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Legislação, Políticas e Influências Pedagógicas na Educação Infantil Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3 Brasília, janeiro de 2005

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Legislação, Políticas eInfluências Pedagógicas

na Educação Infantil

Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3

Brasília, janeiro de 2005

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Edições UNESCO

Conselho Editorial da UNESCO no BrasilJorge Werthein

Cecilia BraslavskyJuan Carlos Tedesco

Adama OuaneCélio da Cunha

Comitê para a Área de EducaçãoAlvana Bof

Candido GomesCélio da Cunha

Katherine GrigsbyMarilza Machado Regattieri

Os autores são responsáveis pela escolha e apresentaçãodos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas,

que não são necessariamente as da UNESCO, do Banco Mundiale da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, nem comprometem as Organizações.

As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livronão implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCOa respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região

ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.

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Legislação, Políticas eInfluências Pedagógicas

na Educação Infantil

Série Fundo do Milênio para a Primeira InfânciaCadernos Pedagógicos – volume 3

Organização: OMEP

F U N D A Ç A OMAURICIO SIROTKY SOBRINHO

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Organização: Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar – OMEP, Brasil

Coordenação: Maria Helena Lopes

Elaboração:Pedro Demo, Marise Campos, Nara Joyce Wellawsen Vieira, Patrícia Fernanda Carmen

Kebach, Leoberto Brancher

Colaboração: Maria da Graça Souza Horn, Vital Didonet

Revisão Técnica:UNESCO (Alessandra Schneider),

Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (Alceu Terra Nascimento,Jéferson dos Santos, Márcio Mostardeiro)

Revisão: Ana Maria Marschall, Marise Campos

Capa:Edson Fogaça

Projeto Gráfico e Edição de Arte:Estúdio ADULTOS e CRIANÇAS CRIATIVAS

© UNESCO, 2005

Legislação, Políticas e Influências Pedagógicas na Educação Infantil. – Brasília: UNESCO, Banco Mundial, Fundação Maurício

Sirotsky Sobrinho, 2005. 72 p. – (Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos; 3)

1. Educação infantil – Ensino de Ciências 2. Ensino de Ciências 3. Educação Pré-escolar – Ensino de Ciências I. UNESCO II. Série

CDD 372

BR/2005/PI/H/4

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Apresentação ........................................................................................................... 7

Introdução ............................................................................................................... 9

Aspectos legais da educação infantil ...................................................................... 11Marise Campos

Maus-tratos na infância: desamarrando as correntes da violência ........................... 19Leoberto Narciso Brancher e Taiana Brancher Coelho

Política social da infância ....................................................................................... 31Pedro Demo

Discriminações, preconceitos e etnias .................................................................... 39Marise Campos

A inclusão e a diversidade: crianças com necessidades especiais ........................... 47Nara Joyce Wellausen Vieira

Teorias e influências pedagógicas em educação infantil .......................................... 61Patrícia Fernanda Carmen Kebach

Sumário

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Apresentação

O novo ordenamento legal, inaugurado pela Constituição Federal de 1988, assegura à criançabrasileira o atendimento em creche e pré-escola e, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional, em 1996, a Educação Infantil passa a ser definida como a primeiraetapa da Educação Básica. Essa importante conquista nacional reitera um dos postulados daDeclaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, no ano de 1990, de que aaprendizagem ocorre desde o nascimento e requer educação e cuidado na primeira infância.

Nas últimas décadas, várias pesquisas têm demonstrado que os primeiros seis anos de vidade uma criança se constituem em período de intenso aprendizado e desenvolvimento, em quese assentam as bases do “aprender a conhecer”, “aprender a viver junto”, “aprender a fazer” e“aprender a ser”. O atendimento educacional de qualidade, nessa fase da vida, tem umimpacto extremamente positivo no curto, médio e longo prazo, gerando benefícioseducacionais, sociais e econômicos mais expressivos do que qualquer outro investimento naárea social. Melhor desempenho na escolaridade obrigatória, menores taxas de reprovação eabandono escolar, bem como maior probabilidade de completar o ensino médio foramobservados entre os que tiveram acesso à educação infantil de qualidade, quando comparadosaos que não tiveram essa oportunidade. A freqüência a instituições de educação infantil afetapositivamente o itinerário de vida das crianças, contribuindo significativamente para a suarealização pessoal e profissional.

Esse reconhecimento levou as nações a assumirem em Dacar, em 2000, entre os compro-missos pela Educação para Todos, a meta de ampliar a oferta e melhorar a qualidade daeducação e dos cuidados na primeira infância, com especial atenção às crianças em situaçãode vulnerabilidade. Essa é uma das seis metas expressas no Marco de Ação de Dacar, do qual oBrasil é um dos signatários, sendo a UNESCO a instituição das Nações Unidas que tem, entresuas atribuições, a de apoiar os países no cumprimento dessa agenda.

Em 2003, a Representação da UNESCO no Brasil, o Banco Mundial e a Fundação MaurícioSirotsky Sobrinho firmaram parceria para a realização do Programa Fundo do Milênio para aPrimeira Infância em alguns estados do País. Esse desafio foi lançado pelo Banco Mundial eprontamente acolhido pela UNESCO e pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, que com-partilham a firme convicção de que garantir uma educação de qualidade desde os primeirosanos de vida é um dos mais importantes investimentos que uma nação pode fazer.

O Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância tem como principal objetivo a qualifica-ção do atendimento em creches e pré-escolas, preferencialmente da rede privada sem fins

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3

lucrativos, isto é, de instituições comunitárias, filantrópicas e confessionais que atendem crianças emsituação de vulnerabilidade social. A principal estratégia do programa é a formação em serviço dosprofissionais de Educação Infantil, considerando que a qualificação do educador é reconhecidamenteum dos fatores mais relevantes para a promoção de padrões de qualidade adequados na educação,qualquer que seja o nível, a etapa ou a modalidade. No caso da Educação Infantil, em que oprofissional tem a dupla responsabilidade de cuidar e educar bebês e crianças de até seis anos, suaformação é uma das variáveis que maior impacto causa sobre a qualidade do atendimento.

A série Fundo do Milênio para a Primeira Infância – Cadernos Pedagógicos constitui-se emimportante recurso à formação continuada dos educadores. Seus quatro volumes, a saber, Olha-res das Ciências sobre as Crianças; A Criança Descobrindo, Interpretando e Agindo sobre oMundo; Legislação, Políticas e Influências Pedagógicas na Educação Infantil e O Cotidiano noCentro de Educação Infantil, apresentam as principais temáticas relativas à aprendizagem e aodesenvolvimento infantil.

Pretende-se, portanto, que o presente volume e os demais dessa série constituam-se em importanteferramenta de trabalho para os profissionais da área de Educação Infantil, proporcionando o acesso anovos e atualizados conhecimentos, a reflexão crítica e a construção de práticas inovadoras àqueles quetêm em suas mãos a difícil e apaixonante tarefa de educar nossas crianças.

Desejamos, ainda, compartilhar essa realização com a Organização Mundial de EducaçãoPré-escolar (OMEP – Porto Alegre), reconhecendo sua colaboração inestimável, e com os Empre-endedores Associados ao Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância, que comungamconosco a visão de que os primeiros anos de vida valem para sempre e de que a educação dequalidade, desde a mais tenra infância, é fundamental para a construção de um Brasil maisdesenvolvido, mais humano e socialmente mais justo.

Vinod ThomasDiretor do Banco Mundial no Brasil

Jorge WertheinRepresentante da UNESCO no Brasil

Nelson Pacheco SirotskyPresidente da Fundação

Maurício Sirotsky Sobrinho

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Cadernos Pedagógicos – volume 3 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

Convidamos todos vocês a percorre-rem conosco um espaço muito importan-te, que chamamos “Edução Infantil”. Sãocaminhos que passam por diversas abor-dagens dos conteúdos de Educação Infan-til, oferecendo aos educadores váriaspossibilidades de despertarem para asensibilidade e a sabedoria das crianças.

É um trajeto interessante, vivo ecomprometido com a reflexão inteligente,com a disposição afetiva e com o desejode tentar vencer os obstáculos.

Nosso veículo será a leitura de algunstextos importantes, que terão como centroa Educação Infantil e as ações e vivênciasque podemos realizar com nossas crian-ças. Muitos desses assuntos já são conhe-cidos, mas uma releitura sempre traznovidades, assim como uma viagem emboa companhia. Na busca do melhorconvívio possível, vamos nos envolver emreflexões sobre algumas teorias importan-tes, que nos auxiliarão a repensarmosmelhor as práticas com as crianças.

Para que isso se torne realidade, temosque aprender a observá-las e a ouvi-las,pois, quando se expressam, querem sem-pre nos contar coisas e nos questionar.

Que mundo é este que nos recebe?Como são as pessoas? O que é a natureza?

Quem sou eu? E muito mais. Diante detoda essa curiosidade, dessa avidez peladescoberta, pela surpresa e pela alegria, ascrianças abrem-se como pequenos“girassóis”, receptivas a tudo e a todos,buscando a riqueza da luz. Ao recebê-las,o que precisamos é redescobrir com elas oser poético, a espontaneidade, a capacida-de de filosofar sobre as coisas e reco-nhecer suas diferenças e peculiaridades.

Assim, elas nos sensi-bilizarão ao retorno ànatureza, à alegria dojogo, do brincar e dapoesia. Nós lhesdaremos a certeza deque trabalharemos peladefesa de seus direitos.

Por elas, abriremos o livro da históriae das tradições. Partilharão conosco domundo, serão também artífices damanifestação cultural e construtoras desua própria história.

Com elas, construiremos um futuromais feliz, porque através do deslumbra-mento de seu olhar reencontraremos apureza de nossa alma e a certeza doprofundo e transcendente milagre da vida.

Contamos com a parceria de todosnessa desafiadora aventura pelo espaçomuito especial que envolve a criançaque nos é confiada na maior partede seu dia.

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Assim como nos jogos as regrasdefinem os passos e os limites de cadaparticipante, também no convíviosocial existe a força das leis paraorganizar as relações sociais, os direitose os deveres de cada indivíduo.

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Cadernos Pedagógicos – volume 3 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

spectos Legais

da Educação Infantil

Marise Campos

Criança – prioridade absoluta –deve estar entre os primeiros cidadãosa serem atendidos. Por outro lado,devem estar entre as últimas a serematingidas pelos erros e negligênciasdos adultos.

IndividualidadeA criança tem direito a um nome e a

uma nacionalidade desde seu nascimento.

SaúdeA criança tem direito à alimentação,

moradia, lazer e serviços médicosadequados.

Proteção especialA criança prejudicada física e mental-

mente deve receber tratamento, educaçãoe cuidados especiais. A criança devecrescer amparada por seus pais e sob suaresponsabilidade, num ambiente de afetoe de segurança.

EducaçãoA criança tem direito à educação

gratuita e obrigatória, ao menos nasetapas elementares.

PrioridadeA criança, em todas as circunstâncias,

deve estar entre os primeiros a receberproteção e socorro.

ProteçãoA criança deve ser protegida contra

toda forma de abandono e exploração.Não deverá trabalhar antes de umaidade adequada.

IgualdadeA criança deve ser protegida contra

práticas de discriminação racial, religio-sa ou de qualquer índole.

LiberdadeA criança deve ser educada num espíri-

to de compreensão, tolerância, amizade,fraternidade e paz entre os povos.

Declaração Universal dos DireitosHumanos

Artigo 1º – Todos os seres nascem livres eiguais em dignidade e em direitos. Dotados derazão e de consciência, devem agir uns paracom os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 26:1 - Toda a pessoa tem direito à educação...2 - Educação deve visar à plena expansão

da personalidade humana e ao reforço dosdireitos do homem e das liberdadesfundamentais...

Declaração Universal dos Direitos daCriança, aprovada pela ONU em 20 denovembro de 1959

VidaA criança deve ter condições para

desenvolver-se física, mental, moral,espiritual e socialmente, com liberdade edignidade.

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3

Diante da importância dessasdeclarações, que visam a garantir apreservação dos direitos da criança quevêm sendo conquistados ao longo dostempos, vamos destacar algumas dasconquistas já institucionalizadas.

O documento que deu legitimidade àEducação Infantil foi a ConstituiçãoFederal, reescrita e promulgada em 1988,a partir da qual começou a ser reconhecidacomo direito fundamental da criança ecomo dever do Estado, sendo definida noartigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade,o direito à vida, à alimentação, àeducação, ao lazer, à profissionalização,à cultura, à dignidade, ao respeito, àliberdade e à convivência familiar ecomunitária, além de colocá-los asalvo de toda forma de negligência,discriminação, exploração, violênciae opressão.

Em 1990, foi aprovado o Estatuto daCriança e do Adolescente (ECA), quetrouxe uma série de avanços esclare-cendo sobre a qualidade e o tipo detratamento que deve ser dado à infân-cia e à adolescência.

Com o ECA, fica assegurado quetodas as crianças e adolescentes têmdireitos e deveres, os quais devem sercumpridos e respeitados por força de lei.

Também ficou estabelecida a políticade atendimento para todas as crianças doBrasil, e não somente às crianças carentesou infratoras.

O Estatuto prevê a criação, em cadamunicípio do país, de um ConselhoMunicipal de Defesa dos Direitos daInfância e da Adolescência, com oobjetivo de definir a política municipalde atendimento e fiscalizar as entida-des que a executam.

Para viabilizar o cumprimento doECA, foram criados os ConselhosTutelares, que são os órgãos responsáveispelo atendimento dos casos em queocorra a violação dos direitos da criançae do adolescente.

O Conselho Tutelar tem o poder deaplicar medidas e requisitar serviçospúblicos, como falta de vagas em cre-ches e escolas infantis, entre outros, paraque o poder público cumpra seu dever.

Ainda para fazer cumprir o que deter-mina a lei, o Ministério Público, comoentidade pública autônoma, pode seracionado para defender o cidadão, oregime democrático e os interesses soci-ais. Ele faz a lei acontecer, a partir dafigura do seu representante maior, que é oPromotor da Infância e da Juventude. Eledeve acompanhar todos os procedimentosque envolvam risco para a criança e oadolescente, por exemplo: destituição dopátrio poder, tutela, adoções, etc.

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O Ministério Público também acom-panha as orientações dadas pelos gover-nos, para o encaminhamento de criançasem situação de risco, e avalia o atendi-mento oferecido tanto nessas questõescomo nos problemas relativos à área deeducação.

Desse modo, sua função é garantirtodos esses direitos na sociedade, colabo-rando de maneira eficaz para a melhoriada qualidade dos serviços prestados pelasinstituições de Educação Infantil.

Seguindo essa trajetória de avançosna Legislação, que garante os direitos das

crianças, destaca-se na área da educaçãoa Lei de Diretrizes e Bases para aEducação Brasileira (LDB), promulgadaem 1996, sob nº 9.394/96, no Artigo 29,que coloca a Educação Infantil em seupatamar de importância social. O atendi-mento de crianças de 0 a 6 anos passa achamar-se Educação Infantil, constitui-secomo a primeira etapa da EducaçãoBásica e tem por finalidade o desenvolvi-mento integral da criança, em seus as-pectos físico, psicológico, intelectual esocial, complementando a ação dafamília e da comunidade.

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3

Assim, a creche e a pré-escola, queabrangem dois níveis, adquirem umafunção de complementação junto àeducação familiar, perdendo o caráterassistencial em substituição à família,como foi muitas vezes entendido.

Agora a creche, que abrange criançasde 0 a 3 anos, e a pré-escola, que abrigacrianças de 4 a 6 anos, devem desenvol-ver ações conjuntas com a família e acomunidade, em defesa da criança e deseu pleno desenvolvimento.

A Resolução nº 1 do Conselho Nacionalde Educação, de abril de 1999, institui osPrincípios Norteadores da EducaçãoInfantil para todo o território nacional.São eles:

– Princípios éticos da autonomia, daresponsabilidade, da solidariedade e dorespeito ao bem comum.

– Princípios políticos dos direitos edeveres da cidadania, do exercício dacriticidade e do respeito à ordem democrá-tica.

– Princípios estéticos da sensibilidade,da criatividade, da ludicidade e dadiversidade cultural.

Para que essas finalidades sejamatingidas, a LDB também determina queas instituições de Educação Infantildeverão ter um plano pedagógico.

Para a elaboração desse plano pelos

educadores, é exigido que estes tenham,no mínimo, a formação em nível médio,na modalidade normal, com especializa-ção em Educação Infantil e, sempre quepossível, com formação superior.

Para os que já trabalham em creches epré-escolas, deve ser oferecida a formaçãoem serviço, a supervisão e a qualificaçãode todos os funcionários.

Os Conselhos Estaduais de Educa-ção são os órgãos que definem asexigências e os critérios para aqualificação e para o exercício dafunção.

Fica determinado na LDB que, atéo final da Década da Educação, em2007, todos os educadores deverãoestar habilitados na forma da lei.

A LDB também delibera quanto àcriação do Conselho Municipal deEducação, determinando que todomunicípio brasileiro tenha o seuconselho, cabendo a ele a responsabili-dade do atendimento educacional àscrianças de 0 a 6 anos.

Em síntese, os sistemas de ensinoestão subordinados aos governos, ouseja, ao Poder Executivo, nos Estados eMunicípios, e ao Presidente, no âmbitoFederal, tendo todos eles responsabi-lidade com a educação.

No entanto, cabe ao Município

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regulamentar a Educação Infantil quan-do tiver sistema de ensino próprio.Quando isso não contecer, a responsabi-lidade cabe ao Estado.

A União deverá participar oferecen-do apoio técnico e financeiro aos Esta-dos e Municípios.

Para viabilizar a Legislação daEducação Brasileira, o GovernoFederal instituiu, em 9 de janeiro de2001, o Plano Nacional de Educação(PNE), com validade para 10 anos.

Esta foi uma grande conquista sociale, para que se tornasse efetivamenteuma conquista, foram estabelecidosalguns padrões que garantam aqualidade no atendimento à criança.

Entre estes, destacamos a organizaçãodos espaços, a seleção de equipamentos,materiais pedagógicos e condições desaneamento, etc. Há também o estabele-cimento das diretrizes curriculares, ametodologia e a disponibilidade de pro-fessores e profissionais habilitados epreparados para assumir o atendimentode crianças.

Em 1995, o Ministério da Educação edo Desporto, através da Secretaria deEducação Fundamental, estabeleceu oscritérios fundamentais para o atendimentoem creches, prevendo que respeitem osdireitos fundamentais das crianças. Foiuma iniciativa que enfatizou a importância

da Educação Infantil na defesa dos direitosdas crianças, como vemos a seguir.

• Nossas crianças têm direito à brincadeira.• Nossas crianças têm direito à atençãoindividual.• Nossas crianças têm direito a umambiente aconchegante, seguro eestimulante.• Nossas crianças têm direito ao contatocom a natureza.• Nossas crianças têm direito à higiene eà saúde.• Nossas crianças têm direito a umaalimentação sadia.• Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidadede expressão.• Nossas crianças têm direito ao movimentoem espaços amplos.• Nossas crianças têm direito à proteção,ao afeto e à amizade.• Nossas crianças têm direito a expressarseus sentimentos.• Nossas crianças têm direito a umaespecial atenção durante seu período deadaptação à creche.• Nossas crianças têm direito a desenvol-ver sua identidade cultural, racial e religiosa.

Para finalizar, ao tomarmos conheci-mento de todo esse respaldo legal àEducação Infantil, podemos dizer que jáexiste um terreno firme a pisar, mas umcaminho ainda longo a percorrer, paraque a Educação Infantil torne-se, naprática, um ideal alcançado em todas assuas instâncias.

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3

Diante disso, “fica decretado” queagora vale o esforço de todos, legislado-res, educadores e sociedade civil organi-zada, trabalhando com entusiasmo embusca da plena realização profissional eda legítima felicidade para as criançasbrasileiras.

Referências BibliográficasBRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Resolução 55/1995. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e doAdolescente.BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.Lei nº 9.394/ 1996.BRASIL. Resolução nº 1/1999. Conselho Nacional deEducação.BANDIOLI, Anna; MANTIOVANI, Susanna. Manual deeducação infantil da criança de 0 a 3 anos. Porto Alegre:Artmed, 1998.FARIA, Ana Lucia Goulart; PALHARES, Marina Silveira.(Orgs.). Educação Infantil pós-LDB: rumos e desafios. SãoPaulo/Campinas: Editora da UFSCar, Editora AutoresAssociados, Faculdade de Educação da UNICAMP, 2000.HORN, Maria da Graça. Sabores, cores, sons e aromas: oespaço de educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.CARMO, Paulo Roberto do; FIGUEIREDO, Vilmar deSouza. A revolução das aprendências. São Leopoldo: EditoraUnisinos, 2000.

Ilustração: Estúdio CRIANCAS CRIATIVAS / Gian Calvi

Fica decretado que agora vale averdade, agora vale a vida e

de mãos dadas, marcharemostodos pela vida verdadeira.

O Estatuto do Homem – Artigo I, Thiago de Mello

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

Após a Segunda GuerraMundial, devido ao abandono deuma infinidade de crianças órfãs,inicia-se um movimento de defesada idéia da criança como portado-ra de direitos.

• Leia atentamente a Declaração dosDireitos da Criança e comente:

– a atualidade dos Direitos da Criançadeclarados em 1959 e/ou a necessidadede acrescentar mais direitos à criança;

– a realidade brasileira e a qualidadede vida das crianças no que diz res-peito à saúde, à educação e à prote-ção. Faça uma pesquisa em jornais erevistas sobre a situação da infânciaem nosso país. Anexe as informa-ções/os artigos ao trabalho parailustrar os seus comentários.

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• Entreviste a direção de um CentroInfantil buscando informações sobre alegitimidade e a aplicabilidade das leisque garantem à criança o direito àeducação.

• Escreva com seus colegas umacarta ao Prefeito de seu município e àsdemais autoridades responsáveis pelainfância, na área da educação, dasaúde e da assistência social. Soliciteinformações sobre:

– a oferta de vagas em creches e escolaspara crianças de 0 a 6 anos. Todas estãosendo atendidas? Como?– os postos de saúde e a oferta de vacinas;– a proteção às famílias e à maternidade;– a implantação e o funcionamento doConselho da Infância e da Adolescênciae do Conselho Tutelar.

• Pesquise na Secretaria Municipal deEducação sobre a legislação municipal eestadual que orienta a prática pedagógicanos Centros Infantis do seu município.

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aus-tratos

na Infância:Desamarrando as correntes da violência

Leoberto Narciso Brancher e

Taiana Brancher Coelho

Este texto foi elaborado por doisautores: Leoberto, que é Juiz da Infância eda Juventude, e Taiana,que é psicóloga, mestreem educação, quetrabalhou com vítimasde violência domésticaem abrigos e no con-sultório. Propomosfazer desses minutos deleitura um bate-papoentre colegas. Para isso,vamos contar umpouco do que vimosno nosso trabalho erefletir sobre o que issonos ensina.

A Justiça da Infân-cia e da Juventude é uma espécie depronto-socorro aonde chegam as crian-ças “acidentadas” pelos abusos. É comose fosse um “fim da linha”. São comunsos casos de maus- tratos contra criançase adolescentes, que contam e trazem nocorpo as marcas de histórias arrepiantes,de uma crueldade incrível. Além deajudar essas pequenas vítimas e lamentar

que esses fatos continuem acontecendo,consideramos importante fazer um alertapara quem, como você, está no “começo dalinha” e pode ser um herói ou uma heroínada prevenção.

Na minha experiência como Juiz daInfância (Leoberto), o primeiro caso quejulguei foi o de uma menina de 3 anos,morena, cabelos pretos, lisos, olhos

pretos saltando dasórbitas... com umbracinho quebrado e ocorpo todo queimadocom pontas de cigarro.Depois houve duasmeninas, de 4 e 6 anos, aquem um tio de 20 epoucos tentou, pasmem,estuprar. Imagine umamãe drogadita, de 17anos, que dava “cheiri-nho da loló” para o bebêde 6 meses parar dechorar... Ou uma meninade 9 anos usada, entreoutras coisas, para

sessões grotescas de fotografias pornográ-ficas. Ou uma garota de 15 anos que já seacostumara, desde os 11 anos, a ser “amulher” do pai, o que parecia normal atodos na família... Um dos relatos maischocantes, talvez, tenha sido o da mãeque contou que o filho nasceu com umafratura no crânio, porque ela levara umchute na barriga durante a gestação.

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Mas o pior é saber onde muitas dessashistórias vão terminar. Também fui juizdos jovens presos na FEBEM, e muitasdessas histórias continuam até lá...Depois de muito sofrimento e maus-tratos enquanto pequenos, quando sen-tem a força no próprio corpo, grandeparte deles não saberá agir diferente doque aprendeu. Esses jovens só sabemfalar a linguagem da violência, únicaatravés da qual aprenderam a secomunicar. Parece haver uma correnteaprisionando-os: sofrem, fazem sofrer,sofrem, fazem sofrer... E toda a sociedadeestá aprisionada a essa corrente que,embora possa ser desamarrada pelonosso cuidado e carinho quando asvítimas são pequenas, depois que suasconseqüências estão estruturadas, ne-nhum tropa de choque poderáarrebentar.

A corrente é mais ou menos assim:sem que percebamos, como violênciagera violência, o ambiente de casa ficatão ruim que, tão logo ficam grandinhoso suficiente (isso varia de idade, ostamanhos você pode ver nas esquinas dasua cidade!), começam a ficar a maiorparte do tempo nas ruas, local ondenasce a oportunidade para a drogadiçãoe daí o crime (no caso dos meninos),assim como para a prostituição (no caso

das meninas).1 E provavelmente tudocomeçou quando ainda estavam nacreche!

A propósito: já lhe ocorreu perguntar auma prostituta sobre sua iniciação sexu-al? A freqüência com que aparecerãocasos de abuso seguidos de incompre-ensão e “expulsão” do lar é impressio-nante!

E onde os elos dessa corrente podemser desamarrados, ou seja, essa cadeia deviolência desarmada???

Certamente, é nos primeiros momen-tos em que os maus-tratos começam aacontecer. E um ambiente familiarviolentador se revela muito cedo, desdeque saibamos ler seus sinas. Por isso,salienta-se a importância do papel dequem cuida de crianças fora de casa. Amaior parte das violências ocorremdentro da própria família, mas a maiorparte do tempo as crianças estão nascreches. Isso nos deixa esperançosos depoder fazer algo para diminuir essequadro tão dramático.

Observando melhor esses sinais, osespecialistas ensinam que os maus-tratospodem ser de diversos tipos, comumenteorganizados em quatro tipos. Estamosacostumados com os mais aparentes,

1 Enquanto os meninos maltratados acabam no crime, a maior parte das meninas vai para a prostituição (a média de meninas presas pelaprática de crimes no Rio Grande do Sul aponta isso: cerca de 95% são rapazes, ao passo que apenas 5% são meninas). Ou arranjamalgum tipo de sobrevivência em que o corpo é a “moeda de troca”, por exemplo, aos 13 anos “casam” com companheiros mais velhos.

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aqueles que deixam marcas visíveis nocorpo: os maus-tratos físicos2 e certoscasos de abusos sexuais3. Contudo,existem outros tipos de violência, maisdisfarçados, que também entram nessacategoria. Até os abusos sexuais podemocorrer sem deixar seqüelas físicas, oque não diminui a perversidade e agravidade das marcas psicológicas de umabuso que ocorre, muitas vezes, demaneira inocentemente consentida,quando a criança é objeto de carícias ouaté de um olhar obsceno, servindo para asatisfação sexual do adulto. Às vezes,assumem formas tão disfarçadas quenem sequer notamos. Há também oscasos de abusos e maus-tratos psicológi-cos4. Estes, se não marcam o corpo,marcam fundo na alma, e essas marcasnão são menos danosas, pois as experi-ências da infância, especialmente arelação com os cuidadores maispróximos, é que formarão a pessoa. Osmaus-tratos psicológicos podem vir naforma de humilhações ou discrimina-ções, de um jeito de falar com a criança

que a desqualifica, provocando-lhesofrimento: “Saí daí, seu bosta”, ou “Nãodisse que você é burro?”. As criançasbuscarão ser aquilo que lhes disseramque eram: se forem chamadas de nomespejorativos, acreditarão nisso.

2 Segundo estudos do Laboratório de Estudos da Criança (LACRI), coordenados pela Dra. Maria Amélia de Azevedo, na USP, aviolência física doméstica implica o emprego de força física no processo disciplinar de uma criança ou adolescente, tambémentendida como qualquer ato disciplinar que atinja o corpo de uma criança.3 Segundo a Associação Brasileira Multiprofissional de Projeto a Infância e Adolescência (ABRAPIA), a violiência sexualimplica o abuso de poder no qual a criança ou o adolescente são utilizados para gratificação sexual de um adulto, sendoinduzidos ou forçados a práticas sexuais com ou sem violência física.4 Segundo o LACRI, a violência psicológica pode dar-se em forma de ameaças de abandono, depreciação e bloqueio dosesforços infantis de auto-aceitação, causando grande sofrimento mental à criança.

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A negligência5 consiste em não propor-cionar à criança aquilo de que ela precisapara crescer saudável, ou seja, carinho eatenção, alimentos, cuidados com a higie-ne, cuidados médicos preventivos (comoas vacinas), acompanhamento pré-natal,idas ao posto de saúde e ao dentista.Quem trabalha com educação infantil sabeo quanto as creches podem perceber acriança abandonada, suja, com piolhos, osbebês com graves assaduras, ou comferidas e problemas de pele ocasionadospela falta de cuidados básicos.

Muitas vezes, isso acontece peladesinformação, pela pobreza, mas sabe-mos de casos em que se acentua pelodescaso, ou até por maldade e perversão.É muito importante chamar as famíliaspara a escola, conhecer sua realidade,onde vivem, quais as condições psicoló-gicas que possuem para exercer umamaternidade e uma paternidade respon-sáveis, e começar a pensar junto comprofessores, auxiliares, técnicos e direçãoem educação para as famílias, emprevenção. As mães precisam saber deseus direitos trabalhistas, o que lhespermite faltar ao serviço para cuidar dofilho doente, por exemplo. Há mães quemaltratam os filhos porque jáincorporaram desvios de caráter – talvezaté por sofrimentos vividos na infância – ehá mães que viveram um momento de

desespero, mas que querem e podemfazer diferente, se puderem ser ajudadas,se encontrarem na escola também apoio,e não um lugar em que só são chamadaspara ouvir com palavras mais refinadasque “seu filho não presta”.

Nem sempre vamos enxergar as coi-sas tão claras, como um pai bolinando osmamilos da filha, ou mesmo, o que émais comum, uma mãe “descascando ocabo da vassoura” num bebezinho. Essesfatos costumam acontecer entre quatroparedes. E depois as crianças escondem.Elas sabem que há algo errado, ou estãoameaçadas pelos mais velhos, ou têmmedo de que a notícia se espalhe e seprotegem não contando. Às vezes, elasnão entendem direito o que está aconte-cendo, são seduzidas e pensam estaragindo “porque também querem” eapenas mais tarde, na pré-adolescência,vai ocorrer o trauma, o susto, odesespero de uma experiência abusivana infância, que se define exatamenteporque as partes envolvidas não têm amesma condição para compreender o queestá acontecendo, mesmo que aparente-mente tenha havido um “acordo”.

Atendi (Taiana) uma garota abusadapelo padrasto e pelo irmão mais velho,do que resultou uma gravidez aos 12anos, sendo que ela nem se percebia

5 Segundo o LACRI, a negligência é a omissão em termos de prover as necessidades físicas e emocionais de umacriança ou adolescente, constituindo-se numa falha que não é o resultado das condições de vida além do controledos adultos responsáveis.

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grávida, pois não sabia de onde vi-nham os bebês. Já adolescente, tentousuicídio diversas vezes, em meio acrises depressivas gravíssimas, sem tero apoio da mãe, tentando encontrarreferências afetivas nos abrigos6, bus-cando ao longo dos anos encontrarmotivos para viver, com o peso de umsentimento de culpa insuportável.

Muitas vezes, pode existir umarelação de cumplicidade entre a pessoaque maltrata e a pessoa que sofre. Oabusador parece tão poderoso para avítima, que ela passa a vê-lo como al-guém que poderia até fazer muito maismaldades consigo, e só não faz porque– acredite! – é bonzinho! Ou seja, elanão admite uma realidade dolorosademais, pois seria insuportável.

Veja o que disse para o juiz umaadolescente que era forçada a manterrelações sexuais com o seu pai: “...Eu meespremia e chorava, mas ele nunca deubola pra isso. Daí teve um dia que eleme forçou a abrir as pernas, sabe, aí eucomecei a chorar, daí ele pegou e paroue me xingou, assim, sabe... quando elefica irritado comigo, mas não me bateu,porque ele não queria fazer isso, né? Aí,aí ia ser malvado demais...”

Por meio desse relato, diante de tanta

6 Medida de proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 101).7 Violência conhecida como Síndrome do Bebê Sacudido.

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maldade já cometida, podemos imaginaro esforço que a menina estava fazendopara não desmoronar como pessoa! Sim,porque reconhecer que o próprio paiseria tão mau a ponto de ainda bater namenina seria difícil demais para ela! Esseexemplo pode parecer distante do queocorre com crianças pequenas, masinfelizmente os maus-tratos, ainda queenquadrados nas outras modalidades,também ocorrem com elas.

Existe um tipo de violência física quepode acarretar graves conseqüências nodesenvolvimento neurológico (lesõescerebrais, cegueira, atraso nodesenvolvimento e até a morte)provocadas por violentas sacudidas nacriança, geralmente em bebês numacrise de choro incontrolável7. Em bebês,

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as manchas nos bracinhos (marcas dededos) e no tórax, além de outrosmachucados (como, por exemplo, noslábios), podem ser evidências de maus-tratos. E o que é pior: quanto menores,menos condições terão de se proteger, dese defender, de pedir ajuda. Muitas vezes,nem sequer entendem que a vida não foifeita para serem maltratados.

Por isso, é importante aprendermos alidar com essas situações difíceis comserenidade e autoconfiança. Naturalidade ecompreensão é tudo de que a criançaprecisa para ficar à vontade com você eexpressar, pelas mais variadas formas delinguagem, o que está acontecendo com ela.

É como se você estivesse num jogo emque somente pudesse se comunicar comsinais. As coisas provavelmente nuncaserão ditas claramente, como numa conver-sa entre adultos maduros e responsáveis.Tudo dependerá muito da sua sensibilida-de, do seu jeito para ser meio “detetive”e da sua capacidade de entender ossinais que a criança transmitirá. Especial-mente quanto aos maus-tratos que nãodeixam marcas físicas, é difícil falar emsintomas típicos, mas quando há proble-mas com uma criança... sinal amarelo:pare e ouça, antes de prosseguir. Estabeleçaum vínculo com ela, converse com afamília. Quem é este pequeno? Como vive?O que faz quando não está na escola? Porquem é cuidado? Ele brinca com outrascrianças? Ele “se machuca” com muita

freqüência? Ele aprende? Ele confia naspessoas? Ele está apático ou agitadodemais? Enfim, pode haver sinais de quealgo não vai bem, e isso pode indicarvários tipos de dificuldades e conflitosintrafamiliares, entre eles a possibilidadede maus-tratos.

Primeiro, você precisa saber que essassituações não acontecem somente comos outros e que agora mesmo pode eprovavelmente está acontecendo muitoperto de você. Até mesmo é possívelestar acontecendo com as crianças quevocê ajuda a cuidar. Sem isso, talvezvocê possa nem acreditar que está diantede um sinal ou de um pedido de ajuda.

Segundo, você precisa prestar muitaatenção nos comportamentos, nos gestos,nas brincadeiras de cada criança. Sempreque a criança está sofrendo alguma formade maus-tratos, ela apresenta diferenças noscomportamentos. É provável que fiquemais briguenta ou “assanhada”, talveztentando fazer com outras crianças aquiloque estão fazendo com ela... Mas não seconfunda, pois uma certa dose deagressividade ou até de comportamentossexualizados não são anormais nainfância e, por isso, você não precisa verfantasmas por toda parte! O importante é,a qualquer suspeita, procurar ajuda.

Principalmente nos casos de maus-tratos psicológicos ou negligência, vocêprecisará ser ainda mais esperto ou

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esperta. É que essas situações tornam acriança mais passiva, mais discreta, maisescondida. Talvez ela não se mostrecapaz de acompanhar a turma nas ativida-des, ou pareça entristecida, ou atrasada.Isso também pode indicar que ela nãoestá sendo bem cuidada, ou que estásendo sujeita a exigências desproporcionaisà sua idade.

Então, qual seria o limite entre osmaus-tratos e as atitudes normais?

Sim, esse limite, muitas vezes, é bastante

sutil. Nem sempre ele está na ciência, masna cultura. Quer dizer, mesmo que ospediatras e psicólogos digam uma coisa, eque a lei diga isso também, as opiniões sedividem no dia-a-dia: muitos concordariamque uma palmadinha na hora certa, semmachucar, é um “santo remédio”... E outrosse arrependeram de não ter prendido maisem casa, até mesmo dando uns tapas senecessário, quando depois, adolescente, afilha apareceu grávida ou o filho apareceuviciado... É a questão do limite que tantaangústia provoca naqueles que têm a tarefa

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de educar. Como já dizia Freud, não háuma fórmula pronta; educar é sobretudouma questão de bom senso, de descobrir oponto ótimo entre a não-interferência e afrustração.

Sim, um abuso sexual todo mundosaberia reconhecer... Mas e um caso denegligência? O que dizer de um paiesforçado, que sai de casa ao amanhecerpara trabalhar em obra, enquanto a mãetambém sai para o seu emprego de do-méstica ainda cedinho, e deixa a meninade 8 anos cuidando dos outros quatroirmãos que tem 10 meses, 4, 5 e 7 anos???Será que isso é negligência ou necessidade,maus-tratos ou injustiça social?

Podemos discutir quem é negligentenesse caso e até mesmo culpar ogoverno pela falta de empregos, decreches, enfim, de tudo o que a criançaprecisa para crescer.

Pois bem: saiba que é aqui que come-ça a mudar a história. Aqui e agora, oque a criança precisa para crescer é devocê. Do seu carinho, do seu afeto, dasua atenção, do seu cuidado. Você nãoprecisa ter diploma de assistente socialpara ser interessada em ajudar asfamílias, nem ter diploma de advogadopara saber quando acontece umainjustiça. O seu bom senso é portador deuma sabedoria interna que lhe ensina o

que é certo e o que é errado. Por isso,primeiro, tenha olhos abertos para ler ossinais. Segundo, confie em você e emsua intuição. Lembre-se da sabedoriapopular: “onde há fumaça há fogo”.Desconfie e vá atrás de informações.Converse com outros colegas, observemjuntos mais atentamente ocomportamento da criança, procuremajuda, interessem-se em saber o queestá acontecendo com a sua família.

E, quando você identificar um caso demaus-tratos, lembre-se de que você é umherói de outros tempos, que não vai sairprendendo e arrebentando (até para não searrebentar junto!). Em tempos de cultura depaz, é preciso evitar que nossa intervençãotécnica reproduza novas violências. Háuma frase que diz “não corte o que pode serdesamarrado”. É mais ou menos isso.Queremos desamarrar as tramas daviolência e, para isso, não podemos sernovamente violentos, arrebentando-a! Porisso, é preciso muita sabedoria. É precisorefletir coletivamente, ouvir atentamentetodas as pessoas que poderão ajudar ouaconselhar, quando possível ouvir ospróprios envolvidos, medir cautelosamenteo impacto e os desdobramentos daintervenção e, enfim, não esquecer que,mesmo os mais odiosos abusadores, terãoem seus corações motivos insuspeitadospara estarem agindo assim. Se eles puderemser ajudados a compreender isso, talvezpossam curar-se de si próprios, o que será

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sempre mais proveitoso para a criança.

Você também tem de saber que nãoestará só nessa empreitada e não precisater medo de tomar a iniciativa.

Assim como é importante reconheceros sinais dos maus-tratos, já que eles po-dem revelar uma história não contada,também é importantíssimo compreenderonde você estará se movendo: paraescolher qualquer caminho que nãopercorreu antes, você precisa de um mapa!

Um mapa traz os desenhos das estra-das, das encruzilhadas, marca os lugaresonde você pode ou não pode dobrar, os

lugares onde você pode parar paradescansar, para abastecer, para pedirajuda, ou para olhar a paisagem!

E que mapa seria esse? Ele está escritono Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA), e todas as pessoas que trabalhamcom crianças precisarão aprender aentender essa lei que mostra oscaminhos para proteger e educar ascrianças.

Mas, além de um mapa, você preci-sa de uma bússola. E essa bússola estádentro de você: é o amor. O mais im-portante de tudo é não esquecer que épreciso ser amado para aprender aamar. E que os valores sempre sãoimpregnados de emoções e, sejam elesnascidos no amor ou na raiva, se trans-mitem de geração para geração. Ou,como diz a campanha da TV, “o amor

é a maior herança, cuide dascrianças”!

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Maria Amélia. Estudos doLaboratório da Criança (LACRI) naUSP. São Paulo, s.d.BRASIL. Estatuto da Criança e doAdolescente. Resolução nº 55/1995.Conselho Municipal dos Direitos daCriança e do Adolescente.FREUD, S. Novas ConferênciasIntrodutórias sobre Psicanálise (1932).Vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago,1980. p. 182.

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meia ficava esticada, e a mãe então teciasobre o buraco, para que a meiacontinuasse a ser usada... Isso até asnove horas, quando todo mundo ia paraa cama... Pois quando Cora Coralinaficou velha aconteceu com ela o queacontece com a pipoca. Pipoca é milhoduro, muito duro, não dá para mastigar.Mas, de repente, na gordura fervente,ele dá um estouro e vira uma coisacompletamente diferente, branca,macia, delícia de ser comida com sal.Pois Cora Coralina, depois de velha, derepente, deu um estouro, e a mulhercomum virou poeta. Escreveu poemaslindos, falando como era a vida. E elaconta que, naqueles tempos, os grandesse valiam do seu tamanho e da suaidade para maltratar as crianças, com adesculpa de que era necessário paralhes dar boas maneiras. Tive sorte. Meupai e minha mãe – seus bisavós – nuncame bateram. Mas havia pais e mães cujoprazer era fazer os filhos sofrer: davam-lhes surras com chinelos, cintas decouro e varas. Ainda hoje há muitos quefazem coisas assim com seus filhos. Sãopessoas doentes que nunca deveriam tertido filhos.

Rubem Alves – Quando eu era menino

Existem quatro tipos de violênciacontra a criança:

– violência física;– violência sexual;– violência psicológica;– negligência.

Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

...Havia também as dores, maldadesdos adultos: beliscões, palmadas,croques... Croque é assim: você fechaa mão e bate com a articulaçãopontuda e dura do pai-de-todos nacabeça da criança. Cora Coralina foiuma mulher que viveu em Goiás. Elaviveu a vida inteira vida comum demulher, fazendo o que faziam asmulheres do interior naqueles temposquando não havia nem televisão nemeletrodomésticos, máquinas que,segundo Mário Quintana, foramcriadas por causa da preguiça... Quemtem máquina não precisa fazer... Poisassim viveu Cora Coralina, sem tempopara a preguiça, cuidando da casa,varrendo, cozinhando, costurando,pregando botões, fazendo pães, roscase doces, cerzindo meias... Cerzindomeias! Ah! Vocês não sabem o que éisso! As meias, com o uso, ficavamesburacadas. Hoje meia esburacada éjogada fora. Nem mendigo aceita...Naqueles tempos não se jogava nadafora. O dinheiro era pouco. À noite,sem rádio ou televisão, as famílias sereuniam na sala para contar casos. Asmães, então, pegavam suas cestinhasde cerzir onde havia meias furadas,agulhas, linhas de várias cores e umovo de madeira! Para que o ovo demadeira? Enfiava-se o ovo de madeiradentro da meia até o lugar do furo, a

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• Faça uma análise comparativa dotexto acima com a violência sofrida pelascrianças nos dias atuais.

• Descreva cada uma das violências apartir da leitura e da interpretação dotexto.

• Faça uma análise comparativa dotexto acima com a violência sofrida pelascrianças nos dias atuais.

A discussão de uma proposta deatuação em relação aos maus-tratos éuma tarefa emergente.

O contrário seria aceitar, sob inúme-ras “desculpas”, a indiferença a esseproblema que vitimiza silenciosamentemilhares de crianças e adolescentes.

• Você conhece o Conselho Munici-pal da Criança e do Adolescente e oConselho Municipal de AssistênciaSocial de seu Município?

• Programe com seus colegas entre-vistas com os membros desses conse-lhos. Pergunte sobre a violência física,sexual, psicológica, a negligência e oabandono. Pergunte também quais têmsido os caminhos e as alternativas desolução que os Conselhos têm encontra-do para ajudar as crianças. Registre suasobservações e reflexões sobre a violênciainfantil.

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olítica Social da

Infância

Pedro Demo

Das Prisões e das IgrejasEsses meninos, de abrigos rotos,De pés descalços, não sabem não?Que os homens corremE o mundo é louco, e o tempo é poucopra compaixão.Esses meninos tão sem destinoSem pai, sem mãe, sem deus, sem vozAbandonados e deserdadosSão brasileiros iguais a nós

Entendo que “política social da infân-cia” significa o cuidado que a sociedadeprecisa ter com o direito da infância dedesenvolvimento integral e integrado. Écomposta de todas as políticas que dizemrespeito ao desenvolvimentointerdisciplinar e complexo da criança,conjugando adequadamente todas asnecessidades materiais e imateriais. ALDB consagrou a nomenclatura da “edu-cação infantil”, mas não poderia reduzir-se à pedagogia, tomando-se aí o conceitode educação como preparação amplapara a vida. Por isso, também é precisoentender conceitos mais ligados à educa-ção, como aprendizagem, conhecimento,currículo, etc., como acenos maisabrangentes, incluindo cuidados físicos

José Atanásio Borges Pinto e Dorotéo Fagundes

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com o crescimento, a alimentação, a integri-dade corporal, ao lado da formação dosujeito capaz de história própria, com algumdestaque para a ludicidade e outras formasde expressão próprias da criança. A impor-tância da política social da infância está, emprimeiro lugar, em seu caráter preventivo, jáque a qualidade da vida infantil condicionafortemente o desenvolvimento posterior.

Nada é mais trágico para o ser humanodo que nascer mal, crescer mal, não teramparo nos primeiros anos de vida, entrar nasociedade como excluído. Nesse sentido,nenhuma política social é mais “investimen-to” do que essa, porque cuida-se que apopulação tenha, desde o início na infância,as melhores condições para que seja capaz,não só de produzir, mas principalmente derealizar-se como pessoa humana. Infânciamal vivida detona o futuro da criança emtodas as direções, pois compromete suasaúde, seu aproveitamento escolar, suapreparação para a vida e para o trabalho, seuexercício profissional e sua longevidade,enfim, a qualidade de vida como tal. A noçãode “qualidade de vida” só faz sentido seplantada acuradamente sobre a qualidadeda infância.

Qual será a sorte, qual será o norteDesses meninos pré-marginaisQue às vezes dormem numa cadeiaE outras na escada das catedrais.

Esses meninos, ao pé da escadaOuvindo sinos a badalar

Vivem sozinhos seus descaminhosQue ninguém sabe onde vão chegar

Esses meninos, de abrigos rotos,De pés descalços, não sabem nãoQue os homens corremE o mundo é louco, e o tempo épouco pra compaixão.

Em segundo lugar, a política social dainfância transmite, de imediato, seu cunhointerdisciplinar e complexo, afastandoabordagens setorialistas parciais que, pelomenos em parte, foram já vituperadas naLDB com a designação de “educaçãoinfantil”, visando em particular a superar adistinção entre creche e pré-escola. Porcerto, isso é mais fácil de enunciar do quede realizar, a começar pela dificuldade deburilar o perfil do profissional de uma áreatão abrangente e exigente. Na verdade,não se pensa num profissional único,embora a designação oficial tenda a privi-legiar um profissional que poderia ter onome de “educador infantil”, mas queprecisa estar rodeado de muitos outrosvoltados para outras necessidades funda-mentais do desenvolvimento da criança.Assim colocadas as coisas, essa perspectivapoderia justificar o noção de “educaçãoinfantil”, porque permite, talvez mais queoutras, compor a orquestra de cuidadosque perfazem os direitos da criança. Detodos os modos, pesa sobre esse profissio-nal expectativa enorme, não só por sua

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absoluta” da Constituição (art. 227),cujo texto arrola os direitos da criança edo adolescente, ainda que sem atribuirfontes confiáveis de investimento. OEstatuto da Criança e do Adolescente(ECA) é resultado dessa legislaçãoconstitucional, mas, no mesmo eco, nãoconseguiu emplacar fundo específico(ficou voluntário), de recursos financei-ros, o que tem dificultado, por exemplo,a inclusão da Educação Infantil emesquemas de financiamento vinculado.Aqui está uma das batalhas mais incisi-vas: inventar “orçamento próprio” paraa causa da infância. Enquanto isso nãofor resolvido a contento, as perspectivascontinuarão líricas, à mercê da boavontade dos interessados ou dos necessi-

relativa novidade, mas principalmente pelaexigência de qualidade acadêmica. Já écomum o apelo interdisciplinar no espaçoacadêmico, porque reconhecemos que asdistinções de cursos específicos (e seus“departamentos”) são fantasias burocráti-cas, são especificações da realidade quenunca se deixa aprisionar por categoriasapenas lógicas ou funcionais. Sendo acriança fenômeno de transbordante com-plexidade, seu tratamento precisa res-peitar essa condição, evitando osreducionismos clássicos de políticassociais setorialistas.

Em terceiro lugar, a política socialda infância corresponderia à noçãofundamental da única “prioridade

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tados. Essa situação mostra claramenteque, apesar do belo texto constitucio-nal, não passou do “texto”, já que aimportância atribuída a qualquer políticase mede diretamente pelos recursos deque dispõe. Educação infantil nãopassa ainda de promessa vazia nogoverno federal.

Pelas favelas, pelas calçadasPelas escadas, esses meninosSão nazarenos de um tempo novoLevando as cruzes dos seus destinos

E passam homens fingindo pressaDesviando os olhos para não verQue esses meninos pelos degrausSão mundos maus a acontecer

Em quarto lugar, a política social dainfância resgata, desde que tenha qualida-de satisfatória, ponto de honra de qualquersociedade, se levarmos em conta que adignidade de toda sociedade se visualiza,acima de tudo, em como trata suas crian-ças. A sociedade precisa cuidar de todos oscidadãos, mas as crianças designamirreversivelmente o futuro da sociedade.Não pode haver imagem mais pejorativado que “criança de/na rua”, submetida àssevícias de um sistema predador que devora,nos alvores da existência, toda chance defuturo. Diz-se que a dignidade da socieda-de se mede em como trata suas crianças,seus deficientes e idosos, três categoriasque pleiteiam imenso cuidado coletivo.Contudo, parece nítido que as criançassão a referência mais sensível, porque as

outras categorias já possuem seu destinomais ou menos traçado, enquanto ascrianças estão à mercê dos outros emtodos os sentidos. Eis aí “buraco negro” denossa história de 500 anos.

Problema crônico no Estado brasileiroé a tendência setorialista, além deassistencialista, em particular nas políti-cas sociais. A idéia recente de ajuntar numlugar só as políticas assistenciais, dandoorigem à noção de “bolsa-família”, revelaessa lógica importante de comporesforços e recursos para atender a pessoaou a família como um todo, e não comopedaços ao léu.

O assistencialismo é praga que reservarestos para uma população que é resto,acenando agora com a exploração dovoluntariado, como se o confronto comtamanha desigualdade social pudesse serresolvido na esfera do voluntariado. “Coisapobre para o pobre” é o que temos feitoclassicamente, seja alegando que não hárecursos para todos, ou bastando-se comoprojetos-piloto que não passam de piloto,ou ativando e desativando programas, oupor conta da subserviência proverbial dapolítica social aos desígnios da economia.Ainda temos em mente o tempo da “cre-che domiciliar”, que, embora podendoacolher cá e lá formidáveis boas intenções,não deixava de esconder a manobratendencial da coisa pobre para o pobre. Osetorialismo frutifica principalmente noescamoteamento da referência econômicapara a política social: dividindo-se a políti-

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Cadernos Pedagógicos – volume 3 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

Esses meninos tão sem destinoSem pai, sem mãe, sem Deus,sem vozAbandonados e deserdadosSão rio-grandenses iguais a nós

Qual será a sorte, qual será o norteDesses meninos pré-marginaisQue às vezes dormem numa cadeiaE outras na escada das catedrais

A infância possui, em termos decidadania, característica muito própria,porque ainda não tem voz própria. Quisa biologia da vida que todosnascêssemos desamparados por comple-to. Sem o auxílio de outrem, não temoscomo sobreviver.

ca social em quinquilharias, pode-se gastarmenos, além de consagrar a subserviênciada política social ao mercado. Por exem-plo, é absolutamente inaceitável que oECA tenha formulado um tipo de políticasocial apenas social (mescla de assistên-cia, educação e cultura), deixando de ladoo compromisso da esfera econômica, doque redundou a inexistência de fundopróprio de recursos financeiros. É impra-ticável abordar adequadamente questãotão emaranhada e comprometedora,interdisciplinar e complexa, apenas comtextos bem declamados. Pode-se aceitarque o ECA representa avanço na legisla-ção, mas é tendencialmente apenasavanço verbal.

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3

empresas estão, acima de tudo, compro-metidas com o mercado e os lucroscrescentes, não com os direitos decidadania da população. A própria faltade mais de 10 milhões de empregos noBrasil revela cruamente que aresponsabilidade social das empresas éainda pequena. Há empresários compro-metidos, é claro, mas não será a regra,porque exercem sua liderança empresari-al em outro espaço, marcado pela con-corrência e pela produtividade. Empregoé apenas subproduto, dispensávelsempre que possível. Mesmo assim, hámanifestações importantes no sentido deerradicar o trabalho infantil, coibir aexploração sexual de crianças, mantercreches e instituições similares, etc. Tudoisso, todavia, não pode obscurecer anecessidade de compor uma políticasocial da infância pública e universal,algo que só pode ser bem manejado naesfera do Estado. Menos que reclamar doEstado, que tem sido tipicamente “coisapobre para o pobre”, é preciso organizar-se para impor-lhe o devido controledemocrático. A qualidade da políticasocial é diretamente proporcional àcidadania da respectiva sociedade.

Referências Bibliográficas

DEMO, Pedro. Educação pelo avesso: assistência como direito ecomo problema. São Paulo: Cortez, 2000.DEMO, Pedro. Política social, educação e cidadania. São Paulo:Papirus, 1994.

A cidadania da criança será conquistado adulto, algo que se poderia esperar emqualquer sociedade democrática, mas quepode esconder sempre algum presente degrego, já que é o adulto quem fala, não acriança. Essa cautela, porém, serve apenaspara questionar o risco possível, seminviabilizar iniciativas como de entidades dasociedade (ao estilo da OMEP), que assu-mem a causa da criança. Afinal, o fato deque os pais falem por seus filhos não precisasignificar sistemática traição dos filhos pelospais. Entretanto, o horizonte da cidadaniaprecisa ser tecido em duas faces. De umlado, está o lugar do Estado, imprescindívelpara políticas sociais de cariz universal,entre as quais deveria estar a política dainfância, não cabendo qualquer expectativade substituição do papel público estatal. Deoutro lado, está a sociedade organizada,que se organiza não para diminuir,desfazer ou substituir o Estado, mas para oqualificar. O papel de instituições como aOMEP é não apenas oferecer programas,mas principalmente exercer controledemocrático sobre o Estado, para que esteassuma seus compromissos constitucionaiscom a devida qualidade. Nesse contexto, ovoluntariado é figura fundamental, porquerepresenta a consciência crítica organizadaem prol do bem comum.

É possível falar de “responsabilidadesocial” das empresas, mas com extremocuidado, para que não se coloque araposa para cuidar do galinheiro. As

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Cadernos Pedagógicos – volume 3 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

Atividades de Estudoe Aprofundamento

Maria Helena Lopes

“O crime só saiu de mim quandofui tratado com carinho.”

Ex-interno da FEBEM

As crianças, nos dias atuais, têm seutempo de infância encurtado. Nasclasses abastadas, são freqüentementeassoberbadas com tarefas ecompromissos, com aulas de esportes,outros idiomas, etc. As mais pobresficam aos cuidados dos irmãos maisvelhos, de vizinhos ou abandonadas asua própria sorte. Muitos pais, pormotivos econômicos ou de desajusteemocional, não conseguem cuidar dosfilhos. Vítimas também de umasociedade desajustada, muitas criançascaem no mundo sem condições deenfrentar a vida, pois ainda sãodependentes, carecem de afeto e co-nhecimento dos fatos. Outras, vítimasde maus-tratos, fogem de seus lares embusca de liberdade e paz.

• Você já conversou com um meni-no ou menina de rua? Como foi aconversa? Tente dizer a uma dessascrianças que seus olhos são lindos!Relate uma conversa.

“O número de meninas trabalhadoras émenor do que o de meninos. Este fato nãosignifica que elas trabalhem menos.A dedicação exclusiva aos afazeresdomésticos, sem escola, atinge quase doismilhões de crianças e adolescentes entredez e dezessete anos. Temos um enormecontingente de crianças e adolescentes,principalmente meninas, que cuidam dacasa e dos irmãos para que os pais possamtrabalhar. O trabalho dessas meninas éexaustivo e fundamental para a manutençãodas famílias, já que representa a única opçãode cuidado para com os filhos pequenos.Quando a mulher é chefe de família, sem apresença do companheiro, não há alternativa:ou os filhos trabalham para sustentar a mãe eos irmãos menores ou um dos filhos, às vezesuma menina, com pouco mais de cinco anos,ocupa o papel da mãe em casa. É um tipo detrabalho que exige dedicação integral, o queimpede a ida à escola, devido à longaausência da mãe, presa à jornada de trabalhoe às horas passadas no transporte coletivo. Háinúmeros casos como o de Lucilei, treze anos,que cuida de seus três irmãos menores paraque sua mãe possa trabalhar, o dia inteiro,numa firma de limpeza. Acorda todos os diasàs seis horas, faz o serviço da casa e só sai nofinal da tarde para ir à igreja. Não quer terfilhos porque já tem muita criança paracuidar. Flávia, oito anos, cuida de sua irmã,de um ano. Prepara a mamadeira, dá banho,põe o bebê para dormir. E ainda cuida dacasa: limpa, lava, passa... O que ela gostamesmo é de brincar com sua boneca,‘porque ela não faz nem xixi nem cocôquando eu dou mamadeira’”.

Irmã Rizzini – Pequenos Trabalhadores do Brasil. In DEL PRIORI, Mary.

Histórias das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.

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• O que você sabe sobre a explora-ção da mão-de-obra infantil?Freqüentemente os meios de comuni-cação fazem denúncias. Pesquise eanexe artigos e notícias de jornais erevistas ao seu trabalho.

• Na sua opinião, o que é políticasocial da infância?

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iscriminações,

Preconceitos e Etnias

Marise Campos

“Estamos nos construindo na lutapara florescer amanhã como umanova civilização, mestiça e tropical,orgulhosa de si mesma.Mais alegre, porque mais sofrida.Melhor, porque incorpora em si maishumanidades.Mais generosa, porque aberta àconvivência com todas as raças e todasas culturas e porque assentada namais bela e luminosa província da Terra.”

Darcy Ribeiro – O Povo Brasileiro

Tudo no planeta Terra faz parte deuma grande rede. Estamos todos interli-gados, já que somos também naturezae fazemos parte da raça humana.

Seria bom que, ao fecharmos osolhos, percebêssemos o planeta comouma imensa bola azul, que flutua noespaço. Sentirmos nossa pequenez,mas ao mesmo tempo nos vermoscomo seres habitantes de um espaçoimenso.

Saber quem somos, onde estamos epor que aqui estamos. Essa experiêncianos conduz à certeza de pertencimen-to. Podemos perceber que estamos comos pés num planeta, que ele gira noespaço que é imenso, que há oceanos,florestas, animais, cidades, prédios,

carros e muita gente diferente.

Descobrimos que não estamossomente sujeitos à Lei da Gravidade,mas que há uma perfeita sinergia quefortalece o sentido de pertencimento.Pertencemos à raça humana, quehabita o planeta. Esta poderia ser aprimeira sensação de identidade – apartir daí, seria mais fácil perceber quesomos uma unidade na diversidadeque compõe a vida na Terra.

Agora temos a certeza interna, nãoporque alguém nos ensinou, mas porquepudemos perceber isso e nos tornamosmais conscientes. Somos interdependentes.Influenciamos e somos influenciados portoda essa dinâmica, que nos capacita

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para uma ação mais responsável e soli-dária. Desse modo, todas as nossasdecisões, ações ou omissões têm conse-qüências. Por isso, temos o compromissode respeitar a vida, a individualidade e adiversidade. Incluir a todos, com suasdiferenças e suas tonalidades culturais,para que nossa consciência se estabeleçade modo a conviver em harmonia comnossos semelhantes.

Todos somos autores e atores da vida esozinhos nada fazemos. É nessa diferençaque aprendemos a conviver e a criar. E,nessa ação de seres que criam na diversi-dade, o resultado é a cultura.

É preciso garantir o direito às diferençascomo a grande possibilidade de enriqueci-mento educativo e social. O direito àdiferença é também o direito à igualdade.

A partir dessavisão, poderemoscomeçar a mudarmuitas coisas, poisfazemos parte da raçahumana, como ela seapresenta: um con-junto de diferenças,de religiões, deculturas, de etnias,de conhecimentos,de capacidades e dediferentes ritmos deaprendizagem.

A idéia central fica explicitada noconceito de multiculturalismo, que con-siste em reconhecer a existência de umasociedade plural e diferencial, a necessi-dade de agir respeitosamente e tambémpromover as diferentes culturas, havendouma relação e uma convivênciasatisfatórias entre os diversos gruposétnicos. Não significa diluir as culturasdiversificadas, e sim respeitá-las.

Todos somos diferentes pela interaçãoentre o que sou (nível intelectual, moti-vação, interesse, conhecimentos anterio-res), de onde venho e de onde estou(situação social, fatores culturais, ambi-ente, contexto geral).

A palavra do dia é inclusão. Até bempouco tempo atrás, o que era estabelecidoem educação era nivelar. Nivelar pelamédia ficava mais fácil para o educador.

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Então, ele desenvolvia suas açõeseducativas generalizando os objetivos eos temas a serem trabalhados. Nãolevava em consideração a gama de dife-renças de raça, de cor, de capacidades,de gêneros, etc. Ou seja, asmetodologias buscavam educar a partirde uma visão superficialista e uniforme.

No momento em que surgiu a cons-ciência das diferenças, surgiu comoconseqüência a necessidade deconhecê-las para integrá-las,respeitando suas idiossincrasias.

E qual seria o papel da educação parareverter situações obscuras que impedema inclusão social? A educação tem odever de oferecer condições de transfor-mar a sociedade, eliminando as discrimi-nações e as desigualdades. A sociedadese desenvolve de diferentes maneiras,com suas histórias e suas culturas, tendotodas uma complexa teia de laçosfamiliares, profissionais, sociais e derituais específicos, que caracterizam edão cor à evolução dos indivíduos aolongo da vida.

Miscigenação é o nome dado para aformação da sociedade brasileira devi-do ao fenômeno da mistura de raças eetnias. E, no Brasil, há uma fusão signi-ficativa de raças que deram o coloridotodo especial às diferentes regiões: oíndio, o branco, o negro e o amarelo,

que alicerçaram as particularidades e oespírito do nosso povo.

Criar uma cultura receptiva e consci-ente sobre os direitos de todos deve sero fundamento do longo processo paratornar nosso mundo mais justo. E o Brasilé isto: uma imensa diversidade étnica,com uma gama de contrastes encontradosdentro dos vários mundos que formam asociedade brasileira.

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O Brasil vai ensinar o mundoNo mundo inteiro há tragédiasE o planeta tá morrendoO desespero dos africanosA culpa dos americanosO Brasil vai ensinar o mundoA convivência entre as raçasPreto, branco, judeu, palestinoPorque aqui não tem rancorE há um jeitinho pra tudoE há um jeitinho pra tudoHá um jeitinho pra tudoO Brasil vai ensinar ao mundoA arte de viver sem guerraE, apesar de tudo, ser alegreRespeitar o seu irmãoO Brasil tem que aprendercom o mundoE o Brasil vai ensinar ao mundoO mundo vai aprender com o BrasilO Brasil tem que aprendercom o mundoA ser menos preguiçosoA respeitar as leisEles têm que aprender a ser alegresE a conversar mais com Deus

Cazuza - João Rebouças

Instituições nacionais e internacionaisdesenvolvem programas e projetos emtodo o mundo, porque acreditam que essarica diversidade deve ser cultuada atravésde atitudes de respeito e de valorizaçãodas diferenças raciais e étnicas.

O artigo 3º, inciso IV, da ConstituiçãoFederal dispõe que, entre os objetivosfundamentais da República Federativa do

Brasil, está o de promover o bem de todos,sem preconceitos de origem, de raça,sexo, cor, idade e quaisquer outras formasde discriminação.

A Lei nº 7.716, no artigo 5º, propõerecusar ou impedir acesso a estabeleci-mento comercial, negando-se a servir,atender ou receber cliente ou comprador.Pena: reclusão de um a três anos.

Essa lei define que os crimes resultantesde preconceito de raça ou de cor sãopuníveis com penas variáveis de um acinco anos de reclusão. A Constituiçãoestabelece que a lei punirá qualquerdiscriminação atentatória dos direitos e

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liberdades fundamentais e considera quea prática do racismo constitui crimeinafiançável e imprescritível, sujeito apena de reclusão, nos termos da lei.

As causas de discriminação normal-mente são baseadas em preconceitosinfundados e irracionais. Preconceito,como a palavra em sua origem diz – dolatim praeconceptum –, significaconceito ou opinião formadosantecipadamente, sem maior ponderaçãoou conhecimento dosfatos, idéia pré-concebida.É uma atitude negativa,dirigida a pessoas ou agrupo de pessoas, eimplica uma predisposiçãonegativa a alguém.

Discriminação é umconceito mais amplo edinâmico do que opreconceito. Adiscriminação pode serprovocada por indivíduos epor instituições, e o pre-conceito só pelo indivíduo.

Ao longo de váriosmomentos da história doBrasil, os negros e as mu-lheres, entre outros grupos,protestavam contra a discri-minação racial e a degênero. Porém, na históriarecente das políticas sociais

do País, a promoção da igualdade já éuma realidade. O estado democrático,como as políticas públicas específicas,dá garantia de que é possível superar ohistórico processo de discriminação social,econômico e cultural.

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“Até que as mulheres estejamplenamente representadas no nível daliderança da vida pública, profissionale econômica, não poderemos dizer quedesfrutam direitos completos e iguais.A UNESCO continuará a sua tarefa deestimular a educação das meninas,como primeiro e mais importantepasso nessa direção.”

Koichiro Matsuura – De Mãos Dadas com a Mulher

Diretor Geral da UNESCO

Na realidade, o que se busca é garantira participação e a inclusão de todos nosparâmetros de igualdades de direitos e dedeveres. É importante que se estabeleça odiálogo entre culturas, tradições espirituais,etnias, que sirvam de pontes entre asdiferenças e as possibilidades de inclusão.

A partir dessa interação dialógica quedeve marcar a Educação Infantil, todas ascrianças deverão ter acesso a oportuni-dades educacionais de qualidade, tendosuas necessidades atendidas com igual-dade, sem discriminações, como estáexplícito na Lei.

Declaração Universal dos DireitosHumanos, 1949.

Artigo 1º – Todos os seres humanos nascemlivres e iguais em dignidade e direitos e,dotados que são de razão e consciência,devem comportar-se fraternalmente uns comos outros.

Artigo 3º – Todo indivíduo tem direito àvida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.

Declaração sobre Raça e PreconceitoRacial, 1978.

Artigo 2º – Todos os indivíduos e grupos têm odireito de serem diferentes, de se consideraremdiferentes e de serem vistos como tal. Entretanto, adiversidade de estilos de vida e o direito de serdiferente em nenhuma circunstância devem servircomo pretexto para o preconceito racial, não podejustificar leis, fatos ou práticas discriminatórias,nem promover políticas de apartheid, o que é umaforma extrema de racismo.

Constituição Brasileira, 1988.

Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei,sem distinção de qualquer natureza, garantin-do-se aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no País a inviolabilidade do direitoà vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais emdireitos e obrigações, nos termos destaConstituição.

Ao falarmos em raça, estamos falandodas evidências das diferenças físicas, comocor da pele, do cabelo, ascendênciabiológica, e das construções históricas,culturais e sociais que caracterizam essasdiferenças. Já o conceito etnia contémoutros elementos, como a ancestrabilidade,a cultura, a raça, a língua, o estilo de vida,entre outros.

Esses conceitos enfatizam a identidadedo sujeito a partir da perspectiva cultural.

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São muitas as diversidades sociais, comoraça, cultura, situação de saúde, situa-ção socioeconômica, e os diferentesprocessos de aprendizagem, que sãoas pessoas com necessidades especiais,assunto que trataremos a seguir.

A inclusão social baseia-se na aceitaçãodas diferenças individuais, na valorizaçãode cada pessoa, na convivência dentro dadiversidade humana e na aprendizagempor meio da cooperação. Desse modo, ainclusão supõe a modificação da socieda-de como pré-requisito para que as pessoas“diferentes” possam buscar seu desenvolvi-mento e exercer sua plena cidadania.

Qual o bem fundamental que ohomem pode deixar para o futuro dahumanidade?

Tão simplesmente o rumo,O claro e seguro rumo,Para a conquista mais dignaDa condição humana:A convivência entre as raças. Jorge Amado

Referências Bibliográficas

IMBERNÓN, Francesc et al. A educação no século XXI: osdesafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000.PAULICS, Veronika. Desenvolvimento local e redes de solidarie-dade. Rio de Janeiro: Carta Brasil da Aliança, n. 11, 2000.SACRISTÁN, José Gimeno. A construção do discurso sobre adiversidade e suas práticas. In: ALCUDIA, Rosa et al. Atenção àdiversidade. Porto Alegre: Artmed, 2002.WERNECK, Cláudia. Ninguém mais vai ser bonzinho nasociedade inclusiva. São Paulo: Revista Nova Escola, edição123, jun. 1999.

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

Ao falarmos em raça, estamos falandodas evidências das diferenças físicas,como cor da pele, cor do cabelo,ascendência bilógica, e das contruçõeshistóricas, culturais e sociais que caracte-rizam essas diferenças. Já o conceitoetnia contém outros elementos, como aancestrabilidade, a cultura, a raça, alíngua, o estilo de vida, entre outros.

• Diga não às discriminações, identi-ficando o preconceito racial através:

– do uso de cartazes, livros e revistascom gravuras apenas de pessoas brancas;

– de piadas e apelidos que expressampreconceitos de maneira implícita;

– da valorização da cultura e beleza damaioria em detrimeno detodas a etnias;

– da ausência de negrosou indígenas em posiçõesde destaque nos grupos emque habitualmenteconvivem com brancos;

– da pluralidade que deve serrepeitada e não neutralizada.

• Você já pensou em promover umdebate sobre a “diversidade étnico-racial em nosso país” com as famíliasde suas crianças. Esse espaço de trocasde idéias e depoimentos traz à tonasentimento de discriminação que aspessoas sofrem. Em grupos todos sefortalecem, mais conscientizados en-frentam melhor as diferenças comodiscriminados ou comodiscriminadores.

• Tente organizar uma reuniãode pais sobre essa temática. Relatecomo foi.

• Promova um festival de danças eroupas típicas das etnias e culturas quecompõem a nação brasileira: índios,negros, japoneses, etc.

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Inclusão e a

Diversidade:Crianças com necessidades especiais

Nara Joyce Wellausen Vieira

“... Possuímos traços comuns com osdemais, por dispormos de algumacondição que nos torne semelhantes aeles ou por desejarmos certos ideaiscompartilhados.”

José Gimeno Sacristán – A Construção do Discurso sobre a Diversidade

Estamos acostumados a ouvir quetodos nós somos diferentes uns dosoutros. Isso querdizer que todosnós temos ummodo especialde ser e noscaracterizamospela formacomo aprende-mos, vemos,

sentimos e reagimos aos acontecimen-tos do ambiente em que vivemos.Podemos concluir, então, que temosdiferenças, mas ao mesmo tempo pos-suímos algumas semelhanças comoutras pessoas que apresentam asmesmas características. E é nesse jogoentre a singularidade (indivíduo) versusa pluralidade (grupo) que se constitui avida em sociedade. Ou seja, para viverem sociedade, necessitamos que nossascaracterísticas individuais sejam expres-sas e reconhecidas, assim como precisa-mos negociá-las e compartilhá-lasnaquilo que é comum ao social.

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A educação, tanto na família quantonas instituições escolares e, principal-mente, naquelas de Educação Infantil,tem a difícil missão de respeitar eestimular a individualização, ao mes-mo tempo em que deve provocar eestabelecer a socialização uniforme,que significa compartilhar pensamentos,comportamentos, sentimentos e valorescomuns ao ambiente em que vivemos.Portanto, é irreal pensar que teremosuma escola que assuma a diversidadena sua totalidade, pois, como primeiroespaço público oferecido a todos osindivíduos, deve manter o equilíbrioentre as diferenças e as pluralidades,não sendo viável o trabalho totalmenteindividualizado.

São muitas as diversidades sociaise elas estão presentes na escola: raça,cultura, situação socioeconômica,situação de saúde, entre outras. Masfalaremos neste texto sobre um grupoque é específico e que apresentadiferenças em seus processos deaprendizagem, necessitando de ajudapara tal. São as pessoas com necessi-dades educacionais especiais.

Em que momento essa diversidadeconstituiu-se um problema para os(as)professores(as)? Exatamente naquelemomento em que a dificuldade ou agrande facilidade na aprendizagem detorna-se tão marcante, em relação ao

grupo de mesma faixa etária, que geramal-estar no profissional por não sabercomo atender e ajudar aquela “pessoadiferente”. Então, como proceder? Querecursos utilizar para fazer com que essa“pessoa diferente” possa ter acesso aoespaço público oferecido pela educação?A educação especial tem a função deoferecer os recursos adequados para osprofessores trabalharem com os alunoscom necessidades educacionaisespeciais, desde a educação infantil até oensino superior. Porém, antes de falar umpouco sobre a educação especial e seusrecursos, vamos conhecer um pouco dasua história.

Até 1970, o atendimento a essesalunos era oferecido em locais especiais,longe das escolas regulares. Tais propostasexcludentes foram substituídas por outras,inclusivas. O que é inclusão? A inclusão édefinida no Brasil, pelo Ministério daEducação, como a “garantia de que todasas pessoas possam ter acesso contínuo aoespaço comum da vida em sociedade,orientada por relações de acolhimento àdiversidade humana, pela aceitação dasdiferenças individuais e pela equiparaçãode oportunidades”. Isso representa quetodos possam ter acesso a todas as oportu-nidades vividas em sociedade, as quaisdevem estar adaptadas às suasnecessidades, aos seus limites e às suaspotencialidades. Portanto, esse conceitode igualdade não significa que todos

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Cadernos Pedagógicos – volume 3 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

tenham que se comportar de maneirauniforme, mas sim que todos têm odireito a oportunidades iguais, segundoas características e necessidades decada um.

Com a Lei de Diretrizes e Bases Nacio-nais (Brasil, 1996), a educação especialdeixou de ser uma modalidade de educaçãoe passou a estar inserida no ensino regular,não se encontrando mais afastada deste.Ela passou a ser definida como o conjuntode recursos e serviços educacionaisespecializados e organizados, que apóiam,complementam e substituem os serviçoseducacionais comuns em todos os níveis.Esse conjunto de recursos tem comoobjetivos garantir a educação escolar paratodos os alunos que necessitam de um

atendimento especializado e promovero desenvolvimento das potencialidadesdesses alunos em todos os níveis,etapas e modalidades educacionais(Brasil, 2001).

Esse enfoque da educação especialnos mostra uma nova forma de conce-ber a nossa prática educacional. Nessesentido, alguns pontos importantespodem ser destacados:

– Vê o indivíduo com uma pessoaglobal, que possui uma necessidadeespecial. Na atualidade, o aluno comdeficiência ou com altas habilidades/superdotação é percebido, antes detudo, como uma criança com seuslimites e potencialidades.

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– Avalia as necessidades dos indiví-duos usando abordagens que conside-ram o contexto natural, enfocando acriança em seu contexto natural e ematividades espontâneas.

– Usa materiais e estratégias conside-rando a aprendizagem de todas as crianças.

– Considera na avaliação a relação doindivíduo com os demais.

– Estabelece modelos colaborativosque favorecem a cooperação entre osalunos.

Feita essa breve exposição dosfundamentos da intervenção educacionalcom alunos com necessidades educa-cionais especiais, podemos agora verquem são esses sujeitos. Eles podemser caracterizados em três grupos:

– dificuldades ou limitações nosprocessos de desenvolvimento eaprendizagem;

– aprendizagem e desenvolvimentoacelerado para sua faixa etária;

– comportamentos típicos de qua-dros sindrômicos, neurológicos, psiqui-átricos e psicológicos que ocasionamatrasos no desenvolvimento e prejuízosno relacionamento social.

No primeiro grupo, encontramos,segundo definições do Ministério daEducação em 2001:

• Deficiência mental: caracteriza-sepor apresentar um funcionamento inte-lectual geral significativamente abaixo damédia, associada a limitações em duasou mais áreas da conduta adaptativa ouda capacidade desses indivíduos deresponder, favoravelmente, às demandasda sociedade.

• Deficiência auditiva: caracteriza-sepela perda total ou parcial da capacidadede compreender a fala por intermédio doouvido. Ela pode ser congênita ouadquirida e manifesta-se como surdez leveou profunda.

• Deficiência física/motora: são todasas condições, temporárias ou permanentes,que afetam o indivíduo em sua mobilidade,na coordenação motora geral e na fala.São decorrências de lesões neurológicas,neuromusculares e ortopédicas ou demalformações congênitas ou adquiridas.

• Deficiência visual: é a redução ou aperda total da capacidade de ver com omelhor olho e depois da melhor correçãoótica. Pode ser caracterizada como visãoreduzida ou cegueira.

• Deficiências múltiplas: é a associa-ção, no mesmo indivíduo, de duas ou maisdeficiências primárias, o que acarretaatrasos no desenvolvimento e dificuldadesna capacidade adaptativa.

• Bebês de alto risco: englobamtodos os bebês que tiveram

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intercorrências durante o nascimento, asquais podem afetar seu desenvolvimentonormal e são decorrentes de: asfixiaperinatal, prematuridade, malformaçõescongênitas ou síndromes genéticas,baixo peso, infecções congênitas, entreoutros problemas.

No segundo grupo, encontramos ascrianças com altas habilidades/super-dotação que são “aqueles comportamen-tos que refletem a interação entre trêstraços: habilidades gerais ou específicasacima da média, elevados níveis decomprometimento com a tarefa e eleva-dos níveis de criatividade. As crianças

superdotadas ou talentosas são aquelasque possuem ou são capazes de desen-volver este conjunto de traços e que osaplicam a qualquer área potencialmentevaliosa do desempenho humano”.

E, por último, o terceiro grupo consti-tuído pelas condutas típicas. Estas sãomanifestações comportamentais típicas dequadros neurológicos, psicológicos e/oupsiquiátricos que ocasionam atraso nodesenvolvimento global com granderepercussão, principalmente na áreasocial e adaptativa, necessitando deatendimento educacional especializado.

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 3

• Oferecer a cada criança os estí-mulos necessários para desenvolversuas potencialidades.

• Perceber que existem diferentesestilos de aprendizagens, de ritmos, deinteresses e de capacidades.

• Adotar um modelo de desenvolvi-mento de currículo que facilite a aprendi-zagem de todos em sua diversidade.

• Encontrar soluções para a utiliza-ção do espaço, do tempo e dos agrupa-mentos das crianças.

É importante destacar que todas asatividades boas para esses alunostambém o são para os demais. As ativi-dades seqüenciadas e diversificadasdevem ser propostas de acordo comgraus de dificuldade, do menor para omaior e do simples para o maiscomplexo, de modo que todas ascrianças possam ser contempladas.

A intervenção educacional deveservir para atender a diversidade naeducação infantil. Mas como ofereceresse atendimento?

Neste momento, vamos falar um poucode como trabalhar com as crianças comnecessidades educacionais especiais ecomo ajudá-las em seu desenvolvimento.

Como podemos trabalhar com essessujeitos em nossas escolas?

Cabe destacar que o atendimentoeducacional às pessoas com necessidadeseducacionais especiais deve ser garantido edefinido na proposta político-pedagógicada escola. Você sabe o que é isso? Émuito importante que saiba, pois apartir dessas propostas é que as açõespedagógicas da escola são planejadas ediscriminadas, organizando, assim,todo o seu fazer pedagógico. Também ésua responsabilidade debater, analisare buscar o consenso na elaboração deum projeto pedagógico inspirado naeducação da diversidade, que deveconsiderar todos os alunos, respeitandosuas diferentes experiências, seusestilos e ritmos próprios de aprendiza-gem, seus interesses e capacidades.

Além da importância de uma pro-posta político-pedagógica da escolaconstruída de forma participativa,outros pontos devem ser destacadosquando se pensa em trabalhar comalunos com necessidades educacionaisespeciais:

• Pensar a educação como uminstrumento de desenvolvimento pes-soal e social de todas as crianças, enão como maneira de classificá-las.

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O atendimento à diversidadena educação infantil

Para educar as crianças comnecessidades especiais, precisamosesclarecer alguns pontos. María delCarmen Díez Navarro (2002) destaca:

– As crianças não são todas iguais,pois elas possuem características queas diferenciam umas das outras. Elasnão aprendem da mesma forma, nomesmo ritmo e usando as mesmasestratégias. Portanto, as atividadescom as crianças não podem estarapoiadas em uma única estratégia.

– As crianças, ao chegarem na esco-la, já possuem um conhecimento ante-rior, construído na sua experiência devida familiar. Portanto, é necessárioque esse conhecimento seja respeitadoe estimulado.

– As crianças só aprendem quandoquerem aprender. Portanto, a motivaçãoé muito importante nesse processo. Umaboa maneira para ajudá-las é encorajá-lasa enfrentar novos desafios é estar sempreao seu lado.

– As crianças precisam viver experi-ências de sucesso, pois isso ajuda naconstrução de uma imagem positiva desi própria e da aprendizagem.

– As crianças aprendem com osestímulos que recebem. Esses estímu-

los, que não são os mesmos para todas,devem estar diretamente relacionadosàs suas necessidades e potencialidades.

Destacamos ainda dois aspectosimportantes que você deve considerarna organização das atividades: a orga-nização temporal e a espacial. A orga-nização temporal, refletida nas práticasdo cotidiano escolar, deve apresentarflexibilidade, considerando o tempo deatividade e de aprendizagem de cadacriança, permitindo que ela inicie etermine sua atividade.

A organização espacial da sala deaula deve ir ao encontro das diferentesnecessidades, interesses e capacidadesde todas as crianças, organizado de talmodo que a própria criança escolhacom autonomia a atividade de seuinteresse.

O seu papel de educador(a)Uma vez que a criança de 4 meses a

6 anos passa a boa parte de seu tempoFo

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nos Centros de Educação Infantil, opapel dessas instituições é muitoimportante, pois está relacionado com apromoção do adequado desenvolvimentodessas crianças sob sua responsabilidade.Esse papel se baseia, principalmente, emtrês fatores: 1) estabelecer uma relação deafeto e confiança com a criança; 2) estarsempre atento, disponível e interessadono que ela está fazendo ou dizendo e3) propor situações que se fundamentemem seu momento evolutivo, através daobservação de seus interesses e neces-sidades.

Donald Winnicott (1976) afirma quenos primeiros anos, como a criança édependente da presença do adulto, estedeve cumprir as funções maternasbásicas:

• Envolvimento corporal, que produzuma sensação de bem-estar e de confor-to à criança, ao mesmo tempo em que odiálogo tônico estabelecido entre ocorpo da criança e o seu devolve paraela aquele sentimento experienciadoantes de nascer.

• Manuseio corporal, que fortalece aexperiência do funcionamento do corpoda criança através de brincadeiras e jogoscorporais, das atividades de higiene e devida diária.

• Indicação de objetos, quepromovem a emitem sons que não seentende, ao invés de falar.

A criança cresce e fica menos depen-dente, conquistando seu espaço em buscade autonomia. O papel do adulto, nessemomento, é o de oferecer interaçõesadequadas, criando um meio acolhedor enão demasiado restritivo, permitindo aexperimentação de diferentes situações, amanifestação de seus desejos e a busca decomo satisfazê-los.

Crianças com necessidades educa-cionais especiais são crianças comoquaisquer outras, desde que você aceite aidéia de que todos nós temos diferençasque nos ajudam ou que nos dificultam naexecução de determinadas tarefas.

Sinais de alertaConsiderando que o desenvolvimento

infantil apresenta etapas importantes queevidenciam a evolução sadia da criança, éimportante que se tenha conhecimentodessas etapas como forma de identificarsinais que possam auxiliar na identificaçãode crianças com deficiência, com atraso dedesenvolvimento ou superdotadas. Algunspontos podem ser destacados como meiode ajuste desse conhecimento.

Estes sinais são:

Sinais de atraso do desenvolvimentoPodem ser observados sinais como:– mãos fechadas com o polegar

incluso após os 4 meses;– hipotonia (flacidez) nos primeiros 3

meses;– hipertonia (rigidez) após os 4 meses;– ausência de sucção;

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– ausência de gorjeios ou balbucios;– ausência de sorriso;– olhar apagado e atenção pouco

sustentada;– ausência de fixação ocular após os

4 meses;– quando levantada pelas axilas, as

pernas tendem a cruzar, como uma tesoura;– convulsões;– desnutricão grave;– prematuridade.

Sinais de problemas auditivosO bebê apresenta problemas auditivos

quando:– reconhece as pessoas que estão

diariamente com ela, mas não reage como som da fala dessas pessoas;

– pára de balbuciar após os 6 meses;– não vira o rosto em direção ao som

de barulhos e vozes;– tem dores de ouvido freqüentemente

e secreção (corrimento) nos ouvidos;– não se assusta com barulhos fortes;– apresenta atraso na fala, vocabulário

pobre;– emite sons que não entende, em vez

de falar;– só atende quando a pessoa fala em

sua frente;– olha muito para a boca das pessoas

que falam com ela;– prefere explorar os objetos e o

ambiente pelos olhos e pelo tato;– demonstra desconfiança e dificulda-

de de socialização.

Sinais de problemas visuaisIndícios de que o bebê apresenta

problemas visuais ocorrem quando ele:– não vira a cabeça em direção à luz;– não estica os braços para tocar os

brinquedos que lhe são oferecidos;– apresenta as pálpebras avermelha-

das, inchadas, com terçóis freqüentes;– aproxima objetos e gravuras

dos olhos;– esfrega constantemente os olhos;– franze a testa, movimenta as mãos

na frente dos olhos;– apresenta a ausência do reflexo de

fechar os olhos quando um objeto éaproximado deles;

– tropeça ou bate com o pé emobjetos pequenos.

Sinais de deficiência mentalPodem ser observados sinais como:– atraso nas etapas motoras, como

por exemplo: fixar o olhar, firmar acabeça, agarrar objetos, virar-se nacama, sentar-se, caminhar, etc.;

– dificuldades para falar, seguir ins-truções e obedecer a ordens simples;

– dificuldades em resolver proble-mas práticos relacionados com asatividades da vida diária.

Esses sinais podem ajudar aidentificar preventivamente atrasos nodesenvolvimento infantil. Porém,quando a criança apresenta umaaceleração no seu desenvolvimento, oque fazer? Como você pode saber se

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a criança é superdotada?

Não se pode dizer que a criança de 0a 6 anos é superdotada, mas existemalguns sinais que devem ser observadosquanto a sua permanência, consistência eintensidade. Esses sinais são:

– aquisição precoce da linguagem,com vocabulário extenso e frases com-plexas;

– alfabetização precoce;– habilidades motoras adquiridas

antes do tempo esperado e com desta-cado desempenho;

– criatividade no uso dos materiais,jogos e brinquedos;

– curiosidade e questionamentos portemas de interesse de faixa etária maiselevada;

– raciocínios matemáticos comple-xos;

– destacado interesse e desempenhoem áreas específicas;

– exigência constante de atividadesmais elaboradas na escola e em casa;

– destacada memória para os temasde seu interesse;

– comprometimento nas atividadesde seu interesse.

Orientações para a educação dascrianças com necessidadeseducacionais especiais

As sugestões de atividades que seguemsão recomendadas tanto para criançasditas normais quanto para aquelas comnecessidades educacionais especiais. Tais

sugestões estão organizadas por faixaetária, pois as atividades são diferenciadasconsiderando as etapas de desenvolvi-mento.

Na faixa de 0 a 1 ano, destacamos aimportância de desenvolver as seguin-tes ações:

• Ofereça atendimento individualiza-do ao bebê. Isso quer dizer que, prefe-rencialmente, os cuidados devem serfeitos pela mesma pessoa. Tal açãopermite a identificação das reações, dascaracterísticas e do desenvolvimentoindividual de cada criança. Além disso,propicia uma interação mais intensaentre o responsável e o “seu bebê”.

• Proponha atividades de conheci-mento do seu corpo e do bebê, explora-ção dos objetos e das pessoas através dassensações, das percepções e dosmovimentos. Devido à dependênciafísica da criança dessa faixa etária, oeducador é diretamente responsável poroferecer-lhe oportunidades diferentes.

• Observe permanentemente as mani-festações das necessidades de sono,alimentação, afeto e higiene. O entendi-mento das reações do bebê determinaseu atendimento imediato e carinhoso.Ele necessita do contato físico para quesua auto-imagem seja construída.

• Permita a exploração livre e a des-coberta. Como nessa fase os períodos de

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concentração são curtos, os materiaisutilizados são intermediários efavorecedores da relação entre adultoversus criança e criança versus criança.

• Converse bastante com a criança,irradiando para ela todas as atividadesque estão sendo realizadas. Isso auxiliana relação afetiva e desenvolve asnoções de linguagem.

• Esteja atento aos movimentos dobebê para propor situações novas edesafiadoras.

Na faixa de 1 a 2 anos, as seguintesatividades poderão ajudar no desenvol-vimento das crianças:

• Proponha atividades que priori-zem os aspectos psicomotores e

lingüísticos a fim de consolidar as duasgrandes conquistas dessa etapa: amarcha e a fala.

• Ofereça um ambiente físico amplo,estimulante e desafiador, pois é noplano da ação que a criança constróiseu conhecimento e vivencia os conflitosgerados na relação social.

• Estimule as brincadeiras conjuntas.As crianças dessa etapa são egocêntricas,brincam sozinhas e necessitam serestimuladas, mesmo que em grupo.

• Ofereça materiais que apresentemvárias possibilidades de exploração denovas descobertas, pois o tempo deconcentração dessas crianças é curto.

• Valorize as atividades que a criançapode fazer sozinhanas áreas da higienee dos hábitos devida diária, o queajuda naestimulação daautonomia.

• Trabalhe aformação dos limitese do senso de moral,aproveitando assituações de conflitoentre as crianças.

Ilustração: Nela Marin e Gian Calvi Kit Família Brasileira Fortalecida/UNICEF

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expressão mímica, plástica, musical elingüística com a introdução de algumasregras não-competitivas.

• Valorize as descobertas, as iniciativas ea colaboração demonstradas pelas crianças.

• Explore as situações de reunião emgrupo para expressão e troca de idéias.

• Ofereça oportunidades para explo-rar o mundo da escrita e da leitura.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de EducaçãoEspecial. Secretaria de Educação Fundamental. Diretrizesnacionais para a educação especial na educação básica.Brasília: MEC/SEESP, 2001.BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de EducaçãoEspecial. Secretaria de Educação Fundamental. Referencialcurricular nacional para a educação infantil: estratégias eorientações para a educação de crianças com necessidadeseducacionais especiais. Brasília: MEC, 2001.COSTA, Mara Regina Nieckel da; VIEIRA, Nara Joyce Wellausen.Uma alternativa na educação e integração da pessoa com altashabilidades no Rio Grande do Sul. Coletânea do XI SeminárioNacional da Associação Brasileira para Superdotados. Rio deJaneiro: UERJ, 1999, p. 85-99.GARDNER, Howard; FELDMAN, David Henry; KRECHEVSKI,Mara. Projeto Spectrum: a Teoria das Inteligências Múltiplas naEducação Infantil – utilizando as competências das crianças.Vol.1. Porto Alegre: Artmed, 2001.NAVARRO, María del Carmen Díez. A organização do currículoinfantil como ponto-chave de atenção à diversidade. In:ALCUDIA, Rosa et al. Atenção à diversidade. Porto Alegre:Artmed, 2002.SACRISTÁN, José Gimero. A construção do discurso sobre adiversidade e suas práticas. In: ALCUDIA, Rosa et al. Atenção àdiversidade. Porto Alegre: Artmed, 2002.VIEIRA, Nara Joyce Wellausen; GIRONDI, Simoni; MARQUES,Marcia. Treinamento de atendentes de creche. Porto Alegre:FADERS, 1992. Documento não-publicado.WINNICOTT, Donald. La família y el desarrollo del individuo.Buenos Aires: 1976.

Na faixa de 2 a 4 anos, sugerimos asseguintes propostas:

• Possibilite atividades grupais coope-rativas, com pouca duração, as quais aju-darão a considerar a figura do outro econtribuirão para a saída da etapaegocêntrica.

• Proponha atividades psicomotorase de exploração de objetos e do própriocorpo da criança.

• Proponha brincadeiras de faz-de-conta, estimulando o desenvolvimen-to da linguagem e do jogo simbólico.

• Oportunize escolhas de situa-ções diferentes, permitindo à criançaa tomada de decisão, estabelecendocombinações de fácil compreensão eestimulando a autonomia.

• Desenvolva a noção de espaço etempo associado ao dia-a-dia da criança.

Na faixa de 4 a 6 anos, sugerimos asseguintes propostas:

• Proponha atividades cooperativas, queestimulem a formação de regras de convi-vência pelas próprias crianças, através dahora da rodinha e de muito diálogo.

• Incentive a participação das criançasno planejamento e na execução das ativi-dades do dia, desenvolvendo, assim, aautonomia delas.

• Estimule os jogos simbólicos e a

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Atividades de Estudoe Aprofundamento

Maria Helena Lopes

De alguma maneira todos nósSomos cegos, surdos e mudos.Cegos em nossa dificuldade em vero que se passa em frente aosnossos olhos.Surdos em ouvir as palavras dosoutros e também a vozda nossa consciência.Mudos, omissos em verbalizarnossos sentimentos e desejos.Educar é ajudar a manter abertosos canais de comunicação de nossos

filhos e também aprender, no contexto com eles, a ver, ouvir e falar.”

Roberto Shinyashiki

• Em entrevista com a direção deuma escola, indague como têm sido asexperiências de inclusão de criançascom necessidades especiais nas classesregulares, destacando os preconceitos, asangústias, as dificuldades e os resultadosobtidos. Transcreva a entrevista em seucaderno.

Na convivência com as crianças nãohá melindres. As crianças encontrammeios muito originais para se relaciona-rem e o educador aprende com elas. Ascrianças com necessidades especiais sedesenvolvem melhor quando o educadoracredita nelas.

• Comprove as “dicas” a seguir con-versando com educadores que têm aexperiência da inclusão:

• Não está tudo nos livros, mas oembasamento teórico é importante.

• No dia-a-dia, é preciso ter paciência.• Não atropele os estágios, o avanço

é lento.• Conheça seu aluno.• Esteja aberto e ouse experimentar

novas alternativas.• O trabalho envolve a família.• A escola precisa dar apoio com

outros profissionais.

Sugestões de Filmes• A cor do paraíso• Rain Man• Sempre amigos• O oitavo dia• Gabi, uma história verdadeira• Os filhos do silêncio• Meu pé esquerdo• Mr. Holland: meu adorável professor• A música e o silêncio• À primeira vista• A cor do paraíso• Livre para voar• Lágrimas do silêncio• Versos de amor

Questões para Reflexão• A partir do que foi abordado, de

que modo você receberia em sua sala deaula uma criança com necessidadesespeciais?

• Sugira uma ação na qual indivíduosexcluídos possam exercer sua cidadaniaplena.

• Expresse suas idéias, observações esugestões.

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exemplo, dizia que aprendemos as noçõesbem mais claramente e de modo muitomais seguro se aprendermos por contaprópria e não pelo ensinamento de outrapessoa, especialmente se essa pessoa forautoritária. Dizia, ainda, que as pessoastornam-se mais engenhosas estabelecendorelações, ligações entre as idéias, criandoinvenções de instrumentos por contaprópria e que, pelo contrário, quandoalguém nos ensina algo, acabamos poradotar um posicionamento de displicên-cia. A criança, para Rousseau, não operaatravés de palavras, mas sim através daexperiência prática e do sentimento.Segundo ele, ao contrário de ajudar nodesenvolvimento da criança, a interaçãocom a sociedade atrapalha o desenvol-vimento dela. Em seu pensamento, eranecessário que a criança manipulasse osobjetos para descobri-los.

eorias e Influências

Pedagógicas em

Educação Infantil

Patrícia Fernanda Carmen Kebach

Neste texto, procuramos expor breve-mente o pensamento dos principais auto-res que influenciaram a Educação Infantilao longo dos anos. Seus pensamentos epesquisas estão atrelados a tempos histó-ricos e contextos socioeconômicosdiversificados, que influenciaram teoriase práticas diferentes a respeito do mesmotema – a educação das crianças. Nossoobjetivo é o de proporcionar ao leitor oconhecimento de uma parte da história daconstrução dos métodos e do pensamentodesses criadores. Destacamos os seguintes:

• Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778)• Johann H. Pestalozzi (1746 – 1827)• Friedrich Froebel (1782 – 1852)• Sigmund Freud (1856 – 1939)• Maria Montessori (1870 – 1952)• Henri Wallon (1879 – 1962)• Jean Piaget (1896 – 1980)• Lev Vygotsky (1896 – 1934)• Celestin Freinet (1896 – 1966)

Grande parte dos autores de textosque estudam a história da pedagogiaconsidera Rousseau, Pestalozzi e Froebelos precursores da pedagogia moderna.Para termos uma noção do pensamentode cada um deles, basta lembrarmos dealgumas de suas citações. Rousseau, por

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Pestalozzi, que não foi um teóricocomo Rousseau, mas sim um prático,dizia que nenhum ser humano poderiareceber sua educação de outro ser. Opapel do educador, no pensamento dePestalozzi, era o de deixar cada criançadesenvolver livremente suas faculdadesou disposições primitivas que pronun-ciavam sua verdadeira natureza, poiscada disposição manifestada na criançaforneceria as indicações necessáriaspara bem dirigi-la. A criança, dizia ele,aprende por conta própria; o professoré tão-somente o meio exterior do desen-volvimento e da instrução. Pestalozzipreocupou-se essencialmente emalterar as condições sociais dascrianças órfãs e abandonadas, uma vezque muitos trabalhadores, homens emulheres, morriam em virtude da po-breza e das condições extremamenteinsalubres de trabalho no períodoprecedente à Revolução Industrial.

Froebel, sucessor de Pestalozzi, diziaque todo o progresso deve vir de umaação voluntária da própria criança.Organizou, então, um método detrabalho, o “Kindergarten” ou Jardim-de-Infância, baseado na idéia de que ascrianças assemelhavam-se a pequenassementes que, quando adubadas eexpostas a condições favoráveis, desa-brochariam em clima de amor, simpatiae encorajamento.

Podemos atribuir duplo sentido ànomenclatura jardim-de-infância. Além deenfatizar a conotação de que as criançassão como flores que devem ser regadas,destaca também a importância do contatoda proximidade com a natureza.

Com isso, ele objetivou um desenvolvi-mento autoconsciente da condição huma-na numa relação harmônica com anatureza e a sociedade. No pensamento deFroebel, as experiências de aprendizagemdevem envolver a auto-expressão no jogo,na educação física, na dramatização,como modo de estimular a espontaneida-de e a atividade criadora, cabendo aoeducador o papel de estimular o desenvol-vimento dos sentidos.

O que esses três autores tiveram emcomum foi o fato de destacarem a im-portância da ação dascrianças sobre o mundocomo forma deaprendê-lo. Isto é, nopensamento dos três, oensino tradicional (forte-mente ligado às correntesteóricas empirista ecomportamentalista,que sempre expressa-ram uma pedagogialegitimada pela repro-dução da ideologia, doautoritarismo, da coa-ção, do silêncio, etc.)era considerado errô-

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neo, pois passaram a considerar a im-portância da atividade das crianças emseu esforço de compreensão do mundo.

O ensino tradicional, de modo geral,é baseado no Behaviorismo, correnteteórico-prática que explica o processo deaprendizagem pela reação dos sujeitosfrente aos estímulos do meio, isto é, oensino transmitido do educador para umaluno passivo, receptador de instruções emensagens, imitador de conteúdo (porexemplo, imitar gestos da professoradurante uma apresentação musical,copiar letras, formas ou textos, pintar umdesenho pronto, etc.). As crianças, doponto de vista comportamentalista, sãoapenas receptadoras dos conteúdos repas-sados pelos professores e armazenam emseu cérebro qualquer estímulo exteriorque passe por seus órgãos dos sentidos,

sem que precise estruturar as informa-ções, ou fazer nenhum esforço de orga-nização dos conteúdos.

Podemos considerar, portanto, queRousseau, Pestalozzi e Froebel, assimcomo Maria Montessori, deslocaram-separa outra corrente teórica,demonstrando uma postura pedagógicapróxima da teoria apriorista. Em outraspalavras, Apriorismo vem de a priori ,isto é, aquilo que é posto antes comocondição do que vem depois. O que éposto antes? A bagagem hereditária.Esses autores, então, aproximam-se daexplicação de que o ser humano nascecom o conhecimento já programado nasua herança genética e já traz, dessemodo, um saber que necessita apenastrazer à consciência, organizar, ourechear de conteúdo.

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Vamos ao exemplo do trabalho deMontessori para maior compreensão dateoria apriorista. A perspectiva da “educa-ção sensorial” considera a inteligênciacomo algo que passa essencialmente pelojogo das percepções e sensações, e seumodelo foi fornecido por Froebel, que sepreocupou em envolver as crianças comum programa educativo apropriado a suascaracterísticas evolutivas, contendoatividades lúdicas que visavam a desen-volvê-las através dos órgãos dos sentidos.Montessori, procurando responder àsnecessidades da escola maternal, destacatrês pontos exteriores que, para ela, sãoessenciais: 1) um ambiente adaptado paraos trabalhos de desenvolvimento dossentidos (tato, olfato, audição, visão epaladar), 2) um professor humilde e 3) ummaterial científico que possibilite essedesenvolvimento. Diz ainda que asdiretivas práticas, positivas e mesmoexperimentais para a criação de seu méto-do de educação vieram da observação dasescolhas das próprias crianças, isto é, desuas manifestações espontâneas, o queconferia ao seu trabalho um caráter deineditismo. O mérito para a época foi aadequação do mobiliário ao tamanho dascrianças, passando as salas a dispor decadeiras e mesas menores, como as queainda hoje são usadas, e a criação demateriais específicos para integrar umametodologia, como veremos a seguir.

Para desenvolver a audição, porexemplo, Montessori criou uma série desinos de formato idêntico, mas de sonsdistintos que, quando tocados,apresentam uma larga ressonância.Assim, procurou montar um materialpedagógico de apoio para as criançasmanipularem livremente, desenvolvendosuas funções sensório-motoras, algoindispensável para a formação intelectu-al, porém parcial, pois a atividadeperceptiva trata-se de apenas uma parteda estruturação do pensamento. Portanto,consideramos que a educação sensorialapenas facilita as primeiras exploraçõesque a criança costuma fazer espontanea-mente. Pensamos que as relações que acriança estabelece entre os objetos queexplora são fundamentais para sua progres-são intelectual. Assim, além de sentir umadeterminada textura, através de seu tato, énecessário que ela estabeleça diferençasentre essa textura e uma outra, compreendaa função da textura de uma lixa, por exem-plo, etc. Montessori intui a importância damanipulação sobre os objetos no desenvol-vimento intelectual e suas práticas foram aspioneiras a se aproximarem do espírito daEscola Ativa.

Compreendeu-se, enfim, que umaescola ativa não é simplesmente umaescola de trabalhos manuais e que, seem certo nível de desenvolvimento amanipulação de objetos (exploração dematerial) é necessária, na medida em

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que as noções lógico-matemáticas sãodesenvolvidas, tiradas não desses obje-tos, mas das próprias ações das criançassobre esses objetos e de suas coordena-ções, as manipulações verbais tornam-secada vez mais possíveis. Compreendeu-se também que o interesse não exclui oesforço, pelo contrário, ajuda a criançaa esforçar-se ainda mais, espontanea-mente, uma vez que, se a vidacomporta uma parcela grandede trabalhos impostos ao ladodas iniciativas mais livres, asdisciplinas necessáriastornam-se mais eficazesquando são aceitas comsatisfação pelas crianças. Osmétodos ativos conduzem àcooperação progressiva dascrianças entre elas mesmas eentre elas e o professor. Osmétodos ativos demandam doprofessor um trabalho bemmais diferenciado e atento. Apedagogia ativa pressupõeuma formação mais apro-fundada em termos deeducação e de psicologia dacriança.

A exemplo do que pode serfeito em meios modestos,Freinet, sem se preocupar muito com apsicologia da criança, mas voltado para asquestões sociais, procurou antes de tudofazer da escola um centro de atividadesconectadas às necessidades da comuni-

dade. Sua idéia célebre de criar umagráfica na escola constitui uma ilustraçãoparticular da importância fundamentaldo exercício da criatividade para o de-senvolvimento da criança. Ou seja,segundo Freinet, a criança que publicaseus pequenos textos conseguirá ler eescrever com uma qualidade muitosuperior.

Sem visar explicitamente à finalidadede uma educação da inteligência e deuma aquisição dos conhecimentos geraispela ação, Freinet atingiu os objetivosconstantes da escola ativa, pensando,

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sobretudo, no desenvolvimento dos interes-ses e da formação social da criança.Enfatiza que a educação consiste nacriação do saber e que a aprendizagemacontece na relação “aprender fazendo”.

Em se tratando dos estudos sobre apsicologia cognitiva, três nomes se desta-cam: Wallon, Vygotsky e Piaget. Pode-mos considerar que a grandecontribuição proporcionada pelos estu-dos desses autores é a nova visãointeracionista e construtivista (sujeito eobjeto se constroem mutuamente nainteração entre ambos) sobre o desenvol-vimento intelectual do ser humano. Elesultrapassam a visão empirista ecomportamentalista de um ser humanopassivo, receptador de conteúdo, e avisão apriorista e maturacionista de umser humano que já nasce com um conhe-cimento a priori ou herdado genetica-mente, apenas precisando amadurecerpara florescer com um mínimo de esfor-ço, através de sua exposição às condi-ções ideais para isso, como no exemploda educação sensorial de Froebel eMontessori.

Apesar de não estarem essencialmen-te voltados para a pedagogia, os pensa-mentos de Wallon, Vygotsky e Piaget sãoinstrumentos extremamente fecundos nacriação de um modelo interacionistaconstrutivista que possa ser pensado emtermos pedagógicos.

Wallon, por exemplo, afirma que osconflitos marcam o crescimento dacriança, despertando o interesse e odesejo de progressão intelectual, devidoàs exigências da vida em sociedade. Ateoria desse autor é inspirada na psicaná-lise freudiana, visto que a noção deconflito, para Freud, tem a ver com oinstinto sexual, ou libido, que impõesuas exigências desde o nascimento.Wallon vai tramando, assim, a explica-ção do desenvolvimento intelectual(cognitivo) e do desenvolvimento emoci-onal (afetivo). Assim como Freud, Wallondiz que as atividades lúdicas, por exemplo,são uma máscara para disfarçar o incons-ciente afetivo ou cognitivo gerado porum conflito muito forte. A função dessasatividades lúdicas consiste em realizaruma verdadeira catarse, já que nãodizem respeito ao objeto real, e sim auma situação imaginária. Para Wallon, aatividade lúdica possui um papel funda-mental na evolução psíquica.

Levando em consideração as relaçõesentre o ser e o meio, relações estas quese modificam reciprocamente, o carátersocial da educação e as iniciativas indivi-duais e espontâneas são valorizadas, oque favorece a formação pessoal doaluno e sua inserção na coletividade,enfatizando que a vida intelectual pres-supõe a social.

Também para Piaget, o jogo (nosentido de brincar) é fundamental para o

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desenvolvimento da criança. O bebê, porexemplo, desenvolve sua inteligênciaprática nos primeiros meses de vidaatravés de jogos de exercício, quando,por exemplo, bate várias vezes em algu-ma coisa, ou quando joga longe os obje-tos. Assim, as noções de objeto,causalidade, espaço e tempo vão sendotestadas e diferenciadas por meio de umaampla exploração. Logo que começa afalar, período que corresponde ao quePiaget chama de começo da funçãosimbólica (por volta de 1 ano e meio a 2anos), as brincadeiras quea criança realiza imitandoacontecimentos passados,simbolizando algumacontecimento ou objeto(por exemplo, quandobrinca com trêsbonequinhos, um maior,um médio e um menor ecoloca o pequeno distan-te dos outros dois), elaestá ao mesmo tempo sedesenvolvendo afetiva ecognitivamente, pois estáreproduzindo um aconte-cimento passado, em quea representação dosbonecos corresponderespectivamente, emordem decrescente, a suamãe, a ela própria e aum irmãozinho recém-nascido. Desse modo,

além de apreender as noções de tempo(acontecimento passado), espaço (tamanhodos bonecos, distância entre eles, etc.) ecausalidade (sucessão de acontecimentos),a criança faz uma catarse (no sentidofreudiano da palavra) de algo que a inco-moda no presente: o nascimento de seuirmãozinho que lhe rouba a atenção damãe, por exemplo. Portanto, também paraPiaget são os conflitos internos frente aosdesafios do meio, numa relação radicalentre ambos que fazem o sujeito crescer.Mais tarde, por volta dos 7 ou 8 anos,

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quando a criança já é capaz de coorde-nar seu ponto de vista com o das outraspessoas, é que começará a se interessarcada vez mais pelos jogos de regra, quetambém a farão progredir afetiva ecognitivamente, através dos conflitos quederivam da sua interação com os objetose com outros sujeitos. Para Piaget, o atode diferenciar os vários elementos dequalquer objeto (por exemplo, a estruturamusical, os elementos contidos em umafrase, a distância entre os objetos, aestrutura de qualquer conjunto, osdiferentes pontos de vista, etc.) e com-preender as relações que existem entreesses elementos para a constituição datotalidade do objeto (por exemplo, anoção de perspectiva, as noções defísica, de matemática, o conhecimentológico, a música ou qualquer outro co-nhecimento) é o que faz o sujeito progredirintelectualmente. Um fator muito

importante nessa progressão doponto de vista piagetiano, valesalientar, diz respeito não só àinteração da criança com os objetos,mas também com outras pessoas.

Nesse caso, cabe ao educadordisponibilizar à criança o exercíciode sua autonomia, num contexto dejogos individuais e jogos de grupo,numa relação adulto-criançacaracterizada pelo respeito mútuo,pelo afeto e pela confiança. Acres-cente-se ainda a ação do educador

como um orientador e questionador dasatividades da criança, a partir de conteú-dos organizados em situações concretas,que favoreçam o desenvolvimentoinfantil nos seus vários aspectos.

Vygotsky, por sua vez, adota umponto de vista um pouco diferente dePiaget ao explicar os processos deaprendizagem da criança. Para Vygotsky,a cultura é parte essencial naconstituição da inteligência humana,pois, em seu pensamento, a relação dohomem com o mundo não é apenasdireta (por exemplo, quando alguémaproxima a mão do fogo e a tira rapida-mente), mas fundamentalmente mediadapela lembrança de experiências anterio-res geradas pela interação com outrosindivíduos de sua cultura. Os processosmediados vão sendo construídos aolongo do desenvolvimento, não estandoainda presentes nas crianças pequenas. A

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vida social é um processo dinâmico, navisão vygotskyana, em que cada indivíduoé ativo. É nesse processo que ocorre ainteração entre o mundo cultural e omundo subjetivo de cada um. Por isso, ainteração face a face desempenha umpapel fundamental no desenvolvimento dacriança, pois é a partir dela que se chega àinteriorização das formas culturalmenteestabelecidas de funcionamento psicológi-co. Exemplo disso, segundo Vygotsky, seriao desenvolvimento do gesto de apontar.No início, o bebê tenta pegar com a mão umobjeto que está fora de seu alcance semconseguir tocá-lo. Para o bebê, esse gesto édirigido ao objeto. Se um adulto presenciara cena, reagirá dando o objeto à criança,interpretando o ato de esticar a mão em

direção ao objeto como “Eu quero ochocalho”. Assim, a criança começaráa incorporar o significado atribuídopelo adulto e a compreender seu pró-prio gesto. O movimento de pegartransforma-se, através dessa mediação,em um gesto de apontar. Portanto, paraVygotsky, as origens das funções psico-lógicas superiores estariam calcadasnas relações sociais entre os indiví-duos. Segundo ele, “Os elementosmediadores na relação entre o homeme o mundo – instrumentos, signos etodos os elementos do ambientehumano carregados de significadocultural –são fornecidos pelas relações entre oshomens”.

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No processo educativo, sua teoriasugere a adoção de uma metodologiaqualitativa com base na observação dossujeitos envolvidos na resolução deproblemas, sendo propostas experiên-cias de aprendizagem que privilegiema vivência do social e o exercício dalinguagem. Para Vygotsky, a linguagemé o fator determinante dos pensamentose o principal mediador entre o sujeito e oobjeto do conhecimento.

Procuramos salientar brevemente,neste texto, os aspectos essenciais dopensamento de cada autor abordado. Oque podemos encontrar de comum emtodos eles é a tentativa de compreensãodo desenvolvimento/da construção dainteligência da criança, a importância dasua atividade para desenvolver-se(manipulação de objetos, estabelecimen-to de relações, atividades espontâneas,diálogo com os educadores e colegas,etc.) e o papel fundamental da atividadelúdica (brincadeiras) na vida da criança,especialmente das atividades espontâ-neas, que partam dos interesses daprópria criança em direção ao seu desen-volvimento emocional e intelectual.

A partir das contribuições dos teóricosconstrutivistas, como Wallon, Vygotsky ePiaget, podemos descrever o papel doeducador na educação infantil da seguinteforma: ele deve estimular a criatividadeda criança através de desafios quepartam dos interesses dela própria,devendo também orientar as atividadesexploratórias características dessa faixaetária, em que a criança procuradescobrir o mundo através das interaçõessocioculturais. Além disso, o educadordeve apresentar-se como problemati-zador, oferecendo ajuda à criança para acondução do processo mental emformação. E, através de uma práticaconstruída cotidianamente, favorecer aformação pessoal e a inserção nacoletividade, estabelecendo semprerelacionamentos afetivos que propiciemàs crianças condições de encontrarsatisfações para suas necessiadades.

Referências BibliográficasBECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento.Porto Alegre: Artmed, 2001.HAMELINE, Daniel; JORNOD, Arielle; BELKAED, Malika. L’écoleactive: textes fondateurs. Paris: PUF, 1995.KAMII, Constance. Piaget para educação pré-escolar. PortoAlegre: Artmed, 1991.MONTESSORI, Maria. L’enfant. Genève: Desclée de Brouwer, s.d.OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimen-to. Um processo sócio-histórico. São Paulo: Ed. Scipione, 1995.PIAGET, Jean. Psychologie et pédagogie. Paris: Éditions Denoêl,1969.WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Rio deJaneiro: Editora Andes, 1960.

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

• Enfatize a necessidade de instru-mentos teóricos a partir dos quais oseducadores podem organizar a sua açãopedagógica, faça um estudo do texto,destacando uma ou mais idéias de cadaum dos autores citados. Elabore umasíntese e registre em seu caderno. Sedesejar, poderá utilizar também outrasreferências bibliográficas.

• A partir do estudo teórico quevocê realizou, argumente:

– Qual(is) contribuição(ões) do“passado” interferem nos diasatuais?

– Quais autores, em sua opinião,estão ultrapassados? Por quê?

– Quais autores você entende queestão orientando a sua prática peda-gógica atualmente?

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Nota sobre os Autores

1º Texto – Aspectos Legaisda Educação InfantilMARISE CAMPOSEspecialista em Tecnologia Educacional, naárea de Televisão Educativa, pela PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul.É assessora técnica da presidência da OMEP/BR/RS/Porto Alegre e da OMEP Brasil.

2º Texto – Maus-tratos na Infância:desamarrando as correntes da violênciaLEOBERTO NARCISO BRANCHERJuiz de Direito da 3ª vara da Infância e Juventu-de de Porto Alegre. Atualmente à disposição doTribunal de Justiça, atua como substituto deDesembargador na 19ª Câmara Cível. Dedica-se à difusão de programas de Educação emValores Humanos e Cultura da Paz.

TAIANA BRANCHER COELHOPsicóloga pela Universidade Federal de SantaCatarina. Mestre em Educação pela Universida-de Federal de Mato Grosso do Sul. Atua naequipe técnica da Escola do Parque, que seinsere no projeto do Parque Regional doPantanal, e no atendimento de adolescentesvítimas de violência doméstica.

3º Texto – Política Social da InfânciaPEDRO DEMOPós-Doutorado pela Universitát Erlanger-emNüremberg, Alemanha, e pela University ofCalifórnia de Los Angeles-UCLA, EstadosUnidos. Exerce atualmente várias consultoriasem nível nacional e internacional. Participacomo convidado em eventos nacionais einternacionais.

4º Texto – Discriminações,Preconceitos e EtniasMARISE CAMPOSEspecialista em Tecnologia Educacional, naárea de Televisão Educativa, pela PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul.É assessora técnica da presidência da OMEP/BR/RS/Porto Alegre e da OMEP Brasil.

5º Texto – A Inclusão e a Diversidade:crianças com necessidades especiaisNARA JOYCE WELLAUSEN VIEIRAPsicóloga formada pela PUC-RS. Doutorandaem Educação no Programa de Pós-Graduaçãoem Educação/PPGEdu da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul/UFRGS. Coordenadora epsicóloga do Centro de Desenvolvimento,Estudos e Pesquisas nas Altas Habilidades/CEDEPAH da Fundação de Articulação eDesenvolvimento de Políticas Públicas paraPessoas Portadoras de Deficiência e de AltasHabilidades no Rio Grande do Sul/FADERS.

6º Texto – Teorias e InfluênciasPedagógicas em Educação InfantilPATRÍCIA FERNANDA CARMEN KEBACHMestre em Educação pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul. Doutoranda noPrograma de Pós-Graduação em Educação pelamesma instituição. Professora de Música.