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David Atchoarena A PARCERIA NO ENSINO TÉCNICO EA FORMAÇÃO PROFISSIONAL O conceito e sua aplicação Edições UNESCO Brasil

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David Atchoarena

A PARCERIA NO ENSINO TÉCNICO

E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

O conce i to e sua apl i cação

Edições UNESCO Brasil

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David Atchoarena

A PARCERIA NO ENSINO TÉCNICO

E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

O conce i to e sua apl i cação

Brasília – 2002

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Título original:

Le partenariat dans l’enseignement technique et laformation professionnelle

Publicado originalmente pelo Institut International de Planificationde l’Education (UNESCO), Paris, França

© UNESCO, 1998

© UNESCO, 2001 – Edição brasileira

A edição brasileira foi publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil

O autor é responsável pela escolha e apresentação dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessaria-mente as da Unesco, nem comprometem a Organização. As indicações denomes e a apresentação do material ao longo deste livro não implicam a mani-festação de qualquer opinião por parte da Unesco a respeito da condição jurídicade qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem quantoà delimitação de suas fronteiras ou limites.

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Edições UNESCO Brasil

Conselho Editorial

Jorge Werthein Maria Dulce Almeida BorgesCélio da Cunha

Comitê para a Área de Educação

Maria Dulce Almeida BorgesCélio da Cunha Lúcia Maria Golçalves ResendeMarilza Machado Gomes Regattiere

Tradução: Georgete Medleg RodriguesRevisão Técnica: Cândido Alberto GomesRevisão: DPE Studio Assistente Editorial: Larissa Vieira LeiteProjeto Gráfico: Edson Fogaça

UNESCO, 2001

Atchoarena, DavidA parceria no ensino técnico e a formação profissional: o conceito

e sua aplicação / David Atchoarena; tradução de Georgete Medleg Rodrigues – Brasília : UNESCO, 2001.

78p.

ISBN: 85-87853-37-6Título original: Le partenariat dans l’enseignement technique et la

formation professionnelle.

1. Educação 2. Educação Técnica 3. Educação Profissional I. UNESCO II. Rodrigues, Georgete Medleg III. Título

CDD 370

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a CulturaRepresentação no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.70070-914 - Brasília - DF - BrasilTel.: (55 61) 321-3525Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

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Apresentação ....................................................................

Abstract ...........................................................................

Introdução .......................................................................

Capítulo I – Parceria e regulação

1. A lógica da parceria ......................................................

1.1. A ambigüidade da noção de parceria: sobre o que sefala? .....................................................................

1.2. A utilidade da parceria: fundamentos, objetivos eatores ....................................................................

2. O funcionamento da parceria .......................................

2.1. A variedade das fórmulas .......................................

2.2. A implantação da parceria .....................................

3. A participação dos assalariados .....................................

3.1. Natureza e papel dos sistemas de representação dos as-salariados ..............................................................

3.2. As instâncias de representação dos assalariados diante daformação ...............................................................

4. O papel das organizações não-governamentais ..............

4.1. Um parceiro multiforme e atomizado .....................

4.2. Um parceiro complementar ....................................

4.3. Um parceiro ambivalente .......................................

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SUMÁRIO

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5. O recurso ao mercado: a parceria público/privado........

5.1. A privatização da oferta .........................................

5.2. O papel do Estado no quadro de uma gestão delegada.....

Capítulo II – A parceria local

1. A dinâmica territorial e seus efeitos sobre a regulação daformação ......................................................................

1.1. A dimensão local: uma alternativa possível? .............

1.2. A dimensão local da relação formação/emprego ........

2. O estabelecimento de ensino como ator de uma dinâmi-ca local .........................................................................

2.1. O estatuto de autonomia ........................................

2.2. A autonomia como capacidade de ação ...................

Conclusão ........................................................................

Bibliografia ......................................................................

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APRESENTAÇÃO

O Brasil vem passando por intensas mudanças educacionais,grande parte delas resultante da aprovação da Lei de Diretrizes eBases ou Lei Darcy Ribeiro em 1996. Como não poderia deixar deser, também a educação profissional tem entrado nesse dinamismo,a partir do seu próprio conceito, estabelecido pela citada lei. O paístem tradições ricas, sobretudo nos setores público e público não-estatal, que se espraiaram, com as necessárias aclimatações, a paísesda América Latina e até influenciaram outros continentes. Noentanto, o que se fazia tem sido discutido, pois já não atende àsnecessidades. Por outro lado, as novas propostas são também objetodo debate democrático para seu melhor delineamento. Em outrostermos, o passado, apesar do brilho das suas realizações, não basta,no passo em que o futuro está sendo modelado.

Nessa circunstância angustiante mas preciosa pela suafertilidade, a UNESCO-Brasil, em parceria com a Secretaria deEducação Média e Tecnológica do MEC, oferece, comocontribuição, o presente livro de David Atchoarena, originalmentepublicado pelo Instituto Internacional de Planejamento Educacional,em Paris. Ele não traz soluções prontas, é claro, porém oferecefecundas reflexões sobre a área. O planejamento centralizado falhou.O livre funcionamento das forças de mercado pode conduzir adistorções que oneram sobretudo as populações menos aquinhoadas.Que fazer então? Existe espaço suficiente entre a regulamentação ea “mão invisível”? Atchoarena propõe, desenvolve e aplica o conceito

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de parceria no ensino técnico e na formação profissional. Nada maisinteressante para o Brasil, que, entre outras significativas mudanças,vai desenvolvendo o setor comunitário na educação profissional,num enfoque que já não é o de “o Estado fazer tudo” e tambémnão é, definitivamente, o de “o Estado se afastar, sem fazer nada”.

No âmbito das parcerias, aparece com grande nitidez anecessidade de autonomia da escola (ou da instituição educacional,em termos mais gerais), conceito que também foi introduzido pelaLei de Diretrizes e Bases, consagrando experiências prévias. O espaçolocal é privilegiado para detectar as reais necessidades e responder aelas, tecendo e costurando parcerias. É lá que melhor se percebemos desafios e melhor se pode articular respostas à sua altura.

Não se trata, como se vê, de propor a descentralização peladescentralização, como dogma, para atender a alguma doutrinada moda. O trabalho do autor ressalta algo que os praticantes daeducação profissional sabem ou, pelo menos, intuem: a sua gestãonão cabe nos moldes convencionais das burocracias educacionais.Fazer educação regular, educação geral, exige flexibilidade edinamismo, para que a escola atenda ao aluno em vez de tentarmodelá-lo à imagem dos seus interesses e expectativas. Todavia, aeducação profissional exige ainda mais independência, plasticidade,velocidade de reação, antecipação de problemas, capacidade dearticulação e, acima de tudo, atrevimento decisório. Pesquisadorese praticantes sabem que enquadrar a educação profissional nummolde apertado leva a duas conseqüências: ou se quebra o moldeou se quebra a educação.

Recorrendo a outra metáfora, a educação em geral e aeducação profissional em particular precisam responder aos ventosdas transformações histórico-sociais. E há duas maneiras básicasde fazê-lo: uma, muito comum, é enfrentar esses ventos, antepor-se a eles e, em muitos casos, ser reduzido a escombros. A outra éacompanhar a direção do vento, aproveitá-lo como fontetransformadora de energia. Nesse momento privilegiado daeducação brasileira, esperamos que a obra de Atchoarena seja uma

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contribuição profícua para o debate, não como ponto de chegada,porém como ponto de partida. Assim acontecendo, acreditamosque a UNESCO e a SEMTEC/MEC estão cumprindo umobjetivo importante em matéria de reforma educacional, que é ode colocar à disposição dos formuladores e executores de políticas,textos de qualidade com vistas à progressiva melhoria dos sistemasde ensino.

Ruy Leite Berger Jorge WertheinSecretário de Educação Média e Tecnológica Diretor da UNESCO no Brasil

Ministério da Educação

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ABSTRACT

This project approaches the theme of partnership, with afocus on the recent changes in the role of the State and the necessityof approximation between school and work. In the first part, thenotion of partnership is clarified. This includes the objectives andinstruments of partnership as well as the identification of partners.A number of formulas for the operations of partnerships areanalyzed. Participation of salaried workers through the means ofdifferent systems of representation is also analyzed as well as therole of non-governmental organizations. This part concludes withthe question of public-private partnership. This type of partnershipis considered the only path to respond efficiently to the growth indemand for training.

The second part explores the hypothesis that the local levelcomprises a privileged space for the construction of partnerships,which emerges from the process of decentralization. As aconsequence, the decision making autonomy of the teaching/training establishments is highlighted. The author concludes thatthe partner, far removed from the centralized planning as well asthe regulations of the market, constitutes an effort to reform themeans of action of the State. The State continues to have theresponsibility of control and evaluation, in addition to the role ofproviding incentives for technical training and professionaltraining. In this way, the partner has the potential to develop as anew mode of coordinating the systems and policies of technicaland professional training.

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O tema da parceria na área do ensino técnico e da formaçãoprofissional suscita um interesse cada vez maior. Primeiramente,esse fenômeno deve ser relacionado à evolução recente do papeldo Estado em matéria de educação e da inflexão consecutiva daspolíticas educacionais. A abertura do sistema educacional e da escolaa outros parceiros reflete, assim, ao mesmo tempo, a vontade deinscrever o funcionamento da instituição escolar no respeito aosprincípios democráticos e a necessidade de encontrar novos recur-sos para tentar satisfazer a uma demanda potencialmente sem li-mites. Em inúmeros países foram progressivamente implementadasparcerias entre o Estado e outros atores – organizações não-gover-namentais, associações de pais de alunos, administrações territoriais,entidades filantrópicas, empresas, etc. – em todos os níveis deensino. O desenvolvimento de uma abordagem “empresarial” daeducação, as políticas de descentralização e de autonomia dos esta-belecimentos de ensino constituem o quadro de transformações quecontribuíram para evidenciar a pluralidade dos atores envolvidos.

Em segundo lugar, o tema da parceria traduz a preocupaçãode aproximar a escola e o mundo do trabalho, particularmente oensino técnico, ao qual se censura por não corresponder suficien-temente tanto às necessidades das empresas quanto às expectativasdos jovens em formação. Sob esse aspecto, a parceria é percebidacomo podendo responder, ao mesmo tempo, às exigências das em-presas e à questão da inserção profissional e social dos egressos dosistema educativo. A aproximação entre o ensino técnico e as empre-

INTRODUÇÃO

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sas deve-se a vários tipos de consideração que variam de país parapaís. A adaptação da formação às necessidades em qualificaçãoconstitui-se naturalmente na razão mais importante.

A transferência de uma parte dos custos representa igual-mente um objetivo que não se pode negligenciar, sobretudo naformação em setores que utilizam equipamentos pesados ou umatecnologia avançada. Mas as motivações de ordem pedagógica sãotambém muito fortes. Trata-se, nesse caso, de abrir, mediante aorganização de seqüências de formação em empresas, uma outravia aos alunos mais sensíveis a uma atitude indutiva ou àquelesem situação de fracasso (Unevoc, 1993). Mais ainda que umapreocupação de eqüidade, a vontade de engajar as empresas estáligada ao valor específico que se atribui hoje à formação no localde trabalho, tanto para a aquisição de certas competências profis-sionais quanto para a adaptação dos jovens ao mundo produtivo.

Tratando-se da formação profissional continuada, o princí-pio da parceria parece por si só evidente, ao menos no que dizrespeito à formação dos assalariados. De fato, concebe-se sem di-ficuldades a possível convergência entre os imperativos de moder-nização econômica e as aspirações individuais. Esse movimentotraduz-se em inúmeros países, notadamente na Europa, por práti-cas de co-investimentos pelas quais empregadores e assalariadosunem suas contribuições – os primeiros consagrando dinheiro paraa formação, os outros, parte de seu tempo livre. A negociaçãocoletiva constitui então o quadro de parceria mais difundido.Porém, mais e mais, a formação continuada não se restringe aesses objetivos e a esse público. Ela encontra-se no coração da lutacontra o desemprego e, sob esse aspecto, implica geralmente umgrande número de atores: Estado, comunidades locais, organizaçõesnão-governamentais, parceiros sociais.

É assim que a reflexão sobre a regulação do ensino técnico eda formação profissional passa agora, prioritariamente, por umainterrogação sobre os modos de ação do Estado e do papel dosoutros atores, particularmente das empresas. Quanto a esse aspec-

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to, diversas correntes das ciências sociais interessam-se de pertopela coordenação das ações, sobretudo no âmbito das políticaspúblicas. Colocando em dúvida a hipótese de racionalidade uni-versal, a economia das convenções estuda as regras sobre as quaisos indivíduos e as instituições se apóiam para agenciar suas inter-venções (Orléan, 1994). Assim fazendo, ela esforça-se para revelara maneira pela qual as convenções contribuem para organizar umespaço comum aos múltiplos atores, a sede da coordenação. EmSociologia, inúmeros trabalhos dos especialistas em organizaçõessão consagrados à questão da ação coletiva (Gaudin, Novarina,1997). Nesses trabalhos, as políticas públicas são descritas comoprocessos de coordenação. A função de coordenação é então con-siderada como fator de eficácia, tendo em conta a multiplicidadedos atores implicados e a complexidade das ações. Fonte de inspi-ração para a reflexão sobre a evolução da ação pública, esse ricosuporte teórico leva à análise da parceria como um dispositivo decoordenação dos atores.

No entanto, a despeito do entusiasmo de que o tema da par-ceria goza atualmente, sedutor sob vários ângulos, inúmeras in-certezas subsistem quanto ao seu verdadeiro sentido e à suacapacidade real de melhorar a eficácia da formação. Num ambientemarcado pela incerteza e pelas contingências orçamentárias, aparceria responde principalmente a uma dupla finalidade: associar-se a outros atores para juntos programarem-se e também investirmais na formação. É preciso então saber se a parceria permitealcançar tais finalidades; em caso afirmativo, sob quais condiçõese em que contexto antecipar a evolução das necessidades dequalificação e mobilizar financiamentos complementares.

O estágio dos conhecimentos não permite, infelizmente, res-ponder a essas duas questões fundamentais. Não se trata, aqui, deresolvê-las, porém, mais modestamente, de esclarecer a noção deparceria, identificar os atores envolvidos e seus papéis, examinaras formas possíveis e os objetivos maiores da parceria e analisar osinstrumentos de que dispomos para fazê-la funcionar e alimentá-la.

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O ponto de partida de toda parceria é, com efeito, a existência deum interesse mútuo. Na ausência desse interesse, é necessário secriar condições técnicas que favoreçam a implicação das parceriasna formação dos atores, principalmente as empresas. Mesmoquando um interesse existe, os instrumentos administrativos elegislativos, do tipo estimulador ou contingente, contribuem parareforçar a participação dos atores.

A fim de abordar esses diversos aspectos, uma distinção seráfeita aqui entre o nível central, espaço de regulação, e o nível local,que é considerado mais e mais como capaz de oferecer uma res-posta aos problemas de ajuste da oferta de formação ao mercadode trabalho. Ademais, se o nível central constitui um local de co-erência e de impulsão, é no nível local que a parceria encontra suaexpressão mais visível, notadamente no âmbito das relações entreestabelecimentos de ensino e empresas.

Essa leitura do fenômeno da parceria explica a organizaçãoda obra em duas partes principais. A primeira tenta, inicialmente,esclarecer a noção de parceria, precisar os seus objetivos e os seusinstrumentos e identificar os parceiros. É a eles que é consagradoo resto dessa parte, que aprofunda uma análise específica do papeldos representantes dos assalariados e das organizações não-governamentais na formação. Pode causar surpresa o fato de nãoaparecerem aqui, de maneira distinta, os empregadores, mas narealidade a participação deles constitui uma preocupação recor-rente no conjunto do texto. A primeira parte termina com a difícilquestão da parceria público/privado que é, cada vez mais,considerada a única via suscetível de responder eficazmente aocrescimento da demanda de formação.

Centrada no nível local, a segunda parte tenta explorar ahipótese segundo a qual esse nível constitui um espaço privilegia-do para construir parcerias que conduzam a uma melhor interaçãoentre a oferta de formação e o mercado de trabalho. Para isso,uma primeira perspectiva interessa-se por razões que expliquem olugar importante que ocupam hoje o nível e os atores locais na

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reflexão sobre a regulação do ensino técnico e da formação profis-sional. A esse título é examinada a questão central para o nossopropósito da dimensão local da relação formação/emprego. Numsegundo momento, será abordado o tema da autonomia dos esta-belecimentos de ensino. Após um exame dessa noção, a análisecentra-se na sua expressão concreta e nas modalidades decooperação com as empresas, que o estatuto da autonomia facilita.

Uma breve parte final reúne, à guisa de conclusão, algunselementos de síntese e evoca uma série de preocupações essenciais.Esse questionamento convida a aprofundar a reflexão sobre adivisão dos papéis, a privatização da oferta e a gestão local doaparelho de formação.

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1. A LÓGICA DA PARCERIA

1.1. A ambigüidade da noção de parceria: sobre o que se fala?

Há alguns anos, assiste-se à generalização do uso do termoparceria para designar as novas formas de que se reveste a açãopública, e isso em inúmeros domínios. É singularmente o caso nosetor da educação, assim como do ensino básico (Shaeffer, 1992,1994), no ensino técnico e na formação profissional. As conclu-sões da Conferência de Jomtien sobre a Educação para Todos, quelouvam as virtudes do espírito da parceria, desempenharam uminegável papel na difusão internacional dessa noção. Esse movi-mento inscreve-se numa problemática maior sobre o papel doEstado na educação tal qual ela aparece, por exemplo, nas refle-xões recentes dos Ministros de Educação do Commonwealth(Commonwealth Secretariat, 1995) ou aquelas da Comissão so-bre a Educação para o Século XXI (Delors, 1996). Aliás, é possí-vel estabelecer um certo parentesco entre a noção de parceria emeducação e a de desenvolvimento participativo. Assim, para o Pnuda participação deve ser “considerada como uma estratégia global dedesenvolvimento cujo eixo essencial é o papel que as pessoas deveriamdesempenhar em todos os domínios da vida1”. Da mesma maneira,para o Banco Mundial “não há mais dúvida de que o desenvolvi-

CAPÍTULO IParceria e regulação

1 PNUD, 1993. Rapport sur le développement humain, p. 23.

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mento participativo é um ingrediente indispensável para o sucesso daajuda ao desenvolvimento2”.

Além dessa voga, é necessário interrogar-se sobre o con-teúdo exato e o sentido da noção de parceria (Kaddouri, Zay,1997). Certamente, a idéia é sedutora: primeiro, ela aparececomo oposição à imagem repulsiva de um Estado onipresente,totalitário mesmo. Em seguida, reflete uma visão da sociedadearraigadamente consensual na qual a mudança seria principal-mente fruto da cooperação e não produto dos conflitos. Defini-tivamente, a noção de parceria, assim analisada, aparece comouma utopia social.

Mas, na realidade, a diversidade e a desigualdade dos estatu-tos e das competências introduzem uma assimetria essencial entreos atores do mundo da educação. Aliás, nota-se que essedesequilíbrio se inscreve no coração mesmo da educação. Comocolocar, de fato, num mesmo plano, o educador – detentor dosaber – e o educando?

Esse desequilíbrio é, talvez, mais forte no domínio do ensinotécnico e da formação profissional, que mobiliza grupos aindamais numerosos, com interesses às vezes divergentes. Nesse caso,o termo “parceiros sociais” pode parecer particularmente ambíguonos países onde os processos de transição ou de ajuste estrutural setraduzem por verdadeiras crises sociais.

Contudo, essa realidade não exclui – às vezes até exige –laços de cooperação. Quando as forças em jogo são de intensida-des comparáveis ou não se inscrevem numa relação hierárquica,essas relações conduzem ao diálogo social e à parceria.

A noção de parceria designa normalmente uma relação naqual atores associam-se livremente para realizar, de forma paritária,um projeto comum. De fato, o termo é utilizado freqüentementepara descrever uma variedade de práticas de cooperação.

2 Adms, J.; Rietbergen-McCraken. Setembro, 1994. “Développement participatif:comment intéresser les principaux partenaires?” In: Finances et Développement, p. 36.

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Entretanto, a distinção entre parceria e cooperação permiteidentificar dois espaços imbricados: o da participação, relativa-mente vasto e freqüentemente imposto aos atores por um quadroregulador, e o da co-gestão do sistema de ensino técnico e forma-ção profissional, muito mais circunscrito. Ademais, uma relaçãode parceria supõe a existência de, ao menos, três elementos: ovoluntariado, a reciprocidade e um contrato formal ou não. Aforma e o conteúdo desse contrato permitem diferenciar os acor-dos pontuais, de circunstância, das parcerias institucionais, decaráter perene.

Está claro que as políticas de descentralização, ao multiplica-rem os centros de decisão e gestão autônomas, ampliam sensivel-mente o campo potencial da parceria.

1.2. A utilidade da parceria: fundamentos, objetivos e atores

A análise das estruturas e procedimentos de cooperação e deentendimento entre os poderes públicos e os parceiros sociais deveser restituída no contexto das relações entre o sistema de emprego(setores de atividade, empresas, empregadores, assalariados) e oaparelho de formação (ensino técnico, aprendizagem, formaçãoprofissional, formação intra-empresa). Nesse quadro, é possívelrelacionar a emergência de uma forte necessidade de participaçãoao enfraquecimento progressivo do elo formação/emprego e à com-plexidade crescente do ambiente. Quando a adequação entre ofertae demanda de qualificação é assegurada de maneira estável pelosistema escolar, a parceria não constitui um imperativo. Emcontrapartida, diante da incerteza crescente que envolve os pro-cessos de transição profissional e caracteriza a evolução das técni-cas e da organização do trabalho, o diálogo impõe-se. A manutençãoda competitividade do aparelho produtivo e a luta contra a exclu-são e a pobreza são, doravante, desafios cujo alcance ultrapassaunicamente o papel do Estado e requer a mobilização de todas as

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forças da sociedade. Tornar esses esforços coerentes e sinérgicospassa por uma reflexão de consenso e uma ação em cooperação(Cedefop, 1988a, 1992).

No interior das empresas também a formação constitui umdesafio e um tema de negociação (Cedefop, 1988b). De fato, emtermos de princípios, a importância da formação profissional éreconhecida pelo conjunto das partes. Esse consenso deve sercreditado, em grande parte, à teoria econômica do capital hu-mano pela qual as despesas em formação podem ser assimiladasa um investimento, tanto para a empresa como para o assalaria-do. Segundo essa mesma tese, os empregadores, motivados pri-meiro pelo critério de rentabilidade a curto prazo, estarãosobretudo inclinados a investir nas qualificações específicas daempresa. Inversamente, os assalariados, ansiosos em promoversuas carreiras e aumentar as possibilidades de mobilidade, privi-legiarão qualificações negociáveis mais genéricas. Esses interes-ses, em parte divergentes, oferecem uma base de explicação danecessidade de diálogo social em escala microeconômica ousetorial (Luttringer, Rojot, 1993).

A pressão em favor da parceria social nasce, assim, freqüen-temente, do descontentamento que exprimem os empregadoresem relação à qualidade do ensino técnico. Para além da simplesdenúncia dessas carências, essa situação pode motivar aparticipação das empresas no funcionamento do aparelho de for-mação. Essa implicação reveste-se de formas variadas, sobretudono que diz respeito à definição dos programas, à escolha e implan-tação dos métodos pedagógicos (pedagogia da alternância) ou àvalidação das competências e ao certificado. A participação dasempresas é ainda maior quando elas financiam diretamente umaparte do dispositivo.

As formas da parceria podem ser diferenciadas a partir devárias dimensões. Pode-se assim distinguir três variáveis:

• seu espaço de referência: normalmente se observam três es-paços de acordo, situados na empresa, na região e no

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conjunto do território nacional. Cada nível constitui umponto de ancoragem particular para a definição, a implan-tação e a gestão das políticas da formação;

• seu objeto: a negociação pode incidir sobre um dossubsistemas da formação (ensino técnico, aprendizagem,formação profissional continuada) ou sobre o dispositivono seu conjunto;

• sua natureza: uma distinção deve ser realizada entre aspráticas que dependem da simples consulta, as que in-troduzem uma forma de participação na execução daspolíticas da formação e aquelas que encarnam uma ver-dadeira co-decisão e co-gestão. Em inúmeros países, osparceiros sociais participam, de uma maneira ou de ou-tra, na definição das políticas e dos programas da forma-ção. Em contrapartida, é menos freqüente que elesparticipem diretamente de sua aplicação e, ainda maisraramente, que sejam associados às tarefas de adminis-tração corrente e avaliação.

Porém, antes de tudo, a instauração de um diálogo e a instala-ção de uma parceria supõem a identificação dos atores envolvidos.

Nesse aspecto, a escolha de uma tipologia revela-se difícil,podendo a classificação privilegiar o estatuto, o nível geográficoou a função. É este último critério que será adotado aqui; elepermite distinguir quatro grupos “elementares”: as tutelas; oscentros de formação e os estabelecimentos de ensino; as empresas;e os usuários, conjunto relativamente variado agrupando os alu-nos e seus pais, os estagiários e os assalariados. Cada um dessesgrupos pode ser considerado como tendo vocação para exercerum papel particular na organização do sistema de formação:planejar, financiar, produzir, consumir. Na realidade, a divisãodas tarefas entre os atores não é tão evidente e existem inúmerasáreas de superposição. São outros tantos os espaços virtuais decooperação ou de parceria:

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• As tutelas:

Encontra-se agrupado nessa categoria o conjunto dos ser-viços públicos que, por força da lei, exercem um podergestor sobre o aparelho do ensino técnico e da formaçãoprofissional. Trata-se, dito de outra maneira, do Estadocentral, de seus serviços descentralizados, dos organismosaos quais ele confiou uma missão de serviço público, de-dicando-se à formação, e das comunidades territoriais.

O papel das tutelas é determinante, pois é em grande partedevido a elas que se pode permitir, pela criação de quadrosapropriados, desenvolver a parceria e encorajar sua eclosãopor meio de dispositivos de estímulo. A perspectiva naqual se inscreve, assim, o aparelho de ação pública rompecom o modelo tradicional tutelar. Instaura-se então umnovo tipo de relação entre o setor público e os outros atoresda formação profissional. Essa evolução permiteinstitucionalizar um diálogo mais equilibrado.

• Os centros de formação e os estabelecimentos de ensino:

Trata-se aqui dos órgãos que ministram ensino técnico eformação profissional, estabelecimentos escolares, centrosde formação privados ou ONGs. Instrumentos de implan-tação das políticas da formação, eles determinam, emgrande parte, a qualidade da formação dispensada.

A comunidade do estabelecimento de ensino compõe-seprincipalmente dos professores e do diretor. Seu grau deautonomia depende, em grande parte, de seu estatuto (pú-blico/privado), mas também da “cultura” administrativana qual ele se insere. Além da diversidade dos contextos,nos últimos anos foi atribuída mais independência aoscentros de formação e aos estabelecimentos de ensino, queparecem destinados a assumir responsabilidades aindamaiores. À missão tradicional da formação agrega-se umdever de abertura e de diálogo com os interlocutores maispróximos: pais, empresas, comunidades locais. Ao papelhabitual de dirigir a relação pedagógica, muitas vezes

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agregam-se atribuições de acompanhamento do processode inserção profissional, de renovação do elenco das for-mações, de captação de recursos extra-orçamentários e atémesmo de animação do desenvolvimento local.

• As empresas:

As empresas constituem um ator-chave para o funciona-mento do aparelho de ensino técnico e formação profissio-nal, por mais de uma razão. Elas aparecem, com efeito, aomesmo tempo, como provedoras de recursos, dispensadorasda formação, notadamente no quadro da aprendizagem, ebeneficiárias diretas do investimento em capital humano.Tal relação com a formação legitima sua implicação, maisou menos acentuada e segundo modalidades variáveis, nagestão do sistema.

Mas o mundo das empresas constitui um conjunto hete-rogêneo. A observação mostra que a atitude positiva dasempresas em relação à formação, tanto em face da formaçãocontinuada de seus assalariados quanto da formação pro-fissional inicial, é, em parte, devido ao seu porte. O estatutopúblico/privado pode igualmente desempenhar um papel.Enfim, a essas variáveis junta-se o fato de pertencer ounão ao setor moderno. É evidente que a faixa informal dotecido produtivo não se inscreve na mesma perspectiva eque ela requer instrumentos específicos de análise, mastambém de ação, que necessitam de um tratamento à parte.

No interior do setor moderno, a natureza e a legitimidadedo parceiro (empresas) dependem largamente do grau deestruturação dos operadores econômicos. Quanto a esse as-pecto, uma forte tendência parece se esboçar em favor deuma organização patronal segundo uma lógica setorial. Evi-dente na Europa ocidental (Cedefop, 1987), essa caracte-rística é igualmente válida na América Latina, como tambémem outras regiões. Assim, na África (Etukudo, 1991, 1995)as organizações patronais reafirmam sua identidade e sãoprogressivamente reconhecidas pelo Estado e pelo conjunto

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da sociedade, na condição de parceiros. A situação dos paí-ses em transição é mais singular porque normalmente oproblema é a ausência de parceiros sociais (Luttringer, 1997).Até uma data recente, as organizações de empregadores nãoexistiam. Então, para esses países, trata-se, antes de tudo, defavorecer sua estruturação. A questão da parceria surge ape-nas num segundo momento. As situações são, além disso,muito diferentes segundo os países e os grupos de países. Sea Europa, central e oriental, parece optar por instânciastripartites, a condução pelo Estado permanece majoritaria-mente a regra na Ásia central (Prokhoroff, Timmermann,1997; Atchoarena, Schröter, 1997).

A estruturação das empresas em ramos profissionais é, emparte, produto de uma história às vezes ligada à herançacolonial. Assim, os setores das minas e das agroindústriasconstituíram geralmente os pontos de ancoragem de rela-ções profissionais formalizadas (África, América Latina,Caribe). Porém, os ramos de atividade baseiam sua identi-dade em uma organização particular do sistemasociotécnico, compreendendo, além de uma mesma ativi-dade produtiva, um modo de gestão da mão-de-obra quelhes é próprio. Essas características alimentam práticas aná-logas ou próximas no domínio da formação (políticas deformação continuada, participação no dispositivo deformação inicial) e em matéria de diálogo social.

Quando essa organização dos empregadores é sólida, noâmbito do ramo de atividade, facilita a instauração de umdiálogo construído com a administração pública, mastambém com os representantes dos assalariados, com vistasa uma participação na condução do aparelho de formação.

• Os usuários:

Cumprindo os seus objetivos, o sistema de ensino técnicoe formação profissional visa a uma população relativa-mente diversa. Esta compreende, primeiramente, umaparte da população escolarizada ou em idade escolar. Assim,

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diz respeito igualmente aos pais, normalmente unidos emassociações. Contudo, mediante esses programas específi-cos, o sistema de formação endereça-se igualmente, eminúmeros países, a diversas categorias desfavorecidas dapopulação economicamente ativa: jovens adultos em fasede transição, desempregados há longo tempo, populaçõesatingidas pela exclusão social, etc. Enfim, a formaçãoprofissional continuada constitui um precioso instrumentode promoção para o conjunto dos assalariados.

Os públicos são assim heterogêneos, com interesses varia-dos, às vezes concorrentes. Essa diversidade impõe a orga-nização de distintos locais e meios de diálogo. Para o públicode alunos e similares, os modelos das associações de discentese pais podem fornecer a base suficiente para formalizar anegociação no estabelecimento de ensino e com a adminis-tração. Tratando-se dos assalariados, as estruturas habituaisde representação são perfeitamente habilitadas a assumir asquestões ligadas à formação. Aqui se coloca a eterna questãoda representatividade das organizações assalariadas. A res-posta que se dá a ela varia sensivelmente de um país paraoutro, mas, qualquer que seja essa regra, os assalariados cons-tituem comumente um operador importante na evolução ena gestão dos dispositivos de formação profissionalcontinuada e também de inicial (América Latina, Europa).

Ao final desse inventário das diversas categorias de atores impli-cados, senão sempre envolvidos na gestão do aparelho da formação,algumas linhas merecem ser consagradas a um ator oculto poréminfluente: os grupos de pressão (lobbies). Sua ação junto à administraçãoé quase permanente, multiforme e gradativa. Os setores profissionais,os representantes dos assalariados, os educadores e formadores, ascomunidades territoriais constituem, por exemplo, outro tanto deentidades suscetíveis de exercer pressões sobre o Estado para defendercertos interesses seus. A tarefa da administração é então delicada, porqueé conveniente escutar as reivindicações expressas, sem com isso satis-fazer às exigências corporativistas em detrimento do interesse geral.

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2. O FUNCIONAMENTO DA PARCERIA

2.1. A variedade das fórmulas

Uma vez identificadas tanto as finalidades quanto os atores daparceria e da cooperação, deve ser possível esboçar uma cartografiae uma tipologia das responsabilidades. Tal representação poderianascer do cruzamento entre atores e funções. Entretanto, antes dese chegar à representação dessa distribuição do poder é precisointerrogar-se, por um lado, sobre os graus de cooperação possíveise, por outro, sobre os instrumentos que encorajam a vontade departicipação e permitem sua expressão concreta (Bowland, 1988).

Uma gradação clara aparece entre diversos estágios de coope-ração. A simples consulta representa, de alguma forma, o primei-ro estágio. Ele consiste simplesmente em recolher a opiniãomotivada dos atores competentes sobre tal ou qual aspecto relativoà gestão do sistema: as estratégias da formação, os mecanismos definanciamento, os modos de validação, a descentralização dos po-deres, etc. A lista não é exaustiva. A consulta pode acontecer noestágio da reflexão prévia ou no de avaliação. Trata-se, nesse caso,de uma técnica clássica que pertence, há bastante tempo, aos meiosde ação administrativa. Segundo os casos, o recurso a esses meiospode ser facultativo ou obrigatório.

As consultas prévias perseguem pelo menos dois objetivos, umde ordem técnica e outro mais tático ou político. No plano técnico,esse procedimento visa a avaliar o conteúdo da medida desejada.No plano político, trata-se de validar, por antecipação, a decisãopelos atores envolvidos, no seio da administração mas sobretudo noexterior. Vê-se então que as motivações da consulta determinam,em grande parte, a escolha das pessoas e instituições que devem sermobilizadas. Por natureza, as consultas de participação deverão as-sociar o maior número de atores de origens diversas. Está claro queesse tipo de consulta constitui uma condição quase indispensávelpara a implantação de uma reforma do sistema.

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Fazer com que certos atores contribuam conduz a uma formamuito mais direta e rápida de participação. É singularmente o casoda participação obrigatória das empresas no financiamento da for-mação profissional por meio dos instrumentos fiscais específicos(taxa de aprendizagem, imposto para a formação continuada).

Para além do efeito automático sobre o volume dos recursosdisponíveis, esse regime parafiscal pode produzir efeitos estruturantessobre o sistema da formação. Inicialmente, uma vez ultrapassada areticência geralmente observada nos contribuintes, esse mecanismofavorece uma tomada de consciência da importância da formaçãopara a empresa e legitima, de alguma maneira, a noção de investi-mento em capital humano. Em seguida, os mecanismos dereciprocidade, quando existem, autorizam a implantação de políticasde redistribuição em benefício de empresas, grupos de assalariados,setores ou regiões considerados desfavorecidos. De origem fiscal, aparticipação pode transformar-se progressivamente numa implica-ção das empresas na utilização dos recursos assim coletados, isto é,na gestão e orientação do sistema e das políticas de formação. Issofeito, o Estado não aparece mais como preceptor, mas como umparceiro. A contribuição financeira representa, de fato, uma dasmodalidades possíveis de participação (Atchoarena, 1994).

Inúmeras outras opções são oferecidas, tais como, por exemplo,a definição dos conteúdos e dos diplomas, a organização dos exames,a participação no processo pedagógico nos estabelecimentos de ensinomas também nas empresas (caso da alternância). As áreas de cooperaçãosão, assim, numerosas. Sua valorização depende, em grande parte, doclima social, da maturidade dos atores e da existência de um quadroestimulador ou contingente implantado pelo Estado.

O estágio último da participação e da parceria procede da co-gestão do dispositivo. Os sistemas tripartites e paritários da gestão daformação profissional participam dessa realidade. Contudo, enquan-to alguns consideram que a melhoria da formação profissional passapela constituição de órgãos decisórios e gestores tripartites (Trebilcock,1994), o enfraquecimento dos assalariados e de suas formas de repre-sentação conduz a se interrogar sobre a duração de tais fórmulas.

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2.2. A implantação da parceria

No plano operacional, implantar a participação, em qual-quer nível, supõe recorrer a instrumentos mais ou menos formali-zados. Assim, a consulta, descrita como o primeiro estágio departicipação, para existir deve inscrever-se num quadro preciso.Trata-se mais freqüentemente de comissões que podem ser per-manentes ou, ao contrário, encarregadas de uma missão pontual.Sua composição pode ser bipartite ou tripartite, paritária ou não.O mundo da formação profissional é relativamente ávido por co-missões, tanto no âmbito central quanto no local. Esse entusias-mo ilustra certamente a busca do consenso; ele é igualmentetestemunha da expressão do jogo democrático.

Ao contrário, o cumprimento de deveres estabelecidos, par-ticularmente por meio do poder legal do fisco, constitui um quadrode participação de outra espécie. Trata-se, nesse caso, de umamedida forçada, pois ela submete uma das partes à vontade daoutra, em lugar de associá-la livremente. A experiência contudomostra, como no caso do financiamento, que, paradoxalmente, aobrigação, mesmo subsistindo, evolui às vezes para uma relaçãomais equilibrada mediante um acordo.

Entretanto, é o contrato, suporte de coordenação, que cons-titui, por excelência, o verdadeiro instrumento da parceria(Mirochnitcenko, Verdier, 1997). O termo contrato designa aquiacordos formais engajando os signatários num projeto comum,tendo em vista objetivos negociados coletivamente. Esses acordospodem associar a administração, as empresas e os assalariados, noplano nacional, na categoria de um ramo da atividade econômicaou de um território (Blanpain, 1993). Seu campo de aplicaçãoenvolve um ou vários subsistemas do aparelho de formação(formação inicial, alternância, formação continuada dos assalariados).O engajamento contratual do Estado, das organizações patronais esindicais difere sensivelmente segundo os países. Seria inútil buscaridentificar um contrato-modelo quanto a esse aspecto.

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Tendo em vista institucionalizar e consolidar o contrato, ainstauração de órgãos gestores da formação, associandoparitariamente os diversos parceiros, representa o grau maisavançado de formalização da parceria (Wilson, 1993). Esse regimetripartite paritário traduz-se usualmente na composição dasinstâncias gestoras (número igual de representantes, igualdadede poderes) e no caráter rotativo da presidência. Mas, ainda quesedutor, o modelo cristaliza as disputas de poderes entre o Estado,as empresas e seus assalariados. A distribuição dos financiamentos,a definição dos tipos de formação que devem ser promovidos, aescolha dos operadores (públicos/privados), o funcionamento dosistema de validação e de certificação constituem alguns dos te-mas de negociação e às vezes de conflito. Os riscos inerentes aoregime tripartite paritário explicam, em parte, o fato de que inú-meros países tenham recorrido a um sistema gestor que associaapenas dois parceiros – geralmente o Estado e as empresas – ouque recusem o princípio de paridade, privilegiando o papel doEstado ou o dos empregadores.

O alcance dos sistemas gestores paritários depende tambémdas modalidades gerais de regulação da relação formação/em-prego. Nos países onde a formação profissional inicial se encontraamplamente integrada ao sistema escolar, como, por exemplo, naRepública da Coréia ou na França, a participação se refere sobretudoà formação profissional continuada dos assalariados. Ao contrário,quando o aparelho formador é muito próximo das empresas, aexemplo dos casos brasileiro e alemão, a participação dos empre-gadores (Brasil) ou do conjunto dos parceiros sociais (Alemanha)tem a vocação de incluir o domínio da formação inicial num qua-dro fortemente institucionalizado e com o aval (Brasil) ou a ajuda(Alemanha) dos poderes públicos.

A participação passa por uma organização que supõe umatarefa particular a cada um dos atores. Essa divisão institucionaldo trabalho pode ser descrita num quadro mostrando as relaçõesfuncionais entre parceiros (cf. Quadro 1).

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Quadro 1: Um exemplo de estruturação do campo da parceria (parceiros/funções)

Definição dosobjetivos e dospúblicos-alvo

Concepçãodas políticasformadoras

Elaboraçãodos conteú-dos da forma-ção

Programaçãodos investi-mentos

Financia-mento

Implantaçãoda formação

Validação ecertificação

Avaliaçãodas ações

Observaçãodo mercadode trabalho

Estado × × × × × × × × ×

Comunidadesterritoriais × × × × × × ×

Empresas eorganizaçõespatronais

× × × × × × × × ×

Assalariados eorganizaçõessindicais

× × × × × ×

Pais, alunos esuas associa-ções

× × × ×

Órgãosresponsáveispela formação

× × ×

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3. A PARTICIPAÇÃO DOS ASSALARIADOS

3.1. Natureza e papel dos sistemas de representação dos assalariados

A implantação de uma verdadeira parceria entre o Estado e osoutros atores da formação profissional não depende apenas dos ob-jetivos e modalidades de participação. Ela é igualmente conseqüên-cia do estado das relações entre os parceiros sociais (Locke, 1995).Esses laços afetam ao mesmo tempo o conteúdo e o sentido do diálogosocial; eles dependem, aliás, do estado das relações de força (Bunel,1991). Os inúmeros exemplos da gestão paritária demonstram que amaturidade dos parceiros sociais permite fazer com que a expressãode interesses opostos não exclua o compromisso e a gestão em comumde um dispositivo da formação profissional situado entre a articulaçãodas políticas sociais e de emprego (caso alemão, por exemplo).

A formação profissional pertence à esfera de interesse dos assa-lariados (Horta, Carvalho, 1992). O desenvolvimento da noçãode co-investimento e o aparecimento em certos países de umalicença-formação, concebida como um novo direito dos trabalha-dores, ilustram essa adesão dos assalariados à afirmação de umdireito à formação. O ator sindical constitui, assim, um parceiroda gestão dos sistemas de formação, tanto por natureza quanto emfunção de uma evolução do direito do trabalho e da transformaçãoda relação formação/emprego nas empresas (Bazzoli, Kirat, 1994).Contudo, a sua participação efetiva é variável segundo o grau e asmodalidades de estruturação do mundo dos assalariados.

Quanto a esse aspecto, um panorama internacional testemu-nha a extrema diversidade dos graus e das modalidades da sindi-calização (BIT, 1993). A capacidade de iniciativa conferida aos atores,as competências das quais eles são dotados, como o domínio exercidopelo Estado sobre as relações profissionais, revelam uma imagembastante diferenciada (Caire, 1988). A essa diversidade alia-se umafluidez terminológica que leva a designar por uma mesma noçãopráticas e realidades muito diferentes segundo os países – veja-seum certo “modelo” sindical asiático (Rodgers, 1994). Ademais, o

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peso da história no fenômeno sindical conduz a uma interrogaçãosobre a possibilidade de utilizar uma grade de leitura única. Paraalém dessas singularidades, um relatório do Banco Mundial indicaque a liberdade sindical não apenas contribui para a proteção dosdireitos dos trabalhadores, mas freqüentemente se faz acompanharde uma diminuição do dualismo do mercado de trabalho e umaexpansão do setor formal (Banco Mundial, 1995).

3.2. As instâncias de representação dos assalariados diante da formação

A participação dos assalariados na tomada de decisões nodomínio da formação tem vocação para intervir em cada um dostrês níveis de negociação coletiva: nível interprofissional, ramo deatividade, empresa (Plett, 1992). Os exemplos europeus testemu-nham o caráter estratégico das negociações segundo ramos de ati-vidades, mesmo se uma tendência parece esboçar-se em proveitodas empresas. Nos países da União Européia, diálogo social e ne-gociação coletiva estendem-se da formação continuada a outrosaspectos-chave do emprego, como a flexibilidade e a reorganiza-ção do tempo de trabalho (Dornelas et al., 1996). Com base nes-sas experiências, é possível traçar um mapa das iniciativas sindicais,dando conta da natureza e do nível de intervenção (cf. Quadro 2).

Para além desse quadro e das variáveis sociológicas e políticas,a capacidade de as organizações representativas dos assalariados seengajarem decididamente num empreendimento de parceria depen-de igualmente de seu grau de apreensão dos problemas da formaçãoprofissional e dos seus conhecimentos sobre as instituições respon-sáveis por essa tarefa. Ora, essa condição não é sempre perfeitamentepreenchida porque a formação representa somente um dos inúmerosdomínios de reivindicações e se apaga comumente em função detemas considerados mais sensíveis (salários, estatutos, condições detrabalho...). Conscientes dessa dificuldade, inúmeras organizaçõessindicais esforçam-se para formar seus quadros com envolvimentona gestão do sistema de formação das políticas contratuais.

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Quadro 2: A participação sindical segundo a formação, níveis e tipos de ação*

Interprofissional Ramo Empresa

Regulação

Participação na definição da legislaçãoincluindo a formação profissional inicial econtinuada.

Participação na definição das políticas deformação.

Essa participação pode ocorrer sob a formade consultas, inscrever-se num quadro con-tratual (acordos bipartites e tripartites) ouorgânico (assento no conselho de adminis-tração das agências de formação).

Nesse nível, a implicação dos sindicatos articula-sequase sempre em torno da concepção das carreiras deformação por profissão ou grupos de profissões.

Ela assume também a forma de reivindicações para oreconhecimento do diploma nas classificaçõesprofissionais no interior de cada um dos ramos deatividade ou, ao menos, para os mais estruturados.

Quando ela existe, a aplicação do dispositivo delicença-formação é negociada sobretudo nesse nível.

O poder dos sindicatos depende, aqui, am-plamente de sua implantação. Em inúmeraspequenas empresas sua ausência priva os as-salariados de uma capacidade de negociaçãocoletiva. Quando eles estão presentes seupapel é primeiro de velar pelo respeito, daparte do empregador, à legislação sobre a for-mação (financiamento, acesso, implantaçãoda aprendizagem).

As situações são, evidentemente, muito diferen-ciadas segundo o tamanho da empresa.

Financia-mento

Os sindicatos não constituem, nesse domínio,em parceiro ativo. Eles podem sobretudo con-tribuir para a transparência, ao exercer umdireito de vigilância. Entretanto, quando elessão convidados a co-gerir um fundo, partici-pam das decisões de alocação dos recursos.

A ação sindical tem aqui a vocação de influenciaras políticas de financiamento das empresas, para aformação continuada dos assalariados, mas igualmen-te na implantação e promoção da aprendizagem.

A influência da ação sindical, aqui, somentetem sentido nas grandes empresas.

Gestão dossistemaspedagógicos

A ação sindical é aqui bastante limitada. Ela selimita às vezes à definição e atualização dossistemas de validação e de certificação e à gestãodireta de centros de formação pertencentes aossindicatos.

É freqüente que os ramos de atividade disponhamde seus próprios meios de formação inicial e con-tinuada. Os sindicatos participam então da suagestão sob a forma consultiva ou estatutária.

Idem, cf. supra.

Avaliação

Segundo o grau de participação, os sindica-tos são simples destinatários ou, ao contrá-rio, comanditários, com outros parceiros,dos trabalhos de avaliação.

É pouco freqüente que nesse nível os sindicatosdisponham de especialistas autônomos. Eles são es-sencialmente associados aos trabalhos conduzidospelos empregadores ou simplesmente mantidos in-formados sobre seus resultados.

Idem, cf. supra.

Fonte: * Quadro elaborado com base nos dados sobre os países da União Européia.

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Sobre esse ponto convém evocar, em escala européia, a pre-paração de um “manual para os representantes sindicais relativo ànecessidade de negociar a formação continuada em cada empresa”(Heidemann, 1996). Esse projeto, realizado no âmbito do progra-ma comunitário Formação Continuada na Europa (FORCE),aglutinou movimentos sindicais da Bélgica, Dinamarca, Irlanda ePaíses Baixos3.

O manual tem por objetivo principal orientar os representan-tes dos assalariados na negociação dos planos de formação da empre-sa. Ele se dedica notadamente a sublinhar a importância que se deveatribuir aos públicos “vulneráveis” (migrantes, trabalhadores idosos,portadores de deficiências, etc.). Além das negociações habituais, noseio das empresas, esse manual integra também uma reflexão maisampla na perspectiva de futuros comitês europeus de empresas4.

Tal experiência ilustra bem a necessidade, mas também apossibilidade, de contribuir para a profissionalização dos atores daformação, nesse caso os representantes dos assalariados. Essa açãode reforço real e não somente formal das competências constituium cimento útil à edificação de estruturas estáveis de parceria.

Segundo os países, os sindicatos são mais ou menos reconhe-cidos como um traço de união que facilita o acesso dos assalaria-dos à formação profissional continuada. A esse título eles sãocomumente implicados na formulação das políticas da formação ena definição dos quadros legais ou convencionais, regendo o aces-so, a participação, o financiamento ou a certificação da formação.Em inúmeros países eles pertencem também aos órgãos da gestãodo aparelho formador. Ademais, se seu papel concerne primeira-mente à formação profissional continuada dos assalariados, a suacompetência é normalmente ampliada até à formação dos jovens edaqueles que procuram emprego.

3 Esses trabalhos aprofundam uma experiência lançada, em 1992, por sindicatos daBélgica, França, Grécia, Portugal e Itália.

4 Por uma diretriz adotada em 1994, a União Européia prevê, para 1999, a entradaem vigor de uma obrigação de criar, nos grupos transnacionais, um comitê europeude empresas. Essa disposição constitui um passo para a aplicação do protocolo socialdo Tratado de Maastricht.

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4. O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕESNÃO-GOVERNAMENTAIS

4.1. Um parceiro multiforme e atomizado

Mais que qualquer outro parceiro da formação profissional,as ONGs formam um conjunto vasto e heterogêneo. Somente nacidade do Rio de Janeiro contam-se mais de 1.500 (CommonwealthSecretariat, 1993). Em certos países, como a Índia, o ritmo decriação de ONGs é tal que o Estado encontra-se incapacitado deassegurar o seu recenseamento. Segundo o Pnud, em 1990, cercade 50.000 ONGs trabalhavam em países em desenvolvimento(Pnud, op. cit.).

Nessa profusão, uma primeira fronteira separa as institui-ções nacionais das ONGs internacionais, que se originam geral-mente dos países ricos e desenvolvidos e gerem orçamentosconsideráveis. Tratando-se de país, uma outra distinção permitediferenciar as ONGs segundo seu espaço de intervenção: local(rural/urbano), regional ou nacional. A fonte de inspiração quemove essas entidades constitui um terceiro critério de classificação.Assim, as ONGs podem pertencer a uma corrente filantrópica,sindical, política ou comunitária. Enfim, essas organizações pres-tam-se muito bem a uma abordagem funcional. Com efeito, a suaatividade é quase sempre setorizada, isto é, especializada em umadas áreas do desenvolvimento: saúde, nutrição, agricultura, edu-cação básica, mas também na formação profissional.

Sob essas diferentes formas, as ONGs procedem de um mes-mo elã solidário, com maior freqüência em favor de setores dapopulação considerados desfavorecidos, e que se traduz sob a formade organizações fundadas no voluntariado e na beneficência. Trata-se, assim, de instituições sem fins lucrativos cuja atividade, princi-palmente de caráter social, visa a melhorar as condições de vida decertos grupos mais ou menos desprivilegiados e a dotá-los de maior

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autonomia. A ação das ONGs pode também contribuir para ofuncionamento democrático da sociedade.

Essa análise conduz às vezes a considerar as ONGs, por cau-sa da mobilização que elas suscitam, como um vetor positivo deestruturação do espaço público. Convém, no entanto, nuançaresse ponto de vista, pois a defesa comunitária, da qual participa omovimento das ONGs, pode também levar a segmentar o espaçosocial, ao reforçar o sentimento de pertencer a um grupo parti-cular (local, urbano, rural, regional, étnico...) em detrimento deuma adesão coletiva global. Nesse caso, a ação comunitária podeser fonte de isolamento.

É necessário sublinhar que as ONGs são majoritariamenteoriundas de uma cultura militante, que traz um projeto dedesenvolvimento alternativo. Sua identidade é freqüentemente cons-tituída em oposição a uma visão do desenvolvimento encarnadopor um Estado centralizador e planificador. Apóstolas de um desen-volvimento integrado, endógeno, comunitário ou de autogestão,há muito tempo elas obtêm sua legitimidade de ação junto àquelesentregues à própria sorte pelo crescimento econômico.

Apesar dessa herança, as ONGs são preferencialmentechamadas, na conjuntura atual, a engajar-se numa cooperação comum Estado que aprecia a legitimidade de que elas desfrutam juntoa certos setores da população. Aliás, sua atividade não exclui, muitoao contrário, envolve o desenvolvimento da cooperação com asempresas. Um espírito “desenvolvimentista”, uma práticaconsolidada do diálogo em campo e uma propensão à açãoexperimental constituem alguns dos trunfos das ONGs.

4.2. Um parceiro complementar

O perfil assim esboçado revela, aos olhos do Estado, nume-rosas virtudes próprias para complementar a ação pública. AsONGs assumem então as feições de um parceiro precioso,

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verdadeira interface entre os serviços públicos e os setoresdificilmente acessíveis da comunidade nacional, ao mesmo tempocomplemento, agente de redistribuição e de coesão (Clark, 1995).Essas qualidades das ONGs aplicam-se tanto na área técnica quantono plano financeiro ou social:

• no plano técnico: a experiência e a habilidade das ONGsem matéria da formação não formal e a sua capacidade deinovação e de experimentação apresentam uma dupla uti-lidade de flexibilidade (adaptação a necessidades e a pú-blicos atípicos) e de criatividade (realização de experiênciaseventualmente transferíveis);

• no plano financeiro: as ONGs apresentam uma certa auto-suficiência, seja graças às atividades de coleta, seja porquepertencem a uma rede internacional geradora de transfe-rências financeiras;

• no plano social: a boa implantação das ONGs nos tecidossensíveis e instáveis, porque, desestruturados, assegura umafunção de amortecedor e pode contribuir para colocar emmarcha um processo de recuperação.

Nesse contexto, são inúmeras as iniciativas adotadas pelasONGs no domínio da formação profissional. Um grande númerodessas ações diz respeito à formação profissional inicial dos jovensque abandonaram o sistema escolar na época dos estudos primáriosou no final da educação básica. Trata-se então de facilitar suainserção profissional, incluindo o setor formal. Outras açõesdirigem-se a diversos grupos considerados vulneráveis: mulheres,portadores de necessidades especiais, desempregados de longaduração ou “destituídos” da função pública, etc. A lista dos desti-natários desses programas de formação é freqüentemente longa.

Além da preparação para a vida ativa, esses dispositivos vi-sam a uma enorme gama de objetivos, declarados ou não. Trata-se de redistribuir rendas no âmbito de um programa de lutacontra a pobreza ou simplesmente de impulsionar a vida social.

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Integrados nas ações globais, certos programas têm finalidades maisambiciosas, como a racionalização do funcionamento das unida-des de produção do setor informal (na zona urbana) ou o melho-ramento das práticas agrárias e da produtividade do trabalho (nazona rural).

A abundância de iniciativas arranha um pouco a imagemque se depreende desse movimento. Sem negar o valor de umgrande número de ONGs e seu papel social, uma das principaisquestões relaciona-se provavelmente à possibilidade de passar dalógica de experimentação à generalização ou, ao menos, de identi-ficar princípios passíveis de serem validamente transferidos.

4.3. Um parceiro ambivalente

Até quando são fecundas, as relações entre as ONGs e oEstado permanecem freqüentemente tumultuosas (Sanyal, 1994;Refugee Participation Network, 1995). Mesmo desconsiderando apersistência de clivagens de ordem ideológica, a atitude críticadas ONGs em relação à administração provém essencialmentede dois fatores:

• Primeiro, o caráter coercitivo, autoritário até, da açãopública contrapõe-se à prática mais conciliadora, paranão dizer mais suave, que caracteriza habitualmente otrabalho das ONGs. Isso é, no entanto, um choquenatural entre um Estado detentor e expressão do poderpúblico e as organizações que obtêm sua legitimidade naação local e elegem o voluntariado como princípio deintervenção.

• Uma segunda crítica, geralmente dirigida ao Estado, rela-ciona-se ao seu modo de funcionamento consideradoformalista, demorado, burocrático, indiferenciado ecomumente ineficaz. Contrariamente, as ONGs se van-gloriam de ser flexíveis e capazes de agir prontamente e

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“sob medida”. Essa querela traduz fundamentalmente umverdadeiro “choque das culturas” entre a tecnocracia daadministração e a ação militante das ONGs.

Do lado do Estado, a parceria com as ONGs não é muitomais livre de farpas. A atomização dos parceiros não-governamen-tais não facilita o diálogo e, sobretudo, entrava a coordenação e aavaliação. A questão da coordenação aparece a priori como suspei-ta aos olhos das ONGs, que vislumbram nisso a manifestação davontade de controle de uma administração sempre ciosa de suasprerrogativas. Entretanto, essa fragmentação dos atores e das açõespode ser fonte de duplicação inútil e também de desperdício. Ade-mais, a origem privada ou externa dos recursos interdita àadministração recorrer à avaliação, se bem que freqüentemente semostra impossível apreender, de maneira fiável e global, a açãodas ONGs no seu conjunto. A tomada de consciência desse pro-blema tem, em certos países, motivado a constituição de instânci-as de diálogo e/ou de consulta (por exemplo, o Conselho dasOrganizações Não-Governamentais do Togo).

A adoção freqüente, pelas ONGs, da abordagem setorialpresta-se igualmente à crítica, pois ela conduz a uma divisãoartificial do campo social. Assim, não é demonstrado que essasorganizações estejam à altura, mais e melhor que o Estado, deimplantar os procedimentos multidisciplinar e intersetorialcomumente elogiados.

Mais grave, talvez, em certos casos, a multiplicação do nú-mero de ONGs alimenta uma burocracia paralela, parasita mes-mo, que duplica o aparelho de Estado e se agarra a ele. O volumeàs vezes considerável, tanto em valores absolutos quanto em rela-ção aos orçamentos públicos, que representam as somas manejadaspor esses organismos, tende a consolidar essa imagem.

Enfim, o sentido da ação das ONGs merece também refle-xão, particularmente no domínio da formação profissional, emque não é possível evocar o motivo de “urgência absoluta”, comonas áreas de saúde, nutrição, até mesmo do planejamento familiar

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e de educação básica. A multiplicação dos dispositivos, programase projetos visando a dar uma qualificação profissional a públicosvulneráveis justifica-se em contextos de bloqueios do crescimen-to, até de desmantelamento do aparelho produtivo? Se a respostaé sim, a justificativa se situa no plano econômico, isto é, por seuefeito sobre os mecanismos de acumulação do capital e/ou deredistribuição da renda? Ou melhor, não se trata de, por meio daformação, preservar a paz social e enquadrar populações instáveis,em lugar das finalidades declaradas de desenvolvimento econômicoe democratização da sociedade?

5. O RECURSO AO MERCADO: A PARCERIA PÚBLICO/PRIVADO

5.1. A privatização da oferta

O desenvolvimento de uma oferta privada de formação pro-fissional constitui uma tendência bastante generalizada(Middleton et al., 1993). Ela inscreve-se numa visão segundo aqual a formação profissional deve ser guiada pelo mercado e atre-lada à demanda.

Nessa lógica, a formação na empresa ocupa um lugar privile-giado. Assim se explica o interesse pela modernização da aprendi-zagem tradicional (África) e pelas formações em alternânciainspiradas no modelo dual.

Porém, se pode interrogar sobre a realidade que recobre otermo “oferta de formação privada”. Efetivamente, sob essa ru-brica encontra-se uma variedade de organismos reunindo insti-tuições de caráter filantrópico, centros de formação ligados demaneira orgânica a empresas ou a ramos de atividade e, final-mente, produtores de serviços movidos essencialmente por umalógica mercadológica.

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Ademais, comumente tende-se a confundir estatuto efinanciamento. A uma entidade de direito privado e com vocaçãomercadológica corresponderia, assim, um financiamento privado.Na realidade, é freqüente o Estado subvencionar, de maneira di-reta ou indireta, uma parte importante da oferta privada para es-timular e regular o mercado da formação profissional (como naAustrália ou no Chile, por exemplo). Essas intervenções asseme-lham-se a uma forma de parceria.

5.2. O papel do Estado no quadro de uma gestão delegada

Durante muito tempo uma visão simplista opunha os me-canismos regulados pelo mercado àqueles administrados pelospoderes públicos. A evolução atual dos modos de intervenção doEstado tende a fazer desmoronar essa dicotomia. Constata-se cadavez mais uma orientação rumo a realidades híbridas nas quais osetor privado controla uma parte importante da oferta de for-mação, restringindo-se o setor público a funções normativas ede controle (Banco Mundial, 1991). A regulação do ensinotécnico e da formação profissional aproxima-se então de ummodelo de gestão delegada, isto é, um sistema pelo qual o Estadoconcede ao setor privado o cuidado de produzir e distribuirserviços coletivos (Rachline, 1995).

Nessa perspectiva, a ação do Estado privilegia quatro eixos princi-pais: o financiamento, o controle, a validação e a informação.

• O financiamento: a existência de uma demanda solvável éprecondição para a instauração de uma lógica mercadológica.Sob esse aspecto, certos mecanismos de financiamentopodem aportar uma ajuda determinante à demanda pri-vada. O exemplo mais difundido é fornecido pelos paí-ses que introduziram no seu sistema fiscal um impostodestinado ao financiamento da formação. Quando osrecursos assim recolhidos são geridos por um fundo autô-

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nomo, sua redistribuição assegura uma função estimuladorae também de orientação da oferta. Ademais, as medidasde dedução de impostos podem incitar as empresas afinanciar diretamente ações de formação a cargo do orga-nismo de sua escolha.

A ação sobre a demanda, mais que sobre a oferta, inspirouexperiências de empréstimos aos indivíduos ou “cheques-formação”. O objetivo desses dispositivos é privilegiar aescolha dos usuários, mais que as estratégias das institui-ções, e engajar assim uma dinâmica, atrelando a oferta àdemanda. Esse princípio supõe, contudo, que os indiví-duos e as empresas sejam perfeitamente informados (cri-tério de transparência do mercado). Atualmente, ainsuficiência dos dados disponíveis dificulta uma aprecia-ção global dessas medidas de estímulo da demanda daformação profissional.

• A habilitação e o controle: os procedimentos de habilita-ção permitem à administração garantir o respeito de umcerto número de normas consideradas indispensáveis àqualidade da formação. Essas prescrições mínimas podemenvolver a qualificação profissional dos formadores, a su-perfície dos locais ou os meios pedagógicos. Esse tipo demedida facilita a escolha dos usuários e os protege depossíveis abusos.

Para os estabelecimentos e centros privados beneficiadospor um financiamento público, o controle constitui umadisposição complementar, permitindo que se assegure acer-ca da conformidade e da qualidade das ações.

• A validação e a certificação: o respeito, pelos organismosprivados, de normas de validação ditadas pelo Estado,freqüentemente em ligação com os meios profissionais, ea possibilidade que lhes pode ser dada de preparar os alu-nos para os diplomas nacionais contribuem para a coerên-

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cia do leque das formações. Essa abordagem permite umaboa articulação público/privado e não exclui umadiversificação da oferta, além das normas nacionais, noquadro de ajustamentos oferta/demanda de caráter local(Bertrand, 1997).

• A informação: é indispensável para o bom funcionamentodo mercado. Como nem todos os atores são iguais emmatéria de acesso a esse recurso, cabe aos poderes públicosorganizar, até mesmo assumir essa função. Ora, aí resideum problema, pois a informação, quando existe, raramenteé homogênea e sua difusão pode mostrar-se tecnicamentecomplicada e financeiramente custosa.

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1. A DINÂMICA TERRITORIAL E SEUS EFEITOS SOBREA REGULAÇÃO DA FORMAÇÃO

Diante da incerteza que caracteriza o período atual, não émais possível proceder a um comando global e indiferenciado,confiado somente a atores intervindo em escala central. Mais emais, as políticas nacionais de formação tentam aproximar-se dofuncionamento do mercado de trabalho em sua dimensão local.Essa conscientização explica a retomada de interesse pela dimen-são local e sua incidência nas políticas educativas e a análise darelação formação/emprego.

1.1. A dimensão local: uma alternativa possível?

É legítimo interrogar-se sobre o renascimento da corrente depensamento sobre a dimensão local nas análises consagradas aocrescimento econômico, ao funcionamento do mercado de traba-lho e à formação profissional (Cedefop, 1993). Em período dequestionamento do papel de um Estado atualmente enfraquecido,o tema do desenvolvimento local levanta inúmeras interrogações.Dever-se-ia ver nesse fenômeno uma forma de desengajamento doEstado? Não se trata de buscar preencher as carências do modelocentralizador propondo a dimensão local como alternativa?

CAPÍTULO IIA parceria local

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Numa visão mais positiva, a consideração da dimensãolocal exprime uma nova estruturação dos territórios em tornode projetos oriundos dos atores locais. Conseqüentemente, aquestão é de integrar harmoniosamente políticas nacionais e ini-ciativas locais.

Essa nova versão do desenvolvimento local não pode serdissociada do contexto socioeconômico no qual se insere. Em to-dos os lugares as mutações sofridas pelo sistema produtivo desor-ganizam as abordagens tradicionais e as estratégias convencionaisde desenvolvimento. Nas economias desenvolvidas, o declínio in-dustrial, acompanhado geralmente da ascensão inexorável do de-semprego, teve como saldo profundas reconversões econômicas,às vezes dramáticas por suas conseqüências sociais. O movimentoda iniciativa local de criação de empregos (ILE), surgido nos paí-ses da OCDE no curso dos anos 80, ilustra uma tentativa de res-posta a esse fenômeno (OCDE, 1993).

Nos países da Europa central e oriental a transição para aeconomia de mercado resultou em manifestações socioeconômicasda mesma ordem – desindustrialização, ascensão do desemprego(Caillods, Bertrand, Atchoarena, 1995). No plano espacial, es-sas turbulências alimentam movimentos de recomposição aindanão estabilizados.

Tratando-se dos países do sul, as situações são muitodiversificadas. Entretanto, as economias premidas pelo ajustamentoestrutural sofrem também amplas transformações do mapa de re-partições dos pólos de produção e de residência, assim como nahierarquização dos espaços (Bertomé, Mercoiret, 1992).

O interesse em relação à dimensão local encontra-se, alémdisso, enormemente reforçado pela reorganização dos poderesentre o Estado e as outras entidades que formam a comunidadenacional (Prawda, 1992; Olowu, Smoke, 1992). A combinaçãodas políticas de desconcentração, descentralização e privatizaçãocria um quadro institucional que favorece as relações entre osatores locais (autoridades locais, estabelecimentos de formação,

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parceiros sociais). A emergência de pólos de decisão autônomosmunidos de recursos financeiros próprios e dotados de poderde decisão multiplica as ocasiões de expressão de iniciativaslocais e de acordos.

Nesse quadro, o meio local torna-se um espaço indutor dedinâmicas de desenvolvimento (OCDE, op. cit.; Storper, 1995).O desenvolvimento territorial assimila-se às estratégias locais com-plementares entre elas e articuladas às políticas nacionais. O obje-tivo é de construir uma verdadeira sinergia entre espaços intercaladose hierarquizados que gozam de uma certa autonomia.

Essa abordagem do desenvolvimento local modifica um poucoa apreensão da noção de mudança. A ênfase não recai apenas nosmecanismos de ordem puramente econômica, sejam elesdesencadeados pelo mercado ou administrados pelo Estado, mastambém sobre o comportamento dos agentes: indivíduos, empresas,instituições. O desenvolvimento local repousa, em grande parte,sobre a dupla capacidade dos atores para formular um projetocoerente e associar-se para implementá-lo.

1.2. A dimensão local da relação formação/emprego

A dimensão local constitui, assim, um lugar privilegiado deenraizamento de dinâmicas de crescimento econômico e um espa-ço de decisão e de ação. Porém, o que acontece em relação aosistema e às políticas de ensino técnico e de formação profissional?

A pertinência da dimensão local para a gestão do sistema deformação supõe que ele possa oferecer um quadro de coerênciapara apreender a relação formação/emprego e agir sobre ela (Bel,1996). Ora, o conteúdo da noção de espaço local varia segundo seprivilegia a abordagem administrativa, o jogo dos atores ou o fun-cionamento do mercado de trabalho (Margirier, 1996).

A organização administrativa do território tem conseqüênciasimportantes para a gestão local do sistema de formação. Ela

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determina a maneira pela qual se confundem os níveis de poder.O espaço local é, efetivamente, o objeto de uma convergênciaentre as ações impulsionadas pelo conjunto dos serviços públicos:administrações centrais, serviços desconcentrados, poderes locais.Em cada país, a configuração administrativa do espaço ocorre emfunção da maneira pela qual as competências são repartidas e or-ganizadas entre as diferentes entidades detentoras do poder públi-co. A identificação do espaço local a partir de divisões de ordemadministrativa tem a vantagem de apoiar-se no dispositivo de to-mada de decisão da esfera pública. A relativa estabilidade dessaarquitetura dos poderes, do mesmo modo, confere um forte valoroperativo ao critério de divisão administrativa.

A análise do comportamento dos agentes revela uma outradimensão do espaço local. Ele não é mais definido como o produtode uma elaboração jurídica tecendo uma malha de competênciasformais, mas pelo jogo dos atores:

• os indivíduos, “demandantes” da formação;

• os estabelecimentos de ensino e centros de formação pro-fissional, “ofertadores” da formação, etc.;

• as empresas, usuárias finais das qualificações.

As estratégias individuais têm como quadro de referênciaum conjunto complexo, ao mesmo tempo zona de prospecçãode emprego, suporte de identidade cultural e social e espaço devida. No seio desse campo, os comportamentos são modeladosparalelamente por racionalidades de tipo econômico, mas igual-mente segundo as possibilidades de mobilidade, as tradições,os valores.

O aparelho de formação local funciona com referência a umareserva de recrutamento. Essa área de atração pode ser determina-da por um quadro jurídico, mas constitui igualmente uma área deinterseção de inúmeras variáveis, tais como a capacidade dematrícula e de desenvolvimento do estabelecimento de ensino, a

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topografia do espaço e a densidade da rede de transporte, anotoriedade e a correspondência, real ou alegada, entre o leque deformações oferecidas e os empregos locais.

As empresas, enfim, exercem uma influência sobre os terri-tórios mediante suas estratégias e suas áreas de recrutamento demão-de-obra. Em certos casos, essa zona pode tambémcorresponder a um mercado, porém, de maneira geral, não há,para uma mesma empresa, interseção entre os espaços decontratação e de troca.

A terceira dimensão do espaço local é sua identidadesocioeconômica. Não se trata mais, nesse contexto, de consideraras competências das instituições ou as estratégias dos atores, mas ofuncionamento do mercado de trabalho em escala local (Gambier,Vernières, 1991). No âmbito desses sistemas de emprego, os terri-tórios distinguem-se efetivamente pela existência de mercados locaisde trabalho. Sua expressão espacial constitui o que usualmente sechama reservas de emprego. Essa entidade encontra seu funda-mento no reconhecimento de uma associação entre habitat e traba-lho. Ela designa um espaço no interior do qual uma parte importanteda população ativa pode mudar de emprego sem mudar de residência.É, assim, uma zona de relativa estabilidade, massa crítica, autorizandouma certa autonomia da relação população/produção. Na prática,as fronteiras das reservas de emprego são desenhadas a partir deuma análise das mobilidades alternantes: domicílio/trabalho.

Por natureza, a unidade “reserva de emprego” parece prestar-se perfeitamente à análise da relação formação/emprego. Na reali-dade, sua utilização suscita algumas críticas. Inicialmente, no planoprático e nas situações extremas, a delimitação de reservas de em-prego não é sempre pertinente. É o caso, em especial, dos pólosurbanos dominantes, nos quais esse domínio se exerce sobre umagrande parte da população e do território nacional. Da mesmamaneira, mas por razões diferentes, os limites das reservas deemprego são difíceis de traçar no interior de zonas rurais poucodesenvolvidas e fracamente povoadas.

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Uma segunda crítica comumente evocada concerne ao caráterinstável e às vezes efêmero das reservas de emprego em período demudança estrutural. A retração do tecido produtivo ou suareconversão, movimentos freqüentes nos períodos de ajuste ou detransição vividos por inúmeros países, levam, assim, ao recorte doespaço socioeconômico em reservas de emprego.

Apesar dessas restrições, a noção de reserva de emprego con-serva um lugar privilegiado numa análise local da relação forma-ção/emprego. Sua utilização supõe, entretanto, a existência deinformação territorial, calcada numa escala idêntica. Ora, aquiexiste freqüentemente um problema estatístico e metodológicosério (Margirier, 1996).

Inúmeros países dispõem apenas de estatísticas nacionais,portanto, unificadas, geralmente sobre a educação e, em alguns casos,sobre o emprego. Em contraste, o conhecimento aprofundado dasrealidades locais escapa freqüentemente aos órgãos responsáveis pelosistema de ensino técnico e de formação profissional, na sua dimensãocentral, mas também em escala territorial.

Esse vazio estatístico pode ser preenchido pela construçãode um dispositivo local de informação sobre a situação e aevolução do emprego, das qualificações e das formações. Essabase local de dados representa potencialmente um poderosoinstrumento de ajuda para a decisão à disposição dos parceirosimplicados na gestão dos meios de formação (Cedefop, 1994).Três principais tipos de informações deveriam figurar nessa base:informações sobre emprego e a organização do trabalho, dadossobre as formações oferecidas e explicações sobre o processo deinserção. A cada um desses três eixos corresponde uma abordagemmetodológica diferente, aplicando-se, respectivamente, àsempresas, às instituições de formação e aos indivíduos (Biret,Gensbittel, 1991).

A implementação dessas abordagens se baseia numa apare-lhagem relativamente clássica, combinando pesquisas (junto àsempresas e de inserção) com uma análise parecida com

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procedimentos de auditoria do estabelecimento de ensino(coeficientes pedagógicos e de equipamentos, qualificação dos for-madores, estado dos equipamentos, leque das formações, rendi-mento). Se os componentes lógicos dessas pesquisas são geralmentebem aprimorados, contudo subsistem interrogações no planoconceitual sobre o objeto estudado, notadamente quando se tratado significado dos conceitos de necessidade em formação (pesquisasnas empresas) e de inserção (pesquisa de inserção). Apesar de suasimperfeições, esses instrumentos são indispensáveis à gestão doaparelho local de formação (Arliaud, Lamanthe, Romani, 1992;Vernières, 1995). Ademais, quando elas não têm como objeto umaamostragem muito ampla e sua metodologia é relativamentesimples, portanto utilizável por não-especialistas, essas pesquisas,particularmente as de inserção, podem ser realizadas diretamentepelas escolas e centros de formação profissional.

Porém, além do desenvolvimento de capacidades de coletae exploração de dados nos estabelecimentos de ensino, a gestãocompartilhada do aparelho de formação pressupõe dotar o con-junto dos parceiros envolvidos de meios de observação aptos afacilitar a tomada de decisões (Pascaud, 1991). Essa exigênciafavorece à constituição de um quadro flexível, aproximando pro-dutores e usuários de dados. Os observatórios locais implanta-dos em certos países, aprofundando os sistemas de informaçãosobre o mercado de trabalho preconizados pelo BIT, obedecem aessa lógica (Barcia, 1996). Trata-se não mais de uma estruturacomplexa de produção e análise estatística, mas de uma célulasimples, reunindo os parceiros locais da relação formação/em-prego. Além da estruturação e da coleta de dados, essa entidadeé igualmente um espaço de diálogo em que são analisadas ediscutidas as informações obtidas (Rosanvallon, 1994). Assim,ela participa plenamente da construção de uma parceria local. Acoordenação pressupõe efetivamente que os atores envolvidos,freqüentemente, em situação assimétrica em relação à infor-mação sejam dotados de um saber comum, condição necessá-ria à ação coordenada.

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Entretanto, se a observação da dinâmica local permite seguiras evoluções em curso, ela é incapaz de revelar tendências comple-xas que modelam os territórios. A construção de um sistemaexplicativo e a adoção de uma visão prospectiva exigem que sedisponha de dados “macro”, de parâmetros em relação aos quaisconvém confrontar os percursos observados localmente. Esse im-perativo significa que o centro deve comunicar aos parceiros lo-cais, encarregados da gestão dos meios de formação e da regulaçãoformação/emprego, as informações sobre as evoluções e as políticasnacionais, assim como sobre os cenários possíveis. Essa articulaçãoentre espaços, mas também de horizontes diferentes, é necessária àcoerência da observação local.

Gráfico 1 – Uma cartografia das competências da formação profissional inicialem alguns países da Europa (1993)

B = Bélgica, D = Alemanha, DK = Dinamarca, E = Espanha, F = França, GR = Grécia,I = Itália, IRL = Irlanda, NL = Países Baixos, P = Portugal, UK = Reino Unido

Fonte: Esse gráfico foi elaborado com base em informações publicadas peloCedefop na revista Formation Professionnelle, no 2, 1993.

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O Gráfico 1 representa a distribuição das competências nosâmbitos nacional, regional e local. A extensão das competênciasestá representada nele por um índice sintético cujo valor foi obtidosomando-se, para cada um dos três segmentos, seis domínios deintervenção:

• a observação do emprego;

• o planejamento da formação profissional;

• a definição dos programas;

• a certificação;

• o financiamento;

• a informação sobre a formação.

O valor do índice varia de um a seis, significando o valor seis,por exemplo, que o âmbito considerado (nacional, regional ou local)dispõe de competências em cada um dos seis domínios.

Sem uma apreciação prematura do conteúdo real das competên-cias, esse gráfico permite representar, para cada um dos países, umacartografia dos poderes.

Considerando-se a natureza sintética do índice utilizado e doslimites inerentes a esse tipo de comparação, a interpretação do gráfi-co deve ser prudente. Entretanto, ele evidencia uma grande diversi-dade de situações segundo os países, característica que revela,provavelmente, tanto o peso das tradições quanto o resultado de po-líticas específicas.

Ademais, mesmo se o âmbito regional aparece muito presente namaioria dos países, é o nacional que predomina. Parece que o localpermanece em recuo na grande maioria dos países.

Essa configuração sugere que a consideração da dimensão territorialna regulação da formação profissional inicial se dá essencialmente poruma divisão das competências entre as dimensões nacional e regional,permanecendo a local amplamente à margem.

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2. O ESTABELECIMENTO DE ENSINO COMO ATORDE UMA DINÂMICA LOCAL

Os estabelecimentos de ensino e os centros de formação pro-fissional constituem-se potencialmente em estimuladores do desen-volvimento local. A reflexão e o movimento existentes atualmentepodem ser esquematicamente classificados sob duas óticas distintas:

• uma consiste em confiar somente às forças do mercado aorganização da oferta e a satisfação da demanda local deformação;

• a outra tenta transformar os estabelecimentos de ensinoem atores do desenvolvimento local, particularmente osincitando a engajarem-se em ações de cooperação com ou-tros parceiros.

De maneira crescente, a lógica mercadológica busca impor-se ao mundo educacional, em geral, e ao funcionamento da escola,em particular (cf. cap. 1, 4.). Essa tendência não se limita mais apermitir ou favorecer a emergência e a ampliação de um setorprivado do ensino. De agora em diante ela tenta, pelo duplo jogoda desregulamentação e da autonomia, tornar a gestão dos estabe-lecimentos públicos de ensino tão próxima quanto possível da querege a oferta privada. Trata-se, nesse caso, de submetê-las às regrasda concorrência, sendo as famílias e os alunos colocados em posi-ção de árbitros. A hipótese subjacente a essa estratégia é de que alivre escolha dos usuários-consumidores contribuirá para a quali-dade da formação no âmbito local (Hirsch, 1994). Esse quadroprivilegia o papel dos pais e dos dirigentes dos estabelecimentosde ensino, que se tornam, pela mediação do mercado, atores-chaveda regulação formação/emprego.

Essa abordagem liberal da gestão da oferta de formação já semanifesta em vários países anglo-saxões5 e em alguns países em

5 Schools of the Future, na Austrália, Education Reform Movement, na Inglaterra e noPaís de Gales, Tomorrow Schools Program, na Nova Zelândia.

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desenvolvimento. Essas experiências dizem respeito sobretudo àeducação geral, mas o espírito que as move poderia também seaplicar às instituições de ensino técnico e de formação profissio-nal. Nesse quadro, o Estado limita-se a ditar as regras gerais míni-mas do sistema e a financiá-lo, encorajando, ao mesmo tempo, osestabelecimentos de ensino a dotarem-se de recursos próprios.

O procedimento que consiste em fazer dos estabelecimentosatores do desenvolvimento local resulta de uma perspectivacertamente diferente, mas não necessariamente oposta. Ele nãosignifica de fato um retorno a uma regulação administrativa daoferta, mas, antes, à busca de uma possível interseção, em escalaterritorial, entre as exigências do mercado e a assunção do sistemapelos atores locais. Nesse quadro, o papel dos estabelecimentos deensino define-se em torno do tema de sua autonomia em matériade determinação dos objetivos e dos meios de ação (Afae, 1990).

2.1. O estatuto de autonomia

Transformar os estabelecimentos de ensino público de for-mação profissional em entidades autônomas pressupõe dotá-losde uma contextualização adequada, dando-lhes a possibilidade detomar decisões e concretizá-las. Essa contextualização deve per-mitir o exercício de uma autonomia real em termos legais, finan-ceiros, pedagógicos e no domínio da gestão.

No plano legal, a autonomia dos estabelecimentos de ensinosupõe que eles sejam reconhecidos pela lei como sujeitos de direi-to. Somente um estatuto conferindo a personalidade jurídica emoral constitui, aos olhos da lei, os atributos da autonomia.

Para ter um sentido, essa autonomia jurídica deverá juntar-se a uma autonomia financeira. Nessa lógica, os estabelecimen-tos de ensino merecem ser dotados de um orçamento próprio.Eles são, então, capazes de programar uma parte de suas despesas,tendo em conta certas orientações locais e nacionais, e também

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de coletar e utilizar, da maneira que lhes convier, recursos com-plementares junto às comunidades territoriais, empresas eusuários (Gomes, 1991).

Obtendo a personalidade jurídica e dispondo de um orça-mento, os estabelecimentos de ensino encontram-se em posiçãode exercer uma verdadeira gestão de seus negócios, tanto no planointerno quanto no que concerne às relações com o seu entorno. Otema da autonomia de gestão engloba os diversos domínios refe-rentes a investimentos, pessoal e estratégia.

Confiar ao estabelecimento de ensino a gestão dos investi-mentos pressupõe a concepção de um dispositivo de convergênciae coordenação com as tutelas que fornecem os recursos necessári-os: Estado e comunidades territoriais. Essa fase de consulta per-mite notadamente assegurar-se da compatibilidade entre os projetosde cada um dos estabelecimentos e as orientações de desenvolvi-mento da oferta da formação para todo o conjunto da área envol-vida. Em certos casos, o estabelecimento de ensino pode financiaruma parte de seus investimentos, recorrendo a contribuições pri-vadas, particularmente junto às empresas.

Tratando-se da gestão de pessoal, também vários graus deautonomia são vislumbrados. Segundo um cenário básico, a mar-gem de manobra do estabelecimento de ensino envolve unica-mente o pessoal extranumerário. Esses formadores de apoio podemprovir das empresas locais. Eles são particularmente úteis na pers-pectiva de uma aproximação entre a formação ministrada e o mundodo trabalho. Freqüentemente se recorre a esse tipo de especialistapara ensinar disciplinas raras ou muito demandadas, para as quaisé difícil encontrar educadores profissionais. Uma concepção maisliberal dá a possibilidade ao estabelecimento de recrutar e, dessemodo, escolher o conjunto de educadores (Hatcher, 1994). Essetipo de medida não exige necessariamente uma completa redefiniçãodo seu estatuto, mas pode prevê-la. Numa perspectiva de autono-mia ainda mais ampla, o recrutamento do dirigente do estabeleci-mento de ensino é confiado ao órgão de direção do estabelecimento.

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Porém, a “parte nobre” da gestão de um centro de formaçãorefere-se à estratégia. A gestão estratégica designa aqui a implantaçãode um conjunto coerente de orientações, de decisões e projetospara atingir objetivos por meio de ação conjugada. É, então, umpasso prospectivo, validado pelo diálogo com os atores envolvidos,no caso a equipe do estabelecimento de ensino, suas instâncias dedireção, mas igualmente os atores locais, que são seus parceiros“naturais”. Vê-se por isso que o crescimento da margem de auto-nomia dos estabelecimentos de ensino e os esforços de adaptaçãoda oferta da formação ao ambiente local conduzem a atribuir maispeso às relações com os parceiros externos (pais, políticos locais,empresas, etc.) e também à iniciativa pedagógica.

A autonomia da gestão contribui normalmente para a reali-zação de um projeto pedagógico, se possível coerente com asrealidades locais. A autonomia pedagógica deve, assim, abrir a pos-sibilidade, nos limites da legislação em vigor, de definir o leque dasformações e estabelecer a organização pedagógica. Tratando-se daescolha das carreiras, parece importante que as decisões sejamtomadas consultando-se o meio local, em particular, as empresas.Além da organização das formações de caráter nacional, nos sistemasem que os programas são definidos nesse âmbito, a autonomia pode,em certos casos, permitir a abertura de seções específicas, tendoem conta necessidades próprias do entorno econômico imediato.Uma vez fixada a escolha dos conteúdos, cabe ao centro de forma-ção determinar a forma pedagógica do ensino ministrado (unitá-rio/modular), assim como os procedimentos de validação (controlecontinuado, exame final, validação das habilidades profissionaisdissociadas em blocos coerentes).

Estando traçado o quadro das competências, sua operacio-nalização pressupõe a criação de órgãos de direção e gestão queencarnem a relativa autonomia do estabelecimento de ensino.Assim, é freqüente que um conselho gestor exerça o poder dedireção e o delegue, para a gestão cotidiana, ao dirigente doestabelecimento de ensino. A composição do conselho gestor pode

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refletir a abertura do estabelecimento para o seu meio e a parti-cipação efetiva dos atores locais na sua gestão (Afae, 1994). Aomenos quatro categorias de atores têm vocação para um assen-to no âmbito de uma tal entidade: as tutelas, os usuários, asempresas e as ONGs ativas no local. Nesse âmbito, as modali-dades práticas de funcionamento do conselho variam segundoos casos. As questões sensíveis envolvem, além de sua composiçãoprecisa, a atribuição da presidência e a sua natureza (fixa/rotativa), assim como o papel atribuído ao dirigente do estabe-lecimento (presidente de direito, membro pleno, simples ob-servador). As fórmulas variam de acordo com os contextos, oimportante são instâncias de direção capazes de inserir o centrode formação numa dinâmica local.

2.2. A autonomia como capacidade de ação

Mesmo formalmente dotadas de autonomia e guiadas porestruturas de direção, associando parceiros do desenvolvimentolocal, as iniciativas freqüentemente se defrontam com numerososobstáculos. Essas dificuldades provêm às vezes da inércia, até mes-mo das reticências do pessoal, mas sua origem é também externa enasce de um ambiente local muito pouco receptivo e cooperativo.A cultura, as tradições, a densidade das redes de parceria e a saúdeda economia local constituem outro tanto de fatores que facilitamou, contrariamente, freiam a participação dos estabelecimentosde ensino e centros de formação técnica e profissional em umadinâmica de desenvolvimento local.

As iniciativas utilizadas para inserir a formação no meio localarticulam-se essencialmente em torno de quatro eixos de inter-venção (Unesco, 1989):

• a adaptação dos conteúdos da formação;

• a abertura a públicos não-tradicionais, particularmente pelapromoção da educação continuada;

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• a participação em ações de desenvolvimento local,notadamente em ligação com ONGs; e sobretudo

• o engajamento de parcerias com as empresas locais.

A parceria centros de formação/empresas talvez constitua hojea forma de ação mais difundida, na verdade a mais promissora. Umapesquisa realizada pela Unesco sobre o ensino técnico e profissional6

revela inúmeras modalidades de cooperação compreendendo,notadamente (Unesco, 1993):

• a dotação de equipamentos dos centros de formação ou aabertura de oficinas da empresa aos alunos e também aosprofessores;

• a participação na definição dos programas, às vezes porintermédio de comitês consultivos locais;

• a participação na preparação de material didático;

• assunção de uma parte da formação profissional prática, sejaenviando profissionais para os centros, seja recebendo alu-nos na empresa, sobretudo no campo da aprendizagem;

• a contribuição na orientação dos alunos;

• a participação nas bancas examinadoras;

• a contrapartida dos estabelecimentos de ensino no esfor-ço para organizar a formação para o pessoal das empresasregionais.

Os resultados dessa pesquisa revelam uma tendência à gene-ralização do fenômeno e da política que o inspira. Certamente, aintensidade e a forma dos laços estabelecimento de ensino/em-presa são bastante variadas. Ademais, está claro que sua duraçãoe seu número dependem, em grande parte, do interesse declaradopelas empresas.

6 Deuxième Consultation des États members sur la mise en oeuvre de la recommandationrévisée concernant l’enseignement technique et professionnel: Rapport du Comité duConseil exécutif sur les Conventions et Recommandations, 27 C/89, 12 août 1993.

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É precisamente aí que reside um obstáculo maior para a im-plantação dessa estratégia. Como fazer para que as empresas acei-tem acolher e formar jovens? Sentida por inúmeros paísesindustrializados, essa dificuldade revela-se ainda mais problemáticanas economias ditas “em transição” ou nas que se encontram “emfase de ajuste estrutural”.

A operacionalização de tais ações pressupõe, aliás, da parte dodirigente do estabelecimento, uma real capacidade de empreendere gerir. Ora, esse domínio difere bastante da gestão habitual deuma escola e requer competências particulares. Encontra-seassim colocada a questão da preparação do diretor, até mesmoda equipe de direção (caso de direção colegiada), para exerceressas novas funções.

Entretanto, para além dos problemas da implantação, con-vém interrogar-se sobre os efeitos e o fundamento dessa estraté-gia. Como prevenir o aparecimento de desigualdades excessivasem matéria de acesso e qualidade do ensino profissional? Como,além disso, conceber um dispositivo suficientemente solidário paradifundir para o conjunto dos estabelecimentos de ensino asinovações mais promissoras? Enfim, a questão da qualificação levaa interrogar-se sobre os tipos de saber adquiridos no local de tra-balho. Não haveria um risco de, ao desenvolvermos excessivamentea formação na empresa, favorecer a aquisição de qualificaçõesespecíficas, quando o funcionamento do mercado de trabalho e aformação dos indivíduos exigem, antes de tudo, competênciasprofissionais gerais e transversais?

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A vontade de reformar o ensino técnico e a formação profis-sional a fim de torná-los mais competitivos traduz-se por umaaproximação entre os atores do sistema. Assim, a parceria éfreqüentemente apresentada como uma necessidade, mesmo queesse termo designe, na realidade, práticas bastante variadas.

Estabelecer uma cartografia da parceria supõe responder apelo menos três questões:

• Quem são os responsáveis?

É possível distinguir cinco categorias de parceiros: o Esta-do, as comunidades territoriais, os empregadores, os re-presentantes dos assalariados e as ONGs. Convémacrescentar a essa lista os organismos da formação, públi-cos e privados, que desempenham um papel importanteno funcionamento do mercado da formação pela adequa-ção oferta/demanda.

• Por quais ações?

A divisão de competências abrange a formulação das polí-ticas, o financiamento, a definição dos conteúdos e dosdiplomas, a implantação da formação e, finalmente, oacompanhamento e a avaliação.

• Em que âmbito?

Uma distinção deve ser efetuada entre o nacional e osterritoriais (regional e local).

CONCLUSÃO

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A natureza da parceria pode, assim, ser apreciada examinan-do-se o grau de participação dos atores. Dessa forma, esboça-seuma gradação que vai da co-decisão à simples troca de informa-ções, passando pela consulta. Está claro que a “verdadeira” parce-ria supõe uma implicação dos diferentes parceiros no processo detomada de decisão e na gestão.

O exame das situações nacionais revela graus e modalidadesde parceria muito diversos. Essas variações são produto de evolu-ções históricas específicas e o peso das tradições constitui certa-mente um fator determinante na importância da parceria. Nospaíses em que existe um costume de envolver os parceiros sociaisna definição das políticas sociais e na gestão das instituições quelhes são associadas, a parceria no ensino técnico e a formação pro-fissional participam de um modo de organização institucional ede uma forma de democracia e de controle social. Em contrapartida,quando a prática de cooperação é menos enraizada na cultura na-cional e nas práticas de tomada de decisão, a instauração de parce-rias pressupõe não apenas introduzir reformas, mas, sobretudo,vir a modificar progressivamente o comportamento dos atores.

Mais do que um simples instrumento de racionalidade, aparceria aparece como um modo de exercício do poder, fundadoem noções de cooperação e compartilhamento. Ele se insere, noentanto, num ambiente institucional em que o Estado conservaum papel importante, por meio das normas que edita e dos con-troles que exerce, como também das iniciativas que oferece(Zygmunt, Rose, 1994).

Embora o contrato constitua um quadro formal privilegia-do para a instauração de parcerias, ele é apenas o arcabouço. Aparceria é, antes de tudo, um processo, uma dinâmica, e nãoapenas uma convenção.

A organização operacional da parceria apóia-se majoritaria-mente no Estado. Sob esse aspecto, o movimento de descentrali-zação observado em inúmeros países certamente favoreceu a eclosãoda parceria. Ao dar mais poderes aos atores locais, as políticas de

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descentralização, ao colocá-los num quadro territorial, renovamos termos do debate sobre a relação formação/emprego. De fato, ocomportamento dos atores e o jogo das instituições (poderes lo-cais, administrações desconcentradas, estabelecimentos de ensinotécnico, empresas) modelam os processos de inserção.

Para o Estado, convidar os outros atores para a parceria pres-supõe, ao mesmo tempo, a implantação de instrumentosestimuladores e dos meios de acompanhamento. No plano central,o agenciamento de espaços de diálogo mais ou menos formalizadosconstitui uma das condições para o acordo. A instauração deestímulos notadamente fiscais representa, do mesmo modo, umvetor eficaz, sobretudo para estimular as relações entre o sistemade formação e as empresas. A experiência mostrou o interesse des-sas fórmulas, tanto para trazer financiamentos complementaresaos estabelecimentos de ensino quanto para a operacionalizaçãoda aprendizagem. Além da vontade dos atores de colaborar, suacapacidade para engajar-se num diálogo frutífero depende tambémdo seu nível de informação. Cabe aos poderes públicos criar umsistema de informações sobre a relação formação/emprego, aomesmo tempo acessível e legível pelo conjunto dos parceiros.

As políticas visando a estabelecer um mercado concorrencialpara a formação constituem um domínio ainda mal explorado.Em particular, os dados e o recuo fazem falta para apreciar asestratégias de privatização da oferta. Isso não diminui a importânciada constatação de que a parceria público/privado constitui umaforma emergente de regulação.

Porém, é talvez no plano local, em virtude do efeito de pro-ximidade, que a noção de parceria assume todo o seu sentido,especialmente nos sistemas altamente descentralizados. Sob esseaspecto, percebe-se que a autonomia dos estabelecimentos de en-sino representa uma condição importante para o desenvolvimen-to de parcerias, em especial na perspectiva de uma aproximaçãocom as empresas. As experiências nesse sentido não permitem de-terminar com certeza qual seria o bom grau de autonomia para os

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estabelecimentos de ensino técnico. No máximo, pode-se concor-dar em considerar que o reforço da capacidade decisória do esta-belecimento de ensino, particularmente para adotar seus conteúdosde formação, promover a educação continuada, participar de açõesde desenvolvimento local e, sobretudo, engajar parceiros com asempresas, contribui para a flexibilidade e a sua adaptação às ne-cessidades locais.

Em escala territorial ou central, a parceria pode ser analisa-da como um processo de aprendizagem coletivo. A informaçãodeve adaptar-se à evolução dos modos e dos níveis de decisão,assim como à organização dos atores em rede. Nesse sentido, aintrodução da dimensão local como escala determinante naspolíticas de ensino técnico impõe uma reestruturação profundados sistemas de ajuda à decisão. Essa exigência é ainda mais forteem países que, tradicionalmente, apóiam-se em métodoscentralizados de planejamento da educação, fundados em projetosmacroeconômicos das necessidades de mão-de-obra.

Em escala internacional, os trabalhos relativos aos sistemasde informação sobre o mercado de trabalho, iniciados particular-mente pelo BIT, indicam a via a ser seguida para se acompanhar,de maneira contínua e especializada, a evolução da oferta e dademanda de qualificação. No âmbito da União Européia, asreflexões sobre a utilização de dados para a tomada de decisãoinstauram uma certa renovação dos métodos de pesquisa. Nessesentido, as pesquisas de inserção, utilizadas há muito tempo emnumerosos países, incluindo os países em desenvolvimento, cons-tituem um instrumento necessário de análise da eficácia externados sistemas de formação (Lamoure, 1995). Sua adaptação tran-qüila a tipos de territórios variáveis faz dessas pesquisas uminstrumento privilegiado dos sistemas de informação sobre oemprego e a formação no contexto local.

Além do aspecto metodológico, a questão da informação decaráter local levanta igualmente problemas de ordem institucional.Como dar continuidade a um dispositivo dessa natureza? De que

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maneira apresentar e difundir as informações coletadas e tratadas?Não existe uma resposta única para isso. Pode-se, no entanto,considerar que as experiências realizadas em inúmeros países,em desenvolvimento ou industrializados, para a constituição deobservatórios locais sobre o emprego e a formação, constituemexemplos dignos de interesse.

Definitivamente, os termos do debate sobre a parceria noensino técnico e a formação profissional podem ser sintetizadosem algumas constatações e questões. Primeiramente, a parceriaexige tempo e, em conseqüência, atrasa e complica a tomada dedecisão. Em seguida, sua implantação pressupõe um contextofavorável, daí a importância dos instrumentos de acompanhamen-to, sob forma de estímulo ou de obrigações legal ou convencionada.Enfim, a parceria apóia-se freqüentemente numa tradição, ou seja,não se decreta a passagem de um sistema inteiramente administra-do pelo Estado a uma regulação partilhada. Além dessas conside-rações, inúmeras questões permanecem sem resposta:

• Quem encarna, por meio da parceria, o interesse coletivoe a legitimidade: o Estado, os parceiros sociais ou os pode-res locais?

• Atualmente em pleno crescimento, a corrente favorável àprivatização da oferta tende a conferir aos empregadoresuma posição predominante. Entretanto, as empresas, cujohorizonte é mais curto que o do Estado, não correriam orisco de privilegiar uma lógica de custos baixos e as forma-ções específicas?7

• O entusiasmo pelo nível local suscita a mesma quantidadede interrogações. Evidentemente, a reação do mercado,nesse caso, é mais rápida. No entanto, ela é fundamentada?O movimento de reforço do nível local, por causa de umapreocupação com a flexibilidade, não correria o risco, aocontrário, de criar uma rigidez, reduzindo a mobilidade

7 As dificuldades encontradas atualmente pelo modelo dual alemão ilustram bem essefenômeno.

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da mão-de-obra? Essa estratégia pode favorecer a criaçãode empresas em zonas a priori pouco acolhedoras? Ela con-tribui para a reconversão de tecidos econômicos em crise?Ajuda a ação empreendedora e a capacidade dos atoreslocais de iniciar e implantar projetos de desenvolvimento?Não correria o risco de fazer nascer um clientelismo queparasitaria a tomada de decisão?

O conjunto dessas questões convida a pesquisas complemen-tares e comparativas.

Finalmente, o tema da parceria leva-nos à delicada questãosobre a evolução do papel do Estado. Além da sua função deimpulsão, ele deve conservar responsabilidades de controle e ava-liação, especialmente para zelar pela transparência das despesaspúblicas e pela boa articulação entre dinâmicas territoriais. É igual-mente a ele que cabe prevenir ou combater os fenômenos de ex-clusão dos públicos mais vulneráveis.

Distanciando-se da planificação centralizada e da regulaçãopelo mercado, a parceria aparece como uma tentativa de reformados modos de ação do Estado (Bellon, 1994). Nessa perspectiva, oespaço local – espaço de vida e de ação coletiva – oferece umterreno de experimentação privilegiado. Mesmo se inúmeras in-certezas persistem, pode-se considerar que essas tendências cons-tituem um desafio importante para melhorar a contribuição doensino técnico e da formação profissional à realização dos objeti-vos sociais e econômicos da sociedade. A parceria tem, assim, vo-cação para se desenvolver como um novo modo de coordenaçãodos sistemas e políticas de ensino técnico e formação profissional.

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David Atchoarena é especialista de programas no IIPE. Nessacondição, participa, há vários anos, das atividades de pesquisa doinstituto no domínio do ensino técnico e da formação profissional.Ele é autor de várias publicações sobre esse tema, notadamenteFinancement et régulation de la formation professionelle: une analysecomparée, IIPE/Unesco, 1994, e Financing vocational education:concepts, examples and tendencies, IIPE/Unesco, 1996.

NOTA SOBRE O AUTOR