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Pós-Graduação “Lato Sensu” Especialização PODER LEGISLATIVO A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO Alexandre Pereira Gonçalves Otacílio Duarte de Freitas Vicente de Paulo Dorneles Belo Horizonte, 2008 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS Instituto de Educação Continuada – IEC

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Page 1: A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO · pelo próprio povo organizadas, no sentido da limitação ou não do poder de cada um, bem como do somatório dos poderes individuais

Pós-Graduação “Lato Sensu” Especialização

PODER LEGISLATIVO

A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO

Alexandre Pereira GonçalvesOtacílio Duarte de FreitasVicente de Paulo Dorneles

Belo Horizonte, 2008Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS

Instituto de Educação Continuada – IEC

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DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho aos cidadãos que, por vezes, sem as luzes de interesses dos

holofotes da mídia, prejudicando suas atividades profissionais e seus relacionamentos

familiares, se lançam à vida Pública.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por nos dar a oportunidade de realizar mais essa etapa de aprendizagem técnico-

científico.

Aos professores, especialmente, a orientadora professora Natália de Miranda Freire, pela

sua dedicação e competência na transmissão de conhecimentos.

Aos nobres colegas de turma, pelo respeito e interesse mútuo.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 5

2. A CONCEITUAÇÃO DE PODER E O ESTADO DE DIREITO .................................. 7

3. A DEMOCRACIA ....................................................................................................... 10

3.1. Tipos de democracia .......................................................................................... 12

3.1.1. Democracia direta ................................................................................... 12

3.1.2. Democracia indireta ................................................................................ 13

3.1.3. Democracia semidireta ........................................................................... 14

3.2. O tipo de democracia atualmente adotado no Brasil ......................................... 16

4. O POVO, O VOTO E A CIDADANIA ........................................................................ 18

5. OS INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR

NO PROCESSO LEGISLATIVO DO BRASIL .............................................................. 20

5.1. O plebiscito ..................................................................................................... 22

5.1.1. Natureza jurídica do plebiscito ............................................................. 25

5.1.2. Casos em que o plebiscito é utilizado .................................................. 27

5.1.2.1. Incorporação entre si de Estados, bem como

subdivisão e desmembramento para anexação a outros,

ou formação de novos Estados ou Territórios Federais ....................... 28

5.1.2.2. Questões de relevância nacional de competência do

Poder Legislativo ou do Poder Executivo ............................................. 32

5.1.2.3. Criação, incorporação, fusão e desmembramento de

Municípios ............................................................................................ 34

5.1.2.4. Questões de competência dos Estados e do Distrito Federal .36

5.1.2.5. Questões de competência dos Municípios ............................. 37

5.1.3. O plebiscito interpretado pelo Supremo Tribunal Federal ................... 38

5.1.4. Crítica ao plebiscito ............................................................................. 39

5.2. O referendo .................................................................................................... 40

5.2.1. Tipos de referendo .............................................................................. 42

5.2.2. Natureza jurídica do referendo ............................................................ 43

5.2.3. O referendo no Brasil .......................................................................... 44

3

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5.2.4. Casos em que o referendo é utilizado .......................................... 45

5.2.4.1. Questões de relevância nacional de competência

do Poder Legislativo ou do Poder Executivo ........................................ 46

5.2.4.1.1. Prazo ..................................................................... 49

5.2.4.1.2. Limites temporais ..................................................

50

5.2.4.1.3. Efeitos da rejeição do ato submetido

a referendo .........................................................................

50

5.2.4.1.4. Competência para ab-rogação da norma .............

52

5.2.4.2. Questões de competência dos Estados

e do Distrito Federal ............................................................................. 52

5.2.4.3. Questões de competência dos Municípios .............................. 52

5.2.5. Crítica ao referendo ............................................................................ 53

5.3. Iniciativa popular ............................................................................................ 53

5.3.1. Natureza jurídica da iniciativa popular ................................................ 54

5.3.2. Procedimento da iniciativa popular .................................................... 55

5.3.3. Âmbito de abrangência da iniciativa popular ...................................... 56

5.3.4. Insuficiência do número de assinaturas

e reapresentação do projeto ....................................................................... 57

5.3.5. Disposição das assinaturas no projeto de modo a

garantir a sua legitimidade ........................................................................... 58

5.3.6. Casos de iniciativa popular no Brasil em relação a lei nacional......... 59

5.3.7. A iniciativa popular nos Estados ........................................................ 59

6. OUTROS INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR ................................ 60

6.1. Recall................................................................................................................ 60

6.2. Orçamento participativo ................................................................................... 61

7. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 62,63

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 64 a 67

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo busca apresentar os diversos mecanismos e canais de

participação da população que, de forma direta, são capazes de produzir alterações no

quadro jurídico em que vive. Tais mecanismos vão além daqueles destinados à mera

escolha dos representantes que ocuparão o Parlamento ou a chefia do Poder

Executivo.

É necessário, para isso, conceituar o poder e o Estado de Direito. Este, resultado

de um conjunto de fatores de ordem espacial e condicional; aquele, viabilizador do

manejo dos mecanismos de participação direta.

Como se verá, contudo, o exercício do poder pode revestir-se de diferentes

formas. O estudo aqui apresentado se limitará à democracia, pois é esse modelo que,

como se verá, possibilita, em alguns casos, a atuação do representado nas decisões

nacionais. Serão abordadas, portanto, as diversas facetas que esse regime assume,

bem como as tendências históricas que em um primeiro momento consagraram a

democracia direta, para, em momento posterior, adotar vias outras, como as

democracias indireta e semidireta. Identificar-se-á, através da análise feita, o tipo

adotado no Brasil.

O exercício da democracia, como poder, não é privilégio de todos e se dá por

instrumentos específicos. Daí a necessidade de trazer à baila os conceitos de povo,

voto e cidadania.

Após a análise do tipo de democracia adotado no Brasil, serão identificados os

instrumentos que o aparelham. Far-se-á um estudo pormenorizado, pois, do plebiscito,

do referendo e da iniciativa popular.

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Quanto ao plebiscito, tentar-se-á identificar a sua natureza jurídica, os casos

específicos em que o instituto pode ser utilizado, a interpretação dada pelo Supremo

Tribunal Federal e crítica feita ao plebiscito adotado em países como o Brasil.

O referendo será apresentado com os seus respectivos tipos até hoje

identificados, a sua natureza jurídica e o modelo utilizado no Brasil. Não serão deixados

de lado os casos em que o referendo é utilizado, os quais serão abordados

pormenorizadamente.

A iniciativa popular, por sua vez, é abordada quanto à sua natureza jurídica e ao

respectivo procedimento, a seu âmbito de abrangência, à hipótese em que o número de

assinaturas é insuficiente a dar início ao processo legislativo, bem como à forma

sugerida pelos autores para a disposição das assinaturas no projeto de molde a garantir

a sua legitimidade.

Por fim, serão vistos, de forma sucinta, outros dois instrumentos de participação

popular, um brasileiro e outro adotado em país diverso, os quais, se de um lado não se

referem à seara do processo legislativo, de outro, trazem noções de valia ao estudo

aqui apresentado.

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2. A CONCEITUAÇÃO DE PODER E O ESTADO DE DIREITO

O que é poder?

Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, o vocábulo

poder deriva do latim possum, potes, potùi, posse, que significa 'poder, ser capaz de'.

Modernamente o termo significa, como verbo transitivo direto, “ter a faculdade ou a

possibilidade de”, “ter autorização para”, “ser capaz de, estar em condições de”, “correr

risco de ou expor-se a”, “ter ocasião ou meio de; conseguir”, “ter tranqüilidade,

paciência para”, “ter força, vontade ou energia moral para”, “ter autoridade moral para;

ter o motivo, a razão de”, “ter capacidade, força ou saúde para suportar”, “ter a

oportunidade, o ensejo, a ocasião de”, “ter tranqüilidade ou paciência para”; como verbo

transitivo indireto, quer dizer “ter domínio ou controle sobre”; como verbo transitivo

direto, transitivo indireto e intransitivo, significa “possuir força física ou moral; ter

influência, valimento”; como substantivo masculino, significa “direito ou capacidade de

decidir, agir e ter voz de mando; autoridade”, “governo de um país, de um Estado etc.”,

“possibilidade, natural ou adquirida, de fazer determinadas coisas; capacidade,

faculdade”, “vigor, potência”, “supremacia em dirigir e governar as ações de outrem pela

imposição da obediência; dominação, domínio”, “domínio de fato exercido sobre uma

coisa; posse”, “virtude ou poder de (algo) produzir determinado efeito; eficácia”, “meio

pelo qual se vence uma dificuldade, um embaraço; recurso”, “qualidade de quem

demonstra capacidade, aptidão, perícia”, “grande quantidade; abundância” 1.

Como se vê, a palavra poder possui vasto rol de significados. Todos parecem

trilhar, a despeito, para um mesmo campo semântico. De qualquer sorte, é na sua

classificação substantiva que o vocábulo apresenta o sentido que mais se coaduna com

o estudo aqui realizado: “possibilidade, natural ou adquirida, de fazer determinadas

coisas; capacidade, faculdade”.

1 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, dezembro de 2001, Instituto Antônio Houaiss. Produzido e distribuído por Editora Objetiva Ltda.

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A possibilidade natural para que uma pessoa faça qualquer coisa é medida pelo

seu poder real. Cada indivíduo tem exatamente tanto de direito quanto de força e todos

só pensam na própria conservação e nos interesses pessoais. Para Hobbes, o homem

se distingue dos insetos sociais, como as abelhas e as formigas; por isso, segundo

Hobbes o homem não possui instinto social. Ele não é sociável por natureza e só o será

por acidente.

[...] O direito natural que os escritores comumente chamam de Jus naturale é a Liberdade que tem cada um de se servir da própria força segundo sua vontade, para salvaguardar sua própria natureza, isto é, sua própria vida. E porque a condição humana é uma condição de guerra de cada um contra cada um... daí resulta que, nessa situação, cada um tem direito sobre todas as coisas, mesmo até o corpo dos outros... Enquanto dura esse direito natural de cada um sobre tudo e todos, não pode existir para nenhum homem (por mais forte ou astucioso que seja) a menor segurança...” (HOBBES, 2000, p. 1).

Para que se viabilize a vida em sociedade, o poder de cada um não pode, como

se viu, ser exercido de forma infinita e ao bel prazer do seu detentor. Regras de

convivência são necessárias para a garantia da própria espécie. E parece não haver

saída, pois o homem, segundo Kelsen (2003) tende a procurar a felicidade na

sociedade. A aglutinação do povo, assim, deve estar submetida a regras superiores

pelo próprio povo organizadas, no sentido da limitação ou não do poder de cada um,

bem como do somatório dos poderes individuais para a viabilização de um poder geral.

Assim, pode-se dizer que o poder, aqui em estudo, é a possibilidade, adquirida e

não natural, de o povo fazer, de forma direta ou indireta, tudo o que está autorizado, ou

não proibido, conforme o caso, pelo ordenamento superior, que no caso é a

Constituição de cada Estado e na forma por esta estipulada. Resulta daí que o titular do

poder é o próprio povo, “mesmo que este seja exercido através de representantes

eleitos” (DIAS, 2001, p. 2).

Tida esta noção TEMER (2004, p. 117) oferece o significado constitucional da

palavra poder:

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As palavras, para o direito, têm o significado que este lhes empresta. Variam as acepções de acordo com o sentido que o constituinte lhes atribui. A expressão “poder” não escapa a essa regra. São vários os seus significados. Carlos Ayres Britto foi quem, com mestria, focalizou esse tema.É ele utilizado em três acepções: a) poder enquanto revelação da soberania (art. 1°, parágrafo único, da CF); b) pode enquanto órgão do Estado (art. 2° da CF); c) poder enquanto função (arts. 44, 76 e 92 da CF).Tais dispositivos devem ser lidos exemplificativamente da maneira que segue. O art. 1°, parágrafo único: “o governo emana do povo”... O art. 2°: “São órgãos da União, independes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. O art. 44: “A função legislativa é exercida pelo Congresso Nacional”... etc.

Interessa ao presente trabalho o significado da palavra poder previsto no artigo

1°, parágrafo único da Constituição da República Federativa do Brasil: “Todo o poder

emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição”.

A aglutinação do povo, em determinado território, sob as regras de um poder (ou

governo) é o que pode ser chamado de Estado de Direito que, segundo Kelsen (2003)

não é nada mais do que fenômeno jurídico.

Nesse sentido conceitua DIAS (2001, p. 1):

O Estado constitui-se pela conjugação de seus elementos: povo, território e governo. Forma-se, pois, da aglutinação natural de um determinado povo, num dado território, sob o comando de um certo governo, com a finalidade própria de alcançar o bem comum. Essa a essência de todo o Estado.

No caso da República Federativa do Brasil, como visto, o povo, através de seus

representantes reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, autolimitou-se para

viabilizar a existência de um Estado de Direito, já que não é difícil imaginar que o

exercício do poder natural que cada um tem para fazer o que bem entender culminaria

em invasões de esferas alheias de forma indiscriminada e sem quaisquer critérios.

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3. A DEMOCRACIA

A existência de um Estado de Direito pressupõe a existência de regras para a

convivência pacífica do povo e garantia da governabilidade. Não basta, apenas, a

possibilidade de se fazer tudo o que a lei não proíbe. É necessário que, para

determinadas coisas, mormente aquelas cujos reflexos ultrapassam esfera meramente

individual, a vontade da maioria seja contemplada, mesmo que o seja em prejuízo de

uma minoria. Um dos meios “para a realização dos valores essenciais da convivência

humana” (Dias, 2001, p. 1) é a democracia2.

Por isso, Abrahão (2002) define a democracia como um regime de governo. Tal

regime teria como uma das características garantir a vontade da maioria. O contraponto

disso é que às minorias vencidas estão garantidos a fiscalização e a crítica. O ideal da

democracia é “fazer coincidir, no máximo possível, os governantes e os

governados” (FERREIRA FILHO, 1995, p. 69).

Ferreira Filho (1995) apresenta tipologia antiga que classifica a democracia como

forma de governo. Nesse modelo a democracia distingue-se das outras formas

(monarquia e aristocracia) em vista do número de pessoas a quem se atribui o supremo

poder. A democracia é, pois, a forma de governo “(...) atribuído à maioria. Esta tipologia

é antiqüíssima, estando presente nas Histórias de Heródoto” (FERREIRA FILHO, 1995,

p. 66). Passando ainda pela tipologia Aristotélica, que situa a democracia tanto entre as

formas legítimas de governo3, quanto entre as formas ilegítimas4, o autor apresenta a

que seria mais aceita hoje5, definindo a democracia como regime:

Hoje (pondo de lado muitas outras tipologias) é comumente aceita a distinção entre três regimes: o democrático, o totalitário e o autoritário. O

2 Não é objeto do presente estudo a análise de outros meios para a garantia da governabilidade. 3 Segundo o autor as formas legítimas seriam a monarquia, a aristocracia e a república (ou democracia, sendo esta o governo da maioria, mas em benefício de todos).4 Ainda segundo o autor as formas ilegítimas seriam a tirania, a oligarquia e a demagogia (ou democracia, sendo esta o governo da maioria explorada pelos demagogos em vista do interesse de alguns, em prejuízo da maioria).5 Na mesma obra o autor admite que há divergência na especificação das formas, sistemas e regimes de governo. O que para uns é forma de governo, para outros é sistema ou mesmo regime.

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primeiro se caracteriza por permitir a livre formulação das preferências políticas, prevalecendo as liberdades básicas de associação, informação e comunicação, com o objetivo de propiciar a disputa, a intervalos regulares, entre líderes e partidos a fim de alcançar o poder por meios não violentos e conseqüentemente exercê-lo. O segundo apresenta-se marcado por uma ideologia oficial, um partido único, de massa, que controla toda a mobilização política e o poder concentrado em mãos de um pequeno grupo que não pode ser afastado do poder por meios institucionalizados e pacíficos. O terceiro existe quando ocorre um limitado pluralismo político, sem uma ideologia elaborada, sem extensa ou intensa mobilização política, exercendo o grupo governante o poder dentro de limites mal definidos, conquanto previsíveis (FERREIRA FILHO, 1995, p. 67).

Para Dias (2001) a democracia tem como princípios basilares a soberania e a

participação popular. Estes, juntos, possibilitariam a realização dos valores da

igualdade e da liberdade. Para que isso seja viabilizado, é preciso observar o que

adverte DANTAS (2004, p. 9):

Em um mundo democrático não nos basta seguir a orientações do vencedor, mas sim estabelecermos as regras que garantam a sobrevivência das minorias, ou melhor, que respeitem a diversidade de opiniões. O debate, as discussões e a possibilidade de haver uma oposição – que também respeite as regras – é fundamental para a sobrevivência de um regime democrático. Devemos ter em mente que a minoria de hoje pode se tornar a maioria amanhã, e essa é uma das principais características da democracia: garantir a todos a chance de expor suas idéias e convencer a sociedade, por meios previstos em lei, que sua idéia é relevante e pode ser apoiada.

Chega ao ponto, portanto, de trazer à baila os pressupostos do Estado

Democrático:

São pressupostos do Estado democrático: 1) a valorização e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importância de dispensar a todos tratamento fraternal, igualitário e não discriminativo; 2) a confiança nos talentos e possibilidades latentes dos homens; 3) a segurança e o crédito nos valores institucionalizados pelas massas, como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiça; 4) a aceitação da legitimidade das decisões tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberação, com o consenso da maioria, que constitui o

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reflexo, o resultado de debates livres entre todos; 5) o respeito aos grupos minoritários; 6) e, a compreensão de que todo o interesse geral é a síntese dos diversos interesses e idéias dos indivíduos e dos grupos, diferentes centros de poder, que integram a sociedade pluralista (ROZICKI, 2001, p. 1).

Carrion (apud DIAS, 2001, p. 10) dá uma visão ampla da democracia:

A democracia não se identifica unicamente com um sistema de valores, mas se traduz igualmente em mecanismos e instituições. Quais mecanismos e instituições asseguram finalmente a legitimidade democrática do poder? Não somente quanto à sua origem, mas também quanto ao seu exercício, já que a democracia é não apenas uma forma de chegar ao poder, mas ainda uma forma de exercê-lo.

3.1 Tipos de democracia

Abrahão (2002) subdivide a democracia em 3 espécies: a democracia direta, a

democracia indireta ou representativa e a democracia semidireta, de participação ou

participativa6. Verifica-se em Ferreira Filho (1995) a mesma classificação7.

3.1.1. Democracia direta

Dantas (2004) ensina que a democracia direta é aquela em que todos os

cidadãos participam, a exemplo de Atenas da Grécia Clássica. Não há eleições nesse

modelo. Hoje a democracia direta não é mais utilizada tendo em vista que a condição

de cidadão já alcança muitos indivíduos, o que torna impossível reunir em uma

Assembléia a totalidade daqueles que teriam direito a decidir. No mínimo se levaria

tempo absurdo para que algo fosse decidido. Ferreira Filho (1995) expõe que nesse

tipo de democracia as decisões são tomadas pelos cidadãos, todos, em Assembléia.

Para o autor esse tipo de democracia “é uma reminiscência histórica ou quase que

6 O termo democracia participativa é utilizado por Dias (2001) e Dantas (2004). Como se verá de mais adiante a expressão aqui em estudo não deve ser confundida com a expressão democracia participativa como forma de participação dos cidadãos nos negócios do Poder Executivo, já que a expressão, neste último sentido é utilizada por Pont (2003). 7 A ressalva é que Ferreira Filho (1995) considera que a democracia representativa é o modelo, clássico, da democracia indireta, ao contrário de Abrahão (2002) que considera as expressões sinônimas.

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folclórica” (FERREIRA FILHO, 1995, p. 70). Uma das impossibilidades de se adotar

hoje esse tipo de democracia, segundo Ferreira Filho (1995), é a complexidade de

determinados problemas, os quais não estão ao alcance da compreensão de todos os

cidadãos.

3.1.2. Democracia indireta

A democracia indireta ou representativa, como o nome indica, é aquela em que o

governo é exercido por meio de representantes. Dantas (2004) adverte que esse tipo de

democracia não pode ser tido necessariamente como uma resposta à falta de

praticidade da democracia direta. Justifica no fato de que a trajetória histórica do

conceito de democracia, se de um lado não se deu de forma linear8, de outro a

democracia indireta, em determinada época, se prestou para a nomeação de

representantes de quem tinha posses, sendo que o restante era desprezado.

(...) A idéia de que deveria votar quem tinha algo a perder – sob o aspecto econômico – foi deixada de lado. Passava a vigorar o sentimento de que todos os cidadãos podiam contribuir para a construção do poder, e isso significa dizer que nenhum adulto deve ser isentado do voto (DANTAS, 2004, p. 11).

Rousseau (apud FERREIRA FILHO, 1995, p. 71) criticava esse modelo na sua

obra “Do Contrato Social”9: “A soberania não pode ser representada, pela mesma razão

que não pode ser alienada; ela consiste essencialmente na vontade geral e a vontade

não se representa, ela é a mesma, ou ela é outra; não há meio termo”.

Ferreira Filho (1995) refere que o modelo clássico da democracia indireta é a

democracia representativa, já que está a mesma baseada justamente na

representação.

8 O autor traz exemplo do século XV na Suécia, onde foi criado um parlamento que dava a representantes do povo, da burguesia, do clero e da nobreza voz num parlamento. Já no século XVII, em que vigorava intuito de limitar o poder absolutista, ocupavam lugar nos parlamentos cidadãos eleitos para representar parcelas da sociedade, geralmente detentoras de propriedades.9 Rousseau, segundo Ferreira Filho (1995, p. 71) era veemente defensor da democracia direta na obra “Do Contrato Social” de 1762 referindo inclusive que somente é legítimo o governo em que todos participam de forma direta.

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De qualquer sorte, DIAS (2001, p. 8) traz a lógica da representação: “conceder a

outro uma responsabilidade com a qual não podemos (ou não queremos) arcar”.

3.1.3. Democracia semidireta

A democracia semidireta é um misto de democracia direta e de democracia

indireta. Dantas (2004) explica que o conceito surgiu da idéia de que o sistema

representativo, com o passar do tempo, já não estaria atendendo aos anseios dos

representados. A complexidade das relações e conseqüentes novas exigências,

segundo o autor, teria tornado “clara a necessidade de interatividade entre o governo e

a sociedade, ou seja, entre representantes e representados” (DANTAS, 2004, p. 12).

Não é o caso, por isso, de desconsiderar os representantes, mas de proporcionar uma

interação entre eleitor e eleito.

FERREIRA FILHO (1995, p. 81) conceitua esse tipo democrático10:

Procurando temperar a hegemonia parlamentar na democracia representativa – a soberania do parlamento – que pode tornar oligárquico o regime, certas Constituições, como a suíça, procuram assegurar ao povo a possibilidade de intervenção direta na tomada das decisões políticas. Estabelecem, assim, a democracia semidireta, que, embora seja basicamente representativa, é direta na medida em que o povo participa de modo imediato em certas decisões. Em geral essa participação se dá pela iniciativa legislativa popular e pelo referendum (ou seja, dando-se ao povo o poder de diretamente propor ou aprovar medidas legislativas e até normas constitucionais.

Interessante aqui trazer a lume crítica feita por Bastiat a respeito dos efeitos de

certas leis, o que justificaria, até certo ponto, a existência do sistema semidireto:

É próprio da natureza dos homens reagir contra a iniqüidade da qual são vítimas. Então, quando a espoliação é organizada pela lei, em prol das classes dos que fazem a lei, todas as classes espoliadas tentam, por vias

10 Na mesma obra o autor diz que a democracia semidireta é uma modalidade de democracia representativa, a qual, por sua vez, é modelo clássico da democracia indireta. Fundamenta o raciocínio no fato de que os rumos do poder são ditados pelos representantes, inobstante a referida participação popular.

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pacíficas ou revolucionárias, participar de algum modo da elaboração das leis (Bastiat, 1991, p. 16)11.

A democracia semidireta, sendo um misto, como já visto, da democracia direta e

da indireta, é permeada por mecanismos que garantam o estreitamento das relações

entre representantes e representados. DANTAS (2004, p. 12) explica melhor:

Tais mecanismos podem ser divididos em dois grupos: os tradicionais e os alternativos. O primeiro grupo está garantido, em parte ou integralmente, em quase todas as constituições democráticas do mundo. São os referendos, os plebiscitos e as leis de iniciativa popular. Medidas inovadoras, no entanto, surgiram e tornaram-se emblemáticas. O Brasil tornou-se um exemplo mundial no desenvolvimento de ferramentas alternativas de participação com o Orçamento Participativo de Porto Alegre (1989). A medida espalhou-se pelo país, e hoje centenas de governos – estaduais e municipais – implementaram tais ferramentas em suas administrações. Em inúmeras localidades também foram testadas, com sucesso, experiências de Gestão Participativa. Além de discutir os investimentos, a sociedade passou a participar de reuniões que visavam democratizar o gerenciamento de alguns serviços. Adicionalmente, centenas de Conselhos Gestores de Políticas Públicas surgiram para discutir temas pontuais, dando aos governos diretrizes e idéias a respeito de serviços específicos. Por fim, surgiram as Comissões de Legislação Participativa, uma iniciativa inaugurada pela Câmara dos Deputados que, rapidamente, espalhou-se por dezenas de estados e municípios. A idéia consiste em viabilizar a participação da sociedade nos trabalhos legislativos12.

3.2. O tipo de democracia atualmente adotado no Brasil

Depreende-se, pelo visto, que o modelo adotado no Brasil é o da democracia

semidireta, de participação ou participativa.

11 O autor, na sua obra A Lei não discute acerca dos tipos de democracia, apenas procura fazer um esboço da lei ideal. No entanto, como se vê do excerto transcrito é admitido pelo autor a tendência da população prejudicada em interferir na elaboração das leis (o que não é nada mais do que a democracia semidireta, esta tida, no entanto, como uma espécie de reação). Daí encaixar o exemplo no presente estudo. Deve-se lembrar, apenas, que o autor, mostra-se contrário a esse tipo de democracia já que, segundo ele, o sufrágio universal seria uma espécie de efeito da “perversão da lei” (p. 18). 12 É de se observar que o autor traz exemplos de exercício da democracia semidireta também nos negócios do Poder Executivo, o que não é dispensável, a despeito do objeto do presente estudo.

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A Constituição da República Federativa do Brasil, ao instituir o Estado

Democrático de Direito, logo no dispositivo vestibular prevê a origem de todo o poder a

ser nele exercido. É do povo que emana esse poder.

Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

O poder, como visto, é exercido mediante a eleição de representantes e até

mesmo de forma direta, nos termos a Constituição.

É de se observar, contudo, que os meios de participação direta da população

são tidos como exceção, pois somente nos termos da Constituição os mesmos poderão

ser exercidos, na exata extensão do conceito já visto de Ferreira Filho (1995), quando

este mostra a democracia semidireta como basicamente representativa. Dantas (2004,

p. 6) refletiu a respeito:

O representante é quem vai ocupar nosso lugar no poder enquanto tomamos conta de nossos assuntos particulares. A despeito dessa delegação de poder, devemos buscar proximidade com o poder, afinal de contas, o poder é constituído pela nossa vontade, pelo nosso desejo, pelo nosso VOTO.

As vantagens desse tipo democrático são defendidas por vários autores. DIAS

(2001, p. 1) refere que “[...] a participação popular, através dos meios

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constitucionalmente previstos para tanto, é a única forma de desvencilharmo-nos do

atual elitismo que caracteriza a condução de nosso Estado”. PONT (2003) a despeito

de em sua obra estar se referindo ao exercício da democracia participativa junto ao

Poder Executivo defende que os mecanismos de participação popular se integram na

qualificação da democracia13.

Contudo, adverte DIAS (2001, p. 1):

Na atual conjuntura social brasileira, concluímos, sem medo de errar, que estamos diante de uma “quase democracia”. Não resta dúvida de que há obediência ao princípio da soberania, com eleições diretas dos representantes, em homenagem pelo menos aparente ao mandamento de que todo o poder emana do povo. Todavia, o segundo postulado, que determina o exercício do poder pelo povo, o da participação popular, não foi até hoje implementado. Pelo que se vê diariamente, não há relação direta entre os programas e práticas governamentais e a expressão da vontade popular que os legitima.

É semidireta, de participação ou participativa, de qualquer forma, a democracia

adotada no Brasil14.

4. O POVO, O VOTO E A CIDADANIA

Cumpre registrar que o exercício da manifestação de vontade no jogo

democrático não é privilégio de todos. O exercício do poder por agrupamentos

humanos, por uma razão ou outra tem alcance limitado, já que, em tese, nem todos

13 O exercício da democracia participativa junto ao Poder Executivo não é tema do presente estudo, que cinge-se à participação popular no processo legislativo. Entretanto, tendo em vista certa semelhança, já que em ambos os modelos a população age diretamente a despeito da delegação do poder, os exemplos aqui trazidos são de alguma pertinência.14 Independentemente de situá-la ou não como espécie do modelo indireto. A esse respeito ver nota 9.

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estariam preparados ou mesmo teriam qualquer interesse em exercê-lo. Dessarte,

quando se fala de exercício do poder na democracia, necessário é delimitar os

legitimados a exercê-lo.

Daí resulta claro que a população de um Estado é diferente daqueles legitimados

a exercer a política. Denomina-se povo o “conjunto daqueles, dentre a população,

dotados de direitos políticos” (SILVA, 1996, p. 34). “O indivíduo visto como membro do

povo vai participar da vontade do Estado, sendo esta resultante da vontade do

povo” (ROLAND, 2004, p. 7).

Roland (2004) refere que o termo povo pode abarcar várias concepções. De

qualquer sorte:

Não há povo sem organização política, assim como não há organização política sem povo, pois ambos tem a mesma origem. Assim, povo é a dimensão humana do Estado, e a dinâmica entre povo e Estado é tão íntima que é possível afirmar que o povo não subsiste sem a organização e o poder do Estado, de forma que inexistindo um ou outro, levaria ao desaparecimento do povo. Assim, o Estado nasce desta comunidade que irá se transformar em povo, convertendo-se em razão de ser do Estado; o poder político se define em relação ao povo e só então é possível se definir em relação a outros poderes; o poder emerge do povo e precisa ser legitimado por ele, pois o poder se exerce por referência ao povo (ROLAND, 2004, p. 5).

Interessa a noção de povo no seu sentido jurídico:

A noção jurídica de ‘povo’ como sinônimo de ‘eleitorado’, isto é, do conjunto de pessoas dotadas de direitos políticos ou de poder político, provém do Direito Romano, presente à origem do direito de todo o mundo ocidental, assim como ao de muitos outros quadrantes. As legiões romanas que conquistaram o mundo, conduziam suas insígnias em que se viam as letras “SPQR”, símbolo da expressão “Senatus Populos-quae

Roma”, ou seja, “Senado do Povo Romano”. Quem integrava esse povo romano? Toda a população romana ou itálica? Não: somente os dotados de direitos políticos. No caso específico, em Roma só eram dotados de direitos políticos os membros do patriciado, isto é, os nobres ou patrícios (SILVA, 1996, p. 34).

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Como se vê, aquele que é membro do povo pode participar da vontade estatal,

mesmo porque esta, dialeticamente, é também resultante, segundo Roland (2004), da

vontade do povo. Começa surgir daí a noção do conceito de cidadania, passível de

registro a compreensão que MICHELS (1998, p. 13) tem do vocábulo cidadania:

A cidadania é a expressão que indica a qualidade da pessoa que, estando na posse da plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e no gozo de seus direitos políticos.A cidadania possui duas dimensões: a ativa, que se traduz na capacidade pessoal de compartilhar do exercício do sufrágio, e a passiva, que se traduz em ter legítimo acesso a cargos públicos, não significando apenas os cargos de provimento efetivo, expresso no direito de disputar o sufrágio para obtenção de mandatos representativos.

Repete-se aqui que nem todos estão aptos a participar dos mecanismos

disponibilizados pela democracia. Por uma razão ou outra os ordenamentos jurídicos

conferem apenas aos cidadãos o direito de escolher os representantes bem como

utilizar os mecanismos de participação direta, ou seja, a exercer a soberania popular.

Justamente porque “a política pública é um exercício de responsabilidade, e é por isso

que chamamos de prática de CIDADANIA” (DANTAS, 2004, p. 6).

Estritamente, o conceito de cidadania, segundo Rozicki (2001), consiste na

possibilidade de exercício do direito do voto, de forma ativa ou passiva15.

O voto, por sua vez, não é nada mais do que o instrumento que traduz a

manifestação de vontade do povo. É por meio dele que o cidadão escolhe o seu

representante, aprova uma lei em referendo ou autoriza a criação de um Estado através

de plebiscito. Entretanto, “saliente-se, novamente, que por se tratar de exercício da

soberania, somente àqueles que detiverem capacidade eleitoral ativa será permitido

participar de ambas as consultas16” (MORAES, 2003, p. 237). Daí que, “cidadão, no

15 Não será analisado aqui o conceito amplo de cidadania, o qual envolveria digressão que fugiria do escopo do presente trabalho. ROZICKI (2001, p. 1) nos dá uma idéia da amplitude desse conceito: “Em sua acepção ampla, cidadania constitui o fundamento da primordial finalidade daquele Estado, que é possibilitar aos indivíduos habitantes de um país o seu pleno desenvolvimento através do alcance de uma igual dignidade social e econômica”. 16 O autor refere-se ao plebiscito e ao referendo.

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caso, não é sinônimo de eleitor, mas sim indivíduo participante e controlador da

atividade estatal” (DIAS, 2001, p. 2).

No ordenamento jurídico brasileiro, legitimados a votar estão os brasileiros

maiores de 18 anos, de forma obrigatória, e facultativamente os analfabetos, os

maiores de 16 anos e menores de 18 anos, além dos maiores de 70 anos, segundo

dicção do artigo 14 da Constituição Federal. Os estrangeiros não estão no rol daqueles

que podem exercer qualquer poder político. CÂNDIDO (1996, p. 73) adverte que

“embora não haja referência expressa à condição de brasileiro para o alistamento e o

voto, o texto legal, ao excluir o estrangeiro, chega ao mesmo ponto por diverso

caminho”.

5. OS INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO DO BRASIL

Em Dantas (2004) se tem uma breve noção dos mecanismos que estreitam as

relações entre os representantes e os representados. O autor os divide nos grupos

tradicionais e alternativos. O grupo tradicional, por exemplo, conta com os referendos,

os plebiscitos e as leis de iniciativa popular. Já o grupo alternativo possui uma gama de

outros instrumentos verificáveis em uma menor escala e em pontos isolados dos

diversos ordenamentos, tais como o Orçamento Participativo de Porto Alegre e outras

experiências de Gestão Participativa envolvendo discussão de investimentos por parte

da população.

Os instrumentos de participação popular podem variar entre os países de democracia

semidireta, assumindo as mais variadas formas.

Na Constituição da República Federativa do Brasil os institutos de participação

popular direta estão previstos no artigo 14:

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Art 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:I – plebiscito;II – referendo;III – iniciativa popular.

DIAS (2001, p. 2), quanto à importância da participação popular esclarece o

seguinte:

É certo, porém, que o Estado Democrático de Direito somente se aperfeiçoa na proporção em que o povo nele ativamente possa se inserir; na medida em que os representantes reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares. E os mecanismos constitucionais para tal foram previstos sem dúvida. A cidadania foi erigida a fundamento e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária é um objetivo a ser alcançado pelos representantes populares. Mas somente esses valores não seriam suficientes se não tivessem sido também incorporadas algumas instituições fundamentais à sua realização. E, em todas elas, o ponto fulcral é a participação popular.

BASTOS (1998, p. 272) ensina que “os instrumentos de democracia semidireta,

portanto, são a tentativa de dar mais materialidade ao sistema indireto. É tentar

reaproximar o cidadão da decisão política, sem intermediário”.

Cabe o estudo pormenorizado de cada um desses institutos de participação

popular.

5.1. O plebiscito

No sítio Índice Fundamental do Direito é encontrada a origem da palavra.

Plebiscito vem do latim plebiscitum, de plebi, do povo, genitivo de plebs, o povo, e

scitum, decreto, de scitum, neutro de scitus, particípio passivo de sciscere, decretar,

aprovar, de scire, saber. Ali também está dito que o plebiscito é a consulta prévia ao

povo a respeito da tomada ou não de medida de seu interesse.

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Segundo o artigo 14 da Constituição Federal, o plebiscito se constitui em meio

de exercício da soberania popular. A lei que regulamenta o plebiscito, Lei n° 9709 de 18

de novembro de 1998, o conceitua como a consulta formulada ao povo para que

delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa

ou administrativa. Caracteriza-se o plebiscito, segundo a dicção legal, pela

anterioridade da consulta ao povo para que este, pelo voto, aprove ou denegue o que

lhe tenha sido submetido. Consiste, outrossim, “na possibilidade de o eleitorado

deliberar sobre determinada questão de relevo para os destinos do país, mediante

escolha entre opções” (DIAS, 2001, p. 4). Ainda, “no plebiscito há a manifestação

popular, onde o eleitorado decide, ou toma posição, diante de uma determinada

questão” (BASTOS, 1998, p. 272).

Acquaviva (1995, p. 1101) ensina que o plebiscito tem origem na antiga Roma.

“No século IV antes de Cristo havia, em Roma, dois estamentos sociais que não se

mesclavam: o povo, representado pelos patrícios, quais sejam, os supostos

descendentes dos fundadores da cidade (daí, patrício ou pai da pátria), e a plebe (do

verbo plere, encher, tornar ple/no, com/ple/to), porque esta camada social era de longe

a mais numerosa, ao incluir patrícios arruinados ou decaídos, escravos e estrangeiros”.

A plebe não tinha quaisquer direitos. Só com o tempo as conquistas foram aparecendo

e dentre elas o plebiscito ou direito de participar da vida política mediante o voto. Foi o

plebiscito instituído pela Lex Hortensia. Daí a idéia, até hoje consagrada, de que o

plebiscito é uma espécie de consulta ao povo.

FERREIRA FILHO (apud DIAS, 2001, p. 10) refere que "o plebiscito é um

instrumento da chamada democracia semidireta, que procura corrigir o caráter indireto

da democracia representativa pela participação popular na tomada de determinadas

decisões”.

Em Acquaviva (1995, p. 1101) podem ser encontrados exemplos clássicos de

utilização da consulta plebiscitária, como aquelas ocorridas durante a Revolução

Francesa de 1789; o plebiscito adotado por Napoleão Bonaparte para obter o consenso

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popular das mudanças constitucionais de seu governo, ocasião esta em que obteve o

apoio das maiorias; a imitação de Bonaparte por Napoleão III; a anexação da Áustria ao

3° Reich em 1938.

Independentemente da dicção legal anteriormente exposta no sentido de que o

plebiscito é consulta prévia a ato legislativo ou administrativo, FERREIRA FILHO (1995, p.

82) busca trazer conceito que, segundo ele, atenderia a melhor técnica:

O debate doutrinário visando a uma conceituação precisa para evitar confusões entre os dois termos[17] do vocabulário jurídico acabou fixando o entendimento de que o plebiscito seria uma manifestação extraordinária e excepcional exprimindo a decisão popular sobre medidas de base ou de princípio, tais como forma de Estado ou de governo, modificação das formas políticas, decisão acerca de mudanças de natureza territorial etc.

A contribuição de RUFFIA (1984, p. 378) na conceituação do plebiscito é a

seguinte:

Malgrado a doutrina e a legislação usarem, freqüentemente, de modo indistinto, os termos referendum e plebiscito, este último (sempre caracterizado por uma nota de excepcionalidade e de extraordinariedade, de modo que está excluído de qualquer regulamentação uniforme, quer no âmbito interno como no internacional) deveria referir-se mais precisamente a uma manifestação do corpo eleitoral relativa não a um ato normativo ou administrativo (como o referendum), mas, sim, a um mero fato ou evento (por ex.: Romano, Mortati), concernente à estrutura essencial do Estado ou do seu governo (por ex.: a adjudicação de

território, a conservação ou a modificação de uma forma de governo, a designação de uma determinada pessoa a um certo cargo, etc...).

Vale ainda trazer conceito de SILVA (1996, p. 66):

O plebiscito é uma consulta ‘vaga’ ao eleitorado: este vota numa espécie de rótulo, sem entrar no mérito do conteúdo. Foi como ocorreu no Brasil, em 1993: o eleitorado foi chamado a se manifestar sobre monarquia, república, parlamentarismo, e presidencialismo. Competia-lhe dizer qual

17 O outro termo a que o autor se refere é o referendo.

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ou quais, dentre esses rótulos, mereceriam sua aprovação. Mas, uma vez escolhido qualquer deles, a estrutura – o conteúdo – do regime ou sistema ficaria a cargo do Congresso Nacional. Registre-se que, como venceram a república e o presidencialismo, não houve necessidade de o Congresso lhes dar forma, permaneceu a que já existia.

Moraes (2003) classifica o plebiscito como forma de participação popular nos

negócios do Estado e o diferencia, comparativamente ao referendo, em razão do

momento da sua realização:

Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direito políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional, o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, para restringir-lhe a eficácia (condição resolutiva) (MORAES, 2003, p. 237).

A Constituição da República Federativa do Brasil prevê a figura do plebiscito nos

artigos 1°, parágrafo único, 14, inciso I, 18, parágrafos 3° e 4°, 49, inciso XV, bem como

no artigo 2° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Vale transcrevê-los:

Artigo 1° - ...Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Artigo 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:I – plebiscito.

Artigo 18 - ...§ 3° - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

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§ 4° - A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

Artigo 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:XV – autorizar referendo e convocar plebiscito.

Ato das Disposições Constitucionais TransitóriasArtigo 2° - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.§ 1° - Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e sistemas, através dos meios de comunicação de massa cessionários de serviço público.§ 2° - O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição, expedirá as normas regulamentadoras deste artigo.

5.1.1. Natureza jurídica do plebiscito

Ruffia (1984), ao caracterizar o referendo preventivo ou programático18 como

manifestação de vontade de coletividades, o classifica como expressão de

autogoverno, o que seria diferente de uma mera eleição, a qual consiste em

simplesmente transferir o poder a um representante. É que no plebiscito as decisões

atinentes ao governo já são tomadas. Na eleição, não. Há a mera escolha do

representante. E somente após a escolha é que o representante pode exercer atos de

governo, agir diferentemente da maioria que lhe investiu na função ou mesmo não agir,

mantendo-se inerte19.

18 A idéia de plebiscito, para Ruffia (1984), é menos ampla e difere daquela trazida pelo ordenamento brasileiro. O que no Brasil se caracteriza muitas vezes como plebiscito, para o autor é o referendo preventivo ou programático. O plebiscito, para o autor, “deveria referir-se mais precisamente a uma manifestação do corpo eleitoral relativa não a um ato normativo ou administrativo (como o referendum), mas, sim, a um mero fato ou evento (por ex.: Romano, Mortati), concernente à estrutura essencial do Estado ou seu governo (por ex.: a adjudicação de território, a conservação ou a modificação de uma forma de governo, a designação de uma determinada pessoa a um certo cargo, etc...). (RUFFIA, 1984, p. 378). 19 É de se observar que muito embora Ruffia (1984) tenha o plebiscito como expressão diferenciada do referendo, em certa altura de sua obra o mesmo o traz como uma espécie de referendo. Segundo RUFFIA (1984, p. 372): “Encontram-se algures somente algumas instituições relativas à função legislativa, como a iniciativa popular e o referendum (enquanto se apresenta excepcional a interpelação popular sobre simples fatos e acontecimentos: o plebicisto”).

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O plebiscito de Ruffia (1984), mesmo sendo de abrangência menos ampla do

que o plebiscito brasileiros e o de outros ordenamentos apresenta-se como

manifestação de vontade “de determinadas coletividades populares, e não do Estado,

do qual aquelas já fazem parte ou vão fazer parte [...]” (RUFFIA, 1984, p. 379).

Diverso é o caminho trilhado por CÂNDIDO (1996, p. 37) na tentativa de

identificar a natureza jurídica do plebiscito:

Contudo, é controvertida, ainda, a real natureza do instituto, ora recebendo tratamento no Direito Administrativo, ora no Direito Constitucional, vezes outras no próprio Direito Eleitoral. Neste último, talvez sejam eles versados porque desde os tempos da lei Complementar de 1967 que a forma da consulta plebiscitária é regulada mediante resoluções expedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais (LC n° 1, de 9.11.67, art. 3°, parágrafo único).

Explica ainda Cândido (1996) que independente da controvérsia que se

estabeleça acerca do instituto, o mesmo é um instituto especial regulado por mais de

um ordenamento, pois, como se verá, a figura do plebiscito vale-se de conceitos de

direito administrativo, direito eleitoral, direito constitucional, entre outros.

De qualquer sorte, o plebiscito, segundo FERREIRA (1998, p. 269) “trata-se de

forma de democracia participativa, que imprime maior e mais intensa integração do

povo à vida comunal”.

5.1.2. Casos em que o plebiscito é utilizado

O plebiscito se presta para casos de alta relevância, de natureza constitucional,

legislativa ou administrativa (artigo 2°, da Lei 9709/98). O manejo do plebiscito não se

coaduna a qualquer situação, portanto. E isso é próprio do sistema semidireto, de regra,

como visto, representativo. Se há representantes eleitos e todo um processo para a

respectiva escolha, não há razão para que os representados se manifestem a todo o

momento na criação de novas leis.

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De qualquer sorte, como questões de alta relevância, passíveis de consulta

plebiscitária, podem ser citadas as seguintes20:

a) Na hipótese prevista no artigo 18, § 3° da Constituição Federal. Trata-se da

incorporação entre si de Estados, bem como subdivisão e desmembramento para

anexação a outros, ou formação de novos Estados ou Territórios Federais.

b) questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do

Poder Executivo (artigo 3° da Lei 9709/98);

c) criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios (artigo 18, § 4°

da Constituição Federal);

d) questões de competência dos Estados e do Distrito Federal (artigo 6°, Lei

7909/98);

e) questões de competência dos Municípios (artigo 6°, Lei 7909/98).

Vale observar que a consulta vincula o Poder Legislativo e o Poder Executivo,

conforme o caso. “Os Poderes constituídos ficam legalmente inibidos de produzir leis ou

atos administrativos em sentido contrário ao das respostas majoritárias do

eleitorado” (SILVA, 1996, p. 67).

5.1.2.1. Incorporação entre si de Estados, bem como subdivisão e desmembramento para anexação a outros, ou formação de novos Estados ou Territórios Federais

O artigo 18, § 3º da Constituição Federal reza que os Estados podem incorporar-

se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem 20 É importante registrar que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4718/2004 que, se aprovado, revogará expressamente a Lei 9709/98 e ampliará as hipóteses em que o plebiscito é cabível.

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novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente

interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

Nesse caso o plebiscito é convocado mediante decreto legislativo, por proposta

de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do

Congresso Nacional21. Vale dizer que a inexistência do número mínimo de assinaturas

na proposta inviabiliza a incorporação entre si, bem como a subdivisão ou

desmembramento dos Estados para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados

ou Territórios Federais, já que o plebiscito é requisito fundamental para que isso seja

viabilizado, segundo a dicção constitucional. A tramitação do projeto de plebiscito deve

constar do Regimento Comum do Congresso Nacional, consoante disposição do artigo

12 da Lei 9709/98.

Aprovado o ato convocatório do plebiscito, reza o artigo 8° da Lei 9709/98, o

Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a quem incumbirá,

nos limites de sua circunscrição, fixar a data da consulta popular, tornar pública a

cédula respectiva, expedir instruções para a realização do plebiscito e assegurar a

gratuidade nos meios de comunicação de massa concessionários de serviço público,

aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em

torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema

sob consulta.

Para que não haja nenhum tipo de influência entre a população interessada

diante de resultado anteriormente verificado, o plebiscito deve ser realizado na mesma

data e horário em cada um dos Estados.

21 Na Itália os plebiscitos “são convocados com decretos do Presidente da República,com deliberação do Conselho de Ministros, dentro de 3 meses da ordenança do Órgão central para o referendum, ligado ao Tribunal de Cassação, que declara a legitimidade desse pedido” (RUFFIA, 1984, p. 378). Para o autor a noção de plebiscito é diversa daquela expressada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo menos ampla. Às vezes o que para o ordenamento brasileiro é plebiscito, para o autor é uma espécie de referendo programático ou preventivo, mas não necessariamente “uma forma inferior de referendum, na qual não se oferece qualquer alternativa ao corpo eleitoral” (RUFFIA, 1984, p. 379). O plebiscito, para o autor, “deveria referir-se mais precisamente a uma manifestação do corpo eleitoral relativa não a um ato normativo ou administrativo (como o referendum), mas, sim, a um mero fato ou evento (por ex.: Romano, Mortati), concernente à estrutura essencial do Estado ou seu governo (por ex.: a adjudicação de território, a conservação ou a modificação de uma forma de governo, a designação de uma determinada pessoa a um certo cargo, etc...). (RUFFIA, 1984, p. 378).

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O artigo 7° da Lei 9709/98 deixa claro que o plebiscito deverá ser realizado tanto

no território que se pretende desmembrar quanto no que sofrerá desmembramento. O

mesmo artigo é expresso também quanto à anexação, que obriga a consulta à

população tanto da área que se quer anexar quanto da área que receberá o acréscimo.

A respeito da consulta populacional nas alterações territoriais, Ruffia (1984) lembra que

é um princípio surgido à época da Revolução Francesa que após (à época de

Napoleão) baseou-se no direito de conquista. O autor dá exemplo de plebiscitos

celebrados nos Domínios pontifícios de Avinhão e do Condado Venosino em 1790, na

Savóia em 1792, em Nice, em Porentruy, na Bélgica, e em Maienza em 1793. Já após a

Primeira Grande Guerra o plebiscito teve como um de seus nortes os princípios da

nacionalidade e da autodecisão dos povos. Como exemplos de plebiscitos tendo tais

princípios em conta o autor traz notícias de emprego do instituto nas zonas entre a

Alemanha e a Bélgica, de Eupen e Malmedy, entre outros. Já logo após a Segunda

Guerra Mundial observaram-se, segundo Ruffia (1984), plebiscitos por motivos de

oportunidade política, com “decisões unilaterais e irrecorríveis das Potências

vitoriosas” (RUFFIA, 1984, p. 380).

Reza o parágrafo primeiro do artigo 4° da Lei 9709/98 que proclamado o

resultado da consulta plebiscitária, sendo favorável à alteração territorial, será proposto

projeto de lei complementar perante qualquer das Casas do Congresso Nacional. A

vontade popular se aferirá pelo percentual que se manifestar em relação ao total da

população consultada e o plebiscito é considerado aprovado ou rejeitado por maioria

simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A resposta negativa e soberana da população à consulta plebiscitária inviabiliza

a incorporação entre si de Estados, bem como subdivisão e desmembramento para

anexação a outros, ou formação de novos Estados ou Territórios Federais frustrando

intenção do Congresso Nacional nesse sentido. Nesse sentido vale a lição de DIAS

(2001, p. 4) de que “a decisão soberana do plebiscito possui efeito vinculante para as

29

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autoridades públicas atingidas, que não poderão adotar, por conveniência, caminhos

diversos daqueles definidos pelo povo”.

No mesmo sentido ensina MORAES (2003, p. 631):

Note que se o plebiscito for desfavorável, o procedimento estará encerrado, constituindo, pois, a aprovação das populações diretamente interessadas, verdadeira condição de procedibilidade do processo legislativo da lei complementar. Caso, porém, haja aprovação plebiscitária, o Congresso Nacional, soberanamente, decidirá pela aprovação ou não da lei complementar. Em síntese, a negativa no plebiscito impede o processo legislativo; enquanto a concordância dos interessados permite que o projeto de lei complementar seja discutido no Congresso Nacional, sem contudo vinculá-lo, pois esse deverá zelar pelo interesse geral da República Federativa e não somente pelo das populações diretamente interessadas.

Cumpre ressaltar que, convocado o plebiscito, eventual projeto legislativo não

efetivado, cuja matéria constitua objeto da consulta popular, terá sustada sua

tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado. É o que diz o artigo 9°, da

Lei 9709/98.

O plebiscito com finalidade de definir alteração territorial interna não é

exclusividade do ordenamento brasileiro. Ruffia (1984) aponta exemplo italiano, cuja

Constituição determina convocação de referendo22 entre as populações interessadas,

para, por meio de lei constitucional, ser feita fusão ou criação de Regiões com um

mínimo de um milhão de habitantes:

O resultado do referendum será positivo, se o número dos votos válidos atribuídos à resposta afirmativa não for inferior à maioria dos eleitores

22 A noção de plebiscito para Ruffia (1984) é menos ampla e difere daquela apresentada pela legislação brasileira. Para Ruffia (1984) o plebiscito é uma espécie de referendo. Ruffia denominaria o plebiscito brasileiro como referendo preventivo ou programático, a não ser nos casos envolvendo alteração territorial interna, a aí há uma crítica em relação ao ordenamento italiano, que também prevê referendo para tais casos. De qualquer sorte, muito embora o plebiscito seja uma espécie de referendo, o instituto não seria, para o autor, “uma forma inferior de referendum, na qual não se oferece qualquer alternativa ao corpo eleitoral” (RUFFIA, 1984, p. 379). O plebiscito, para o autor, “deveria referir-se mais precisamente a uma manifestação do corpo eleitoral relativa não a um ato normativo ou administrativo (como o referendum), mas, sim, a um mero fato ou evento (por ex.: Romano, Mortati), concernente à estrutura essencial do Estado ou seu governo (por ex.: a adjudicação de território, a conservação ou a modificação de uma forma de governo, a designação de uma determinada pessoa a um certo cargo, etc...). (RUFFIA, 1984, p. 378).

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inscritos nas listas eleitorais. Dentro de 60 dias da publicação desse resultado no Diário Oficial, o Ministro do Interior apresentará ao Parlamento o reclamado projeto de lei (constitucional, para a criação de novas Regiões, ou ordinário para sua simples modificação). Enquanto que, em caso de resultado negativo, se deverá esperar o decurso do prazo de 5 anos para apresentar novo pedido a respeito. (RUFFIA, 1984, p. 378).

Poderia ser levantada objeção em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, o

qual comete apenas ao Congresso Nacional e ao Tribunal Superior Eleitoral a

competência para a realização dos plebiscitos cujo escopo seria o de incorporação

entre si de Estados, bem como subdivisão e desmembramento para anexação a outros,

ou formação de novos Estados ou Territórios Federais, suprimindo, portanto, qualquer

ingerência das Assembléias dos respectivos Estados no processo de alteração

territorial, sendo que estas são apenas ouvidas segundo a dicção da parte final do

artigo 4ª da Lei 9709/98.

Qual a razão em negar-se que as próprias Assembléias Legislativas

interessadas possam se reunir e convocar elas próprias os plebiscitos com tais fins?

Afinal, não são

tais Assembléias as únicas interessadas na alteração dos respectivos territórios, já que

representam diretamente a população afetada? RUFFIA (1984, p. 380) parece trazer a

resposta:

Observa-se que os plebiscitos dirigidos a adjudicar territórios disputados podem efetuar-se com estimáveis garantias de objetividade em seu cumprimento, apenas se forem controlados (ou melhor, executados) por órgãos de Estados neutros (como ocorreu no de Sarre, em 1935, sob o controle da “Sociedade das Nações” e com participação das forças militares italianas, inglesas e holandesas). Apresentam garantias bem limitadas, quando forem organizadas unicamente por uma das partes interessadas (como sucedeu, por ex.:, no plebiscito de 1947 nos territórios de Briga e Tenda, após sua anexação à França, em aplicação ao art. 27, § 2° da Const. francesa de 1946, que afirmava “nenhuma cessão, alteração ou anexação de território têm valor sem o consentimento das populações interessadas”: fórmula repetida na Const. de 1958, no art. 53).

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No Brasil, observa-se, o plebiscito para a incorporação entre si de Estados, bem

como subdivisão e desmembramento para anexação a outros, ou formação de novos

Estados ou Territórios Federais, a despeito de contar com a participação da população

interessada e não ter a sua realização efetuada por “órgãos de Estados neutros”, o

mesmo é realizado por figuras neutras, tais como o Congresso Nacional e o Tribunal

Superior Eleitoral, o que colocaria o instituto, de certo modo, longe das críticas de Ruffia

(1984). Some-se a isso o ensinamento de Moraes (2003) anteriormente transcrito o

qual refere que a incorporação entre si de Estados, bem como subdivisão e

desmembramento para anexação a outros, ou formação de novos Estados ou

Territórios Federais é também de interesse da República Federativa, o que justificaria

no caso a intervenção do Congresso Nacional.

5.1.2.2. Questões de relevância nacional de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo

Se o caso é de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do

Poder Executivo, o plebiscito é convocado mediante decreto legislativo por proposta de

um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso

Nacional. A tramitação do projeto de plebiscito está atrelada às normas do Regimento

Comum do Congresso Nacional, segundo disposição da Lei 9709/98, de acordo com o

seu artigo 12.

Mesmo que a matéria seja de competência do Poder Executivo (matéria de

natureza administrativa), é da competência exclusiva do Congresso Nacional convocar

o plebiscito, segundo a regra do artigo 49, XV da Constituição Federal conjugada com o

caput do artigo 2º da Lei 9709/98. É difícil imaginar aplicação prática dessa hipótese.

Isso se dá pelo fato de que o nosso ordenamento jurídico segue a regra da separação

dos poderes. O Poder Executivo, ao expedir seus atos, podendo se valer de critérios de

conveniência e oportunidade quanto ao respectivo momento, não está obrigado a

cientificar o Poder Legislativo acerca do que futuramente expedirá. O que costuma

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ocorrer é a ciência do Poder Legislativo, e de toda a população, de um ato já expedido,

o que configuraria hipótese de referendo, como se verá, de mais adiante.

De qualquer sorte, o plebiscito é possível em relação a lei delegada, a qual é da

competência do Chefe do Poder Executivo.

Aprovado o ato convocatório do plebiscito, reza o artigo 8° da Lei 9709/98, o

Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a quem incumbirá,

nos limites de sua circunscrição, fixar a data da consulta popular, tornar pública a

cédula respectiva, expedir instruções para a realização do plebiscito e assegurar a

gratuidade nos meios de comunicação de massa concessionários de serviço público,

aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em

torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema

sob consulta. O plebiscito, segundo o artigo 10 da Lei 9709/98, é considerado aprovado

ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal

Superior Eleitoral. Segundo Dias (2001) a decisão soberana do plebiscito possui efeito

vinculante para as autoridades públicas atingidas. Assim, a resposta negativa a

consulta inviabiliza a implementação do que foi questionado à população votante.

Cândido (1996) adverte que não se aplicam aos plebiscitos as regras comuns

sobre propaganda eleitoral, as disposições sobre financiamentos, recursos financeiros e

prestações de contas das campanhas, as normas sobre a fiscalização partidária à

votação e à apuração e as regras sobre crimes e processos penais eleitorais. Quis dizer

o autor, com isso, que a Justiça Eleitoral deverá expedir instruções à realização de

cada plebiscito, de forma independente23.

Cumpre ressaltar que, convocado o plebiscito, eventual projeto legislativo ou

medida administrativa não efetivada, cujas matérias constituam objeto da consulta

popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado. É

o que diz o artigo 9°, da Lei 9709/98.

23 A obra do autor é anterior à lei que regulamentou o plebiscito no Brasil, a qual, por sua vez, não estipula de maneira diversa daquela sugerida por Cândido (1996).

33

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5.1.2.3. Criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios

O plebiscito destinado à criação, incorporação, fusão e desmembramento de

Municípios é convocado pela respectiva Assembléia Legislativa, de conformidade com

a legislação federal e estadual (artigo 5°, Lei 9709/98). Resulta disso que cada Estado

poderá ter disposições próprias para a criação, incorporação, fusão e desmembramento

de Municípios. Em outras palavras, a criação de Município em um Estado poderá ser

mais fácil e envolver menos requisitos do que em outro Estado, detentor de legislação

mais rigorosa. De qualquer sorte, a deliberação inicial da Assembléia Legislativa é o

início de um ato complexo, cujo átimo derradeiro é a edição da lei criando o novo

município.

O plebiscito para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de

Municípios é requisito obrigatório e essencial. Em decorrência, o resultado negativo

inviabiliza todo o processo. Nesse sentido, reza o artigo 14, § 4º, da Constituição

Federal que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios,

far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar

Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos

Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal,

apresentados e publicados na forma da lei. Citando entendimento do Supremo Tribunal

Federal, CUSTÓDIO (1998, p. 34) aponta que:

Antes da EC 15/96, que deu nova redação ao dispositivo, o plenário concedeu medida cautelar para suspender lei estadual, que, sem plebiscito, modificou os limites de dois municípios contíguos, por entender a Corte que “a alteração de limites entre os territórios de dois municípios vizinhos encerra a hipótese de desmembramento, cuja efetivação depende de lei estadual, observados os requisitos da legislação complementar respectiva, sem prejuízo de prévia consulta plebiscitária junto às populações diretamente interessadas (ADIN 1.143 – AP, RTJ 160/138). Observe-se que a nova redação do dispositivo, embora não mais utilize da expressão “populações diretamente interessadas”, exige a manifestação das “populações dos Municípios envolvidos”.

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Nesse tipo de consulta plebiscitária, o artigo 7° da Lei 9709/98 deixa claro que se

entende por população diretamente interessada tanto a do território que se pretende

desmembrar, quanto ao do que sofrerá desmembramento. Em caso de fusão, a

consulta deverá ser feita tanto à população da área que se quer anexar quanto à da

que receberá o acréscimo.

Barroso (1999, p. 105) cita entendimento do Supremo Tribunal Federal, anterior

à Lei 9709/98, o qual repelia a tese de que o artigo 18, § 4°, da Constituição Federal

exigiria, para a criação de um Município, que a consulta plebiscitária abrangesse

também a população da área remanescente do Município. O atual artigo 7°, da Lei

9709/98, tem teor diametralmente oposto. O entendimento superado consta da Ação

Direta de Inconstitucionalidade n° 733-5 – MG, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda

Pertence. O acórdão foi publicado no Diário de Justiça da União de 16-06-95, às

páginas 18213-14.

Complementa o artigo 7° da Lei 7909/98 que a vontade popular se aferirá pelo

percentual que se manifestar em relação ao total da população consultada. O plebiscito,

segundo o artigo 10 da Lei 9709/98, é considerado aprovado ou rejeitado por maioria

simples.

O resultado plebiscitário favorável à criação do Município, se requisito

indispensável, ainda não induz à sua criação. É preciso que lei estadual seja aprovada.

O Supremo Tribunal Federal nesse sentido já decidiu que a consulta plebiscitária, no

processo de institucionalização dos Municípios, deve preceder – enquanto instrumento

de participação popular na formação das decisões estatais – o pronunciamento do

Plenário da Assembléia Legislativa, consoante impõe o artigo 18, § 4°, da Constituição

da República Federativa do Brasil (STF, RDA 193/250; RT 695/233).

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Cumpre ressaltar que, convocado o plebiscito, eventual projeto legislativo não

efetivado, a respeito da matéria objeto da consulta popular, terá sustada sua

tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado. É o que diz o artigo 9°, da

Lei 9709/98.

O plebiscito envolvendo alteração territorial de Municípios não é exclusividade do

ordenamento brasileiro. Ruffia (1984) traz exemplo italiano de separação ou agregação

de Províncias ou de Municípios24.

5.1.2.4. Questões de competência dos Estados e do Distrito Federal

As questões de alta relevância, de natureza constitucional, legislativa ou

administrativa, de competência dos Estados e Distrito Federal, a serem decididas

através de plebiscito, são definidas na respectiva Constituição Estadual (artigo 6°, Lei

9709/98). Como se vê, os Estados são detentores de autonomia o que pode resultar na

diversidade de critérios entre cada um. O que é de alta relevância para um Estado

poderá não ser para outro.

A título exemplificativo, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu

artigo 53, XI reza que a convocação de plebiscito compete exclusivamente à

Assembléia Legislativa.

Vale aqui o que reza o artigo 9° da Lei 9709/98. Convocado o plebiscito, eventual

projeto legislativo ou medida administrativa não efetivada, cujas matérias constituam

24 Note-se que Ruffia (1984) tem o plebiscito como espécie de referendo. O que para o ordenamento brasileiro muitas vezes é plebiscito, para Ruffia é referendo programático ou preventivo. O plebiscito de Ruffia (1984) “deveria referir-se mais precisamente a uma manifestação do corpo eleitoral relativa não a um ato normativo ou administrativo (como o referendum), mas, sim, a um mero fato ou evento (por ex.: Romano, Mortati), concernente à estrutura essencial do Estado ou seu governo (por ex.: a adjudicação de território, a conservação ou a modificação de uma forma de governo, a designação de uma determinada pessoa a um certo cargo, etc...)”. (RUFFIA, 1984, p. 378). O ordenamento italiano prevê o referendo para alteração territorial e, consoante se depreende dos ensinamentos de Ruffia (1984), seria uma impropriedade.

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objeto da consulta popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado das urnas

seja proclamado. O plebiscito, segundo o artigo 10 da Lei 9709/98, é considerado

aprovado ou rejeitado por maioria simples.

De observar que nem todas as questões de competência dos Estados e do

Distrito Federal são passíveis de plebiscito. O Supremo Tribunal Federal declarou

inconstitucional artigo da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que subordinaria a

nomeação dos Delegados de Polícia à escolha, entre os delegados de carreira, ao voto

unitário residencial da população do município. A decisão foi objeto da Ação Direta de

Inconstitucionalidade 244/RJ.

5.1.2.5. Questões de competência dos Municípios

As questões de alta relevância, de natureza constitucional, legislativa ou

administrativa, de competência dos Municípios, a serem decididas através de plebiscito,

são definidas na respectiva Lei Orgânica (artigo 6°, Lei 9709/98).

A título exemplificativo, a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, em seu

artigo 238, reza que o plebiscito é indispensável para a implantação de distritos ou

pólos industriais e empreendimentos de alto potencial poluente, bem como de

quaisquer obras de grande porte que possam causar dano à vida ou alterar significativa

ou irreversivelmente o ambiente.

Cumpre ressaltar que, convocado o plebiscito, eventual projeto legislativo ou

medida administrativa não efetivada, cujas matérias constituam objeto da consulta

popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado. É

o que diz o artigo 9°, da Lei 9709/98. O plebiscito, segundo o artigo 10 da Lei 9709/98,

é considerado aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado

homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

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5.1.3. O plebiscito interpretado pelo Supremo Tribunal Federal

Na ação direta de inconstitucionalidade n° 1262-2/TO abordou-se a questão a

natureza jurídica da norma que cria município. Muito embora não se trate de norma

jurídica em si mesma, já que apenas confere status municipal a uma comunidade

territorial, é lei em sentido formal. Isso se daria pelo fato de que a criação de município,

pelos efeitos que o ato irradia, é dado inovador,com força prospectiva, do complexo

normativo em que se inseriria a nova entidade política.

A ação direta de inconstitucionalidade n° 3149/SC declarou a

inconstitucionalidade da Lei estadual número 11361/2000, de estado de Santa Catarina,

que promovera a anexação, ao município de Capinzal, de áreas desmembradas do

município de Campos Novos. Houve abaixo-assinado da população, o que equivaleria à

iniciativa popular. Não houve, no entanto, plebiscito.

Não ação direta de inconstitucionalidade número 2994/BA se decidiu que

pesquisas de opinião, abaixo-assinados e declarações de organizações comunitárias,

favoráveis à criação, à incorporação ou ao desmembramento de município, não são

capazes de suprir o rigor e a legitimidade do plebiscito exigido pelo § 4° do artigo 18 da

Carta Magna.

Em matéria de competência privativa da União, como, por exemplo, construção

de instalações industriais para produção de energia nuclear, é vedado que a

Assembléia Legislativa do respectivo Estado convoque plebiscito a aprová-la. Assim foi

decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 329 / SC.

Através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2812/RS foi enfrentada a

seguinte situação: Determinada lei, criadora de certo município, o delimitou de forma

equivocada. O Supremo Tribunal Federal entendeu que o acertamento da situação

encerra hipótese de plebiscito pois a nova lei produziria alterações em limites territoriais

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definidos em lei anterior. O mesmo se decidiu na Ação Direta de Inconstitucionalidade

2632-1/BA.

O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional artigo da Constituição do

Estado do Rio de Janeiro que subordinaria a nomeação dos Delegados de Polícia à

escolha, entre os delegados de carreira, ao voto unitário residencial da população do

município. A decisão foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 244/RJ e o

argumento foi o de que a Constituição não abriu ensanchas à interferência popular na

gestão da segurança pública.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2381-1/RS o Supremo Tribunal Federal

aduziu que aproveitamento de plebiscito anterior à Constituição para criar Município se

mostra inviável se a lei dele decorrente ainda não fora promulgada e se a nova

Constituição apresenta requisito novo para a criação de municipalidade, tal como a

preservação da continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano,

inexistentes no ordenamento anterior.

5.1.4. Crítica ao plebiscito

O plebiscito, como se viu, é forma de consulta à população para que esta opte

por caminhos pré-definidos mediante escolha entre opções. Ocorre que não é a

população de qualquer país que está preparada para exercer tais escolhas. A denúncia

é observada em FERREIRA (1998, p. 586):

O plebiscito é de certa forma uma ameaça para o Estado Democrático de Direito em um país onde impera a crise, como é o Brasil, em que a propaganda política é dominada pela mídia eletrônica, em poder de autênticos monopólios de fato. O plebiscito sempre foi uma arma perigosa nas mãos do Estado autoritário nas épocas de Hitler e Mussolini, que conseguiram cerca de 90% de aprovação eleitoral. É menos perigoso à democracia avançada e consciente, porém uma ameaça mortal à liberdade do povo nas falsas democracias dos países de economia dominada.

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5.2. O referendo

Ruffia (1984) traz que o referendo é uma manifestação do representado a

respeito de algo já pronto, como um ato normativo ou ato administrativo25. “É uma forma

de manifestação popular, em que o eleitor aprova ou rejeita uma atitude governamental”

(BASTOS, 1998, p. 273).

MORAES (2003, p. 539) traz um exemplo do instituto indicando também uma de

suas finalidades:

Exemplo clássico de utilização de referendo refere-se às chamadas constituições cesaristas, que não obstante outorgadas, ou seja, elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, por meio de imposição do poder da época, dependem de ratificação popular.Como ratificado por Mirkine Guetzevich, o referendo surge como “um processo particular para a regulamentação dos conflitos entre o Governo e a Câmara, entre o presidente e os representantes do povo. Daí o surgimento de uma forma inteiramente nova de referendum, em que o povo votando por esta ou aquela lei, resolve, ao mesmo tempo, o próprio conflito entre o Governo e o Parlamento”.

FERREIRA FILHO (1995, p. 82) conceitua o instituto à sua maneira:

[...] o referendo consubstanciaria o poder de aprovar as leis. Seria a aprovação popular de lei discutida e votada pelos representantes do povo. O cidadão, ao votar sim ou não a respeito do projeto oriundo do Parlamento, daria aceitação ou rejeição à medida legislativa proposta.

SILVA (1996, p. 66) conceitua o referendo em comparação com o plebiscito:

No referendo a consulta não é vaga[26], não visa ao rótulo, mas atinge diretamente o conteúdo. Por exemplo, se a consulta de 1993[27] tivesse sido feita através de referendo, a alternativa colocada ao eleitor deveria

25 O autor aponta que o referendo atinente a ato administrativo é raro nas diferentes ordenações jurídicas. O exemplo do autor verifica-se na Itália, no âmbito das ordenações regionais. Como se verá, no entanto, o Brasil também possui referendo atinente à produção da seara administrativa (a este respeito, conferir o artigo 2° da Lei 9709/98).26 Em comparação com o plebiscito.27 O autor refere-se ao plebiscito previsto no artigo 2ª do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil, através do qual o eleitorado decidiu a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deveriam vigorar no País.

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detalhar cada qual dos regimes e sistemas: monarquia, com um rei ou imperador com tais e tais poderes; parlamentarismo, com um Conselho de Ministros com tais e tais poderes, e assim sucessivamente.

Moraes (2003) classifica o referendo como forma de participação popular nos

negócios do Estado e o diferencia, comparativamente em relação ao plebiscito, em

razão do momento da sua realização:

Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direito políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional, o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, para restringir-lhe a eficácia (condição resolutiva) (MORAES, 2003, p. 237).

É de observar, ainda, que Ferreira Filho (1995) reconhece várias espécies de

referendo, podendo o mesmo ter como objeto inclusive Emenda Constitucional28.

5.2.1. Tipos de referendo

Classificação detalhada pode ser observada em Ruffia (1984) quanto às

inúmeras formas verificáveis do instituto. A classificação do autor o é quanto à matéria,

quanto ao tempo, quanto à eficácia ou quanto ao fundamento jurídico.

Quanto à matéria, o referendo pode ser constitucional, se é uma emenda ou até

mesmo uma nova Constituição o objeto da consulta, como, por exemplo, o acréscimo

de um direito daqueles tidos por fundamentais no corpo da Carta Magna29; pode ser

28 Ruffia (1984) explica que nos Estados Unidos o referendo constitucional é obrigatório em quase todos os Estados-membros.29 Para o referendo ser constitucional, segundo Ruffia (1984), não parece bastar que a matéria seja constitucional. Assim, o referendo relativamente a lei apenas materialmente constitucional seria o que o autor chama de referendo legislativo. É que, muito embora o autor, ao abordar o tema do referendo constitucional, refira-se a “lei constitucional”, o mesmo deixa claro mais adiante, ao tratar do referendo legislativo, que a “lei constitucional” é o que se conhece por lei formalmente constitucional: “O referendum legislativo foi acolhido apenas com eficácia ab-

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legislativo, se é o ordenamento infraconstitucional, de origem do Poder Legislativo, que

será submetido ao crivo do eleitorado, como a ratificação de qualquer lei ordinária; e

pode ser administrativo se o Poder Executivo é quem expede ato de sua competência,

como um Decreto, o qual sujeitar-se-á à consulta dos representados.

Quanto ao tempo, o referendo sucessivo é aquele que decorre de consulta

posterior. Já o referendo preventivo ou programático, segundo Ruffia (1984) é aquele

convocado com anterioridade ao ato, o que se confundiria, na concepção de Ruffia,

com o plebiscito brasileiro30.

Há também a classificação do referendo quanto ao seu conteúdo eficacial.

Assim, o instituto é constitutivo ou ab-rogativo. Ocorre o referendo ab-rogativo se a

finalidade é fazer cessar a existência ou a obrigatoriedade de uma lei, em sua

totalidade. De outra banda é constitutivo o referendo que conferiria, após o respectivo

resultado, validade ou eficácia a uma norma31.

Por fim o referendo é diferenciado em relação aos fundamentos jurídicos que o

sustentem. Pode ser que haja imposição constitucional no sentido de que o eleitorado

se manifeste para algumas questões e aí a norma só existirá e terá validade e eficácia

após a aprovação dos representados – trata-se do referendo obrigatório32. De outra

rogatória (simplesmente frente a uma lei formal ou a outra norma a ela equiparada, e, portanto, não diz respeito a uma lei constitucional)” (RUFFIA, 1984, p. 375). De notar, no entanto, que o autor tem por base o ordenamento italiano. 30 Note-se que Ruffia (1984) tem o plebiscito como espécie de referendo, mas não na mesma conceituação brasileira. O que para o ordenamento brasileiro muitas vezes é plebiscito, para Ruffia é referendo programático ou preventivo. O plebiscito, para o autor, “deveria referir-se mais precisamente a uma manifestação do corpo eleitoral relativa não a um ato normativo ou administrativo (como o referendum), mas, sim, a um mero fato ou evento (por ex.: Romano, Mortati), concernente à estrutura essencial do Estado ou seu governo (por ex.: a adjudicação de território, a conservação ou a modificação de uma forma de governo, a designação de uma determinada pessoa a um certo cargo, etc...). (RUFFIA, 1984, p. 378). Note-se que o autor defende a hipótese de plebiscito para alterações territoriais e nisso há consonância com a ordem jurídica brasileira.31 Ferreira Filho (1995, p. 82) também faz essa classificação quanto aos efeitos do referendo: “O referendo pode produzir efeito constitutivo, se a norma é aprovada e passa a existir, ou efeito ab-rogativo, se resulta na extinção de sua vigência”. Note-se que o autor, diversamente de Ruffia (1984), refere-se à existência da norma ao passo que este último aborda a sua validade e eficácia.32 Como exemplo, Ruffia (1984) cita que a primeira exigência de referendo obrigatório na Itália ocorreu em 1971, relativamente a novel legislação introdutória do divórcio naquele País.

42

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banda, há ordenamentos, como o brasileiro, que têm o referendo como mera opção

política, a qual, além disso, exigiria o preenchimento de certo quorum de uma porção de

legitimados, tais como o Parlamento ou certo número de cidadãos. Este último é

chamado de referendo facultativo33.

5.2.2. Natureza jurídica do referendo

Ruffia (1984) apresenta o referendo como expressão de autogoverno34. O autor

prossegue:

Não se pode afirmar, portanto, em sentido absoluto, que se trata de um ato complexo (desigual, porque prevaleceria, formalmente, a decisão parlamentar: Perassi); às vezes, com efeito, a decisão popular poderá ficar, juridicamente, independente (semelhante a um parecer vinculante ou a uma aprovação autônoma, no caso de projeto de iniciativa popular rejeitada pelo Parlamento), enquanto que em outras eventualidades poderá vincular-se mais ou menos intimamente com um ato estatal específico (apresentando-se como uma condição suspensiva ou resolutiva da sua eficácia, etc.) (RUFFIA, 1984, p. 374).

5.2.3. O referendo no Brasil

Diversamente do plebiscito, o referendo, segundo o artigo 2°, § 2° da Lei

9709/98, é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo. Sendo

posterior, pressupõe produção normativa anterior. Cabe ao povo, portanto, no instituto

do referendo, ratificar ou rejeitar o ato legislativo ou administrativo sob a sua

apreciação.

Na Constituição da República Federativa do Brasil o referendo está previsto nos

artigos 1°, parágrafo único, 14, inciso II, 49, inciso XV.

Vale transcrevê-los:

33 Ruffia (1984) refere que a constituição italiana prevê 2 tipos principais de referendo facultativo: um em matéria constitucional e outro em matéria legislativa. Este último teria eficácia apenas ab-rogativa.34 Assim como o faz em relação ao plebiscito e à iniciativa popular (a este respeito ver o que foi escrito a respeito de Ruffia no tópico destinado ao plebiscito).

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Artigo 1° - ...Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, nos termos desta Constituição. Artigo 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:II – referendo.

Artigo 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:XV – autorizar referendo e convocar plebiscito.

Na legislação infraconstitucional o referendo está regulado pela Lei 9709/98 que

o conceitua como um dos meios de exercício da soberania popular (artigo 1°, II).

5.2.4. Casos em que o referendo é utilizado

Segundo o artigo 2° da Lei 9709/98 o referendo se destina a casos de acentuada

relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. Da mesma forma

como ocorre com o plebiscito, o instituto do referendo não pode se prestar para decisão

de qualquer situação já que uma das funções do sistema semidireto (de regra

representativo, como visto anteriormente) é eleger representantes para isso, não

havendo razão para que os representados se manifestem a todo o momento na criação

de novas leis.

Como questões de alta relevância, passíveis de referendo, podem ser citadas as

seguintes:

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a) questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do

Poder Executivo (artigo 3º da Lei 9709/98);

b) questões de competência dos Estados e do Distrito Federal (artigo 6º, Lei

7909/98);

c) questões de competência dos Municípios (artigo 6º, Lei 7909/98).

Vale observar que a consulta vincula o Poder Legislativo e o Poder Executivo,

conforme o caso. “Os Poderes constituídos ficam legalmente inibidos de produzir leis ou

atos administrativos em sentido contrário ao das respostas majoritárias do

eleitorado” (SILVA, 1996, p. 67).

5.2.4.1. Questões de relevância nacional de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo

Se o caso é de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do

Poder Executivo, o referendo é convocado mediante decreto legislativo por proposta de

um terço, no mínimo, dos membros que compõem quaisquer das Casas do Congresso

Nacional. A tramitação do projeto de referendo está atrelada às normas do Regimento

Comum do Congresso Nacional, segundo disposição da Lei 9709/98, de acordo com o

seu artigo 12.

Mesmo que a matéria seja de competência do Poder Executivo, é da

competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar o referendo, consoante se

45

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extrai do artigo 49, XV da Constituição Federal35. Dias (2001) critica a regra legal acerca

da competência de o Congresso Nacional autorizar o referendo nesses casos:

[...] aqui, em nossa opinião, equivocou-se o legislador ao estabelecer que o referendo, assim como o plebiscito, será convocado mediante decreto legislativo, por iniciativa de 1/3 dos membros de qualquer das Casas do Parlamento (art. 3º da L. 9.709/98). Isso porque, repita-se, o referendo se presta a contrastar qualquer ato governamental e não só atos legislativos; por isso, não só os Parlamentares deveriam ter legitimidade para propô-lo, mas sim aquele órgão do qual emana o ato, bem como o povo, através do instrumento da iniciativa popular. (DIAS, 2001, p. 6).36

De qualquer sorte, como questões de relevância nacional, de competência do

Poder Legislativo, poder-se-iam citar, a título de exemplo, além das competências

previstas no Capítulo I do Título IV da Constituição Federal, quaisquer daquelas que

resultem em emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, decretos

legislativos e resoluções do Congresso Nacional. Claro que não se deve olvidar que,

para que o povo seja consultado, deve ser expedido decreto legislativo por proposta de

um terço, no mínimo, dos membros que compõem quaisquer das Casas do Congresso

Nacional, já que competência privativa deste.

Questões de competência do Executivo são aquelas, dentre outras, arroladas no

Capítulo II do Título IV da Constituição Federal. Some-se a estas aquelas que resultem

em Medidas Provisórias ou Leis Delegadas.

De notar, a despeito do que se exemplificou acima, que o ordenamento brasileiro

deixa vasto campo para a aplicação do instituto, não havendo vedação explícita em

35 Em relação à legislação italiana, RUFFIA (1984, p. 376) traz notícia de que: “A lei de 25 de maio de 1970, n. 352, estabeleceu que, sobre as folhas destinadas a coletar 500.000 assinaturas, sejam indicadas, de modo claro, as disposições legislativas que se pretendem ab-rogar”. Eis um exemplo de pedido de referendo por meio de abaixo-assinado, ocorrente na Itália.36 Ruffia (1984) traz exemplo da Constituição de 1958 da França, em que o Presidente da República poderia recorrer ao referendo, com grande discricionariedade. Segundo o autor, ainda, na Constituição da Itália o Presidente da República deve convocar o referendo “a pedido de 500.000 eleitores (inscritos em listas para a eleição da Câmara dos Deputados) ou de 5 Conselhos regionais” (RUFFIA, 1984, p. 376).

46

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relação a certas matérias37. O critério, no entanto, é que a matéria deve se relacionar

diretamente com a consulta popular.

Aprovado o ato que autoriza o referendo, reza o artigo 8º da Lei 9709/98, o

Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a quem incumbirá,

nos limites de sua circunscrição, fixar a data da consulta popular, tornar pública a

cédula respectiva, expedir instruções para a realização do referendo e assegurar a

gratuidade nos meios de comunicação de massa concessionários de serviço público,

aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em

torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema

sob consulta.

O referendo, segundo o artigo 10 da Lei 9709/98, é considerado aprovado ou

rejeitado por maioria simples38, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal

Superior Eleitoral.

Observação a ser feita é que o ato legislativo ou administrativo, para ser objeto

de referendo, deve se relacionar de maneira direta com a consulta popular, segundo a

dicção do artigo 11 da Lei 9709/98. Isso se deve ao fato de que, segundo RUFFIA

(1984, p. 371):

[...] se tem ressaltado como o corpo eleitoral, ainda que idôneo para escolher determinadas pessoas, dificilmente é capaz de decidir de modo direto questões complexas (e, com efeito, em todas as partes lhe são subtraídas certas matérias), tanto mais quando não há possibilidade de debate sobre os artigos ou pontos controvertidos, mas só a lacônica expressão de um voto geral, positivo ou negativo.

37 Ao contrário do que prevê o ordenamento italiano, o qual, segundo Ruffia (1984), veda expressamente o referendo em relação a certas matérias, como a tributária, a orçamentária, os temas relativos à anistia e ao indulto e a autorização de ratificação dos tratados internacionais.38 Verifica-se que na Itália, para a aprovação do referendo, são exigidos a maioria dos votos válidos: “Como garantia da certeza que a maioria dos cidadãos deseja, efetivamente, a ab-rogação da norma em questão, exige para um resultado positivo do referendum, que nele participem a maioria dos eleitores (que elegem a Câmara dos Deputados) e que consiga a maioria dos votos válidos (não se considerando as cédulas nulas ou em branco).” (RUFFIA, 1984, p. 376).

47

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No Brasil não há um órgão explicitamente autorizado a verificar se o ato passível

de referendo se relaciona de alguma forma com a consulta popular39. Quanto à Justiça

Eleitoral, a disposição do artigo 8° da Lei 9709/98 determina que a mesma apenas

viabilizará o processo de aferição da vontade popular. De qualquer sorte, acaso o

Congresso Nacional autorize referendo eventualmente descabido, é possível a revisão

do ato pelo Poder Judiciário, em face do que preceitua o artigo 5°, XXXV40.

5.2.4.1.1. Prazo

Por ser posterior a ato legislativo ou administrativo, reza o artigo 11 da lei

9709/98 que o referendo pode ser convocado no prazo de 30 dias41, a partir da

promulgação de lei ou adoção de medida administrativa. Questão que surge é aquela

atinente ao referendo convocado em prazo posterior a 30 dias da promulgação da lei ou

adoção da medida administrativa. Os defensores dessa possibilidade poderão referir

que o legislador, ao utilizar-se do vocábulo pode, estaria conferindo uma faculdade

39 RUFFIA (1984, p. 376), ao referir-se ao ordenamento italiano, ensina que “[...] o art. 2° da Lei Const. de 11 de março de 1953, n. 1, tem estatuído que compete ao Tribunal Constitucional julgar se os pedidos de referendum sejam, ou não, admissíveis, antes que o Presidente da República convoque o referendum”. 40 “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, Constituição Federal, art. 5°, XXXV).41 Em Ruffia (1984, p 375) verifica-se que na Itália “O pedido de indicação do referendum deve ser apresentado dentro de 3 meses da publicação à Secretaria do Tribunal de Cassação”. O autor refere-se, à Lei n. 352 de 25 de maio de 1970.

48

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quanto à observação do prazo. Entretanto, a tese que parece melhor atender à regra

legal é aquela que se coaduna com a observação do prazo de 30 dias. Não haveria

razão para o legislador explicitar um prazo em número de dias e ao mesmo tempo

referir que a observância desse lapso é opcional. “As expressões do Direito

interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos

supérfluos, ociosos, inúteis” (MAXIMILIANO, 1996, p. 250).

É de notar, no entanto que há ordenamentos que permitem a realização de

referendo a qualquer tempo, observadas algumas particularidades.

Ruffia (1984) esclarece que na Itália se o resultado do referendo ab-rogatório for

negativo, não poderá haver consulta análoga no prazo de 5 anos. É que naquele país o

referendo pode ser solicitado a qualquer tempo pelo próprio eleitorado, a exemplo da

iniciativa popular brasileira, conforme se verá mais adiante. O referendo no Brasil pode

ser autorizado no prazo fatal de 30 dias, não havendo que se falar em consulta

posterior. Ultrapassado o prazo de 30 dias, portanto, não haverá chance de os

representados se manifestarem pela via do referendo.

5.2.4.1.2. Limites temporais

O referendo, no ordenamento brasileiro, pode ser autorizado a qualquer tempo,

desde que respeitado o prazo de 30 dias após a promulgação da lei ou adoção da

respectiva medida administrativa. Não possui, portanto, limitação quanto ao momento

para a sua autorização42, à exceção do trintídio legal. Isso tem relevância prática na

observação de que o Poder Executivo, por exemplo, se alguma limitação houvesse ao

referendo em relação ao momento do ato expedido, poderia escolher melhor 42 Diferentemente ocorre na Itália: “Não pode ser apresentado, por outro lado, nenhum pedido de referendum no ano anterior da dissolução de uma das 2 Câmaras ou 6 meses sucessivos da data de convocação dos comícios eleitorais para a eleição de uma das Câmaras. Além do mais, os pedidos devem ser depositados em cada ano de 1° de janeiro a 30 de setembro”. (RUFFIA, 1984, p. 376).

49

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oportunidade para tomar determinada medida, de molde a evitar qualquer tentativa de

submeter a sua decisão ao crivo do eleitorado.

5.2.4.1.3. Efeitos da rejeição do ato submetido a referendo

Se o ato é expedido pelo Congresso Nacional ou Poder Executivo, pode ocorrer

que, por disposição expressa, fique este aguardando a manifestação da população para

que lhe seja conferida a respectiva eficácia (referendo constitutivo). Nesse caso, o

próprio ato prevê a geração de eventuais efeitos somente após a consulta da

população. Se o decreto legislativo que autoriza o referendo não é emitido no prazo, ou

se, emitido este, a população emite manifestação desfavorável ao ato que lhe foi

submetido à consulta, este sequer passará a gerar efeitos. Se a manifestação é

favorável, o ato gerará eficácia após a homologação do resultado pelo Tribunal Superior

Eleitoral.

O problema reside no referendo de eficácia ab-rogatória, tanto quanto aos atos

do Poder Legislativo como aos atos do Poder Executivo.

Não há, na legislação constitucional ou infraconstitucional brasileira, menção

expressa quanto aos efeitos da rejeição do ato submetido ao referendo ab-rogatório.

Para o plebiscito, não haveria problemas, já que neste último caso o projeto legislativo

ou medida administrativa não efetivada, cujas matérias constituam objeto da consulta

popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado.

Em decorrência disso, o projeto ou medida nem passarão a gerar efeitos, aguardando a

direção a ser seguida após o resultado da consulta43. Ocorre que não é caso de aplicar

tal disposição também ao instituto do referendo de eficácia ab-rogatória. Este

pressupõe a existência de ato administrativo ou legislativo pronto e acabado. Tendo em

vista que de acordo com o artigo 11 da Lei 9709/98 o referendo pode ser convocado no

prazo de 30 dias, não há também que se falar em negativa de vigência ou validade ao

ato a ser submetido ao crivo do eleitorado. Até mesmo porque, como visto, o ato poderá

não ser submetido a consulta pois o Congresso Nacional poderá ou não consultar a 43 Em semelhança com o referendo de eficácia constitutiva.

50

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população. Tudo depende da sua vontade política. O ato, assim, não pode ficar no

aguardo de uma eventual convocação, para só após gerar seus respectivos efeitos.

Então, que efeitos gerariam uma rejeição da população ao ato que lhe foi

submetido à consulta?

RUFFIA (1984, p. 376) ensina que:

A ab-rogação realizada com o referendum produz efeitos em tudo semelhantes à efetivada com outra lei (e por isso, tais efeitos correrão só ex nunc, sem nenhuma retroatividade, como deveria ocorrer se o referendum ab-rogatório assumisse a natureza de uma autêntica anulação da norma vigente).

De fato, se o legislador infraconstitucional e regulador do referendo não

determina que o ato tenha seus efeitos sustados e reste aguardando 30 dias (que é o

prazo para convocação de eventual referendo), prevalece o princípio da auto-

executoriedade dos atos administrativos44 e a possibilidade de a lei ter vigência

imediata45.

5.2.4.1.4. Competência para ab-rogação da norma

Quanto ao referendo ab-rogatório, se o eleitorado votou favoravelmente à

permanência do ato que lhe foi submetido, a homologação do resultado pelo Tribunal

Superior Eleitoral termina o processo de consulta, não havendo qualquer alteração no

ordenamento jurídico.

44 “A auto-executoriedade consiste na possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem jurídica”. (MEIRELLES, 1996, p. 144).45 “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. (Decreto Lei 4657/42, art. 1°).

51

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De outro lado, se o referendo adotou caminho que determina a ab-rogação de

norma já existente é o Congresso Nacional ou o Poder Executivo quem deve extirpá-la

do ordenamento, conforme a competência em relação à expedição do ato.

5.2.4.2. Questões de competência dos Estados e do Distrito Federal

O artigo 6° da Lei 9709/98 define que, nas questões de competência dos

Estados e do Distrito Federal, o referendo deve ser convocado de conformidade com a

respectiva Constituição Estadual.

5.2.4.3. Questões de competência dos Municípios

O artigo 6° da Lei 9709/98 define que, nas questões de competência dos

Municípios, o referendo deve ser convocado de conformidade com a respectiva Lei

Orgânica.

5.2.5. Crítica ao referendo

Muito embora FERREIRA (1998) se limite a criticar a aplicação apenas do

plebiscito nos países em crise, a sua crítica parece caber também ao referendo já que a

aprovação ou rejeição de temas de acentuada relevância exigem preparo igual ou

maior do que aquele atinente ao plebiscito46.

5.3. Iniciativa popular

A iniciativa popular, segundo FERREIRA FILHO (1995, p. 82) “consiste no poder

conferido a parcela do eleitorado para propor direito novo (para apresentar projeto de

46 “O plebiscito é de certa forma uma ameaça para o Estado Democrático de Direito em um país onde impera a crise, como é o Brasil, em que a propaganda política é dominada pela mídia eletrônica, em poder de autênticos monopólios de fato. O plebiscito sempre foi uma arma perigosa nas mãos do Estado autoritário nas épocas de Hitler e Mussolini, que conseguiram cerca de 90% de aprovação eleitoral. É menos perigoso à democracia avançada e consciente, porém uma ameaça mortal à liberdade do povo nas falsas democracias dos países de economia dominada (FERREIRA, 1998, p. 586).

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lei)”. O autor noticia que para alguns doutrinadores os interesses de participação

legislativa são melhor atendidos através da iniciativa popular tendo em vista a

orientação governamental advinda primeiramente dos representados, ao contrário do

plebiscito e do referendo. Nestes, os representados recebem matéria pronta, cabendo-

lhes aceitá-la ou não. RUFFIA (1984, p. 372) ensina que “a iniciativa popular consiste

na atribuição de poder de iniciar o processo de revisão constitucional[47] ou de formação

da lei formal a uma determinada fração do corpo eleitoral”. BASTOS (1998, p. 273) traz

que a iniciativa popular “é o direito de uma parcela da população (um por cento do

eleitorado) apresentar ao Poder Legislativo um projeto de lei que deverá ser examinado

e votado)”.

A iniciativa popular, na Constituição da República Federativa do Brasil, está

prevista nos artigos 27, § 4°, 29, XIII, 61, caput e § 2°:

Art. 27 - O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.§ 4° - A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual.

Art. 29 - O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado.

Art. 61 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento

47 A Constituição da República Federativa do Brasil não conhece a figura da iniciativa popular para início do processo de revisão constitucional. A este respeito, ver artigo 61 da Constituição Brasileira.

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do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

5.3.1. Natureza jurídica da iniciativa popular

Ruffia (1984) classifica a iniciativa popular como função pública48 e expressão de

autogoverno49.

5.3.2. Procedimento da iniciativa popular

De acordo com a lei 9709/98 a iniciativa popular consiste na apresentação de

projeto de lei à Câmara dos Deputados. Quanto ao número de assinaturas que deve

conter o projeto a lei infraconstitucional repete a Constituição Federal. O que não está

na Constituição é que o projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um

só assunto – é a dicção do parágrafo primeiro do artigo 13 da Lei 9709/98. Tendo em

vista a origem de tal projeto (a massa eleitora), o legislador previu que não poderá

haver qualquer rejeição por vício de forma. Nesse caso, cabe à Câmara dos

Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais

impropriedades de técnica legislativa ou de redação. Corrigido o projeto, o mesmo

seguirá as normas do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Ruffia (1984) observa que, em alguns ordenamentos, o projeto de lei de iniciativa

popular rejeitado pelas Câmaras deve ser submetido a referendo50.

48 Mas não estatal.49 Assim como o faz em relação ao plebiscito e ao referendo (a este respeito ver o que foi escrito a respeito no tópico destinado ao plebiscito).50 Não é o caso do Brasil, cujo ordenamento não prevê tal hipótese.

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No que concerne à determinação legal de que a iniciativa popular cinge-se à

apresentação de projetos de lei (artigo 13 da Lei 9709/98) é importante lembrar

distinção que Ruffia (1984) fez quanto ao conteúdo dos instrumentos a serem

apresentados à Câmara. Segundo o autor a iniciativa se distinguiria em formulada e

simples. Consistiria esta em um documento51 através do qual se pediria à Câmara a

aprovação de lei com o conteúdo apresentado (um mero texto apresentando ao corpo

legislativo o fim a ser buscado pela lei pretendida). Já a iniciativa formulada seria

aquela consistente de um projeto de lei pronto (desencadeado nos respectivos

artigos)52. Aplicando a classificação de Ruffia (1984) ao ordenamento jurídico brasileiro,

poder-se-ia constatar, em um primeiro momento, que este só autoriza a iniciativa

formulada, já que o artigo 13, § 1° da lei 9709/98 se refere a “projeto de lei”. No entanto,

em vista do que preceitua o § 2° do mesmo artigo, a iniciativa simples também estaria

contemplada, já que nenhum projeto de lei de iniciativa popular pode ser rejeitado por

vício de forma. Em outras palavras, qualquer manifestação do eleitorado, no sentido da

propositura de direito novo, se atendidos os requisitos atinentes ao número de

subscrições bem como a respectiva abrangência territorial legalmente exigida é

passível de apreciação pela Câmara dos Deputados, devendo esta corrigir eventuais

imperfeições, que incluiriam mesmo ausência de artigos, caso este que se configuraria

em vício de forma.

5.3.3. Âmbito de abrangência da iniciativa popular

A iniciativa popular está restrita à apresentação de projetos de leis

complementares e ordinárias, consoante disposição expressa do artigo 61 da

Constituição Federal53. O instituto não se presta, portanto, para a apresentação de

51 O autor fala em moção.52 Segundo RUFFIA (1984, p. 372): “Na Itália foi acolhida a iniciativa popular formulada (seja legislativa como constitucional), no sentido do que a Const. (art. 71) autoriza a apresentação por 50.000 eleitores de um projeto de lei ‘redigido em artigos’”.53 Art. 61. “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribuanis Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta

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projetos de Emenda Constitucional54, decretos legislativos ou resoluções (na esteira do

rol atinente ao processo legislativo previsto na Constituição Federal, artigo 5955). Com

muito mais razão não cabe apresentação de projeto por iniciativa popular para fins de

medida provisória e leis delegadas, já que estas são elaboradas exclusivamente pelo

Presidente da República56.

Não restam dúvidas, a partir da dicção do artigo 13 da Lei 9709/98, que é a

Câmara dos Deputados quem deve conferir se o número de assinaturas do projeto de

lei preenche o requisito legal.

5.3.4. Insuficiência do número de assinaturas e reapresentação do projeto

Outra lacuna legal refere-se ao caso de o projeto de lei conter menos assinaturas

do que o necessário. Resta claro que o mesmo não preenche os requisitos

indispensáveis ao seu prosseguimento. No entanto tortuosa é a opção entre a

devolução do projeto ao eleitorado para a complementação das assinaturas faltantes e

o simples arquivamento do projeto, de modo a obrigar a população, desejosa a ver as

suas idéias apreciadas, ter que colher de novo todas as assinaturas até alcançar o

necessário exigido.

Argumento a defender a primeira hipótese residiria no fato de que a mera

irregularidade é passível de ser sanada, bastando a colheita de assinaturas, talvez

poucas, de modo a completar o número necessário.

Constituição”.54 Ruffia (1984) traz exemplo da ordenação federal norte-americana, em que a iniciativa popular só é acolhida em matéria constitucional.55 Art. 59. “O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII – resuluções”.56 Consoante o artigo 62 da Constituição Federal “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”. O artigo 68 da Constituição reza que “As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional”.

56

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Já argumento a favor da segunda hipótese poderia abordar o fato de que as

pessoas que teriam assinado o projeto de lei em um primeiro momento já não o

assinariam mais em um segundo instante, em face de mudanças sociais, políticas ou

outras de enumeração desnecessária.

Independentemente da adoção de uma das duas hipóteses anteriores poder-se-

ia dizer ainda que a apresentação de um novo projeto, já que o anterior fora rejeitado,

só poderia ocorrer na sessão legislativa seguinte, a não ser que houvesse proposta da

maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional, em

convergência com o estipulado pelo artigo 67 da Constituição da República Federativa

do Brasil57.

5.3.5. Disposição das assinaturas no projeto de molde a garantir a sua legitimidade

Questão que traz dúvida, em decorrência do branco legal é aquela concernente

ao colhimento das assinaturas do eleitorado que pretende a renovação do

ordenamento. Como dispor as assinaturas em um único documento, tendo em vista o

grande número necessário para a apresentação do projeto que deve abranger 1% do

eleitorado nacional? Suponha-se a seguinte hipótese: o eleitor se depara com

determinado texto que seria o futuro projeto de lei. A primeira folha contém o aludido

texto. As demais folhas são destinadas ao colhimento das assinaturas, contendo

apenas espaços em branco para as respectivas firmas. Como dito, a lei não prevê a

hipótese o que em tese resultaria na sua possibilidade58. Ocorre que o abaixo-assinado

que segue tais moldes não parece estar apto à apreciação pela Câmara. É que no caso

não existem garantias de que o eleitorado que assinou as folhas anexadas ao texto por

mero grampo tenha lido o seu teor. De outro lado, fácil é a juntada de uma lista de

assinaturas a um texto desconhecido pelos respectivos firmatários. Nesse caso, o

57 Reza o artigo 67 da Constituição da República Federativa do Brasil: “A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional”.58 Em decorrência do princípio da legalidade insculpido no artigo 5°, II da Constituição da República Federativa do Brasil.

57

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perigo de vício de consentimento aconselha a inaceitabilidade do projeto sob pena de

restar duvidosa tanto a sua legitimidade como o real conhecimento do texto por parte

dos representados. Ruffia (1984, p. 373) exemplifica solução dada pela legislação

italiana de 197059, por meio da qual estabeleceu-se que “[...] as várias folhas de papel

contendo as assinaturas devem reproduzir impresso o texto desse projeto”. Assim, seria

razoável, mesmo inexistindo previsão legal a respeito, a negativa de aceitação, por

parte da Câmara, de um projeto de lei que não tivesse robusta garantia de que o

eleitorado que o assinou apropriou-se do seu teor antes de firmá-lo60.

Quanto à autenticação das firmas a lei brasileira não exige tal formalidade61.

5.3.6. Casos de iniciativa popular no Brasil em relação a lei nacional

A iniciativa popular no Brasil teve o primeiro projeto aprovado pelo Senado

Federal em 23/05/05. O Projeto de Lei 2710/92, que tramitava há 14 anos no

Congresso, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS),

regulamenta o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), autoriza o

Executivo a criar o fundo, o seu comitê gestor e moderniza o sistema habitacional

brasileiro de baixa renda. O texto do projeto de lei, atualizado com o substitutivo

00036/2004, prevê que as verbas destinadas a programas habitacionais para a

população carente sejam remanejadas dos recursos do Fundo de Amparo ao

Trabalhador (FAT) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para o novo

sistema.

5.3.7. A iniciativa popular nos Estados

59 Lei n° 352, de 25 de maio de 1970.60 Ruffia (1984), ao tratar do referendo, dá exemplo da lei italiana n. 352, de 25 de maio de 1970, a qual estabelece que as folhas destinadas à colheita de assinaturas devem conter, claramente, as disposições legislativas a serem ab-rogadas. O referendo no Brasil, como visto, não adota forma de abaixo-assinado. No entanto, o exemplo é aqui trazido em decorrência da similaridade do processo de verificação da vontade popular italiana no referendo daquele país com o processo de verificação da respectiva vontade na iniciativa popular brasileira.61 Ruffia (1984) traz exemplo de legislação italiana que exige autenticação das firmas dos 500.000 eleitores necessários para a aprovação ou rejeição de determinada consulta em referendo.

58

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A iniciativa popular no processo legislativo estadual é matéria de regulamentação

infraconstitucional, segundo o que dispõe o artigo 27, § 4° da Constituição Federal.

Moraes (2003) defende que é a respectiva Constituição Estadual que deve prever a

iniciativa popular de lei estadual. Decorre disso a variedade de critérios que cada

Estado poderá adotar para o exercício do mecanismo. Observa-se em MORAES (2003,

p. 533):Assim, por exemplo, a Constituição do Estado de São Paulo admite a possibilidade de sua alteração por proposta de cidadãos, mediante iniciativa popular assinada, no mínimo, por 1% dos eleitores. Igualmente, a Constituição do Estado da Bahia permite a iniciativa popular para propositura de emenda constitucional, ao prever no artigo 31 que “O controle dos atos administrativos será exercido pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e pela sociedade civil, na forma da lei e através de iniciativa popular de projeto de emenda a esta Constituição e de projeto de lei estadual62.

6. OUTROS INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR

Além dos instrumentos de participação popular até agora vistos, passíveis de

registro são os seguintes, de nome consagrado, dos quais o segundo é conhecido do

ordenamento jurídico brasileiro: o recall e o orçamento participativo.

Embora tais institutos não se prestem a exercer influência no processo

legislativo, uma breve análise dos mesmos pode fornecer elementos valiosos, já que a

participação popular no processo legislativo se vale de conceito similar – o exercício

direto do poder por meio dos representados.

6.1 RECALL

O recall não é previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Segundo Silva (1996)

o instrumento é escandinavo e norte-americano. O recall possibilita ao eleitor cassar o

representante que não cumpriu com promessas de campanha ou plataforma eleitoral.

62 Note-se que no Estado da Bahia é possível a iniciativa popular para a propositura de Emenda Constitucional ao contrário do que ocorre em nível nacional.

59

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O instituto também se presta para outros fins, ainda segundo SILVA (1996, p.

67): “Nos Estados Unidos, ele é extensivo aos xerifes dos Condados, que

correspondem aos Prefeitos dos municípios brasileiros”.

No Brasil o representante eleito não está obrigado a cumprir promessas de

campanha, embora a observância das mesmas possa lhe garantir a reeleição. A

cassação do mandato se dá por motivos outros, tais como crime de responsabilidade.

6.2. Orçamento participativo

O denominado Orçamento Participativo se constitui em ferramenta através da

qual a população define o destino das verbas a serem aplicadas pelo Poder Executivo.

“É a gestão pública com participação da população” (PONT, 2003, p. 21). Segundo

Mahfus (2000, p. 2): Caracterizar o Orçamento Participativo é dar a ele uma conotação de poder as associações comunitárias e os diferentes setores sociais que estão de uma forma ou de outra, nas estruturas decisórias da cidade. O grande sucesso do Orçamento Participativo, é a introdução de uma fórmula mediadora de democracia diretas e representativa, em que há efetivamente a participação popular e principalmente o cidadão entende que aquilo que foi aprovado será realizado.

Pont (2003), um dos aplicadores do mecanismo63, justifica a utilidade do

Orçamento Participativo no fato de que a Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 a despeito de ter previsto institutos de soberania popular os manteve

tímidos em sua aplicação. Daí ser tal mecanismo, segundo o autor, outro instrumento

de referida soberania já que permitiria à população decisões diretas sobre o futuro do

município, já que o Estado é “tradicionalmente afastado e refratário a participação e ao

63 O autor foi prefeito do Município de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no período de 1997 a 2000, sendo um dos executores do Orçamento Participativo.

60

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controle popular” (PONT, 2003, p. 27)64. O modelo, portanto, seria uma reação ao

modelo representativo vigente, o qual, segundo o autor, estaria a proporcionar

exagerada autonomia do eleito frente à delegação popular que lhe fora deferida.

7. CONCLUSÃO

A delegação do poder pelo cidadão, se de um lado permite uma maior dinâmica

na evolução do direito e na governabilidade do Estado em que vive, de outro distancia o

representado de decisões das quais, se consultado, discordaria , optando por caminho

diverso. Diante de tal quadro, a democracia indireta viu-se amenizada no sentido de

permitir ao cidadão o acesso à tomada de algumas decisões, mesmo após a escolha do

respectivo representante.

O Brasil possui mecanismos de participação direta tanto para a iniciativa na

criação de direito novo, como para ratificá-lo ou até mesmo autorizar a sua criação. A

iniciativa popular, o referendo e o plebiscito, portanto, devem ser manejados de forma

adequada, pois, como se viu, o que inicialmente foi feito para possibilitar a fiscalização

de certos atos dos escolhidos, por parte dos representados, pode se transformar em

instrumento de ratificação de atos contrários à vontade cidadã. Isso se dá, como se viu,

em países onde impera a crise, de um lado, e o domínio da mídia eletrônica, de outro.

Talvez seja esse o motivo pelo qual o referendo e o plebiscito devam ser

convocados, no Brasil, exclusivamente pelo Congresso Nacional. Presume-se, por

64 O autor ainda fala em sua obra, em tom inflamado, que: “O destaque e o acompanhamento de nossa experiência têm despertado a atenção de sociólogos, parlamentos, governantes, movimentos sociais e publicações de outros Estados e, principalmente, de países do resto da América e Europa, porque compreenderam que essa prática retoma uma das questões mais caras e expressivas da democracia representativa nos últimos 150 anos, que é como dar substância, legitimidade e vida ao princípio da soberania popular sem o risco de que a delegação de poder se transforme – como vem ocorrendo neste século na maioria dos casos – em simulacro da representação, fraude da cidadania plena ou burocratização dos processos decisóriso” (PONT, 2003, p. 30).

61

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enquanto, que os integrantes do Congresso estejam mais preparados a autorizar a

consulta plebiscitária ou convocar o referendo. Quanto às leis de iniciativa popular,

estas também devem passar pelo crivo dos representantes escolhidos pelo eleito.

A democracia vigente no Brasil, portanto, ainda não permite a criação, ratificação

ou autorização para a criação do direito novo por vontade única do representado. A

democracia semidireta brasileira permite, apenas, tímida participação popular nas

tarefas de competência dos representados.

Doravante, se prevalecer o regime democrático no Brasil, o mundo digital,

provavelmente, abrirá, com as reservadas constitucionais, as portas do processo

legislativo aos cidadãos, com a finalidade de co-participação direta nos processos de

elaboração, escollha e votação de matérias infraconstitucionais, que se encontram nas

Casas Legislativas, inerentes aos municípios, aos estados e à União. Essa visão já

está embasada e paira na realização do Plano de Orçamento Participativo, cuja

votação dada pela população define o destino das verbas a serem aplicadas pelo Poder

Executivo em obras prioritárias da cidade, e, é importante ressaltar que, o cidadão já

participa dessa processo decisório através do voto virtual pelo o seu computador.

62

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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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