a participaÇÃo da comunidade como...

105
Universidade de Brasília Faculdade de Direito Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final de Curso A P ARTICIPAÇÃO DA C OMUNIDADE COMO D IRETRIZ DO SUS: D EMOCRACIA P ARTICIPATIVA E C ONTROLE S OCIAL A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS QUE ESTABELECEM OS GESTORES DE SAÚDE COMO PRESIDENTES NATOS DOS C ONSELHOS ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI Orientadores: Msc. Márcio Iório Aranha Especialista Lenir Santos Tutora: Janine Kanaan Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior e Prof. Márcio Iório Aranha Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal Consultora de Ensino à Distância: Profa. Mária de Fátima Guerra de Sousa Consultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Profa. Loussia Musse Felix Brasília, 07 de julho de 2003.

Upload: phungthien

Post on 27-May-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

Universidade de BrasíliaFaculdade de Direito

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a d i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a

M e m b r o s d o M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

M o n o g r a f i a F i n a l d e C u r s o

A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO DIRETRIZDO SUS:

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E CONTROLE SOCIAL

A I N C O N S T I T U C I O N A L I D A D E D A S L E I S Q U E E S T A B E L E C E M O S

G E S T O R E S D E S A Ú D E C O M O P R E S I D E N T E S N A T O S D O S

C O N S E L H O S

A L E X A N D R E A M A R A L G A V R O N S K I

O r i e n t a d o r e s :

M s c . M á r c i o I ó r i o A r a n h a

E s p e c i a l i s t a L e n i r S a n t o s

T u t o r a :

J a n i n e K a n a a n

Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior

Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix

Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior e Prof. Márcio Iório Aranha

Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende

Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal

Consultora de Ensino à Distância: Profa. Mária de Fátima Guerra de Sousa

Consultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Profa. Loussia Musse Felix

Brasília, 07 de julho de 2003.

Page 2: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

2

“Nada há, na história do Estado Brasileiro que se

assemelhe aos Conselhos de Saúde da atualidade, seja pela

representatividade social que expressam, seja pela gama

de atribuições e poderes legais de que são investidos, seja

pela extensão em que estão implantados por todo o país,

nas três esferas governamentais” (Antônio Ivo de

Carvalho in Conselhos de Saúde no Brasil: participação

cidadã e controle social”)

Page 3: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

3

ÍNDICE

ÍNDICE...............................................................................................................................................................3

DEDICATÓRIA................................................................................................................................................4

AGRADECIMENTOS .....................................................................................................................................5

SUMÁRIO..........................................................................................................................................................7

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................8

CAPÍTULO I – A MODERNA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E SUA CONSAGRAÇÃO NACONSTITUIÇÃO DE 1988...........................................................................................................................12

I.A - A DEMOCRACIA ....................................................................................................................................12I.B. - A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E SUA CONSAGRAÇÃO NO TEXTO CONSTITUCIONAL......................14I.C. CONTEXTO DEMOCRÁTICO DA CONSTITUINTE DE 1987/1988..............................................................22

CAPÍTULO II –OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS E A CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃODA COMUNIDADE COMO DIRETRIZ CONSTITUCIONAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE(SUS) .................................................................................................................................................................27

II.A – O MOVIMENTO DE REFORMA SANITÁRIA E SEUS DESDOBRAMENTOS NO APRIMORAMENTO DA

SAÚDE NO BRASIL COM INCREMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE..............................................27II.B – A 8A. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE E SUA INFLUÊNCIA NA CONSTITUINTE 87/88 .............30

CAPÍTULO III – CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DO SUS.O PAPEL DOS CONSELHOS E DE SUAS PRESIDÊNCIAS...............................................................42

III.A – CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR. CONCEITO E DISTINÇÃO......................................42III.B. O PAPEL DOS CONSELHOS DE SAÚDE NA EFETIVAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL E DA PARTICIPAÇÃO

POPULAR. A EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA ......................................................................46III.C - PODERES DELIBERATIVOS E FISCALIZATÓRIOS DOS CONSELHOS: NECESSÁRIA INDEPENDÊNCIA.ATRIBUIÇÕES DA PRESIDÊNCIA E A INCOMPATIBILIDADE DO GESTOR PARA A FUNÇÃO. A SITUAÇÃO DO

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE E DOS CONSELHOS NO MATO GROSSO DO SUL....................................50III.D – OS CONSELHOS MUNICIPAIS EM MS. UMA ESPERANÇA. ...............................................................75

CAPÍTULO IV – A INCONSTITUCIONALIDADE DAS PREVISÕES LEGAIS QUEESTABELECEM OS GESTORES COMO PRESIDENTES DOS CONSELHOS .............................81

IV.A - INCONSTITUCIONALIDADE POR CONTRARIEDADE AOS ART. 1°, II, E PARÁGRAFO ÚNICO

(CIDADANIA E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA) E AO ARTIGO 198, III (PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE

COMO DIRETRIZ DO SUS) .............................................................................................................................82IV.B – INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AO DA

PROPORCIONALIDADE OU RAZOABILIDADE.................................................................................................84IV.C - INCONSTITUCIONALIDADE POR CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE (ART. 37, CAPUT).......................................................................................................................................................................91

ALGUMAS PROPOSTAS PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVACOMO DIRETRIZ DO SUS E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO............................................98

BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................................102

ANEXOS.........................................................................................................................................................105

Page 4: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

4

DEDICATÓRIA

Dedico este meu trabalho aos conselheiros de saúde do Mato Grosso

do Sul, com os quais renovei (e renovo a cada dia) minha crença na democracia

brasileira. Muito aprendi sobre Direito Sanitário e a efetiva cidadania nos vários

contatos com "Seu" Alcides Ribeiro, Denise Mansano, “Dona” Evilásia Barbosa, Jonas

Cavada, Júlio das Neves, Mabel Pitthan e Maria Inês Carvalho da Silva, todos

conselheiros estaduais que acreditam na força transformadora da participação popular e

empenham esforços pessoais na construção de um mundo melhor, contribuindo, muitas

vezes anonimamente e sem remuneração (não raro até com prejuízos financeiros em

razão do tempo subtraído da atividade profissional), para a construção de um Sistema

Único de Saúde verdadeiramente democrático, universal, descentralizado e com

atendimento integral.

Page 5: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

5

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço aos organizadores do curso, que

acreditaram e investiram na idéia de capacitar membros do Ministério Público em

Direito da Saúde, instrumentalizando-nos para melhor atuar como legitimados coletivos

especialmente incumbidos de zelar pela observância dos serviços de relevância pública

(dentre os quais a saúde) aos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988.

Contribuíram, inequivocamente, para o aprimoramento do Sistema Único de Saúde.

No âmbito da Procuradoria da República do Mato Grosso do Sul,

agradeço especialmente à estagiária Yara Bianca Bellucci, que muito contribuiu para a

elaboração deste trabalho com as primeiras e aprofundadas pesquisas e coleta de

material e também ao servidor Francisco Gomes de Souza Júnior, outro “especialista”

em Direito Sanitário, e ao servidor Antônio Pires, que igualmente contribuíram na

obtenção do material de pesquisa.

Foi igualmente fundamental o auxílio dos servidores do Serviço de

Documentação Parlamentar da Câmara dos Deputados, particularmente de Manoel

Ramos Júnior, nas pesquisas que fiz sobre a constituinte. Sem as orientações por ele

repassadas, minhas buscas teriam sido infrutíferas, visto que não obstante o material

seja farto, tanto no próprio setor, como na internet, as vias de pesquisa são

excessivamente complexas.

Por fim, mas não menos destacado, é meu agradecimento às

servidoras e servidor da Secretaria Executiva do Conselho Estadual de Saúde, Edelma

Lene Peixoto Tiburcio, Jhonny Cabral, Mabel Vasconcelos e Mariléa Medeiros Ferreira,

que não apenas disponibilizaram-me seu farto material, como, especialmente a última,

auxiliaram na pesquisa referente às leis municipais e à realidade do Estado de Mato

Grosso do Sul no que se refere ao tema focal desta monografia. Com constante

dedicação à viabilização do Conselho, essas servidoras contribuem significativamente

Page 6: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

6

para a efetivação da participação da comunidade como diretriz do SUS, havendo dentre

elas também exemplos (como Mariléa Ferreira) de atuação destacada em outros

conselhos ou entidades da sociedade civil organizada, o que permite uma compreensão

mais ampla tornando-se, assim, duplamente qualificada no assunto.

Page 7: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

7

SUMÁRIO

Partindo de um panorama sobre a moderna teoriademocrática, especialmente no que respeita à democraciaparticipativa, e de sua consagração na Constituição daRepública Federativa do Brasil de 1988, a presentemonografia contextualiza a “participação da comunidade”como diretriz do Sistema Único de Saúde, disposiçãopresente no art. 198, III, do Texto Constitucional.

Para tanto, investiga as origens da previsão, intimamenteligadas ao Movimento de Reforma Sanitária iniciado nadécada de 70 e, de forma mais concreta, à 8a. ConferênciaNacional de Saúde, realizada em Brasília, no ano de 1986,em cujo relatório final a participação da população nagestão do SUS e o controle social foram inseridos comdestaque dentro de uma concepção global do modelo deatenção à saúde que seus cerca de cinco mil participantes,entre profissionais da área e usuários, idealizaram para opaís. A importância e a legitimidade social da Conferênciarestaram evidenciadas nos trabalhos constituintes, queadotaram suas diretrizes como ponto de partida eacabaram consagrando muitas delas (como a participaçãoda comunidade e o conseqüente controle social) no textofinal promulgado em 1988.

Aprofunda, na seqüência, as atribuições dos conselhos desaúde que, juntamente com as conferências, ganharamconcreção na Lei 8.142/90, regulamentadora do inciso IIIdo art. 198 antes referido, bem como as atribuições dosrespectivos presidentes, demonstrando a incompatibilidadedessa função com a de gestor da saúde.

Partindo dessas premissas, a monografia termina pordemonstrar a inconstitucionalidade das disposições legaisque prevêem os gestores de saúde (ministro e secretáriosde saúde) como presidentes natos dos respectivosconselhos, na medida em que elas afrontam, a um sótempo, a concepção de democracia participativa adotadapelo constituinte de 1987/88 (art. 1°, II e parágrafo único),a ratio legis do art. 198, III; o princípio da igualdadeconsagrado no art. 5°, caput, e o princípio da moralidadeadministrativa, art. 37, todos da Constituição Federal de1988.

Page 8: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

8

INTRODUÇÃO

Todo o membro do Ministério Público que atue de forma efetiva na

área de saúde terá (ou deveria ter), necessariamente, uma surpreendentemente

enriquecedora e profícua interação com os Conselhos de Saúde, de regra desconhecidos

do candidato que estuda para o respectivo concurso. Apesar da profundidade exigida

para se alcançar aprovação, o objeto de estudo é diverso. Debruça-se o candidato sobre

processo civil e penal, juntamente com o direito material relativo às matérias

tradicionais (constitucional, administrativo, tributário, econômico, civil, penal e

eleitoral); estuda também os instrumentos legais de defesa da denominada tutela

jurisdicional coletiva (ações civis públicas para defesa de direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos de relevante interesse social); todavia, a Lei 8.080/90 (Lei

Orgânica da Saúde) continua uma ilustre desconhecida. A Lei 8.142/90 tanto mais. O

exercício da profissão corrige essa distorção: o aprendizado cotidiano transcende os

livros e leva o membro do Ministério Público a descobrir os caminhos passíveis de

concretizar o estudo teórico. Esse processo será tanto maior quanto mais intenso for o

contato com a sociedade e a realidade envolvente.

Nesse contexto, o convívio com os conselheiros de saúde talvez seja o

mais enriquecedor aprendizado de cidadania que pode alcançar o membro do Ministério

Público. Compostos por prestadores de serviço de saúde, públicos (governo) e privados

(25%), representantes dos trabalhadores de saúde (25%) e dos usuários (50%) e sendo

seus membros escolhidos pela respectiva categoria1, os conselhos conseguem reunir

todos os setores diretamente interessados no funcionamento do SUS e viabilizar, assim,

uma discussão plural e qualificada sobre o sistema.

1 A identificação dos segmentos representados e a paridade dos usuários em relação aos demais estáprevista na Lei 8.142/90. Outros delineamentos referentes à composição dos conselhos constam daResolução n. 33/02 do Conselho Nacional de Saúde (ver anexos), na qual indentifica-se o perfil dasentidades que indicam os representantes dos usuários, incluindo sindicatos de trabalhadores urbanos erurais, conselhos comunitários, associações de moradores, de portadores de deficiências ou patologias, dedefesa do consumidor, etc. O rol dessas entidades normalmente consta da lei respectiva e o processo deescolha fica a cargo de cada qual. Após indicado o nome do conselheiro ao Poder Executivo respectivo aeste, de regra, incumbe a nomeação (há vezes em que a prerrogativa é do próprio conselho), para ummandato de dois anos, prorrogável. A função, embora não remunerada, é de relevância pública.

Page 9: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

9

Revigora a crença no regime democrático em que vivemos, cuja

defesa é uma das funções institucionais do Ministério Público (art. 127, CF), perceber o

espírito cidadão comprometido com a melhora da sociedade, especialmente do Sistema

Único de Saúde, que conselheiros estaduais como a combativa Denise Manzano,

advogada que dedica grande parte de seu tempo às questões do SUS, não raro com

prejuízos profissionais e financeiros, ou como Evilásia Barbosa, outra representante dos

usuários que, não obstante seus cabelos absolutamente brancos e sua residência em

Nova Andradina, cidade distante mais de 300 quilômetros da Capital, preside aquele

conselho municipal, comparece e participa ativamente das reuniões do Conselho

Estadual de Saúde, ou ainda Alcides Ribeiro, representante do mesmo segmento,

aposentado, incansável combatente que está sempre apontando falhas e indicando

soluções sensatas e possíveis para os problemas do SUS. Muito tem o membro do

Ministério Público a aprender com esses cidadãos.

A idéia e a conformação legal dos Conselhos de Saúde é

extraordinária. Fruto dos ventos democráticos que sopraram em 1988, quando a

sociedade brasileira ainda exultava com o novo momento de sua história, registrado em

uma Constituição avançada, dirigente e voltada para a redução das desigualdades sociais

e a construção de uma sociedade plural e democrática, a implementação, nas leis 8.080

e 8.142, de um modelo de participação social não apenas fiscalizatório (o que já é um

significativo avanço) mas também deliberativo no que se refere à definição de

estratégias, trata-se de um verdadeiro “choque” positivo de democracia.

Tamanha revolução, contudo - e seria ilusório acreditar que não fosse

assim - encontrou (e encontra ainda hoje) enormes dificuldades de implementação, pois

estabeleceu uma nova relação de poder entre o cidadão e o governante. Este, tão

desacostumado a ser fiscalizado, tende a ver como indevida qualquer ingerência do

povo em seu modo de governar, mesmo quando sua legitimidade executiva advém das

urnas. Há sempre, neste caso, o argumento de que, eleito, ganhou um mandato para agir

secundo suas idéias, exclusivamente, como se a eleição lhe conferisse “carta branca”.

De fato, a legitimidade advinda das urnas possui um valor intrínseco muito relevante,

mas não absoluto. Primeiro, porque o titular do poder continua sendo o povo; segundo,

Page 10: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

10

porque nossa Constituição não consagrou apenas a democracia representativa, pela qual

se viabiliza a eleição de representantes, indireta, portanto, mas também a direta, dentre

as quais destaca-se a participação popular (parágrafo único do art. 1° da Constituição da

República e, no caso da saúde, com previsão específica no art. 198, III, CF).

Contra essas dificuldades deve insurgir-se o Ministério Público,

contribuindo para a consolidação do Estado Democrático de Direito traçado na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Uma dessas dificuldades, típica resistência dos governantes em

repartir poder com a sociedade, são as previsões normativas relativas a cada conselho

que impõem como seu presidente o próprio gestor dos recursos da saúde, seja o ministro

de Estado (Decreto 99.438/90, art. 2°, caput, disposição inalterada até hoje, muito

embora vários decretos presidenciais tenham versado sobre o Conselho Nacional de

Saúde) ou o secretário estadual ou municipal de saúde. No Mato Grosso do Sul, por

exemplo, a lei que instituiu o Conselho Estadual, 1.152/91, prevê o Secretário de Estado

de Saúde como seu presidente nato. Essa coincidência verifica-se em 34 dos 77

municípios sul-matogrossenses, ainda que nem sempre advenha de uma imposição

legal.

Tal situação é induvidosamente muito nociva, tanto no que respeita à

evolução da democracia brasileira, na medida em que mantém a tutela do Estado sob o

cidadão, quanto no que se refere à moralidade da gestão pública, visto que, como órgão

fiscalizador da execução da política de saúde, inclusive nos seus aspectos econômico e

financeiro (art. 1°, §2°, Lei 8.142/90), não pode ser presidido justamente pelo agente

público fiscalizado, o gestor das verbas da saúde (de regra o secretário).

A par dessa nocividade, há induvidosa inconstitucionalidade em razão

da afronta aos dispositivos asseguradores da democracia participativa (art. 1°, parágrafo

único, CF), da participação da comunidade como diretriz do Sistema Único de Saúde

(art. 198, III) e, igualmente, aos princípio da igualdade (art. 5°, caput, CF) e da

moralidade administrativa (art. 37, caput).

Page 11: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

11

Essa é a temática que se apresenta nesta monografia. Trazendo alguns

subsídios doutrinários sobre democracia, debruça-se o texto sobre as disposições que

prevêem a participação da comunidade na direção do SUS, suas origens e razão de ser,

bem como sobre o papel conferido pela legislação aos conselhos e aos respectivos

presidentes. Com esses subsídios demonstra a inequívoca afronta ao texto constitucional

das leis que estabelecem tais previsões e, assim, viabiliza representações de

inconstitucionalidade por membros do Ministério Público junto a seus Procuradores-

Gerais (com atribuição para propositura de ADIn). Dessarte, poder-se-á estabelecer uma

verdadeira cruzada contra tal prática e, assim, contribuir sobremaneira para a

democratização da gestão na saúde.

Vê-se, assim, a importância do tema e sua valia prática.

Page 12: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

12

CAPÍTULO I – A MODERNA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E SUA CONSAGRAÇÃO NA

CONSTITUIÇÃO DE 1988

I.a - A democracia

Talvez a definição mais conhecida, sucinta e essencialmente correta

de democracia seja aquela dada pelo primeiro presidente norte-americano, Abrahan

Lincoln: “governo do povo, pelo povo e para o povo”. A fórmula de Lincoln, como

denomina CANOTILHO2, reconhece no povo o titular e a fonte de todo poder (todo

poder emana do povo – art. 1°, parágrafo único, da CF), bem como que o governo se

fundamenta na vontade e no consentimento popular (pelo). A idéia de finalidade (para o

povo) lembra que um governo democrático só se legitima na medida em que se volta à

satisfação dos interesses dos titulares do poder3.

A definição dicionarizada não foge do ensinamento da doutrina e

acrescenta um outro elemento de interesse: a fiscalização do poder. Assim, consta do

verbete democracia, no dicionário Aurélio, a seguinte definição: “doutrina ou regime

político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder, ou seja, regime

de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo

controle da autoridade, i. e., dos poderes de decisão e de execução”.

Trata-se de um regime político, vale dizer, um “complexo estrutural de

princípios e forças políticas que configuram determinada concepção do Estado e da sociedade”4 que se

opõe à autocracia e repousa sobre dois princípios fundamentais:

- a soberania popular (o poder é a única fonte de poder; o poder

emana do povo”) e

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a. ed,Coimbra: Almedina, 1999. p. 281.3 Cf. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16a. ed, São Paulo: Malheiros,1999. p.139.4 Ibidem, p. 128.

Page 13: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

13

- a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este

seja efetiva expressão da vontade popular5.

A mesma doutrina identifica duas formas de exercício da democracia:

a indireta, por meio da eleição de representantes (democracia representativa), e a direta

(com alguns institutos de democracia semidireta) que se caracteriza pela participação

direta e pessoal (não eletiva) da cidadania na formação dos atos do governo 6. Vale

ressaltar que JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, juntamente com Jorge Miranda

os maiores constitucionalistas portugueses, coloca o “princípio da participação” dentre

os concretizadores constitucionais do princípio democrático7

Confrontando tais ensinamentos com o artigo 1° da Constituição da

República de 1988, especialmente seus incisos indicadores da soberania e da cidadania

dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui a

República Federativa do Brasil, e o parágrafo único, segundo o qual todo poder emana

do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos

desta Constituição, vê-se claramente que que o constituinte de 1988, do alto de seu

poder inaugural, ilimitado, autônomo e incondicionado8, adotou a democracia, em toda

sua plenitude, como regime político brasileiro.

Como ressalta CARLOS AYRES DE BRITTO9, advogado sergipano,

Doutor em Direito Público pela PUC/SP, recentemente indicado para Ministro do

Supremo Tribunal Federal, a democracia brasileira já não é exclusivamente

representativa, ante o parágrafo único do art. 1°, resgatando o componente que faltava

no célebre conceito lincolniano, dando-se uma satisfação parcial a Jean-Jacques

Rousseau, para quem “a soberania não pode ser representada”. Há, assim, um

verdadeiro redimensionamento da soberania popular com os espaços abertos para a

democracia participativa.

5 Cf. SILVA, Ibidem, p. 1356 Cf. SILVA, Ibidem, p. 1457 Op. cit., p. 2938 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 10a. ed, São Paulo: Atlas Jurídico, 2001. p. 549 Cf. BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre “controle social do poder” e “participação popular” p.122. In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 189, Rio de Janeiro, jul-set 1992, pp. 114-122.

Page 14: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

14

Vê-se, pois, que as duas formas de democracia (representativa e

participativa) foram consagradas no texto constitucional e estão expressamente referidas

no supra transcrito parágrafo único. A indireta, que pressupõe o direito ao voto e a

eleição de mandatários do povo, está regulada no Capítulo dos Direitos Políticos e nos

artigos 28, 29, 45, 46 e 77, dentre outros, que prevêem os cargos eletivos e disciplinam

como se desenvolve o processo da eleição de representantes. Sobre os espaços que o

constituinte reservou ao povo para o exercício da democracia direta ou participativa,

vale dizer, para o exercício do poder sem o intermédio de representantes eleitos, tratará

o próximo tópico.

I.b. - A democracia participativa e sua consagração no textoconstitucional

A democracia é um conceito histórico, um “processo de afirmação do povo

e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história”, como bem

lembra JOSÉ AFONSO DA SILVA10, razão pela qual a democracia da antigüidade

grega não é a mesma dos tempos modernos; nem a democracia burguesa capitalista

corresponde à democracia popular, como lembra o mesmo autor.

Esse processo histórico de construção do conceito presente de

democracia não pode desconsiderar a fase em que vivemos, de sociedade de massa, nem

as manifestações do poder constituinte originário que, a cada momento de evolução

histórica, preocupa-se em ao mesmo tempo assegurar, por escrito, alguns avanços já

consagrados no meio social e outros pretendidos, futuros. A Constituição não pode

nunca perder sua perspectiva prospectiva, sob pena de já nascer ultrapassada.

Considerados esses fatores, seria despropositado pretender uma volta,

por exemplo, a uma democracia ateniense, de discussões públicas nas praças. As

Page 15: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

15

grandes dimensões da burocracia pública moderna o impedem. Por outro lado, não se

pode desconsiderar que, em uma sociedade cada vez maior e mais complexa, confiar

todo o exercício do poder apenas a representantes eleitos de tempos em tempos tende a

afastar o povo do governo e desconsiderar as peculiaridades locais na condução do

destino dos cidadãos. Não por outra razão o constituinte de 1988 fez uma clara opção

pelo reforço do poder municipal, local, e pelo incremento da participação da população

na gestão da coisa pública (democracia participativa), ampliando os espaços de

deliberação política e fiscalização da cidadania. E não o fez de forma dissociada da

doutrina, que tem estudado cada vez mais esses fenômenos.

Veja-se, a propósito, o pensamento de NORBERTO BOBBIO11:

“Hoje, se se deseja apontar um indicador de desenvolvimento democrático, este não

pode mais ser o número de pessoas que têm o direito de votar, mas o número de

locais, diferentes dos locais políticos nos quais se exerce o direito de voto; sintética

mas eficazmente: para dar um juízo sobre o Estado de democratização, num dado

país, o critério não deve ser mais o de “quem” vota, mas o do “onde” se vota (e fique

claro que aqui entendo o “votar” como ato típico e mais comum do participar, mas

não pretendo de forma alguma limitar a participação ao voto). … deveremos

procurar ver se aumentou não o número de eleitores, mas o espaço no qual o cidadão

pode exercer seu próprio poder de eleitor.”

E cita o autor um exemplo italiano: “Podemos, assim, considerar reforma

democrática a que instituiu os conselhos escolares.”

Na mesma linha o pensamento de PAULO BONAVIDES, em

monografia sobre o tema:

“… a democracia participativa configura uma nova forma de Estado: o Estado

democrático-participativo que, na essência, para os países da periferia é a versão

mais acabada e insubstituível do Estado social…. Ao Estado liberal sucedeu o

Estado social; ao Estado social há de suceder, porém, o Estado democrático

participativo que recolhe das duas formas antecedentes de ordenamento o lastro

10 Op. cit., pp. 129 e 13011 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. 8a. ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, pp. 68/9

Page 16: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

16

positivo da liberdade e da igualdade. E o faz numa escala de aperfeiçoamento

qualitativo da democracia jamais dantes alcançada em termos de concretização”12

É esse também o pensamento de MARIA SYLVIA DI PIETRO que,

ao traçar um quadro evolutivo do Estado de Direito, do Liberal para o Social e deste

para o Democrático, identifica como característica essencial deste último a participação

“já não mais por delegação nem simples colaboração” mas “mediante a atuação direta do particular na

gestão e no controle da Administração Pública”13.

Na mesma senda, JOSÉ AFONSO DA SILVA ao distinguir o Estado

Democrático de Direito do Estado Liberal de Direito e do Estado Social de Direito:

“Este [o Estado Democrático] se funda no princípio da soberania popular que

‘impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que

não se exaure, como veremos, na simples formação das instituições representativas,

que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu

completo desenvolvimento”14.

O mesmo autor, citando o doutrinador espanhol Elias Diaz, lembra

que a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito remete à idéia de

“Estado de legitimidade justa” (ou Estado de Justiça material), “fundante de uma sociedade

democrática, qual seja a que instaure um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos

mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção”.15

Caminhamos, pois, para um novo modelo de Estado, delineado no

texto constitucional de 1988 que, já no caput do art. 1°, declara constituir-se a

República Federativa do Brasil em um Estado Democrático de Direito fundado na

12 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros,2001, pp. 19/2013 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação Popular na Administração Pública. In: Revista deDireito Administrativo . Vol. 191. Rio de Janeiro, jan-mar 1993, p. 3214 SILVA, José Afonso. O Estado Democrático de Direito. In: Revista do IAB , Ano XXXIV, n. 93, 3°trimestre de 2000. A transcrição que faz o autor é de CROSA, Emilio, Lo Stato Democratico, Turim,UTET, 1946, p. 2515 ibidem. O autor remete sua posição à obra de DIAZ, Elias.Estado de Derecho e Sociedad Democrática,Madri, Editorial Cuadernos para el Diálogo, 1973, pp. 139-141.

Page 17: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

17

cidadania (inciso II) e no parágrafo único do mesmo artigo explicita que todo o poder

emana do povo, que pode exercê-lo não apenas por meio de representantes (democracria

liberal-representativa clássica), mas também diretamente. Neste modelo, cabe ao povo

organizado um novo papel na condução dos destinos da nação, razão pela qual restaram

asseguradas no texto constitucional inúmeras formas de participação direta da cidadania

no governo, conforme abordado adiante. Estão, assim, estabelecidos pela Constituição

os fundamentos de uma democracia participativa16.

Já se debruçando sobre o texto constitucional, conclui JOSÉ AFONSO

DA SILVA17 que:

“A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo

de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I), em que o

poder emana do povo, deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por

seus representantes eleitos (art.1o, parágrafo único); participativa, porque envolve a

participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de

governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e

pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a

possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes na

sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de

opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos

individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições

econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.”

Além da previsão genérica do parágrafo único do artigo 1°, a

Constituição Federal de 1988 prevê inúmeras formas específicas de democracia

participativa, dentre elas a prevista no inciso III do art. 198 que estabelece como diretriz

do Sistema Único de Saúde (SUS) a participação da comunidade. São vários os

exemplos trazidos pela doutrina.

16 Cf. MAUÉS, Antônio Moreira.Ordem Social: Fundamentos da Democracia Participativa, passim. In:SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Ordem Econômica e Social: Estudos em Homenagem a AryBrandão de Oliveira. São Paulo: LTr, p. 32-4217 Ibidem

Page 18: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

18

JOSÉ AFONSO DA SILVA18, além da iniciativa popular de projeto

de lei à Câmara dos Deputados, do referendo e do plebiscito, consultas formuladas ao

povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, todos os três previstos

nos incisos do art. 14 da Constituição e regulados pela Lei 9.709/98, mesclando

democracia direta (pois não há eleição de representantes) com indireta (na medida em

que é utilizado o aparato eleitoral para recolhimento dos votos), identifica vários outros

exemplos de efetiva participação da cidadania. Cita expressamente a ação popular (CF,

art. 5°, LXXIII) e o disposto nos artigos 10 (participação dos trabalhadores e

empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais

ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação) e 11 (eleição de um

representante dos empregados das empresas com mais de duzentos, para promoção de

negociações diretas com os empregadores19), estes dois últimos como exemplares do

direito coletivo de participação sob uma perspectiva corporativa20. Aponta ainda outros

artigos que guardam maior similaridade com o previsto no artigo 198, III, CF: o artigo

31, §3° (“as contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à

disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-

lhes a legitimidade, nos termos da lei”); o 37, §3° (participação do usuário na

administração pública direta e indireta, especialmente sobre as reclamações relativas à

prestação de serviços públicos, o acesso dos usuários a registros administrativos e a

informações sobre atos de governo e a disciplina da representação contra o exercício

negligente ou abusivo de função pública); o 74, §2° (legitimidade de qualquer cidadão,

na forma da lei, para denunciar irregularidades ao Tribunal de Contas da União); o 194,

VII (caráter democrático e descentralizado, com gestão quadripartite - trabalhadores,

empregadores, aposentados e governo - nos órgãos colegiados da seguridade social); o

206, VI (gestão democrática do ensino público, na forma da lei) e o 216, §1°

(colaboração da comunidade na proteção do patrimômio cultural brasileiro), todos

dispositivos da Constituição Federal de 1988. Sendo a saúde um dos pilares da

seguridade social (art. 194, caput) e exemplificativo o rol apresentado pelo autor, como

18 SILVA, José Afonso. Curso, op. cit., pp. 145/619 O exemplo, na verdade, não se harmoniza com os demais, por duas razões: não diz com a relação entrecidadão e Estado, no âmbito da qual se dá a relação de poder que caracteriza o regime democrático eprevê a eleição de representante, procedimento típico da democracia indireta.

Page 19: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

19

se constata da expressão “tais como” por ele utilizada, percebe-se que a falta de

referência expressa ao artigo 198, III, deveu-se basicamente à referência já constante do

art. 194, VII, não retirando daquele, de forma alguma, a condição de exemplo de

democracia participativa, inclusive em razão da similaridade que guarda com os demais

exemplos. Prova do acerto dessa conclusão encontra-se em outro trecho da obra de

SILVA onde, ao tratar do direito coletivo de participação direta dos cidadãos no

processo político e decisório21, o autor cita lado a lado os artigos 194, VII e 198, III.

Neste segundo trecho o autor faz interessante relação entre o disposto nesses dois

artigos e a fiscalização popular prevista no art. 31, §3°, também da Constituição

Federal, considerando todos direitos coletivos não corporativos (diferentemente do do

art. 10) de participação no processo político e decisório. A relação também ocorre na

saúde, em que a participação da comunidade como diretriz do SUS assume, ao mesmo

tempo, uma característica de exercício e fiscalização do poder político.

Da mesma forma, ANTÔNIO MAUÉS22 traz à colação vários

exemplos de democracia participativa na Constituição citando com absoluta

propriedade, além dos artigos 10; 194, VII; 198, III e 206, VI, também os artigos 204, II

(participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação

das políticas de assistência social e no controle das ações em todos os níveis) e 227, §7°

(que aplica ao atendimento às crianças e aos adolescentes o disposto no art. 204), ao

tempo em que observa que várias das disposições estão relacionadas com a Ordem

Social. Não por acaso, visto que ela, de regra, trata de direitos fundamentais que

demandam prestações positivas do Estado para as quais é fundamental garantir eficiente

aplicação de recursos: seja evitando desvios, seja priorizando as áreas de maior

relevância para a comunidade, viabilizando, assim, mais efetiva e célere erradicação da

pobreza e redução das desigualdades sociais, objetivos da República brasileira (art. 3°,

III). Trata-se, de fato, de uma área em que a comunidade tem muito a contribuir.

20 Conforme melhor classifica o autor quando trata do direito coletivo de participação. Curso, op. cit., pp.264/521 Ibidem, pp. 264/522 Op. cit. , p. 33

Page 20: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

20

Visto o conteúdo da concepção de democracia participativa e sua

indissociável relação com o Estado Democrático de Direito, bem como a recepção

daquela na Constituição de 1988, cabe avançar na reflexão de modo a obter as primeiras

conseqüências de interesse do presente estudo.

Para tanto convém ter presentes os quatro princípios cardeais

componentes da estrutura constitucional da democracia participativa segundo PAULO

BONAVIDES23:

- o princípio da dignidade da pessoa humana,

- o princípio da soberania popular,

- o princípio da soberania nacional e

- o princípio da unidade da Constituição

Para o autor, que confere especial importância ao princípio da

soberania popular, nele englobando a idéia de participação popular (diferentemente de

SILVA, que vê, como já analisado, dois princípios norteadores da democracia: o da

soberania, que se refere à fonte de poder, e o da participação), o referido princípio

“compendia as regras básicas de governo e de organização estrutural do ordenamento jurídico, sendo, ao

mesmo passo, fonte de todo o poder que legitima a autoridade e se exerce nos limites consensuais do

contrato social. […] Em suma, o princípio da soberania popular é a carta de navegação da cidadania rumo

às conquistas democráticas, tanto para esta como para as futuras gerações.”24

Ocorre que, como bem assevera BONAVIDES “essa democracia já é

direito positivado no parágrafo único do art. 1° da Constituição” ao que complementa “Mas resta

inanimada e programática naquele dispositivo tutelar, por obra do silêncio, da omissão, do egoísmo e das

deserções dos dois poderes que legislam e governam o País.”25

Embora as críticas do autor mereçam sempre, pelo caráter

comprometido com a democracia e a cidadania que demonstram, profundo respeito e

atenção, é preciso reconhecer que, no que se refere ao objeto desta monografia, não se

23 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. Op. cit., p, 1024 Ibidem, p. 1125 Ibidem, p. 24

Page 21: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

21

pode imputar nenhuma responsabilidade ao legislador ordinário federal pela não

implementação efetiva do controle social, visto que ele deu ao art. 198, III, CF, em

menos de dois anos de vigência da nova ordem, concreção nas leis 8.080/90 e 8.142/90.

Fê-lo, é verdade, sob os ímpetos da constituinte, talvez sem sequer perceber o alcance

revolucionário da disposição, mas fez e muito bem. E mais, condicionou o recebimento

dos recursos federais, pelos Estados e Municípios, à instituição dos conselhos de saúde,

com composição paritária, nos termos do Dec. 99.438/90 (art. 4°, Lei 8.142/90). Ou

seja, além de criar os Conselhos e conferir-lhes amplo poder fiscalizatório e

deliberativo, a lei garantiu sua implementação na medida em que condicionou o repasse

de recursos federais – sempre tão almejados pelas esferas estadual e municipal - à sua

instituição. Ou seja, o legislador ordinário federal fez sua parte.

Todavia, quando da regulamentação da matéria as articulações

reacionárias dos governos acabaram por sobreporem-se ao ideário constitucional e

foram editadas normas que previam o ministro ou os secretários de saúde como

presidentes natos dos conselhos. Foi assim já no Decreto 99.439/90 (não havendo

alteração, no particular, pelo Decreto 1.448/95, nem nos que se seguiram), que dispôs

sobre a organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde e nas legislações

estaduais que se seguiram, como as do Mato Grosso do Sul, já referida. Vê-se, assim,

que o problema não é falta de regulamentação legal, mas regulamentação

inconstitucional. A responsabilidade está, então, com o Poder Judiciário, que pode

fulminar normas por vício de inconstitucionalidade e, por conseqüência, com todos

aqueles legitimados para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade, dentre

os quais o Procurador-Geral da República (art. 103), ao qual qualquer membro do

Parquet pode dirigir representações com vistas à propositura das ações referidas.

Voltando à doutrina de BONAVIDES. Dentre os princípios referidos,

densificadores da democracia participativa, interessa sobremaneira ao objeto desta

monografia o referente à unidade da Constituição, verdadeiro elemento hermêutico

chave para a elucidação de cláusulas constitucionais. Tal princípio compreende,

segundo o autor, “tanto a unidade lógica – hierarquia de normas oriunda da rigidez

Page 22: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

22

constitucional – como a unidade axiológica – ponderação de valores, proveniente da

necessidade de concretizar os princípios insculpidos na Constituição”26

Com base nos dois princípios trazidos pelo célebre e combativo

constitucionalista (o da soberania popular, do qual decorre a participação popular – de

base axiológica e o da unidade da Constituição – critério hermenêutico), é possível

construir a compreensão de que, ao menos naqueles pontos em que a própria

Constituição previu a participação direta da cidadania no exercício do poder, há

uma reserva deste pelo povo que não pode ser usurpada por seus representantes.

Se o povo, como fonte do poder político e titular do poder constituinte, é o titular do

poder que delega a seus representantes, toda vez que resguardar a si, no próprio texto

constitucional originário, o exercício do poder, essa área não pode ser exercida pelos

representantes eleitos, pois não é abrangida pelo “mandato” representativo. Vale dizer,

toda vez que a própria Constituição previr a participação popular, esta deve ser

entendida como uma reserva ao poder do povo em relação a seu representante, que deve

ser respeitada sob pena de malferir o texto constitucional. Este raciocínio será

aprofundado no primeiro tópico do Capítulo IV.

I.c. Contexto democrático da constituinte de 1987/1988

Salvo raras exceções27, equivocadas, reconhecem os doutrinadores28

na Constituinte de 1988 um poder originário, fruto da nova ordem política que se

instalara no país. O fato de não ter havido uma revolução, vale dizer, uma quebra

institucional, não diminui a importância nem a amplitude da mudança que se operou.

Pelo contrário, ter conseguido o Brasil pôr fim à ditadura militar sem quebra

26 Ibidem, p. 1127 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, não obstante reconheça que o poder constituinte de 1988 estivesseliberto de limitações materiais e circunstanciais – características típicas do Poder Constituinte Originário -sustenta que a Constituição de 1988 é fruto do Poder Constituinte Derivado, por ter sido convocada poruma Emenda Constitucional (n. 26, de 27 de novembro de 1985).28 Nesse sentido: SILVA, José Afonso, Curso, op. cit., pp. 90-92; BASTOS, Celso Ribeiro. Curso deDireito Constitucional , pp. 92-4; MORAES, Alexandre. Direito Constitucional , op. cit., p. 37

Page 23: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

23

institucional é motivo de comemoração, especialmente se considerada a realidade

histórica latino-americana.

Abria-se o que Tancredo Neves denominou “Nova República” fase

que, segundo famoso discurso seu, pronunciado em Maceió, se definiria “pela eliminação

dos resíduos autoritários e pelo início, decidido e corajoso, das transformações de cunho social,

administrativo, econômico e político” requeridos pela sociedade brasileira29. Com a Nova

República abria-se no país o caminho para uma nova proposta de desenvolvimento,

baseada na democracia, na liberdade e na cidadania.

O movimento que remontava à abertura partidária de 1979, em que o

antigo bipartidarismo deu lugar a cinco novos partidos: PDS (Partido Democrático

Social – antiga Arena, partido do governo), PMDB (Partido do Movimento

Democrático Brasileiro), PDT (Partido Democrático Trabalhista), PTB (Partido

Trabalhista Brasileiro) e PT (Partido dos Trabalhadores), se incrementou com a

significativa vitória da oposição nas eleições para Governador em 1982 e culminou com

o amplo movimento popular pelas Diretas Já, em 1984, que reuniu milhões de pessoas

em manifestações de rua em quase todas as capitais brasileiras, e a eleição de Tancredo

Neves para a Presidência da República em 15 de janeiro de 1985. Inaugurava-se uma

nova ordem política no Brasil. O fato de ter sido essa eleição indireta, pelo Colégio

Eleitoral formado pelo Congresso Nacional, não invalida ou desmerece o movimento,

visto que o eleito encarnava seu simbolismo renovador, na medida em que era seu

legítimo líder e representante. Apesar da trágica doença responsável pela sua morte em

21 de abril de 1985, seu vice-presidente e sucessor, José Sarney, viu-se compelido a dar

continuidade à consolidação da Nova República, não obstante fosse um dissidente da

antiga Arena, então integrante do partido resultante dessa dissidência, o PFL (Partido da

Frente Liberal), que garantiu, junto com o PMDB a vitória no Colégio Eleitoral a

Tancredo Neves.

Foi nesse contexto que o Congresso Nacional, em 27 de novembro de

1985, por meio da Emenda Constitucional n. 26, encaminhada pelo Presidente José

29 apud SILVA, José Afonso. Curso, op. cit. p. 90

Page 24: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

24

Sarney ao Congresso Nacional que a aprovou e promulgou, convocou a Assembléia

Nacional Constituinte, a ser composta pelos congressistas eleitos no pleito que

ocorreria em novembro de 1986. Em 1° de fevereiro de 1987, instalou-se a Assembléia

Nacional Constituinte, na modalidade congressional.

Foi, sem dúvida, uma constituinte democrática. Seu regimento previa,

no art. 24, a apresentação de emendas populares e foram 122 as apresentadas. Dentre

estas, várias relativas à saúde, destacando-se a de número 50 (PE00050-4), apresentada

por entidades representativas do Movimento de Reforma Sanitária, que tiveram decisiva

participação na 8a. Conferência Nacional de Saúde (de 1986), objetivando garantir a

inclusão das propostas lá aprovadas na discussão da constituinte 30.

Sem um projeto prévio, o texto começou a ser configurado em 24

subcomissões temáticas, integrantes de 8 comissões temáticas31. A saúde foi discutida

na Subcomissão B, que cuidava também da seguridade e do meio ambiente, no âmbito

da Comissão da Ordem Social (VII). Nessa subcomissão, composta por 24 constituintes,

foram ouvidos, em 15 audiências públicas, 32 entidades e instituições das três áreas

temáticas, afirmando ELEUTÉRIO RODRIGUES NETO32 que todos os grupos ou

correntes que se dispuseram a depor foram ouvidos.

Os anteprojetos aprovados nas várias subcomissões e comissões foram

encaminhados para a Comissão de Sistematização, cujo relator era o constituinte

Bernardo Cabral, que apresentou em 25 de junho de 1987 o primeiro trabalho reunindo

todos os anteprojetos, numa peça de 551 artigos, que acabou por ganhar o apelido de

“Frankenstein”33. Após essa primeira sistematização foram apresentadas

30 A emenda referida foi apresentada pelo Conselho Federal de Medicina, pela Federação Brasileira deNutrição e pelo Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal, e contou com 55.117 subscritores. A 8a.Conferência Nacional de Saúde e sua influência na Constituinte serão objeto de tópico próprio.31 OLIVEIRA, Mauro Márcio. Panorama do Funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte. In:Fontes de Informações sobre a Assembléia Nacional Constituinte de 1987: Quais são, onde buscá-las e como usá-las . Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1993.32 Cf. RODRIGUES NETO, Eleutério. A Saúde na Constituinte: uma Análise Preliminar, p. 98. In:Caderno CEAC/UnB (Centro de Estudos e Acompanhamento da Constituinte da Universidade deBrasília), ano 1, n. 1, pp. 95-101.33 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 14a. ed, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 93

Page 25: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

25

aproximadamente 40.725 emendas, em três estágios de discussão, até que, em 15 de

setembro de 1987, o relator apresentou um substitutivo de 336 artigos.

Neste momento, tendo os constituintes que não participavam da

Comissão de Sistematização (CS) se apercebido de que estavam excluídos do efetivo

processo decisório, visto que havia então a idéia de que o Projeto de Constituição

encaminhado pela CS ao plenário contaria com uma espécie de presunção de aprovação,

pelo que só uma emenda que obtivesse o voto da maioria absoluta (280) dos

constituintes poderia alterá-lo, foi aprovada uma alteração regimental que permitiu a

apresentação de novas emendas ao projeto. BASTOS denominou esse movimento de

“revolução democratizante”34, na medida em que levou para o plenário as grandes

dicussões.

Em 27 de janeiro o plenário reuniu-se para dar início às votações,

tendo sido aprovada, no dia seguinte, as primeiras matérias: o preâmbulo e o Título I.

Foram 20 meses de discussões que culminaram na aprovação de um

texto que ficou consagrado como Constituição Cidadã, na feliz expressão de Ulisses

Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, que assim a denominou

porque, diferentemente de todas as demais constituições brasileiras, começava pela

consagração dos direitos e garantias fundamentais e não pela organização do Estado,

evidenciando a importância dessa matéria para a nova ordem que se instaurava. JOSÉ

AFONSO DA SILVA, corroborando a adequação da expressão cunhada, ressalta que a

Constituição de 1988 “teve ampla participação popular em sua elaboração e, especialmente, porque

se voltou decididamente para a plena realização da cidadania”35.

Eram novos tempos. Passados vinte anos de ditadura militar o povo

brasileiro ansiava por democracia acima de tudo. Eram tempos econômicos difíceis (a

inflação beirava os 1000%) de uma década que ficou conhecida como perdida,

designativo só concebível sob o aspecto exclusivamente econômico, visto que

34 Cf. ibidem, p. 9535 SILVA, José Afonso. Curso, op. cit., p. 92

Page 26: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

26

politicamente significou a grande virada democrática. Inúmeros movimentos populares -

e o da saúde era um dos mais organizados - surgidos ainda na ditadura, aguardavam

ansiosos para dar seu grito de independência. Começava a se firmar, no Brasil o

chamado Terceiro Setor, cujo lobby na constituinte garantiu a liberdade, a

independência e o estímulo ao associativismo civil (cf., por exemplo, os incisos XVII a

XXI do art. 5° da Constituição). Na área da saúde, todos os setores interessados,

especialmente médicos, usuários e prestadores, haviam preparado as bases do que viria

a ser o Sistema Único de Saúde na 8a. Conferência Nacional de Saúde, realizada em

Brasília, em 1986, com ênfase na descentralização e na participação da comunidade. A

população que fora, aos milhões para as praças exigir eleições diretas já e frustara-se

com a eleição pelo Colégio Eleitoral, esperava, agora, alcançar a pretendida democracia

no novo texto constitucional.

Nesse contexto histórico-sociológico surgiu a Constituição de 1988.

Nele devem ser analisados seus dispositivos.

Page 27: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

27

CAPÍTULO II –OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS E A CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

DA COMUNIDADE COMO DIRETRIZ CONSTITUCIONAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

(SUS)

II.a – O Movimento de Reforma Sanitária e seus desdobramentos noaprimoramento da saúde no Brasil com incremento da participação dacomunidade

Um dos aspectos mais relevantes da configuração constitucional do

Sistema Único de Saúde está em suas origens. Provavelmente nenhuma outra seção da

Constituição Federal de 1988 tenha alicerces tão sólidos e legítimos em um movimento

social construído há mais de uma década antes da constituinte - o chamado “Movimento

de Reforma Sanitária” - como é o caso da Seção II (Saúde) do Capítulo da Seguridade

Social. Constituído por pessoas e grupos organizados voltados para a crítica do modelo

dominante de atenção à saúde e, em um segundo momento, para a elaboração e defesa

de um projeto alternativo, o Movimento de Reforma Sanitária foi determinante no

processo de reforma sanitária pelo qual passou (e passa) nosso país, tendo fornecido as

bases do vigente Sistema Único de Saúde, dentre as quais a participação da

comunidade. O próprio movimento é a primeira expressão real da importância dessa

participação na construção do SUS.

Como ressaltou CARVALHO36 desde meados da década de 70

desenvolviam-se movimentos paralelos ao Estado, ainda de baixa visibilidade que,

aliados a movimentos sindicais na área de saúde (especialmente de médicos),

procuravam articular-se para provocar a revisão do modelo de assistência à saúde então

vigente: contributivo (só os segurados da previdência tinham acesso aos serviços de

saúde), burocrático (centralizado em Brasília sem qualquer participação popular37),

36 CARVALHO, Antônio Ivo de. Conselhos de Saúde no Brasil – Participação Cidadã e ControleSocial. Rio de Janeiro: FASE/IBAM, 1995, p. 3837 O Conselho Nacional de Saúde, instituído desde 1937 pela Lei 378, era então regulado pelo Decreto67300/70 que, não obstante lhe tenha atribuído funções e estrutura mais definidos, mantinha-o comoórgão consultivo do do Ministério da Saúde e integrado quase que totalmente por representantes do PoderExecutivo (12 dos 16 membros). Com o passar dos anos, especialmente a partir do Decreto 79056/76,

Page 28: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

28

adepto de uma orientação medicalista e privatizante e vinculado ao Ministério da

Previdência. Lutavam, nesse primeiro momento, pela ampliação do acesso e por maior

participação popular.

Com a criação do CEBES – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde,

em 1976, e da ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde

Coletiva, em 1979, deu-se ao movimento um contorno institucional e um significativo

incremento para o debate político-ideológico, viabilizando-se a sistematização de

propostas alternativas ao sistema. Essas duas entidades, que tiveram significativa

participação na Constituinte de 1987/8838, consolidaram sua identidade programática no

I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, promovido pela Comissão de Saúde da

Câmara dos Deputados, em outubro de 1979, do qual resultou o histórico documento

“Democratização e Saúde”, baseado em estudos realizados pelo CEBES, onde se

propunha a criação de um Sistema Único de Saúde, universalizado, equânime,

descentralizado e participativo39.

No início da década de 80, a crise da Previdência (responsável pela

maior parte das prestações e gastos em saúde no país) ganhava contornos preocupantes,

resultado, basicamente, da diminuição na arrecadação resultante da recessão e do

desemprego crescentes e das fraudes e desvios de recursos cada vez maiores por

absoluta falta de controles institucionais e sociais. Reconhecendo a existência da crise, o

Governo buscou o envolvimento de setores da sociedade (muitos deles oriundos do

“Movimento de Reforma Sanitária”) para solucioná-la, postura que resultou na criação,

em setembro de 1981, pelo Decreto 86329, do CONASP – Conselho Consultivo de

Administração de Saúde Previdenciária. O Conselho foi composto por 15 membros

regulamentando a Lei 6229/75 (que disciplinava o Sistema Nacional de Saúde), o CNS, cujarepresentatividade “não alcançava senão uma elite médica”, no dizer de CARVALHO (ibidem, p. 33), foiassumindo um perfim eminentemente técnico-normativo, com a criação das Câmaras Técnicas, previstasnas Portarias 360/77 e 204/78. Somente após o Decreto 99438/90, já sob a nova orientação consagrada naConstituição de 1988, o Conselho Nacional de Saúde passa a ser integrado por representantes dasociedade e assume novo e decisivo papel na construção de um novo modelo de saúde, tornando-seelemento chave nesse processo.38 Veja-se, a propósito, o espaço aberto a essas entidades nas audiências públicas da Constituinte, noanexo (atas da 11ª e 12ª reuniões ordinárias da Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente.39 Cf. RODRIGUES NETO, Eleutério. A Saúde na Constituinte: uma análise preliminar, p. 96. In:Caderno CEAC/UnB, Brasília, ano 1, n. 1, p. 95-101

Page 29: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

29

escolhidos pelo Presidente da República a partir de lista quíntupla apresentada por

diversas entidades, resultando numa composição de sete representantes governamentais,

três patronais, três dos trabalhadores e dois da área médica, evidenciando-se, assim, uma

maioria de membros representando a sociedade civil.

Como anotou CARVALHO40, das várias propostas apresentadas pelo

CONASP apenas dois grandes projetos foram efetivamente implementados: o de

racionalização das contas hospitalares (com a introdução da AIH – Autorização de

Internação Hospitalar) e o das ações integradas de Saúde (AIS). Estas úlimas

operacionalizaram-se através dos convênios trilaterais entre Ministério da Previdência e

Assistência Social, Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais de Saúde, a partir dos

quais duas diretrizes que viriam a caracterizar o SUS começaram a consolidar-se: a

descentralização, pelas transferências financeiras sistemáticas aos Estados e

Municípios, e a participação da sociedade na gestão e no controle dos serviços de

saúde , com a constituição de Comissões Interinstitucionais em Saúde (CIS),

CR(regional)IS, CIM(municipal)S, com a participação dos gestores governamentais, em

um primeiro momento e, na seqüência, também de prestadores públicos e privados,

profissionais e usuários, antecipando o papel que depois seria desempanhado pelos

Conselhos de Saúde no controle social do sistema. No Município do Rio de Janeiro, a

partir de 1984, desenvolveu-se, por decisão da respectiva CIMS, uma singular

experiência de gestão descentralizada, com a criação dos Grupos Executivos Locais

(GELs) nas cinco áreas de planejamento em que estava dividido o município,

compostos pela totalidade de diretores de unidades de saúde existentes na área e igual

número de representantes da comunidade ali existente, inaugurando-se, assim, o

princípio da paridade que depois foi consagrado na Lei 8.142/90.41

Com a abertura do governo à participação da sociedade organizada

por ocasião da crise da Previdência, especialmente com a criação das CIS, o Movimento

de Reforma Sanitária passou a ocupar espaços de destaque no governo e pôde, assim,

viabilizar a institucionalização da participação comunitária e popular na gestão do

40 Cf. op. cit., p. 43.41 Cf. op. cit., p. 46.

Page 30: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

30

sistema de saúde como elemento estratégico do processo da reforma sanitária que se

empreendeu, abrindo espaço para a criação dos conselhos de saúde como são hoje

concebidos.

O Estado tornara-se mais permeável e a sociedade mais madura nas

suas lutas pela melhoria dos serviços de saúde. Estava aberto o caminho para a

institucionalização da participação da comunidade como principal meio de garantir a

adequação das políticas de saúde às necessidades da sociedade, bem como um eficaz

controle social na repressão a fraudes e desvios de recursos. Essas finalidades, todavia,

só poderão ser plenamente atendidas com efetiva independência dos conselhos, para o

que esta monografia pretende contribuir.

II.b – A 8a. Conferência Nacional de Saúde e sua influência naConstituinte 87/88

A 8a. Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada entre 17 e 21

de março de 1986, em Brasília, presidida por Sérgio Arouca, então presidente da

FIOCRUZ42, foi o ponto culminante do chamado “Movimento de Reforma Sanitária” e

do amplo processo de discussão por ele promovido. Conjugando os vários fatores

democratizantes inspiradores da Nova República, tendo sido precedida por conferências

preparátorias estaduais e municipais, e contando com a participação de quase 5.000

pessoas, sendo 1.000 delegados, distribuídos entre produtores de serviços de saúde

(profissionais) e usuários (sociedade civil organizada), a 8a. CNS marcou de forma

impactante o início do exercício, na arena estatal e em larga escala, da participação

institucional de representações da sociedade civil no processo de concertação de

interesses e pactação de políticas em saúde. Correspondeu, ademais, a uma estratégia de

ampliação do debate setorial com a inclusão da sociedade civil organizada, com vistas a

42 Sérgio Arouca responde hoje (maio/2003) pela Secretaria de Gestão Participativa e de Vigilância emSaúde do Ministério da Saúde, dentro da qual se inserem as questões relacionadas ao Controle Social. Éde se esperar que, nesta condição, garanta todos os meios necessárioas à efetiva participação dacomunidade tal qual preconizado na 8a. CNS.

Page 31: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

31

alcançar o acúmulo político necessário à reforma sanitária propugnada pelo Movimento

de Reforma Sanitária, como registra ANTÔNIO IVO DE CARVALHO43.

Como referem ELEUTÉRIO RODRIGUES NETO44 e ÁGUEDA

WENDHAUSEN45, as propostas da 8a. CNS passaram a nortear o processo de Reforma

Sanitária Brasileira, ressaltando a articulista que se abriam a partir dela as portas para

um modelo de saúde democrático, em oposição ao modelo tradicionalmente autoritário

e excludente, acordando-se que o “controle social” e a descentralização política e

administrativa seriam elementos importantes para garantir o direito universal e

igualitário à saúde, objetivo central da Reforma Sanitária Brasileira.

Foi convocada pelo Decreto 91.466, de julho de 1985, com o

desafiador compromisso de propor uma ampla reforma setorial, visto que tinha como

temário:

“I – a saúde como direito inerente à personalidade e à cidadania;

II – reformulação do Sistema Nacional de Saúde, em consonância com os princípios

de: integração orgânico-institucional, descentralização, universalização e

participação; redefinição dos papéis institucionais das unidades políticas (União,

Estados, Municípios e territórios) na prestação de serviços de saúde;

III – financiamento setorial.”

O artigo 3° do referido decreto previa de forma inédita a participação

da sociedade civil, melhor detalhada no artigo 2° do regimento interno da conferência,

que definia como delegados os representantes: “de organizações sindicais de

trabalhadores rurais e urbanos, bem como de entidades patronais de âmbito nacional”

(inc. IV), “dos conselhos federais, associações e federações nacionais de profissionais

de saúde” (inc. V) e “de outras instituições da sociedade civil a critério da Comissão

Organizadora” (inc. IX). Como observou CARVALHO46, a participação de usuários

43 Cf. op. cit. p. 5144 Cf. op. cit. p. 9845 Cf. WENDHAUSEN, Águeda. Micropoderes no Cotidiano de um Conselho de Saúde. 1999.Resumo de Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.Disponível em: <http://igspot.ig.com.br/paulo.denis/PesquisaAgueda.doc.> Último acesso em: 24 mai.2003.46 Cf. op. cit. p. 53

Page 32: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

32

foi bastante significativa, sobretudo de entidades comunitárias e sindicais de

trabalhadores, e a figura do “participante”, prevista regimentalmente, permitiu uma

presença maciça de pessoas e entidades interessadas no debate, não se verificando em

nenhum outro setor um processo tão amplo de discussão.

Sob outro prisma, o comparecimento das maiores autoridades políticas

do país, destacando-se os Ministros da Saúde, Carlos Santanna, e da Previdência,

Raphael de Almeida Magalhães, bem como o então presidente do PMDB e

posteriormente da constituinte, Ulisses Guimarães e o Presidente da República, José

Sarney, reforçou a legitimidade da Conferência. Sarney, em seu discurso, profetizou:

“Aqui definem-se os rumos de uma nova organização do sistema de saúde no Brasil (…). Faço votos de

que esta Conferência (…) há de representar a pré-constituinte da saúde no Brasil.”47 Representou.

O próprio regimento interno da Conferência estabelecia que sua

finalidade seria “obter subsídios visando contribuir para a reformulação do Sistema Nacional de Saúde

e proporcionar elementos para se debater a saúde na futura constituinte”48.

Com efeito, sua importância na constituinte de 1987/88 foi grande.

Nas primeiras reuniões de constituição da Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio

Ambiente, da Comissão da Ordem Social, o então Deputado Federal constituinte,

Eduardo Jorge, médico no Estado de São Paulo e ativo integrante do Movimento de

Reforma Sanitária registrava que “Um fato importante na área da saúde, no Brasil, foi a 8a.

Conferência Nacional da Saúde […] que produziu um documento que tem sido referência de todo

trabalho dos Ministérios da área. […] Como foi uma conferência muito ampla e teve a participação desses

órgãos específicos da área da saúde, da comunidade e do Estado, é uma referência importante, até um pré-

roteiro para discussão nessa área”49. O mesmo constituinte, manifestando-se no encerramento

das audiências públicas em que se fizeram presentes vários representantes do setor da

saúde e da sociedade civil organizada, ressaltou que: “Neste painel (das audiências públicas),

que foi muito bem desenvolvido, com a presença das entidades que se deslocaram até Brasília, acho que

47 apud NASCIMENTO, Álvaro. História da 8a. Conferência Nacional de Saúde. Disponível em<www.fiocruz.br/histoconferencias/oitavas.html>. Acesso em: 12 mai 200348 Ibidem

Page 33: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

33

ficou claro praticamente uma unanimidade em relação à necessidade de mudar-se o conceito de saúde

para um conceito mais abrangente, caracterizando a sáude como um direito da população e a necessidade

de uma reforma sanitária profunda no Brasil, como foi aqui tratada por várias entidades. Dessa reforma

sanitária profunda destacar-se-íam dois princípios entre vários outros: qual seja a necessidade de

unificação desse sistema e a necessidade de participação da comunidade no controle do mesmo .”50

(grifo ausente no original)

O debate que culminou no relatório final da 8a. CNS foi tão

representativo e profundo que as entidades ligadas à área apresentaram documentos

similares à Subcomissão de Saúde, o que chamou a atenção dos constituintes. Em

resposta a essa preocupação, o então Presidente do Conselho Federal de Medicina, Sr.

Francisco Álvaro Barbosa Costa, uma das autoridades ouvidas nas audiências públicas

promovidas pela subcomissão, assim manifestou-se:

“Parece-me que a sociedade brasileira conseguiu, em fóruns anteriores a este,

buscar uma proposta que atendesse aos interesses do conjunto da sociedade. Não é,

pois, uma coisa combinada, é um produto de um processo democrático de discussão

e de formulação e que não atende a setores que até ficam anacrônicos quando aqui

apresentados, postulações corporativas de setores menores específicos, quando se

pretende discutir os interesses dos setores da sociedade. […]

A VIII Conferência Nacional de Saúde que foi precedida de pré-conferências

regionais – e o autor de uma delas está aqui presente – em todo o país, em seguida

de conferências específicas, constituiu-se, portanto, um fórum representativo e

amplamente democrático, configurando uma verdadeira pré-constituinte da saúde.

Náo é, pois, por acaso que os documentos trazem formulações semelhantes. Ficou

patante a preocupação nessa Conferência dos setores populares, representados por

entidades de moradores de bairros, sindicais e de técnicos, em criticar, analisar, mas

sobretudo em apontar caminhos, soluções para a implementação de uma verdadeira

reforma sanitária.”(Diário da Assembléia Nacional Constituinte, Suplemento, 19 de

julho de 1987, pp. 113-116)

49 Cf. Ata da 2a. Reunião da Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, pp. 120/1. Diário daAssembléia Nacional Constituinte, Suplemento, Brasília, DF, 16 de jul. 1987. Disponível em<www.camara.gov.br>, na seção “Diários”50 Cf. Ata da 11a. Reunião da Subcomissão da Saúde, Seguridade e Meio Ambiente da AssembléiaNacional Constituinte, p. 124. Diário da Assembléia Nacional Constituinte, Suplemento, Brasília, DF,19 jul. 1987. 124. Disponível em <www.camara.gov.br>, na seção “Diários”

Page 34: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

34

Com efeito, as manifestações levadas à discussão na Assembléia

Nacional Constituinte por várias outras entidades ligadas ao setor da saúde

(notadamente a ABRASCO, a Associação Brasileira de Enfermagem, o CEBES, a

Federação Brasileira de Nutrição) só fizeram coro às palavras do representante do

Conselho Federal de Medicina51.

Em atenção à relevância da 8a. Conferência Nacional de Saúde e, em

especial, atentando à sua legitimidade social e à profundidade com que se discutira o

modelo ideal de saúde para o país, o texto do anteprojeto da Subcomissão da Saúde,

Seguridade e Meio Ambiente incorporou integralmente as idéias constantes no relatório

final da conferência, prevendo, no seu artigo 2° (gênese do que viria a ser o artigo 198

da Constituição, em sua redação final), que:

“As ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e

constituem um Sistema Único, organizado de acordo com o os seguintes princípios:

I – comando administrativo único em cada nível de governo;

II – integralidade e continuidade na prestação das ações de saúde;

III – gestão descentralizada, promovendo e assegurando a autonomia dos Estados e

Municípios;

IV – participação da população através de entidades representativas na formulação

das políticas e controle das ações nos níveis federal, estadual e municipal, em

conselhos de saúde”.

Adotaram-se praticamente os mesmos termos da proposta constante

do Relatório Final da 8a. CNS, que estabelecia, no item 3 do Tema 2 (Reformulação do

Sistema Nacional de Saúde) que:

“O novo sistema Nacional de Saúde deverá reger-se pelos seguintes princípios:

a) referente à organização dos serviços:

- descentralização na gestão dos serviços;

- integralização das ações, superando a dicotomia preventivo-curativo;

- unidade na condução das políticas setoriais;

- regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de serviços,

51 Cf. Ata da 11a. Reunião da Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, da AssembléiaNacional Constituinte, op. cit., disponível também nos anexos desta monografia.

Page 35: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

35

- participação da população, através de suas entidades representativas, na

formulação da política, no planejamento, na gestão, na execução e na avaliação

das ações de saúde;

- fortalecimento do papel do Município;

- introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços de

saúde, possibilitando ao usuário o direito democrático de escolher a terapêutica

preferida.” (grifo ausente no original)

No tema 1 (“Saúde como Direito”), do mesmo relatório, foi

identificada dentre as medidas imprescindíveis para assegurar o direito à saúde a toda a

população brasileira o estímulo “à participação da população organizada nos núcleos

decisórios, nos vários níveis, assegurando o controle social sobre as ações do Estado.” (grifo ausente no

original)

A adoção do relatório final da 8a. CNS como base do anteprojeto da

Subcomissão da Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, aprovado em 23-05-87, foi

explicitamente reconhecida por seu relator, o Constituinte Carlos Mosconi:

“A abordagem da saúde, no Anteprojeto que ora apresentamos à Comissão Temática

[da Ordem Social] configura absoluta inovação, atendendo reivindicações

manifestas pela sociedade e das entidades representativas dos profissionais da área,

respaldadas nas conclusões da 8a. Conferência Nacional de Saúde”52

Independentemente desse registro, da simples comparação dos dois

textos chegar-se-ia à mesma conclusão.

O texto da subcomissão no que se refere ao inciso em comento foi

pouco modificado nas discussões que resultaram no anteprojeto da Comissão da Ordem

Social, extraindo-se tão-somente a parte final “em conselhos de saúde”, de modo a

tornar o texto mais conciso e permitir várias formas de participação da comunidade que

não apenas em conselhos53. Após o anteprojeto da Comissão da Ordem Social, foram

52 Cf. relatório e anteprojeto nos anexos. Volumes 192 e 194 dos documentos da Assembléia NacionalConstituinte de 1987/88. Disponível em www.camara.gov.br , seção diários.53 Cf. Anteprojeto da Comissão da Ordem Social, nos anexos. Vol. 187 dos documentos da AssembléiaNacional Constituinte. Disponível em www.camara.gov.br , seção diários.

Page 36: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

36

também poucas as alterações promovidas no plenário, como se constata da leitura do

art. 198 da versão final da Constituição:

“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e

hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as

seguintes diretrizes:

I – descentralização com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem

prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.”

A diferença de redação no inciso que interessa a este trabalho (III)

deveu-se exclusivamente à necessidade de concisão e não ao abandono da idéia original.

A essa conclusão se chega a partir de três circunstâncias apuradas no desenvolvimento

da Assembléia Nacional Constituinte.

A primeira diz com o processo constituinte. O texto elaborado na

Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, com a pequena alteração já

referida na Comissão de Ordem Social, integrou o primeiro Projeto de Constituição

apresentado pelo relator da Comissão de Sistematização em 29 de junho de 1987. Este

projeto, todavia, contava com 501 artigos e, demasiadamente extenso e detalhado,

acabou merecendo o apelido de “Frankenstein”54. No processo de depuramento do texto

que resultou no primeiro substitutivo do relator o dispositivo foi excluído, o que

motivou duas emendas, apresentadas em 05 de setembro de 1987, ambas de redações

concisas, referindo-se apenas à “participação da comunidade” como diretriz do SUS:

uma (ES 32784-4) do constituinte Joaquim Sucena, cuja justificativa estava assim

redigida “Dita as diretrizes e a forma das ações e serviços de saúde, bem como, suas diretrizes, seu

financiamento e limita os recursos orçamentários no atendimento de entidades com fins lucrativos”;

outra (ES33695-9) do constituinte Raimundo Bezerra (integrante da Subcomissão de

54 Cf. BASTOS, op. cit., p. 93. O autor refere que o aludido projeto contava com 551 artigos. Todavia emartigo disponilizado pela Seção de Documentação Parlamentar da Câmara dos Deputados, consta ainformação de 501 artigos. Cf. OLIVEIRA, Mauro Márcio. Panorama do Funcionamento da AssembléiaNacional Constituinte. In: Fontes de Informações sobre a Assembléia Nacional Constituinte de 1987:Quais são, onde buscá-las e como usá-las . Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas,1993.

Page 37: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

37

Saúde) e outros, assim justificada: “O dispositivo proposto visa estabelecer as diretrizes básicas

que deverão ser observadas na organização do sistema único de saúde, bem como definir a forma de seu

financiamento. No §2° reproduziu-se norma contida no §4° ao art. 262 do Projeto, por ser matéria

correlata, suprimindo-se, portanto, este último parágrafo.”55 A segunda emenda mereceu este

parecer do relator: “Acolhida no mérito e na redação explícita e clara. Pela aprovação.”56 Foram,

de fato, ambas aprovadas e passaram a integrar o segundo subsitutivo do relator, com a

redação quase definitiva do artigo 198, tendo-se apenas, nas fases posteriores,

aglutinado o conteúdo de dois dos incisos, o que tratava da descentralização e o do

comando único em cada nível de governo, em um só (no I). No que se refere ao inciso

III (“participação da comunidade”) nenhuma nova alteração sobreveio até a redação

definitiva do texto constitucional57. Ora, se o constituinte que encabeçou as subscrições

à emenda aprovada, Raimundo Bezerra, havia integrado a Subcomissão de Saúde,

Seguridade e Meio Ambiente e subscrito seu anteprojeto, resta evidente que nenhuma

objeção se fazia à idéia original da subcomissão; pelo contrário, buscavam seus

integrantes darem eles próprios a redação concisa que se esperava de um texto

constitucional mais enxuto de modo a evitar que o ideário (ditado, como visto, pela 8a.

Conferência Nacional de Saúde) original se perdesse. Ademais, Raimundo Bezerra era

médico, integrante do Movimento de Reforma Sanitária e, na Assembléia Constituinte,

notabilizou-se pela defesa da saúde pública no Brasil.58

55 As duas emendas encontram-se no Anexo VI e foram publicadas no volume 239 dos documentos daAssembléia Nacional Constituinte, que engloba as “Emendas oferecidas em plenário ao sustitutivo dorelator”. Pelas justificativas, vê-se claramente que o seu único intuito era reintroduzir no textoconstitucional as diretrizes do SUS. Não havia, pois, na concisão da expressão “participação dacomunidade” qualquer intuito restritivo dessa diretriz.56 Disponível em <www.senado.gov.br>, no Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON), nabase de dados APE – Anteprojetos, Projetos e Emendas da Assembléia Nacional Constituinte. Disponíveltambém nos anexos. 57 Corrobora a conclusão deste autor resposta recebida pela Seção de Documentação Parlamentar daCâmara dos Deputados a questionamento sobre o assunto: “Conforme o que pudemos levantar, aalteração da redação que saiu da Subcomissão para a que foi finalmente aprovada ocorreu na denominadaFase ‘O’ do processo constituinte. Até ao Projeto de Constituição da Comissão de Sistematização o textoé o mesmo. No projeto seguinte, que é o Primeiro Substitutivo do Relator da Comissão de Sistematização,o dispositivo é excluído e reaparece em seguida no Segundo Substitutivo do Relator da Comissão deSistematização já com o texto alterado e que acabou sendo aprovado. E nesta fase localizamos duasemendas com os textos idênticos ao aprovado. A emenda 33695 do Constituinte Raimundo Bezerra que jáé do seu conhecimento e a emenda 32784 do Constituinte Joaquim Sucena, ambas aprovadas. O quesugere serem as responsáveis pela alteração do texto. Atenciosamente, Manoel Ramos Júnior –SEDOC/CD”. Cumpre esclarecer que a fase “O”, segundo o “Panorama do Funcionamento daAssembléia Nacional Constituinte”, disponibilizado pelo referido setor, corresponde a de emendas aoprimeiro substitutivo do relator.58 É o que registra o site do IDISA (www.idisa.org.br) – Instituto de Direito Sanitário Aplicado, emhomenagem póstuma a Raimundo Bezerra.

Page 38: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

38

Também o trabalho de acompanhamento das discussões da

Constituinte sobre o tema saúde feito por ELEUTÉRIO RODRIGUES NETO

demonstra que não houve objeção à ampla participação popular nem ao controle social

nessa área, visto que o articulista indica os pontos polêmicos do anteprojeto da

Comissão da Ordem Social sem incluir dentre eles a participação popular como diretriz

do SUS59.

Por fim, tem-se a votação da redação final, publicada no Diário da

Assembléia Nacional Constituinte de 18 de maio de 198860 em que a grande maioria

dos partidos votou favoravelmente, inclusive aqueles que, como o PT, representado na

Subcomissão de Saúde pelo constituinte Eduardo Jorge, defendiam apaixonadamente a

incorporação no texto constitucional das principais conclusões da 8a. CNS, com

destaque para o controle social e a participação da comunidade na gestão do Sistema

Único de Saúde.

Evidencia-se, pois, que a concisão do texto final do art. 198 não

significa sob hipótese alguma o abandono da idéia original aprovada na Subcomissão de

Saúde, Seguridade e Meio Ambiente acerca da participação popular e do controle social,

embasada, como visto, nas conclusões da 8a. Conferência Nacional de Saúde.

Sendo tamanha a importância da 8a. CNS, impende dar o merecido

destaque ao diagnóstico resultante das amplas discussões que nela se travaram acerca

dos problemas da saúde no Brasil. Nessa perspectiva dois tópicos merecem ser

transcritos, constantes do Relatório Final, no que respeita ao Tema 1 (Saúde como

Direito):

59 Op. cit. , pp. 99-101. Identificou o articulista os seguintes pontos polêmicos: proibição de propagandacomercial de medicamentos, papel do setor privado e relação com setor público, vinculação da saúdeocupacional ao Sistema Único de Saúde e a inserção da saúde como uma das áreas da seguridade social,pelo que aquela deixaria de contar com financiamento próprio e específico.60 Diário da Assembléia Nacional Constituinte, Brasília, DF, 18 mai. 1988, p. 10454-58. Contante doAnexo VII

Page 39: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

39

“8 – A evolução histórica desta sociedade desigual ocorreu quase sempre na

presença de um Estado autoritário, culminando no regime militar, que desenvolveu

uma política social mais voltada para o controle das classes dominadas, impedindo o

estabelecimento de canais eficazes para as demandas sociais e a correção das

distorções geradas pelo modelo econômico.

Este quadro decorre basicamente do seguinte:

- debilidade da organização da sociedade civil, com escassa participação

popular no processo de formulação e controle das políticas e dos serviços de

saúde;

- falta de transparência na aplicação de recursos públicos, o que contribuiu para

o seu uso dispersivo, sem atender às reais necessidades da população” (grifos

ausentes do original)

Buscando apresentar soluções para este problema que os

conferencistas sustentaram a necessidade de “estimular a participação da população organizada

nos núcleos decisórios, nos vários níveis, assegurando o controle social sobre as ações do Estado”

(quinto tópico do item 12 do tema 1, p. 8).

Este diagnóstico deve sempre ser considerado na interpretação do

inciso III do art. 198, na medida que representa seu substrato finalístico, vale dizer,

constitui sua razão de ser.

No que respeita ao tema 2 (“Reformulação do Sistema Nacional de

Saúde”), onde foram estabelecidos os princípios que deveriam reger o novo sistema -

depois repetidos, como visto, no texto constitucional como diretrizes do SUS – fez-se

constar nos tópicos 25 e 26:

“25. Deverão também ser formados Conselhos de Saúde em níveis local, municipal,

regional e estadual, compostos de representantes eleitos pela comunidade (usuários e

prestadores de serviço), que permitam a participação plena da sociedade no

planejamento, execução e fiscalização dos programas de saúde.

Page 40: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

40

26. É indispensável garantir o acesso da população às informações necessárias ao

controle social dos serviços, assegurando, a partir da constituição de um Sistema

Nacional de Informação a:

- maior transparência às atividades desenvolvidas pelo setor;

- adoção de políticas de saúde que respondam efetivamente à complexidade do perfil

sócio-sanitário da população brasileira”

Ficava evidente que o controle social e a participação da comunidade,

insistemente recomendados pela 8a. CNS, objetivavam, primordialmente, combater a

má aplicação de recursos, seja em razão dos desvios, contra o qual se buscava

transparência viabilizadora de efetivo controle social, seja em razão da inadequação às

necessidades da população, contra o que a efetiva participação desta na formulação das

políticas públicas e no planejamento das ações em saúde era o melhor remédio.

É preciso reconhecer que a sociedade organizada reivindicava, com a

abertura democrática, o incremento de sua participação direta na gestão da coisa

pública, como forma de garantir a adequada condução das políticas governamentais.

Eram novos tempos; construía-se uma nova sociedade e, no particular, a sociedade já

não mais aceitaria um papel coadjuvante.

Todas essas circunstâncias – cabe registrar – não passaram

despercebidas ao relator do anteprojeto da subcomissão que ressaltou:

“Estamos chegando a um ponto da transição democrática em que aparecem expostos

os nervos particularmente sensíveis do tecido social esgarçado; a fragilidade de

acordos políticos inviáveis e a deterioração dramática da situação econômica. […]

Indica, igualmente, a mudança inexorável de procedimentos na mecânica social,

consubstanciada pela exigência objetiva – e não mais pela simples expectativa – de

mudanças que levem à definição de espaços claros e justos para os diversos

segmentos que compõem a nação brasileira. […] Não há como recuar no caminho

das transformações que, se forem novamente escamoteadas por omissão, conivência

ou leviandade, farão incidir sobre nós o peso de termos jogado por terra a última

reserva de esperança da maioria da sociedade espoliada, discriminada e represada,

nos seus anseios de cidadania, há séculos.”

Page 41: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

41

Diante de tais constatações, registrou que o texto marcava conquistas

históricas para o país, dentre elas a “democratização administrativa, pela participação de

empregadores e empregados na direção do sistema”.

Esse diagnóstico precisa ser considerado na interpretação dos

dispositivos constitucionais pertinentes à saúde, especialmente no que se refere à

participação da comunidade, pois, como visto, em grande parte (e no caso citado temos

um exemplo) eles foram resultado dos debates que se travaram na 8a. Conferência

Nacional de saúde, não podendo os legisladores ordinários trair as diretrizes traçadas

pela Assembléia Nacional Constituinte. Trata-se de interpretação ao mesmo tempo

histórica e finalística ou teleológica. Em relação à primeira, reconhece a doutrina 61 ser

bastante útil para captar a ratio legis das normas, abrangendo tanto a averiguação do

histórico do processo legislativo, desde o projeto de lei, sua justificativa ou exposição

de motivos, emendas, aprovação e promulgação, como também das circunstâncias

fáticas que a precederam e lhe deram origem, as causas ou necessidades que induziram

o órgão a elaborá-la; a segunda, por seu turno, goza de preponderância sobre todas as

outras formas de interpretação62, na medida que o Direito é uma ciência destinada a

regular adequadamente as relações socias.

61 Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo:Saraiva, 1994, p. 154..62 Nesse sentido o mestre maior dos hermeneutas brasileiros, CARLOS MAXIMILIANO, inHermenêutica e Aplicação do Direito, p. 314, justamente no capítulo sobre Direito Constitucional. Omesmo autor, no capítulo referido, também reconhece a destacada importância do elemento histórico naexegese da “Código básico”, registrando que “A história da Constituição e a de cada um de seusdispositivos contribuem para se interpretar o texto respectivo. Estudem-se as origens do Códigofundamental, as fontes de cada artigo, as causas da inserção das diversas providências na lei, os fins quese tiveram em mira ao criar determinado instituto ou vedar certos atos. […] É de rigor o recurso aos Anaise a outros documentos contemporâneos, a fim de apurar qual era, na época da Constituinte, a significaçãoverdadeira e geralmente aceita dos termos técnicos encontrados no texto.” – p. 310. Também LUÍSROBERTO BARROSO, op. cit., pp. 136/7, corrobora a preponderância que se deve dar ao métodoteleológico e assevera que “A Constituição e as leis, portanto, visam a acudir certas necessidades e devemser interpretadas no sentido que melhor atenda à finalidade para a qual foi criada”, deve-se buscar a ratiolegis. O mesmo autor lembra que a importância da interpretação teleológica é tamanha que o legisladorbrasileiro, nas raras exceções em que editou uma lei de cunho interpretativo, a Lei de Introdução aoCódigo Civil, dispôs que “na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que a ela se dirige e àsexigências do bem comum (art. 5°)”.

Page 42: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

42

CAPÍTULO III – CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DO SUS.

O PAPEL DOS CONSELHOS E DE SUAS PRESIDÊNCIAS

Estudadas a democracia participativa e as origens da disposição que

garantiu a participação da comunidade como diretriz do SUS, impende agora direcionar

os trabalhos para a concreção dessas orientações, previstas na Lei 8.142/90 e nas que se

lhe seguiram, especialmente no que respeita às atribuições dos conselhos. A

investigação que se faz, na seqüência, sobre as atribuições da presidência objetivam tão-

somente demonstrar a incompatibilidade dos gestores de saúde com essa função,

tratando-se no próximo capítulo da inconstitucionalidade das disposições normativas

que prevêem os gestores como presidentes natos dos conselhos.

III.a – Controle Social e Participação Popular. Conceito e distinção.

Antes de aprofundar o papel dos conselhos de saúde no controle social

e na participação popular, impende explicitar o sentido de ambas as expressões

atribuído neste trabalho, objetivando, também, afastar o risco de confusão entre elas.

Primeiramente, é preciso registrar que aqui não se dá à expressão

“controle social” a acepção tradicional do discurso sociológico, de “conjunto de meios de

intervenção, quer positivos, quer negativos, acionados por cada sociedade ou grupo social a fim de

induzir os próprios membros a se conformarem às normas que a caracterizam”63. Essa idéia,

coincidente com a tradição do pensamento de HOBBES, para quem cabia ao Estado o

papel de conter as forças e tendências individualistas desagregadoras presentes na

sociedade em estado “natural”, não é estranha ao direito sanitário64. Foi segundo seus

63 Cf. verbete in BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário dePolítica, 8a ed., Brasília: Editora da UnB, 1995.64 Cf. WENDHAUSEN, op. cit. A Professora Doutora defende, sob interessante ponto de vista, a idéia deque a excessiva medicalização que grassa na saúde brasileira não deixa de ser uma forma de controlesocial, na acepção referida no texto, construído a partir do saber/poder de várias instâncias, dentre elas, oEstado e a instituição médica. Cita autores como Illich, Foucault, Donzelot, Costa e outros quedemonstram, através de suas obras como a saúde, ao longo dos séc. XVIII e XIX foi sendo incorporada aoEstado capitalista como estratégia de controle sobre as populações, de modo que aspectos da existência

Page 43: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

43

preceitos que se inauguraram as intervenções estatais no campo da saúde coletiva,

podendo-se citar, como exemplo brasileiro, as campanhas sanitaristas promovidas por

Osvaldo Cruz no Rio de Janeiro, no início do século passado. Controle social é, nessa

acepção, o Estado sobre o indivíduo ou mesmo sobre a sociedade organizada65.

Nesta monografia, ao contrário, dá-se à expressão sentido inverso,

desenvolvido mais recentemente, em que é a sociedade que se impõe sobre o Estado.

Esta é a significação que empresta ao termo CARLOS AYRES BRITTO, hoje Ministro

do Supremo Tribunal Federal, em artigo sobre o tema objeto deste tópico66. Para o

autor, que se vale do sentido vernacular de controle (“verificação”, “investigação”,

“fiscalização”) e ressalta que foi esse o sentido emprestado ao termo pela Constituição

ao dispor sobre controle externo e interno da União na Seção IX (“Da Fiscalização

Contábil, Financeira e Orçamentária”) do Capítulo I (“Do Poder Legislativo”) do Título

IV (“Da Organização dos Poderes”), sobre o controle do Congresso Nacional quanto

aos atos do Poder Executivo (art. 49, X) e sobre o controle externo da atividade policial

(art. 129, VII), o controle social é a “fiscalização que nasce de fora para dentro do Estado,

exercida por particulares ou por instituições da sociedade civil”. Ou seja, diferentemente do

demais casos citados, que se operam dentro da própria máquina estatal, o controle social

tem sua origem fora dela, diretamente na sociedade.

CARVALHO67, após traçar um histórico das relações entre sociedade

e Estado no que respeita ao controle e à participação em saúde, corrobora essa posição,

definindo “controle social” como a “moderna compreensão de relação Estado-sociedade, onde a

esta cabe estabelecer práticas de vigilância e controle sobre aquele”.

Foi essa também a acepção dada à expressão pelo Movimento de

Reforma Sanitária quando, dentre as conclusões da 8a. Conferência Nacional de Saúde

ressaltava a imprescindibilidade de, para assegurar o direito à saúde a toda a população

como a alimentação, a procriação, a convivência etc., foram se tornando cada vez mais normatizados eesse saber ficou restrito a determinadas categorias profissionais, dentre elas a do médico. Não obstante aimportância e o interesse da tese levantada, refoge totalmente ao objeto desta monografia, razão pela qualfoi trazida apenas sucintamente, em nota de rodapé.65 Cf. CARVALHO, op. cit., p. 12.66 Distinção entre “Controle Social do Poder” e “Participação Popular” in Revista de DireitoAdministrativo , Vol. 19. Rio de Janeiro, jul-set 1992, pp. 114-2267 Op. cit., p. 8

Page 44: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

44

brasileira, “estimular a partipação da população organizada nos núcleos decisórios, nos vários níveis,

assegurando o controle social sobre as ações do Estado” (tópico 12 do tema I – cf. anexo I, p.

08). Cabe notar que o texto faz uma distinção adiante desenvolvida entre “participação

popular” e “controle social”, não raro confundidos.

Nesse sentido, “controle social” é, como bem conclui CARLOS

AYRES DE BRITO, direito subjetivo da cidadania e não expressão do poder político

(como é o caso da participação popular, abordada mais adiante). Como direito público

subjetivo, “implica a assunção de uma conduta privada que se quer respeitada pelo Poder Público … o

que se busca não é exatamente traçar uma conduta futura para o Estado, mas … impor ao Estado a

vontade dele, particular, de penetrar na intimadade das repartições públicas para reconstituir fatos ou

apurar responsabilidades”68. Por óbvio que, no exercício dessa prerrogativa, não pode estar

o cidadão jungido a uma presidência estatal. Esvazia-se, neste caso, o direito à

cidadania, controla-se-o para impedir-lhe plena efetividade.

Outro é o sentido de participação popular. Esta é uma forma de

exercício do poder político, vale dizer, uma forma de influir diretamente na formação da

vontade do Estado. É consagração da soberania popular pela via direta, tal qual

consagra a Constituição Federal de 1988 no parágrafo único do artigo primeiro (“Todo

poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição”).

Esclarece BRITO69 que o “diretamente” do parágrafo único significa

“o povo assumindo-se enquanto instância deliberativa, tanto quanto se assumem como instância

deliberativa os ‘representantes eleitos’ por esse mesmo povo”. Não por coincidência a Lei

8.142/90 é explícita em conferir “caráter deliberativo” aos conselhos de saúde. Há,

ademais, várias passagens do texto constitucional em que o vocábulo “participação”

aparece enlaçado com outros nitidamente denotadores de ingerência decisória da

comunidade. É o que ocorre, por exemplo, nos artigos 7°, XI e 194, VII (com “gestão”)

e no artigo 204, II (com “formulação de políticas”).

68 Op. cit., pp. 116-7

Page 45: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

45

Também o artigo 198, III, na sua versão original extraída do

anteprojeto aprovado na Subcomissão da Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, como

vimos, era explícito:

“Art. 2° - As ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e

hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com os

seguintes princípios:

IV – participação da população através de entidades representativas na formulação

das políticas e controle das ações nos níveis federal, estadual e municipal, em

conselhos de saúde”

A sintetização para “participação da comunidade” na redação

definitiva - efetuada por razões de concisão e não de mérito, como se demonstrou na

segunda seção do capítulo II - não lhe diminuiu o conteúdo ou o alcance. Primeiro

porque, como visto, é inerente ao vocábulo “participação” a idéia de exercício direto do

poder, consagrado no parágrafo único do artigo primeiro, enlaçado terminologicamente

com a idéia de gestão e formulação de políticas. Segundo, no que se refere à supressão

da expressão referente ao “controle das ações”, porque este (o controle social) é um

minus em relação à participação. Quem pode exercer diretamente o poder, participar de

suas escolhas políticas, pode controlar a respectiva execução. É o que ocorre com o

Congresso Nacional que, por titularizar a função de criar as leis, tem a competência de

fiscalizar sua execução (art. 70, CF/88). A lembrança é de BRITO70.

Vê-se, assim, que os conteúdos de “controle social” e “participação da

comunidade” não se confundem, estando àquele mais ligado à idéia de fiscalização e

esta de deliberação. A distinção, contudo, em nada interfere no poder dos conselhos,

que detém ambos, como explicitamente se extrai dos termos do §2° do art. 1° da Lei

8.142/90, onde se lê:

“§2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão

colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço,

69 Op. cit., p. 11970 Ibidem, p. 120, nota de rodapé n. 3

Page 46: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

46

profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias

[participação popular no exercício do poder] e no controle da execução da

política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos

econômicos e financeiros [controle social], cujas decisões serão

homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de

governo” (as explicações entre colchetes foram acrescentadas pelo autor

desta monografia)

Cabe ressaltar a coincidência – indubitavelmente intencional – entre a

redação do dispositivo legal e aquela constante do anteprojeto da subcomissão de saúde

na constituinte. A lei nada mais fez que explicitar o conteúdo normativo latente na

concisa expressão “participação da comunidade”.

A análise do supratranscrito parágrafo segundo é o tema do próximo

tópico.

III.b. O papel dos Conselhos de Saúde na efetivação do controle social eda participação popular. A efetivação da democracia participativa.

Como já consignado no tópico acerca da 8a. Conferência Nacional de

Saúde e sua importância na Constituinte, a participação da comunidade como diretriz do

SUS teve como principal razão garantir a adequada aplicação dos recursos, assim

entendida aquela em que os desvios são reduzidos ao mínimo possível - daí a

importância de transparência e do controle social, e os recursos são aplicados segundo

as reais necessidades da população envolvida - daí a importância da participação

popular na elaboração das políticas públicas e no planejamento estratégico, para

posterior execução do gestor (de regra, os secretários municipais e estaduais de saúde).

São as duas vertentes-chave da democracia participativa da qual os conselhos são

exemplo notável em nossa sociedade.

Page 47: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

47

Durante as audiências públicas na Subcomissão de Saúde, Seguridade

e Meio Ambiente, realizadas no dia 29 de abril de 198771, as exposições de dois

expoentes do Movimento de Reforma Sanitária, grande responsável pela realização e

pelo sucesso da 8a. Conferência Nacional de Saúde: o Presidente da ABRASCO

(Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva), Eleutério R. Neto, e o

presidente do Conselho Federal de Medicina, Francisco Álvaro Barbosa Costa, deram a

dimensão da importância da participação da comunidade e do controle social no novo

modelo de SUS que se pretendia.

O presidente da ABRASCO, em sua defesa da criação de um Sistema

Único de Saúde que tivesse como características principais a integração (comando

centralizado em cada esfera de governo), a integralidade do atendimento, a

descentralização administrativa e a participação da comunidade, sobre esta última assim

se manifestou:

“Uma quarta diretriz, que me parece a mais fundamental de todas, que acho que

é uma diretriz que deve estar presente na Constituição, não é uma questão particular

da saúde, mas na saúde ela se coloca de uma forma crítica, é a questão da

participação. Entendemos que nada disso, nem a descentralização, nem a

integração podem ter efetividade, podem funcionar se não tiverem um controle

social sobre a sua execução.”72 (grifos ausentes do original)

No mesmo sentido foram as palavras do então Presidente do Conselho

Federal de Medicina73:

“Já a partir da década de 70, grupos profissionais ligados à questão saúde e que se

opunham às políticas dos Governos militares avançavam na produção de

conhecimento e na denúncia da situação sanitária do País, que hoje explode com a

abertura democrática, com toda a clareza e com toda sua rudeza.

Basicamente demonstrou-se que, da parte do Estado, não havia prioridade pelo

social, demonstrou-se a acentuada influência no setor saúde, dos grupos

71 As respectivas atas encontram-se nos anexos.72 Cf. Ata da 11a. Reunião da Subcomissão da Saúde, Seguridade e Meio Ambiente da AssembléiaNacional Constituinte, p. 109. Diário da Assembléia Nacional Constituinte, Suplemento, Brasília, DF,19 jul. 1987. Disponível em <www.camara.gov.br>, na seção “Diários”

Page 48: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

48

mercantilistas, a não participação popular no processo de formulação e controle das

políticas de saúde, a falta de transparência na aplicação dos recursos e a inadequada

formação de recursos humanos além de baixa remuneração dos profissionais do

setor e do controle do setor de medicamentos e equipamentos pelas multinacionais.

A questão fundamental – porque aqui estamos discutindo muito a questão do Poder

Público – é a questão do controle social sobre as ações do Estado. Não estamos

discutindo que queremos este Estado que está aí constituído, para isso estamos

construindo uma Constituição. Queremos que haja controle social sobre as ações do

Estado, sem o que não basta ter participação pública, é preciso que haja controle

social sobre a ação do Estado.”

Foi tendo em conta todas essas preocupações que a Lei 8.142/9074

previu o conselho de saúde como instância colegiada do Sistema Único de Saúde (ao

lado das conferências de saúde), órgão de caráter permanente e deliberativo, composto

por representantes do governo, dos prestadores de serviço e dos usuários (estes últimos

com representação paritária aos demais) com as seguintes funções:

- atuar na formulação de estratégias relativas à política de saúde na

instância correspondente e

- exercer o controle da execução dessa mesma política, inclusive nos

aspectos econômicos e financeiros.

Enquanto a primeira função concretiza a participação popular no

exercício do poder político, objetivando garantir a adequação das políticas públicas às

realidades da comunidade atendida, a segunda assegura o controle social, vale dizer, a

fiscalização da aplicação dos recursos.

É em razão desse largo alcance de funções que LENIR SANTOS e

GUIDO CARVALHO75 proclamam a participação popular na organização do SUS

73 Ibidem, pp. 113-11574 O conteúdo da Lei 8.142/90 constara inicialmente da Lei 8.080/90 que, surpreendentemente, foi vetadano particular. Todavia, a mobilização das mesmas forças sociais responsáveis pela Reforma Sanitáriareverteram o infortúnio e garantiram, três meses depois, aprovação da Lei 8.142/90, com o mesmoconteúdo normativo que fora vetado.75 CARVALHO, Guido e SANTOS, Lenir. Sistema Único de Saúde: Comentários à Leio Orgânica daSaúde (Leis 8080/90 e 8142/90). Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p. 291.

Page 49: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

49

(artigo 198, II, artigo 194, VII, da CF e artigo 77, §3° do ADCT76) como “a expressão

mais viva da participação da sociedade nas decisões tomadas pelo Estado no interesse geral”.

Referindo-se explicitamente à Lei 8142/90, ANTÔNIO MARÉS

reconhece nela a concretização infraconstitucional da democracia participativa prevista

em vários dispositivos constitucionais, mais especificamente nos artigos 1°, caput e

inciso II e parágrafo único e 198, III, ressaltando significativo avanço no caráter

“deliberativo, gestor e controlador” sobre as ações públicas que assumem os conselhos

de saúde, visto que a história brasileira estava permeada de conselhos com funções

exclusivamente consultivas (como era o próprio Conselho Nacional de Saúde antes da

reforma que sucedeu à Constituição de 1988). Lança, ao final de seu trabalho, a grande

questão que paira no ar: “tais mecanismos [previsões infraconstitucionais de participação popular –

dentre os quais a Lei 8142/90] efetivarão uma maior participação ou tornar-se-ão meros mecanismos

burocráticos, sujeitando-se às vontades do Executivo?”

A resposta passa pela análise do grau e da qualidade dessa espécie de

controle exercido pela cidadania sobre os governantes (no caso telado os gestores de

saúde), controle esse que, no dizer do mesmo autor, é o elemento central do regime

democrático moderno, regime que não se manifesta somente nas eleições periódicas.

Essa análise está indissoluvelmente ligada aos modos pelos quais a cidadania participa

do processo de tomada das decisões políticas, participação essa que implica o poder de

tomar certas decisões (identificado com a participação popular no exercício político –

caracterizada, no caso dos conselhos de saúde, pelo seu poder deliberativo na

formulação de estratégias) e a existência de mecanismos para acompanhar a execução

76 Dispositivo que, acrescido pela EC n. 29/00, “constitucionalizou” os conselhos de saúde, na medida emque dispôs: “§3° Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, destinados às ações eserviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meiode Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do dispostono artigo 74 da Constituição Federal.” Essa constitucionalização, além de evidenciar a importância dosconselhos e consolidar sua presença na fiscalização do SUS, demanda um tratamento infraconstitucionalmais específico em todos os níveis da federação, contemplando, necessariamente, a satisfação dasmínimas necessidades de funcionamento dos conselhos, tais como dotação orçamentária mínima, previsãode uma secretaria executiva vinculada diretamente ao Conselho e de apoio técnico de um contador para oque se poderia destinar um cargo comissionado de livre nomeação e exoneração do presidente e, também,regras para a eleição deste último, dentre os pares.

Page 50: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

50

daquelas decisões (o controle social, que, no caso dos conselhos, abrange os aspectos

econômico e financeiro da execução das políticas de saúde na instância correspondente).

Como critérios capazes de identificar o caráter democrático dessa

participação, o autor propõe a igualdade e a liberdade de participação. Pelo primeiro, de

interesse direto para o presente trabalho, requer-se que cada um dos membros da

coletividade cidadã possua igual poder de decisão, vale dizer, igualdade de votos,

vinculando-se a esse princípio, como um corolário, o igual direito de concorrer a

cargos eletivos – perigosamente afrontado quando os conselheiros usuários são

impedidos de disputar o cargo de presidente de um conselho que tem seu fundamento

constitucional justamente na participação popular!

Fere pois a igualdade de participação e, por conseqüência

o exercício da cidadania, a impossibilidade dos conselheiros usuários concorrerem ao

cargo de presidente dos conselhos, circunstância que, por si só, fulmina de

inconstitucionalidade as disposições que estabelecem os gestores como presidentes

natos dos conselhos, na medida em que afronta o princípio da igualdade (art. 5°, caput,

CF), tema que será abordado na segunda seção do próximo capítulo. Na seção seguinte,

analisam-se os poderes dos conselhos e de seus presidentes, de modo a demonostrar a

incompatibilidade desta função com a de gestor das verbas da saúde (função

desempanhada, em nível federal, pelo Ministro da Saúde e, nos níveis estaduais e

municipais, pelos secretários de saúde).

III.c - Poderes deliberativos e fiscalizatórios dos Conselhos: necessáriaindependência. Atribuições da Presidência e a incompatibilidade dogestor para a função. A situação do Conselho Nacional de Saúde e dosConselhos no Mato Grosso do Sul

ANTÔNIO IVO DE CARVALHO77 divide as funções dos conselhos

em dois grandes campos de atuação: o (1) do planejamento e controle da execução da

política de saúde e o (2) da articulação com a sociedade. Sem desmerecer a enorme

valia dessa classificação, que põe em relevo a função dos conselhos de “articular os

77 Op. cit., pp. 80 e ss.

Page 51: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

51

diversos segmentos da sociedade”, decorrente de sua própria composição

(representantes da sociedade civil organizada) e fundada na missão legal de organizar e

definir as normas de funcionamento das conferências de saúde (§5° do art. 1° da Lei

8.142/90), neste trabalho serão aprofundadas apenas as funções agrupadas pelo autor na

primeira classificação, ambas previstas no §2° do art. 1° da referida norma, que merece

nova transcrição:

“§2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão

colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço,

profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no

controle da execução da política de saúde na instância correspondente,

inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão

homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de

governo”

Essas funções, que se dividem em dois grandes grupos: “formulação

de estratégias” (participação na construção das políticas públicas) e “controle da

execução da política de saúde” (controle social, fiscalização), são detalhadas em vários

dispositivos normativos.

As competências do Conselho Nacional de Saúde (CNS),

incialmente previstas no art. 1° do Decreto 99.438, de 7 de agosto de 1990, foram sendo

disciplinadas por decretos subseqüentes, sendo o último o de n. 4.194/200178, que

“Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e

das Funções Gratificadas do Ministério da Saúde, e dá outras providências”, em cujo

artigo 26 se lê:

“Art. 26. Ao Conselho Nacional de Saúde compete:

I - deliberar sobre:

78 Curiosamente, no site do Conselho Nacional de Saúde (conselho.saude.gov.br), ao arrolarem-se asatribuições, que coincidem exatamente com as acima transcritas, refere-se ao artigo 1° do Decreto99.438/90.

Page 52: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

52

a) formulação de estratégia e controle da execução da política nacional de saúde em

âmbito federal; e

b) critérios para a definição de padrões e parâmetros assistenciais;

II - manifestar-se sobre a Política Nacional de Saúde;

III - decidir sobre:

a) planos estaduais de saúde, quando solicitado pelos respectivos Conselhos;

b) divergências suscitadas pelos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, bem

como por órgãos de representação na área de saúde; e

c) credenciamento de instituições de saúde que se candidatem a realizar pesquisa em

seres humanos;

IV - opinar sobre a criação de novos cursos superiores na área da saúde, em

articulação com o Ministério da Educação;

V - estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde em

função das características epidemiológicas e da organização dos serviços;

VI - acompanhar a execução do cronograma de transferência de recursos

financeiros, consignados ao SUS, aos Estados, Distrito Federal e Municípios;

VII - aprovar os critérios e valores para a remuneração dos serviços e os parâmetros

de cobertura assistencial;

VIII - acompanhar e controlar as atividades das instituições privadas de saúde,

credenciadas mediante contrato, ajuste ou convênio;

IX - acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e

tecnológica na área de saúde, para a observância de padrões éticos compatíveis com

o desenvolvimento sociocultural do país; e

X - propor a convocação e organizar a Conferência Nacional de Saúde,

ordinariamente a cada quatro anos e, extraordinariamente, nos termos da Lei nº

8.142, de 28 de dezembro de 1990.” (grifo ausente do original)

Essas atribuições coincidem com as previstas no site do Conselho

Nacional de saúde (conselho.saude.gov.br).

O Decreto 99.438/90, todavia, continua em vigor e estabelece, no

inciso I do seu art. 1°, uma competência não prevista acima “I – atuar na formulação da

estratégia e no controle da execução da Política Nacional de Saúde”. (grifo ausente no

original)

Considerando que os decretos, como bem explicita o inc. IV do art. 84

da Constituição da República, têm como função assegurar fiel execução às leis, nunca

Page 53: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

53

podendo sobreporem-se a elas, nem contrariá-las, independente da vigência do inciso I

do art. 1° do Decreto 99.438/90, a função nele prevista, por encontrar fundamento no

§2° do art. 1° da Lei 8.142/90 (que, inclusive, lhe é posterior), necessariamente inclui-

se dentre as atribuições do Conselho Nacional de Saúde.

O Regimento Interno do CNS, aprovado pela Resolução CNS n.

291/99, confirma esse entendimento e prevê inúmeras outras competências no artigo 3°:

Art. 3° - Compete ao Conselho Nacional de Saúde:

I - Atuar na formulação e no controle da execução da Política Nacional de

Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros, e nas estratégias para

sua aplicação aos setores público e privado;

II - Deliberar sobre os modelos de atenção à saúde da população e de gestão do

Sistema Único de Saúde;

III - Estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração de planos de saúde do

Sistema Único de Saúde, no âmbito nacional, em função dos princípios que o regem

e de acordo com as características epidemiológicas e das organizações dos serviços

em cada jurisdição administrativa (Lei 8.080/90);

IV - Participar da regulação e do controle social do setor privado da área de saúde

(Lei 8.080/90);

V - Propor prioridades, métodos e estratégias para a formação e educação

continuada dos recursos humanos do Sistema Único de Saúde (Lei 8.080/90);

VI - Aprovar a proposta setorial da saúde, no Orçamento Geral da União e,

participar da consolidação do Orçamento da Seguridade Social, após análise anual

dos planos de metas, compatibilizando-o com os planos de metas previamente

aprovados;

VII - Criar, coordenar e supervisionar Comissões Intersetoriais e outras que julgar

necessárias, inclusive Grupos de Trabalho, integradas pelos ministérios e órgãos

competentes e por entidades representativas da sociedade civil (Lei 8.080/90) ;

VIII - Deliberar sobre propostas de normas básicas nacionais para operacionalização

do Sistema Único de Saúde;

IX - Estabelecer diretrizes gerais e aprovar parâmetros nacionais quanto a política de

recursos humanos para a saúde;

X - Definir diretrizes e fiscalizar a movimentação e aplicação dos recursos

financeiros do Sistema Único de Saúde, no âmbito Federal (Leis 8.080/90 e

8.142/90);

Page 54: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

54

XI - Aprovar a organização e as normas de funcionamento das Conferências

Nacionais de Saúde, reunidas ordinariamente, a cada 4 (quatro) anos, e convocá-las,

extraordinariamente, na forma prevista pela Lei 8.142/90;

XII - Aprovar os critérios para o repasse de recursos às unidades federadas e a outras

instituições e respectivo cronograma e acompanhar sua execução;

XIII - Aprovar os critérios e valores para remuneração de serviços e os parâmetros

de cobertura assistencial conforme art. 26 da Lei 8.080/90;

XIV - Incrementar e aperfeiçoar o relacionamento sistemático com os poderes

constituídos, Ministério Público, Congresso Nacional e mídia, bem como com

setores relevantes não representados no Conselho;

XV - Articular-se com outros conselhos setoriais com o propósito de cooperação

mútua e de estabelecimento de estratégias comuns para o fortalecimento do sistema

de participação e controle social;

XVI - Acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e

tecnológica na área de saúde, visando à observação de padrões éticos compatíveis

com o desenvolvimento sociocultural do país;

XVII - Deliberar sobre a necessidade social de novos cursos de nível superior na

área da saúde e cooperar na melhoria da qualidade da formação dos trabalhadores da

saúde;

XVIII - Opinar e decidir sobre impasses ocorridos nos Conselhos Estaduais e

Municipais de Saúde, neste último caso, após ouvida a instância estadual na

condição de instância recursal;

XIX - Desenvolver normas sobre ética em pesquisas envolvendo seres humanos e

outras questões no campo da Bioética e acompanhar sua implementação;

XX - Definir diretrizes gerais para a participação dos diversos provedores no

Sistema Único de Saúde;

XXI - Regulamentar as especializações na forma de treinamento em serviço sob

supervisão (Lei 8.080/90);

XXII - Solicitar ao Ministro da Saúde a substituição do Coordenador Geral da

Secretaria Executiva, diante de situações que a justifiquem, por deliberação da

maioria absoluta do Plenário do CNS;

XXIII - Articular e apoiar, sistematicamente, os Conselhos Estaduais e Municipais

de Saúde visando a formulação e realização de diretrizes básicas comuns e a

conseqüente potencialização do exercício das suas atribuições legais;

XXIV - Divulgar suas ações através dos diversos mecanismos de comunicação

social;

XXV - Manifestar-se sobre todos os assuntos de sua competência.” (grifos ausentes

do original)

Page 55: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

55

Das atribuições do CNS, a par da interação com os conselhos

estaduais e municipais de saúde e outros conselhos e representantes da sociedade (inciso

III, alíneas a e b do art. 26 do Decreto 4.194/01 e incisos VII, XI, XIV, XV, XVIII e

XXIII do art. 3° do regimento interno) e de importantes missões relacionadas à

formulação de estratégias da política nacional de saúde (I, II, IV, V e VII do mesmo

artigo do decreto e as dos incisos I, primeira parte, II, III, V, VI, VIII, IX, XI, XIII,

XVI, XVII, XIX, XX e XXI do mesmo artigo do regimento interno), ao menos as

previstas no inciso I do art. 1° do Decreto 99.438 (atuar na formulação da estratégia e

no controle da execução da Política Nacional de Saúde) c/c art. 1°, §2° da Lei 8.142/90

(controle da execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e

financeiros), a do inciso VI do art. 26 do Decreto 4.194/01 (acompanhar a execução do

cronograma de transferência de recursos financeiros, consignados ao SUS, aos Estados,

Distrito Federal e Municípios) e a dos incisos I, primeira parte (repete o inciso I do art.

1° do Decreto 99.438), X (definir diretrizes e fiscalizar a movimentação e aplicação dos

recursos financeiros do Sistema Único de Saúde, no âmbito Federal) e XII (repete os

termos do 26, VI, do Decreto 4.194/01) do art. 3° do Regimento Interno dizem com o

poder fiscalizatório (controle social) sob os aspectos econômico e financeiro do

gestor federal de saúde (Ministro), razão pela qual foram negritadas na transcrição.

Para bem exercer essas últimas atividades, vale dizer, exercê-las com

independência e efetividade, há que se garantir uma autonomia aos conselhos,

absolutamente incompatível com a previsão do art. 2° do Decreto 99.439/90 que prevê o

Ministro de Saúde como presidente nato do CNS79, disposição repetida no art. 10 do

Regimento Interno.

Essa condição lhe confere a prerrogativa do voto de qualidade e a de

deliberar em casos de extrema urgência ad referendum do Conselho (art. 13). Além

disso, fica-lhe subordinada a Secretaria Executiva que responde pelo assessoramento do

79 “Art. 2º O Conselho Nacional de Saúde, presidido pelo Ministro de Estado da Saúde, integrado por 32membros, tem a seguinte composição:” (grifo ausente no original)

Page 56: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

56

Conselho (preparando reuniões e remetendo material aos conselheiros) bem como pela

efetiva implementação de suas decisões, dentre outras funções relevantes (art. 27). Em

relação à Secretaria Executiva, o máximo que se concede ao Conselho é a “solicitação”

ao Ministro de substituição de seu Coordenador, inferindo-se do próprio termo utilizado

que não há nenhuma vinculação daquele à vontade do Conselho que pode ser compelido

a contar com uma secretaria executiva que não goze da confiança do plenário.

Resta, assim, evidenciado que a independência do Conselho fica

indubitavelmente comprometida, ficando refém do espírito democrático e transparente

do Ministro da Saúde, bem como de sua boa-vontade para com a participação popular e

o controle social.

Melhor não é a situação do Conselho Estadual do Mato Grosso do

Sul. A Lei n.1.152, de 21 de julho de 1991, responsável pela sua criação, também

estabelece no artigo 2° a figura do presidente-nato ao dispor que:

“Art. 2°. O Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul será composto pelo

Secretário de Estado de Saúde, que o presidirá, e mais 24 (vinte e quatro) membros

representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e

usuários”

Neste caso, a situação reveste-se de ainda maior gravidade por ser a

Constituição Estadual inegavelmente avançada na matéria, na medida em que dispõe,

em seu art. 175, III, de modo muito semelhante ao projeto aprovado na Subcomissão de

Saúde, Seguridade e Meio Ambiente da constituinte federal que, como já visto, foi

grandemente influenciada pelas conclusões da 8a. Conferência Nacional de Saúde. Lê-

se no artigo 175 da Carta Estadual:

“Art. 175. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e

hierarquizada e constituem o sistema único de saúde no nível estadual, organizado

de acordo com o seguinte:

III – a participação, em nível de decisão, de entidades representativas de usuários e

profissionais da saúde, na formulação, na gestão e no controle das políticas e das

Page 57: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

57

ações de saúde nos níveis estadual e municipal, através da constituição de conselhos

estaduais e municipais de saúde”

Ou seja, além de explicitar a função de controle das políticas de saúde,

paralelamente à participação, fez expressa referência aos conselhos,

constitucionalizando-os muito antes da Constituição Federal, que só o fez na Emenda n.

29/2000 (art. 77 do ADCT).

No que respeita às competências do conselho, a Lei 1.152/91 não se

afastou muito do regramento existente para o nível federal, mantendo as competências

de fiscalização (controle) e participação que evidenciam a incompatibilidade da função

de presidente do conselho com a de gestor dos recursos. Consta de seu art. 1°:

“Art. 1° Fica criado o Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul, órgão

colegiado de deliberação coletiva, integrante da estrutura básica da Secretaria

Estadual de Saúde, com a seguinte competência:

“I – atuar na formulação da Política Estadual de Saúde, estabelecendo a estratégia e

o controle de sua execução, conforme diretrizes do governo federal;

II – aprovar o Plano Estadual de Saúde;

III – promover a fiscalização da aplicação dos recursos repassados ao Fundo

Especial de Saúde de Mato Grosso do Sul;

IV – estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboração dos Planos

Municipais de Saúde, em função das características epidemiológicas e de

organização dos serviços do Estado;

V – aprovar o cronograma de transferência de recursos financeiros aos municípios;

VI – avaliar e acompanhar a execução dos Planos Municipais de Saúde;

VII – aprovar, acompanhar e controlar a atuação do setor privado da área de saúde,

quando credenciado mediante contratos ou convênios

VIII – propor a realização da Conferência Estadual de Saúde;

IX – executar outras atribuições correlatas ou que lhe forem delegadas pelo

Conselho Nacional de Saúde.” (grifos ausentes no original)

O Decreto n. 6.345, de 30 de janeiro de 1992, regulamenta essa lei e

repete as atribuições do Conselho nela previstas.

Page 58: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

58

Por outro lado, objetivando “acelerar e consolidar o controle social do

SUS, por intermédio dos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde” o Conselho

Nacional de Saúde, valendo-se de suas atribuições fixadas no Decreto 99.438/90 e em

seu regimento, e com base na Constituição Federal e nas leis 8.080 e 8.142, ambas de

1990, resolveu aprovar “Recomendações para a Constituição e Estruturação de

Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde" consubstanciadas na Resolução n. 33/92,

em cujo item 4 se lê:

4. COMPETÊNCIA DOS CONSELHOS DE SAÚDE

Os Conselhos de Saúde Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, que têm

algumas competências já definidas nas leis federais e complementadas pelas

legislações estaduais e municipais, poderão ainda:

a) atuar na formulação e controle da execução da política de saúde, incluídos

seus aspectos econômicos, financeiros e de gerência técnico-administrativa;

b) estabelecer estratégias e mecanismos de coordenação e gestão do SUS,

articulando-se com os demais colegiados em nível nacional, estadual e municipal;

c) traçar diretrizes de elaboração e aprovar os planos de saúde, adequando-os às

diversas realidades epidemiológicas e à capacidade organizacional dos serviços;

d) propor a adoção de critérios que definam qualidade e melhor resolutividade,

verificando o processo de incorporação dos avanços científicos e tecnológicos na

área;

e) propor medidas para o aperfeiçoamento da organização e do funcionamento do

Sistema Único de Saúde - SUS;

f) examinar propostas e denúncias , responder a consultas sobre assuntos

pertinentes a ações e serviços de saúde, bem como apreciar recursos a respeito de

deliberações do Colegiado;

g) fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e serviços de saúde;

propor a convocação e estruturar a comissão organizadora das Conferências

Estaduais e Municipais de Saúde;

h) fiscalizar a movimentação de recursos repassados à Secretaria de Saúde

e/ou ao Fundo de Saúde;

i) estimular a participação comunitária no controle da administração do Sistema

de Saúde;

j) propor critérios para a programação e para as execuções financeira e

orçamentária dos Fundos de Saúde, acompanhando a movimentação e destinação de

recursos;

Page 59: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

59

k) estabelecer critérios e diretrizes quanto à localização e ao tipo de unidades

prestadoras de serviços de saúde públicos e privados, no âmbito do SUS;

l) elaborar o Regimento Interno do Conselho e suas normas de funcionamento;

m) estimular, apoiar ou promover estudos e pesquisas sobre assuntos e temas na

área de saúde de interesse para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde;

n) outras atribuições estabelecidas pela Lei Orgânica da Saúde e pela IX

conferência Nacional de Saúde”

No mesmo intuito de discriminar as competências previstas nas leis

federal (8.142/90) e estadual (1.152/91) e valendo-se das sugestões da Resolução n.

33/92, elaborada com a mesma preocupação, o Conselho Estadual de Saúde do Mato

Grosso do Sul, por meio da Deliberação n. 021, de 20 de outubro de 1994, aprovou seu

regimento interno, que estabelece no artigo 2° as seguintes competências:

Art. 2° - Compete ao Conselho Estadual de Saúde:

I – Deliberar sobre estratégias e atuar no controle da execução da Política

Estadual de Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos, orçamentários e

financeiros;

II – Deliberar sobre o Plano Estadual de Saúde;

III – Fiscalizar a aplicação dos recursos repassados ao Fundo Especial de Saúde

de Mato Grosso do Sul;

IV – Estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração dos Planos Municipais

de Saúde, em função das características epidemiológicas e de organização de

serviços de cada jurisdição administrativa;

V – Apreciar e pronunciar-se conclusivamente sobre os relatórios de gestão do

Sistema Único de Saúde apresentados pela Secretaria de Estado de Saúde;

VI – Deliberar sobre a proposta apresentada pela Secretaria de Estado de Saúde, do

coronograma de trasnferência de recursos financeiros aos Municípios e a outras

instituições, consignadas aos Sistema Único de Saúde e cuja autonomia de gestão

seja do Estado;

VII – Avaliar e acompanhar a execução dos planos Municipais de Saúde

encaminhados pelos respectivos Conselhos Municipais de Saúde;

VIII – Aprovar, acompanhar e controlar as atividades das instituições privadas de

saúde, credenciadas mediante contrato ou convênio;

IX – Propor a realização da Conferência Estadual de Saúde, ordinariamente a cada

04 (quatro) anos ou, extraordinariamente, quando assim deliberar;

Page 60: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

60

X – Aprovar o Regimento, a organização e as normas de funcionamento da

Conferência Estadual de Saúde;

XI – Deliberar sobrea a adequação e regularidade da documentação apresentada

pelos Municípios relacionada com o cumprimento das exigências contidas no art. 4°

da Lei Federal n. 8.142 de 26/12/90, e na regulamentação suplementar;

XII – Propor critérios para definição de padrões e parâmetros de atenção à saúde;

XIII – Criar comissões técnicas necessárias para o efetivo cumprimento das

competências do Conselho Estadual de Saúde;

XIV – Promover a articulação interinstitucional e intersetorial para garantir a

atenção à saúde constitucionalmente estabelecida;

XV – Pronunciar-se sobre a criação de novos cursos de ensino superior na área de

saúde na forma do art. 2° do Decreto Federal n. 98377, de 08 de novembro de 1989

e na Portaria Interministerial MEC/MS n. 01 de 12/01/90;

XVI – Pronunciar-se sobre a criação de novos cursos de nível médio na área da

saúde;

XVII – Estabelecer parâmetros estaduais quanto à política de desenvolvimento de

recursos humanos e do Plano de Carreiras, Cargos e Salários a ser seguido no

âmbito do Sistema Único de Saúde;

XVIII – Avaliar e acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação

científica e tecnológica na área de saúde, visando a observação de padrões técnicos

compatíveis com o desenvolvimento sócio-cultural e econômico do Estado,

respeitando-se os princípios éticos universalmente aceitos;

XIX – Executar atribuições correlatas ou outras atribuições que forem delegadas

pelas instâncias superiores do Sistema Único de Saúde.” (grifos ausentes no

original).

Conquanto assista razão a RAQUEL DODGE quando conclui que as

“atribuições dos Consellhos de Saúde devem estar definidas em lei e não em decretos, resoluções ou

qualquer outro tipo de regulamento, para serem válidas perante a Constituição”80, nenhuma

irregularidade há nas atribuições acima explicitadas – salvo raras exceções que se

resolvem com interpretação restritiva – visto que guardam pertinência com aquelas

previstas nas leis (8.080/90, 8.142/90, federais, e na 1.152/91, estadual).

80 DODGE, Raquel Elias Ferreira. A Eqüidade, a Universalidade e a Cidadania em Saúde, vistas sob oprisma da Justiça.In: Conferência Nacional de Saúde On-line, Brasília, Conselho Nacional de Saúde.Disponível em: <www.datasus.gov.br/cns/apoio/equidade.htm>. Acesso em: 04 abr 2003.

Page 61: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

61

Vê-se, assim, que o CES/MS, a exemplo do que ocorre com o CNS,

possui importantíssimas competências, dentre as quais várias que importam a

fiscalização da gestão do Secretário Estadual de Saúde, destacando-se os incisos I,

segunda parte, e III, do art. 2° do Regimento Interno, que nada mais fazem que

discriminar a forma de “controle da execução da política de saúde nos seus aspectos

econômicos e financeiros” (art. 1°, §2° da Lei 8142/90 e art. 1°, I da Lei Estadual n.

1152/91) ou a “fiscalização da aplicação dos recursos repassados ao Fundo Especial de

Saúde de Mato Grosso do Sul” (art. 1°, III, Lei 1152/91), implementando, assim, as

funções de controle social do Conselho. A despeito de todas essas competências, o

artigo 2° da lei estadual em comento estabelece a famigerada figura do presidente-nato

para o Secretário de Estado, conforme já referido. O Decreto 6.345/92, no particular,

apenas reedita a condição nata do Secretário de Estado (art. 2°) e estabelece que cabe a

este indicar a Secretária Executiva do CES.

Embora o próprio Conselho Estadual de Saúde tenha elaborado

projeto de lei para reformular a Lei 1.152/91, prevendo em seu artigo 4° que “Os

representantes dos segmentos no Conselho Estadual de Saúde elegerão o seu presidente entre

os pares”, em consonância com a diretriz aprovada na 9a. Conferência Nacional de

Saúde, realizada em agosto de 199281, tal projeto, como informou o Conselheiro

Estadual Alcides Ribeiro, coordenador da comissão de legislação do CES/MS, foi

obstado na governadoria em razão de entendimento da respectiva procuradoria que

vislumbra contrariedade do projeto com a constituição estadual82. Em conseqüência, o

81 Sobre o Controle Social do Sistema, assim concluiu-se na 9a. Conferência Nacional de Saúde,conforme a “História da Conferência” registrada no site da FIOCRUZ (www.fiocruz.br): “Reafirmandocomo indispensável a implementação e fortalecimento dos mecanismos de controle social já existentes,foram muitas as propostas aprovadas no evento, entre elas a garantia de efetiva implantação dosConselhos de Saúde nos diversos níveis, assegurada aos mesmos autonomia financeira, constituindo-oscomo unidades orçamentárias em cada esfera de governo. Para efeito da composição de tais Conselhos,foi decidido que os usuários fossem sempre representados por entidades populares, representantes detrabalhadores, entidades da sociedade civil voltadas para a organização de usuários do SUS e outras denatureza similar. A Conferência aprovou a composição paritária nestes conselhos entre usuários e demaissegmentos, assim como o seu caráter deliberativo e fiscalizador, com autonomia inclusive quanto àdotação orçamentária; e gestão colegiada, devendo o presidente ser eleito entre seus membros.” (ogrifo final não consta do original)82 A contrariedade, na verdade, não se refere à possibilidade de eleição do presidente, mas sim à paridadeprevista no projeto de lei, entre usuários e demais setores, em atendimento ao que dispõe o §4° do art. 1°da Lei 8.142/90, e o previsto no art. 179 da Constituição Estadual que se refere à paridade entre governo esociedade (“Art. 179. Junto à direção do sistema único de saúde, no nível estadual, funcionará o Conselho

Page 62: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

62

projeto não foi sequer encaminhado à Assembléia Legislativa para debate parlamentar

ou apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa Legislativa.

De forma ainda mais grave que no Conselho Nacional de Saúde, as

funções do presidente do Conselho Estadual evidenciam a absoluta incompatibilidade

entre esse cargo e a condição de gestor.

O Decreto n. 6.345/92 confere-lhe as seguintes competências:

- dar posse aos demais conselheiros (art. 2°, §3°);

- convocar reunião extraordinária do CES, o que também pode ser

feito pela maioria dos conselheiros (art. 3°, I);

- indicar a secretaria executiva (art. 3°, parágrafo único).

Estadual de Saúde, órgão de deliberação coletiva, composto paritariamente pelo governo e pelasociedade, com as funções de acompanhamento das ações de saúde e de distribuição dos recursos que lhesforem destinados e de assessoramento na elaboração da política de saúde.”). Ainda que não seja idêntica aredação da Constituição Estadual e da Lei 8.142/90, esta em plena conformação com a idéia doConstituinte de 87/88 ao implementar a diretriz da participação da comunidade prevista no art. 198, III,cujo conteúdo é desvendado nos capítulos II.b e IV.a desta monografia, é perfeitamente possível, numprocesso hermenêutico de interpretação conforme a constituição conciliar o texto da ConstituiçãoEstadual – que deve, necessariamente, observar os princípios da Constituição Federal, conforme o art. 25,caput, desta - com o disposto no art. 198, III, no qual se ampara a paridade prevista na Lei 8.142/90. Oraciocínio é o seguinte: Se a Constituição Federal prevê a participação da população como forma dedemocracia participativa, ou seja, de influência direta da cidadania na formulação de políticas públicas, ese a prevê como diretriz do SUS, cria, em conseqüência, um espaço de poder que é reservado diretamenteao povo (I.b), não podendo ser usurpado por seus representantes. Como se concilia esta reserva com arepresentação de outros setores? Assegurando aos usuários nunca menos que a metade das vagas.Qualquer representação menor afrontaria o art. 198, III, CF. Tendo por base esses parâmetros, éplenamente possível interpretar o art. 179 da CE/MS, que prevê a paridade entre governo e sociedade,entendendo que esta está representada no setor dos usuários e que dentro da expressão “governo”incluem-se todos os outros setores, relacionados à prestação dos serviços. Conciliam-se, assim, ambas asConstituições, adotando-se a festejada interpretação conforme a Constituição. Tal interpretação tambémencontra amparo na estruturação do SUS, que confere ao governo, pelos respectivo ministro ousecretários de saúde, a direção única (art. 9°) e confere à iniciativa privada um papel complementar aopúblico na prestação dos serviços. (arts. 8° e 24 da Lei 8.080/90). A paridade pretendida pela ConstituiçãoEstadual, assim, seria entre prestadores de serviços de saúde (públicos e privados, incluídos aí osprofissionais) que, apenas para fins interpretativos de hermenêutica garantidora de harmonia com aConstituição Federal seriam englobados na expressão “governo” e os usuários, estes pela “sociedade”.Numa interpretação constitucional devem prevalecer os princípios instituidores da norma, vale dizer, suafinalidde, sobre a interpretação gramatical ou literal. Ademais, se alguma inconstitucionalidade houvesseno projeto de lei sugerido pelo conselho, o mesmo vício atingiria a Lei 1152/91, que já prevê a paridadeno §1° do art. 2° (“A representação dos usuários será paritária em relação ao conjunto dos demaissegmentos previstos neste artigo, conforme estabelece a legislação federal competente”). Ou seja, muitoprovavelmente, o argumento apontado contra o projeto provavelmente esconde a verdadeira preocupaçãodo governo em manter a condição do secretário de presidente-nato, o que é lamentável. O tema, contudo,refoge ao desta monografia, razão pela qual foi tratado como nota de rodapé muito embora mereçaaprofundamento posterior.

Page 63: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

63

O artigo 15 do Regimento Interno, por seu turno, atribui-lhe as

seguintes funções:

“Art. 15 - Ao presidente do Conselho Estadual de Saúde compete:

I - Representar o Conselho Estadual de Saúde em suas relações internas e externas;

II - Instalar o Conselho Estadual de Saúde e presidir sua plenária;

III - Apresentar ao Governador de Estado o nome dos conselheiros indicados

conforme o parágrafo 1º do art. 3º deste regimento para integrar o Conselho Estadual

de Saúde;

IV - Empossar os conselheiros e indicar o titular da Secretaria Executiva para

nomeação pelo Governador do Estado;

V - Suscitar pronunciamento do Conselho Estadual de Saúde, quanto a problemas

relativos a promoção, proteção e recuperação da saúde não abrangidos no art. 2º

deste regimento;

VI - Convocar e submeter a ordem do dia a aprovação da plenária do conselho;

VII - Tomar parte nas discussões, quando for o caso, exercer direito do voto de

desempate;

VIII - Baixar atos decorrentes de deliberações do conselho e "ad referendum" deste,

nos casos de manifesto urgência, conforme o art. 9º deste regimento;

IX - Nomear os integrantes das comissões;

X - Solicitar as autoridades competentes providências relativas à efetivação das

medidas deliberadas pelo Conselho Estadual de Saúde;

XI - Manter entendimentos com dirigentes dos demais órgãos do Governo do Estado

e com entidades públicas ou privadas no interesse da promoção, proteção e

recuperação de saúde;

XII - Cumprir e fazer cumprir o presente Regimento Interno, submetendo os caso

omissos à apreciação da plenária.

Assim como ocorre no Conselho Nacional de Saúde, também no

funcionamento do Conselho Estadual a Secretaria Executiva, indicada pelo presidente

do conselho (art. 3°, par. único, do Dec. 6345/92), é estratégica e fundamental para o

bom funcionamento do conselho, competindo-lhe, nos termos do art. 17 do RI, “orientar,

suprevisionar e coordenar a execução das atividades do Conselho Estadual de Saúde”, do artigo 19,

IV “despachar com o presidente do conselho os assuntos pertinentes a este (o conselho)”, e do art. 19,

V, in fine, “promover as medidas necessárias ao cumprimento das decisões do conselho”. Basta a

Page 64: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

64

Secretaria “boicotar” o funcionamento do mesmo ou omitir informações que suas

funções ficariam seriamente comprometidas.

Poder-se-ía dizer, aqui, que a subordinação ao Secretário de Estado

independe de sua condição de Presidente do Conselho, visto que a Secretaria Executiva

integra a estrutura da secretaria. Esta é uma verdade apenas para aqueles que ainda não

compreenderam o alcance da idéia de Estado Democrático de Direito e, em especial, do

papel desempenhado pelos conselhos de saúde em sua construção.

O Estado não é do governo, mas do povo, titular do poder (art. 1°,

parágrafo único) e não é estranho nem mesmo para nossa democracia incipiente a

situação de o Estado arcar com os custos de órgãos que fiscalizam os próprios chefes.

Assim é com os órgãos de controle externo (tribunais de contas) e de controle interno

(na esfera federal tem-se o excelente exemplo da Secretaria Federal de Controle), estes

últimos insertos nas estruturas do Poder Executivo. O Ministério Público é talvez o

melhor exemplo dessa fiscalização independente. Instituição integrante da estrutura do

Estado, vem se consolidando como fiscal atuante e independente 83 não apenas dos

poderes instituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo vários os casos de

presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares e juízes, de todas as instâncias,

processados pelo Ministério Público por atos de improbidade administrativa), mas de

suas próprias chefias84.

É claro que há casos, e não são poucos, onde essa fiscalização fica

comprometida, em decorrência de ingerências políticas e de perseguições àqueles que

exercem com independência suas funções ou mesmo de restrições orçamentárias e

remuneratórias. Faz parte da evolução de nossa sociedade a superação dessas práticas e

83 O art. 127, §2°, da CF assegura ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa.84 Na Justiça Federal do Distrito Federal foi proposta, por membros do Ministério Público Federal, açãopara responsabilização por ato de improbidade administrativa (versando sobre a utilização de avião daForça Aérea Brasileira para fins particulares) tendo como requerido o Procurador-Geral da República,autoridade maior da instituição. A ação, autuada sob o número 1999.34.00.016569-0, tramitava na 17a.Vara Federal do Distrito Federal, distribuída por dependência aos autos 1999.34.00.013067-0, quando foiencaminhada ao Supremo Tribunal Federal em razão de declínio de competência do juízo de primeirograu, em 02/05/2003. Não se tem notícia de providências retaliadoras tomadas contra os cinco

Page 65: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

65

o desenvolvimento do controle social tem nessa missão um papel destacado. A

“participação da comunidade” como diretriz do SUS, com importantíssimo papel

fiscalizatório, é uma forma de controle externo às estruturas do Estado, mas nem por

isso deve deixar de contar com uma estrutura de apoio custeada por este.

Nesse quadro, não é utópico pensar – ao contrário, devemos caminhar

nessa direção - em uma secretaria executiva custeada pelo Estado, mas subordinada

efetivamente ao Conselho, independente de seu presidente ser o Secretário de Estado. A

própria lei estruturadora dos Conselhos – ou outra específica – deve prever cargos

efetivos e comissionados subordinados ao Conselho, com a nomeação dos cargos

comissionados de livre escolha do presidente deste.

Mas não é só no que se refere à subordinação da Secretaria Executiva

que as funções do gestor se mostram incompatíveis com as de presidente do Conselho.

A própria representação do conselho prevista no inciso I do artigo 15,

uma natural função de todo presidente, compromete a idéia inserta no inciso III do art.

198 da Constituição Federal (participação da comunidade como diretriz do SUS).

Imagine-se uma reunião convocada pelo Conselho Nacional de Saúde com os

presidentes de Conselhos Estaduais de todo país para avaliar a evolução do controle

social no SUS, objetivando traçar um panorama da transparência e probidade com que

são geridos os recursos públicos. Quem compareceria? Os fiscalizados, justamente os

que garantem (ou não) transparência e probidade. Correr-se-ía o risco de, num encontro

de representantes dos conselhos de saúde não haver um só representante da

comunidade! Nessas circunstâncias, ou se convocam vários conselheiros e não apenas o

presidente, com significativo aumento dos custos do evento, ou ficará comprometida

sua finalidade. Se o objetivo é discutir com os secretários de saúde, há um fórum

próprio: o CONASS – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde, ou o

CONASEMS, no caso municipal. Os secretários já possuem seus canais próprios de

procuradores da República subscritores da ação (Guilerme Schelb, Eliana Torelly, Osório Barbosa,Valquíria Quixadá e Marcus Lima).

Page 66: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

66

articulação. A sociedade precisa ter assegurado o dela, não por favor, mas por

disposição constitucional!

Também o voto de desempate (inciso VII) confronta a paridade

estabelecida no §4° do art. 1° da Lei 8.142/90 (“A representação dos usuários nos

Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais

segmentos”). Se essa paridade sujeitar-se a desempate por um presidente não eleito

entre seus pares, mas, ao contrário, escolhido pelas leis e decretos estaduais ou

municipais, ter-se-á por quebrada. Imagine-se um ponto em que haja confronto direto

entre o interesse dos usuários e dos demais setores representados no conselho (o que

não é difícil) e ver-se-á que os usuários a priori sempre sairão derrotados. Com certeza

não foi esse o intuito do constituinte ao estabelecer a participação da comunidade como

diretriz do SUS.

A prerrogativa de submeter a ordem do dia à aprovação da plenária do

conselho (inciso VI) permite, por seu turno, postergar ou mesmo omitir a inclusão de

assuntos de que tenha o gestor tomado conhecimento em razão de sua condição de

presidente, como pode ser o caso de uma recomendação do Ministério Público com a

qual não concorda.

Já a possibilidade de deliberar ad referendum do Conselho, prevista

no inciso VIII, só não compromete o controle social porque as exceções do artigo 9°

impedem que o Presidente exerça funções de autofiscalização nessa modalidade.

Veja-se, por último, a atribuição do Presidente prevista no inciso X do

mesmo artigo 15 (“solicitar às autoridades competentes providências relativas à

efetivação das medidas deliberadas pelo Conselho Estadual de Saúde”) e imagine-se

como procederia um presidente-secretário se a providência versasse sobre uma

representação ao Ministério Público para investigar desvio de recursos na secretaria.

Não é necessário nenhum esforço para constatar o prejuízo que sofreria a representação.

Poder-se-ía contra-argumentar dizendo que qualquer conselheiro pode fazê-lo. É

verdade, o art. 5°, XXXIV, a, assegura a qualquer cidadão a representação contra

Page 67: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

67

ilegalidade ou abuso de poder perante órgãos públicos. Todavia, em se tratando de um

órgão colegiado, seria recomendável a representação feita pelo mesmo, por seu

presidente e após deliberação da maioria, de modo a evitar que posições individuais,

muitas vezes orientadas por interesses particulares escusos, movimentassem o

Ministério Público, de regra, sobrecarregado com as inúmeras atribuições que recebeu

do constituinte.

Uma última ressalva à Lei 1.152/91 refere-se ao disposto no §2° do

art. 2°, que mais uma vez subordina a participação popular ao poder do governo, que

deveria ser fiscalizado pelo conselho. O referido parágrafo estabelece que os

conselheiros serão “nomeados por indicação do Secretário de Estado de Saúde, ouvidos,

quando houver, os órgãos de classe correpondentes, para mandato de 2 (dois) anos,

permitida a recondução”, em flagrante atentado contra a autonomia dos representantes

deste setor. Bem se vê a finalidade da lei estadual: manietar a participação popular, em

flagrante inconstitucionalidade.

Em relação aos Conselhos Municipais, a situação não é diferente.

Considerando que o objeto desta seção busca tão-somente abordar as

atribuições dos conselhos e a conseqüente incompabilidade do gestor com a função de

presidente, sem um enfoque casuístico, convém ter presente os modelos de lei e de

regimento sugeridos pelo Conselho Estadual do Mato Grosso do Sul aos municípios que

não possuíssem legislação sobre o assunto ou que as possuíssem em desconformidade

com as normas em vigor, especialmente as leis federais 8.080/90 e 8.142/90, bem como

com a supratranscrita Resolução 33/92 do Conselho Nacional de Saúde. Como será

abordado na próxima seção deste capítulo, muitos municípios sul-matogrossenses

passaram a adotar os referidos modelos, consubstanciados na Deliberação CES n. 50/97,

o que corrobora sua importância nesta análise.

O modelo sugerido de lei prevê as competências dos conselhos

municipais no artigo 1°, discriminando melhor o disposto no §2° do art. 1° da Lei

8.142/90 nestes termos:

Page 68: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

68

“Art. 1° - O Conselho Municipal de Saúde – CMS é órgão de caráter permanente e

deliberativo, integrante da estrutura da Secretaria Municipal de Saúde e soberano em

suas decisões, com função de deliberar sobre a formulação, a implantação,

acompanhamento, fiscalização e avaliação da Política Municipal de Saúde, inclusive

nos seus aspectos econômicos e financeiros, assuntos relacionados, direta ou

indiretamente, à promoção, proteção e recuperação da saúde no âmbito do Sistema

Único de Saúde – SUS, sobre matérias definidas em seu Regimento Interno e sobre

assuntos a ele submetidos, cujas decisões serão homologadas pelo Poder Municipal”

O modelo de regimento, por seu turno, assim detalha as competências

dos conselhos municipais de saúde:

“Art. 2º - Ao Conselho Municipal de Saúde compete:

I - atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política

municipal de saúde, inclusive nos aspectos financeiros, econômicos,

orçamentário e de gerência técnico-administrativo ;

II - traçar diretrizes para elaboração do Plano Municipal de Saúde, deliberar pela sua

aprovação, adequando-o, sempre que houver necessidade, a realidade

epidemiológica e a capacidade operacional dos serviços de saúde do município;

III - apreciar e pronunciar -se, conclusivamente, sobre os relatórios de gestão do

Sistema Único de Saúde, apresentados pela Secretaria Municipal de Saúde;

IV - estabelecer critérios e diretrizes quanto à localização e tipologia de Unidade de

Saúde, públicas e privadas, no âmbito do SUS;

V - examinar propostas e denúncias, pronunciando-se conclusivamente, sobre ações

e serviços de saúde, bem como apreciar recursos e a respeito de deliberações

anteriores do Conselho Municipal de Saúde;

VI - acompanhar e avaliar os serviços de saúde prestados à população pelos

órgãos e instituições públicas e privadas integrantes do SUS, definindo critérios

mínimos de qualidade para seu funcionamento;

VII - estimular a participação da sociedade civil organizada e o controle popular nas

instâncias colegiadas do SUS, estabelecendo critérios e diretrizes para a

implementação do controle social no município;

VIII - propor critérios e aprovar a criação de comissões técnicas, de caráter

permanente ou temporário, necessárias ao efetivo desempenho das atribuições do

Conselho;

IX - participar da formulação e avaliação das políticas públicas de meio ambiente,

transporte, habitação, alimentação garantindo a intersetorialidade das políticas

públicas com o setor da saúde pública;

Page 69: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

69

X - manifestar-se sobre todos os projetos de lei de interesse da saúde, em tramitação

na Câmara Municipal;

XI - tomar as medidas necessárias para a permanente orientação dos usuários sobre

os serviços oferecidos pelas unidades de saúde;

XII - participar da elaboração da programação, orçamentária e financeira

estabelecendo critérios e pronunciando-se , conclusivamente, sobre a versão final

encaminhada ao Poder Legislativo;

XIII - pronunciar-se sobre a criação de cursos de nível médio na área, de saúde no

âmbito do município;

XIV - fiscalizar a movimentação e destinação de todos os recursos financeiros

do fundo municipal de saúde;

XV - convocar a conferência municipal de saúde, ordinariamente, a cada 02 (dois)

anos ou extraordinariamente, sempre que o Conselho julgue necessário, estruturando

a comissão organizadora e elaborando seu regimento interno, que será submetido a

Plenária de abertura da conferência, para aprovação;

XVI - comunicar ao Ministério Público todo assunto que o plenário do conselho

julgar de competência do mesmo;

XVII - articular-se com as Secretarias Municipais afins, em especial a de educação

com vistas a definição de programas de educação em saúde, no que concerne a

caracterização das necessidades da população;

XVIII - aprovar, acompanhar e fiscalizar as atividades das instituições públicas e

privadas de saúde, credenciadas pelo SUS;

XIX - elaborar, aprovar ou modificar o presente regimento interno, com suas normas

de organização e funcionamento, adequando-o sempre que houver necessidade, as

deliberações das instâncias superiores do SUS;

XX - apreciar e deliberar sobre quaisquer outras atribuições que lhe sejam delegadas

pela legislação ou pelas instâncias superiores do SUS.” (grifos ausentes do original)

O modelo de lei nada dispõe sobre a presidência do conselho,

deixando a matéria para o regimento interno, que prevê a eleição de qualquer dos

conselheiros efetivos dentre seus pares, para mandato de dois anos (art. 13) e confere

ao presidente as seguintes atribuições:

“Art. 14. Ao presidente do conselho municipal de saúde compete:

I – representar oficialmente o Conselho Municipal de Saúde nas suas relações

internas e externas;

Page 70: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

70

II – presidir as reuniões plenárias do Conselho Municipal de Saúde, ordinárias e

extraordinárias;

III – convocar reuniões, conforme estabelecido neste regimento interno;

IV – apor sua assinatura em documentos oficiais e acompanhar toda a

movimentação financeira dos recursos destinados ao SUS no âmbito do

município, prestando contas ao Plenário do Conselho de Saúde;

V – cumprir e fazer cumprir o presente regimento, submetendo os casos omissos à

apreciação da plenária.” (grifo ausente no original)

As incompatibilidades antes referidas em relação ao secretário de

saúde não apenas se repetem como se ampliam no âmbito municipal, em razão do

supratranscrito inciso IV. Infelizmente, são ainda poucos os municípios que adotam a

eleição do presidente dentre quaisquer de seus membros e ainda em menor número

aqueles cujo secretário de saúde não ocupa a presidência do conselho.

As críticas que aqui fazemos não são isoladas cabendo referir dois

trabalhos em que foram abordados os inconvenientes de ser a presidência dos conselhos

ocupada pelos respectivos secretários de saúde.

ANA CRISTINA DE SOUZA VIEIRA, em seu artigo sobre “Controle

Social na Política de Saúde”85 identifica como uma das características que podem

colocar em questão o caráter democrático que devem ter os conselhos, a obrigatoriedade

de ser o secretário de saúde, representante do Executivo local, obrigatoriamente o seu

presidente.

ÁGUEDA WENDHAUSEN, em sua tese de doutoramento intitulada

“Micropoderes no Cotidiano de um Conselho de Saúde”, apresentada em 1999, na

UFSC86, traz inúmeros relatos de suas experiências como conselheira de saúde

municipal de Itajaí (SC). O seguinte trecho é emblemático exemplo dos inconvenientes

encontrados na coincidência entre secretário e presidente do conselho de saúde:

85 VIEIRA, Ana Cristina de Souza. Controle Social na Política de Saúde. In: Estudos – Revista daUniversidade Católica de Goiás, Goiânia, v. 23, n. 3/4, p. 335-350, jul/dez 1996, p. 343.86 O pesquisador não teve acesso à íntegra da tese, mas ao resumo cuja indicação bibliográfica consta aofinal.

Page 71: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

71

4) Isto [refere-se a autora a uma tomada de consciência do conselho em relação a seu

papel] se expressa mais claramente na 37a reunião (2a gestão), quando o Presidente

[que é também o secretário de saúde] diz que tem a planilha de custos dos

prestadores em mãos, mas que não a colocará à disposição dos conselheiros por

‘questões éticas’. Alguém se manifesta que não concorda com a colocação, dizendo

que ‘o Conselho é ético e seu papel é fiscalizar’. Nessa mesma reunião, um grupo

de conselheiros que haviam sido nomeados pelo Conselho para auditorar as contas

do Fundo Municipal de Saúde, relatam algumas irregularidades encontradas. O

Presidente tenta se justificar dizendo, finalmente, que ele mesmo “se auto-

auditora”.

Há questionamentos em relação às justificativas apresentadas pelo Presidente e, por

fim, ele reclama que o Conselho o está “encostando na parede” e que espera que o

“Conselho seja ético e que as coisas não vazem”. Alguém da Plenária diz que “o

Conselho é ético e que não abriria...”.

[…]

Na reunião seguinte, 38a, o presidente não está na reunião e o vice-presidente

assume. O clima continua tenso, como na reunião anterior. Neste momento, há uma

série de questionamentos e uma reflexão do grupo de conselheiros sobre sua

atuação. Isso se instala após um momento em que o Conselho, pela primeira vez

resolve averiguar as contas apresentadas, encontrando ali as irregularidades, já

mencionadas. Primeiro, o vice-presidente diz que o Conselho não tem feito nada e

que a aprovação dos balancetes tem sido feita na base do ‘voto de confiança’.

A fala de um representante dos profissionais de saúde expressa o conflito

estabelecido entre governo e Conselho. Mostra-se indignado com o descaso da

secretaria em relação ao Conselho e diz que há muito tempo uma ‘reunião de

verdade’ não acontecia, pois o secretário estaria sempre cercado de assessores que

intimidavam os conselheiros. Por fim, acrescenta que o Conselho deve se tornar

mais ativo como no ‘tempo do conselheiro... 87’ - que todos podemos ‘ser um pouco

este conselheiro..’ - e que não aprova determinados gastos do fundo municipal de

saúde.

Estas queixas denotam que os conselheiros não conseguem expressar-se como

desejariam, no Conselho.

Finalmente, a denúncia de um dos conselheiros presentes de que o “Conselho só

existe pró-forma” como que sintetiza, de certa forma, as falas desta reunião e os

87 Explicou a doutoranda, em nota de rodapé, que o referido conselheiro, C11, representava os usuários doSUS e possui presença ativa no conselho, sendo seu nome o mais citado nas atas, caracterizava-se por“questionar e argumentar em favor do que considera correto.”

Page 72: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

72

inúmeros não-ditos, de tantas outras reuniões, que se expressaram na maior parte das

entrevistas. Entretanto, a reflexão do conselheiro propõe uma saída, que é a de que o

Conselho seja ‘um pouco o conselheiro..’, ou seja, que se torne novamente ativo,

questionador como o tal conselheiro e como acontecia no momento em que atuava

no Conselho (1a gestão).” (grifos ausentes no original)

Embora o relato refira-se ao Conselho Municipal de Itajaí (Santa

Catarina), bem poderia poderia descrever inúmeros outros conselhos deste Estado ou do

país.

A mesma autora, citando outros estudos88, assim resumiu os entraves

para que a participação popular se efetive:

- a ambigüidade do Estado, que institui a participação popular e, ao

mesmo tempo perpetua e incentiva a continuidade de práticas

autoritárias como o clientelismo, o fisiologismo, etc, solapando

qualquer possibilidade de efetivação deste mesmo controle;

- sonegação de informações;

- manipulação política na indicação de conselheiros,

principalmente aqueles advindos dos usuários; e

- a falta de instrumentos que possibilitem um olhar avaliativo sobre

as ações de saúde.

Ademais, como bem lembra a autora, “a relação dissimétrica entre os

conselheiros usuários e os demais representantes (tanto na 1a, como na 2a gestão), é um dos aspectos que

mais denuncia o uso de uma estratégia de silenciamento, através de discursos considerados ‘verdadeiros’

ou ‘autorizados’, utilizada, principalmente pelo segmento governamental, que reforça seu poder.”

88 Os estudos referidos são: GERSCHMAN, Sílvia. A democracia Inconclusa: um estudo da ReformaSanitária Brasileira, Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995; DALLARI, Sueli Gandolfi et al. O Direito à saúdena visão de um Conselho Municipal de Saúde. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p.531-540, out-dez 1996; RAMOS, Célia Leitão. Conselhos de Saúde e Controle Social. In: Política deSaúde: o Público e o Privado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1996; ABRASCO. Incentivo à ParticipaçãoPopular e Controle Social em Saúde. Relatório Final. Rio de Janeiro: ABRASCO, Série: Movimento eSaúde, n. 1, 1993. e CORTES, Soraya Maria Vargas. Participação na área da saúde: o conceito, suasorigens e seu papel em diferentes projetos de reforma do Estado. Saúde. Porto Alegre/RS, v. 1, p. 51-69,1996

Page 73: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

73

Tanto o clientelismo e o fisiologismo como a sonegação de

informações são, em grande parte, conseqüências da condição do secretário como

presidente dos conselhos. Para a superação dessas dificuldades e construção de uma

efetiva participação popular na gestão do SUS, sustenta a Doutora Águeda a

necessidade de se construir um conselho “ético e politicamente autônomo e reflexivo”.

Essas ingerências são absolutamente incompatíveis com o tempo que

vivemos e com os princípios traçados pelo constituinte originário de 1988.

O Conselho não é mais órgão consultivo como fora antes de 1990;

pelo contrário, é exemplo maior da democracia direta prevista na Constituição da

República tendo merecido, inclusive, referência explícita no texto constitucional após

a Emenda n. 29/2001, responsável pelo artigo 77 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias que estabelece em seu parágrafo terceiro que: “Os recursos

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os

transferidos pela União para a mesam finalidade serão aplicados por meio de fundo de saúde que será

acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da

Constituição Federal.”

Melhor discriminadas as atribuições dos Conselhos de Saúde,

impende reafirmar que, não obstante sua amplitude, se ajustam plenamente à sua função

constitucional e legal, descabendo cogitar de invasão indevida nas atribuições do Poder

Executivo, no caso representado pelos gestores do SUS (secretários ou ministro de

saúde), mandatários do governante eleito. Não há invasão no pleno exercício do

controle social pois toda a gestão pública é passível de fiscalização, sem que daí se

possa extrair qualquer usurpação de atribuição do fiscalizado.

Bem assim na participação da comunidade na formulação das políticas

públicas. Ainda que, neste caso, a atividade dos conselhos adentre em atividade

tradicionalmente exercida de forma discricionária pelo Poder Executivo, legitimado a

tanto pelo mandato popular recebido nas urnas, não há invasão. Primeiro, porque essa

prerrogativa tem base constitucional e está prevista na Lei 8.142/90 que, refletindo as

Page 74: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

74

preocupações da 8a. Conferência Nacional de Saúde com a inadequação das políticas de

saúde às necessidades da população destinatária dos recursos, viu na participação da

comunidade a melhor forma de evitar essa distorção. Ademais porque, como já

registrado no início deste trabalho, emanando o poder do povo é ele que o repassa a seus

governantes e não o contrário. Se, em determinadas áreas o poder constituinte - cujo

titular é o mesmo povo - entende por reservar a este parcelas de poder político para,

nessas hipóteses, exercê-lo diretamente (caso da participação da comunidade como

diretriz do SUS – art. 2°, parágrafo único c/c art. 198, III, ambos da CF) a conseqüência

é que, nesses casos, o poder do governante é menor, ou melhor, o mandato que recebe

do povo é menos extenso.

Ocorrerá invasão, sim, na hipótese inversa, ou seja, quando o

governante adentrar na esfera de poder reservada à cidadania, como ocorre com as

disposições normativas que conferem a presidência dos conselhos aos secretários ou

ministro de saúde, inviabilizando processo eleitoral entre os conselheiros e alijando da

função os usuários, que, por lei, têm direito à metade das vagas.

No intuito de melhor apresentar a realidade que hoje se apresenta no

Mato Grosso do Sul sobre o assunto, sem qualquer pretensão de esgotar o ponto, mas

objetivando apenas fornecer ao leitor mais dados para uma adequada reflexão, o

presente trabalho expõe, na seqüência, um breve relato sobre a atual situação dos

conselhos municipais deste Estado, com enfoque direcionado aos quatro maiores

municípios, escolhidos também por serem sede de varas federais e, portanto, com

atuação mais presente do Ministério Público Federal.

Em atenção ao fato de se encontrarem esses conselhos, por razões a

seguir comentadas, em um estágio de construção democrática mais avançado que o de

seus congêneres federal e estadual no que respeita ao ponto central deste capítulo

(eleição do presidente do conselho dentre seus integrantes, sem a definição prévia do

secretário para a função), suas realidades são tratadas em tópico próprio.

Page 75: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

75

III.d – Os Conselhos Municipais em MS. Uma esperança.

Ainda que desde outubro de 1988 a participação da comunidade

constasse como diretriz do Sistema Único de Saúde, somente com a edição da Lei 8.080

(Lei Orgânica da Saúde), de 19 de setembro de 1990, e, três meses mais tarde, da Lei

8.142 (que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS), de 28 de

dezembro, é que os conselhos estaduais e municipais começaram a ser efetivamente

instituídos no Brasil, contando com o fundamental apoio do já reformulado Conselho

Nacional de Saúde, que ganhara maior efetividade e representatividade com o Decreto

99.438, de agosto do mesmo ano.

No Mato Grosso do Sul, como de resto na maioria dos demais Estados

da Federação, foram os municípios que largaram à frente na criação dos conselhos de

saúde, embalados pela perspectiva descentralizadora do SUS e premidos pela Norma

Operacional Básica n. 01/91 do Ministério da Saúde, que exigia o rigoroso

cumprimento das seis exigências insertas no art. 4° da Lei 8.142/90 (dentre as quais a

criação dos conselhos municipais) para o repasse das verbas federais previsto no art. 3°

da mesma lei. Em Campo Grande, com a Lei n. 2.811, de 07 de junho de 1991, criava-

se o Conselho de Saúde da Capital que, todavia, não fora o primeiro, visto que Coxim,

por exemplo, importante cidade do norte do Mato Grosso do Sul, instituíra em 23 de

maio do mesmo ano o seu conselho pela Lei n. 652/91. O Estado criaria o seu em 21 de

julho do mesmo ano, através da já analisada Lei n. 1.152. Somente em 1993 todos os

Estados brasileiros (premidos, da mesma maneira que os Municípios, pela NOB 01/93)

e suas capitais possuiriam conselhos de saúde, sendo que, entre 1992 e 1993, foram 15

os Estados e 6 as capitais a atenderem essa exigência legal89.

Muitas dessas leis estabeleceram os secretários de saúde como

presidentes dos conselhos, a exemplo do “modelo” federal (Decreto 99.438/90) e o

estadual (art. 2° da Lei 1152/91).

89 Cf. CARVALHO, op. cit., p. 69

Page 76: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

76

O mesmo conteúdo constava do art. 6° do Decreto Municipal n.

6.340/91, regulamentador da Lei n. 2.784 de Campo Grande, de dezembro de 1990,

instituidora do respectivo Conselho:

“Art. 6° A presidência do Conselho Municipal de Saúde será exercida pelo

Secretário Municipal de Higiene e Saúde Pública, que nas suas faltas ou

impedimentos será substituído pelo Diretor Executivo da Secretaria Municipal

de Higiene e Saúde Pública.”

Hoje a situação não é mais a mesma. Por meio do Decreto n. 8.099, de

31 de outubro de 2000, o dispositivo teve alterada sua redação para:

“Art. 6° A Presidência do Conselho Municipal de Saúde será exercida por

qualquer membro efetivo do Conselho eleito por seus pares em reunião

plenária convocada especificamente para este fim, para mandato de 02 (dois)

anos, podendo ser reconduzido, sendo substituído em suas faltas ou

impedimentos pelo Conselheiro mais idoso presente.”

Esse inegável e valiosíssimo avanço não ocorreu de forma isolada,

nem foi inovador. Resultou de um amplo movimento social que vinha buscando desde

1992 assegurar a possibilidade de qualquer conselheiro concorrer ao cargo de

presidente.

Em agosto do referido ano, na 9a. Conferência Nacional de Saúde ,

se aprovou proposta indicando que o presidente deveria ser eleito entre seus

membros90, ou seja, afastando a condição de presidente nato do secretário de saúde. Em

atendimento à orientação da Conferência, o Conselho Nacional de Saúde editou a

Resolução n. 033/92 que assim dispôs no tópico n. 2, da “Composição dos Conselhos”:

“A participação comunitária é enfatizada na legislação, tornando os

Conselhos uma instância privilegiada na discussão da política de saúde. A

legislação também estabelece a composição paritária dos usuários, em

relação aos outros segmentos representados. Desta forma, um Conselho

Page 77: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

77

de Saúde deverá ser composto por representantes do Governo, de

profissionais de saúde, de prestadores de serviços de saúde e usuários,

sendo o seu presidente eleito entre os membros do Conselho, em

reunião plenária.” (grifo ausente no original)

O movimento social organizado da saúde procurava, desse modo,

garantir importante conquista para a efetivação da democracia interna nos conselhos.

Curiosamente, não obstante tenha partido de uma Conferência Nacional (a nona) e se

consubstanciado em uma Resolução do Conselho Nacional de Saúde (n. 33/92), foi nos

conselhos municipais que a “revolução democratizante” surtiu algum efeito, sendo

incapaz de alterar o Decreto 99.438/90 ou a legislação estadual: até a data de conclusão

deste trabalho (julho de 2003), tanto o Conselho Nacional como o Estadual

continuavam sendo presididos pelo Ministro e Secretário de Saúde, respectivamente,

por disposições normativas expressas, até hoje inalteradas.

Cinco anos após as deliberações referidas no parágrafo anterior, a

questão repercutiu neste Estado, tendo o respectivo Conselho de Saúde aprovado, em

1997, a Deliberação n. 46, dispondo sobre “as orientações para organização e

funcionamento dos Conselhos de Saúde no Estado de Mato Grosso do Sul” e

estabelecendo, em seu item X, que: “A presidência do Conselho deve ser eleita dentre seus

membros”. Na seqüência, o mesmo Conselho deliberou pela elaboração de modelos de

leis e regimentos internos para os Conselhos Municipais, aprovados na Deliberação

CES n. 50, de 14 de julho de 1997. Segundo esses modelos, abordados mais

detidamente na seção anterior e constantes dos anexos, as leis municipais não tratam do

assunto, ficando a matéria para o regimento interno, cujo modelo prevê em seu artigo 13

que:

“Art. 13 – A presidência, órgão diretor do Conselho Municipal de Saúde, será

exercida por qualquer membro efetivo do conselho, eleito entre seus pares,

em reunião plenária, convocada especialmente para esse fim, para mandato

de 02 (dois) anos.”

90 v. Nota de rodapé n. 81.

Page 78: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

78

Teria sido melhor, para garantir maior estabilidade à disposição, que

ela constasse do modelo de lei; todavia, o interesse maior de ver os municípios adotando

o modelo previsto na íntegra e as dificuldades que seriam encontradas no particular

devem ter justificado a opção. Ademais, no mínimo, garantir-se-ía a revogação das

disposições legais anteriores que estabeleciam os secretários de saúde como presidente

do conselho.

Avançava-se significativamente, sem dúvida, especialmente se

considerado que a deliberação desencadeou efetivas mudanças nas legislações

municipais, algumas delas incorporando no próprio texto da Lei a eleição do presidente

dentre todos os conselheiros.

Foi o caso, por exemplo, de Três Lagoas, a quarta maior cidade do

Estado, com cerca de setenta mil habitantes. No mês seguinte à deliberação do CES, foi

promulgada a Lei n. 1.369, de 02 de setembro de 1997, que assim dispôs em seu artigo

4°:

“Art. 4° A nomeação dos conselheiros de saúde deverá ocorrer em ato do

Poder Executivo Municipal, empossados no prazo máximo de 30 (trinta) dias

pela Secretaria Municpal de Saúde, em sua primeira gestão, e, nas próximas,

pelo próprio Conselho Municipal de Saúde.

II – o Secretário de Saúde é membro nato do Conselho Municipal de Saúde;

III – A Presidência do Conselho Municipal de Saúde será eleita dentre seus

membros.

Corumbá, a terceira maior cidade do Estado (aproximadamente cem

mil habitantes) e a mais antiga, que desde 1993 possuía em sua legislação a previsão de

escolha do presidente dentre quaisquer dos componentes do Conselho (art. 4°, §2°),

Page 79: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

79

adotou tanto o modelo da Deliberação n. 50/97 na Lei 1.580/98 como em seu regimento

interno, mantendo, assim, a eleição do presidente dentre os conselheiros91.

Em Dourados, a segunda maior cidade do Estado (com pouco mais de

duzentos mil habitantes), a Lei n. 2.212, de 23 de novembro de 1998, adotou

parcialmente o modelo da Deliberação CES 50/97, fazendo pequenas alterações, dentre

as quais a prevista no §3° do art. 6°, redigida nestes termos:

§3° A presidência será exercida por membro titular do Conselho, escolhido

dentre seus pares, em assembléia e/ou plenária, nos termos da legislação

vigente.

Atualmente, a grande maioria dos municípios sul-matogrossenses já

adotou os modelos constantes da Deliberação n. 050/97, com pequenas alterações. Não

obstante, apesar da ausência de obrigatoriedade legal, dos 77 Conselhos Municipais de

Saúde no Mato Grosso do Sul ainda em 41 o secretário ocupa a presidência. Dentre os

36 restantes, destacam-se as três grandes cidades antes referidas (Dourados, Corumbá e

Três Lagoas).

Na Capital, embora já não haja a obrigatoriedade desde dezembro de

2000, a Secretária de Saúde ainda ocupa a presidência do conselho. Como se vê, a

mudança na legilslação da Capital nada teve de inovador, pelo contrário, foi a última

dentre as maiores cidades e ainda não resultou em efetiva alternância.

O tardar da capital e, especialmente, a manutenção da previsão

criticada nas esferas estadual e federal, tendo partido justamente do Conselho Nacional

a orientação pela mudança podem parecer estranhos, mas têm explicação facilmente

alcançável.

Não é sem razão que o incremento da democracia – e especialmente

da participativa – está diretamente relacionado à idéia de descentralização. BOBBIO

91 O Conselho Municipal de Corumbá foi, provavelmente, o primeiro a ter um presidente escolhido dentreos pares que não era o secretário de saúde, atualmente sendo presidido atualmente, como na gestão

Page 80: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

80

reconhece essa “estreita conexão entre os conceitos de descentralização (entendida

como luta pelas autonomias locais) e de democracia” dizendo-a generalizada na

doutrina92. Quanto mais perto do povo está o governante, mais sensível ele é à

ampliação da participação deste. Quanto mais alta for esfera de poder, tanto maior será

este e mais refratário a reparti-lo será o governante. E, novamente trazendo o

pensamento de BOBBIO, convém ter presente que “a democracia dos modernos é o Estado no

qual a luta contra o abuso do poder é travada paralelamente em duas frentes – contra o poder que parte do

alto em nome do poder que vem de baixo, e contra o poder concentrado em nome do poder

distribuído”93. Sem dúvida, o poder de cima para baixo e centralizado é bastante mais

infenso à participação popular.

Não por outra razão, justamente a normatização de Campo Grande

tardou em relações às demais cidades do Estado. Não por outra razão a Lei Estadual n.

1.152/91 até hoje permanece inalterada não havendo sequer projeto de lei em trâmite na

Assembléia Legislativa94, cabendo ressaltar que o governo do Estado é do Partido dos

Trabalhadores, o mesmo que teve papel importante na consagração das diretrizes da 8a.

Conferência Nacional de Saúde no texto constitucional, com destacada participação do

Deputado Federal Eduardo Jorge, de São Paulo. Não por outra razão o dispostivo

pertinente inserto no Decreto 99.438/90, que dispõe sobre a organização e atribuições

do Conselho Nacional de Saúde, art. 2°, caput, continua prevendo como presidente o

Ministro da Saúde que, nos termos do art. 4°, §3°, do mesmo decreto, ainda possui

direito a voto de qualidade (desempate) além da prerrogativa de deliberar ad referendum

do Plenário.

É preciso levar a “revolução democrática” já operada nas instâncias

menores para as esferas estaduais e federal. Esse é o principal objetivo deste trabalho.

anterior, por uma representante do setor dos usuários.92 Cf. verbete “Descentralização e Centralização”, tópico IV, “Descentralização, Democratismo ePluralistmo” in BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário dePolítica. 8a. ed, Brasília: Editora da UnB, 1995.93 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. 8a.ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 7394 É o que informou o então Deputado Estadual Geraldo Resende, em ofício de 10 de maio de 2002,respondendo questionamento deste autor. Situação que, segundo informado recentemente pela Comissãode Legislação do Conselho Estadual de Saúde, permanece inalterada.

Page 81: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

81

CAPÍTULO IV – A INCONSTITUCIONALIDADE DAS PREVISÕES LEGAIS QUE

ESTABELECEM OS GESTORES COMO PRESIDENTES DOS CONSELHOS

Embora certamente existam várias leis municipais que ainda confiram

a condição de presidente do conselho de saúde ao respectivo secretário, seja pelas

razões trazidas à colação na seção anterior, que demonstram maior possibilidade de

reversão do quadro local pelos meios políticos, seja pela competência para julgamento

de ações de inconstitucionalidades a serem eventualmente propostas, atribuída aos

Tribunais de Justiça, perante o qual somente o Ministério Público Estadual pode propô-

las, seja, ainda, porque o raciocínio aplicável é o mesmo (sendo de se esperar que uma

decisão judicial de inconstitucionalidade contra a norma federal ou estadual reverbere

na esfera municipal), este capítulo tomará como objeto a ser confrontado com a

Constituição da República os dispositivos referentes ao Conselho Nacional e Estadual

de Saúde, respectivamente os artigos 2° do Decreto 99.438/90 e da Lei Estadual n.

1.152/91, redigidos nestes termos:

“Art. 2º. O Conselho Nacional de Saúde, presidido pelo Ministro de Estado da

Saúde, integrado por 32 membros, tem a seguinte composição: (Redação dada pelo

Decreto nº 1.448, de 6.4.1995)

“Art. 2°. O Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul será composto pelo

Secretário de Estado de Saúde, que o presidirá, e mais vinte e quatro membros

representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários”

(grifo ausente no original)

Os dispositivos em destaque são inconstitucionais por afronta aos

artigos 1°, II e parágrafo único c/c art. 198, III (democracia participativa e participação

da comunidade como diretriz do SUS), 5°, caput (princípio da igualdade) interpretado à

luz do princípio da proporcionalidade e 37, caput (princípio da moralidade

administrativa) c/c art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Page 82: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

82

IV.a - Inconstitucionalidade por contrariedade aos art. 1°°, II, e parágrafoúnico (cidadania e democracia participativa) e ao artigo 198, III(participação da comunidade como diretriz do SUS)

Muito do trabalho até aqui desenvolvido – especialmente o constante

do Capítulo II – procura colacionar elementos capazes de demonstrar a

inconstituicionalidade abordada neste tópico. Seria irrazoável repiti-los agora, cabendo,

todavia, dar-lhes organicidade e conformação constitucional em sucintas palavras.

As disposições normativas que prevêem os gestores de saúde

(secretários e ministro) como presidentes dos respectivos conselhos afrontam a

cidadania e a democracia participativa na medida em que há invasão, sob a forma de

ingerência, dos governos sobre espaço reservado pelo constituinte originário (vale dizer,

pelo próprio povo, seu titular) ao exercício direto do poder pela cidadania organizada.

Prevê a Constituição que o Brasil se constitui em um Estado

Democrático de Direito que tem dentre seus fundamentos a cidadania. Igualmente prevê

a Carta que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou

diretamente, nos termo da Constituição (art. 1°, parágrafo único). No caso, está-se

diante de uma hipótese de exercício direto nela previsto: a participação da comunidade

como uma das diretrizes do SUS. O “diretamente” como ensina BRITO significa o

próprio povo assumindo-se como instância deliberativa95

Esclarece o mesmo autor96 que o “diretamente” do parágrafo único

significa “o povo assumindo-se enquanto instância deliberativa, tanto quanto se assumem como

instância deliberativa os ‘representantes eleitos’ por esse mesmo povo”. Se há duas instância

deliberativas: o povo, no conselho de saúde, e o seu representante, na gestão, uma não

deve se confundir com a outra, impondo-se mútuo respeito e independência de

instâncias. Não pode, por isso, o governo eleito (representante, mandatário do povo)

exercer ingerência no espaço de exercício direito do poder, sob pena de esvaziar (se não

95 Op. cit., p. 119 (v. Seção III.a)96 Idem

Page 83: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

83

anular) a participação popular prevista constitucionalmente. Tanto mais se, na

constituição desse conselho, os usuários são paritários a todos os outros grupos nele

representados (governo, prestadores de serviço e trabalhadores na área de saúde),

conforme previsto no art. 2°, §3°, Lei 8.142/90.

Se o poder emana do povo, nos casos em que a Constituição prevê o

exercício direto restringe-se o “mandato” dos representantes. São esferas diferentes com

atribuições diferentes.

O conselho de saúde é um espaço da cidadania – possivelmente o mais

amplo de nosso ordenamento jurídico – e esta é a expressão da soberania popular, que,

como o próprio nome diz, é soberana como fonte de poder.

Por outro lado, analisando o controle social exercido pelo mesmo

órgão de partipação popular, o conselho de saúde, vimos que ele é um direito subjetivo

da cidadania97 e, como tal, impositor de uma vontade do cidadão ao Estado que resta

esvaziado quando o representante do governo preside o conselho, comprometendo

sobremaneira o exercício da cidadania.

Cumpre também lembrar que a participação pressupõe igualdade de

voto e, portanto, do direito de concorrer a cargos eletivos, como é o caso do presidente,

que deve ser aberto a todos os conselheiros.

A afronta aos dispositivos 194, VII e 198, III, além do que já se disse

da combinação proposta com os artigos 1°, II, e parágrafo único, também se revela

buscando a origem das disposições na constituinte (interpretação histórica), para dela

extrair sua finalidade, vale dizer, a ratio legis, e, assim, assegurar a mais festejada das

interpretações, a teleológica.

Este tema já foi bem explorado no Capítulo II, segunda seção, onde

ficou evidenciado que a origem de ambas as disposições, especialmente do art. 198, III,

Page 84: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

84

converge para as conclusões da 8a. Conferência Nacional de Saúde, em cujo relatório se

registrou que uma das principais preocupações dos conferencistas era com a eficiência,

a transparência e a probidade no sistema único de saúde que se pretendia ver criado,

para o que se tornava imprescindível a participação popular na fiscalização da aplicação

dos recursos públicos. Permitir com que o fiscalizado presida o órgão fiscalizador

afronta diretamente essa finalidade, razão pela qual devem ser tida por inconstitucionais

tais disposições.

IV.b – Inconstitucionalidade por violação ao princípio da Igualdade e aoda Proporcionalidade ou Razoabilidade

As normas disciplinadoras dos Conselhos de Saúde ao imporem o

Ministro ou os secretários de saúde como presidentes necessários afrontam o princípio

da igualdade na medida em que criam uma discriminação em relação aos demais

conselheiros, impossibilitados sequer de disputar o cargo, sem que o discrímen encontre

justificativa no direito ou nas características inerentes aos gestores, pelo contrário, o

critério utilizado afronta o ideário constitucional.

Inserto no art. 5°, caput, da Constituição Federal de 1988, que

inaugura o título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” anunciando que “todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, o princípio não se restringe a

nivelar os cidadãos perante a norma legal posta, ou seja, não se volta apenas ao

aplicador da lei, mas também – e principalmente – ao legislador. É o ensinamento de

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO em sua concisa mas preciosa monografia

sobre o tema, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, onde pontifica, referindo a

unanimidade que o acompanha, que “não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas

a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento eqüânime entre as pessoas … A Lei

não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita

tratar eqüitativamente todos os cidadãos”98, ao mesmo tempo que cita FRANCISCO CAMPOS

97 Cf. Seção III.a desta monografia98 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. Malheiros:São Paulo, 2000, 3a. Ed., pp. 9-10.

Page 85: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

85

com elogiosas palavras a seu pensamento assim consignado: “por mais discricionários que

possam ser os critérios de política legislativa, encontra no princípio da igualdade a primeira e mais

fundamental de suas limitações.”99

Ocorre que a igualdade material pressupõe o tratamento igual dos

iguais e desigual dos desiguais, na medida dessa desiguldade, cabendo à lei – grande

regulador social no Estado de Direito – estabelecer essa distinção, para cujo mister deve

sujeitar-se a critérios fora dos quais as discriminações são juridicamente intoleráveis. É

sobre o estabelecimento desses critérios que se debruça o célebre doutrinador na obra

referida.

Depois de afastar o mito de que certos fatores (tais como sexo, raça ou

convicção religiosa) não podem, sob hipótese alguma, serem eleitos como matriz do

discrímen, citando como exemplos a exigência de que somente mulheres concorram a

cargos de “polícia feminina”, destinada especificamente a determinados atos de polícia

relacionados a mulheres (revista pessoal, por exemplo) ou a limitação a determinada

raça na contratação temporária para combate a uma doença contra a qual aquela raça

seja comprovadamente mais resistente, o autor conclui que “qualquer elemento residente nas

coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório”.

Firmada essa posição, aponta o caminho para a análise da

compatibilidade das discriminações de lei com o princípio constitucional da igualdade:

“Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério

discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é,

fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico

tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente,

impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é,

in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo

constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles”100

99 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional . Ed. Freitas Bastos, 1956, v. II, p. 30 apud MELLO op.cit., p. 9100 BANDEIRA DE MELLO, op. cit. pp. 21/22.

Page 86: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

86

Sob essa perspectiva, é possível resumir assim os três critérios

identificados pelo autor:

1) a lei não pode adotar como fator de desigualação um critério tão

específico que singularize no presente e definitivamente, de modo

absoluto, um sujeito a ser colhido pelo regime peculiar e deve, por

outro lado, identificar um traço que resida, necessariamente, na

pessoa, coisa ou situação, nela mesma, como refere o autor;

2) deve haver uma correlação lógica entre o fator do discrímen e a

desequiparação procedida, equivale dizer, “impende que exista uma

adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão

diferencial que lhe serviu de supedâneo”101; e

3) a diferenciação de tratamento jurídico seja fundada em razão

valiosa – à luz do texto constitucional – para o bem público, ou,

em outras palavras, também do doutrinador, “não é qualquer diferença,

conquanto real e logicamente explicável, que possui suficiência para

discriminações legais […] as vantages hão de ser conferidas prestigiando

situações conotadas positivamente ou, quando menos, compatíveis com os

interesses acolhidos no sitema constitucional”102.

Em relação ao primeiro critério, não há críticas que podem ser

opostas às leis que prevêem os responsáveis pelas pastas de saúde, nas três esferas,

como presidentes natos dos conselhos. Não há a individualização em uma só pessoa,

mas em um cargo, independente de quem venha a ocupá-lo no futuro; por outro lado, o

critério utilizado – ser secretário ou ministro – é inerente a seu ocupante.

Quanto ao segundo critério, impende, por primeiro, responder uma

questão, sem o que não se poderá aferir a relação lógica do discrímen: quais as

características do gestor e qual seu papel no conselho? A essa resposta deverão

somarem-se as funções da presidência já esmiuçadas no penúltimo tópico do capítulo

anterior. Só então poder-se-á analisar a validade da correlação lógica entre o fator de

101 Ibidem, p. 39102 Ibidem, pp. 41/2

Page 87: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

87

discrímen: condição de gestor, e a desequiparação procedida: exclusividade na condição

de presidente do conselho, em prejuízo de todos os demais conselheiros que, diante da

disposição legal, não podem assumir a presidência do conselho.

O secretário de saúde, como gestor dos recursos do fundo de saúde

(quando se tratar de ente público com gestão plena, condição alcançada pela maioria dos

secretários de saúde, ao menos no que respeita à atenção básica), autoriza muitos, senão

todos, os pagamentos do SUS na área de sua responsabilidade, pelo que conhece bem os

gastos com o setor; de regra é um profissional da área (médico, na maior parte das

vezes); conhece bem a estrutura da secretaria. É, sempre, pessoa de confiança do Chefe

do Executivo. No Conselho, ocupa uma das vagas destinadas aos prestadores de serviço,

visto que o poder público encontra-se sempre nessa condição, cabendo lembrar que, ao

menos nos termos do art. 24 da LOS, a iniciativa privada desempenha um papel

complementar no SUS. É, sem dúvida, profundo conhecedor da área; demais, para o

caso.

Reside justamente na razão de ser do profundo conhecimento do

gestor uma grave contradição interna nesta aparente lógica justificadora da sua

condição de presidente nato do conselho: conhece muito bem porque é o responsável

pela gestão, vale dizer, por toda (ou quase) aplicação das verbas do SUS de sua área de

abrangência. Ocorre que é justamente essa gestão o objeto de fiscalização do

conselho que preside! Essa contradição afasta qualquer correlação lógica justificadora

do discrímen. Justificaria, ao revés, discriminação ao contrário, ou seja, que a lei

proibisse o gestor de assumir a presidência do conselho que o fiscaliza, visto ser

princípio básico de qualquer sistema de fiscalização que esta seja externa ou, no

mínimo, independente. Com efeito, é de todo incompatível que o gestor, como

presidente, possa manipular as pautas de reunião dos conselhos, sonegar documentos

que lhe são encaminhados em razão da condição de presidente (tais como ofícios do

Ministério Público requisitando informações sobre possíveis irregularidades na gestão)

Page 88: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

88

e responder pelo acompanhamento direto da movimentação financeira que ele próprio

gere, recebendo os extratos das contas que o banco deve fornecer ao Conselho 103.

Vê-se que, por isso, compatível com o princípio da igualdade (por

absoluta correlação lógica com o fator escolhido para discrímen) seria uma norma que

proibisse essa ocorrência. Todavia, em não existindo, não cabe ao Poder Judiciário,

exercendo controle de constitucionalidade, criar essa vedação, pois nosso sistema é tão-

somente negativo, vale dizer, apenas permite expurgar do sistema dispositivos

inconstitucionais e não o contrário104. Deve-se, no caso, confiar no amadurecimento da

democracia participativa e do controle social para que os próprios conselheiros –

especialmente os usuários que detém, por lei, a metade das vagas no conselho (art. 1°,

§4°, Lei 8.142/90) – tomem essa consciência e evitem eleger como presidente o

secretário que, por sua vez, deve entender que tal situação não afeta sua legitimidade

como gestor nem lhe diminui os poderes que lhe são próprios, pelo contrário, garante

maior transparência e propicia uma participação mais efetiva da sociedade, na medida

em que esta se sente mais valorizada em seu papel, o que tende a contribuir

sobremaneira para a eficiência das políticas de saúde implantadas pela pasta.

Normalmente referido pela doutrina e pela jurisprudência na análise

do princípio da igualdade, também o princípio da proporcionalidade ou da

razoabilidade não recomenda, ao contrário condena a discriminação contestada. O

princípio, que é decorrência natural do Estado Democrático de Direito e do princípio do

devido processo legal, possui ínsita parceria com o princípio da igualdade e é aceito e

estudado em nossa doutrina105, sendo também de aplicabilidade reconhecida e cada vez

mais consagrada pelo Supremo Tribunal Federal106.

103 Justamente para assegurar esse direito básico dos conselhos, o Ministério Público Federal propôs açãocivil pública objetivando obrigar o Banco do Brasil a fornecer esses extratos, tendo havido sentençafavorável do Juiz Federal Odilon de Oliveira, da 3a. Vara Federal de Campo Grande.104 Ver, nesse sentido, o julgamento do Rec. Extraordinário n. 196590/AL, Relator o Ministro MoreiraAlves, ocorrido em 16/04/1996 e publicado no DJ de 14/11/1996, p. 44492.105 LUIZ ROBERTO BARROSO, em sua obra “Interpretação e Aplicação da Constituição”, Ed. Saraiva,3a. Ed, dedica ao princípio um tópico específico no Capítulo II, que trata dos “Princípios de InterpretaçãoEspecificamente Constitucional”, pp. 209-234.106 Na ADIn 2019-MS, julgada em 02/08/2001, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional aLei Estadual n. 1.949/99, do Mato Grosso do Sul, por violação ao princípio em comento, por falta denecessidade da medida, que criava benefício assistencial à criança gerada a partir de estupro,

Page 89: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

89

Como ensina LUIZ ROBERTO BARROSO:

“O princípio da razoabilidade faz uma imperativa parceria com o princípio da

isonomia. À vista da constatação de que legislar, em última análise, consiste em

discriminar situações e pessoas por variados critérios, a razoabilidade é o parâmetro

pelo qual se vai aferir se o fundamento da diferenciação é aceitável e se fim por ela

visado é legítimo.” 107

O mesmo autor assim resume o conteúdo do princípio:

“O Princípio da Razoabilidade é um mecanismo de controle da discricionariedade

legislativa e administrativa. Ele permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou

atos administrativos quando: (a) não haja relação de adequação entre o fim visado e

o meio empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio

alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual;

(c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a

medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha.”108

As normas que impõem o gestor como presidente do conselho

afrontam o princípio da razoabilidade tanto pela inadequação entre o meio (considerar

como presidente nato o gestor) e o fim (assegurar ao conselho maior efetividade e

melhor funcionamento109), visto que há, ao contrário, uma contradição interna na

medida em que, ao menos no que respeita à função fiscalizatória, a disposição é

contrária ao fim, quanto pela falta de necessidade , visto que há outras formas de se

assegurar efetividade ao funcionamento do conselho sem o prejuízo identificado, tais

como garantia de secretaria executiva independente e apoio técnico especializado.

Voltando à violação do princípio da igualdade e à doutrina de

BANDEIRA DE MELLO, ainda que restasse superado o segundo critério (necessária

independente da necessidade do beneficiário. LUIZ ROBERTO BARROSO, op. cit., p. 229/30, citainúmeros outros julgados em que o Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio: ADIn 526/DF (Min.Sepúlveda Pertence), RE 174.548-7/AC (Min. Carlos Velloso), ADIn 855-2/PR (Min. SepúlvedaPertence), ADIn 1.158-8/AM (Min. Celso de Mello).107 Op. cit., p. 234108 Idem.109 Sequer cabe cogitar dentre as finalidades da norma assegurar uma ingerência, qualquer que seja, dogoverno sobre o conselho, pois tal finalidade afrontaria diretamente o preceito constitucional do art. 198,III.

Page 90: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

90

correlação lógica entre o fator do discrímen e a desequiparação procedida), o mesmo

não ocorreria com o terceiro (exigência de que a diferenciação de tratamento jurídico

seja fundada em razão valiosa, à luz do texto constitucional, para o bem público). Como

pontifica o autor:

“não é qualquer diferença, conquanto real e logicamente explicável, que possui

suficiência para discriminações legais […] as vantagens calçadas em alguma

peculiaridade distintiva hão de ser conferidas prestigiando situações conotadas

positivamente ou, quando menos, compatíveis com os interesses acolhidos no

sistema […] não podem ser colocadas em desvantagem pela lei situações a que o

sistema constitucional empresta conotação positiva […] a lei não pode atribuir

efeitos valorativos ou depreciativos, a critério do especificador, em desconformidade

ou contradição com os valores transfundidos no sistema constitucional”110

Como visto em vários trechos anteriores deste trabalho, a Constituição

de 1988, fruto maior do processo de abertura democrática vivido após o regime militar,

preocupou-se em assegurar efetiva partipação popular na gestão da coisa pública, vale

dizer, no exercício direto do poder, a ponto de ter sido apelidada de “Constituição

Cidadã”. No que se refere especificamente à saúde, previu a participação da

comunidade dentre as diretrizes do SUS em decorrência de amplo debate público sobre

o modelo de saúde pretendido traduzido na 8a. Conferência Nacional de Saúde, na qual

ficou explicitado que era necessário garantir ampla participação da sociedade não

apenas para democratizar as discussões sobre a condução de uma política pública de

tamanha grandeza, mas também –e especialmente – como forma de garantir uma

adequada fiscalização capaz de reduzir a malversação das verbas aplicadas na saúde.

Admitir, então, que os governantes, na sua natural resistência em

repartir com o povo o poder, garantam subterfúgios para manter conselhos populares

sob seu controle, como é o caso das normas que estabelecem os secretários como

presidentes dos conselhos, é afrontar os fins maiores do ordenamento constitucional.

Fazer isso criando situações de desigualdade entre os conselheiros, afronta diretamente

o princípio constitucional da igualdade. Isso porque, no caso telado, a distinção

instituída em lei (autorizando somente o secretário a ocupar o posto de presidente) não

110 Op. cit., pp. 41/2

Page 91: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

91

apenas não encontra fundamento em razão valiosa à luz do texto constitucional, para

utilizar as palavras do doutrinador, como confronta seus valores maiores, dentre os

quais a cidadania e a moralidade administrativa.

Vê-se, pois, sob vários aspectos, que o impedimento aos demais

conselheiros para disputar a presidência, afronta diretamente o princípio constitucional

da iguadade.

Ademais, sob um enfoque semelhante, relacionando o princípio da

igualdade ao princípio democrático, cumpre trazer o ensinamento de ANTÔNIO

MAUÉS111, para quem um dos importantes critérios segundo o qual se identifica o

caráter democrático da participação no processo de tomada de decisões políticas é o da

igualdade da participação, que prevê o igual direito de concorrer a cargos eletivos. Em

conseqüência, as regras em comento ferem, a um só tempo, o princípio da participação

democrática e o princípio da igualdade.

Como se não bastassem tantas inconstitucionalidades, com as

disposições combatidas afronta-se também o princípio da moralidade, objeto do

próximo tópico.

IV.c - Inconstitucionalidade por contrariedade ao princípio da moralidade(art. 37, caput)

Lê-se no caput do art. 37 da Constituição Federal:

“Art. 37. A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios

de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao

seguinte:”

111 Cf. MAUÉS, Antônio Moreira. Ordem Social: Fundamentos da Democracia Participativa. In:SCAFF, Fernando Facury (coord.). Ordem Econômica e Social: Estudos em Homenagem a AryBrandão de Oliveira. São Paulo: LTr, p. 34.

Page 92: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

92

Não é a única vez que a defesa da moralidade é explicitamente

defendida no texto constitucional. O art. 5°, LXXIII, legitima qualquer cidadão a

propor ação popular contrar ato lesivo à moralidade administrativa. Sem se referir ao

termo, mas dentro do mesmo ideário, o art. 85, V, considera crime de responsabilidade

do Presidente da República os atos que atentem contra a probidade na administração.

Não obstante o relevo que há décadas a doutrina brasileira, amparada

no pensamento clássico de Maurice Hauriou112, dispensava ao princípio da moralidade,

reconhecendo-o como princípio implícito de nosso ordenamento jurídico, foi a

Constituição Federal de 1988 a primeira a referi-lo expressamente. Tal circunstância

garantiu-lhe autonomia em relação ao princípio da legalidade, ao qual era

freqüentemente associado sob a perspectiva do atendimento à finalidade pública do ato

administrativo (a imoralidade administrativa, então, era uma das hipóteses de desvio de

poder) e ensejou amplo debate voltado a dar-lhe contornos conceituais próprios. Nesses

contornos, manteve-se e ampliou-se a relação entre o Direito e a ética113 e extrapolou-se

a idéia de desvio de poder, dispensando-se a análise da finalidade.

Nesse sentido, MARIA SYLVIA DI PIETRO que, em sua obra

Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988 (São Paulo, ATLAS, 1991,

p. 111), esteve dentre aqueles que primeiro ressaltaram a desnecessidade de se “penetrar

na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade”, o que ocorre “quando o

conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça,

respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições.”

112 O autor francês é apontado por Hely Lopes Meirelles como o sistematizador do conceito demoralidade administrativa em sua obra Précis Élémentaires de Droit Administratif, Paris, 1926, ondeconferiu à expressão um sentido próprio, distinto da moral comum, segundo o qual o o agente público nãopoderia desprezar o elemento ético de sua conduta, atentando a um conjunto de regras tiradas dadisciplina interior da administração apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.18a. Ed., 1993, p. 83113 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo . São Paulo: Malheiros, 6a. ed,1995, p. 59 : “De acordo com ele (princípio da moralidade administrativa) a Administração e seus agentestem de atuar na conformidade de princípios éticos”; FREITAS, Juarez. O Controle dos AtosAdministrativos e os Princípios Fundamentais. São Paulo, Malheiros, 1999, p. 68 e DI PIETRO, MariaSílvia. Discricionariedade Administrativa na Constituição, São Paulo: Atlas, 1991.

Page 93: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

93

MÁRCIA NOLL BARBOZA, em sua monografia sobre o tema 114,

distingue os princípios da legalidade e da moralidade, utilizando como critério

justamente a observância de princípios éticos:

“[…] Ainda, o princípio da moralidade, exigindo comportamento ético da

Administração, cria um canal de abertura do direito à moral, remanescendo aberto e

sempre em formação o significado do standard moralidade.

[…] Ademais, o princípio da legalidade, enquanto exigência de juridicidade ou

legalidade substancial, não contém nem abarca o da moralidade. Note-se como são

diversos os seus mandados: o primeiro determina à Administração Pública a

observância do direito; o segundo lhe ordena a observância de parâmetros éticos”

Esse entendimento vem sendo consagrado pelo SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL que reconhece como corolário do princípio constitucional da

moralidade a necessária observância de parâmetros ético-jurídicos na atividade estatal,

qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, admitindo, dessa forma, o

controle de constitucionalidade das leis que afrontam o referido princípio. Nesse

sentido, o lapidar voto do Ministro CELSO DE MELLO, proferido no julgamento da

ADIn n. 2.662-MA, assim redigido:

“O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA - ENQUANTO VALOR

CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO -

CONDICIONA A LEGITIMIDADE E A VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS.

A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está

necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se

refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa.

Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere

substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a

ordem positiva do Estado.

É por essa razão que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao

impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de

todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o

comportamento dos agentes e órgãos governamentais.

114 BARBOZA, Márcia Noll. O Princípio da Moralidade Administrativa. Porto Alegre: Livraria doAdvogado Editora, 2002, p. 122.

Page 94: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

94

Na realidade e especialmente a partir da Constituição promulgada em 1988, a estrita

observância do postulado da moralidade administrativa passou a qualificar-se como

pressuposto de validade dos atos que, fundados ou não em competência

discricionária, tenham emanado de autoridades ou órgãos do Poder Público,

consoante proclama autorizado magistério doutrinário (cita)”

Na referida ADIn, o Supremo Tribunal Federal decidiu, à

unanimidade, suspender, com eficácia ex tunc (retroativa), a Lei do Estado do Maranhão

n. 7.493/99, onde se autorizava o Governo do Estado a incluir no edital de venda do

Banco Estadual as disponibilidades de caixa do tesouro estadual, ou seja, autorizando o

depósito dos recursos públicos em bancos não oficiais. Na decisão, foi citado o

precedente da ADIn n. 2600-ES, relatora a Ministra ELLEN GRACIE, onde se decidira

da mesma forma em caso onde a mesma disposição se fizera constar de emenda

constitucional estadual (EC n. 37/2002, que dera nova redação ao art. 148 da

Constituição do Estado do Espírito Santo). Em ambos os julgados considerou-se

também a afronta ao mandamento do art. 164, §3°, do texto constitucional (“As

disponibilidades de caixa da União serão depoisitadas no Banco Central; as dos Estados,

do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das

empresas por ele controlodas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos

previstos em lei”), sempre relacionando-o com o art. 37, caput, na medida em a norma

daquele artigo possui inequívoca preocupação com a moralidade administrativa.

CELSO DE MELLO chegou mesmo a observar que igualmente a norma federal referida

no §3° do art. 164 deverá atentar o critério da moralidade administrativa, sob pena de

incorrer no mesmo vício das normas estatduais.

Interessante notar, a partir dos julgados referidos, que nem mesmo

emenda constitucional estadual está dispensada da observância do princípio da

moralidade. Afasta-se, assim, qualquer alegação de que o princípio só se destina ao

controle dos atos administrativos do Estado. Não. Como declarou o Ministro CELSO

DE MELLO, toda a atividade estatal – nela compreendida a legislativa – sujeita-se ao

referido princípio. O atentado ao princípio da moralidade retira a validade do ato: se de

natureza administrativa, cabe a declaração de sua nulidade; se de natureza legislativa,

cabe a declaração de inconstitucionalidade, que possui o mesmo efeito. Tem-se, pois,

Page 95: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

95

que o princípio da moralidade impõe a observância de princípios éticos não apenas no

que refere aos atos administrativos, mas também às leis e emendas constitucionais.

Ora, à toda evidência, ofende à ética jurídica – e por conseqüência o

princípio da moralidade - o fiscalizado presidir o órgão que o fiscaliza. É princípio

básico de uma fiscalização independente a isenção de seus integrantes, razão pela qual

nosso direito é farto em exemplos de proibições nesse sentido115.

Não por outra razão o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL julgou

improcedente a ADIn n. 1.723-6/RS, proposta pela Confederação Nacional dos

Transportes contra dispositivos da Lei n. 10.848/96 do Estado do Rio Grande do Sul,

que dispôs sobre autorização e concessão dos serviços públicos de inspeção e segurança

veicular vedando, em seu artigo 7°, a participação de empresas do ramo automobilístico

(dentre as quais as transportadoras) e outras direta ou indiretamente a ela relacionadas

nos processos licitatórios a serem realizados para a concessão dos serviços previstos na

lei.

A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, nas informações que

prestou ao Relator, Ministro Carlos Velloso, ressaltou que

“d) a iniciativa de definir as empresas impedidas de participar do processo licitatório

teve a finalidade de impossibilitar a participação dos que têm interesse próprio muito

forte na área, preferindo-se assegurar a igualdade de condições a todos os

interessados.”

Com a mesma preocupação, ressaltou o Governador do Estado que “

115 Exemplificando: a lei 9.427/96, que criou a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), cujafinalidade é “fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica”, emseu artigo 6° impede de exercer cargo de direção na agência a pessoa que for acionista ou sócio, membrode conselho de administração ou empregado das empresas sob regulamentação ou fiscalização daANEEL. No mesmo sentido, a Lei 9.782/99, que criou a ANVISA (Agência Nacional de VigilânciaSanitária) que veda aos dirigentes da agência, em seu artigo 13, §1°, terem interesse direto ou indireto emempresa relacionada à área de atuação da Vigilância Sanitária. Na área dos tribunais de contas destaca-seo Código de Ética dos membros do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, instituído pela Resolução557/2000, que em seu art. 7°, VI, proíbe seu membro de “aceitar participar de conselhos ou comissões deórgãos ou entidades jurisdicionadas pelo Tribunal de Contas”. Como esses exemplos existem váriosoutros, todos com uma preocupação em comum: garantir isenção daquele que fiscaliza.

Page 96: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

96

b) tratando-se de serviços de inspeção veicular, é fácil de concluir que o

transportador, como hipotético prestador daqueles serviços, não teria isenção, nem

imparcialidade, para vistoriar seus próprios veículos;”

O Ministro CARLOS VELLOSO, após referir os fundamentos

trazidos pela Assembléia e pelo Governo do Estado, acima transcritos, sustentou seu

entendimento de que a restrição se adequava aos parâmetros constitucionais:

“Ora, se a licitação tem por finalidade a escolha de concessionária dos serviços

públicos de inspeção de segurança de frota de veículos do Estado, parece-me

adequada a exclusão da licitação de empresas do ramo automobilístico e das

transportadoras, dado que estas comumente são proprietárias de muitos veículos. A

elas seria possível vistoriar seus próprios veículos e os veículos de empresas

transportadoras concorrentes? Com tal providência, não me parece ocorrer ofensa

ao princípio da igualdade, mesmo porque está-se tratando desiguais desigualmente

(C.F., art. 5°, caput) e é exatamente assim que se realiza o princípio isonômico” (o

negrito não consta do original)

Como já registramos no tópico anterior, admitir-se-ía, inclusive, lei

que proibisse o gestor de presidir o Conselho. Todavia, inexiste tal lei e não cabe ao

Poder Judiciário criá-la, visto que nosso sistema de controle de constitucionalidade é

negativo, somente cabendo expurgar as normas inconstitucionais, como é o caso das

que prevêem o gestor como presidente.

O Ministro CARLOS VELLOSO, em seu voto, igualmente fez

referência ao princípio da moralidade , antes de concluir pela improcedência da ADIn:

“Ademais, no caso, a licitação tem por finalidade a escolha de concessionária para a

prestação de serviço público, prestação essa que deve observar o princípio da

moralidade administrativa (CF, art. 37).”

No mesmo julgamento, o Ministro NELSON JOBIM, ao acompanhar

o voto do relator, assim se manifestou:

Page 97: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

97

“ […] No caso das transportadoras, estar-se-ía atribuindo à própria transportadora

inspecionar seus próprios veículos para viabilizá-los, produzindo um laudo dizendo

se podem ou não continuar circulando. […] Imagine-se o que poderia daí ocorrer.”

Na hipótese estudada nesta monografia, as leis contestadas atribuem

ao fiscalizado a presidência do órgão que aprova ou não suas contas, inclusive para fins

de recebimento de mais recursos. Imagine-se o que daí ocorre!

Depois de tantas critícas uma ressalva se impõe. Toda a oposição que

neste estudo se faz a respeito da moralidade refere-se à “presidência nata”, não à

simples participação do gestor como conselheiro. Não há inconveniente nela ou, se há, a

ponderação própria do princípio da razoabilidade (referido no tópico anterior) lhe

assegura a subsistência.

Primeiro, porque os conselhos de saúde não possuem tão-só funções

fiscalizatórias (relacionadas ao controle social), fonte das incompatibilidades, mas

também funções deliberativas na formulação de estratégias das políticas de saúde

(participação). Para estas últimas é extremamente conveniente a participação do gestor

no órgão colegiado. Seja em razão de seus conhecimentos na área, seja em razão de sua

legitimidade advinda do Chefe do Executivo (eleito pelo voto popular), seja em razão de

sua função executiva (é ao gestor que caberá a implementação das políticas

estabelecidas no Conselho), o gestor tem muito a contribuir para essas deliberações,

inclusive para assegurar-lhes a maior efetividade possível, sempre em benefício da

comunidade envolvida.

Ademais, o conselho é órgão colegiado, sendo assegurada a paridade

dos usuários em relação aos demais segmentos. Nesse contexto, é perfeitamente

possível garantir a independência e efetividade do controle social se o presidente não for

o gestor, mesmo que participe do Conselho.

Page 98: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

98

ALGUMAS PROPOSTAS PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

COMO DIRETRIZ DO SUS E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Desde meados da década de 80, o Brasil vêm-se transformando em um

Estado Democrático por meio de um projeto que se legitimou e juridicizou na

constituinte de 1987/88, responsável pela promulgação de uma Constituição merecedora

do título de “Cidadã”, tamanha sua preocupação com a cidadania e a participação

popular, institutos propositadamente consagrados já no primeiro artigo do Texto. Tal

localização anunciava de forma inequívoca o destacado valor que a democracia

participativa deveria assumir na construção de uma sociedade justa e solidária, bem

como na promoção do bem de todos, objetivos da República Federativa do Brasil (art.

3°), para o que a efetiva implementação dos preceitos consagrados no Título da Ordem

Social se faz imprescindível.

Nesse contexto, a trajetória da elaboração do modelo de atenção à

saúde, através de um sistema único com diretrizes previstas no texto constitucional, está

dentre as mais democráticas e legítimas mobilizações cidadãs da história brasileira pós-

ditadura militar, com reflexos nas relações sociais e políticas de nossa nação ainda não

inteiramente assimilados. O Movimento de Reforma Sanitária e seu ponto culminante, a

8a. Conferência Nacional de Saúde, com seus quase cinco mil participantes reunindo

lado a lado profissionais da área e representantes da sociedade civil organizada,

realizada em 1986, alvorecer da abertura democrática, asseguraram na Constituição

Federal de 1988 conquistas que ainda hoje não foram inteiramente efetivadas,

fundamentais na edificação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. A

participação da comunidade como diretriz do SUS é uma dessas conquistas, cumprindo

àqueles que acreditam na nova maneira de conceber o Estado Brasileiro idealizado em

1988 empenhar todos os esforços possíveis para que ela se consolide em toda sua

plenitude.

Page 99: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

99

Essa mesma Constituição que estabeleceu tais diretrizes fez do

Ministério Público uma instituição a um só tempo comprometida com a defesa do

regime democrático (art. 127, CF) e incumbida de zelar pelo efetivo respeito dos

poderes públicos e dos serviços de saúde (públicos ou privados) aos direitos

assegurados na Constituição, dentre os quais o da participação da comunidade como

diretriz do SUS (artigos 129, II, c/c 197 e 198, III, todos da Constituição da República).

Por tais razões tem a Instituição uma missão destacada no implemento dos princípios

norteadores do SUS e, em especial, no que se refere a sua democratização. Deve buscar,

com os instrumentos de que dispõe, contribuir para a efetivação do controle social e da

participação popular na formulação de políticas públicas da saúde, equivale dizer,

contribuir para a implementação da participação da comunidade como diretriz do SUS

nos termos da Lei 8.142/90. Nunca se alcançará esse objetivo sem conselhos de saúde

atuantes, estruturados (com capacidade efetiva de funcionamento, tanto no que respeita

a recursos econômicos e humanos) e independentes.

Em vários lugares de nosso país – e o Mato Grosso do Sul é um deles

– combativos e exemplares cidadãos dão inúmeras provas de amadurecimento

democrático e consciência do fundamental papel que desempenham na construção do

Sistema Único de Saúde consagrado na Carta de 1988. Sentem-se, todavia, cerceados

nessa missão por uma mentalidade estatal anacrônica que lhes restringe os meios

necessários ao seu pleno funcionamento e lhes proíbe (!) de disputar, no voto, a

presidência dos conselhos.

A restrição dos meios necessários deve ser combatida em várias

frentes. A falta de informações sobre a estrutura do Sistema e os direitos por ele

assegurados demanda constantes capacitações dos conselheiros, difusoras de

conhecimentos que tendem a se espalhar pelas respectivas comunidades assegurando

conscientização cidadã e viabilizando efetiva fiscalização dos serviços prestados, sendo

de todo recomendável que o Ministério Público interaja com os conselheiros nesse

processo. Contra o cerceamento de informações contábeis sobre a aplicação dos

recursos públicos, são plenamente cabíveis ações civis públicas como a ajuizada pelo

Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul para obrigar o Banco do Brasil a

Page 100: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

100

fornecer ao Conselho de Saúde mensalmente os extratos bancários das contas

vinculadas ao Sistema Único em Saúde116, não se descartando ações de prestação de

contas ou mesmo de obrigações de fazer (ou não fazer) objetivando livre acesso dos

conselheiros a dados contábeis, assegurando-se assim a necessária transparência. Se o

entrave referir-se à falta de dotações orçamentárias ou destinação de pessoal mínimo de

apoio ao conselho (e não a seu fiscalizado, o secretário de saúde) impende buscar a

edição de leis ou a destinação de recursos que assegurem esse mínimo fundamental, seja

por legítima pressão política dos conselheiros com amparo na sociedade eleitora dos

representantes do povo, tanto no Executivo como no Legislativo, seja em um processo

de negociação com esses mesmos representantes. Ações judiciais com tal finalidade,

embora não sejam descartadas na medida que se trata de interesse coletivo de relevância

social – efetivo funcionamento de conselhos criados por lei, lesado em razão da falta de

condições mínimas – não são, a princípio, a forma mais adequada de solucionar a

questão, visto que nosso Poder Judiciário ainda não firmou posição pela possibilidade

de se discutir em juízo a destinação de verbas orçamentárias. Todas essas providências

não apenas contribuirão sobremaneira para o aprimoramento de nossa democracia,

como tendem a assegurar transparência e probidade no trato da coisa pública o que,

espera-se, seja um compromisso de todo governante.

Por sua vez, a proibição de qualquer conselheiro disputar a

presidência do órgão colegiado, prevista em dispositivos normativos que estabelecem a

condição de presidente nato do ministro ou secretário de saúde, pode e deve ser objeto

de ações diretas de inconstitucionalidade, para as quais são legitimados o Procurador-

Geral da República (Ministério Público Federal) perante o Supremo Tribunal Federal

contra leis estaduais em confronto com a Constituição Federal ou contra leis ou decretos

federais na mesma hipótese, e os Procuradores-Gerais de Justiça (Ministério Público

Estadual), quando o confronto for de lei estadual ou municipal perante a Constituição

Estadual. Essa atuação pode ser provocada por qualquer membro da Instituição que

identifique tais situações nas localidades em que atue.

116 A ação foi ajuizada pela Procuradora da República Maria Cristina Manella Cordeiro, em 1999, perantea 3ª Vara Federal de Campo Grande, autuada sob o número 1999.60.07541-9 e julgada procedente peloJuiz Federal Odilon de Oliveira, confirmando a antecipação de tutela antes concedida.

Page 101: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

101

O presente estudo objetivou subsidiar tais providências e fornecer

elementos de discussão que não descartem a possibilidade de que os próprios

parlamentos revejam as normas respectivas. Por isso foi aprofundadamente

demonstrado que a presidência nata atribuída ao ministro ou aos secretários de saúde

(justamente os fiscalizados pelos conselhos) afronta os dispositivos constitucionais que

asseguram a cidadania e a participação direta do povo no exercício do poder,

especialmente no que se refere à participação da comunidade como diretriz do SUS.

Demonstrou-se, outrossim, que tal situação contraria também os princípios da

igualdade, da proporcionalidade e da moralidade.

Nessa missão não se deve esperar nem temer o conflito, tampouco

pressupor que os conselhos não funcionarão ou não serão respeitados sem que o

secretário ou ministro os presidam ou que estes não comparecerão às reuniões ou não

valorizarão o papel dos conselhos se participarem apenas como conselheiros. Tais

preocupações menosprezam o estágio da democracia brasileira e a capacidade dos

conselheiros de, sempre que necessário e cabível, garantirem com os gestores uma

relação de respeito e cooperação. Por outro lado, não se pode esquecer que as leis – e

agora a própria Constituição Federal (art. 77, §3°, do ADCT) – conferem tantos e tão

importantes poderes aos conselhos, muitos deles imprescindíveis ao repasse de verbas

(tão necessárias aos gestores), que também ao gestor é fundamental manter um bom e

cooperativo relacionamento com os Conselhos. Ou seja, não se trata de contar com a

boa vontade dos gestores, mas de verdadeira negociação democrática, onde os

conselhos só terão a ganhar, inclusive no que respeita à conquista de uma estrutura

adequada.

A construção de um efetivo Estado Democrático de Direito onde seja

ouvida a voz da participação cidadã supõe evolução e aprendizado constantes em nossa

ainda incipiente democracia. Cumpre à toda sociedade contribuir com este processo,

possuindo o Ministério Público destacada missão, seja participando de capacitações de

conselheiros e, assim, difundindo informações, seja emprestando seu instrumental

jurídico para viabilizar o efetivo e independente funcionamento dos conselhos.

Page 102: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

102

BIBLIOGRAFIA

Livros:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio daIgualdade. 3a. ed, São Paulo: Malheiros, 2000.

BARBOZA, Márcia Noll. O Princípio da Moralidade Administrativa. PortoAlegre:Ed. Livraria do Advogado, 2002.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3a. ed, SãoPaulo: Editora Saraiva, 1999.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 14a. ed, São Paulo:Saraiva, 1992.

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. 8a.ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário dePolítica. 8a. ed, Brasília: Editora da UnB, 1995.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11a. ed, São Paulo: Malheiros,2001.

_________________. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. SãoPaulo: Malheiros, 2001.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria daConstituição. 3a. ed, Coimbra: Almedina, 1999.

CARVALHO, Antônio Ivo de. Conselhos de Saúde no Brasil – Participação cidadã econtrole social. Rio de Janeiro, FASE/IBAM, 1995.

CARVALHO, Guido e SANTOS, Lenir. Sistema Único de Saúde: Comentários à LeiOrgânica da Saúde (Leis 8.080/90 e 8.142/90). Campinas: Editora da Unicamp, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada.São Paulo: Saraiva, 1994.

DI PIETRO, Maria Sylvia. Discricionariedade Administrativa na Constituição de1988. São Paulo: Atlas, 1991.

DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 6a. ed, São Paulo: Atlas, 1996.

Page 103: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

103

MARTINS Jr, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9a. ed, Rio deJaneiro: Forense, 1980.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10a. ed, São Paulo: Atlas Jurídico,2001.

RESENDE, Conceição. Manual de Atuação Jurídica em Saúde.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Consitucional Positivo. 16a. ed, São Paulo:Malheiros, 1999.

Artigos:

BALSEMÃO, Adalgiza. Competências e Rotinas de Funcionamento dos Conselhos deSaúde no Sistema Único de Saúde do Brasil. In: Curso de Especialização à distânciaem Direito Sanitário para membros do Ministério Público e da MagistraturaFederal. ARANHA, Márcio Iorio e TOJAL, Sebatião Botto de Barros (Org.).

BONAVIDES, Paulo. Bloqueios à Democracia Participativa. In: Comunicação &Política. Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, pp. 207-216, jan-abr 2001.

BRAVO, Maria Inês Souza. Gestão Democrática na Saúde: O potencial dos conselhos.In. BRAVO, Maria Inês Souza e PEREIRA, Potyara A. P. Política Social eDemocracia. São Paulo: Cortez, p. 43-65.

BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre “controle social do poder”e “participaçãopopular”. In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 189. Rio de Janeiro, jul-set1992, pp. 114-22.

CORTES, Soraya Maria Vargas. Participação na área da saúde: o conceito, suasorigens e seu papel em diferentes projetos de reforma do Estado. In: Saúde . PortoAlegre/RS, v. 1, p. 51-69, 1996.

COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Teoria Democrática e Conselhos de Política Social. In.BRAVO, Maria Inês Souza e PEREIRA, Potyara A. P. Política Social e Democracia.São Paulo: Cortez, p. 87-111.

DALLARI, Sueli Gandolfi et al. O Direito à saúde na visão de um Conselho Municipalde Saúde. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 531-540, out-dez1996.

Page 104: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

104

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação Popular na Administração Pública.In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 191. Rio de Janeiro, jan-mar 1993, pp. 26-39.

DODGE, Raquel Elias Ferreira. A Eqüidade, a Universalidade e a Cidadania em Saúde,vistas sob o prisma da Justiça.In: Conferência Nacional de Saúde On-line , Brasília,Conselho Nacional de Saúde. Disponível em:<www.datasus.gov.br/cns/apoio/equidade.htm>. Acesso em: 04 abr 2003.

MAUÉS, Antônio Moreira. Ordem Social: Fundamentos da Democracia Participativa.In: SCAFF, Fernando Facury (coord.). Ordem Econômica e Social: Estudos emHomenagem a Ary Brandão de Oliveira. São Paulo: LTr, p.32-42.

OLIVEIRA, Mauro Márcio. Panorama do Funcionamento da Assembléia NacionalConstituinte. In: Fontes de Informações sobre a Assembléia Nacional Constituintede 1987: Quais são, onde buscá-las e como usá-las. Brasília: Senado Federal,Subsecretaria de Edições Técnicas, 1993.

RAMOS, Célia Leitão. Conselhos de Saúde e Controle Social. In: EIBENSCHUTZ,Catalina (Org.) Política de Saúde: o Público e o Privado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ,1996.

RODRIGUES NETO, Eleutério. A Saúde na Constituinte: uma análise preliminar. In:Caderno CEAC/UnB, Brasília, ano 1, n. 1, p. 95-101.

SILVA, José Afonso. O Estado Democrático de Direito. In: Revista do IAB – AnoXXXIV, n. 1993, 3° trimestre de 2000.

VIEIRA, Ana Cristina de Souza. Controle Social na Política de Saúde. In: Estudos –Revista da Universidade Católica de Goiás, Goiânia, v. 23, n. 3/4, p. 335-350, jul/dez1996.

WENDHAUSEN, Águeda. Micropoderes no Cotidiano de um Conselho de Saúde.1999.Resumo de Tese(Doutorado em Enfermagem),UFSC,Florianópolis.Disponível em:<http://igspot.ig.com.br/paulo.denis/PesquisaAgueda.doc.> Último acesso em: 24 mai.2003.

Page 105: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE COMO …pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/...Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final

A l e x a n d r e A m a r a l G a v r o n s k i

C u r s o d e E s p e c i a l i z a ç ã o a D i s t â n c i a e m D i r e i t o S a n i t á r i o p a r a M e m b r o s d o

M i n i s t é r i o P ú b l i c o e d a M a g i s t r a t u r a F e d e r a l

F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a ( U n B )

105

ANEXOS

I – Relatório Final da 8a. Conferência Nacional de Saúde

II – Atas da 2a, 11° e da 12° reuniões da Subscomissão de Saúde, Seguridade e Meio

Ambiente da Comissão da Ordem Social na Constituinte de 1988, com a audiência de

importantes entidades ligadas ao Movimento de Reforma Sanitária.

III – Anteprojeto aprovado da Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente da

Comissão, acompanhado da apresentação pelo relator, constituinte Carlos Mosconi

IV – Anteprojeto aprovado na Comissão da Ordem Social, acompanhado da

apresentação pelo relator, constituinte Almir Gabriel

V – Emenda popular n. 050, apresentada na Constituinte pelo Conselho Federal de

Medicina, pela Federação Brasileira de Nutrição e pelo Sindicato dos Enfermeiros do

Distrito Federal, propondo a redação dos artigos pertinentes à saúde

VI – Emendas apresentadas e aprovadas no Plenário da Constituinte conferindo a

redação final do art. 198 da Constituição da República.

VII – Votação da redação final do art. 198 na Constituinte de 1988

VIII - Lei 8.142/90

IX – Lei Estadual n. 1.152/91, que cria o Conselho Estadual de Saúde do Mato Grosso

do Sul, ainda em vigor

X – Decreto Estadual n. 6.345/92, que regulamenta a Lei Estadual n. 1152/91, que cria

o CES/MS

XI – Resolução CNS 033/92

XII – Deliberação CES/MS n. 46/97

XIII – Deliberação CES/MS n. 50/97

XIV – Lei Municipal e regulamentação relativas ao Conselho de Saúde de Campo

Grande

XV – Lei Municipal e regulamentação relativas ao Conselho de Saúde de Corumbá

XVI – Lei Municipal e regulamentação relativas ao Conselho de Saúde de Dourados

XVII – Lei Municipal e regulamentação relativas ao Conselho de Saúde de Três Lagoas