embora em um carro deles.

O grupo juntou-se com o carro da policia e o outro carro que estava com o chefe dos

seguranças. Ficaram um pouco no local e logo foram embora. Os policiais chamados no local

para buscar as armas nunca compareceram.

Por volta das 12 horas e 45 minutos voltou ao local um carro de quatro portas com

homens pesadamente armados. Com as portas abertas, atacaram atirando na guarita do portão

da Syngenta, onde se encontravam 16 pessoas desarmadas, inclusive mulheres e crianças.

Logo em seguida, encostou um ônibus com mais de 40 homens fortemente armados e

vestidos com uniforme da empresa “NF Segurança.” Invadiram a área e dispararam contra os

trabalhadores.

Neste ataque, balearem Valmir Mota, o “Keno,” com um tiro na perna; logo depois, o

executaram a queima roupa com um tiro no peito. A milícia tentou ainda executar a

trabalhadora Isabel do Nascimento de Souza com um tiro na cabeça. Este atentado resultou

em um ferido grave que a causou perder um de seus olhos e a mobilidade da parte esquerda

de seu corpo.

Outros seis trabalhadores saíram feridos e um segurança foi morto por integrantes da

própria milícia que atiravam desordenadamente, conforme indicou a polícia. A “NF

Segurança” atuava de forma irregular naquela região, articulada com a SRO e o MPR,

representantes dos latifundiários locais.

A Via Campesina exigiu punição dos responsáveis pelos crimes, principalmente os

mandantes, a desarticulação da milícia armada na região e o fechamento imediato da empresa

de segurança NF. A preocupação foi também de garantir segurança e proteção a vida de

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outros dirigentes, alvos preferenciais do ataque, bem como de todos os trabalhadores da Via

Campesina e MST na região. Os militantes da Via produziram um vídeo para denunciar a

atuação da multinacional em conjunto com as milícias criadas pelos latifundiários da região

(MST, 2008).

Uma ação penal foi instaurada em decorrência dos crimes cometidos contra os

trabalhadores e trabalhadoras rurais pelos jagunços da empresa NF Segurança. Nenhuma

pessoa da transnacional Syngenta foi denunciada, assim como nenhum mandante. Apenas o

proprietário da NF segurança e nove pistoleiros foram denunciados pelos crimes cometidos.

Inesperadamente, o Ministério Público do Paraná denunciou oito integrantes do MST

pelo assassinato do segurança, do próprio Keno e por lesões corporais cometidas pelos

pistoleiros da NF Segurança contra os trabalhadores. Segundo Gisele, advogada da Terra de

Direito que acompanha o caso, o MP mantém que os trabalhadores, ao realizarem a ocupação,

assumiram o risco de serem vítimas de reação armada da Syngenta e por esse motivo devem

responder criminalmente pela violência que sofreram (BATISTA, 2007).

Os latifundiários já tinham ameaçado de morte Valmir Mota, bem como de outras

lideranças locais do MST. “Keno,” como era chamado pelos companheiros do movimento,

foi uma das principais referências das famílias acampadas na luta pela reforma agrária no

Paraná. A atuação dele preocupava os latifundiários com a forma que os sem terras vinham se

organizando e crescendo no oeste do Paraná.

Segundo a liderança Célia Lourenço foi feito junto a Subdivisão de Cascavel no dia

28 de março de 2007 um boletim de ocorrência de telefonema anônimo ameaçando o

assassinato da própria Célia, Celso Ribeiro Barbosa e Keno. De acordo com o boletim, a

pessoa que fez o alerta dizia que os três trabalhadores deveriam tomar cuidados porque a

ameaça feita abertamente nos meios de comunicação local por parte do presidente da SRO

era permanente (BATISTA, 2007).

O assassinato de Valmir Mota “Keno” no centro experimental Syngenta chama a

atenção pelo fato da multinacional contratar milícia para execução de trabalhadores. A

reflexão do camponês Aridez é oportuna para a compreensão do significado do crime em

Santa Tereza do Oeste: Todos os poderes da Syngenta e do agronegócio criaram uma “santa” aliança para exorcizar/derrotar o espectro. A imprensa, a Sociedade Rural, o Movimento dos Produtores Rurais, Syngenta, os radicais políticos de direita e os truculentos seguranças e espiões da NF Segura. O MST e a Via Campesina já foram reconhecidos por todos os poderes – o judiciário, a imprensa, o agronegócio, o estado – como sendo ele próprio um poder. Já é

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hora do sem terra/socialista da Via Campesina abertamente debaterem, estudarem, organizarem os trabalhadores, e consolidar o programa agrário, publicar suas opiniões em defesa da reforma agrária com suas metas para “enfrentar este conto de fadas do espectro” do MST/Via Campesina com ações concretas da própria organização. Por tanto estamos aqui para avaliarmos e esboçarmos o planejamento dos próximos períodos de luta permanente (BATISTA, 2007).

Esta foi à fala do militante Aridez, no dia 19 de novembro de 2007. Em avaliação da

brigada sobre o Acampamento Terra Livre. Este acampamento significava para os

camponeses um marco de resistência contra as sementes geneticamente modificadas, para

tanto que os camponeses ocuparam a área três vezes.

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CAPÍTULO III

A TERRITORIALIZAÇÃO DA CONQUISTA DA TERRA CAMPONESA

Com base nos acontecimentos no oeste paranaense, o aumento da conflitualidade

gerada pela ofensiva dos latifundiários e a falta de conquista na obtenção de terras na região

pelo INCRA, fez com que o movimento buscasse alternativas para resolver a questão da terra

e não desestimular a luta das famílias na perspectiva da conquista de seu pedaço de terra.

Enquanto os latifundiários estavam preocupados com a atuação do MST no oeste do

estado, o INCRA desapropriava algumas áreas no norte, descentralizando o conflito. Com

muitas áreas vistoriadas no norte e algumas de repente com decreto de desapropriação para

fins de reforma agrária, o MST também redirecionou seu olhar da luta pela terra no estado. O

movimento aproveitou a oportunidade para espacializar-se para outra parte do estado, tendo

em vista que a região norte também tem influência grande na política do estado e no cenário

nacional.

Até hoje em dia, o agronegócio é responsável pela expansão da monocultura de cana

de açúcar na região norte. Na perspectiva do MST, o plantio da cana é a nova face do

processo da concentração das terras para a manutenção do latifúndio. Neste contexto, o MST

resolveu deslocar algumas famílias do Acampamento 1º de Agosto para o norte do estado

com intuito de conquistar algumas áreas para estabelecer assentamentos e construir através da

sua forma organizativa um novo pólo de luta e resistência das famílias camponesas da região.

Estas atividades representavam à espacialização dos movimentos socioterritoriais em

acampamentos, na busca da territorialização camponesa através da criação de assentamentos

de reforma agrária. O Mapa 2 representa os resultados deste processo durante o período de

nosso estudo. Enquanto a importância da conjuntura geral não podia ser negada, muito

dependia na organicidade das famílias do movimento, sendo um fator que o MST podia

controlar muito mais que o contexto histórico.

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Apesar da centralidade da organicidade para a espacialização do MST, ela é pouco

estudada, talvez, por ser uma preocupação interna de um dos movimentos socioterritoriais.

Segundo as estatísticas do NERA - Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma

Agrária -, o MST passou ser responsável pela grande maioria das ocupações no Brasil no

início do século XXI. Das 583.170 famílias mobilizadas de 2000 a 2007, 376.214 foram

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vinculadas ao MST; dos 3.996 ocupações promovidas durante o período, 2.183 foram

organizadas pelo MST. Ou seja, 65 % das famílias e 55 % das ocupações eram do MST

(FERNANDES et al, 2008, p.29-30). O Mapa 2 também demonstra esta tendência de

predominância do MST.

Certamente não seriam alcançados números tão grandes sem preocupar com a

organização da atividade e a organização não se faz no contexto do MST, sem dar atenção à

organicidade. Por sua vez, a organicidade depende não apenas em questões de organização

estrutural, como abordadas no Capítulo 2, mas também em questões de formação de classe. A

obra do historiador inglês Edward P. Thompson, interpretada para os militantes do

movimento por Welch (2009), descreve como classe é “um fenômeno histórico”:

[...] para Thompson, “classe acontece” quando um grupo vem entender que seus interesses são diferentes que os de outro grupo. O grupo tem que ter consciência de sua identidade particular para merecer o nome classe. Assim, como é feito no calor da luta, a formação classista pode desfazer-se em outro momento histórico (p. 52).

Na luta pela terra, conflito não faz falta. No MST, contudo, têm correntes

diferenciados em seu entendimento da identidade dos participantes do movimento a ser

organizados. Para alguns, é a classe trabalhadora que enche os acampamentos, para outros é a

classe camponesa. De fato, as identidades diferentes fazem parte do trabalho da burguesia

que quer ver as classes subalternas divididas e fragmentadas para melhor dominá-las. A tarefa

maior do movimento, o que anima a questão da organicidade, é o desafio de superar as

divisões instigadas pela classe dominante e formar dos homens e mulheres recrutados, dos

acampados e assentados, uma identidade só.

Neste contexto, vamos entender melhor o conceito de camponês com as observações

da geógrafa Marta Inez Marques (2008): Entendemos o campesinato como uma classe social e não apenas como um setor da economia, uma forma de organização da produção ou um modo de vida. Enquanto o campo brasileiro tiver a marca da extrema desigualdade social e a figura do latifúndio se mantiver no centro do poder político e econômico - esteja ele associado ou não ao capital industrial e financeiro -, o campesinato permanece como conceito-chave para decifrar os processos sociais e políticos que ocorrem neste espaço e suas contradições. Portanto, defendemos a atualidade deste conceito, cuja densidade histórica nos remete a um passado de lutas no campo e ao futuro como possibilidade (p.58-59).

Para compreensão deste fato é oportuno a reflexão de Marques (2008) sobre a

resistência destas famílias diante o modelo capitalista.

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A luta pela terra hoje existente no país constitui, de um modo geral, mais um capítulo da história do campesinato brasileiro, movido pelo conflito entre a territorialidade capitalista e a territorialidade camponesa inaugurado com a criação do mercado de terras no Brasil na segunda metade do século XIX. Mas as novidades dessa luta na atualidade são muitas, a começar pelo processo de recampesinização da família sem-terra que se dá com o assentamento destas (p,65).

Assim, o processo histórico-geográfico da luta pela terra passa pelo tempo e passa

pelo espaço. A conflitualidade gera condições que revelam os interesses opostos dos grupos

envolvidos. A definição dos interesses passa pelo filtro da experiência e forma a consciência

de uma identidade comum entre os sem-terra que, na atualidade, chama-se de campesinato. A

identidade camponesa em si traz com ela “malas cheias” de história, valores, tradições e

possibilidades para construir modos alternativos de viver. O campesinato, muitas vezes, se

descobre nos acampamentos no processo de espacialização, se encontra nos assentamentos no

processo de territorialização. No assentamento, o campesinato é recriado em novas condições

Hoje, frente aos intensos processos de exclusão social provocados pelas políticas

neoliberais, é urgente pensar os espaços e os territórios como forma de compreender melhor

estes processos históricos e geográficos. As formações geográficas são, igualmente, os

movimentos históricos de relações sociais (SANTOS, 1988). Acreditamos que o conceito de

conflitualidade ajuda compreender espaços e territórios antes não pensados.

Figura 7 – Localizações das famílias estudas no processo de territorialização.

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Através da Figura 7 observamos a espacialização da luta pela terra enfatizada em

nosso estudo pelo foco nos dois pólos do estado. O mapa representa as duas mesorregiões do

oeste e do norte-pioneiro. Em 20 de agosto de 2008, foram deslocadas 113 famílias de

Cascavel, no pólo oeste, para Jacarezinho, no pólo norte. Como estratégia de ampliar a

pressão a favor da reforma agrária e fortalecer a resistência camponesa foram enviadas mais

famílias para dar um salto na organicidade do movimento no norte paranaense. O restante do

capítulo analisa a luta recente pela territorialização camponesa em Cascavel e Jacarezinho.

3.1 Assentamento Valmir Mota

Em 2008, a direção da Brigada Teixeirinha em conjunto com a direção estadual do

MST discutiram a situação das famílias acampadas em Cascavel. Em todo governo Lula, o

INCRA conseguiu comprar uma única área em Cascavel. Por causa da demora e falta de

perspectivas para sair mais assentamentos, foi considerado propício o remanejamento de

algumas famílias para outra região. A remoção destas famílias significava qualificar a luta em

determinados espaços. De fato, neste período, ainda estavam acampadas só no complexo

Cajati cerca de 900 famílias.

A área comprada pelo INCRA estava localizada no complexo Cajati. Denominada

“Neto,” a área comportaria só 108 famílias segundo os planos em elaboração pelo movimento

e INCRA. A ideia fosse que a área seja um espaço de resistência camponesa com sua base

voltada a agroecologia. Assim, cada família tocaria aproximadamente dois alqueires e meio.

Houve um consenso na brigada sobre este plano.

Foi neste contexto que o movimento resolveu mandar 113 famílias para Jacarezinho.

Ao analisarmos o Mapa 3 podemos conferir o resultado da resistência e da luta dos

camponeses durante os anos de 1988 a 2009. Na medida em que a conflitualidade vai

aumentando, o estado responde com a criação de assentamentos como forma de amenizar os

conflitos. O assentamento é a consolidação da reterritorialização destes camponeses que

através de costumes e valores diferentes do capital buscam se fixar na terra. E a fonte de sua

existência enquanto classe.

Já em 2009, o Acampamento 1º de Agosto deslocou mais 130 famílias para Londrina

para serem assentadas no Assentamento Eli Vive. Em 2010, deslocou mais 50 famílias para o

Assentamento Eli VIVE, com o intuito de ajudar resolver questões das famílias no processo

de assentamento, qualificando a luta dos camponeses. Também em 2010, foi lançado o

projeto de assentamento em Cascavel com o nome de Assentamento Valmir Mota de Oliveira

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em homenagem ao lutador assassinado em 2007. Até a conclusão desta monografia, o

Assentamento Valmir Mota ainda estava sendo implantado.

3.2 Assentamento Companheiro Keno

Entre 2006 e 2007, cerca de 250 famílias do MST estavam acampadas a beira da

estrada municipal 642, próximo Fazenda Itapema na área rural do município de Jacarezinho,

PR. Durante o período que as famílias tiveram acampadas, passaram diversas dificuldades

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proporcionadas pelas condições sub-humanas de moradia. Sofreram a falta de água e comida,

um calor feroz, e o transito passava muito próximo aos barracos (BATISTA,2008.).

A Figura 8 retrata as condições das famílias acampadas a beira da estrada, tendo que

dividir o espaço com a cerca do latifúndio e os carros na estrada.

Figura-8: Acampamento na beira da estrada.

Fonte: MST, 2007.

Boa parte destas famílias eram oriundas de outros movimentos. Vale ressaltar que na

região norte a luta pela terra era tratada por outros vieses. A luta estava ligada a alguma

“figuras” que usavam o povo como instrumento de manobra. Essas “figuras” reuniam as

pessoas e prometiam resultados que não podiam garantir. Aproveitaram, por exemplo, os

pagamentos do estado para cestas básicas, ganhando dinheiro do subsídio. Ao perceber que

este tipo de movimento não apresentava risco a propriedade privada, alguns latifundiários

cooptavam as lideranças. As famílias passavam por vários despejos, aprendendo a

desacreditar na luta perante a sociedade (BATISTA, 2008).

Mas, com a chegada do MST na região em 2005, mudou a situação. O trabalho de

base foi feito nas pequenas cidades da região e o número de pessoas que ocupavam fazendas

aumentou em 2006, chegando a ter 350 famílias acampadas somente em Jacarezinho. Entre

2007 e 2008, o INCRA declarou a criação de duas áreas em Jacarezinho, desapropriando

fazendas por “interesse social.” Em 22 de novembro de 2007 foi a vez da Fazenda Cambara e

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em 18 de janeiro de 2008 foi a Fazenda Itapema, uma área de 793 hectares da propriedade de

Roberto Barros. Oficialmente, os decretos disseram: O presidente da Republica, no uso das atribuições que lhe conferem os art. 84, inciso IV, e 184 da Constituição, e nos termos dos art. 2o da Lei Complementar no 76, de 6 de julho de 1993, 18 e 20 da Lei no 4.504, de 30 de novembro de 1964, e 2o da Lei no8.629, de 25 de fevereiro de 1993 decreta [...].

O MST reivindicava as fazendas para assentar as famílias acampadas na região. Após

o decreto das áreas, as 100 famílias que aguardavam a emissão da posse das duas áreas na

beira da estrada resolverem ocupar as áreas e dividiram, eles mesmos, de modo provisório, as

casas, estruturas e terras das fazendas entre as famílias (BATISTA, 2011).

A situação histórica e geográfica criou confusão entre as famílias. No primeiro lugar,

o acampamento de onde saíram as famílias para as duas áreas não foi consolidado pela

organicidade do MST quando o assentamento foi declarado. Parte das famílias pertenceram a

uma brigada que tinha um raio de atuação de mais que 120 km; outra parte estava aliada a

“figuras” distante da organização e comprometidos com os latifundiários. A divisão do

assentamento em dois centros de duas fazendas, separadas por 3 km de pasto, bosque e

plantio, adicionou o isolamento aos desencontros dos dois grupos.

Para superar as divisões, o MST estadual organizou uma assembléia 750 militantes

para discutir a situação. Em conseqüência das decisões lá tomadas, um grupo de 12 pessoas

foi expulso do assentamento-em-formação por usar sem autorização o nome do movimento e

cometer ações contrárias ao caráter da luta pela terra. Com isso os militantes discutiram a

vinda de novas famílias para Jacarezinho a fins de renovar a organicidade das famílias sendo

assentadas e aumentar a pressão para a criação de mais assentamentos na região.

Foi neste contexto local que as 113 famílias já mencionadas foram deslocadas de

Cascavel para Jacarezinho no dia 20 de agosto de 2008. Entre as famílias, tiveram várias com

mais de sete anos acampadas na esperança de conquistar um lote.

Compreendendo que a luta pela terra tem vários entraves, e a falta de conquista faz

com que algumas famílias acabem desistindo, há a necessidade de fortalecer a organicidade

das famílias que já estavam na área sem produzir. E a falta de agilidade nos processos que

garantiam a posse da área obrigou as famílias a se fortalecerem mais para a conquista da tão

sonhada terra.

Para isso houve a necessidade de fazer do acampamento um espaço familiar com

melhores condições para se viver neste local. Assim, os militantes cumprem uma função

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fundamental junto as famílias que é a de provocar o debate com as pessoas acampadas em

relação a forma organizativa de como ir construindo a organicidade da comunidade. Este

processo organizativo dos militantes formam novos quadros dentro da organização de massa.

Vejamos o que Misnerovicz (2007) nos relata sobre os militantes:

Na organicidade do início do acampamento, os militantes da Frente de Massa contribuem numa tarefa grandiosa, pois ali é o momento fértil para implementar a nova organicidade. Tudo o que for feito no acampamento, e se for bem feito, terá consistência nos assentamentos. Portanto, se utilizarmos o método correto, teremos um acampamento que acumulará forças para a organização e forjarão novos militantes. Caso contrário o acampamento poderá tornar um problema que seria melhor ele não ter existido (p15).

Neste intuito com a vinda destas famílias várias militantes que foram forjados no

processo da luta, oriundas do Acampamento 1º de Agosto, vieram para contribuir e ajudar dar

qualidade para o futuro assentamento. Segundo Ramo Claudemir Brizola, um dos dirigentes

políticos do acampamento da época que foi entrevistado pelo autor, foi constituído uma

direção local e coordenação do acampamento. Para chegar neste ponto, tiveram que debater

com as famílias a importância da organicidade e começar o processo de formação do

acampamento. Montaram as estruturas organizativas necessárias para as famílias discutiram

coletivamente várias questões.

Uma delas foi a questão do nome do acampamento. Pelo fato de que boa parte das

famílias vieram de Cascavel e assim conhecerem a historia do militante Keno. Optaram por

homenagear-lo e assim reforçar a questão da importância da luta pela terra. Deram o

acampamento o nome de Valmir Mota de Oliveira, que só mais tarde teria que mudar de

nome para Companheiro Keno.

Outro desafio inicial foi a questão da educação. A distância de 3 quilômetros de uma

sede de fazenda para a outra possibilitou uma solução coletiva na construção de uma única

escola. Neste contexto, em 2008, com a doação dos materiais pela prefeitura municipal de

Jacarezinho, a escola itinerante do pré-assentamento foi construída com o trabalho coletivo

de 190 famílias sem-terra (Figuras 9 e 10).

Uma vez construída, a escola levou o nome de Valmir Mota, pois o militante

homenageado foi um dos que mais acreditava na pedagogia do movimento. Ele esteve sempre

presente nas discussões entorno da educação nos espaços e territórios do MST.

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Figura 9: Construção coletiva da escola em 2008.

Crédito: Junior Batista.

Figura 10: Estrutura da escola em 2010.

Crédito: Junior Batista.

Desde outubro de 2008, a escola vem buscando desenvolver um trabalho educativo

que atenda as necessidades destas famílias de acordo com os anseios e perspectivas das

mesmas, articulada a concepção de Educação do Campo do MST.

O ano letivo de 2009 trouxe desafios para o pré-assentamento, em especial ao coletivo

da escola, que ampliou o curso de Ensino Fundamental dos anos iniciais para incorporar os

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anos finais, também. Esta ampliação trouxe desafios como a integração de professores novos

que vinham da cidade, alheios a experiência cultural da luta pela terra e o método da

pedagogia da terra, necessitando um trabalho de conscientização destes sobre a realidade da

escola e a proposta política e pedagógica que ela se vincula.

Outro desafio neste ano, foi a campanha para as famílias participarem da Educação de

Jovens e Adultos, desde a alfabetização ao Ensino Médio, que possibilitou o acesso ao estudo

de acordo com as necessidades dos acampados. Mas as questões não impediram que

continuassem as atividades regulares de educação.

Figura 11: Tempo formatura em 2010.

Crédito: Junior Batista.

Na Figura 11, a primeira classe da escola se organiza para o Tempo Formatura - o

momento especial de fim de curso quando os educandos são encorajados a buscarem na

mística e na confraternização seus sonhos e reflexões sobre a sua luta por uma sociedade

mais justa e humana.

Para lidar melhor com todos os desafios colocados perante a escola, firmou-se em

2010 a organização de um coletivo de professores e educadores com o compromisso de

desenvolver e qualificar o processo educativo em todas as frentes. Na expectativa das

famílias pela terra, a escola continua seu trabalho de forma a contribuir coma formação das

crianças, jovens e adultos do acampamento. Buscando assim inserir conforme as condições

permitidas a comunidade na avaliação e desenvolvimento da mesma. Entre os desafios

postos, a implantação do Ensino Médio também apresenta muitas perspectivas para escola.

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Hoje dispõe dos seguintes espaços: cinco salas de aulas, um refeitório com cozinha,

um quadro e uma secretaria. Este espaço ainda é pequeno para o número de alunos e a

diversidade etária deles. Faltam salas de aula, portanto é utilizada uma das casas da fazenda

para aulas e outras atividades, quando necessário. Há previsão de ampliação deste espaço,

porém faltam recursos necessários para efetivação do mesmo. Com o fechamento de uma

escola estadual em Jacarezinho, contudo, a escola do pré-assentamento Valmir Mota recebeu

doação de equipamentos móveis, para a cozinha, a refeitório, a biblioteca, sala de informática

e salas aulas. Doação essa que vai ajudar muito na qualificação adicional de algumas ações da

escola. No espaço da Secretaria (Figura 12), fica a documentação da escola e a placa com o

nome e foto do Valmir Mota de Oliveira, placa feita por educandos da escola.

Figura-12: Secretaria da escola em 2011.

Crédito: Clifford Andrew Welch.

A estrutura orgânica do acampamento vai se consolidando, mas vai aparecendo outros

problemas como a demora do INCRA em emitir a posse das áreas. Com isso, vai aumentando

a angústia das famílias. Os acampados que compõe o acampamento, são famílias que

passaram por várias situações, tanto de despejo como mudanças de região por falta de

conquista de áreas. Assim existem pessoas com oito a doze anos de vida nos barracos de lona

preta.

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A primeira precaução foi de tirar um arrendatário que estava plantando cana na

Fazenda Cambara desde 1999 sem autorização. A área foi decretada em 2007, e este

arrendatário andou intimidando as famílias. De acordo com Brizola (2011), o arrendatário

criva o terror entre as famílias: “Criou liminar de despejo falso, com intuito de ficar

plantando cana-de-açúcar na área sem pagar nada para o proprietário. Ele também tentou

plantar na Fazenda Itapema, agora com autorização do proprietário, em um jogo para

questionar a improdutividade da fazenda, tanto faz o decreto do INCRA.”

Segundo Brizola, as famílias perceberam que retirando este individuo da terra,

facilitavam as negociações. Era proibido entrar na área, as famílias chamaram para uma

reunião o fazendeiro, proprietário da área, Milton Paschalino, para o convencer que aceitasse

a proposta do INCRA. Para Ademar, um dos dirigentes, esta foi uma das saídas que

encontraram para conseguir a área. Milton, com sua família, concordaram na desapropriação

e seu advogado foi acionado para agilizar o processo junto ao INCRA.

Ainda não saiu o assentamento, segundo nossa entrevista com o dirigente do setor de

produção, Ademar Hedt (2011): “O INCRA burocratiza e demora muito para fazer acordo.

Em quanto isso o MST foi vendo outras possibilidades e conforme ia saindo alguma área na

região deslocava algumas famílias que tinha interesse de ser assentada nos locais.” O esforço

da militância junto a coordenação foi importante. Para Hedt (2011), tudo que foi construído

ate o momento é trabalho coletivo, construído a partir da organicidade.

As características da área ocupada começa a mudar. Onde antes só tinha a

monocultura da cana-de-açúcar, passa a ter, inda com uma agricultura rústica por não ter os

aparatos necessários para trabalhar na terra, culturas plantadas que são diversificadas.

Segundo Hedt:

Cada família planta o necessário para seu sustento. Algumas já estão comercializando sua produção tanto vendendo na cidade como entregando para merenda escolar. Este que aproveita o Programa Aquisição de Alimentos para merenda escolar ainda é poucos, pois é dificil garantir os contratos por falta de documentos (2011).

De acordo com Hedt (2011), é necessário construir uma alternativa que envolva toda a

comunidade. Mas o setor de produção esta fazendo formação com as famílias, as preparando

para o assentamento. Já estão construindo uma proposta de como deve ser organizado o

assentamento e seus lotes. Incluindo a produção das famílias, como está a mostra na Figura

13, documenta como algumas culturas desenvolvidas pelos camponeses ainda são plantadas

de forma muito tradicional.

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Figura 13: Consórcio de plantas em 2010, uma forma típica do costume camponês.

Crédito: Junior Batista.

A figura 14 retrata as culturas de quiabo e milho, cada uma com ciclos diferenciados.

O milho foi plantado primeiro, mais tarde o quiabo para aproveitamento do solo e proteção

com cobertura de palhada.

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Figura 14: Plantio de quiabo e milho (2010).

Crédito: Junior Batista.

A Figura 15 mostra o plantio de mandioca. Na palhada do milho, veja o consórcio de

milho e abobora com intuito de devolver alguns nutrientes da terra.

Figura 15: Recuperação do solo com alguns tipos de culturas (2010).

Crédito: Junior Batista.

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Quase todas as famílias no acampamento possuem horta no entorno das suas

moradias para poder complementar sua alimentação. Vejamos na Figura 16 a produção

complementar das famílias, uma política interna desenvolvida entre os acampados.

Figura 16: Horta de uma familia em 2010.

Crédito: Junior Batista.

Em várias partes do país, algumas famílias desistem da luta pela terra dadas as

dificuldades encontradas em permanecer em baixo de uma lona e à demora em conseguir

assentamentos. Mas o pré-assentamento Valmir Mota se tornou um espaço onde as pessoas

migram e acabam voltando. Por isso, moram lá várias pessoas com muitos anos na luta. Por

mais que a ofensiva dos latifundiários é violenta, muitas famílias resistem na perspectiva de

um dia conseguir construir seu mundo a partir de uma reforma agrária do tipo, já em prática

neste acampamento.

A forma de organicidade das famílias no acampamento, em Núcleos de Famílias (feito

de 10 a 12 famílias), Brigadas (composta de 5 Núcleos de Família) e Brigadas de 500 (ou 10

brigadas) faz com que todas as famílias tenham direitos e deveres iguais. Com esta

organicidade, cada um e cada uma deveriam agir com a solidariedade para com todos

(BATISTA, 2008.). Através desta forma estrutural as famílias vão construindo valores que

passam a serem os pontos norteadores na caminhada da luta pela terra.

É desse viver coletivo no acampamento que está em constante conflitualidade com o

latifúndio e o Estado, que facilita de que todas as pessoas sem-terra tomem conhecimento e

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consciência de seus direitos garantidos como povo e como cidadãos pela Constituição Federal

do Brasil (BATISTA, 2008).

Em novembro de 2010, o INCRA finalmente emitiu posse da Fazenda Cambara. Seu

plano é de assentar 53 famílias na área; o MST quer assentar 61 famílias. Como foi previsto

que sairiam as duas áreas para a construção de um único assentamento, os próximos passos

preocupam muito o movimento, já que o INCRA demorou em se manifestar diante das

reclamações do proprietário da fazenda Itapema. O número de famílias na lista de espera já é

maior do que é permitida na área que saiu.

O fazendeiro, proprietário da Fazenda Itapema, argumentou ao juiz que a área dele é

improdutiva porque os sem- terra estavam acampados na frente da fazenda. Ele questionou a

vistoria do INCRA, e o corte deu sentença a sua favor. Segundo Hedt (2011), os entraves que

vão surgindo e a demora para resolver as questões acaba complicando tudo. A situação do processo hoje é que esteja em Brasília para ser resolvido em ultima instancia já que o INCRA perdeu o prazo para recorrer da decisão do juiz. As famílias entraram no caso junto ao INCRA, como terceiro interessado. Colocaram um advogado no caso. Segundo advogado que nos representa o processo esta complicado; vai requerer força e mobilidade das famílias para reverte a situação (HEDT, 2011).

Neste sentido o movimento em discussão com a direção da brigada e direção estadual

com as famílias vão buscando vaga em outras áreas para as famílias que se dispuserem a se

deslocar para outros assentamentos. Uma forma encontrada para resolver a situação que é

assentar as famílias já que a área não comporta a todos.

Cerca de 20 famílias foram ao assentamento Pau-D’alho, no município de Ribeirão do

Pinhal, uma área onde os lotes já estão cortados. Mais nove famílias se deslocaram para o

Assentamento Eli VIVE, próximo a Londrina. Com isso foi discutido em assembléia das

famílias quem seriam as 53 famílias selecionadas para serem assentadas e as demais que

aguentariam no lugar até que sair a Fazenda Itapema. Várias famílias optaram para aguardar

até sair a posse da Fazenda Itapema.

De acordo com Oliveira (2007) as famílias vão segurar “por ter consciência política e

saber que estão fazendo parte de uma organização de âmbito nacional e reconhecimento

internacional, faz com que elas não desistam de lutar pela Reforma Agrária e pelos direitos

fundamentais de sobrevivência.”

Com a demora, a opção de utilizar o nome completou de Valmir Mota já foi embora

com o estabelecimento do assentamento na região de Cascavel. Agora em Jacarezinho, o

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Projeto de Assentamento Companheiro Keno está sendo construído com as famílias

acampadas. Sabendo da burocracia e a demora para consolidar o projeto, as famílias vão

discutindo como deve ser o plano de desenvolvimento do assentamento. De acordo com

Hedt: As famílias já foram avaliadas pelo INCRA e aguardam para que o mesmo inicie o plano de desenvolvimento do assentamento, com a liberação de recursos para as famílias. Um dos pedidos do INCRA, que trocasse o nome do assentamento, pois a área que saiu em Cascavel leva o mesmo nome. As famílias concordaram porque no assentamento em Cascavel mora a família de Valmir Mota. Já que tem a escola que leva o nome do companheiro, o assentamento vai ser Companheiro Keno (2011).

Segundo Hedt (2011) o acampamento vai continuar com o nome de Valmir Mota de

Oliveira. Somente irá mudar o nome com a criação do assentamento. Por mais dificuldade

que se encontrem, as famílias continuam mobilizadas e organizadas na luta por reforma

agrária. E por causa da dramaticidade desta situação sentimos a necessidade de afirmar

alternativas que assegurem um futuro de esperança para a vida, para toda a humanidade e

para a terra. Precisamos passar de uma sociedade capitalista e consumista para uma sociedade

de sustentação de uma vida igualitária e mais humana. E é com esta perspectiva que o MST

vem cada vez mais fortalecendo seu processo de organização em especial da população sem-

terra.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considero que o presente trabalho é oportuno para compreensão e reflexão das formas

de resistência do Movimento Sem Terra na luta pela Reforma Agrária no início do século

XXI no estado do Paraná. Ao estudar as famílias acampadas no período de 2003 a 2010,

elaboramos uma pesquisa sobre a sua organicidade.

Tentamos mostrar como a organicidade é importante como uma forma da resistência

camponesa. No primeiro capítulo, mostramos que na medida em que a conjuntura mudou no

campo obrigou os camponeses buscar nova forma organizativa.

No segundo, analisamos a construção do Acampamento 1º de Agosto para demonstrar

que a ofensiva dos latifundiários fez com que as famílias buscassem na organicidade

elementos para resistir diante da ofensiva, e assim construíram novas formas de luta a partir

da realidade vivenciada.

No terceiro capítulo, mostramos como a preservação da resistência camponesa exigiu

a espacialização da luta pela terra e que outras formas de organicidade foram construídas para

defender os ganhos do movimento em sua mudança para o norte do estado. A organicidade é

um sistema de autodefesa diante da ofensiva dos latifundiários, desenvolvido um processo de

espacialização do movimento socioterritorial.

Apesar da centralidade da organicidade para a espacialização do MST, ela é pouco

estudada, talvez por ser uma preocupação interna de um dos movimentos socioterritoriais. No

decorrer deste caminho da pesquisa pude perceber as várias formas de resistência baseada no

contexto histórico da luta pela terra.

No caso especifico da oeste paranaense, as formas como os latifundiários foram se

organizando através das forças políticas e opressoras, para a garantia da propriedade privada.

Estes criaram sistemas alternativos para proteger seu modelo, ora pela força corroborada pelo

Estado, ora pelo enfrentamento direto, com uso da violência contra os trabalhadores.

O número dos inimigos do campesinato aumentou, adicionando como aliados as

empresas de segurança, as corporações transnacionais, os governos estrangeiros dependente

na produção agroexportadora. Mas assim como o capital inova, buscando formas para

permanecer hegemônica, a classe trabalhadora também busca meios para se consolidar

enquanto classe.

Através da criação do Acampamento 1º de Agosto, o movimento se protegeu e criou

uma base forte para avançar a luta a partir do coração dos latifundiários, a sede da ofensiva

do agronegócio contra o campesinato. Experimentando com formas organizativas já testadas

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ou ainda para ser testada, o MST buscou uma organicidade que ajudou o movimento alcançar

alguns objetivos e espacializar-se para Jacarezinho na região norte.

Tentamos mostrar, então, que além de ser uma frente de resistência, a organicidade é

viva, mudando sua forma conforme a conjuntura posta em cada espaço e temporalidade. Se

ontem o MST tinha que enfrentar o fazendeiro “bota-suja,” hoje ele mudou de roupagem, o

inimigo é outro, transformado no discurso do “progresso.” Se o latifúndio e os latifundiários

praticam uma violência brutal, o agronegócio pratica uma violência mais inteligente, se

escondendo atrás de novos nomes – como o MPR – e polícias particulares, ao invés de

coronéis e jagunços. Se o movimento camponês não estivesse bem organizado, facilmente

seria derrotadopelo agronegócio.

Então, quando falamos em organicidade, estamos preocupados em como resistir e

enfrentar os inimigos da reforma agrária, que já não pensam em só matar as lideranças, mas

em eliminar o próprio movimento que os lideres orientam. Nestas condições, podemos

concluir que só um movimento que estiver organizado para mobilização permanentemente

terá as condições necessárias para vencer na luta para construir uma sociedade mais justa e

igualitária.

O processo de espacialização do movimento é a afirmação de sua capacidade de

implantar novos modelos de relações sociais na formação do espaço geográfico. Finalizamos

dizendo que é nossa esperança que a monografia trará elementos para um aprofundamento

teórico e empírico da busca de novas formas de organicidade da resistência camponesa.

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LISTA DE ENTREVISTAS BATISTA, Ademal. Entrevistado pelo autor. Cascavel (PR), 12 de nov, 2007. BRIZOLA, Ramo Claudemir. Entrevistado pelo autor. Jacarezinho (PR), 14 de maio, 2011. HEDT, Ademar. Entrevistado pelo autor. Jacarezinho (PR), 14 de maio, 2011. MISNEROVICZ, Valdir. Entrevistado pelo autor. Presidente Prudente (SP), 08 de Fev,2011. OLIVEIRA, Valmir Mota. Entrevistado pelo autor. Cascavel (PR) 18 de maio, 2007.