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1 Pontifícia Universidade Católica PUC-SP Faculdade de Teologia Túlio Felipe de Paiva A Parresía Paulina e suas perspectivas: Uma análise bíblico-teológica a partir de Ef 6,18-20 Mestrado em Teologia São Paulo 2018

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1

Pontifícia Universidade Católica

PUC-SP

Faculdade de Teologia

Túlio Felipe de Paiva

A Parresía Paulina e suas perspectivas:

Uma análise bíblico-teológica a partir de Ef 6,18-20

Mestrado em Teologia

São Paulo

2018

2

Pontifícia Universidade Católica

PUC-SP

Faculdade de Teologia

Túlio Felipe de Paiva

A Parresía Paulina e suas perspectivas:

Uma análise bíblico-teológica a partir de Ef 6,18-20

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção de título de Mestre

em Teologia Sistemática com concentração na área

Bíblica, sob a orientação do Prof. Dr. Boris Agustín

Nef Ulloa.

Mestrado em Teologia

São Paulo

2018

3

Banca Examinadora

____________________________

____________________________

____________________________

4

Só em Deus e só a partir Dele é que o homem conhece

verdadeiramente o homem. Um conhecer-se que confina o

homem ao que é empírico e inteligível não encontra de

modo algum a profundidade própria do homem. O homem

só se conhece a si mesmo se aprende a compreender-se a

partir de Deus e só conhece o outro se vir nele o mistério

de Deus.

Bento XVI

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus que, na sua bondade imensa, me concedeu o dom da

vida e me fez participante da sua Igreja por meio do batismo.

Agradeço também a Deus por fazer parte do Caminho Neocatecumenal e através deste,

poder redescobrir as belezas do batismo, assim como minha vocação ao presbiterato. Sempre

serei agradecido a Deus por meus catequistas e pelas minhas comunidades de Assis e de São

Paulo.

Meus agradecimentos também se voltam ao Pe. Kico Vitta, Reitor do Seminário

Redemptoris Mater de São Paulo, que na sua missão não somente me indicou o tema a ser

pesquisado nesta dissertação, como também foi um modelo de uma pessoa que possui a

parresía e que faz desta um instrumento para seu trabalho missionário.

Sou grato ao Prof. Dr. Boris Agustín Nef Ulloa, que através de sua paciência e

generosa sabedoria, tanto me auxiliou na elaboração deste trabalho. Igualmente ofereço meus

agradecimentos ao Prof. Dr. Gilvan Leite de Araújo e ao Prof. Dr. Jean Richard Lopes, que

muito contribuíram compondo a banca.

À Arquidiocese de São Paulo, na pessoa de D. Odilo Pedro Scherer, ofereço os meus

sinceros agradecimentos por me oferecer a bolsa, através da Fundação São Paulo, para a

conclusão do curso de mestrado.

Agradeço também aos meus amigos seminaristas do Seminário Redemptoris Mater de

São Paulo, que me auxiliaram nas correções desta dissertação.

Meus agradecimentos também aos fiéis e ao Pároco Pe. José Antonio Tejada, da

Paróquia Santa Bernadette, onde atualmente exerço meu ministério, que com suas orações me

encorajaram no seguimento desta pesquisa.

Por fim, rendo um agradecimento especial aos meus familiares, de modo especial

aos meus pais, que me permitiram o dom da vida e me transmitiram o dom mais precioso

que podiam me entregar, a fé.

6

RESUMO

DE PAIVA, Túlio Felipe. A Parresía Paulina e suas pespectivas: uma análise bíblico-

teológica a partir de Ef 6,18-20.

O presente trabalho visa apresentar a análise feita sobre a parresía, ou

linguagem franca a partir de Ef 6,18-20. A pesquisa aborda num primeiro plano

as primeiras ocorrências do termo, no mundo greco-romano, e qual era a

compreensão acerca do tema e quais as finalidades que possuía. Uma vez que

Paulo estava inserido neste mesmo período histórico, se analisa, num breve

esboço, a presença da parresía na vida do Apóstolo.

Por conseguinte, apresenta-se uma análise exegética da perícope escolhida (Ef

6,18-20), e a partir desta discorre-se a respeito da presença da parresía em

Paulo.

Por fim, com base nos resultados dos tópicos anteriores, analisa-se as relações

da parresía com o Espírito, com o discipulado cristão e com a Igreja, enquanto

Corpo de Cristo.

Palavras-chave: Parresía; linguagem franca; Paulo; Efésios.

7

ABSTRACT

DE PAIVA, Túlio Felipe. The Pauline Parrhesia and your perspectives: a

biblical-teological analyses from Eph 6:18-20.

The following work presents the analyses made about the parrhesia, or free

speech, from Eph 6:18-20. The research speaks in a first plan the very first

events of this term, that occurred in the roman-greek world, which was the

understanding about the subject and what were your purposes. Once Paul was

inserted in this same historical period, it analyses, in a brief outline, the presence

of parrhesia in the Apostle´s life.

Therefore, it is presented an exergetic analysis of the pericope chosen (Eph 6:18-

20), and from this discourse about the presence of the parrhesia in Paul.

Lastly, based on the previous topics, it analyzes the relationships of the

parrhesia with the Spirit, the christian discipleship and the Church, as the Body

of Christ.

Key-words: Parrhesia; free speech; Paul; Ephesians

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 9

CAPÍTULO PRIMEIRO - A PARRESÍA NO MUNDO GRECO-ROMANO ...............................12

1. Questões introdutórias………………………………………………………………… 12

1.1 Os primeiros usos do termo Parresía…………………………………………………..13

1.2 O ethos parresiástico……………………………………………………………….......22

1.3 Paulo: O Apóstolo Parresiástico…………...…………………………………………..25

1.3.1 Paulo de Tarso?..................................................................................................26

1.3.2 Paulo: um fariseu………………………………………………………………29

1.3.3 A conversão: de perseguidor a seguidor…………………………………….…31

1.3.4 Um verdadeiro parresiastes………………………………………………...…33

CAPÍTULO SEGUNDO - ANÁLISE EXEGÉTICA DE Ef 6,18-20..........................................40

2. Autenticidade da Carta………………………………………………………………....40

2.1 Delimitação da perícope………………………………………………………………..42

2.1.1 Segmentação…………………………………………………………………...44

2.1.2 Tradução……………………………………………………………………….44

2.2 Análise morfossintática………………………………………………………………...45

2.3 Análise semântico-pragmática……..…………………………………………………..48

2.3.1 Proseuko,mai (Orar) e A,grupne,w (Vigiar)…...…………………..…………….50

2.3.2 Lo,goõ (Palavra)……………………………………………………………….53

2.3.3 Parrhsi,a (Parresía)…………………………………………………………..56

2.3.4 Gnwpi,zw (Anúncio) e Musth,rion tou Euaggeli,ou (Mistério do Evangelho).58

2.3.5 Dei/ (Necessário)……………………………………………………………….60

2.3.6 Presbeu,w (Embaixador)……………………………………………………….62

2.3.7 Pneu/ma (Espírito)……………………………………………………………...64

CAPÍTULO TERCEIRO - HERMENÊUTICA TEOLÓGICA DA PARRESÍA SEGUNDO

PAULO....................................................................................................................68

3. Questões introdutórias………………………………………………………………….68

3.1 Parresía e Pneu/ma (Espírito)……………..…………………………………………….69

3.2 Parresía e o discipulado... ……………………………………………………………..73

3.3 Parresía e Sw,ma tou/ Kristou/ (Corpo de Cristo)…….………………………………..80

CONCLUSÃO....................................................................................................................84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................86

9

INTRODUÇÃO

O termo grego parresía ocupou um papel relevante nos escritos clássicos do

período histórico greco-romano, o qual era considerado um instrumento retórico válido

para os discursos e escritos que foram elaborados naquele período. Falar ou escrever

com franqueza, permitia aos remetentes atingir o seu objetivo. Assim, a parresía,

primeiramente como um instrumento retórico, concedia aos que dela se utilizavam,

alcançar o sucesso com o seu discurso.

Deste modo, partindo desta premissa, o primeiro capítulo da presente dissertação

aborda num primeiro plano as ocorrências do termo parresía em alguns escritos do

mundo greco-romano, assim como as implicações e significados deste termo. Vários

foram os oradores e escritores que não só se utilizaram da parresía como também

descreveram acerca dela. Por este fato, serão citados apenas alguns autores que

escreveram sobre a linguagem franca.

No entanto, a parresía, já no mundo greco-romano, não era considerada apenas

um instrumento da arte retórica, senão que ela possuía um vínculo especial com o

caráter daquele que dela se utilizava. Dito de outro modo, não bastava apenas se utilizar

da parresía num discurso ou num texto, mas era necessário ter um caráter coerente com

a mesma. Essa coerência condiz justamente com o ethos de uma pessoa. Para que ela

exercesse de fato o seu papel, o orador ou escritor necessitava ser um parresiastes.

Destarte, seguindo ainda a linha do contexto histórico do mundo greco-romano, no

primeiro capítulo se verá as consequências da parresía no agir de um escritor ou orador.

Dentro desse mesmo período, viveu o Apóstolo Paulo, que com sua vida e obra,

não somente ajudou a dar forma ao kerygma cristológico, que apenas nascia, mas

contribuiu decisivamente para difundi-lo e testemunhá-lo muito além dos limites do

judaísmo sinagogal. Os meios que o Apóstolo se utilizava, para alimentar e pastorear

suas comunidades enraizadas na novidade de Cristo morto e ressuscitado, eram

justamente sua pregação e suas cartas. Assim, na vida e na obra de Paulo é possível

notar uma presença marcante da parresía. Assim sendo, pode-se conferir que na vida

deste personagem, a parresía também ocupou um lugar significativo. Para contemplar

essas características na vida do Apóstolo dos gentios, se verá algumas características de

sua vida que lhe proporcionaram possuir a parresía. Num primeiro aspecto a origem do

Apóstolo, isto é, a cidade de Tarso, que na época era um centro de cultura e de política.

10

Posteriormente o fato de que Paulo, sendo um judeu, provavelmente tenha estudado em

Jerusalém, centro religioso do Judaísmo. E por fim, outro fato abordado nesse primeiro

tópico e, por sinal, o mais importante na vida do Apóstolo, é justamente o encontro com

o Ressuscitado. Este acontecimento, que redimensionou a vida de Paulo, se torna o

fundamento de toda a sua missão evangelizadora.

Como fruto da obra missionária de Paulo, surgem as comunidades por onde o

Apóstolo passou anunciando a boa nova do Cristo. Após suas viagens, a relação dele

com ditas comunidades se deu principalmente por meio de cartas. Algumas dessas

chegaram até os nossos dias. Estas cartas compõem grande parte do cânon do Novo

Testamento. Por meio delas é possível não somente conhecer como era o cristianismo

na Igreja primitiva, as bases e os fundamentos da fé cristã, mas também descobrir a vida

e a missão do Apóstolo.

Por conseguinte, para constatar a presença da parresía nos textos de Paulo,

analisa-se a perícope de Ef 6,18-20, onde o autor da carta possui o desejo de alcançar a

parresía para levar a cabo sua missão evangelizadora. Em relação à carta aos Efésios,

na atualidade, existem controvérsias acerca da sua autenticidade. Com base nessa

característica, no decorrer do segundo capítulo destaca-se como a presença da parresía

era assaz evidente na vida de Paulo, ao ponto que seus discípulos e a escola paulina

fazem questão de sublinhar pela boca do Apóstolo o desejo ardente de possuir a

parresía. Ainda mais, nesta perícope, analisa-se alguns termos que se relacionam e

corroboram as características da linguagem franca.

O último capítulo é dedicado a uma aplicação hermenêutica da parresía em

relação com o Espírito Santo, com o discipulado e com a Igreja, enquanto Corpo de

Cristo. No primeiro capítulo nota-se que a linguagem franca é um instrumento retórico e

que serve de auxílio num discurso ou numa carta. No entanto, relacionando a parresía

com a importância da pneumatologia, se observa que muito mais do que um

instrumento ela é uma graça concedida pelo Espírito Santo, para aqueles que são

chamados a exercer o ministério da pregação na Igreja. O Espírito Santo é a força e a

verdadeira coragem que um apóstolo necessita, para proclamar com ousadia o mistério

do Evangelho.

Esta união da parresía com o Espírito forma também os discípulos de Jesus, que

tendo escutado, por meio da pregação, o anúncio do Evangelho, passam a seguir o

Cristo, como verdadeiro e único mestre. Assim, a linguagem franca se torna um

11

instrumento para suscitar na Igreja de Cristo, novos discípulos, que por sua vez, também

transmitem a mesma boa-notícia que um dia os alcançou.

Assomada, portanto, a ação do Espírito Santo com o discipulado, se dá a

edificação da Igreja. Esta analogia eclesiológica manifesta a beleza dos que foram

chamados à fé. “Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas

todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim

também acontece com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um

só corpo, judeus e gregos, escravos e livres, e todos bebemos de um só Espírito” (1Cor

12,12-13). A diversidade na unidade manifesta claramente a riqueza dos discípulos do

ressuscitado. E a citação anterior ilustra de forma clara que a Igreja é única, porém

formada de muitos membros.

No entanto, a Igreja é edificada e sustentada por meio da pregação. É o anúncio

do Evangelho de Cristo que fundamenta a Igreja. Destarte, é imprescindível que a

pregação esteja impregnada de parresía, para que se dê de modo mais perfeito a

edificação desse corpo. O anúncio do Evangelho proclamado e testemunhado feito com

ousadia, sem nenhum impedimento, torna mais eficaz o seu efeito na vida daqueles que

o escutam.

12

CAPÍTULO PRIMEIRO

A PARRESÍA NO MUNDO GRECO-ROMANO

1. Questões introdutórias

A parresía, objeto de estudos do presente texto, foi e apesar de, continua sendo,

um instrumento muito utilizado no campo da retórica que, a priori, possui o escopo de

auxiliar e apoiar quem dela se utiliza no seu discurso ou escrita. Por sua vez, além de

possuir uma característica de simples auxílio, ela ainda possibilita ao orador a

oportunidade de poder atingir com maior sucesso o objetivo de seu discurso.

Para uma melhor compreensão do termo, se buscará conferir a importância desse

mesmo termo dentro do campo linguístico, de modo especial, dentro da arte retórica,

uma vez que esse mesmo foi e ainda é, em partes, um recurso de linguagem. Dentro

desse contexto, portanto, se procurará apresentar o papel e a importância deste artifício

no período em que ele surge, isto é, no período greco-romano.

Por conseguinte, uma vez que a intenção primeira do presente trabalho é

apresentar uma análise da parresía dentro dos Escritos Paulinos, é mister, neste

primeiro tópico, fazer uma apresentação do contexto histórico do apóstolo Paulo e de

seus discípulos, e como esse tema era compreendido por aqueles do seu tempo. Ainda

que o significado do termo seja praticamente o mesmo até os nossos dias, vale analisar

como era compreendido no então chamado “mundo greco-romano”, período esse que

abarca o nascimento do cristianismo e o desenvolver das primeiras comunidades

seguidoras de Jesus Cristo.

No período em questão, particularmente na arte da retórica, a parresía possuía

um papel de grande importância, pois ela era um instrumento mais que necessário para

fazer chegar aos destinatários, sejam eles os das epístolas ou os ouvintes de um

discurso, a autenticidade do que de fato se pretendia dizer.

Se verá mais à frente outro aspecto da linguagem franca, mas por ora vale

lembrar que a parresía não possui um fim em si mesma, isto é, ela não pretende ser o

objetivo final do discurso, mas um artifício retórico, ou seja, um instrumento da oratória

para se chegar ao intuito desejado.

Por conseguinte, vale aqui apresentar o significado etimológico da palavra grega

Παρρησία (parresía 1). Essa palavra, muito utilizada no mundo greco-romano, tem por

1 Adotou-se para o presente trabalho esta forma de transcrever o termo grego Παρρησία, uma vez que não

possuímos em português a tradução exata deste vocábulo. Porém, no decorrer do texto também se referirá

13

significado mais claro a linguagem franca, a ousadia no falar e uma clareza de

linguagem. Ela, em diversos textos da época precedente, como também contemporâneos

dos textos neotestamentários, podia adquirir outros significados, inclusive até nos textos

canônicos.

O termo, com frequência, pode indicar também coragem, confiança ou destemor.

Mas, o sentido em que se pretende abordar a sua relação no presente texto, inclusive nos

Escritos Paulinos, de modo particular em Ef 6,18-20, é justamente o da linguagem

franca, como também a referência que o autor faz a algo dito com clareza e franqueza,

contrastando, assim, com declarações feitas de modo secreto ou velado.

1.1 Primeiros usos do termo Parresía

Antes de adentrar nos primeiros relatos que se tem acesso do termo parresía, é

necessário apresentar, aqui, o que se entende por mundo ou era greco-romana. Foi um

período em que surgiram grandes oradores, filósofos e escritores, como também,

momento em que ocorreu o evento que é o núcleo fundante da fé cristã, isto é, a

encarnação do Verbo de Deus e o início da sua missão neste mundo.

Desse evento, como bem se sabe, surgiram a Igreja e os apóstolos de Cristo,

entre os quais se encontra Paulo de Tarso 2. Assim, seria uma abstração apresentar e

pesquisar sobre uma pessoa e sobre sua obra sem, ao menos descrever, ainda que sejam

em pequenas “pinceladas”, sobre o período em que esse personagem viveu. O referido

período em questão, também conhecido como era helenística ou helenista,

Vai desde a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., até o final do

século I a.C., mais exatamente 31 a.C., ano em que se dá a batalha de

Áccio, vitória célebre de Octaviano, acontecimento que marca o final

da república em Roma. O mundo helenístico abarcava um imenso

espaço físico. O seu território estendia-se desde a Macedônia, no norte

da Grécia, passando por Atenas e pelo Mar Egeu, até ao longínquo

oriente junto às margens do Ganges. Foi este vasto império

transcontinental que Alexandre deixou como herança aos seus

companheiros de guerra macedônios 3.

a ela com sinônimos em português que se aproximam do significado original, como por exemplo:

linguagem franca, franqueza e ousadia. possuímos em português a tradução exata deste vocábulo. Porém,

no decorrer do texto também se referirá a ela com sinônimos em português que se aproximam do

significado original, como por exemplo: linguagem franca, franqueza e ousadia. 2 Sobre Paulo, sua figura e sua obra, se verá mais aprofundadamente no decorrer do texto.

3 SILVA, Manuel Fialho. A Parresía em Filodemo. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2009, p. 9.

Disponível em: < http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/348/1/21448_ulfl071264_tm.pdf>.

14

Na citação acima, pôde-se observar que, após a batalha de Áccio, instaura-se,

então, no mesmo território em que predominava a cultura helenista, o mundo romano.

Desse modo, há uma junção entre os dois mundos e suas culturas, e o “palco” dessa

junção é justamente o território dominado por eles. Dentro desse limite territorial,

encontra-se a região da Palestina, a assim chamada alhures Ásia Menor (que

compreende hoje o território da Turquia), juntamente com Grécia e Roma (territórios da

missão do apóstolo Paulo). Sampley, apresentando a importância de se conhecer o

mundo greco-romano, uma vez que se decide conhecer por sua vez a pessoa de Paulo,

atesta que

Sempre conhecemos e estudamos Paulo judeu, mas foi apenas nas

últimas décadas que houve um renovado interesse em situar as cartas

de Paulo no ambiente greco-romano, e esse esforço obteve uma clara

prioridade entre os modernos estudiosos de Paulo. Agora, os usos e

costumes sociais, econômicos, políticos, as convenções e os valores

sociais são um dado comum dos estudos paulinos. Também os

modelos greco-romanos de retórica têm sobressaído como uma área

importante de pesquisa 4.

Além disso, como já se observou, o mundo de Paulo foi primeiramente

influenciado pela cultura helênica e posteriormente, com a presença do Império

Romano, pela cultura deste último, embora os imperadores romanos fossem

admiradores da civilização helênica e tenham conservado muitos traços dessa cultura.

Isso gerou dentro do território em questão um centro de cultura, política, comércio e

outras características da vida pública. Não obstante a isso, a posição geográfica desse

território sempre foi de grande importância pela sua localização estratégica, seja no

campo político, como também pelo comércio. Assim sendo, o local se tornou um

receptáculo de diversas culturas e costumes. Por isso, quando se fala de mundo greco-

romano, é necessário compreender que trata-se de um mundo (território) permeado de

uma cultura ímpar, pelos diversos motivos acima elencados. Deste modo,

O mundo greco-romano era o mundo de Paulo. Por isso, não podemos

dizer que Paulo „tomou emprestado‟ esta ou aquela tradição,

convenção ou prática romana. Tampouco podemos usar expressões

que sugiram que Paulo esteja „adotando‟ as maneiras de um romano;

[...]. Paulo era um judeu romano, as duas coisas juntas 5.

4 SAMPLEY, J. Paul. Paulo e a linguagem franca.In: SAMPLEY, J.Paul (org). Paulo no mundo greco-

romano: um compêndio. São Paulo: Paulus, 2008, p. XIII. 5 Idem, p. XVII.

15

Além disso, outro aspecto importante nesse âmbito cultural e social do apóstolo

Paulo, era a sua formação. Se adentrará mais adiante nos aspectos biográficos deste

personagem, mas por ora salientamos apenas o que Murphy-O‟Connor afirma a respeito

da formação de Paulo sobre a arte da retórica e da oratória:

As habilidades oratórias eram [no tempo de Paulo – mais

especificamente em Tarso, provável local de seu nascimento] a chave

para o progresso em uma cultura essencialmente verbal. A aquisição

dessas habilidades dividia-se em três partes. Técnicas, regras,

fórmulas etc. eram discutidas ad infinitum. À proporção que as

divisões e subdivisões se multiplicavam, a complexidade da teoria

fazia as discussões ficarem cada vez mais irrelevantes. A segunda

etapa era um pouco mais prática na medida em que envolvia o estudo

dos discursos dos grandes mestres de retórica. [...] A última etapa era

a prática da redação de discursos, na maior parte dedicados a temas

mais fantásticos que úteis 6.

Deste modo, após um análise breve sobre o cenário histórico, cultural e social

em que Paulo exerceu seu apostolado, pode-se adentrar agora mais especificamente no

significado e origem do termo grego parresía e quais foram os primeiros usos desse

termo, dos quais tem-se acesso. A respeito disso, há divergências entre alguns

pesquisadores sobre em qual autor aparece pela primeira vez o termo parresía. Foucalt

afirma que esse termo aparece pela primeira vez nos escritos de Eurípedes 7 (487-407

a.C.) 8. Por outro lado, Scarpat, que possui uma obra somente sobre o termo parresía,

afirma que o testemunho mais antigo do vocábulo se encontra nos escritos de

Demócrito9:

La testimonianza più antica del termine potrebbe essere il fr. 226 D.-

K. di Democrito: oich,íon eleuϑepi,hς parrhsi,hn, ci,ndunoς de, h tou/ cairou/ diagnwsiς, „elemento costitutivo della liberta è la parresía,

pericolo ne è la conoscenza del kairós‟ (diagnwsiς è la discretio, tanto

che verrebe la voglia di tradurre: difficile è farne uso discreto,

scegliendo il momento opportuno 10

.

6 MURPHY-O‟CONNOR, Jerome. Paulo, Biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2004, p. 64.

7 Eurípedes, poeta trágico grego, foi um dos grandes expoentes de seu tempo ao escrever várias obras de

tragédia grega. Nasceu em Salamina e morreu no início do século V a.C. na Macedônia. 8 FOUCALT, Michel. O significado da palavra parrhesia. In.: Revista Prometeus, Ano 6, Nº 13, p.3.

Disponível em: <https://seer.ufs.br/index.php/prometeus/article/view/1550>. ISSN: 2176-5960. 9 Demócrito, nascido em Mileto, foi um filósofo grego e contemporâneo de Sócrates. Escreveu diversas

obras filosóficas tratando sobre a ética, que inclusive foram comentadas por Aristóteles. Morreu no século

IV a.C. 10

SCARPAT, Giuseppe. Parrhesia greca, parrhesia cristiana. Brescia: Paideia, 2001, p. 36.

16

Porém, tratando-se de textos e termos da antiguidade, é sempre difícil precisar

quando esse foi pela primeira vez utilizado e qual era propriamente o seu original

significado. No entanto, visto que Scarpat dedicou todo um livro para apresentar e

comentar a parresía, seja no mundo grego seja no mundo cristão, se adotará a sua tese a

respeito da problemática acerca da primeira vez em que ocorre na literatura o termo

parresía.

Deste modo, não se adentrará mais aprofundadamente no mérito da questão,

senão salientar apenas que o termo surge no mundo greco-romano, mais

especificamente, no período clássico grego e que, de certa forma, era um termo

comumente utilizado neste período. Além do mais, pode-se conferir que, na sua origem,

o termo parresía possuía valor político e matiz polêmica e que

La parresía è la libertà del privato cittadino di dire quanto crede,

come crede, contro chi crede; essa rappresenta una conquista e un

privilegio della democrazia ateniese, essa è un imprescrittibile diritto

del cittadino ed è all‟inizio sinonimo di „cittadinanza piena‟ 11

.

No entanto, há citações acerca deste termo desde o século V a.C., como também

em textos posteriores, indo até o período patrístico, no fim do século IV d.C. Sampley,

quando comenta em um de seus trabalhos acerca das primeiras vezes de que se tem

escritos sobre a parresía, apresenta o que Demétrio 12

afirmava sobre a linguagem

franca:

Demétrio, que era „provavelmente dos últimos tempos do Helenismo

ou do começo da época romana‟, conclui que um orador – e, podemos

igualmente supor, um escritor de cartas – tinha apenas três

alternativas: a adulação, a linguagem figurada (também chamada de

alusão velada ou discurso oblíquo), e a crítica contrária, que podemos

tomar como uma imbricação funcional com parresía, o discurso direto

ou a linguagem franca 13

.

Destarte, analisando as primeiras ocorrências desse termo, Sampley faz uma

consideração sobre as três alternativas da oratória acima citada. Ao comentar Plutarco14

,

11

SCARPAT. Parrhesia greca, parrhesia cristiana, p.35. 12

Demétrio, antigo orador grego, também conhecido como Demétrio de Faleros, viveu provavelmente no

IV século a.C. Entre as inúmeras obras atribuídas a ele, também acredita-se que foi um dos fundadores da

famosa biblioteca de Alexandria. 13

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 255. 14

Plutarco nasceu por volta do ano 47 d. C., na cidade grega de Queroneia, na Beócia. Depois de estudar

filosofia, matemática, medicina e retórica, viajou pela Ásia e pelo Egito, e esteve várias vezes em Roma.

Em 95, de volta à Grécia, faz parte do colégio sacerdotal de Delfos e, já no final da vida, ocupa altos

17

afirma que a adulação é “notoriamente inútil, e mesmo contraproducente em qualquer

circunstância”.

O discurso oblíquo ou indireto – no qual o orador trata de uma questão

ou de um problema delicado, transferindo a discussão para um assunto

análogo a respeito do qual as paixões ainda não se inflamaram e as

posições ainda não se firmaram – era muito comumente e amplamente

[usado] no tempo de Paulo, quando não por outra razão, porque

garantia isenção de retribuição no cenário público e porque era

[considerado] pelos retóricos como poderosamente eficaz, porque

dependia dos ouvintes fazer a auto-aplicação 15

.

Por sua vez, comentando ainda sobre os primeiros usos do termo parresía,

Sampley afirma que, no período do apóstolo Paulo, este instrumento, também chamado

de discurso direto ou franco, “era menos frequentemente empregado na deliberação

pública, mas era certamente parte essencial do modo como as dinâmicas sociais

percorriam todo o seu caminho”, pois “onde havia amizade, a linguagem franca era

crucial para ela se manter” 16

.

Dito isso, vale apresentar aqui a estreita relação que possui a parresía com a

amizade. Sem dúvida alguma, como o termo não possui tradução exata nas línguas neo-

latinas, é sempre um desafio acertar e precisar sua tradução, uma vez que esse pode ser

empregado de diversas formas. Porém, com base em textos do período greco-romano,

não restam dúvidas de que o termo possuía, no tempo de Paulo, uma estreita relação

com a amizade 17

.

Por conseguinte, muitos escritores, por meio de analogias, se referiam à parresía

dando assim um entendimento sobre o seu significado. Filodemo 18

a chamava de “a

mais gentil das picadas” e atesta que parresía é “exercer o ofício de um amigo” 19

e

Plutarco por sua vez a definia “a linguagem da amizade” 20

. “A franqueza [parresía] é o

caráter e a linguagem próprios da amizade, e que, ao contrário, a falta de franqueza

anuncia uma alma baixa ou indiferente” 21

.

cargos municipais em sua cidade natal, onde morre em cerca de 120 d.C. In.: PLUTARCO. Como

distinguir o bajulador do amigo. São Paulo: Scrinium, 1997, p. 9. 15

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 255. 16

Idem, p. 255-256. 17

Cf. Idem, p. 256. 18

Filodemo foi um filósofo e poeta epicurista. Nasceu por volta do ano 110 a.C. Escreveu diversas obras

sobre ética, retórica e poesia. Morreu aproximadamente em 40 a.C. 19

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 256. 20

Ibidem. 21

PLUTARCO. Como distinguir o bajulador do amigo; 1997, p. 18.

18

Um amigo que elogia com facilidade ou mesmo com diligência o bem

do qual é testemunha, pode censurar o mal com a mesma liberdade.

Seguros de sua benevolência, recebemos pacientemente suas

reprimendas; e sua facilidade em elogiar é uma prova de que ele só

censura por necessidade 22

.

Deste modo, unindo os laços entre a parresía e a amizade, podemos averiguar

que a linguagem franca é o que permite a distinção entre um amigo e um adulador, uma

vez que a adulação é completamente contrária à parresía. “Anche la vera amicizia ha

come requisito indispensabile la parresía e il termine dalla sfera politica passa alla sfera

privata” 23

.

Além disso, “os que fazem obra de amizade, ou seja, os que dirigem a outros

uma linguagem franca são muitas vezes apresentados como pessoas que admoestam,

instruem ou fazem apelos a eles” 24

. Sampley também afirma que:

A linguagem franca sempre põe em risco a amizade da qual ela

depende. O que fala francamente deve avaliar bastante o bem desejado

para o amigo a quem se dirige para correr o risco da possível rejeição.

Filodemo reconhece que algumas pessoas aceitam a linguagem franca

com maior disposição que outras. E pergunta: „Por que, em igualdade

de condições, os que são ilustres em recursos e reputação suportam

menos [a linguagem franca]?” 25

.

Neste ponto, além da relação parresía-amizade, é necessário apresentar uma

outra relação da parresía. Trata-se do vínculo que esta possui com a verdade. Portanto,

faze-se aqui uma separação, para uma melhor compreensão etimológica, entre as

relações parresía-amizade e parresía-verdade, porém é mister ressaltar que os três

termos parresía-amizade-verdade estão intrinsecamente interligados.

Uma das interpretações que podem ser utilizadas do termo grego é o de “dizer a

verdade”. Segundo Foucalt, o parresiastes 26

não diz somente o que ele pensa ser a

verdade, senão que ele “diz o que é verdadeiro porque ele sabe o que é verdadeiro; e ele

sabe que isso é verdadeiro porque realmente é verdadeiro. O parresiastes não é apenas

sincero e diz qual é a sua opinião, mas sua opinião é também a verdade” 27

.

22

PLUTARCO. Como distinguir o bajulador do amigo; 1997, p. 15. 23

SCARPAT. Parrhesia greca, parrhesia cristiana, p. 67. 24

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 261. 25

Idem, p. 261. 26

Como Foucalt nesta citação, assumiremos assim este termo para designar uma pessoa que se utiliza da

parresía, uma vez que não possuímos nenhuma tradução correspondente para o nosso idioma. 27

FOUCALT, Michel. O significado da palavra parrhesia. p. 5.

19

Esse ponto é importante, pois é muito fácil confundir parresía com sinceridade28

ou com falar tudo o que se pensa. Absolutamente a parresía se reduz ao simples fato de

falar sem obstrução, já que o que diferencia a parresía de uma simples fala com

sinceridade é a sua estreita ligação com a verdade. O parresiastes fala abertamente,

porém fala a verdade e essa verdade faz parte de sua vida e do seu ethos 29

, como

veremos no próximo tópico.

La verità ha bisogno della parresía e della parresía l‟oratore si serve

per non nascondere cose che i mestatori vorrebbero taciute.[...].

Parlare com parresía non è, quindi, „dire la veritá‟, quanto „dire

francamente‟ la verità, senza paure, senza sottintesi, senza riguardi 30

.

Utilizar-se deste termo, portanto, não é somente um conhecer algo que se pensa

ser verdadeiro e tem-se a liberdade de falar, mas sim ter a certeza intrínseca de que a

verdade precisa ser dita sem impedimentos e sem reservas. “Mas então, você

perguntará, quando é que devemos tomar o tom da franqueza e falar com força? Quando

se trata de reter um amigo que a volúpia, a cólera, a injustiça, a avarice ou qualquer

outra paixão estão prestes a arrastar” 31

.

Por conseguinte, no que diz respeito às relações da parresía com a amizade e

também com a verdade, vemos que o objetivo desse instrumento é o de auxiliar a pessoa

numa autocorreção, numa emenda de comportamento. “[A parresía] é um auxílio

inestimável para conservar alguém no caminho certo e para manter a perspectiva não

apenas sobre ele mesmo, mas também sobre as questões e fatos ao seu redor” 32

. E

Scarpat, ao citar Aristóteles, afirma que “nasconde qualcosa solo chi ha paura, ma il

magnanimo nulla ha a temere e non ha motivo per nascondere il suo pensiero; egli è

sincero e dice tutto ciò che pensa. Egli si contrappone quindi apertamente

all‟adulatore”33

.

28

Significado de sinceridade: “O termo sinceridade/sincero, vem do radical latim “sin (sem) cerus (cera),

fazendo alusão ao teatro antigo, onde os atores para encenar seus personagens usavam máscaras feitas de

cera. Destarte, o termo literalmente quer dizer “sem máscaras”, sem falsidade. 29

“Ethos é um termo abrangente que designa a postura total do indivíduo ou seu caráter: sua marca

distintiva ou identidade essencial, aquelas qualidades morais que são fortemente desenvolvidas e

notavelmente mostradas com uma permanente consistência. Todas as ações e palavras de uma pessoa

contribuem para seu ethos”. Cf. SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 260. 30

SCARPAT. Parrhesia greca, parrhesia Cristiana; 2001, p. 67. 31

PLUTARCO. Como distinguir o bajulador do amigo; 1997, p. 70. 32

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 257. 33

SCARPAT. Parrhesia greca, parrhesia cristiana; 2001, p. 68.

20

Torna-se ainda necessário apresentar uma analogia a respeito da parresía.

Consiste justamente na comparação dessa com a medicina. Esta busca sempre um bom

fim, malgrado seja necessário passar antes, ao ser aplicada e dirigida a uma pessoa, num

momento de dor e de dificuldade.

A linguagem franca é aplicada a problemas, desvios, questões que se

não sofrerem mudança podem levar a uma condição ainda pior de

„saúde‟. Quem fala com franqueza, como um cirurgião, precisa ter

uma visão de desejada mudança e, embora reconheça a dor

intermédia, prevê um tempo posterior à dor, quando o bem-estar é

restaurado e a gratidão se faz presente 34

.

Ainda mais: “la parresía è una medicina, la sua applicazione esige sempre

condizioni precise e interventi tempestivi” 35

. Assim como esta analogia entre a parresía

e a medicina, vista apenas e tão somente pelo lado comparativo, muitas outras

comparações poderiam ser retiradas desse termo, uma vez que a linguagem franca não é

em si mesma, como já citado, um fim, mas busca um objetivo e uma meta final. A

respeito disso, Plutarco afirma:

A franqueza exige muito mais arte por ser, nas mãos da amizade, o

remédio mais eficaz, quando empregado apropriadamente e temperado

sabiamente pela doçura; a cura que ela proporciona, como já disse, é

frequentemente dolorosa. Imitemos, portanto, os cirurgiões, que, após

amputar um membro, não abandonam os doentes aos seus

sofrimentos, mas adoçam a ferida com fomentações. Do mesmo

modo, aqueles que repreendem com habilidade, quando introduzem no

coração o lado mordaz da censura, sabem temperá-la com propostas

doces e consoladoras 36

.

Como percebe-se, no decorrer do texto, mediante as afirmações de oradores e

escritores contemporâneos ou precedentes ao apóstolo Paulo, a parresía sem dúvida

alguma é um instrumento, um meio para se chegar a um fim. Comentando esta

característica e, principalmente, sobre a diversidade de analogias que se poderia fazer

acerca da parresía, Sampley afirma:

A linguagem franca não é em si mesma o objetivo, mas a mudança

desejada sim. Do mesmo modo, são muitas as analogias educacionais

na literatura a respeito da linguagem franca, e com razão, porque a

franqueza pode ser uma ocasião para o indivíduo se beneficiar e

progredir 37

.

34

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 258. 35

SCARPAT. Parrhesia greca, parrhesia Cristiana; 2001, p. 37. 36

PLUTARCO. Como distinguir o bajulador do amigo; 1997, p. 84. 37

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 258.

21

No entanto, para alguns escritores, a parresía se opõe à retórica, pois para esses,

essa basicamente se centralizava no discurso longo e contínuo, enquanto aquela tinha

por características próprias o diálogo através de questões e respostas. Dito de outro

modo, dentro de um longo discurso, de uma obra retórica, em que o orador se preparava

assiduamente, preparando a sua fala por meio de instrumentos retóricos, não era

concebível que esse se utilizasse de parresía, uma vez que seu intuito primeiro era

justamente o de se utilizar de artes linguísticas.

Por contraposto, a parresía não se limitava apenas ao uso de artefatos

linguísticos, mas mediante o discurso ou diálogo, buscava-se apresentar a verdade ao

seu interlocutor. “Essa oposição entre parresía e retórica, que é tão nítida no século IV

a.C. através dos escritos de Platão, irá durar por séculos na tradição filosófica” 38

.

Contudo, pode-se averiguar, ao analisarmos esta possível oposição entre

parresía e retórica, algo de extrema importância. Trata-se da importante dimensão da

mensagem parresiástica, isto é, para que o conteúdo seja autenticamente transmitido é

importante que a mensagem seja, de fato, a parte principal da comunicação, tornando

tanto o remetente como o destinatário uma parte secundária. Todo o esforço em se

utilizar da parresía, seja para transmitir ou para receber, em suma, é feito em vista da

mensagem que é comunicada.

O centro da questão, como pôde-se observar acima, ao se fazer referência à

relação da parresía com a verdade, é a importância da mensagem. Se uma mensagem

não tem tanta importância, não há que se preocupar com o uso da parresía, uma vez que

existem outras formas, até mesmo mais simples, para fazer com que esta chegue até o

destinatário. No entanto, se há uma comunicação a ser feita, e esta necessita de um

extremo cuidado pela sua importância, então, sim, a linguagem franca assume, por sua

vez, um papel de grande relevância na comunicação.

Deste modo, contrapondo-se ou não à retórica, o que podemos concluir é que a

parresía possuía um papel de grande importância no campo linguístico, e que o uso

dessa arte possibilitava ao orador ou escritor atingir seu objetivo. No entanto, é

imprescindível não confundir este uso com algo alternativo, como se somente quando

necessário, então se utilizava desse instrumento. Ela é antes de tudo uma questão mais

profunda e séria, unida ao caráter e ao ethos do orador ou escritor, não consistindo

38

FOUCALT, Michel. O significado da palavra parrhesia. p.10.

22

apenas numa ajuda, mas numa atitude frente ao destinatário. A respeito desta unidade

com o caráter, se discorrerá no tópico subsequente.

1.2 O ethos parresiástico

Além da característica instrumental, técnica, que foi analisada, somada às

ocorrências do termo no mundo greco-romano, no tópico anterior, a parresía possui

ainda outro atributo que é a reação, ou efeito, que essa produz na vida daquele que dela

se utiliza. Melhor compreendendo, o uso retórico da linguagem franca imprime ou, às

vezes, requer previamente um agir coerente com o termo. Uma atitude que corresponda

ao sentido retórico da mesma. Não se trata somente de um mero artefato linguístico,

mas de uma ação primordial do escritor ou orador. É uma questão de caráter ou de

ethos. Trata-se de um agir parresiástico, de um atuar coerente com a parresía.

Como se analisou, etimologicamente, o verbo Parrhsi,asestai (parresiazesthai)

significa dizer tudo – no grego pan (tudo) e rhema (o que é dito), - de modo que aquele

que usa a parresía é alguém que diz tudo e que fala tudo aquilo que tem pensado. Não é

inerente ao parresiastes esconder ou velar algo, mas, ao contrário, é sua característica

própria revelar tudo o que pensa ou sabe por meio de sua fala.

Na parresía, presume-se que o falante dê um relato completo e exato do

que tem em mente, de modo que a audiência seja capaz de compreender

exatamente o que aquele que fala pensa. A palavra parresía então se

refere a um tipo de relação entre o falante e o que ele diz. [...]. E ele faz

isso evitando qualquer tipo de forma retórica que pudesse velar o que

ele pensa. Ao invés disso, o parresiastes usa as palavras e formas de

expressão mais diretas que ele puder encontrar 39

.

No que diz respeito à diferença proposta entre parresía e retórica, vale

apresentar que com a parresía, o orador se utiliza das palavras e das formas de

expressão mais diretas possíveis, enquanto que na retórica o orador é provido de:

Dispositivos técnicos para ajudá-lo a prevalecer sobre as mentes de

sua audiência (independentemente da própria opinião do retórico

concernente ao que ele diz), na parresía, o parresiastes age sobre a

mente das outras pessoas mostrando a elas, tão diretamente quanto

possível, o que ele realmente acredita 40

.

Além disso, há que citar que no âmbito da parresía existe uma concordância

39

FOUCALT, Michel. O significado da palavra parrhesia. p. 4. 40

Ibidem.

23

entre o orador e a fala, ou seja, entre o enunciador e o enunciado. Essa característica é

sublinhada por Searle como “ato de fala” (speech act) e por Austin como “proferimento

performativo” (performative utterance) 41

.

Essa concordância diz respeito ao caráter pragmático da linguagem. “La scienza

che si occupa delle azioni prodotte mediante il linguaggio si chiama pragmatica” 42

.

Deste modo, portanto, a pragmática se encarrega da análise, não somente do termo em

si, como pode ser feita no âmbito da semântica, senão que ela analisa e examina as

consequências que um termo específico, ou de maneira geral, a linguagem, produz não

somente nos ouvintes e receptores, mas também no emissário, além de, analisar qual o

contexto que o enunciado foi proferido e quais as implicações que este mesmo contexto

exerce na compreensão da linguagem utilizada.

Il significato è sempre un significato in una determinata situazione. Il

contesto in cui viene utilizzato quel determinato enunciato è parte del

suo significato. In altre parole, è difficile distinguere, in un

determinato messaggio, ciò che appartiene al senso e ciò che

appartiene invece alle implicazioni soggettive dei comunicanti. Non è

pensabile, cioè, che, in un determinato contesto comunicativo, si

capisca prima ciò che viene detto, e dopo, sulla base di un‟altra serie

di informazioni, ciò che con esso si suggerisce: il senso di un

enunciato è composto da ciò che viene detto e da ciò che viene

suggerito con quanto detto 43

.

Ottaviani, num artigo seu sobre Comblin, o apresentado como um teólogo

contemporâneo e parresiasta, ao citar Foucalt, afirma a importância da pragmática na

interpretação e compreensão da parresía: “a arte da parresía política, seja na

democracia (pela palavra veraz dirigida a muitos), seja na monarquia (pela palavra

veraz dirigida ao príncipe), bem como a necessidade que o pensador tem de colocar em

práticas (tà pragmata) o que se lhe apresentou justo pela reflexão” 44

Destarte, a pragmática enquanto análise do termo e do contexto do mesmo,

proporciona uma melhor compreensão a respeito da parresía. O agir parresiasticamente

ou falar com parresía não somente implica numa ação de interlocução, senão que

ocasiona uma interpretação inclusive do contexto. Esta característica poderá ser vista

41

Cf. FOUCALT, Michel. O significado da palavra parrhesia. p. 4. 42

GRILLI, Massimo; GUIDI, Maurizio; OBARA, Elzbieta M. Comunicazione e pragmatica

nell’esegesi bíblica. GBPress: Roma; San Paolo: Milano, 2016, p. 5. 43

GRILLI, M; GUIDI, M; OBARA, E. Comunicazione e pragmatica nell’esegesi bíblica; 2016, p. 25. 44

OTTAVIANI, Edélcio. José Comblin: um teólogo contemporâneo e parresiasta. In.: Revista

Estudos de Religião, v. 29, jan-jun 2015, p. 194. Disponível em:

<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/viewFile/5273/4842>. ISSN: 2176-

1078.

24

com maior clareza nos tópicos subsequentes, quando serão tratados os aspectos da vida

de Paulo, que proporcionaram a existência da parresía na vida do apóstolo.

Em síntese, com base na citação acima, pode-se averiguar que a relação existente

entre o enunciado e o enunciador é parte integrante do sentido da palavra. Não é

possível fazer uma distinção de significados. No caso, separar a parresía da vida do

orador ou escritor e do contexto em que este vive ou viveu, é limitar, e até mesmo

reduzir, o significado e sentido da ação.

Por outro lado, no mundo greco-romano, como se observou no tópico anterior, a

parresía estava vinculada com o ambiente político. Não obstante esse vínculo, ela não

deixava de exercer uma consequência a nível moral sobre quem dela se utilizasse. Esta

característica moral exerce um papel de grande importância na compreensão do termo.

Assim,

La democrazia aveva garantito a tutti i diritto di parlare in pubblico

nelle assemblee deliberative e la possibilità di dire in privato anche le

cose sgradevoli, ma tale parresía, che aveva bisogno dell‟assoluta

libertà per esecitare i suoi diritti, assurgeva alla dignità di grande virtù

morale solo a patto che si mettesse a servizio della verità. Così il

termine passa ben presto a significare „dire con franchezza, con

coraggio, apertamente, pubblicamente‟ 45

.

Quanto a essa característica da relação entre parresía-ethos, Plutraco afirma que

“a franqueza de linguagem deve ter seriedade e caráter [spoudh.n.....kai h-qoς,

spouden...kai ethos]”46

. Deste modo, observa-se que parresía e o agir com parresía

estão intrinsecamente unidos, pois não é possível usar da parresía sem antes possuir um

agir coerente com o termo. Sob essa luz,

A linguagem franca de todo homem precisa ser respaldada pelo

caráter, mas isto é especificamente verdadeiro no caso dos que

admoestam os outros e tentam levá-los de volta à razão. Um ethos

fraco ou minguado permite pouca ou nenhuma franqueza: Mas o

discurso de um homem frívolo e de caráter (ethos) medíocre, quando

resolve intervir com franqueza, o resultado é apenas que se evoca a

réplica: „queres curar os outros, e tu mesmo estás cheio de feridas!‟ 47

.

Por conseguinte, outra característica que se pode analisar é que não somente o

remetente precisa ter um caráter coerente com a parresía para dela se utilizar, mas

também o destinatário necessita ter um respaldo para receber o que lhe foi dito com

parresía. Diante dessa premissa,

45

SCARPAT. Parrhesia greca, parrhesia Cristiana; 2001, p. 67. 46

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 260. 47

Ibidem.

25

A adulação lida com a emoção, a linguagem franca, com „as

dificuldades de pensar e raciocinar‟. A linguagem franca requer

raciocínio moral; exige do destinatário que empreenda uma

reflexão, deliberação, auto-avaliação reflexiva para decidir entre

continuar na atual direção e mudar. A linguagem franca fornece

o contexto para a auto-avaliação e sugere a auto-correção. A

parresía não força a mudar. Solicita mudança, mas o

destinatário permanece o agente moral e deve sopesar a questão

para decidir qual resposta é apropriada48

.

Destarte, vê-se que embora a parresía, seja por parte do remetente, seja por parte

do destinatário, necessite de um caráter coerente consigo mesma, ela é tão somente um

instrumento, ainda que faça parte intrinsecamente do caráter do parresiastes, pois sem a

disposição de ambas as partes para falar e acolher com parresía a verdade que é dita, ela

pode não obter sua função. Não obstante a isso, nunca o parresiastes pode se abster de

utilizar da parresía por medo ou receio de ser aceito ou não.

A linguagem franca será contraproducente se seu autor parece

interessado na sua reputação ou se ele aparenta servir a fins egoístas.

[...]. Assim, é dever do amigo aceitar o ódio que provém da

admoestação dada quando assuntos de importância e de grande

interesse estão em jogo 49

.

Todas essas características concernentes à parresía citadas nos tópicos

anteriores, podem estar presentes com clareza num personagem do começo da era cristã:

Paulo de Tarso. Portanto, se buscará, no ponto seguinte, apresentar uma breve biografia

deste apóstolo de Cristo, e analisar posteriormente alguns de seus escritos, os quais

possibilitam visualizar o caráter parresiástico que possuía este grande apóstolo dos

gentios.

1.3 Paulo: O Apóstolo Parresiástico

Uma das figuras que, no decorrer dos tempos, foi e continua sendo ainda nos dias de

hoje um objeto de constante pesquisa, sem dúvida alguma é o apóstolo Paulo. Muitos

pesquisadores estudaram e dissertaram a respeito de suas cartas e de sua vida. O acervo

que esse apóstolo deixou através de suas epístolas destinadas às primeiras comunidades

cristãs, permitiu aos estudiosos, no decorrer dos séculos, conhecer e descobrir muitas

características acerca do cristianismo nascente. Sem contar as propriedades de sua vida

e de seus atos que proporcionaram uma melhor compreensão sobre a atitude

48

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 261. 49

Ibidem.

26

evangelizadora dos primeiros apóstolos. Em suma, todos os atributos do Apóstolo dos

gentios, ao menos os que chegaram até os nossos dias, são fontes de grande

conhecimento para a história do cristianismo.

Deste modo, embora seja ampla a gama de trabalhos que foram realizados sobre

esse personagem, se adentrará, no tópico subsequente, numa “viagem biográfica” acerca

da pessoa de Paulo, vendo em seus escritos, em sua obra evangelizadora e nos

comentários que se seguiram a partir de seu trabalho missionário, quais foram os

aspectos mais importantes de seu ofício e quais as características de sua missão. E, no

que se refere ao tema desta pesquisa, se abordará quais as características de sua pessoa

em que é possível vislumbrar um caráter parresiástico, o que permitirá confirmar, em se

tratando de uma pessoa historicamente reconhecida, as características que foram

tratadas a respeito da parresía.

Ademais, torna-se necessário reforçar que o presente tópico não tem a pretensão

de esgotar todo o argumento sobre a biografia de Paulo, algo que, certamente seria

impossível. Porém, se buscará, em alguns poucos pontos, apresentar os principais

argumentos da vida de Paulo e de sua obra.

1.3.1 Paulo de Tarso?

Duas são as principais fontes para os estudos sobre Paulo. Uma é o livro dos Atos

dos Apóstolos e a outra são as cartas a ele atribuídas. Deve-se sublinhar ainda que,

desde os primórdios do cristianismo, muito se escreveu sobre Paulo, sendo ele, até os

tempos hodiernos, muito estudado e pesquisado por vários autores. Embora seja vasta a

bibliografia a respeito desse personagem, sempre é um desafio precisar a sua biografia,

uma vez que as fontes primárias que possuímos são duas e, em muitos aspectos,

divergem entre si. Pode-se afirmar que existe o Paulo “lucano”, descrito no livro dos

Atos dos Apóstolos, e o Paulo, autodescrito nas suas cartas:

Porém, entre os personagens da Antiguidade, Paulo não é daqueles

que tornam mais ingrato o trabalho do biógrafo; possuímos uma série

de seus escritos indubitavelmente autênticos; possuímos uma obra, os

Atos dos Apóstolos, que fala constantemente dele; através dos escritos,

defrontamo-nos com toda a documentação de uma época da história

antiga bastante conhecida: o Mediterrâneo durante o séc. I d. C. 50

.

50

BOSCH, Jordi Sánchez. Nascido a tempo: Vida de Paulo, o apóstolo. São Paulo: Ave Maria, 1997,

p.5.

27

Contudo, é sempre difícil, exegeticamente, precisar certos eventos,

principalmente no que se refere às datações e aos locais em que ocorreram. Assim, para

discorrer o presente tópico, não apenas se faz referências aos dois conjuntos de livros

bíblicos citados, mas, serão utilizados autores que produziram grandes biografias a

respeito do apóstolo.

O primeiro problema que surge, ao estudarmos um personagem, é conhecer a

datação de seu nascimento e de sua morte. E isso, já de antemão, é uma problemática,

pois em se tratando da figura de Paulo não é possível afirmá-las com exatidão. Apenas é

possível, com base e aproximações a acontecimentos de sua vida e de suas obras, supor

algumas datas: “Se [...] a carta a Filêmon foi escrita em 53 d.C., Paulo teria, então uns

60 anos, o que poria sua data de nascimento nos últimos anos da era pré-cristã. Em

outras palavras, ele teria nascido mais ou menos na mesma época que Cristo” 51

. No

entanto, entre os estudiosos de Paulo, há muitas divergências a respeito disso. Outra

questão debatida, entre seus biógrafos, é o seu local de nascimento, como afirma

Murphy-O‟Connor:

Paulo não nos diz onde nasceu, mas alguns textos contêm uma

indicação importante: „Pois eu mesmo sou israelita, da descendência

de Abraão, da tribo de Benjamin‟ (Rm 11,1); „circunciso no oitavo

dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamin, hebreu, filho de hebreus‟

(Fl 3,5). Essa preocupação de afirmar sua credenciais judaicas revela o

expatriado, isto é, um judeu que vivia na diáspora. [...]. Em que parte

da diáspora? As cartas dão apenas uma pequena pista. Depois da

primeira visita a Jerusalém como cristão, Paulo vai „para as regiões da

Síria e da Cilícia‟ (Gl 1,21). [...] Tais considerações tendem a

confirmar a informação de Lucas de que Paulo veio de Tarso (At

9,11.30; 11,25; 21,29; 22,3), que era a capital da Cilícia. Além disso,

Lucas não teria interesse em inventar para Paulo uma origem na

diáspora 52

.

Destarte, uma característica essencial deste tópico é a importância da cidade de

Tarso53

, que era uma cidade helênica, portuária e de grande estima na região do

Mediterrâneo. Estava localizada na então chamada Cilícia, uma região da Ásia Menor,

hoje situada dentro do território da Turquia 54

. Além do mais, essa cidade não era

51

MURPHY-O‟CONNOR, Jerome. Paulo, Biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 20. 52

Idem, p. 47. 53

“A cidade era capital administrativa da região e em 51 a.C. teve como Procônsul nada menos que

Marco Túlio Cícero, enquanto dez anos mais tarde, em 41, Tarso fora o lugar do primeiro encontro entre

Marco Antônio e Cleópatra”: BENTO XVI, Catequeses Paulinas. Campinas: Ecclesiae, 2012, p. 18. 54

“[Tarso] fece parte della provincia romana di Siria fino a quando, sotto Adriano, la Cilicia fu costituita

in provincia a sé stante com capitale Tarso. È in quest‟epoca che la città ebbe il suo massimo splendore.

La sua prosperità era dovuta sia alla fertilità della pianura circostante e all‟industria della filatura del lino,

nonché della tessitura della tela per le tende, sia al fatto di trovarsi al centro di uma meravigliosa rete

stradale, che la collegava con le capitali delle sei provincie vicine”. PADOVESE, Luigi; GRANELLA,

28

significativa apenas pela localização geográfica, ou por sua importância comercial,

senão que pela considerável presença do helenismo. Havia ali uma grande possibilidade

de estudos da cultura grega, principalmente na arte da retórica e da oratória 55

, como

observa Bosch:

Parece que Paulo nasceu em Tarso da Cilícia, por mais que ele evite

dizê-lo nas cartas. Sabemos por meio de Lucas (At 21,29; 22,3) e não

nos lembramos de que autor algum o tenha negado. A cidade

helenística de Tarso era um dos portos mais importantes do

Mediterrâneo, com liberdade, imunidade e direito de cidadania

concedidos por Marco Antônio e confirmados por Augusto. Era um

lugar muito aberto para as civilizações grega e romana, muito

cosmopolita, conhecido como centro de cultura, filosofia e ensino.

Assim como nas escolas de Atenas e de Alexandria, a maioria dos

estudantes era estrangeira, em Tarso, a maior parte era da mesma

província da Cilícia. Isso dá a ideia do nível cultural da população 56

.

Como se verificou, na citação acima, a cidade de Tarso proporcionava aos seus

habitantes a possibilidade de um enorme enriquecimento cultural, não apenas no âmbito

acadêmico, mas também no âmbito sócio-político, uma vez que muitos de seus cidadãos

podiam adquirir a cidadania romana, fato que outorgava grandes vantagens para seus

proprietários. Esse fato se pode averiguar em Paulo, quando o mesmo recorre ao

privilégio de sua cidadania, para não ser julgado por qualquer um, todavia pelo

imperador romano (cf. At 25,10-12).

Além disso, conquanto Paulo tenha vivido em Tarso, há ainda outra

característica de sua vida que lhe concede particular estima. Embora possua uma vasta

gama cultural e social, seja judeu da diáspora, praticante da Lei mosaica e com direito à

cidadania romana, destaca-se o fato da presença de Paulo em Jerusalém. Alguns

historiadores defendem o fato de Paulo também ter estudado em Jerusalém (cf. At 22,3).

Esse dado da vida de Paulo, como vários outros, apresenta algumas críticas, com

certezas e dúvidas:

Oriano. Guida alla Turchia, i luoghi di San Paolo e delle origini cristiane. Milano: Paoline, 2008, p.

545. 55

“Al tempo del Nuovo Testamento Tarso era pure nota come um intenso centro culturale, ove fiorivano

soprattutto le scuole di filosofia e di retorica, tra i suoi cittadini famosi poteva annoverare i filosofi stoici

Atenodoro e Nestore. La città, però, dal punto di vista della cultura era ancora profondamente orientale

nelle sue forme di vita, nei suoi culti e nei costumi, sebbene sul piano dell‟organizzazione civile apparisse

come una città ellenistica. Aveva infatti una popolazione estremamente cosmopolitica, in cui gli elementi

propriamente anatolici convivevano con altri di origine graça, romana, orientale in genere giudaica”.

PADOVESE; GRANELLA. Guida alla Turchia, i luoghi di San Paolo e delle origini Cristiane; 2008,

p. 546. 56

BOSCH, Jordi Sánchez. Escritos Paulinos. Col. Introdução ao Estudo da Bíblia, v. 7. São Paulo: Ave

Maria, 2002, p.21-22.

29

A exegese crítica tem a tendência de dar valor extremo a Gl 1,22: “Eu

era ainda pessoalmente desconhecido das comunidades cristãs da

Judeia...”. Há quem diga, baseando-se nesse texto, que Paulo não teve

qualquer contato com Jerusalém, nem antes, nem depois de sua

conversão. Segundo At 22,3s, a biografia de Paulo ficaria muito

simplificada, mas por outro extremo: Paulo teria feito os estudos

primários e superiores [...] em Jerusalém, “aos pés” do mais célebre

rabino da época, Gamaliel 57

.

A esse respeito, Murphy-O‟Connor é bastante explícito. O autor afirma com

clareza que Paulo, como todo judeu da diáspora naquela época, tinha ao menos o desejo

de não somente conhecer, mas também estudar em Jerusalém, uma vez que essa cidade

era o centro de toda a religião judaica e, por conseguinte, era também o local onde se

reuniam os grandes rabinos que, em torno dos estudos da Torá, agrupavam grande

número de discípulos que buscavam aprofundar seu conhecimento a respeito da religião.

Sob esse aspecto, destaca-se que

Como judeu, [em Tarso] Paulo tinha possibilidades limitadas de

progresso. A alternativa era mergulhar no estudo de sua tradição

judaica [...]. É fácil imaginar o jovem entusiasmado com uma

educação grega, vindo de uma família romanizada, desejoso de

descobrir por si mesmo o berço de sua religião. Como o estudo de

retórica não costumava durar mais de quatro anos, a linha de

raciocínio acima sugere que Paulo partiu para Jerusalém mais ou

menos aos 20 anos, isto é, por volta de 15 d. C.. Como sua conversão

deve ser datada de 33 d.C., isso significa que ele morou em Jerusalém

mais de quinze anos antes de se tornar cristão 58

.

Sendo assim, neste texto, adota-se a hipótese de que Paulo, judeu da diáspora,

habitante de Tarso, cidadão romano, estudou e se formou dentro da cultura grega

presente em sua cidade natal e que, posteriormente, continuou seus estudos em

Jerusalém, a fim de se aprofundar nas tradições de sua religião. Por conseguinte, com os

dados acima citados, pode-se já, de antemão, averiguar que, no que diz respeito à

formação humana e intelectual, Paulo teve relevantes oportunidades, o lhe permitiu

obter o êxito seja no campo cognitivo, seja no âmbito da relação com as pessoas. Essas

características e atributos podem ser conferidos nas suas cartas.

1.3.2 Paulo: um fariseu

Como se pôde observar, Paulo, no auge de sua juventude, teria partido para

Jerusalém, centro da religião judaica, para estudar e se aprofundar ainda mais nas

tradições de seus antepassados. Ele mesmo, ao se apresentar em suas cartas, se descreve

57

BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p. 23. 58

MURPHY-O‟CONNOR. Paulo, Biografia crítica; 2000, p. 67.

30

como um fariseu 59

: “Circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de

Benjamim, hebreu filho de hebreus; quanto à Lei, fariseu;” (Fl 3,5). A esse respeito,

constata-se que:

Se Paulo se juntou a um grupo farisaico, e não há razão para duvidar

de sua palavra (Fl 3,5), essa deve ter sido uma decisão pessoal depois

de sua chegada a Jerusalém. Além disso, se Paulo chegou a Jerusalém

por volta de 15 d.C., sua estada na cidade coincidiu com a de Gamaliel

I, e é extremamente improvável que Paulo ou qualquer outro fariseu

escapasse de sua influência 60

.

Essa participação e formação dentro das tradições farisaicas, imprimiu uma série

de características em Paulo e, talvez, a principal delas seja o conhecimento sem igual da

Torá e das tradições e costumes judaicos. A partir de suas cartas, observa-se que Paulo

possuía uma enorme compreensão da tradição mosaica e conhecia muito bem os

costumes da religião dos judeus. Por conseguinte, a devoção aos estudos era um

elemento fundamental dos costumes dos fariseus 61

. Paulo afirma na carta aos Gálatas:

“[Eu] progredia no judaísmo mais do que muitos compatriotas da minha idade,

distinguindo-me no zelo pelas tradições paternas” (1,14). “O tom combativo e o espírito

competidor são igualmente característicos de grupos de elite. Paulo se orgulhava de

pertencer a essa minoria” 62

.

Assim, analisa-se a importância dessa característica em sua vida. Após o

encontro com o Ressuscitado, como já se sabe, o Apóstolo dos gentios, não hesita em

ressaltar a sua formação. Isso denota que para ele e para a missão que posteriormente

adquire, ser judeu e, mais ainda, fariseu, isto é, ter um amplo conhecimento da Lei e dos

costumes dos judeus, era de suma importância 63

. Isso se dá, pois na sua ação

evangelizadora, Paulo, em diversos momentos terá que se confrontar com alguns

radicalismos judaizantes que impedem aos gentios de viver mais perfeitamente a nova

59

Fariseus era o nome dado aos que pertenciam a um grupo de judeus religiosos que buscavam a vivência

e a observância estrita da Lei mosaica, dos costumes judeus, das tradições orais e escritas. Estima-se que

esse grupo tenha surgido no séc. II a.C.. cf. JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas. In.: Seleções de

Flávio Josefo. São Paulo: Edameris, 1974, p.202. 60

MURPHY-O‟CONNOR. Paulo, Biografia crítica; 2000, p. 73. 61

Cf. Idem, p.74. 62

Idem, p. 75. 63

Após a conversão, Paulo “continua, no entanto, a pensar e a raciocinar como um judeu. O seu

pensamento permanece claramente impregnado de ideias judaicas. Nos seus escritos não se encontram

somente, como vimos acima, contínuas referências ao Antigo Testamento, mas também muitos traços de

tradições judaicas. Além disso, Paulo utiliza frequentemente técnicas rabínicas de exegese de

argumentação”. PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. O povo judeu e as suas Sagradas Escrituras na

Bíblia Cristã. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 221.

31

vida proporcionada pelo encontro com Jesus Cristo. “Tendo de enfrentar uma oposição

obstinada da parte de muitos dos seus „parentes segundo a carne‟, Paulo em algumas

ocasiões havia expressado vigorosas reações de defesa” 64

.

1.3.3 A conversão: de perseguidor a seguidor

Três são os relatos sobre o chamado de Paulo em Atos (At 9,1-9; 22,3-21; 26,13-

18). Ele próprio, por sua vez, relata algumas poucas vezes (cf. Gl 1,11-24; 1Cor 9,1;

15,8 ), e essas de maneira bastante discretas, o acontecimento central de sua vida 65

.

Trata-se do encontro que Paulo teve com o Ressuscitado, por meio de uma luz, a

caminho de Damasco, quando se dirigia a essa cidade com a autorização para prender os

seguidores de Cristo.

Bento XVI, em uma de suas catequeses sobre Paulo, pronunciada no decorrer do

ano Paulino (2008), afirma que à primeira vista, é possível ater-se a alguns fatos desta

narrativa. No entanto, por detrás dos elementos redacionais, encontra-se o núcleo deste

acontecimento na vida do apóstolo:

O leitor [...] é talvez tentado a deter-se demasiado nalguns

pormenores, como a luz do céu, a queda por terra, a voz que chama, a

nova condição de cegueira, a cura e a perda da vista e o jejum. Mas

todos estes pormenores se referem ao centro do acontecimento: Cristo

ressuscitado mostra-se como uma luz maravilhosa e fala a Saulo,

transforma o seu pensamento e a sua própria vida. O esplendor do

Ressuscitado torna-o cego: assim vê-se também exteriormente o que

era a sua realidade interior, a sua cegueira em relação à verdade, à luz

que é Cristo. E depois o seu “sim” definitivo a Cristo no batismo volta

a abrir os seus olhos, faz com que ele realmente veja 66

.

A perseguição que ele exercia contra os cristãos fundamentava-se, como ele

mesmo atesta, devido ao zelo “pelas tradições dos pais”, fruto de seus estudos em

Jerusalém, “dentro de uma conduta „no judaísmo‟, isto é, levada pela preocupação de

manter a identidade judaica. Essa preocupação tinha de ser levada necessariamente a

insistir naqueles detalhes da lei mais difíceis de serem cumpridos em ambiente pagão”

67.

64

PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. O povo judeu e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã;

2002, p. 224. 65

A importância deste evento se dá na quantidade de vezes que tanto Lucas, nos Atos dos Apóstolos,

como o próprio Paulo, narram o mesmo acontecimento. Cf. BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p. 21. 66

BENTO XVI. Catequeses paulinas; 2012, p. 26. 67

BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p. 20.

32

Ninguém chega ao extremo de afirmar que Paulo teve uma conversão

“normal”, em virtude da qual ficou colocado no lugar que lhe

correspondia pela data (quando tantos haviam conhecido Jesus) e no

lugar (Damasco) de sua conversão. Patenteia-se o fato que, em virtude

do acontecimento de Damasco, Paulo irá sentir-se investido de uma

autoridade que o colocará à altura dos grandes apóstolos (cf. 1Cor

15,8-10; Gl 1,18; 2,11.14), com o máximo poder sobre os seus fiéis

(cf. 1Cor 4,15.19.21; 2Cor 10,4-6.8; 13,10). De um modo ou de outro,

os autores reconhecerão que Paulo chegou a ser apóstolo “por via

carismática” 68

.

Deste modo, com o acontecimento da conversão, em que Paulo passa de

perseguidor da Igreja de Cristo e dos cristãos, a um corajoso discípulo de Jesus, pode-se

conferir que suas propriedades humanas, culturais e sociais adquirem um novo

significado. Este, superior às outras características de seu caráter, proporcionará a Paulo

uma enorme capacidade frente à missão que lhe foi confiada.

Antes da sua conversão, Paulo era um perseguidor obstinado (cf. At

8,3; Gl 1,13); mais tarde, ele passa de perseguidor a perseguido: já em

Damasco “os judeus confabularam para matá-lo” (At 9,23); e o

mesmo ocorrerá em Jerusalém (cf. At 9,29). Mesmo assim Paulo

continua a anunciar o Cristo “nas sinagogas dos judeus” (At 13,5;

14,1), levando à fé “um grande número de judeus e gregos” (At 14,1),

mas esse sucesso provoca as reações hostis dos “judeus que se

negaram a acreditar” (At 14,2). O mesmo fenômeno repete-se

frequentemente, com muitas variantes, até a prisão de Paulo em

Jerusalém provocada pelos “judeus da província da Ásia” (At 21,27).

Apesar disso, Paulo proclama com orgulho: “Eu sou judeu” (At 22,3).

Sofre a hostilidade da parte dos judeus, sem todavia ser hostil com

eles 69

.

Ademais, o evento da conversão permeará toda e qualquer função que doravante

Paulo empreenda. “O que é certo é que ali [em Damasco] aconteceu uma mudança,

aliás, uma inversão de perspectiva. Então ele, inesperadamente, começou a considerar

„perda‟ e „esterco‟ tudo o que antes constituía para ele o máximo ideal, quase a razão da

sua existência” 70

. E essa inversão de valores não se deu por meio de uma mudança de

pensamento, de raciocínio ou de uma reflexão, mas se deu por meio de um encontro. É

o encontro de Paulo com o Ressuscitado que faz com que sua vida e sua missão

adquiram novo rumo e novo sentido.

Portanto, é mister avaliar que esse fato adquiriu tamanha importância na vida do

apóstolo, que se tornou como um “facho de luz” e que deu sentido a toda sua obra.

Pode-se dizer, sem hesitação, que há um Paulo antes e outro após a conversão. Isso não

68

BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p.21. 69

PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. O povo judeu e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã;

2002, p. 205-206. 70

BENTO XVI. Catequeses Paulinas; 2012, p. 25.

33

significa, entretanto, que o “novo Paulo” tenha desconsiderado totalmente as

capacidades adquiridas anteriormente, mas este se utilizará, a partir do ocorrido, de suas

aptidões antes apreendidas. Porém agora numa nova dinâmica, isto é, na dinâmica do

Evangelho de Jesus Cristo. Ainda que tenha que sofrer por conta de sua nova vida,

Paulo não titubeará frente a sua missão e que, malgrado as adversidades, conservará

uma posição firme, conforme verifica-se:

Depois de sua conversão e durante todas as suas viagens missionárias,

será ele – como vimos- a sofrer a perseguição da parte daqueles que são

de sua própria estirpe, provocada pelo êxito de sua pregação universalista.

Isso fica particularmente evidente logo depois de sua prisão em

Jerusalém. Quando ele toma a palavra “em língua hebraica”, “a multidão

do povo” (At 21,36) primeiro o escuta com calma (cf. At 22,2), mas

quando ele evoca o seu envio “às nações”, agita-se terrivelmente contra

ele e pede a sua morte (cf. At 22,21-22) 71

.

1.3.4 Um verdadeiro parresiastes

Como se viu nos tópicos anteriores, tanto nos concernentes à pessoa de Paulo,

como nos que fazem referências às características da parresía, se pôde conferir que essa

era um instrumento da retórica e, por sua vez, muito utilizado na elaboração de um

discurso. Após sua conversão, como se sabe, Paulo será um grande fundador de diversas

comunidades cristãs, mas também acompanhará algumas que não foram por ele

fundadas, sendo considerado o apóstolo que evangelizou muitos cristãos, fazendo-os

conhecer o Evangelho de Cristo.

Desta sua obra missionária, surgiram as cartas que, após sua presença nas

cidades por onde passou, tornaram-se uma forma que o apóstolo se utilizou para

continuar sua missão, anunciando o Evangelho de Cristo. Deste modo, essas missivas,

que são a priori a principal fonte para estudar e conhecer Paulo e sua missão, se

tornaram um dos principais meios de evangelização do apóstolo. Sob essa luz,

Descobre-se nelas, [nas cartas], uma personalidade muito definida,

não tirada de nenhum livro, alguns destinatários e alguns

acontecimentos que não têm nada de comum (não procurados devido

ao prestígio de que gozem ou devido à sua celebridade) e uma vontade

de dizer àqueles destinatários exatamente aquilo que diz a carta 72

.

71

PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. O povo judeu e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã;

2002, p., 212. 72

BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p. 14.

34

Nessas epístolas, ao se reportar às suas comunidades, como também nos Atos

dos Apóstolos, que narram alguns eventos da vida de Paulo, se pode conhecer não

somente a obra missionária de Paulo, mas dentro das características biográficas que

nessas obras se encontram, é possível também perceber um caráter muito original, uma

pessoa valente que, diante de muitos problemas e adversidades, soube se posicionar

com muita coragem. Não obstante, Paulo conheça bem o judaísmo, no qual nasceu e se

educou, e também o cristianismo que, após sua conversão, passa a conhecer cada vez

mais, ele agirá sem receios, defendendo sua nova vida, sempre haurindo forças daquele

encontro que ocasionou sua mudança. Assim pode-se afirmar que:

Há uma confiança geral na sinceridade de Paulo. A coincidência entre

os estudiosos vai mais além: (bem como entre os fiéis e entre os

indiferentes) Paulo não suscita somente entusiasmo, mas também

antipatia. Isso predispõe a encontrar-lhe defeitos (talvez mais do que os

que tinha). Mas dá maior valor ao fato de que usualmente o apóstolo

não é acusado de mentiroso, nem sequer pelos mais críticos 73

.

Nessa valentia frente às adversidades e confrontos que teve que assumir com os

da sua raça, e também defronte às dificuldades que teve que embater com os cristãos por

ele evangelizados, se verifica, em Paulo, a presença de um caráter parresiástico. O

apóstolo, diante de todas essas situações, se portava sempre com parresía, seja para

enfrentar sem medo os problemas que lhe eram externos, ou ainda para confrontar,

exortar e animar as comunidades seguidoras de Cristo.

Portanto, neste tópico, busca-se analisar essa característica parresiástica do

apóstolo Paulo. Citando alguns fatos biográficos de suas cartas e de Atos dos Apóstolos,

observa-se como ele, se apropriando e bem utilizando de tudo aquilo que tinha recebido,

soube usar com muita sensatez esse atributo, não só outrora recebido nas aulas de

retórica assistidas em Tarso, mas também uma propriedade inerente ao seu caráter,

levado a uma nova direção, após o encontro com o Ressuscitado.

O substantivo parresía aparece 31 vezes no Novo Testamento 74

, das quais 5

vezes ocorrem nos Atos dos Apóstolos e 8 nas cartas de Paulo, ou a ele atribuídas. As

73

BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p.14. 74

“En textos judíos parrhsi,a (12 vezes en la LXX; el verbo parrhsia,zomai 5 veces) adquiere un

significado nuevo y singular (cf. especialmente van Unnik): Así como Dios saca de la servidumbre a los

libertados, que salen <<con libertad y con la cabeza alta>> (h]gagon u]maς / meta. parrhsi,aς, Lev 26,13), así

también la persona justa y aceptada por Dios tiene <<libertad, confianza y gozosa seguridad>> (cf. Job

22,26: parrhsiasqe,sh e]nanti kuri,ou anable,yaς eiς to.n ourano,n ilarw/ς; en sentido escatológico em

Sab 5,1), pero no así el ímpio (Job 27,10; Prov 13,5). Dios mismo se manifiesta abiertamente en la

palabra y en el juicio [...], y hace justicia al despreciado, de tal modo que éste puede invocarle con

confianza, y al mismo tiempo Dios refrena al malvado. Por tanto, la parrhsi,a del piadoso tiene su origen

en la parrhsi,a de Dios [...], y se muestra como la verdadera audacia y valentía del sabio y de los amigos

35

outras 18 ocorrências encontram-se nos evangelhos (tanto sinóticos como joanino), na

primeira carta de João e na carta aos Hebreus. Já o verbo, que no Novo Testamento

consta 9 vezes, 7 estão presentes nos Atos dos Apóstolos e 2 nas cartas aos

Tessalonicenses e aos Efésios (1Ts 2,2; Ef 6,20). Confere-se, portanto, uma presença

significante deste termo nos escritos do Novo Testamento e, mais ainda, no que se

refere ao apóstolo Paulo.

No livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo aparece pela primeira vez no relato da

morte de Estevão (cf. 7,58). O autor do livro, antes de começar a construção do

personagem Paulo, apresenta algumas carcterísticas da vida do Apóstolo antes do seu

encontro com o Ressuscitado. Nesta breve introdução, presente no capítulo 8, o autor

mostra como Paulo “devastava a Igreja: entrando pelas casas, [arrancando] homens e

mulheres e [metendo-os] na prisão” (8,3).

Em At 9,19-22 Paulo, logo após seu chamado-conversão, anuncia nas sinagogas

de Damasco, proclamando que Jesus é o Filho de Deus. Logo em seguida, Barnabé leva

Paulo consigo a Jerusalém e manifesta aos apóstolos a conversão de Paulo e como ele

havia anunciado em Damasco: “...contou-lhes como, no caminho, Saulo vira o Senhor,

o qual lhe dirigiu a palavra; e com que intrepidez (parresía), em Damasco, falara no

nome de Jesus. Daí por diante, ia e vinha entre eles, em Jerusalém, falando com

intrepidez (parresía) no nome do Senhor” (At 9,27-28).

Na citação anterior, é possível observar como o autor pretendeu colocar logo

após a conversão de Paulo esse acontecimento da pregação em Damasco. Isso mostra

como o encontro com o Ressuscitado provocou em Paulo uma atitude incondicional e

imediata frente ao anúncio do Evangelho. Tal observação torna nítida a intenção do

autor do livro dos Atos dos Apóstolos em propor que o discipulado de Cristo, como se

observa no caso de Paulo, é urgente, ou seja, impele aquele que se encontrou com Cristo

a não permanecer no simples conforto de sua vida, mas passar subitamente ao

primordial da vida cristã, isto é, o amor ao próximo, realizado primeiramente pelo do

anúncio do Evangelho.

Na sinagoga de Antioquia da Pisídia, Paulo prega diante dos judeus. Naquela

pregação, apresenta-lhes a história da salvação que Deus realizou com o povo de Israel.

Narra como essa história se cumpriu em Jesus, pois “conforme a promessa, Deus fez

surgir a Israel um Salvador, que é Jesus” (At 13,23). Os judeus sentem inveja de Paulo e

de Dios”. BALZ, Horst. Παρρησία. In: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento. Vol. II.

Salamanca: Síguime, 2012, p. 804.

36

Barnabé, porém estes, a partir desse momento, tomam uma decisão, com parresía, que

mudará o destino de sua missão: “Com toda a intrepidez (parresía), porém, Paulo e

Barnabé disseram: „Era preciso que a vós primeiro fosse dirigida a palavra de Deus.

Uma vez, porém, que a rejeitais e julgais a vós mesmos indignos da vida eterna, nós nos

voltamos para os gentios” (At 13,46).

Vê-se, portanto, que neste confronto com os judeus, Paulo não hesita

primeiramente em anunciar que todas as promessas e profecias do Antigo Testamento se

cumpriram em Jesus e, ademais, frente à algumas oposições, anuncia-lhes com

franqueza que rejeitaram a palavra de Deus e recusaram a vida eterna. Essa atitude

acarreta-lhes uma consequência, que como se pôde ver nos tópicos anteriores, é uma das

consequências ao se utilizar da parresía: a rejeição. “Mas os judeus instigaram as

mulheres religiosas de mais prestígios, bem como os principais da cidade, e moveram

perseguição contra Paulo e Barnabé, expulsando-os de seu território” (At 13,50). Diante

desta primeira rejeição e perseguição, em que o apóstolo se utiliza da parresía, nota-se

uma consequência que é fruto de seu encontro com Jesus Cristo: “Quanto aos

discípulos, achavam-se repletos de alegria e do Espírito Santo” (At 13,52).

Não obstante tenham sido rejeitados e perseguidos, se encontram com alegria e

repletos do Espírito, pois o conteúdo da mensagem que anunciaram não era

fundamentado na sua própria pessoa, mas na pessoa de Jesus Cristo. Assim sendo, a

franqueza, a parresía que encontram nesse anúncio brota da força do Evangelho de

Cristo. “El Espíritu del Exaltado mismo es el que confiere autoridad a sua douloi [...]

para que hagan una proclamación franca e intrépida del evangelio” 75

. A respeito desta

relação entre parresía e Espírito, se verá com mais detalhes no terceiro capítulo.

Na cidade de Icônio, segundo At 14,1-7, os apóstolos Paulo e Barnabé, ao

anunciar aos gregos, vivem uma experiência semelhante de rejeição e perseguição com

aquela sofrida em Antioquia da Pisídia. Nessa cidade, forma-se uma conjuração de

judeus e gentios para ultrajar e apedrejar Paulo e Barnabé, no entanto, eles se

encontravam “cheios de intrepidez no Senhor, que dava testemunho à palavra da sua

graça e concedia que se realizassem sinais e prodígios por meio de suas mãos” (At

14,3).

No livro dos Atos dos Apóstolos são esses alguns fatos que manifestam a

parresía como uma característica paulina, porém, muitos outros podem ser citados, que

75

BALZ, Horst. Παρρησία. In: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento; 2012, p. 807.

37

manifestam a força e a coragem com que o apóstolo anunciava o Evangelho de Cristo.

No areópago de Atenas (cf. At 17,22-24) Paulo é zombado por falar da ressurreição dos

mortos; em Corinto, é entregue à justiça (cf. At 18,12-17); e é nessa cidade que o

Senhor lhe aparece numa visão noturna e o encoraja: “Não temas. Continua a falar e não

te cales. Eu estou contigo” (cf. At 18,9-10). Em Éfeso, diante do motim que se cria com

os ourives da cidade, Paulo se porta com coragem frente a este tumulto (cf. At 20,1).

Tudo isso sem mencionar as vicissitudes externas que Paulo enfrenta na sua

missão, como naufrágios, picadas de serpentes, prisões, açoites e apedrejamentos.

Nesses acontecimentos, observa-se um caráter corajoso de Paulo, que não se deixa levar

pelos obstáculos que lhe aparecem na evangelização, mas continua a exercer seu

apostolado com toda ousadia. O livro dos Atos dos Apóstolos conclui-se com a menção

da estadia de Paulo em Roma, cidade na qual, segundo a tradição, foi martirizado. Nesta

narrativa destaca-se que ele continuava a anunciar o Reino de Deus com toda a

parresía: “Paulo ficou dois anos inteiros na moradia que havia alugado. Recebia todos

aqueles que vinham visitá-lo, proclamando o Reino de Deus e ensinando o que se refere

ao Senhor Jesus Cristo com toda a intrepidez (parresía) e sem impedimento” (At

28,31).

Por outro lado, é muito claro, ao se ler as cartas de Paulo, como ele, se utiliza da

força e da coragem de anunciar o Evangelho, busca exortar as suas comunidades,

sempre à luz da boa nova de Cristo, a viverem de acordo com a Palavra que lhes fora

anunciada. Para tanto, Paulo sempre os encoraja e os estimula a uma mudança de

comportamento ou de atitudes morais (cf. Rm 2,12-14; 17-29; 1Cor 5, 9-13; 6,12-14),

como às vezes também os censura por práticas ilícitas ou não coerentes com o anúncio

que lhes fora feito. A esse respeito, destaca-se que:

Los testimonios paulinos y deuteropaulinos muestran una

compreensión propia y singular. Pablo usa siempre pαρρησία com paς o poluς: según Flp 1,20, El espera no ser avergonzado en ningún

aspecto, sino que ahora, como siempre, Cristo sea glorificado en su

soma (el cuerpo de un preso). [...]. La esperanza de Pablo es que, por

medio de su propio cuerpo, ya sea en su actividad misionera o bien

sufriendo la muerte por Cristo, la glorificación de Cristo se fomente,

una glorificación abierta en todos los aspectos, no limitada por nada y

que, por tanto, se realiza con toda notoriedad 76

.

Assim sendo, observa-se que na missão de Paulo, tendo agora por base suas

cartas, a parresía outorga ao apóstolo uma força para defender sempre o Evangelho.

76

BALZ, Horst. Παρρησία. In: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento; 2012, p. 808.

38

Muitos são os problemas que surgem em sua ação evangelizadora e, muitas de suas

cartas também advieram com intenção de resolvê-los. Não obstante, Paulo segue sua

missão, haurindo sempre forças daquele encontro com Cristo. Assim,

A linguagem franca de Paulo sempre ocorre em conexão com um

grupo, seus seguidores. Algumas vezes sua linguagem franca refere-se

a indivíduos (como em Fl as duas mulheres, em 2Cor 2 o “ofensor”,

ou em Filêmon), mas sempre envolve a comunidade toda junto com os

indivíduos. Em outras ocasiões, a linguagem franca de Paulo

certamente envolve a comunidade mas tem relação com forasteiros

que proclamam seu devotamento em competição com Paulo. Em tais

casos, a linguagem franca de Paulo não apenas exorta seus seguidores

a uma mudança, mas com frequência, às vezes indiretamente, inclui

uma crítica aos forasteiros ou uma comparação com eles 77

.

Em suas cartas, de um modo particular Gl, Paulo se utiliza da parresía para

tratar de problemas concretos que aquelas comunidades estavam passando. A carta,

direcionada às igrejas da Galácia, foi escrita após Paulo ter observado que as

comunidades estavam empreendendo outro rumo, seguindo outro evangelho, diferente

daquele que ele próprio havia anunciado. Isso se deu porque “forasteiros vieram à

província romana da Galácia e interferiram nas igrejas paulinas, insistindo em que os

homens deviam circuncidar-se e que todos deviam comprometer-se com aquilo que os

intrusos consideravam a fidelidade adequada à Lei” 78

.

Paulo não hesita em exortar essas igrejas que rapidamente abandonaram o

Evangelho de Cristo. Ele até se diz admirado dessa atitude que tiveram e não só faz

questão de reforçar no decorrer da carta a sua missão de apóstolo recebida do próprio

Cristo, como, também, ratifica que a Boa Notícia que ele anuncia não pertence a

nenhum homem: “Eu vos faço saber, irmãos, que o Evangelho por mim anunciado não é

segundo o homem, pois eu não o recebi nem aprendi de algum homem, mas por

revelação de Jesus Cristo” (Gl 1,11-12).

A linguagem franca recorre a um reservatório de boa vontade

construído pelo amigo que fala francamente; do amigo se requer

coerência de comportamento e preocupação genuína. De numerosos

modos Paulo recorda aos gálatas o seu ethos, fazendo referência ao

seu desempenho passado e à sua preocupação presente. O refrão de Gl

1-2 é o refinamento e o aperfeiçoamento do ethos de Paulo e sua

oferta de si mesmo como modelo a ser emulado na presente crise [...].

Assim, desde o início, Paulo estabelece que Deus, e nenhum ser

humano, tem orientado sua vida 79

.

77

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 277. 78

Idem, p. 262. 79

Idem, p. 263.

39

Por conseguinte, embora Paulo tenha que se utilizar da parresía para corrigir os

irmãos das igrejas gálatas, ele não deixa de animá-los e elogiá-los, pois sabe que esses

cristãos receberam e acolheram o anúncio da pregação, por meio do Espírito e, sabe

também que essa mesma palavra estava produzindo frutos na vida deles. Porém, sendo

um apóstolo e pastor, Paulo não pode deixar que estrangeiros roubem a glória da Boa-

Nova de Cristo e sendo necessário, escreve com parresía.

O apóstolo anseia que esses irmãos possam viver a beleza do Evangelho em

plenitude, e toma todas as atitudes necessárias que isso possa ocorrer: “meus filhos, por

quem sofro de novo as dores do parto, até que Cristo seja formado em vós. Quisera estar

no meio de vós agora e mudar o tom da voz, pois não sei que atitude tomar a vosso

respeito” (Gl 4, 19-20). No tocante a esse aspecto, Sampley acrescenta que:

Embora a amizade (matriz social da parresía) no tempo de Paulo

aconteça mais tipicamente entre pessoas de status e posição social

diferentes, o uso do conceito em Paulo é tão cuidadosamente

transformado no seu próprio mundo de ideias que é assimilado à

família de Deus. As relações de Paulo com suas comunidades são

fundamentalmente ambivalentes e essa ambivalência aparece no

estudo do uso paulino da linguagem franca. Por um lado, Paulo e seus

seguidores são iguais em Cristo; são igualmente dependentes da graça

divina; todos eles foram do mesmo modo libertados do poder do

pecado; [...]. Sob todos esses aspectos, Paulo e seus sequazes não são

diferentes. Porém, quando se trata do desenvolvimento moral e

espiritual deles [...] Paulo é em última análise responsável por eles.

[...]. Ele é ao mesmo tempo amigo e apóstolo deles 80

.

Em conclusão, tomando como exemplo alguns pontos do livro dos Atos dos

Apóstolos e da carta aos Gálatas, pode-se analisar brevemente como a parresía estava

presente na vida e na missão do apóstolo Paulo. Ademais, pôde-se ainda notar como

Paulo era um homem do seu tempo, que viveu num lugar concreto e absorveu da cultura

de sua época muitas possibilidades e características. E ainda mais, foi possível conferir

como o fato culminante da sua vida, isto é, o encontro com Jesus Cristo no caminho de

Damasco, redimensionou todas essas possibilidades e características que ele possuía até

então. Deste modo, o apóstolo passa a se oferecer totalmente ao anúncio do Evangelho

de Cristo, exortando com franqueza seus discípulos. No capítulo seguinte, se analisará a

parresía na carta aos Efésios, fazendo inicialmente uma análise exegética da perícope

escolhida.

80

SAMPLEY. Paulo e a linguagem franca; 2008, p. 278.

40

CAPÍTULO SEGUNDO

ANÁLISE EXEGÉTICA DE EFÉSIOS 6,18-20

2. Autenticidade da Carta

A chamada carta aos Efésios faz parte de um conjunto de cartas, que na

atualidade, é conhecido por deutero-paulinas. Este é assim denominado, pois as recentes

pesquisas têm concluído que com grande probabilidade são epístolas que não foram

escritas pelo próprio Paulo, mas sim por discípulos do Apóstolo. Portanto, de escola

paulina.

A carta aos Efésios até o final do século XVIII era reconhecida como um escrito

propriamente paulino. “L‟antichità cristiana ha universalmente riconosciuto Efesini

come lettera paolina autentica, anche se questa qualifica non aveva certo la stessa

portata attribuitale dal più recente metodo storico-critico” 81

. Muitos padres e doutores

da Igreja, já nos primeiros séculos da história do cristianismo, atribuindo este escrito ao

Apóstolo dos gentios, fizeram referência a esta carta, apresentando em vários de seus

tratados a importância deste texto para a educação e formação da vida cristã 82

.

No entanto, é a partir da Idade Moderna que começaram a surgir dúvidas quanto à

sua autenticidade. Primeiramente, colocou-se em questão duas características mais

importantes, o endereço do escrito, isto é, se de fato ele estava direcionado à

comunidade de Éfeso e não à outras comunidades da Ásia Menor, como também o

estilo literário que acentuadamente se diferenciava das demais cartas paulinas. Assim, a

referida carta tornou-se objeto de pesquisa de diversos exegetas e comentadores dos

textos paulinos 83

.

81

PENNA, Romano. Lettera agli Efesini. Bologna: Edizioni Dehoniane Bologna, 2010, p. 14. 82

Cf. Ibdem. Fabris também comenta a importância desta carta nos escritos dos padres da Igreja dos

primeiros séculos, como também de outros teólogos que ao longo da história aludiram a este escrito:

“Posto à sombra das grandes cartas de Paulo, esse breve escrito foi comentado pelos Padres da Igreja,

como Efrém, o Sírio (séc. IV), João Crisóstomo (séc. V), Jerônimo (séc. V) e, depois, pelos mestres e

teólogos da Idade Média (Tomás de Aquino, séc XIII)”; FABRIS, Rinaldo. As cartas de Paulo. São

Paulo: Loyola, 1992, p. 131. 83

Cf. KOBELSKI, Paul J. Carta aos Efésios. In: BROWN, R.; FITZMYER, J.; MURPHY, R. Novo

Comentário Bíblico São Jerônimo, Novo Testamento e Artigos Sistemáticos. Campinas: Academia

Cristã; São Paulo: Paulus, 2011, p. 618: “De modo geral desde o séc. II até o séc. XVIII, a atribuição de

Ef ao apóstolo Paulo não foi questionada. No final do séc. XVIII, a autoria paulina começou a ser

contestada. Entre os estudiosos modernos que defendem a autoria de Paulo estão Barth, Benoit, Bruce,

Caird, Dahl [...], Foulkes, Percy, Rendtorff, Schlier e Zerwick. Alguns defensores da autenticidade

modificam sua posição sustentando que um núcleo paulino da carta foi expandido ou alterado por um

discípulo, um escriba ou um interpolador [...]. Entre os que sustentam a pseudonimidade estão Allan,

Bare, Conzelmann, Dahl, Dibelius, Gnilka, Goodspeed, Käsemann, Kirby, Mitton e Schnackenburg [...].

O questionamento da autoria se baseia no conteúdo, no vocabulário e estilo, nas diferenças teológicas em

41

Nell‟età moderna si fanno strada i primi interrogativi circa

l‟originalità letteraria e teologica di Efesini, che condurrano all‟attuale

posizione di diffuso scetticismo sull‟autenticità della lettera. Il primo

dubbio è testimoniato da Erasmo da Rotterdam (nel 1519) ed è

causato dallo stile di Efesini, che secondo il dotto umanista non

sembrava corrispondere esattamente a quello di s. Paolo. Sul finire del

secolo XVI, Teodoro di Beza, successore di Calvino e attento cultore

di testi biblici, riteneva che la lettera non poteva essere indirizzata solo

agli efesini ma anche ad altre comunità dell‟Asia Minore, a motivo del

suo indirizzo testualmente problematico e del suo tono generale 84

.

Foi precisamente em 1792 que Evanson duvidou pela primeira vez da

autenticidade paulina da carta. Vale lembrar que outros estudiosos anteriormente tinham

colocado em dúvida a questão da autenticidade da carta. No entanto, os mesmos não

tinham afirmado categoricamente este problema.

Desde então, a carta que proclama a mensagem da unidade e o

„evangelho da paz‟ não teve mais paz, porque foi submetida às

análises e contra-análises dos autores, seja por parte dos que

defendiam ferozmente sua autenticidade paulina, seja por parte dos

que obstinadamente a negavam 85

.

A dúvida acerca da autenticidade da carta se dá por diversos fatores, como já

descrito. Os manuscritos mais antigos, como o Papiro 46 e os códices Vaticano e

Sinaítico, não trazem em suas versões as palavras “em Éfeso” presente na saudação da

carta 86

. Esta a ausência de destinatários ou referências aos cristãos de Éfeso, uma vez

que o apóstolo tenha estado nesta cidade por três anos (cf. At 20,31), torna-se um fator

que incute na inautenticidade da carta.

A partir do final do séc. II, a tradição cristã identificou esta carta

sendo “Aos Efésios” (Cânone Muratoriano, Irineu, Clemente de

Alexandria). Embora o sobrescrito “Aos Efésios” esteja presente em

todos os manuscritos do NT, a expressão “em Éfeso” está ausente de

1,1 no P46

(o mais antigo texto de Efésios), dos originais dos

importantes códices Vaticano e Sinaítico do séc. IV 87

.

As novidades linguísticas e a originalidade teológica de Ef – que estão

na origem do debate sobre a autenticidade paulina do escrito – são

justamente os fatores que mais chamam a atenção do leitor. É original

e fecunda de desenvolvimentos a apresentação da salvação cristã em

termos de unificação e paz dos homens entre si e com Deus, através

relação às cartas paulinas incontestes, na dependência literária do corpus paulino e na dependência

literária em relação a Cl”. 84

PENNA. Lettera agli Efesini; 2010, p. 16. 85

FABRIS. As cartas de Paulo; 1992, p. 131. 86

BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p.357. 87

KOBELSKI. Carta aos Efésios; 2011, p. 617.

42

das imagens do organismo vivo (“corpo”) e da construção espiritual

(“templo”) 88

.

Em outras palavras, no critério de autenticidade da carta, os fatores que outorgam

maior peso nessa problemática são o estilo e o léxico utilizados. Diferente em vários

aspectos das sete cartas consideradas autênticas do Apóstolo, a carta aos Efésios possui

uma linguagem distinta, por mais que a carta “em uma palavra, [...] tem todos os

defeitos de Paulo (falta de ordem e de sinais de pontuação) 89

.

De fato, a pequena composição abre-se com um endereço e saudação e

encerra-se com uma saudação ou bênção, que fazem lembrar o clichê

das outras cartas neotestamentárias. Mas se tirarmos esses dois

elementos da moldura, o escrito, como um todo, pareceria uma

composição literária no estilo do discurso ou homilia dirigida a

hipotéticos ouvintes. [...]. Mas, além desses elementos que dão uma

certa unidade e coerência formal ao escrito, percebem-se articulações

literárias e temáticas mais precisas 90

.

Contudo, não é intenção do presente capítulo esgotar a discussão acerca da

autenticidade da carta aos Efésios. A breve alusão oferece apenas um simples aceno

sobre esta problemática, uma vez que o termo de estudo nesta dissertação, assim como a

perícope analisada compõe este escrito canônico.

2.1 Delimitação da perícope

Todo texto, e mais ainda os textos bíblicos, ao serem analisados, precisam antes

de tudo serem delimitados para que o foco de estudo seja direcionado. Vários são os

critérios utilizados na delimitação de um texto. Silva, na sua obra sobre as metodologias

de exegese bíblica, atesta que os elementos que indicam um novo início são

basicamente a mudança de assunto ou um novo argumento: “delimitar um texto,

portanto, significa estabelecer os limites para cima e para baixo, ou seja, onde ele

começa e onde ele termina” 91

.

A perícope analisada nesta dissertação (6,18-2092

), segundo Bosch, encontra-se

numa divisão maior da carta, isto é, dentro da conclusão (6, 10-24). Este mesmo autor

88

FRABIS. As cartas de Paulo; 1992, p. 132. 89

BOSCH. Escritos Paulinos; 2002, p. 360. 90

FABRIS. As cartas de Paulo; 1992, p. 132. 91

SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 68. 92

Quanto a Ef 6, 18-20, antes de tudo, é necessário afirmar que a perícope não apresenta grandes

problemas de crítica textual. A análise do aparato crítico nos oferece a identificação de um único

problema: No v. 19 encontra-se: kai. upe.r evmou/( i[na moi doqh/| lo,goj evn avnoi,xei tou/ sto,mato,j mou( evn parrhsi,a| gnwri,sai to. musth,rion tou/ euvaggeli,ou. A questão está no final deste versículo, onde emerge o

43

apresenta a seguinte divisão da carta: uma introdução (1,1-23); uma explanação sobre as

bases do cristianismo (2,1-22); diversas exortações quanto ao ministério apostólico (3,1-

21) e à família cristã (5, 21-6,9); uma exortação ampla e geral de encorajamento à vida

de oração (6, 10-20)93

; e as recomendações e saudações finais (6,21-24). Deste modo, a

perícope em questão se relaciona com o argumento sobre a oração cristã.

Como já visto a perícope encontra-se dentro de uma delimitação mais abrangente

(isto é, Ef 6,1-20). No entanto, como pode-se conferir, nos dois últimos versículos, o

autor da carta se posiciona de um modo diferente. Até o versículo 17, são apresentadas

as formas de oração da vida cristã, comparando esta mesma oração a um combate. Já

nos versículos 18 a 20, o autor dirige aos destinatários um apelo. Pede-lhes que com os

ensinamentos recebidos acerca da oração, rezem por todos os santos e também por ele.

Aparecem, deste modo, elementos que poderiam indicar uma nova perícope, como a

presença de novos personagens (nesse caso os santos e o próprio autor) e uma

introdução a um discurso 94

, dentro do mesmo tema, porém, com outra perspectiva. Já

não mais como uma instrução, senão como um pedido direcionado.

Nesta apresentação da vida de oração de um fiel como um combate, o autor

“analogiza” os combates da fé com situações concretas de um combate físico 95

. No fim

desta exortação, antes das saudações finais, encontra-se este pedido do autor à

comunidade, pedindo que estes rezem por todos os santos e também por ele. Dentro

deste requisição, o autor pede que os fiéis orem no Espírito, para que lhe seja dado

anunciar o mistério do Evangelho com parresía, com franqueza, sem impedimentos.

pedido paulino para que a comunidade, ao orar por ele, suplique para que lhe seja dada a palavra, para

anunciar com franqueza (parresía) o mistério do Evangelho (tou/ euvaggeli,ou(). A Lição 1 apresenta

muitos manuscritos que concordam em apresentar este anúncio com o mistério do Evangelho. São eles:

Sinaítico א (séc. IV) , Alexandrino A (séc. V), Bezae Cantabrigiense D (séc. V), Código Freerianus I (sec.

V), Moskensis K (séc. IX), Código Porphryanus P (sec. IX), Athous Lavrensis ψ (séc. IX/X), e nos

manuscritos 33 (séc. X), 81 (sec. VI), 88 (sec. V-VI), 104 (sec. VI), 181 (sec. IV-V), 326 (sec. XII), 330,

436 (sec. XI), 451, 614 (sec. XIII), 629 (sec. XIV), 630 (sec. XIV), 1241 (sec. XII), 1739 (sec. X), 1877,

1881 (sec. XIV), 1962 (sec. XI), 1984, 1985, 2127 (sec. XII), 2492, 2495 (sec. XIV-XV), Byz Lect,

Família Itala itar,c,d,dem,e,f,x,z

, Vulgata vg (sec. IV-V), Síriaca Peshita e Harclense syrp,h

(séc. VI), Copta

Saídica, Boaírica, Famiúca copsa,bo,fay ms

(sec. IV), Saídica, Biaírica, Famiúca cop (sec. IV-V), goth,

Armenia arm (sec. V), Crysostom, Jerome, Euthalius, Theodoret, John-Damascus //. Na Lição 2, os que

omitem “do Evangelho” são: Códices Vaticano B (séc. IV), G (sec. IX), Família Itala itg,mon

, Copta

Famiúca copfay ms

(sec. IV), Tertullian (ms. sec. IX), Ambrosiaster (sec. IV), Victprius-Rome, Ephraem.

Deste modo, vendo a grande quantidade de testemunhos que possui a Lição 1, entre eles o Código

Sinaítico (séc. IV) e o Código Alexandrino (séc. V), que, por sua vez, são os mais antigos, pode-se,

segundo a crítica externa, pelo critério de antiguidade, ver que esta seja a mais provável. 93

Cf. BOSCH. Escritos Paulinos; 2008, p. 362. 94

SILVA. Metodologia de Exegese Bíblica; 2009, p. 70-71. 95

Cf. MONTANO, Giuseppe. Rivestitivi dell’armatura di Dio (Ef 6,10-20): La nostra bataglia non

contro sangue e carne ma contro le potenze. Assisi: Cittadella Editrice, 2010, p. 13.

44

2.1.1 Segmentação

A perícope está composta de três versículos:

18 a Dia. pa,shj proseuch/j kai. deh,sewj proseuco,menoi evn panti. kairw/ evn pneu,mati(

b kai. eivj auvto. avgrupnou/ntej evn pa,sh| proskarterh,sei kai. deh,sei

c peri. pa,ntwn tw/n a`gi,wn

19 a kai. u`pe.r evmou/(

b i[na moi doqh/| lo,goj

c evn avnoi,xei tou/ sto,mato,j mou(

d evn parrhsi,a| gnwri,sai to. musth,rion tou/ euvaggeli,ou(

20 a u`pe.r ou- presbeu,w evn alu,sei(

b i[na evn auvtw/| parrhsia,swmai(

c w`j dei/ me lalh/saiÅ

VERBOS SUBSTANTIVOS CONJUNÇÕES PREPOSIÇÕES ARTIGOS ADJETIVOS PRONOMES

2.1.2 Tradução

18 a Com toda oração e súplica orai em todo tempo no Espírito,

b e dentro deste mesmo vigiai com toda perseverança e súplicas

c por todos os santos

19 a e sobretudo por mim,

b para que me seja dada a palavra,

c na abertura da minha boca,

d com franqueza revelar o mistério do Evangelho

20 a pelo qual sou embaixador em cadeia

b para que nele eu fale francamente

c como é necessário que eu fale.

VERBOS SUBSTANTIVOS CONJUNÇÕES PREPOSIÇÕES ARTIGOS ADJETIVOS PRONOMES

45

2.2 Análise morfossintática

A segmentação manifesta bem a cadência crescente e amplificadora da pragmática

do texto. A perícope está composta por 10 orações, sendo que a primeira delas é a

oração principal: 8 são subordinadas e 1 oração, que é a final, é coordenada. No texto

grego, existem 56 vocábulos, sendo que 9 são verbos.

Os verbos aparecem utilizados: proseuco,menoi e avgrupnou/ntej são formas nominais

do verbo, no particípio, atribuindo ao sujeito de ambas as ações (“orar” e “vigiar”) uma

qualificação, uma adjetivação de executores de tais ações. Não se trata de um convite ou

ordem, pois a forma está no presente, o que atribui uma ação contínua e inacabada: vós

sois orantes e vigilantes. O verbo proseuco,menoi é depoente. Mas ambos têm sentido

ativo quanto à voz. Ambas as formas nominais estão declinadas no nominativo plural,

apontando para o mesmo sujeito: os interlocutores, a comunidade.

Por sua vez, doqh/ está no modo subjuntivo, pois se trata de um desejo subjetivo,

uma esperança. O fato do verbo estar no aoristo atribui à ação, quando for concretizada,

uma perenidade e atemporalidade típicas. A voz é passiva, pois o agente “palavra” é que

haverá de “ser dado”, 3ª pessoa do singular.

Já gnwri,sai é outra forma nominal do verbo: um infinitivo, usado para produzir um

“substantivo verbal”, uma ação titular, objetiva: “o revelar”. O aspecto aoristo impinge

à ação um sentido paradigmático e definitivo.

Presbeu,w está no modo indicativo, portanto, é uma informação objetiva e certeira,

ainda mais considerando-se o aspecto continuado do presente e da voz ativa dessa

primeira pessoa do singular. O sujeito afirma-se atual e direto na ação de ancião,

venerável, representante, e daí a ideia de “embaixador”.

O verbo Parrhsia,swmai é utilizado no modo subjuntivo, pois se trata de outro

desejo subjetivo, outra esperança. Também aqui, o verbo está no aoristo: quando o que

se espera for alcançado (falar, agir com franqueza) será uma ação que transcende o

tempo. A voz ativa reforça que o sujeito é o que espera e o que se lança à concretização

eventual.

Por conseguinte, dei/ é uma forma no presente do indicativo (voz ativa na 3ª pessoa

do singular) usada para expressar uma ideia modalizante do verbo: é necessário, é

preciso que... E por último, lalh/sai é também uma forma nominal do verbo: um

infinitivo, usado para produzir um “substantivo verbal”, uma ação titular, objetiva: “o

46

falar”. O aspecto aoristo compele à ação um sentido paradigmático e definitivo dessa

necessidade apontada pelo modalizante que a antecede.

A perícope começa com a oração (18a). Tal oração é construída com o verbo

proseuco,mai, que está no particípio médio no caso nominativo masculino plural. Os

sujeitos desse verbo são os santos e fiéis (cf. Ef 1,1) aos quais a carta é dirigida. Neste

caso o sujeito se encontro oculto. O verbo é qualificado por um adjunto adverbial

instrumental. Este adjunto inicia com a preposição Dia, que está regendo genitivo,

seguida de um adjetivo pa,shj, e dois substantivos proseuch/j e deh,sewj unidos por um

conectivo kai,. Essa construção genitiva aplica aos termos uma relação de referência

mútua, de ponto de partida: a oração e a súplica (ambos os termos no genitivo) são os

pontos de partida dessa função adjunta e que modifica o sentido do verbo. Seguido do

verbo há um advérbio temporal formado por uma preposição regendo dativo evn, um

adjetivo pa,nti e um substantivo kairw/ , ambos no caso dativo singular masculino.

Logo, finaliza-se com um adjunto adverbial de lugar formado por uma preposição

também regendo dativo evn mais um substantivo pneu,mati.

A seguinte oração (18b) (subordinada objetiva direta aditiva) tem por verbo

principal avgrupne,w (avgrupnou/ntej), que se encontra no particípio ativo (presente) no

caso nominativo plural. O “sujeito”, oculto, segue em concordância com o verbo da

primeira oração (proseuco,menoi) conforme citado no parágrafo anterior. Precede a

oração um conectivo kai,, introduzindo assim a oração subordinada. Referindo-se à

oração anterior ele retomará o adjunto adverbial de lugar evn pneu,mati96 por meio de uma

preposição regendo acusativo eivj mais o pronome demonstrativo auvto, repetindo

também um adjunto adverbial de lugar. Procede a este verbo, um adjunto adverbial de

modo, formado por uma preposição regendo dativo evn, dois substantivos no caso dativo

unidos por um conectivo proskarterh,sei kai. deh,sei.

Consequentemente, as duas próximas orações (18c e 19a), também são

subordinadas. Como elas estão unidas à primeira oração, apresentam o verbo elíptico

(proseuco,menoi). A primeira (18c) é uma oração substantiva objetiva indireta simples. O

substantivo a`gi,wn, acompanhado do artigo definido tw/n é precedido de um adjetivo

pa,ntwn. Ainda mais, esta oração é indireta, pois vem anteposta pela preposição peri,

96

O pronome demonstrativo auvto refere-se ao substantivo pneu,mati, presente na primeira oração. No

entanto, a preposição eivj, relacionada com evn, tem aqui o sentido de “dentro”, conferindo ao substantivo o

significado de lugar (dentro deste espírito). Por este motivo, evn auvto torna-se um adjunto adverbial de

lugar.

47

regendo genitivo, regência esta, que também se observa nos verbetes anteriores pa,ntwn

tw/n agi,wn.

Já 19a, é iniciada pelo conectivo kai,, seguida por uma preposição regendo genitivo

u`pe.r. Esta preposição tem por significado “em cima de”, “por sobre”, “sobretudo”,

“além”, enfatizando assim que a ação verbal da oração principal, da qual esta depende,

deve-se sobrepor, em nível de intensidade, em comparação com a oração anterior (18c).

Esta comparação se dá pela presença do conectivo kai,. Seguido da preposição u`pe.r, há

um pronome pessoal de 1ª pessoa do singular evmou, que refere-se ao autor do texto.

A oração 19b, subordinada, por sua vez, à oração anterior (19a), é adverbial final e

tem por verbo doqh/|. Conforme visto acima, este verbo se encontra no modo subjuntivo,

aoristo e na voz passiva. A passagem da oração precedente para esta subordinada a ela é

feita pela conjunção i[na, regendo dativo. Esta conjunção no dativo aplica a toda a

sentença a conotação de finalidade: “para que”, “a fim de que”. Logo após, segue um

pronome pessoal no caso dativo de 1ª pessoa do singular (moi). O sujeito desta oração

lo,goj, que se encontra no caso nominativo singular masculino, determina diretamente o

objeto “a ser dado” (doqh).

Destarte, a oração 19c, subordinada, consequentemente, à que lhe antecede (19b) é

uma oração adverbial temporal, uma vez que é iniciada pelo advérbio evn. Este advérbio,

regendo dativo singular neutro implica ao verbo uma conotação de tempo: “no

momento em que”, “quando”. Logo após, encontra-se o verbo avnoi,xei. (da raiz verbal

avnoi,gw – abrir). Este verbo tem por objeto um artigo tou/, um substantivo sto,mato,j e um

pronome possessivo de 1ª pessoa (mou), todos, no caso genitivo singular neutro.

Similarmente à oração supracitada (19c), a oração (19d) está subordinada também à

oração (19b). Esta, no entanto, tem por verbo gnwri,sai, que se encontra no infinitivo

aoristo. Esta sentença é introduzida por uma preposição e um substantivo (evn parrhsi,a).

Portanto, ocupa uma função adverbial com a qual qualifica-se diretamente o verbo (isto

é, “revelar”, “manifestar” com “franqueza”). Subsequente ao verbo segue um objeto

direto, composto de um artigo e um substantivo (to. musth,rion), ambos no caso

acusativo singular neutro. Qualifica este objeto um adjunto adnominal (tou/ euvaggeli,ou),

no caso genitivo singular.

Seguindo a análise, a próxima oração (20a) é de 3º grau. Isto significa que ela está

subordinada à oração que a anteverte. Ela também é uma oração adverbial, porém, pela

presença da preposição u`pe.r, que neste caso implica à sentença um motivo, uma

48

consequência (“em nome de”, “em favor de”), ela se caracteriza como uma oração

adverbial causal. Ainda mais, este advérbio, unido à conjunção subordinada ou=, impele

à sentença um sentido ainda maior de causa. O verbo presbeu,w, como já visto, está no

modo indicativo ativo. Unido ao advérbio u`pe.r, este verbo adquire seu sentido enquanto

está relacionado com objeto da oração anterior (to. musth,rion tou/ euvaggeli,ou). Quem

exerce a função objetiva de presbeu,w (embaixador), a faz em função de algo, neste caso

do “to. musth,rion tou/ euvaggeli,ou”. Esta oração finaliza com um adjunto adverbial de

lugar evn a`lu,sei (em cadeia).

A oração que segue é a 20b. Ela está vinculada à primeira oração da perícope.

Deste modo, por mais que esta oração possua um verbo próprio (parrhsia,swmai), pelo

fato de estar unida à 18a, ela é regida pelo verbo proseuco,menoi, e introduzida por uma

conjunção final i[na. Segue esta conjunção um adjunto adverbial de lugar, formado pela

preposição regendo dativo (evn) mais um pronome demonstrativo (auvtw/|). Este sintagma

faz menção ao adjunto adverbial de lugar presente na oração 18a (evn pneu,mati).

Destarte, i[na evn auvtw/|, significa “para que neste mesmo „espírito‟”. Finalizando esta

sentença consta-se parrhsia,swmai, que se encontra no modo subjuntivo aoristo. A voz

ativa deste verbo, como já visto, manifesta que o seu sujeito (neste caso o autor do

texto), almeja a realização de tal aplicabilidade.

Concluindo, a sentença final da perícope (20c) é uma oração coordenada

sindética comparativa. Esta oração, que está coordenada à 20b inicia-se com a

conjunção w`j e é composta de dois verbos dei/ e lalh/sai. A conjunção w`j implica à

oração uma denotação de qualidade. Já o verbo dei/ rege uma completiva de infinitivo

formada pelo verbo lalh/sai (“é necessário „eu falar‟”) que tem por sujeito um pronome

acusativo singular (me).

2.3 Análise semântico-pragmática

Em geral, toda pesquisa, para se chegar a uma conclusão e interpretação ao menos

parcial do significado seja do texto como um todo, seja de uma palavra específica,

requer que anteriormente seja feita uma análise semântica, e também pragmática, sobre

o seu significado. Esta análise permite ao pesquisador uma via de interpretação mais

segura, para se aproximar do seu sentido mais original.

Por meio de qualquer tipo de análise, dificilmente se chagará a uma conclusão

completamente objetiva e definitiva sobre o significado total da palavra. Ainda mais

49

quando está em jogo um texto da Sagrada Escritura. Vale lembrar ainda que esta não é a

intenção primária de tal dissertação. Com outras palavras, no que tange a um texto

antigo, não é possível, por mais análises que se possam empreender, chegar a uma

definição total do significado. Pois, é quase impossível conhecer de fato o que autor do

texto pretendia afirmar ao utilizar determinado enunciado, ou determinado termo. No

entanto, é sempre provável uma maior aproximação, mediante os métodos de análise

semântica e pragmática.

Para que esta aproximação ocorra, não se pode prescindir, antes de mais nada, do

contexto em que o texto foi formulado. É necessário que as duas análises sejam

realizadas simultaneamente. Seja o sentido da palavra mesma, seja o contexto em que

ela foi proferida.

Il significato è sempre un significato in una determinata situazione. Il

contesto in cui viene utilizzato quel determinato enunciato è parte del

suo significato. In altre parole, è difficile distinguere, in un

determinato messaggio, ciò che appartiene al senso e ciò che

appartiene invece alle implicazioni soggetive dei comunicanti. Non è

pensabile, cioè, che, in un determinato contesto comunicativo, si

capisca prima ciò che viene detto, e dopo, sulla base di un‟altra serie

di informazioni, ciò che con esso si sugerisce: il senso di un enunciato

è composto da ciò che viene detto e da ciò che viene suggerito con

quanto detto 97

.

Deste modo, é notório salientar que toda interpretação é válida enquanto se serve do

contexto em que o objeto pesquisado surge. Pois a comunicação necessita de vários

aspectos, isto é, a disponibilidade do interlocutor, o intercâmbio de significado e

interpretação de ambas as partes, seja do locutor, seja do receptor.

La comunicazione suppone la disponibilità degli interlocutori, da una

parte a farsi comprendere e a trovare quei canali che rendono possibile

lo scambio, dall‟altra ad accogliere i messaggi inviati, tentando di

riconoscere l‟unità di superfície e quella profonda, ad esplicitarne le

implicature, colmare le lacune 98

.

Portanto, com base no acima dito, a análise semântico-pragmática proporcionará

uma abertura de um horizonte mais amplo, no que se refere ao contexto geral de cada

enunciado, dentro do corpo das Sagradas Escrituras. Isto se dá, pois cada verbete, sendo

analisado de forma isolada, possui relação com a identidade bíblica que precede e

97

GRILLI, M; GUIDI, M; OBARA, E. Comunicazione e pragmatica nell’esegesi bíblica; 2016, p. 25. 98

Idem, p. 29.

50

sucede tal termo, fundamentando assim toda interpretação teológica e eclesiológica do

mesmo.

Além disso, a avaliação isolada de cada um dos termos que se seguem, permite

ainda uma vasta gama de relação entre o contexto escrito, a mais autêntica identidade da

comunidade para qual a carta é dirigida e o grau de fidelidade entre o AT e o anúncio da

Boa-Nova do Evangelho 99

.

Assim sendo, toda análise que será feita nos tópicos subsequentes, tem por base o

acima referido. Os termos que serão avaliados da perícope estudada no capítulo II,

buscará se aproximar o máximo possível de seu sentido próprio, dentro do contexto que

em foi elaborada.

2.3.1 Proseuco,mai (Orar) e A,grupne,w (Vigiar)

Como primeiro termo, pode-se analisar um conceito muito presente nos escritos

paulinos, e que de certo modo, constitui o centro da perícope. Trata-se do verbo

proseuco,mai, isto é, orar, pedir, suplicar. Todo o ministério paulino baseava-se na

oração e se desenvolvia a partir dela, pois “para Paulo, a experiência cristã era

essencialmente (e incessantemente) um ato de oração” 100

.

Note-se que, há vários verbos gregos, no NT, para expressar o ato de orar, pedir

e/ou súplica. Das 85 vezes que a raíz (proseuco,mai) aparece no NT, a única vez que se

faz presente na carta aos Efésios é justamente na perícope em análise. Cabe lembrar que

proseuco,mai, no NT, significa exclusivamente orar, pronunciar orações para pedir algo

o pedir por alguém 101

. De fato, a oração consiste em pedir e receber. Porém, com base

em outros textos do próprio Apóstolo, pode-se afirmar que o significado da oração

consiste em muito mais do que isso. Assim como Jesus, o Apóstolo dos gentios nos

deixou grande exemplo de orações práticas, como é possível perceber no cotexto da

99

A respeito desta estreita relação entre Antigo e Novo Testamento, o documento da Comissão Bíblica

sobre o Povo Judeu e as suas Sagradas Escrituras afirma: “Ao chamar de „Antigo Testamento‟ as

Escrituras do povo judeu, a Igreja não quis, de forma nenhuma, sugerir que elas estejam superadas e que

por isso podem ser dispensadas. Pelo contrário, a Igreja, sempre afirmou que Antigo e Novo Testamento

são inseparáveis. A sua primeira relação está precisamente nessa inseparabilidade. [...]. É à luz do Antigo

Testamento que o Novo compreende a vida, a morte e a glorificação de Jesus (cf. 1Cor 15,3-4). Mas a

relação é recíproca: de um lado, o Novo Testamento exige ser lido à luz do Antigo, mas, de outro,

convida a „reler‟ o Antigo à luz de Cristo Jesus (cf. Lc 24,45)”; PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. O

povo judeu e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã; 2002, p. 52. Também, no tocante a este

argumento, Jerônimo atesta: “Ignorar as Escrituras, é ignorar Cristo”; Cf. DV, 25. 100

HUNTER, W.B. Oração. in: HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G.

Dicionário de Paulo e sua cartas. São Paulo: Paulus; Vida Nova; Loyola, 2008, p. 890. 101

BALZ, Horst. Proseu,komai. in: BALZ, Horst; SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario Exegético del

Nuevo Testamento. vol II. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2012, p. 1172.

51

perícope, onde o autor apresenta, de um modo prático, a oração como uma batalha, e

assim incentiva os fiéis a viverem sua vida em Cristo (cf. Ef 6,10-17).

Proseuco,mai y proseukh, designan de manera global la oración de

Jesús y la oración de los creyentes e de la comunidad; al hacerlo así,

incluyen diversos aspectos e formas de la oración (adoración, petición,

intercesión, una oración especial concreta, la oración constante, la

oración “litúrgica” o efectuada en el culto divino), de tal manera que

los significados específicos deben deducirse por el contexto 102

.

Ademais, o verbo proseuco,mai sempre vai dirigido a Deus, pois a oração pode

ser caracterizada por preposições como intercessão em favor de outras pessoas 103

. No

entanto, em algumas ocorrências na Sagrada Escritura, esta raíz aparece relacionada

com alguma outra circunstância. Neste caso, o verbo está em relação com o Espírito (en

panti. kairw/ pneu,mati, em todo tempo no Espírito). Um adendo a este respeito, é que a

importância do Espírito na perícope analisada e a sua relação com o objeto de pesquisa

deste trabalho (a parresía), não será abordada neste capítulo, senão que, no capítulo

subsequente, no qual todo um tópico lhe será dedicado.

No entanto, esta relação da oração com o Espírito é de suma importância dentro

da teologia paulina. Para o Apóstolo, a verdadeira oração é obra do Espírito (cf. Rm

8,15.26; Gl 4,6). É o Espírito quem socorre a fraqueza humana, inspirando os crentes a

saber pedir o que de fato convém àqueles que foram chamados à filiação adotiva. Ainda

mais, a oração é um dom, uma dádiva celestial, derramada na vida daqueles que aderem

a Cristo pela fé. Ela não depende, nem se origina de um poder humano, uma vez que ela

nunca pode ser concebida como um mérito, mas tão somente como graça.

Assim como a própria fé, da qual a oração vai brotando, e com a qual

esta é praticamente idêntica, é uma dádiva celestial (cf. Ef 6,18,

orando no Espírito). Para Paulo, a oração é, em última análise, o

Espírito que habita em nós e nos dá energia, que conversa com o

próprio Deus [...]. Logo, a oração, para ser eficaz, não depende da

eloquência humana nem de qualquer estado de espírito específico. O

apóstolo ressalta, pelo contrário, que a oração operada no Espírito é

tanto evidência da certeza da salvação, quanto aumento da mesma 104

.

Além disso, outra propriedade da oração para o apóstolo Paulo, e por

conseguinte, para os seus discípulos, como é possível notar nos escritos deutero-

102

BALZ. Proseu,komai. In: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento; vol. II, 2012, p. 1175. 103

Cf. Idem, p. 1174. 104

SCHÖNWEISS, H.; BROWN, C. Oração. in: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário

Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1455.

52

paulinos, é que esta ação (de orar) pode ser elevada a uma atitude de vigilância e de

sinal de piedade. Ocorre aqui uma importante associação entre oração e vigilância. O

verbo grego avgru/pne,w, presente no versículo 18b, significa justamente “que não pode

dormir, vigilante”.

L‟associazione tra vigilanza e preghiera è ricorrente nel NT, è radicata

nella tradizione sinottica, fra i cui testi va menzionato Mc 14,38, ossia

il monito di Gesù ai discepoli addormentati nel Getsemani. L‟autore

riprende quindi un tema ben conosciuto anche al di fuori della Lettera

ai Colossesi. La quadruplice ripetizione dell‟aggetivo pas («ogni,

tutto») serve a denotare tutte le dimensioni della preghiera,

indicandone il genere («ogni sorta di preghiera»), il tempo («ogni

occasione»), la modalità («ogni perseveranza», ossia um‟assiduità

totale) e i destinatari («tutti i santi»), e allo stesso tempo evoca nel

lettore il senso dell‟urgenza e dell‟inderogabilità della preghiera 105

.

Sobre esta característica de vigilância da oração, pode-se acrescentar, segundo

Romanello, outra peculiaridade, isto é, a oração como um ato constante. Em vários

textos paulinos sublinha-se esta peculiaridade (cf. 1Ts 5,17; Rm 1,10; 12,12; Fl 1,3-4;

4,6; Cl 1,3; 4,2; 2Ts 1,11; 1Tm 2,8; 5,5)

Las cartas post-paulinas muestran que la oración se va conviertiendo

cada vez más en una manifestación vital amplia y determinante de las

comunidades cristianas primitivas, en signo de piedad en medio de un

mundo hostil a la salvación y de confianza en la cercanía auxiliadora

de Dios. La parénesis de la oración se encamina sobre todo a las

condiciones previas para orar como es debido: “permanecer

vigilantes” 106

.

Outro aspecto importante da oração é a perspectiva de intercessão. Esta oração

de intercessão emerge como uma característica essencial no pensamento paulino. O

Apóstolo tem por grande valia este aspecto, pois aquele que ora, está inserido como

mediador e intercessor perante Deus, ao suplicar pelas necessidades de alguém.

La oración alcanza su objetivo cuando los dones del Espíritu se

orientan hacia Dios y hacia la comunidad, y no se estancan em el

arrobamiento del entusiasmo. De ahí que, para Pablo, la oración sea

ante todo intercesión, intercesión que él hace em favor de las

comunidades [...], y que él espera a su vez de ellas (Rom 15,30; 1Tes

5,25; Fm 22), por que la intercesión de ellas no es outra cosa

compartir la lucha que se ha impuesto al apóstol 107

.

105

ROMANELLO, Stefano. Lettera agli Efesini. Milano: Paoline, 2003, p. 229-230. 106

BALZ. Proseu,komai. In: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento; vol. II, 2012, p. 1182. 107

Ibidem.

53

Deste modo, é justamente nesta perspectiva que se encaixa o pedido que realiza

o autor na perícope estudada. Ele pede aos irmãos que orem, no Espírito, por todos os

santos e também por ele. Não se trata de um pedido genérico por ele. Mas de pedir e

orar para que lhe seja dado algo, para que ele possa receber isso das mãos de Deus, em

função da missão que ele exerce em favor das comunidades. E neste caso, o pedido

consiste em que lhe seja dada a capacidade de anunciar o mistério do Evangelho com

toda parresía, com toda franqueza, sem nenhum empecilho.

Este pedido de oração está vinculado à obtenção de alguma coisa. Portanto, a

oração, enquanto graça, é um meio para atingir uma outra graça, neste caso a parresía.

Isto denota que o recebimento da parresía era para o autor de suma importância. Por

isso, ele não deseja somente alcançá-la, senão que pede à comunidade a qual a carta é

dirigida que orem por ele para obtê-la. Já que, como visto, a oração possui também a

característica de intercessão, esta seria um meio para lograr aquilo que deseja.

Assim sendo, a participação dos fiéis na vida missionária do Apóstolo, não é

uma ação passiva, mas ativa. Eles (os fiéis), mediante a sua prática de oração e

intercessão junto a Deus, colaboram e sustentam o missionário no seu trabalho

evangelizador e, por sua vez, são os beneficiados da graça concedida por Deus ao

apóstolo.

2.3.2 Lo,goς (Palavra)

O substantivo lo,goς ocorre 330 vezes no Novo Testamento, a sua grande

maioria nos Evangelhos (129). No entanto, nas cartas paulinas autênticas, este termo

aparece 48 vezes e nas deutero-paulina outras 48 vezes. Contudo, em Efésios, o

vocábulo ocorre apenas 4 vezes, sendo que uma delas na perícope em questão.

O termo possui uma gama de significados e atribuições: palavra, discurso,

linguagem, relato, enunciado, sentença, pregação, ensinamento e muitos outros. Na

LXX, o termo é a tradução do substantivo דבר (dabar) do hebraico. Por conseguinte,

para uma melhor compreensão do termo, dentro da carta aos Éfesios, é mister analisar

alguns significados mais importantes de lo,goς.

O primeiro aspecto a ser salientado é que o lo,goς, no prólogo do IV Evangelho,

é a Palavra criadora de Deus, o Filho que se encarna: Jesus Cristo. A própria pessoa de

Cristo é o lo,goς de Deus. “El prólogo del Evangelio de Juan (Jn 1,1-18), estructurado

54

rítmicamente, es un himno (del cristianismo primitivo) que identifica a Cristo mismo –

en el uso absoluto de palabra – con el lo,goς personal” 108

.

Por conseguinte, nos sinóticos não há uma configuração personalizada de Cristo

como palavra. Nesses evangelhos, a palavra constitui o centro da pregação de Jesus. “El

comienzo del reino salvífico de Dios no sólo está vinculado con la predicación de Jesús

como palabra hablada, sino también – y en igual modo – con su persona y con su obra”

109 (cf. Mc 2,2; Lc 7,7; Mt 7,28).

Vale lembrar que esta compreensão do lo,goς se expande na ação salvífica de

Cristo. Primeiramente ele opera milagres e prodígios com o poder de sua palavra (cf.

Mc 1,27; Lc 4,36; Mt 8,8.16). A palavra proferida não é apenas um som, mas uma ação,

um ato em si, que se cumpre e se realiza ao ser pronunciada. Esta característica também

se encontra na teologia paulina:

Para Pablo la creadora «palabrade Dios» (o. lo,goõ tou/ Qeou/), que

originalmente estuvo dirigida a Israel, «no há fallado» (Rom 9,6); tal

cosa no sería posible en absoluto, porque Dios mismo es la fuente de

esa palabra (1Cor 14,36; 2Cor 4,2), del evangelio, que debe

diferenciarse claramente de la «palabra humana» (lo,goõ anqrw,pon;

1Tes 2,13; 1,5; 2,5). Pablo dice refiriéndose a su propia predicación

«No somos como muchos, que comercian con la palabra de Dios.

Nosotros la proclamamos con sinceridad y em Cristo, de parte de Dios

y en presencia de Dios” 110

.

Ainda mais, as primeiras comunidades cristãs sublinharam este vínculo

intrínseco entre a Palavra e a ação. “El lenguaje misionero del cristiano primitivo

expresó constantemente la unidad entre la palabra y la acción en la actividad salvífica de

Jesus” 111

. Há uma força sobrenatural presente na Palavra, quando esta é pronunciada

por Cristo e em nome de Cristo. Segundo Atos, como conseqüência do derramamento

do Espírito, os apóstolos compreenderam este sentido. De fato, após o recebimento do

Espírito no dia de Pentecostes, Pedro cura um paralítico unicamente pelo poder da

palavra (cf. At 3,6).

No entanto, para que essa palavra exerça tal poder de relação (palavra-ato), é

necessário que exista um vínculo também entre o pregador e a Palavra. Esta coerência

possibilita que o lo,goς, pronunciado em nome de Cristo, realize sua função.

108

RITT, H. Lo,goõ. In: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento; vol. II, 2012, p. 77. 109

Idem, p. 72. 110

Idem, p. 74. 111

Ibidem.

55

Pablo expressa la unidad que existe entre la credibilidad del

proclamador y el contenido de la predicación que procede de Dios.

[Él] rechaza así la acusación de falsificar la palabra de Dios (2Cor

4,2). Niega también que él trate de apoyar la palabra de Dios «con

uma palabra de sabiduría» (1Cor 2,1): «Mi palabra y mi proclamación

(o. lo,goõ mou kai. to. kh,rugma, mou) no consistían en palabras

persuasivas de sabiduría, sino en demostración del Espíritu y de poder,

para que vuestra fe no descanse en la sabiduría de los hombres, sino

en el poder de Dios» (1Cor 2,4-5) 112

.

Deste modo, vê-se não somente a necessidade do discípulo estar unido à palavra

para que se realize a ação, mas toda a vida daquele que foi resgatado por meio de Cristo,

lo,goς de Deus, deve estar permeada pela presença desta palavra. O lo,goς é o centro da

vida de cada cristão, pois ele é a pessoa mesma de Jesus. E o centro desta palavra é o

evento pascal de Cristo. Para Paulo, a palavra da cruz é o conteúdo principal do

kerigma.

De esta predicación de la cruz, proclamada públicamente, debe estar

plasmada la comunidad (Gl 4,19). El Xristo.õ estaurwme,noõ [...] es el

criterio de la proclamación paulina: la decisión de Dios en favor del

mundo y la separación de los hombres para salvación o para perdición

tuvieron lugar en el acontecimiento de la cruz. [...]. El ministerio

apostólico consiste en la transmissión de la «palabra de la verdad»

(2Cor 6,7: en lo.goõ alhqei.aõ). La exigencia fundamental que se hace

a la comunidad en este mundo es que permanezca aferrada a la

«palabra de la vida» (Flp 2,16: lo.gon zwh/õ epe,konteõ), que es como

se designa al evangelio 113

.

Com base na citação acima, é notório que assim como a Palavra é o próprio

Cristo, ela também é o evangelho anunciado por Cristo, uma vez que o evangelho está

em função não do anúncio de um conjunto de palavras, mas de uma pessoa, uma forma,

um modo novo de viver que agrada ao Pai. Deste modo, quando Paulo fala da Palavra

refere-se ao próprio evangelho.

Na perícope em análise, como já foi assinalado, o autor pede oração para que

quando ele abrir os lábios lhe seja dada a palavra (lo,goς) para anunciar com parresía o

mistério do evangelho. A palavra, neste texto, é a Palavra divina. Portanto, o lo,goς nada

mais é do que o conteúdo do anúncio deste mistério do qual Deus o constituiu

embaixador, ou seja, a pessoa de Cristo que se manifesta na vida do apóstolo por meio

da Palavra vivida e anunciada.

112

RITT, H. Lo,goõ. in: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento; vol. II, 2012, p. 74. 113

Idem, p. 75.

56

2.3.3 Parrhsi,a (Parresía)

O objeto de estudo do presente trabalho, como já foi descrito no capítulo

precedente, está presente de maneira singular na perícope . A parresía assume um papel

importante para o escritor da carta, motivo pelo qual deseja despertar na comunidade

igual sensibilidade. Este aspecto configura-se no pedido feito aos destinatários para que

o sustentem na pespectiva parresíastica da vida apostólica e missionária.

Note-se que na perícope está presente tanto o substantivo parresía quanto sua

forma verbal grega parresiazomai. Neste tópico, não será analisado o significado

etimológico do termo, uma vez que isto já foi abordado no primeiro capítulo. Aqui,

portanto, serão apenas consideradas as características paulinas da parresía. Schlier faz

algumas considerações acerca deste tema:

Il dono della parola di Dio – quando è Dio che ci apre la bocca –

comporta una tale “franchezza”. E poichè bisogna assumerla,

l‟Apostolo la invoca. A sostegno di questa interpretazione di parrhsi,a sta la propozione relativa del v. 20a: l‟accenno alla prigionia attuale

chiarisce qual è la situazione nella qualle è necessaria la pαρρησία

intesa nel senso di “coraggio appertamente dimostrato”.

Probabilmente il complemento en parrhsi,a è più strettamente

congiunto con to. musth,rion tou/ euaggeli,ou e indica quindi che esso

è aperto e disvelato 114

.

Assim sendo, vemos que Shchlier apresenta a parresía como uma característica

de grande importância na vida do apóstolo. Mais ainda, ele, como também outros

pesquisadores, vincula a parresía com o anúncio do Evangelho. Não é que o escritor da

carta pede aos seus destinatários que roguem a Deus por ele para que receba a parresía

somente como um adendo em sua vida, senão que o recebimento desta graça e virtude

está em união intrínseca com o Evangelho.

[L‟autore] pregherebbe dunque che Dio gli apra la bocca per

concedergli la parola al fine di annunciare apertamente e con pronta

franchezza il mistero dell‟evangelo. [E anche] questa franchezza

dell‟annuncio si realizza in quanto l‟annunciatore si espone

francamente alla parola e alla situazione 115

.

Observa-se que a missão de anunciar o Evangelho não é uma ação fundamentada

apenas em habilidades humanas. Ou seja, o anúncio é exercido apenas por meio de

propriedades humanas, senão que necessita previamente de uma intervenção divina,

para que assim possa ser realizado de modo mais coerente com sua natureza.

114

SCHLIER, Heinrich. La lettera agli Efesini. Col. Comentario Teologico del Nuovo Testamento.

Brescia: Paideia Editrice, 1973, p. 485. 115

Idem, p. 485.

57

Ma in particolare l‟autore, che impersona Paolo, la chiede per sé e con

uno scopo ben preciso: per la franchezza dell‟annuncio. Con ciò

l‟agiografo non intende soltanto dire che scrive in nome dell‟apostolo

ma vuole soprattutto presentare un modello di autentica esistenza

cristiana nel mondo 116

.

Apresenta-se assim, uma denotação de relevância da parresía. É que na grande

maioria de suas ocorrências nos Atos dos Apóstolos e nas cartas paulinas, o termo,

como já citado, está estritamente vinculado com o anúncio do Evangelho e da Palavra

de Deus. Portanto, para Paulo e também para seus discípulos, o anúncio da boa nova de

Cristo era assaz importante que não devia ser acompanhado de um simples discurso ou

explanação do mistério de Cristo, senão que este mesmo anúncio deveria estar

estritamente unido com uma atitude parresiástica.

Deste modo, a parresía apresenta uma dimensão do ser cristão de um modo

geral, uma vez que ela permite ao fiel se encontrar mais profundamente com o mistério

de Cristo, e de um modo mais particular enquanto missão apostólica, pois ela possibilita

ao pregador exercer de modo mais fecundo seu ministério. Neste segundo caso, ela se

manifesta de maneira específica na pregação do evangelho.

Assim sendo, tomando por base os dois aspectos já referidos, a parresía torna-se

uma franqueza perante Deus (encontro com a boa notícia) e uma franqueza perante os

homens (atitude na pregação). Destarte, “per l‟apostolo la parrhsi,a verso Dio [...]

[comporta] poi la parrhsi,a verso gli uomini[...]. Una tale franchezza della vita

apostolica è però radicata nel dono dell‟evangelo, servizio che è diakoni,a tou/

pneu,matoõ e th/õ dikaiosu,nhõ” 117

.

Quanto à parresía em relação aos homens, mediante a pregação do evangelho,

vale salientar que esta se une e se aproxima a um outro termo grego, a ἐxousi,a

(autoridade). Para o exercício da parresía em função do anúncio da boa notícia, não se

pode pretender apenas de uma capacidade humana. É necessário possuir uma autoridade

(ἐxousi,a) que vem de Deus, já que a obra da pregação é permeada pela ação divina.

Assim sendo, unindo parresía e autoridade, a pregação atinge seu objetivo com maior

precisão. Não se trata aqui de uma autoridade enquanto poder, capacidade de governar,

significados que o termo também pode possuir na língua grega. Porém, neste caso,

refere-se à força adquirida por meio do poder da palavra salvífica, como também da

116

PENNA. Lettera agli Efesini; 2010, p. 257. 117

SCHLIER, H. Parrhsi,a. In: KITTEL, Gerhard; FRIEDRICH, Gerhard. Grande Lessico del Nuovo

Testamento. Vol. IX. Brescia: Paideia, 1974, p. 920.

58

autoridade frente aos homens, já que essa autoridade se manifesta na coerência do viver,

no pregar o que se vive. E é justamente essa força que confere ao pregador a

competência de superar toda e qualquer dificuldade que se lhe apresente no caminho da

ação missionária. Apresenta-se aqui uma gama de citações, tanto do livro dos Atos dos

Apóstolos, quanto das cartas proto e deutero-paulinas que manifestam os diversos

obstáculos que Paulo superou na sua missão: cf. At 9,19b-22; 14,1-7; 16,6-8.16-28;

17,1-5. 10-13. 18,12-17. 20,7-12. 21,30. 24,14-16; 27,9-44; Rm 8,36; 2Cor 2,12-13;

2Cor 4,7-17; 2Cor 12,7-10; Gl 3,1-5; Fl 1,12-26; Cl 1,24-29; 1Ts 2,2-12; 2Ts 3,7-9.

Deste modo, podemos compreender o motivo pelo qual o hagiógrafo, ao se

colocar no lugar do Apóstolo, pede à comunidade que ore ao Senhor pedindo que lhe

seja dado anunciar com parresía o mistério do Evangelho. E, no final deste pedido,

ainda acrescenta a necessidade de anunciar sempre com franqueza a boa nova do Cristo.

É imprescindível o anúncio do Evangelho, atesta o autor, não se importando com as

possíveis consequências. Afinal, o que importa é que se dê o anúncio.

2.3.4 Gnwri,zw (Anúncio) e Musth,rion tou Euaggeli,ou (Mistério do Evangelho)

Dois termos que na perícope são relevantes para sua compreensão é justamente a

relação que emerge entre a parresía e o anúncio, e entre a parresía e o mistério do

Evangelho. Portanto, neste tópico, será explorado qual sentido destes termos dentro da

perícope e dentro da teologia paulina, e qual a sua importância em correspondência com

a parresía.

O verbo grego gnwri,zw tem por significado dar a conhecer, revelar, anunciar.

Nos escritos paulinos e deutero-paulinos, este verbo adquire o caráter de revelação que

possui a mensagem cristã da boa nova de Cristo.

En el NT el término se emplea frecuentíssimamente en el sentido

fundamental dar a conocer algo, manifestarlo pública o

expressamente, y, en parte también, de comunicar solemnemente (Lc

2,15.17; Jn 15,15; 17,26; Rom 9,22-23; 16,26; 2Pe 1,16). En todos

estos pasajes se escucha al mismo tiempo el sentido de: revelar de

parte de Dios la salvación que fue obrada y es obrada por Jesucristo.

Esta denotación y orientación religiosa de gnwri,zw en el sentido de:

«proclamar el plan de Dios para la salvación, el acontecimiento de la

salvación en Cristo», determina el empleo del verbo, principalmente

en Juan, Colosenses y Efesios 118

.

118

KNOCH, O. Gnwri,zw. In: Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento, vol.I, 2012, p. 772.

59

Destarte, pode-se averiguar que o verbo, de modo particular na Carta aos

Efésios, é utilizado para expressar a proclamação, a revelação do plano de Deus. Este

verbo possui ainda mais este sentido quando está unido com musth,rion tou euaggeli,ou,

como é o caso. Anunciar, revelar ou manifestar publicamente o mistério do Evangelho.

Por conseguinte, analisa-se o sentido do termo musth,rion tou euaggeli,ou. O

verbo acima visto está em relação direta com este “mistério do Evangelho”. O Apóstolo

anseia a parresía para anunciar, para revelar o referido mistério. Note-se que o termo

(musth,rion), aparece 28 vezes no NT, sendo apenas 1 vez nos Evangelhos (Mc 4,11), e

todas as outras ocorrências nas cartas e no livro do Apocalipse.

Nos escritos paulinos e deutero-paulinos o mistério faz sempre referência à

pessoa de Jesus Cristo e à sua obra salvadora, ou melhor, “el musth,rion se refiere

primordialmente a la acción salvífica de Dios en Cristo” 119

. Esta ação consiste

justamente na morte de Cristo na cruz para a salvação da humanidade. De fato, quando

Paulo faz uso do termo, apresenta como centralidade deste mistério o Cristo crucificado

(cf. 1Cor 2,1; 1,23; 2,6-8). Pois este era o projeto de Deus antes dos séculos e que foi

manifestado, revelado (gnwri,zw) na pessoa de Jesus: “Ensinamos a sabedoria de Deus,

misteriosa (em musthri,w) e oculta, que Deus, antes dos séculos, de antemão destinou

para a nossa glória. A nós, porém, Deus o revelou pelo Espírito. (1Cor 2,7.10).

Esta associação entre “oculto-manifesto”, atribuída ao mistério, adquire

importância na compreensão do termo, unido a tou euaggeli,ou, para entender a relação

com a parresía. Anunciar o mistério do Evangelho, nada mais é do que tornar

conhecido, manifesto algo que estava oculto, velado desde todos os séculos. Trata-se de

um plano “secreto” (se assim pode-se dizer) de Deus que veio “à luz” no Evento Cristo.

O mistério do Cristo ressuscitado, a partir de sua páscoa e ascensão aos céus, deve ser

divulgado a todas as nações.

La base del uso de musth,rion en el NT reside en el significado

fundamental del término griego inexpresable, es decir, lo que no es

accesible al pensamiento natural (pero sí es accesible a la fe). Esto

impide que el concepto tenga un contorno preciso. El sentido de cada

enunciado se deduce en cada caso del correspondiente contexto. Aquí

el papel más importante lo desempeña la tradición de las concepciones

apocalípticas judías (el misterio oculto y luego revelado) 120

.

119

KRÄMER, H. Musth,rion. In: Diccionário Exegético del Nuevo Testamento; vol. II , 2012, p. 346. 120

Idem, p. 351.

60

No entanto, esta revelação do mistério de Cristo a todos os povos, uma vez que

esteve escondido e agora foi manifestado, deve ser expandido e difundido por meio da

parresía: “En [Ef] 6,19 el «musth,rion del evangelio» se refiere también en forma

sucinta pero global a la proclamación del misterio de Cristo (como indica también el

término parrhsi,a)” 121

. Deste modo, a parresía não permite apenas manifestar algo que

estava escondido, senão que é imprescindível para que esta revelação possa alcançar a

todos. A autoridade para anunciar o mistério do Evangelho é consequência da força

parresíastica requisitada pelo hagiógrafo.

2.3.5 Dei/ (Necessário)

O vocábulo grego dei/ tem por tradução mais próxima “é necessário”. Este termo

não possui nenhuma equivalência semítica122

. Por este motivo, o significado dele no

Novo Testamento, comumente se difere do sentido que possui na LXX. No entanto, “il

NT si accorda com i LXX quando si serve di dei/ per esprimere l‟obbligazione etico-

religiosa (per es. Lc 13,14; 22,7)” 123

. Ele designa uma necessidade plena, e por vezes

imprescindível de ser descumprida. O vocábulo ocorre 102 vezes no NT, sendo que 41

são na obra lucana. Na língua grega este termo é um verbo, que traduzido para o

português, para manter seu sentido original, deve ser acompanhado do verbo ser: “é

necessário”.

Los enunciados que se forman con este verbo tienen por naturaleza

carácter absoluto, muy difícilmente cuestionable y, a menudo,

anónimo y determinístico. La conexión con el concepto bíblico de un

Dios personal no se efectuó sin problemas. En el NT, los enunciados

con dei/ se entieden más o menos directamente como decretos divinos.

Y, así, la voluntad y la esencia de Dios dictan las normas para la ética

y la piedad. [...].Dei/ en el NT es casi siempre expresión de las normas

dadas por Dios y, muy especialmente, del plan divino 124

.

Deste modo, analisando o dei/ enquanto expressão de uma vontade divina

preestabelicda, vale salientar que as primeiras comunidades cristãs descobriram, a partir

do encontro com o Cristo Ressuscitado e consequência da pregação apostólica, a

“necessidade” de viver de acordo com o plano divino (cf. 1Ts 4,1). Esta necessidade, ou

121

KRÄMER, H. Musth,rion. In: Diccionário Exegético del Nuevo Testamento; vol. II , 2012, p. 349. 122

POPKES, W. Dei/. In: Diccionário Exegético del Nuevo Testamento; vol. I, 2012, p. 840. 123

GRUNDMANN, W. Dei. In: Grande Lessico del Nuovo Testamento; vol. II, 1966, p. 794. 124

POPKES, W. Dei/. In: Diccionário Exegético del Nuevo Testamento; vol. I, 2012, p. 841.

61

este algo necessário, não é uma característica extrínseca ao crente, recebida por meio de

uma intervenção externa pura e simplesmente.

No entanto, os efeitos que esta verdade imprime na vida do cristão não são

aspectos exteriores, mas constituintes de sua natureza. “La necessità così espressa incide

sull‟individuo tutto intero – pensiero, volontà e azione – così che in lui il dei/ è sempre

presente, riconoscibile anche quando indica semplicemente la necessità che governa la

vita d‟ogni giorno” 125

.

Assim sendo, este aspecto denota que a ação de Deus na vida do homem, e no

caso da perícope em questão, na vida do apóstolo, não é alheia ou externa à sua vida.

Toda ação de Deus, assim como toda intervenção dele na história, é sempre algo

necessário e intrínseco à vida humana. O plano salvífico de Deus, manifestado na obra

redentora do seu Filho, é o maior e mais claro exemplo desta “necessidade” da vontade

de Deus. Cristo, sendo o Verbo eterno do Pai, entra na história humana por meio da

encarnação. Deus não é passível à vida do homem, mas substancialmente ativo. “Dei/

diviene espressione universale della volontà di Dio e la sentenza che da esso dipende

viene facilmente ad esprimere una norma di vita” 126

.

Na perícope, o autor, ao utilizar a partícula dei/, expressa a necessidade que ele

possui e precisa para anunciar o Evangelho, para falar sobre o mistério de Cristo, como

um desejo de se adequar a vontade divina. Além do mais, o vocábulo possui um valor

escatológico. Trata-se de realizar a necessidade do plano salvífico de Deus, em função

de um cumprimento que chegará com a plenitude. Não é uma necessidade por

necessidade, mas tem em vista o cumprimento de uma promessa permanentemente

renovada, a promessa da salvação e da participação na vida divina.

Nel NT il termine assume valore escatologico, indicando

l‟ineluttabilità degli eventi supremi. Dobbiamo dire che esso è bem

idoneo a recevere questo arrichimento, poichè tali eventi sono

nascosto all‟uomo, il quale li può aprendere solo attraverso una

speciale rivelazione che gli manifesta una necessità misteriosa e

fondata unicamente nella volontà sovrana di Dio. La tensione che

nasce dalla fusione di dei/ con la nozione bíblica di Dio si avverte

anche quando il verbo viene usato in riferimento al dramma

escatologico per caraterizzare il Dio arcano che realizza i suoi piani

misteriosi riguardo il mondo. Questo dei è configurato non secondo

una cieca fede nel destino, ma secondo la fede negli eterni decreti di

Dio, che con essi si è vincolato. In tal modo esso esprime una

125

GRUNDMANN, W. Dei. In: Grande Lessico del Nuovo Testamento; vol. II, 1966, p. 795. 126

Idem, p. 798.

62

necessità che si ancora nella natura stessa di Dio e che porta a

compimento i suoi disegni negli eventi escatologici 127

.

2.3.6 Presbeu,w (Embaixador)

Outro termo que aparece na perícope analisada e que apresenta uma deferência

no corpo do texto é embaixador. Este termo na língua grega, como visto na análise

sintática, em comparação com a gramática portuguesa, não é um substantivo, mas um

verbo. O substantivo deste verbo, por sua vez, é presbei,a, e tem por significado uma

embaixada, o qual designa o grupo de pessoas que entregam uma determinada

mensagem ou que realizam uma tarefa.

Por conseguinte, o verbo grego presbeu,w designa um embaixador, isto é, alguém

enviado ou que atua como tal, como emissário em nome de outra pessoa, ou ao menos

alguém que exerce essa função. Este enviado tem por incumbência levar uma

mensagem, ou efetuar alguma tarefa no lugar de outro. O verbo e o substantivo

aparecem 4 vezes no Novo Testamento, sendo na forma verbal uma vez em 2Cor 5,20 e

outra em Ef 6,20, e as outras duas no Evangelho segundo Lucas (14,32; 19,14).

A ocorrência deste verbo apenas em Paulo e em Lucas não pode ser vista como

uma mera coincidência. A relação entre Paulo e Lucas é relatada tanto nos Atos dos

Apóstolos (cf. 16,10-17; 20,5-15; 27,1-28; 28,16) quanto carta protopaulina a Filêmon

(cf. v. 24) e na deuteropaulina aos Colossenses (cf. 4,14). Ademais, alguns

pesquisadores, antigos e modernos, afirmaram, com base nos escritos bíblicos, que

Lucas foi companheiro de Paulo, embora haja controvérsias quanto a essa questão.

Ireneo (Adv. haer., 3.14,1) apela a estas secciones del libro de los

Hechos de los Apóstoles para enunciar su tesis de que Lucas había

sido compañero «inseparable» de Pablo. Naturalmente, al establecer

este postulado, Ireneo hizo decir al texto más de lo que realmente

afirma. Es indudable que el autor del libro de los Hechos de los

Apóstoles relata la actividad misionera desplegada por Pablo después

de la «asamblea» de Jerusalén, que tuvo lugar hacia el año 49. Por otra

parte, las secciones narrativas en primera persona del plural, que no

empiezan hasta después de dicha asamblea, suponen que el narrador

acompañó a Pablo desde Tróade a Filipos en el segundo viaje

misionero (entre los años 49-52), y que se quedó en esa ciudad hasta

que Pablo volvió a pasar por allí hacia el final de su tercer viaje (entre

los años 54-57) 128

.

Tendo presente, portanto, que em alguns momentos das viagens de Paulo, Lucas

tenha acompanhado o Apóstolo, como se confere na citação e nas seções narrativas

127

GRUNDMANN, W. Dei. In: Grande Lessico del Nuovo Testamento; vol. II, 1966, p. 798-799. 128

FITZMYER, Joseph A. El evangelio según Lucas I: introducción general. Madrid: Ediciones

Cristiandad, 1986, p. 92.

63

“nós” dos Atos dos Apóstolos, pode-se vislumbrar que estes foram companheiros de

viagem. O que contradiz a inseparabilidade, defendida por Irineu de Lyon. A este

respeito, Fitzmyer apresenta também uma interpretação:

Lucas no acompañó a Pablo durante la mayor parte de la actividad

misionera del Apostól o precisamente durante el período en que Pablo

escribió sus cartas más importantes. Esto significaría, además, que

Lucas no estaba presente cuando Pablo tuvo que enfrentarse con los

momentos más duros de su evangelización del Mediterráneo oriental;

por ejemplo, sus problemas con los judaizantes, su lucha contra las

divisiones comunitarias en Corinto o las dificultades que surgieron en

Tesalónica. Lucas no habría estado en compañía de Pablo cuando éste

se esforzaba por formular la esencia de su concepción teológica o por

captar el verdadero significado del evangelio. Así se explicaría la

enorme diferencia entre el Pablo descrito en el libro de los Hechos de

los Apóstoles y el Pablo que revelan sus propias cartas 129

.

Assim sendo, uma outra questão é se Lucas teria tido acesso a alguma carta

paulina. Há controvérsias a este respeito. Talvez, no período da prisão domiciliar de

Paulo em Roma, onde lhe são atribuídas algumas cartas, Lucas teria lido algum de seus

escritos. No entanto, segundo Fitzmyer, não há nenhuma justificativa plausível que

corrobore com esta asserção.

Contudo, o que se pode supor, é que breve ou não, Paulo e Lucas estiveram por

algum tempo juntos. Esta companhia, por mais curta tenha sido, não poderia ser

considerada como irrelevante na vida de ambos. Assim, é possível supor que a

utilização do verbo presbeu,w apenas em Lucas e Paulo, fundamentaria uma possível

relação que teriam tido em suas atividades missionárias.

Sem embargo, voltando ao significado semântico do verbo, analisa-se que

En Ef 6,20 presbeu,w se halla en uma petición de oraciones por el

proclamador del evangelio, un proclamador que se halla ahora en

cadenas (de manera parecida, Col 4,2-4). En comparación con 2Cor

5,20, es notable que «Pablo» aquí no hable ya em nombre del Cristo

exaltado, como hacía en el outro lugar, sino que dé testimonio del

evangelio, es decir, u,pe.r ou= presbeu,w no debe traducirse ya «en

nombre de quien...», sino «en favor de quien yo realizo el servicio de

embajador». En ambos casos el verbo expressa el caráter oficial del

mensaje paulino 130

.

Com base na citação supracitada, pode-se conferir que a função de embaixador,

da qual se apropria o hagiógrafo, está em vista do serviço prestado. Este serviço consiste

justamente no anúncio da palavra, e este visa ser realizado com toda parresía. O autor

129

FITZMYER, Joseph A. El evangelio según Lucas I: introducción general; 1986, p. 93. 130

ROHDE, J. Presbeu,w. In: Diccionário Exegético del Nuevo Testamento; vol. II, 2012, p. 1117.

64

se posiciona numa condição de enviado, destinado a realizar uma tarefa, não importando

a situação na qual se encontra, neste caso preso (presbeu,w em alu,sei – embaixador em

cadeia).

Ciò che [l‟autore] dice nel v. 20º, cioè che egli, inviato per il mistero

dell‟evangelo, si trova in prigione, dimostra in ogni caso che prima

egli non pensava ad uma preghiera rivolta ad ottenere la possibilita di

annunciare l‟evangelo, giacché il verbo presbeu,w già pressuppone

l‟annuncio. Esso infati significa «agire, operare come inviato». Upe,r ou= significa «a favore dell‟evangelo» [...]. ~En alu,sei propriamente

«in catene» [...], indica la situazione in cui si trova l‟apostolo. Egli è

prigionero 131

.

Deve-se notar, ainda que, tanto embaixador quanto presbítero possuem a mesma

raiz verbal grega. Isto denota que aquele que exerce a função de embaixador é alguém

venerável, ancião, representante (presbute,roς). Por conseguinte, o autor da carta,

quando afirma ser um embaixador do mistério do Evangelho, está se colocando não

somente como um emissário, mas também como alguém com experiência e perícia na

missão evangelizadora.

2.3.7 Pneu/ma (Espírito)

Assim como na linguagem bíblica, em todas as línguas clássicas a palavra

“espírito” destaca-se pela sua pluralidade semântica. Ora tomado como princípio de

vida, ora como essência transcendente do homem. Em um ou em outro caso, destaca-se,

no que tange o tema espírito, um aspecto de transcendência, que, sendo intrínseco à

natureza humana, torna patente uma tensão essencial no homem expressa no binômio:

imortalidade-liberdade.

O ser humano é ao mesmo tempo indeterminado, pois, sendo livre, vem quase

que constringido a moldar-se à medida em que atua no mundo; e, ao mesmo tempo,

indestrutível pois na imaterialidade do seu espírito aspira à uma vida sem fim como

vocação inexorável.

O Antigo Testamento traz uma variedade muito grande de sentidos para o termo

que comumente costumamos designar pela palavra “espírito”. Guillet 132

baliza em

quatro aspectos essenciais: vento, respiração, alma vivente e força interior. Em relação

com o tema aqui proposto, destaca-se o último aspecto, pois é princípio e fonte única de

131

SCHLIER. La lettera agli Efesini; 1973, p. 485-487. 132

GUILLET, Jacques. Espírito. In: LÉON-DUFOUR, Xavier. Vocabulário de teologia bíblica.

Petrópolis: Vozes, 2008. p. 294.

65

todas as transformações profundas do ser humana. Podendo ser espírito de maldade,

pecado e injustiça, é também força de bondade e justiça, capaz de impelir o homem à

realização de suas aspirações mais profundas e ao cumprimento da plenitude à qual

tende.

No Novo Testamento a polissemia do termo é abordada e ampliada. Mantém-se

a ideia da constituição humana na complexidade entre corpo e espírito (cf. Lc 8,55;

23,46). Há uma ligação bastante mais direta entre o aspecto espiritual do homem e sua

relação com Deus (cf. Jo 4,24), inclusive opondo, em certo sentido, à vida na carne e à

vida no espírito (cf. Mt 26,41) ou o homem carnal e o homem espiritual (cf. Gl 5,17).

São Paulo atribui ao homem uma tripartição na sua unidade essencial: espírito,

alma e corpo (cf. 1Ts 5,23). Ao mesmo tempo tem situado no aspecto espiritual humano

o lugar privilegiado da relação com Deus por meio da inabitação do Espírito Santo (cf.

2Co 3,18; Rm, 8,2.10-11). E nesta internalidade teândrica 133

de relação, tem papel de

protagonismo para São Paulo o tema do testemunho. É Deus mesmo que testemunha

por meio do Espírito (cf. Rm 8,16), e neste fato radica a possibilidade humana do

martírio, a condito sine qua non, onde o homem pode dar, com sua vida, um testemunho

de amor (cf. 1Ts 1,5; 1Co 1,4-7).

Dentro dos escritos paulinos autênticos, assim como nas cartas deutero-paulinas,

a relação do cristão com o Espírito é de suma importância. Não somente enquanto

característica da formação antropológica do homem, como visto acima, mas

principalmente no que se refere à terceira pessoa da Trindade, ao Espírito mesmo de

Deus, que atua e age na vida de todo àquele que adere ao Cristo ressuscitado.

Um fato óbvio, é Paulo dar como certo que o Espírito Santo é Deus. A

saber, o Espírito Santo não é apenas um de um exercício de

intermediários, mas, de acordo com o AT e a literatura judaica

intertestamentária, supõe-se que o Espírito seja singular, único em

poder e em relação a Deus. [...]. Paulo sempre fala do Espírito que é

dado aos cristãos no singular: o Espírito Santo ou Espírito de Deus (cf.

Rm 8,9; 1Cor 3,16; 12, 4-6; 2Cor 5,5; Gl 3,5) 134

.

133

Congar afirma a respeito dessa relação teândrica proporcionada pelo Espírito: “A verdade teândrica de

Cristo quer que ele seja conhecido em sua humanidade, em seu condicionamento sociocultural e histórico.

O cristão, portanto, usará os meios técnicos que correspondam a tudo isso. Mas, como fiel, ele irá mais a

fundo, de acordo com são Paulo: „Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que

vem de Deus, a fim de conhecermos os dons da graça de Deus. E não falamos deles na linguagem que é

ensinada pela sabedoria humana, mas na que é ensinada pelo Espírito, exprimindo o que é espiritual em

termos espirituais. O homem entregue unicamente à sua natureza não aceita o que vem do Espírito de

Deus‟ (1Cor 2,12-14)”. CONGAR, Yves. Creio no Espírito Santo 2: Ele é o Senhor e dá a vida. São

Paulo: Paulinas, 2005, p.143. 134

PAIGE, T. Espírito Santo. In: Dicionário de Paulo e sua cartas; 2008, p. 485.

66

Por conseguinte, o Espírito na teologia paulina é o propulsor da vida cristã. Ele

(o Espírito) não somente testemunha na vida do cristão a existência de Deus, mas guia e

conduz a vida daqueles que aderem a Cristo. Paulo, em suas cartas, apresenta os cristãos

como pessoas que são conduzidas pelo Espírito (cf. Rm 8,4.14; Gl 3,3; 5,16.25). Deste

modo, a vida no Espírito adquire uma centralidade na teologia do apóstolo. Aquele que

recebeu o anúncio do Evangelho e por meio da conversão recebeu o Espírito Santo,

obtém uma vida e uma conduta diferente de antes. “Paulo contava o início da vida cristã

dos seus convertidos a partir do seu recebimento pessoal do Espírito” 135

.

Mais que qualquer outro autor neotestamentário, Paulo liga o conceito

do Espírito dado para habitar nos fiéis com levar uma vida cristã. O

Espírito não é só poder de Deus que convence os fiéis da verdade do

evangelho, não só promovendo sua pregação, mas o Espírito é o poder

da nova criação para os que vieram à fé em Cristo. Os cristãos que

antes estavam afastados de Deus não apenas entraram no registro

celeste dos redimidos; o Espírito habita neles e os fortalece para

levarem uma vida agradável a Deus 136

.

Esta característica é tida em consideração por Paulo, uma vez que o mesmo

aconteceu em sua vida. Pois o encontro com o ressuscitado atribuiu ao apóstolo uma

nova vida. Não apenas uma vida diferente da que antes possuía, mas uma vida, a partir

de então, permeada e conduzida pela ação do Espírito. É a exemplo seu que Paulo

exorta os cristãos a viverem.

A mais notável das recomendações éticas de Paulo é, sem dúvida, o

apelo para “andar segundo o Espírito”. No grande capítulo sobre o

Espírito (Rm 8) a primeira descrição dos cristãos é de pessoas “que

não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito” (8,4). Antes ele

havia falado em termos equivalentes da obrigação dos crentes de

“andar numa vida nova” (6,4). [...]. E alguns versículos adiante, em

Gálatas, Paulo mostra quão claramente correlacionava o começo com

o Espírito e a contínua obrigação ética dos crentes urgindo: “Se

vivemos pelo Espírito, sigamos também o Espírito” (Gl 5,25) 137

.

Esta novidade de vida, segundo o Espírito, se dá pelo fato de que é o mesmo

Espírito, aquele que gerou Jesus no seio virginal de Maria, que gera na vida de cada

cristão a “humanidade nova”. Ele é o senhor que dá a vida, como expressa o símbolo

apostólico Niceno-Constantinopolitano. Congar, na sua obra sobre o Espírito, comenta a

esse respeito:

135

DUNN, James D.G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003, p. 472. 136

PAIGE, T. Espírito Santo. In: Dicionário de Paulo e sua cartas; 2008, p. 490. 137

DUNN. A teologia do apóstolo Paulo; 2003, p. 723.

67

É o mesmo Espírito que fez Maria fecunda de Cristo e que faz a Igreja

fecunda. Os inícios desta nos Atos dos Apóstolos correspondem aos

primeiros capítulos do evangelho de são Lucas. Levando bem longe o

realismo verbal, os Padres, santo Tomás [...], identificam o “sêmen

Dei, sperma tou Theou, a semente” da qual nós nascemos de Deus

(1Jo 3,9), com o Espírito Santo. [...]. Do ponto de vista espiritual, é o

Espírito de Jesus que nos é dado como princípio de identidade cristã,

até a consumação escatológica 138

.

Ademais, para Paulo, o Espírito também é o distribuidor dos dons e carismas

espirituais. Ele, sendo Deus, não apenas suscita novos cristãos, que acreditam no

anúncio da obra redentora de Jesus Cristo e passam a levar uma nova vida neste mundo,

em função da vida vindoura, mas auxilia e acompanha os fiéis na sua peregrinação

terrestre. Esse auxílio se dá pela efusão de seus dons sobre os crentes. O amor de Deus e

sua potência criadora se dá no fato de que ele cria o homem e sustenta o que ele criou. E

essa sustentação de sua obra criadora se realiza na vida do homem pela ação do Espírito

de Deus.

Os dons são – distintos das virtudes, pois aperfeiçoam o exercício das

mesmas – essas disposições permanentes que tornam o cristão

„prompte mobilis ab inspiratione divina‟ ou „a Spiritu Sancto‟,

imediatamente pronto para seguir a moção da inspiração divina ou do

Espírito Santo 139

.

Assim sendo, é graças a essa atividade do Espírito que os cristãos podem

conhecer a sabedoria de Deus, viver dessa mesma sabedoria e transmitir aos outros que

ainda não conhecem Cristo a beleza do seu Evangelho. Pois a sabedoria de Deus é

precisamente o Salvador crucificado e, essa sabedoria, não pode ser compreendida,

muito menos entendida, sem a influência do Espírito 140

.

Muitos e diversos são os dons que são infundidos nos cristãos pelo Espírito. Não

cabe aqui elencá-los, uma vez que se correria o risco, pela diversidade desses mesmos

dons, omitir algum deles. No entanto, é mister apresentar que o Espírito socorre as

fraquezas do homem (cf. Rm 8, 26). Ele, sabendo da necessidade de cada um, esparge

os seus dons, de acordo com aquilo que necessitam.

Com base nas diversas características acerca da ação do Espírito acima

referendadas, passa-se agora a uma análise da relação que existe entre o Espírito Santo e

a parresía. Tendo por base que o Espírito é a força de Deus na vida do cristão e, deste

modo, na vida dos apóstolos, se verá como esta força inclusive permite com que o

missionário possa exercer seu discipulado com toda coragem e intrepidez.

138

CONGAR. Creio no Espírito Santo 2: Ele é o Senhor e dá a vida; 2005, p.138. 139

Idem, p. 186. 140

Cf. PAIGE, T. Espírito Santo. In: Dicionário de Paulo e sua cartas; 2008, p. 486.

68

CAPÍTULO TERCEIRO

HERMENÊUTICA TEOLÓGICA DA PARRESÍA SEGUNDO PAULO

3. Questões introdutórias

O presente capítulo visa abordar alguns aspectos decorrentes da análise feita

acerca da parresía, tanto no mundo greco-romano, como na figura do apóstolo Paulo.

Uma vez que foi visto como surgiu a parresía e qual era seu significado no mundo

helênico, e como este atributo adquiriu novo significado dentro dos escritos

neotestamentários, e mais especificamente nos escritos paulinos, pode-se, então,

averiguar qual é a contribuição deste argumento para a compreensão da missão da Igreja

e da sua edificação.

Primeiramente, urge apresentar qual é a relação da parresía com o Espírito

Santo, uma vez que é este mesmo Espírito que proporciona a dinamicidade da vida

eclesial. É o Espírito quem efunde na Igreja de Cristo os seus mais preciosos dons,

favorecendo assim o crescimento e a instrução daqueles que aderem ao mistério do

Evangelho de Jesus. Assim, entendendo a parresía como uma graça oferecida pelo

Espírito, se compreende como ele favorece, por meio de seus carismas, o

amadurecimento da fé em Cristo. E ainda, é graças à ação do Espírito Santo que cada

batizado leva adiante a missão que Cristo, por meio da sua encarnação, trouxe a esse

mundo.

Por conseguinte, esta ação do Espírito Santo na Igreja, distribuindo os seus dons

na vida dos crentes, é visível na atividade missionária daqueles que são chamados a

levar adiante o anúncio do Evangelho. O discipulado, isto é, a pertença a Cristo por

meio do batismo, é a expressão na Igreja da intervenção do Espírito. Cada fiel é

chamado a exercer, impulsionado pelo seu batismo, uma missão na vida Igreja,

proporcionando assim, que outras pessoas que ainda não conhecem a Boa-Nova de

Jesus, descubram a maravilha dessa novidade.

No entanto, uma vez que esse mesmo discipulado tem por finalidade levar outros

a crerem em Jesus, sua missão não pode ser fundada exclusivamente em qualidades e

características humanas, mas sim na graça de Deus. E é justamente nesse contexto que

se encaixa a relação do discípulo com a parresía. Sendo um anunciador do mais

sublime mistério de Deus, o discípulo não pode prescindir de uma linguagem franca

para exercer sua missão.

69

Portanto, uma vez que o Espírito distribui os seus dons aos discípulos de Cristo,

e esses, no que lhes concerne, exercem seus ministérios enraizados na potência do

Espírito, contribuem assim para a edificação do Corpo de Cristo. Cada ser humano que,

acreditando no Evangelho e aderindo à vida de Cristo por meio da pregação e do

batismo consequentemente, se torna membro do Corpo místico de Cristo. Essa analogia

com o corpo diz respeito à Igreja de Cristo, que da mesma forma, com os seus membros

e cabeça, formam o sōma toû Christoû.

Em vista disso, na relação com essas três características (o Espírito, o

discipulado e o Corpo de Cristo) torna-se presente o agir parresiástico, que não é

somente um objeto compreendido apenas como instrumento, mas um insigne atributo,

que proporciona a feliz realização de cada um dos temas acima referidos.

3.1 Parresía e Pneu/ma (Espírito)

No livro dos Atos dos Apóstolos, observa-se que logo após o evento Pascal de

Cristo (paixão, morte, ressurreição e ascensão), a comunidade dos discípulos,

obedecendo a uma ordem dado pelo próprio Jesus, permanece na cidade de Jerusalém,

aguardando o cumprimento da promessa feita a eles de que lhes enviaria o Espírito (cf.

Lc 24,49; At 1,8). É somente a partir do recebimento deste mesmo Espírito prometido

que os apóstolos empreendem a missão anunciadora do Evangelho. Vê-se deste modo

que a força e a coragem que estes homens recebem para poder anunciar que aquele

homem que estava morto agora vive, provém sobremaneira do Espírito que receberam.

Deste modo, é possível conferir que a obra evangelizadora dos apóstolos não é

fruto de uma decisão pessoal ou talvez até comum deles mesmos. A pregação do

Evangelho não é fundamentada nas capacidades e vontades do homem. Por mais reta

que seja a intenção, ou até mesmo a fidelidade do missionário com a boa-nova, o

serviço prestado ao anúncio desta notícia nunca haure forças em qualidades e aptidões

humanas.

O Evangelho é o anúncio da boa-nova da Páscoa de Cristo, Verbo de Deus

encarnado, que redime e salva todo o gênero humano por meio de sua cruz e

ressurreição. E ainda mais, sacrifício este que não se encerra no sepulcro, mas que

atinge seu ápice na ressurreição de Jesus. Desta forma, de modo algum este anúncio

pode ser espargido apenas com competências humanas. É mister uma intervenção

divina, uma ação do próprio Deus na vida do apóstolo, concedendo-lhe assim as forças

70

necessárias para empreender tal missão. Esta intervenção se dá pela obra do Espírito,

que impulsiona os crentes no cumprimento da ação evangelizadora.

Por conseguinte, é justamente no contexto dessa força que se insere a ação do

Espírito Santo na vida do homem. Ele é a força de Deus (cf. Ef 1,19). Ele é o dedo de

Deus (cf. Mt 12,28; Lc 11,20 141

) que age na vida e na história da humanidade. Ação

esta que se caracteriza não pela coerção dos atos, mas na frutificação das boas obras. O

Espírito Santo não coíbe nem condiciona ninguém, senão que, sendo o Senhor da Vida

142, ele concede ao homem atingir a sua essência mais profunda, que é justamente o

amor.

Ademais, o Espírito recebido não somente lhes outorga uma força sobrenatural

para evangelizar, senão que este mesmo concede aos discípulos uma intrepidez

(parresia 143

) no decorrer do anúncio. A partir de então, os apóstolos não somente

adquirem uma força para testemunhar a Jesus Cristo como Senhor e Ressuscitado, senão

que passam a suportar pelo Nome de Cristo muitas adversidades e perseguições.

Vê-se, portanto, neste caso específico, que a parresía, não é somente uma força

e um vigor na arte da oratória, onde quem a possui logra falar com toda franqueza,

senão que ela também atribui aos recebedores a força e coragem para suportar e

atravessar inclusive obstáculos físicos e culturais.

A compreensão do Espírito Santo como força vital na vida dos cristãos é

ressaltada várias vezes por Paulo nas suas cartas. Para o apóstolo dos gentios, o Espírito

Santo é o poder de Deus, que com sua presença efetiva, acompanha e garante a boa

realização da obra evangelizadora (cf. 1Ts 1,4-6; 1Cor 2,4-5; 1Cor 12,13; Rm 15,18-

19).

Deste modo, no presente tópico se buscará paragonar a relação que existe entre o

espírito e a parresía. Dentro dos escritos paulinos, o espírito adquire uma importância

sem igual. Paulo, como também seus seguidores, atribuem a realização e a capacidade

de exercer o ministério a eles confiado à ação do Espírito.

141

A Tradição da Igreja sempre atribuiu, com base no paralelo entre essas duas citações, o título de dedo

de Deus ao Espírito Santo. Num hino antigo da Igreja, o Veni Creator Spiritus, o Espírito é aclamado

como Digitus paternae dexterae. Além disso, Irineu de Lião, quando comenta, no seu Tratado contra as

Heresias, a respeito do Espírito, faz-lhe a mesma atribuição. Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias.

Col. Patrística. São Paulo: Paulus, 1995, p. 509. 142

Cf. Símbolo Niceno-Constantinopolitano. In: DENZINGER, Enrique. El magistério de la Iglesia.

Barcelona: Herder, 1997, p. 31. 143

No livro dos Atos dos Apóstolos o termo parresía é traduzido em todas as suas ocorrências por

intrepidez.

71

Explica-se a importância crescente do Espírito em Paulo com base na

experiência que as comunidades cristãs primitivas tinham do Espírito

em seu meio (inclusive a experiência de Paulo), na percepção da

imanência de Deus durante o culto, na realização de milagres e na

inspiração da profecia, na experiência de coragem e sabedoria para

anunciar o evangelho, mesmo em circunstâncias difíceis, e nos

sentimentos de alegria. Para os cristãos primitivos, essas experiências

eram prova de que o Espírito estava presente e atuante. E eles

entendiam sua experiência como a realização de esperanças proféticas

de que, na época do Messias, o Espírito se derramasse sobre Israel 144

.

Como pôde-se observar nos capítulos precedentes, a parresía adquire uma

importância na vida de um apóstolo ou do escritor de uma carta canônica. Este caráter

provém da necessidade de se obter a parresía para poder anunciar o mistério do

Evangelho. Assim sendo, este vínculo da franqueza com o anúncio do Evangelho

adquire dimensões ainda mais profundas.

Tendo em vista que nos escritos paulinos, um forte aspecto é a presença e a

importância do Espírito, toda a missão do apóstolo e, por conseguinte, de seus

seguidores, é permeada pela ação do mesmo Espírito. Sem os dons e as graças deste

Espírito, toda a missão evangelizadora se perderia e não haveria frutos.

Paulo, após seu chamado-conversão, descobrirá a importância deste Espírito,

para que possa realizar, em obediência ao Cristo, sua missão. Neste sentido, denota-se o

papel da parresía, relacionada aqui com a intervenção do Espírito, como atitude

primordial da atividade missionária. Já que ele (o Espírito) é aquele que possibilita e faz

que com o anúncio do Evangelho chegue a todos os que se convertem a Cristo, a

linguagem franca passa a ser um dom dado pelo Espírito ao apóstolo, afim de que esse

possa anunciar com coragem o mistério da boa nova.

El pneu-ma es lo característico del Nuevo Pacto [...]. Por eso, el

ministerio del apóstol es una diakoni,a tou- pneu,matoς (2Cor 3,8), que

comunica (por decirlo así) el Espíritu como nueva Torá; porque el

pneu-ma libera del endurecimiento del corazón y de la fijación en la

letra, a fin de poder conocer la meta o fin de la Torá 145

.

Na perícope analisada nesta dissertação, na oração principal, o autor da carta

pede aos destinatários que orem pelos santos e por ele no Espírito. É ele (o Espírito) que

não só eleva até Deus as orações dos fiéis (cf. Rm 8,26b), senão que também possibilita

144

PAIGE, T. Espírito Santo. In: Dicionário de Paulo e sua cartas; 2008, p. 485. 145

KREMER, J. Pneu/ma. In.: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento. vol II, 2012, p. 1031.

72

aos cristãos a obtenção de suas preces, mediante a sua intervenção na vida dos fiéis (cf.

Rm 8,26c-27) 146

.

Também o papel do Espírito está inserido nessa perspectiva

dinâmica. Mediante o Espírito é que ocorre a revelação do

mistério (3,5). O Espírito Santo é a fonte dos dons de sabedoria

e de amor que fazem progredir e amadurecer, até a sua plena

realização, a experiência salvífica da qual o próprio Espírito é

garantia e penhor (1,14) 147

.

Destarte, pode-se conferir que o Espírito fortalece, estimula e acompanha a

missão dos evangelizadores. Ainda mais, Paulo, em 2Cor, se refere à tarefa apostólica

como o “ministério do Espírito” (cf. 2Cor 3,8). Pois, na sua missão, o Espírito o

acompanha, concedendo-lhe, em todos os momentos, a força e a intrepidez para levar a

cabo sua obra evangelizadora. É o Espírito, que diante das dificuldades e dos

obstáculos, lhe concedia a palavra justa e com discernimento, para continuar a anunciar

Jesus Cristo, embora estivesse em situações contrárias ao Evangelho.

O Espírito acompanhou sua [de Paulo] pregação missionária inicial

confirmando a verdade da mensagem no coração dos ouvintes,

fortalecendo Paulo para efetuar sinais e pordígios [...], satisfazendo os

novos fiéis de tal maneira que a presença do Espírito era

inconfundível. Em três de suas cartas, todas para comunidades

diferentes, ele lembra aos leitores a viva experiência inicial que

tiveram do Espírito no contexto de ouvir o evangelho e de conversão

(1Ts 1,4-6; Gl 3,1-3; 1Cor 2,4-5). Paulo pressupõe que esses

encontros iniciais com o Espírito servem para confirmar a realidade da

conversão dos leitores e a validade de seu evangelho como

verdadeiramente de Deus. Por sua vez, o Espírito dá aos leitores

coragem e sabedoria para testemunhar a respeito de Jesus 148

.

Como um bom discípulo, Paulo não se hesitava frente às adversidades, pois

contava sempre com o auxílio do Espírito (cf. Lc 12,11-12). E esse mesmo Espírito é

quem infundia em Paulo a parresía, para que sempre mais, o anúncio do amor de Deus,

manifestado na obra do seu Filho, chegasse a todo homem e não fosse impedido por

qualquer intervenção humana.

146

Cf. KREMER, J. Pneu/ma. In.: Diccionario Exegético del Nuevo Testamento. vol II, 2012, p. 1030. 147

FABRIS. As cartas de Paulo; 1992, p. 142. 148

PAIGE, T. Espírito Santo. In: Dicionário de Paulo e sua cartas; 2008, p. 490.

73

3.2 Parresía e o discipulado

É inegável que a educação é um dos aspectos mais importantes da formação

humana. Baseada no caráter iminentemente relacional do homem, a aprendizagem

molda o caráter e a personalidade humana de forma a ir determinando paulatinamente

seu modo da haver-se com a realidade circundante. Grande parte daquilo que um

homem é não nasceu com ele, mas veio a ser na medida em que foi sendo formado e

educado. Nessa dialética de formação e determinação pessoal surgem dois papeis

importantíssimos: o mestre e o discípulo.

Il mondo antico conosce il rapporto maestro-discepolo in una duplice

forma: nella sfera della formazione filosofica e ideologica e in quella

dell‟attività cultuale-religiosa. Le due forme si intrecciano quando

nella persona del maestro vengono a contatto motivi filosofici e

religiosi, come accade anche nell‟ambito del cristianesimo nascente 149

.

No Antigo Testamento, o discípulo tal como foi compreendido posteriormente

no Novo Testamento, é tema bem tardio - para não dizer, quase que ausente - que pode

ser situado no contexto do povo pós-exílico. No entanto, ainda que de maneira

germinal, a ideia de discipulado não está, de maneira alguma, totalmente ausente neste

período específico da Revelação. Sábios e profetas (cf. Is 8,16) tem seus discípulos com

os quais se relacionam quase que paternalmente (cf. Pv 1,8; 2,1; 3,1). Vemos um

exemplo claro do que se tem dito na relação entre Elias e Eliseu (cf. 1Rs 19,19-21),

discipulado o qual há inclusive uma transmissão do espírito do mestre a seu discípulo

(cf. 2Rs 2,9-10), logo antes do seu arrebatamento ao céu, como também na relação entre

Eli e Samuel (cf. 1Sm 3,1-19).

A differenza della grecità classica e dell‟ellenismo, l‟A.T. non

conosce un rapporto maestro-discepolo che non sia quello puramente

formale di maestro e scolaro. Un fenômeno corrispondente a quello

registrato in Grecia non si riscontrerà né tra i profeti né tra gli scribi

nell‟A.T. 150

.

Desta primeira reflexão desdobram-se dois aspectos importantíssimos da

concepção veterotestamentária acerca do discípulo 151

. A primeira e mais sintomática

delas expressa-se no conceito de mediação. O mestre não é um mero transmissor de

informações adquiridas em sua vasta experiência de vida, mas é um mediador entre

149

RENGSTORF, K.H. Maqhth,õ. In.: Grande Lessico del Nuovo Testamento. vol. VI, 1970, p. 1133. 150

Idem, p.1153. 151

MOTTE, R. Discípulo. In.: Vocabulário de teologia bíblica; 2008, p. 241.

74

Deus, de quem recebeu a sabedoria, e seu discípulo. Neste sentido, tem um papel

importantíssimo a Lei, assim como seus autênticos intérpretes.

Quella israelitica è una religione di rivelazione. Perciò in essa il

discorso religioso dell‟uomo è soltanto il mezzo di cui Dio si serve per

far conoscere se stesso e la sua volontà. [...]. Essi non parlano mai per

se stessi e, anche se son costretti a difendere la loro causa, non lottano

affatto per la propria persona. La loro opera muove interamente

dall‟incarico ricevuto da Dio. Dio ha fatto conoscere loro la sua

volontà e ha posto loro in bocca la sua parola. Ciò li impegna a

trasmettere quello che han ricevuto, perché per il popolo è stato loro

dato, per il popolo di Dio; ma cio ne fa anche dei custodi, che

trasmettono tale e quale quanto hanno ricevuto, cioè come parola di

Dio 152

.

Em segundo lugar observa-se mais atentamente o modo de transmissão do

conhecimento. Superando a mera racionalidade ou inteligibilidade conceitual e mental,

a didaskalia bíblica é uma experiência concreta. O discípulo deve aprender do mestre à

medida em que vive com ele. Esse modo de discipulado atinge o discípulo de maneira

bastante mais ampla: vida, sentidos, moralidade dos atos, conhecimento intelectivo,

relação com Deus e etc.

Assim sendo, o aspecto supracitado é uma característica patente nos livros do

Antigo Testamento. A Tradição 153

exerce papel de grande importância na História da

Salvação, mais especificamente, na história do Povo de Israel. A fé vivenciada pelos

hebreus é experiência das intervenções divinas na própria história que são transmitidas

de geração em geração. O núcleo da fé judaica, se é possível assim dizer, consiste na

transmissão e vivência da mesma fé.

Deste modo, ao se transmitir os fatos da ação de Deus na história, faz com que

se crie uma relação significativa. Esta relação não é visível apenas entre pais e filhos,

relação primeira e fundamental na vida de qualquer pessoa, mas também no vínculo

extrafamiliar que ocasionalmente venha a acontecer por motivo da vida religiosa.

Ainda dentro do mundo hebraico, surge uma outra concepção de relação entre

mestre e discípulo. Trata-se da relação entre o rabino e o discípulo. Como ocorre dentro

dos textos veterotestamentários, a relação de aprendizagem no mundo judaico

extrabíblico não é simplesmente de um mestre que ensina as tradições da fé a seus

discípulos. Senão que adquire o mesmo caráter supracitado, o de mediador da Palavra e

152

RENGSTORF, K.H. Maqhth,õ. In.: Grande Lessico del Nuovo Testamento. vol. VI, 1970, p. 1160-

1161. 153

O vocábulo em latim tradere, do qual deriva o termo tradição, tem por significado próprio transmitir,

passar adiante.

75

da Tradição. O rabino não é simplesmente alguém que possui uma experiência de vida e

de conhecimento e que, por sua vez, transmite esses ensinamentos, mas é aquele que,

tendo uma ampla instrução acerca da Torá, torna-se um modelo para seus aprendizes.

Deste modo, no rabinato, o que vincula um mestre com o discípulo é tão somente o

entendimento da Torá.

Nelle scuole rabbiniche, per quanto possa essere rilevante la figura di

un maestro, il vero motivo dominante è la Torá. Il tutto è però

condizionato dalla rilevanza del principio di tradizione, per il quale

Mosè è considerato come il punto de partenza della tradizione e come

maestro per eccelenza. [...]. L‟autorità della Torá e della tradizione in

essa contenuta diventa visibile in quanto essa pone dei limiti

all‟autorità del singolo rabbi. Dato che la Torá è giunta ad Israele

avendo Mosè come intermediario che per primo l‟ha fatta conoscere

ad Israele, cio che conta per i rabbini è l‟essere d‟accordo com Mosè,

il più grande maestro della Torá, che ha segnato la via da seguire per

tutti i tempi 154

.

Por conseguinte, no Novo Testamento, a concepção de discipulado ganha novos

matizes. René Motte 155

sintetiza o discípulo neotestamentário em três características

principais: vocação, vínculo pessoal com Cristo e partilha com o mestre de sua

dignidade e de seu destino. Importa frisar que, no caso de Cristo, perde-se o aspecto de

mediação com Deus, pois Jesus Cristo é o próprio Deus (cf. Jo 8,58). Ele é a sabedoria

encarnada, o logos divino que veio ao mundo (cf. Jo 1,1-18).

O termo grego maqhth,ς corresponde em português ao vocábulo discípulo. Este

termo possui 262 ocorrências nos textos do NT, mais especificamente nos Evangelhos e

no livro dos Atos dos Apóstolos. Ele caracteriza, no caso dos Evangelhos, aqueles

homens e mulheres que Jesus tinha em seu entorno, que escutavam suas pregações,

acompanhavam seus milagres e que o tinham como mestre. Além desta conotação, o

termo nos Evangelhos também designa os discípulos de João Batista. Já no livro dos

Atos dos Apóstolos, o termo designa propriamente os discípulos de Jesus, aqueles que

pertenciam à comunidade cristã primitiva 156

.

Maqhth,ς attesta sempre la presenza di un legame personale che

informa tutta la vita di colui che è chiamato così, e ha caratteristiche

tali da non esservi dubbio sulla identità di colui dal quale si sviluppa

questa forza formativa. [...]. La caratterizzazione del maqhtai, ad opera

154

RENGSTORF, K.H. Maqhth,õ. In.: Grande Lessico del Nuovo Testamento. vol. VI, 1970, p. 1177. 155

MOTTE, R. Discípulo. In.: Vocabulário de teologia bíblica; 2008, p. 242. 156

Cf. RENGSTORF, K.H. Maqhth,õ. In.: Grande Lessico del Nuovo Testamento. vol. VI, 1970, p.

1187.

76

di colui che li ha raccolti intorno a sé nel N.T. si estende anche alla

vita intima. Lo si vede là dove si dice che il gruppo riunito intorno al

Battista aveva una sua preghiera insegnata da Giovanni, che univa fra

di loro i vari membri; anche i discepoli di Gesù gli chiesero una

preghiera in segno della loro comunione con lui e fra di loro. Nel N.T.

non avviene mai che maqhth,ς sia usato prescindendo da un legame che

giunge fino al più intimo della persona. L‟uso corrente nel Greco

extra-neotestamentario, che stabilisce una dipendenza puramente

formale, non esiste nel N.T. 157

.

Isto posto, pode-se conferir que no Novo Testamento surge uma concepção de

discipulado mais profunda que aquela presente no mundo grego clássico. A relação de

discípulo e mestre não é algo formal e funcional apenas enquanto método de

ensinamentos e aprendizagem. No NT esta relação, como se confere na citação acima,

abarca até mesmo a vida íntima do discípulo. O mestre é mais que um sábio transmissor

de conhecimentos. Ele é um modelo de vida, e a relação com o mestre, nesse caso Jesus,

implica numa mudança de vida de seus discípulos. Além disso, vale lembrar que a

escolha dos discípulos de Jesus foi fruto da sua oração. Esta atitude demonstra que a

eleição dos discípulos no NT, mas notadamente para Jesus, é algo que transcende as

capacidades humanas. É uma escolha divina, um desejo de Deus.

A vocação dos discípulos é um acontecimento da oração; eles são, por

assim dizer, gerados na oração, na intimidade com o Pai. Assim, a

vocação dos doze alcança um profundo sentido teológico que vai

muito além do que seja simplesmente funcional: a sua vocação vem

do diálogo do Filho com o Pai e está nele ancorada 158

.

A esse respeito, os textos do NT têm dois exemplos, entre tantos outros, que

demonstram claramente essa característica. O primeiro é a chamada de Mateus (cf. Mt

9,9). Nesse caso, o seguimento de Jesus, através do seu chamado, implica uma mudança

total de vida, uma vez que Mateus era um coletor de impostos e, no momento em que

Jesus o chama, se encontrava justamente operando seu ofício. A partir de então, para

seguir Jesus, Mateus abandona sua vida passada e, atendendo ao chamado do Mestre, é

conduzido numa nova vida.

O segundo exemplo é Paulo, como já foi visto amplamente no primeiro capítulo

dessa dissertação. Após seu encontro com o Ressuscitado, no caminho de Damasco,

Paulo passa de perseguidor a seguidor de Jesus. E não somente passa a segui-lo, mas

obtém, após esse encontro, uma mudança radical de vida. Vê-se, portanto, através

157

RENGSTORF, K.H. Maqhth,õ. In.: Grande Lessico del Nuovo Testamento. vol. VI, 1970, p. 1188-

1189. 158

RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré: do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo:

Planeta, 2007, p. 154.

77

desses dois exemplos como o discipulado no Novo Testamento adquire uma

importância assaz profunda. Ser discípulo não é apenas ter alguém que transmita

ensinamentos válidos para uma formação intelectual, mas uma mudança essencial de

conduta e de vida.

Assim sendo, com a base dada a respeito do discipulado nos textos

neotestamentários, pode-se conferir que o discipulado é argumento primordial na

missão do cristão. Ser cristão é ser discípulo de Jesus. É transmitir ao outro tudo o que

foi possível receber na sua experiência de cristianismo. Portanto, o discipulado não é

um adereço da vida cristã, mas uma característica constituinte da mesma 159

. E esse

discipulado, como atesta o Documento de Aparecida, é imprescindivelmente

missionário. Não se pode conceber um discípulo sem a dimensão da missão. Ser

discípulo é ser missionário 160

.

O discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-

se impelido a anunciar a Boa Nova da salvação aos seus irmãos.

Discipulado e missão são como os dois lados de uma mesma medalha:

quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de

anunciar ao mundo que somente Ele nos salva (cf. At 4, 12).

Efetivamente, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não existe

esperança, não há amor e não existe futuro 161

.

Estar com Jesus e ser enviado parece, à primeira vista, que são coisas

excludentes, no entanto estão claramente interligados. Eles [os

discípulos] devem aprender a estar de tal modo com Ele que estão

com Ele mesmo quando vão para os confins do mundo. Estar com Ele

leva em si como tal a dinâmica da missão, porque todo o ser de Jesus é

já missão 162

.

Ademais, o discipulado no NT, diferentemente da concepção grega, não é uma

opção pessoal e individual. O discípulo não escolhe o mestre, ainda que num primeiro

plano isso possa ocorrer. Mas na essência do discipulado cristão está o mistério da

eleição. É Deus mesmo quem escolhe e elege seus discípulos. “Ninguém pode se fazer

discípulo; isso é um acontecimento da eleição, uma decisão da vontade do Senhor, que

de novo está ancorada na sua união de vontade com o Pai” 163

. Sendo Deus o agente

principal da vida do discípulo, sua missão adquire um valor transcendente. Não é apenas

159

Cf. DOCUMENTO DE APARECIDA. São Paulo: Paulus, 2011, n. 145. 160

Cf. DAp, n. 144. 161

BENTO XVI. Discurso Inaugural da V Conferência do CELAM; 2007, p. 6. Disponível em:

<https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2007/may/documents/hf_ben-

xvi_spe_20070513_conference-aparecida.html >. 162

RATZINGER. Jesus de Nazaré: do Batismo no Jordão à Transfiguração; 2007, p. 156. 163

Idem, p. 154.

78

um serviço ou uma obra exercida em favor de algo ou de alguém, mas uma vocação, um

chamado a participar de uma realidade de caráter divino.

O chamado que Jesus Mestre faz, implica uma grande novidade. Na

antiguidade, os mestres convidavam seus discípulos a se vincular com

algo transcendente e os mestres da Lei propunham a adesão à Lei de

Moisés. Jesus convida a nos encontrar com ele e a que nos vinculemos

estreitamente a ele, porque é a fonte da vida (cf. Jo 15,1-5) e só ele

tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6,68). Na convivência cotidiana

com Jesus e na confrontação com os seguidores de outros mestres, os

discípulos logo descobrem duas coisas bem originais no

relacionamento com Jesus. Por um lado, não foram eles que

escolheram seu mestre, foi Cristo quem os escolheu. E por outro lado,

eles não foram convocados para algo (purificar-se, aprender a Lei...),

mas para Alguém, escolhidos para se vincularem intimamente à

Pessoa dele (cf. Mc 1,17; 2,14). Jesus os escolheu para “que

estivessem com ele e para enviá-los a pregar” (Mc 3,14), para que o

seguissem com a finalidade de “ser dele” e fazer parte “dos seus” e

participar de sua missão. O discípulo experimenta que a vinculação

íntima com Jesus no grupo dos seus é participação da vida saída das

entranhas do Pai, é formar-se para assumir seu estilo de vida e suas

motivações (cf. Lc 6,40b), seguir sua mesma sorte e assumir sua

missão de fazer novas todas as coisas 164

.

Destarte, esse aspecto do discipulado se realiza mediante a intervenção direta do

Espírito Santo. Como visto no tópico anterior, é o Espírito quem permite que os

seguidores de Jesus assumam todas as implicações e diretrizes evangélicas. É graças à

ação do mesmo Espírito que alguém, ao receber a novidade da Boa-Nova, passa a

configurar a sua vida à vida do Ressuscitado e a pautar todas as suas atitudes no

mistério de Jesus Cristo. “O Espírito na Igreja forja missionários decididos e corajosos

como Pedro (cf. At 4,13) e Paulo (cf. At 13,9), indica os lugares que devem ser

evangelizados e escolhe aqueles que devem fazê-lo (cf. At 13,2)” 165

.

Por conseguinte, como se vê na citação acima, por meio da ação do Espírito e da

missão recebida pela adesão a Cristo, o discípulo é chamado a ser decidido e corajoso, a

exemplo dos apóstolos. Essa “decisão” e “coragem” são características encontradas na

parresía. Uma vez que o objeto do anúncio é de suma importância (o Evangelho), e a

missão não é uma qualidade humana, mas divina, o discípulo não pode prescindir da

parresía para levar a cabo seu trabalho missionário. A parresía é característica basilar

do discipulado de Cristo. Sem a parresía, o discípulo corre o risco de anunciar outros

“evangelhos” que não o único e autêntico Evangelho (cf. Gl 1,6-9). A coerência entre

vida e discipulado se dá mediante a presença da parresía na vida do discípulo. Ainda,

164

DAp, n. 131. 165

DAp, n. 150.

79

sem a parresía, o missionário periga abandonar a autenticidade da vida cristã e se tornar

um mero “profissional” do Evangelho. É a parresía que permite a fidelidade e a adesão

sincera ao Mistério de Cristo.

Consequentemente, esta valentia e intrepidez frente à missão e à tarefa de

anunciar o Evangelho se dá pela intimidade e estreita relação com o próprio Cristo. É

graças a esta união com ele que brota na vida do missionário a coragem. Ser discípulo é

também ser testemunha. Mas apenas se é testemunha de algo que se viu, conheceu e

presenciou. Ser testemunha de Cristo requer previamente o conhecimento dele, ver e

presenciar a sua ação como salvador. Estar com Cristo confere ao discípulo todo vigor e

força provenientes de sua divindade.

Eles [os discípulos] devem estar com Ele, para O conhecerem; para

alcançarem aquele conhecimento a que “a gente” não podia aceder,

que apenas de fora O via e O tinha por um profeta, por um grande da

história das religiões, mas que não podia captar a sua unicidade. Os

doze devem estar com Ele, para que conheçam Jesus na sua unidade

com o Pai e assim possam ser testemunha do seu mistério (cf. Mt

16,13ss). Eles devem – como S. Pedro dirá antes da eleição de Matias

– ter estado com Ele “desde quando Jesus esteve no meio de nós,

desde que chegou e partiu” (cf. At 1,8.21). Eles devem chegar da

mais exterior até a mais íntima comunhão com Jesus 166

.

Deste modo, vê-se que assim como os discípulos conviveram com Jesus,

compartilhando de sua missão, assim também eles, como testemunhas vivas de Cristo,

exercem a missão de levar adiante a experiência dessa relação. Por conseguinte, aqueles

que não puderam conhecer Jesus visivelmente, o podem conhecer mediante o

testemunho dos discípulos. E essa continuidade se dá mediante a escolha de futuros

discípulos de Jesus. Os apóstolos, a partir de Pentecostes, não somente expandem o

anúncio da Boa-Nova, mas elegem futuros discípulos, que por vez, ao vir a faltar os

primeiros discípulos, levarão adiante a mesma e única missão de anunciar. Essa escolha

e transmissão se dá mediante a imposição das mãos dos apóstolos. É pela imposição das

mãos que eles transmitem o Espírito recebido, concedendo aos seus sucessores o mesmo

Espírito (cf. At 6,6; 13,3; 1Tm 4,14; 5,22; Hb 6,2).

Destarte, por meio da imposição das mãos, os “novos” discípulos recebem o

Espírito e todas as capacidades necessárias para empreenderem a missão

evangelizadora. Entre essas capacidades necessárias está também a parresía. Ao

transmitirem o Espírito, vai junto a força e a coragem para anunciar com franqueza o

166

RATZINGER. Jesus de Nazaré: do Batismo no Jordão à Transfiguração; 2007, p. 155.

80

Evangelho. Isto é necessário pois o objetivo da missão não é unicamente transmitir um

conhecimento, mas conduzir novos cristãos ao Cristo.

Tal como Jesus, eles [os discípulos] anunciam o Reino de Deus e

reúnem os homens para a nova família de Deus. Mas a pregação do

Reino de Deus não é nunca simples palavra, nunca simples instrução.

Ela é acontecimento, tal como Jesus mesmo é acontecimento, palavra

de Deus em pessoa. Anunciando-O, conduzem-nos ao Seu encontro 167

.

3.3 Parresía e Sw,ma tou/ Kristou/ (Corpo de Cristo)

A fé cristã está baseada em um fato histórico: Jesus Cristo, o verbo de Deus

encarnado. Deus mesmo decidiu assumir a nossa humanidade por meio do seu Filho.

Jesus realiza a vontade do Pai, a redenção da humanidade, em seu corpo humano. A

salvação, o perdão dos pecados e a reconciliação, se deu no corpo humano de Jesus (cf.

Cl 1,22). O Mistério Pascal, o Sacramento da salvação, revelam a natureza divina de

Cristo que pode entregar a vida livremente (cf. Jo 10,18), amando até o fim (cf. Jo 13,1).

Jesus Cristo, sacramento do amor do Pai, perpetua sua presença em meio aos

homens pela sua presença real na Eucaristia e, de maneira diversa, pela unidade de seu

corpo místico (cf. 1Cor 10,16-17). Aqueles que, por meio do sacramento do batismo,

foram incorporados a Cristo são realmente membros do sōma toû Christoû (cf. 1Cor

12,13.27), do qual Jesus Cristo mesmo é a cabeça (cf. Cl 1,18). Dessa forma, o cristão

trona-se templo do Espírito Santo (cf. 1Cor 6,19) enquanto, em sua vida terrena, espera

a ressurreição da carne e a transfiguração de seu corpo (cf. Fl 3,20-21).

Na última citação do tópico antecedente, o Papa Bento XVI, na sua obra sobre

Jesus de Nazaré, ao comentar o objetivo da missão dos discípulos, afirma que estes

“anunciam o Reino de Deus e reúnem os homens para a nova família de Deus” 168

.

Assim sendo, a pregação tem por escopo reunir aqueles que aceitam o anúncio da Boa

Notícia de Cristo, para assim fazer parte do seu corpo. É a pregação que congrega os

escolhidos de Deus. Por meio do anúncio se dá a edificação do Corpo de Cristo.

Entre os documentos do Concilio Vaticano II, a Lumen Gentium, constituição

dogmática sobre o mistério da Igreja, apresenta as várias características e atribuições da

Igreja, assim como sua missão e obra no mundo. Entre as características, existe uma que

se sobressai, justamente por ter muitos fundamentos bíblicos. Trata-se justamente da

Igreja como “Corpo de Cristo” (cf. Rm 12,4-5; 1Cor 12, 12-27; Gl 3,28; Ef 1,22-23;

167

RATZINGER. Jesus de Nazaré: do Batismo no Jordão à Transfiguração; 2007, p. 156. 168

Ibidem.

81

2,16; 4,4-6.12.15-16; 5,23.30; Cl 1,18.24; 2,19; 3,15). É fato que muitas são as

atribuições da Igreja e que, todas elas, em concordância e completude, manifestam o

mistério total da Igreja (ex.: Povo de Deus, Templo do Espírito Santo, e outras). No

entanto, neste tópico somente será abordada a característica da Igreja como Corpo de

Cristo. Não por relevar os outros atributos, mas para que se perceba de modo mais claro

como a pregação, acompanhada da parresía, favorece a constituição da Igreja como

Corpo de Cristo.

O Filho de Deus, na natureza humana unida a si, vencendo a morte

por sua morte e ressurreição, remiu e transformou o homem numa

nova criatura (cf. Gl 6,5; 2Cor 5,17). Ao comunicar o Seu Espírito, fez

de Seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente os

componentes de Seu próprio Corpo. Nesse corpo difunde-se a vida de

Cristo nos crentes que, pelos sacramentos, de modo misterioso e real,

são unidos a Cristo morto e glorificado 169

.

Ademais, como também já visto, o discipulado implica numa união intrínseca

com a pessoa de Cristo. Essa união se dá pela participação no seu Corpo, que é a Igreja.

Os cristãos, ao acolher o Evangelho e a conversão por meio do batismo, unem-se ao

Corpo de Cristo, formando, assim, a comunidade dos fiéis, testemunhas da obra

salvadora de Jesus. “Os crentes que respondem à palavra de Deus e se tornam membros

do Corpo de Cristo ficam estreitamente unidos a Cristo” 170

. É nesta comunhão que a

Igreja haure forças para levar adiante a missão que o próprio Cristo veio realizar neste

mundo através da sua encarnação.

A comparação da Igreja com o corpo projeta uma luz sobre os laços

íntimos entre a Igreja e Cristo. Ela não é somente congregada em

torno dele; é unificada nele, em seu Corpo. Cabe destacar mais

especificamente três aspectos da Igreja-Corpo de Cristo: a unidade

de todos os membros entre si por sua união com Cristo; Cristo

Cabeça do Corpo; a Igreja, Esposa de Cristo 171

.

No entanto, é mister salientar que a atribuição à Igreja como Corpo de Cristo é

uma analogia, que possui o objetivo de exemplificar esse mistério tão grande e superior

a toda comparação que é a Igreja. Toda analogia corre o risco de diminuir ou limitar a

realidade verdadeira. Contudo, em se tratando de uma realidade divina e mistérica, a

analogia faz-se necessária. De Lubac, aborda esse tema na sua obra sobre o Mistério da

Igreja:

169

LG, 7. 170

CIC, 790. 171

CIC, 789.

82

Mesmo proveniente da Escritura e mesmo devidamente corrigida, uma

imagem, uma analogia é sempre insuficiente, pois põe em evidência

apenas um aspecto, mais ou menos importante, do mistério visado e

se, pelo seu uso, a correção evita o erro, ela não faz penetrar na

plenitude da verdade. Por isso não passa de uma via praticável que

consiste não apenas corrigir mas em completar uma imagem por outra

ou por outras. Nisto também a própria revelação nos serve de guia.

Para nos descrever a Igreja, multiplica as imagens e foi comentando

essas imagens que a tradição cristã refletiu sobre seu mistério 172

.

Além do mais, na fundamentação bíblica, o termo „Corpo de Cristo” tem origem

nas cartas paulinas. Paulo é o único nos textos neotestamentários que cunha esse título.

Porém isso não implica que em outros textos não seja possível encontrar semelhantes e

complementares a esse argumento (cf. a imagem da vinha em Jo 15; a casa espiritual em

1Pe 2 e Hb 13; como também a Esposa do Cordeiro no livro do Apocalipse) 173

.

Em vários momentos de sua carta, Paulo se refere à Igreja comparando-a com

um corpo, pois esta analogia fornece uma imagem excelente de uma diversidade na

unidade. O corpo humano é um exemplo bem claro desta realidade complexa e simples

ao mesmo tempo. Num mesmo e único organismo vivo se dá diferentes realidades e

atividades que favorecem na função de um único corpo.

O mesmo acontece com a Igreja de Cristo. Formada por vários membros, tão

diversos e complexos, que juntos, cada um exercendo sua função, favorece para o

crescimento e vida desse mesmo corpo, tendo sempre como cabeça o próprio Cristo. Ele

é quem rege, governa e conduz o seu corpo. No entanto, unido à cabeça, cada membro

contribui para a vida desse corpo. É com base nesse análogo que o Apóstolo compara

diversas vezes a Igreja de Cristo, a assembleia dos eleitos de Deus, com a imagem do

corpo.

Além do mais, a Igreja, que é o corpo vivo de Cristo, é a presença física de

Cristo no mundo. Ela tem a função de exercer no mundo a mesma missão de Cristo. E

sendo o seu corpo, unido à cabeça, é que ela realiza com êxito sua função. Deste modo,

embora Cristo tenha subido aos céus após sua morte e ressurreição, ainda continua a

operar na vida de cada homem, por meio do seu corpo aqui neste mundo.

Na carta aos Romanos, Paulo afirma que “a fé vem da pregação” (10,17). É fato

que todos aqueles que foram batizados em Cristo, receberam o dom da fé. Esse dom é

aquele que possibilita ao fiel participar integralmente do mistério da Igreja. A fé não

172

DE LUBAC, Henri. Paradoxo e Mistério da Igreja. São Paulo: Herder, 1969, p.39. 173

Cf. HOLBÖCK, F.; SARTORY, TH. El Mistério de la Iglesia. Barcelona: Editorial Herder, 1966, p.

248.

83

somente permite com que o fiel adira à vida em Cristo por meio do batismo, mas faz

também com que aqueles que a receberam, cooperem ativamente na construção desse

corpo. E tudo isso se dá, por meio da pregação, que antecede à iniciação à vida cristã,

acompanha a inserção do fiel na vida de Cristo e conduz os membros do corpo de Cristo

a uma maior perfeição. Nessa mesma carta, o apósotolo, para chegar a tal afirmação,

apresenta a importância da necessidade da pregação: “Mas como poderiam invocar

aquele em quem não creram? E como poderiam crer naquele que não ouviram? E como

poderiam ouvir sem pregador? E como podem pregar se não forem enviados?” (10,14-

15). Destarte, tanto para o início quanto para o decorrer da vida cristã, a pregação exerce

uma singular função.

Portanto, analisando esse aspecto primordial da pregação, torna-se mais grave a

importância de sua união com a parresía. Uma vez que é a pregação que possibilita a

participação no Corpo de Cristo, essa não pode se realizar por meio de formas que não

favoreça sua total compreensão. O que permite à pregação atingir seu objetivo é o

vínculo com a franqueza. Pois o fruto e objetivo da pregação é a edificação do Corpo de

Cristo. Desta forma, tendo como meta um escopo tão importante, aquilo que

proporciona tal meta, deve ser encarado com igual propósito.

Essa característica da associação entre a pregação e a parresía se dá justamente

porque o conteúdo da pregação é a Boa-Nova de Jesus Cristo e não um simples discurso

retórico. E o anúncio do Evangelho de Cristo é sempre uma palavra que aciona, que se

realiza. “No vocabulário atual da teoria da linguagem se poderia dizer: o Evangelho não

é um discurso puramente informativo, mas „performativo‟; não simples comunicação,

mas ação, força eficaz que entra no mundo para curar e para transformar” 174

. Sendo

assim, para que a pregação possa cumprir essa missão de não só apresentar, mas fazer

com que a palavra se realize, é mister a participação da parresía.

174

RATZINGER. Jesus de Nazaré: do Batismo no Jordão à Transfiguração; 2007, p. 58.

84

CONCLUSÃO

No decorrer da dissertação pode-se conferir como o conceito de parresía não

somente exerceu grande influência no mundo greco-romano do período anterior e logo

seguido da nossa era, senão que este conceito permeou e influenciou de modo singular

os escritos neotestamentários, de maneira particular os escritos paulinos. Dentro destes

escritos, foi possível analisar panoramicamente como a função retórico-linguística da

ousadia no falar esteve presente na vida do apóstolo Paulo e de seus discípulos.

Todo estudo está condicionado tanto pela situação histórica e pensamento do

objeto ou personagem, assim como pelas circunstâncias, novas ferramentas de estudos e

pensamentos do sujeito que interroga às fontes. Isto possibilita não somente uma

atualização da linguagem e seus conteúdos, senão também um melhor conhecimento

especializado sobre os aspectos constitutivos da realidade estudada. Tais condições

modificam e enriquecem os estudos posteriores.

Desta forma, a linguagem franca não somente pode servir de base para uma

análise da realidade atual, senão que é e pode ser plenamente vivida e praticada nos

tempos hodiernos. Assim como se averiguou no texto, de modo especial na perícope de

Ef 6,18-20, a função da parresía no pensamento paulino estava vinculada à

evangelização e à relação do missionário com suas comunidades. Para o autor da carta

analisada brevemente, o anúncio do Evangelho deve ser acompanhado por uma atitude

parresiástica. Pode-se, portanto, nos dias atuais, tomar esta realidade não somente como

exemplo ou modelo, mas também como necessidade para a evangelização à qual cada

cristão de nossos dias é chamado a participar.

Nos tempos atuais, e mais especificamente no âmbito eclesial, buscam-se

diversas formas de linguagem para conseguir ou ao menos começar a atingir e alcançar

o homem dos nossos dias. São diversos os métodos e formas que se aprendem e que são

colocados em práticas, mas que não poucas vezes permanecem sem grandes resultados.

A parresía torna-se assim um grande artefato intrínseco à missão evangelizadora. Pois

não se anuncia, como se viu no final do terceiro capítulo, uma palavra qualquer, mas

sim a vida dos homens, anuncia-se o mistério da salvação de todo o gênero humano, e

este mistério não merece ser levado a conhecimento sem uma linguagem franca, sem

liberdade e coragem.

85

O primeiro capítulo permitiu observar quais eram as características da parresia

no período do Apóstolo Paulo e quais as implicações que esta exercia na vida daquele

que dela se utilizava. Conferindo algumas ocorrências do termo, pode-se averiguar

como a parresía permitia a eficácia do discurso. Portanto, assim como naquele período

a parresía era eficaz, do mesmo modo, é possível ainda nos dias de hoje, que ela exerça

a mesma função de outrora.

Por sua vez, não foi intenção do presente trabalho realizar uma reminiscência do

termo, mas apresentar quão importante era esta ferramenta pragmática para o Apóstolo

dos gentios, e sublinhar como ainda ela pode ser atualizada e praticada.

Destarte, pode-se conferir que o anúncio do evangelho deve ser revestido de

parresía. O pedido para a obtenção da ousadia ao anunciar que faz o autor da perícope

analisada, torna-se assim um modelo, um paradigma, pois para anunciar a “Palavra da

Verdade”, não pode abster-se da coragem. O anúncio da boa nova requer assim, uma

atitude de vigor, de coerência com o conteúdo anunciado. Pois neste anúncio está

contido o mistério da salvação dos homens, como vemos presente na própria carta aos

Efésios:

Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos

amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou

juntamente com Cristo – pela graça fostes salvos! – e com ele nos

ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus, a fim de

mostrar nos tempo vindouros a extraordinária riqueza da sua graça,

pela bondade para conosco, em Cristo Jesus (Ef 2,4-7).

86

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