a ordem informacional dialógica : estudo sobre a busca de

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAÇÃO IVETE PIERUCCINI A ordem informacional dialógica : estudo sobre a busca de informação em Educação São Paulo 2004

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAO

    IVETE PIERUCCINI

    A ordem informacional dialgica : estudo sobre a busca de informao em Educao

    So Paulo 2004

  • IVETE PIERUCCINI

    A ordem informacional dialgica : estudo sobre a busca de informao em Educao

    Tese apresentada ao Curso de Ps Graduao em Cincias da Comunicao como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor em de Cincia da Informao e Documentao pela Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo.

    Orientador: Prof. Dr. EDMIR PERROTTI

    So Paulo 2004

  • A ordem informacional dialgica :

    estudo sobre a busca de informao em Educao

    Candidata: Ivete Pieruccini

    Orientador: Prof. Dr. Edmir Perrotti

    Banca

    Defendida em 28 de outubro de 2004.

  • Aos meus filhos Flavia, Franco e Frederico.

    memria de meus pais.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao professor Edmir Perrotti, pela orientao, generosidade e presena.

    Aos meus filhos, pela espera e pela ajuda.

    s crianas, professores e coordenao do Colgio Termomecanica, pelo acolhimento e importantes trocas realizadas ao longo da pesquisa.

    Aos idosos

    meus velhos - da Est ao Memr ia, pelo incent ivo s minhas buscas.

    Toninha Ver dini, pela amizade e cooper ao na r eviso gr f ica dest e trabalho.

    Aos meus colegas do Depar t ament o de Bibliot ecas I nf ant o-Juvenis, pela torcida.

  • RESUMO

    Este trabalho apresenta um estudo sobre a busca de informao em Educao, tendo em vista requalific-la como parte essencial dos processos de apropriao de conhecimentos, de construo de significados e de identidade na contemporaneidade.Para tanto, defende a necessidade de dispositivos informacionais, constitudos a partir de uma ordem informacional dialgica, em oposio monolgica. Sistematiza referncias tericas e metodolgicas para sua criao, a partir da implantao e acompanhamento de uma biblioteca escolar, para crianas de educao infantil e ensino fundamental, na cidade de So Bernardo do Campo, em So Paulo.

    Palavras-chave: dispositivos informacionais; biblioteca escolar; informao;

    ordem informacional; mediao; Educao; Conhecimento; biblioteca.

    ABSTRACT

    This work presents a study about the search for information in education, keeping in mind requalifying it as an essential part of the processes of knowledge acquirement, construction of meaning and it s identity in the contemporary. For in such a way, defends the necessity of informational devices, built from a dialogical informational order, in opposition to monologic. Systemizes theoretic and methodological references for its creation, from the implantation and accompaniment of a school library, for kindergarten and fundamental education children, in the city of So Bernardo do Campo, So Paulo.

    Keywords: informational devices, school library, information; informational order;

    mediation, education; Knowledge; library.

  • SUMRIO

    Introduo

    Busca de informao: da busca vazia busca significativa 01

    Metodologia 06

    Organizao do trabalho 07

    Parte A

    A busca de informao

    1. A busca 08

    1.1 Dos sentidos da busca busca do sentido 08

    1.2 Busca e competncia 10

    1.3 Busca e significado: os limites da busca competente 25

    2. A Informao 28

    2.1 Um novo contexto sociocultural 28

    2.2 A informao e os dispositivos: mediao e mediatizao 30

    2.2.1 A biblioteca como dispositivo 37

    2.3 A busca de informao: entre a descontextualizao,

    a fragmentao do conhecimento e os dispositivos 42

    Parte B

    A ordem informacional dialgica 50

    1. O espao informacional 55

    2. O repertrio informacional 80

    2.1 Os usos 84

    3. A linguagem informacional 90

    3.1 Linguagem documentria modular 93

    3.1.1 A ordem fsica dos documentos 93

  • 3.1.2 Os sistemas de classificao 96

    3.2 Produtos documentrios 100

    3.2.1 Colees em Destaque

    100

    3.2.2 Sinalizao 103

    3.2.3 Base de dados 106

    3.2.4 Painis de novidades 111

    3.3 Linguagens no-documentrias : mediaes interpessoais 111

    3.4 As modulaes dos usos 112

    4. As prticas informacionais 125

    4.1 As prticas de gesto 125

    4.2 As prticas pedaggicas e culturais 136

    5. Infoeducao: apropriao do dispositivo,

    apropriao da informao 155

    6. Os mediadores 162

    6.1 O infoeducador 162

    6.2 O professor 166

    Parte C

    Concluses 167

    1. Da apropriao do dispositivo construo do conhecimento 167

    2. Dispositivo, educao e dialogia: as tramas do significado 183

    Parte D

    Bibliografia 188

    Parte E Anexo 1 - Informaes sobre a instituio Anexo 2 - Programas de Educao para a Informao Anexo 3 - Planta e mobilirio da BECT Anexo 4 - Roteiros dos cursos de pesquisa escolar e prticas culturais

  • Introduo

    Busca de informao: da busca vazia busca significativa

    H 25 anos atuo como bibliotecria, em bibliotecas pblicas infanto-juvenis, da

    Prefeitura de So Paulo, trabalhando, direta e indiretamente, com prticas

    informacionais envolvendo crianas e adolescentes. Em razo disso, mesmo

    se minhas funes deixaram-me distante das salas de pesquisa dessas

    bibliotecas, tenho presenciado neste quarto de sculo a repetio de uma cena

    comum : escolares, com caderno e lpis na mo, vagando procura de algum

    livro que fale sobre tal assunto , que atenda ao pedido da professora que me

    mandou fazer uma pesquisa... , completamente perdidos, desamparados, sem

    saber por onde comear, o que e como procurar. Sua expresso quase

    sempre de perplexidade, enfado ou medo, quando no de recusa diante das

    interminveis prateleiras cheias de livros, organizadas de modo

    incompreensvel, aos que no possuem as senhas de acesso aos mistrios

    dos conhecimentos ali armazenados.

    Tal descompasso levou-me a refletir sobre essa problemtica que atinge

    crianas e jovens nas bibliotecas brasileiras em geral, no apenas na que

    trabalho. Enquanto profissional da informao, no poderia ficar indiferente ao

    que ocorre, j que a situao mencionada no s frustra esforos, como dilui

    esperanas, necessidades e desejos individuais e sociais de conhecimento e

    cultura.

  • Nesse sentido, observando as dificuldades relatadas, v-se claramente

    estampado um srio problema educacional que afeta fortemente grande parte

    de nossos escolares : apesar do esforo que possam realizar indo at a

    biblioteca, no sabem como, onde, por qu, para qu buscar informao; no

    tm noo clara do que selecionar, de como tomar notas, registrar, extrair os

    dados selecionados, organiz-los, comunic-los; acham-se numa situao em

    que tudo lhes estranho, parecendo marinheiros sem bssola, lanados

    deriva nos oceanos do conhecimento.

    No admira, pois, que acabem sobrevivendo ao naufrgio informacional

    somente aqueles que por razes do destino social possuem capital intelectual

    prvio e diferenciado, os especialmente talentosos e esforados que, por fora

    de aptides pessoais, so capazes de superar as foras contrrias do ambiente

    social e cultural, os sortudos que consegue encontrar uma mo amiga que

    lhes salva do afogamento: um colega mais experimentado, um funcionrio da

    biblioteca com atuao diferenciada e especial, um outro usurio encontrado ao

    acaso entre os livros das estantes...

    Se a maioria das crianas e jovens encontra-se desarmada para as tarefas

    necessrias busca de informao, encontra-se em conseqncia incapacitada

    para se apropriar e construir conhecimentos e cultura, uma vez que o domnio

    da memria armazenada e de seus instrumentos condio de criao do

    novo.

    Neste sentido, os projetos contemporneos que aspiram mudar paradigmas

    educacionais, substituindo os modelos transmissivistas pelos construtivistas,

    acham-se inviabilizados nas bases, ao pretenderem atingir a grande massa

    estudantil. Esta no conta nem com os favores da engenharia social, nem com

    os da gentica. Depende, assim, de aes sistemticas e consistentes de

    incluso nos circuitos de produo e circulao do conhecimento que so

    desconsiderados ou no se realizam em nosso pas.

    A busca de informao, tal como tratada em nossas bibliotecas e escolas,

    coloca-a como processo natural e espontneo, deixado a cargo de um pblico

  • que no foi ensinado a pesquisar em parte alguma, nem na escola, nem na

    biblioteca, nem em casa. o reino do laisser faire, do cada um pra si, do salve-

    se quem puder !

    Ancorados na compreenso de que o acesso ao conhecimento um percurso

    extenso e complexo, implicando competncias e atitudes socialmente

    constitudas, pases com polticas educacionais que visam incluso efetiva

    das massas excludas historicamente dos circuitos de produo e circulao do

    conhecimento, realizam aes de educao para a informao que visam

    colocar crianas e jovens em condies de produtores de conhecimento, num

    mundo em que a cultura ganha contornos completamente diferenciados,

    colocando em crise no apenas contedos, mas tambm formas e modos de

    pensar, sentir e atuar.

    Ensinar a buscar informao, a pesquisar, a desenvolver o esprito e a

    autonomia investigativos so aspectos centrais includos nos programas de

    educao para a informao. Tal fato decorre da compreenso de que sem tais

    competncias e atitudes o sujeito no consegue apropriar-se das informaes

    necessrias construo do conhecimento, nem desenvolver atitudes de

    interesse em conhecer, mesmo se exposto aos diferentes produtos culturais.

    Disponibilizar, oferecer simplesmente o acesso s informaes, funciona em

    quadros em que o domnio dos instrumentos do conhecimento pelos sujeitos j

    se efetivou. Por exemplo, em bibliotecas especializadas, ou, ento, nos casos

    excepcionais que comentamos anteriormente. Sem estruturas socioculturais

    que lhe d apoio, sem saber buscar informao, a maioria dos sujeitos perde-

    se nas tramas do conhecimento, sem condies de apropriar-se nem da

    memria, nem dos saberes de seu tempo. Est incapacitado, portanto, para

    inventar e projetar o futuro.

    No sem razo, desse modo, que a literatura internacional que trata da

    educao para a informao volta-se com interesse crescente para a

    problemtica da busca da informao. Encontra-se a, nessa dimenso prtica

    e concreta, uma das chaves que definem os destinos dos sujeitos na ordem

    informacional de nossa poca. Face exploso informacional, tal expropriao

  • tender a passar cada vez menos pela falta de acesso aos documentos para

    localizar-se mais e mais na incapacidade de lidarmos com o excesso de

    informaes que nos assalta e ofertada diariamente. Transformadas em

    produto, estas tendem a estar cada vez mais expostas e acessveis no

    mercado rentvel dos signos, oferecendo-se como bens de consumo nos

    diferentes emprios culturais da contemporaneidade. Sendo assim, o

    verdadeiro problema a ser enfrentado em quadros como o da biblioteca infantil

    a que nos referimos inicialmente, ser o de oferecermos a crianas e jovens,

    alm do acesso biblioteca, condies para a transformao de seus produtos

    em bens simblicos, de seus materiais informacionais (livros, jornais, revistas,

    cds, slides, dvds, cd-roms, sites) em processos de construo de significados.

    Se a educao para a informao condio a novas prticas, h que se

    considerar, todavia, que a questo mais complexa e que limitar-se

    formao, significa localizar o problema e sua soluo apenas nos sujeitos que

    buscam, sem considerar nem a ordem informacional contempornea nem a

    ordem de seus dispositivos1. , portanto, transferir para a recepo um

    problema que certamente a afeta, mas afeta tambm os processos de produo

    e circulao cultural.

    As dificuldades vividas na biblioteca levaram-me a participar de um programa

    de pesquisas, na ECA-USP, voltado ao estudo das relaes entre a Informao

    e a Educao, sob coordenao do Prof. Dr. Edmir Perrotti.

    Tais pesquisas, ao articularem educao e ordem informacional, num mesmo e

    novo campo de estudo e ao

    a Infoeducao -, permitiram a reflexo e a

    sistematizao de dados que sero expostos ao longo desta tese que defende

    a necessidade de criao de programas voltados s aprendizagens

    informacionais na atualidade, articulados reordenao dos dispositivos de

    informao em Educao. A ressignificao do conceito de busca de

    1 Conforme Peraya, o termo dispositivo aqui tomado em acepo especfica e ser objeto de consideraes na Parte A (item 2), em que apresentado o quadro terico desta investigao.

  • informao, nos termos considerados pelo cognitivismo cultural de Bruner2 - ou

    seja, ato e matria cognitivos que mobilizam diferentes faculdades e dimenses

    do sujeito e da sociedade - passa, ao que parece, pela articulao em questo,

    j que buscar no simplesmente ato de localizao e processamento de

    matria cuja dimenso simblica e destinos so indiferentes aos sujeitos e aos

    contextos de que participam. , antes, movimento duplo e dinmico de

    construo de identidade e de criao de significados para o mundo.

    No quadro dessas pesquisas, participei, no perodo de 2002 a 2004, de um

    grupo3 interdisciplinar responsvel pela criao de uma biblioteca escolar, no

    municpio de So Bernardo do Campo4. Tal engajamento permitiu-me vivenciar

    uma rica e diversificada experincia, relatada nesta tese, possibilitando-me

    sistematizar questes que, espero, possam contribuir efetivamente para a

    superao do problema que motivou este trabalho.

    2 Ver a respeito BRUNER, J. Atos de significao, 1997. 3 O projeto foi criado e coordenado pelo Prof. Dr. Edmir Perrotti; a Profa. Dra. Cibele Haddad Taralli (FAU/USP) elaborou o projeto arquitetnico. O projeto do sistema documentrio e informacional foi de minha responsabilidade. 4 Ver anexo 1

  • Metodologia

    Os objetivos desta investigao exigiram a opo pela pesquisa participante,

    como mtodo de trabalho. S a atuao direta no terreno permitiria-nos

    capturar o conjunto necessrio de elementos constitutivos das diferentes

    instncias que atuam na problemtica de que nos ocupamos. Tal opo,

    todavia, completou-se com o estudo de literatura selecionada da rea,

    indispensvel ao delineamento de questes essenciais implicadas na temtica

    em causa.

    O trabalho desenvolveu-se, assim, a partir de:

    1. Pesquisa bibliogrfica, incluindo:

    a)- reviso de literatura sobre o contexto sociocultural da informao da

    contemporaneidade;

    b)- reviso de literatura sobre os conceitos de busca, pesquisa, dispositivos,

    educao para a informao (e correlatos) como ferramentas para a anlise do

    objeto em suas diferentes dimenses operacionais e terico-conceituais.

    2. Pesquisa de campo

    A pesquisa de campo foi desdobrada em:

    a)- participao direta do pesquisador no processo de planejamento e

    implantao do dispositivo;

    b)- participao em atividades de formao dos educadores;

    c)- participao em programa de acompanhamento aos professores e

    coordenao pedaggica, por meio de reunies mensais, duante os meses de

    junho de 2003 a abril de 2004, aps abertura da biblioteca.

  • Alm da participao direta, a pesquisa incluiu depoimentos gravados e escritos

    de educadores e alunos. Os dados resultantes dessas diferentes estratgias

    foram sistematizados e constituem o corpus de anlise da tese.

    Organizao

    Este trabalho est organizado em cinco partes: Parte A - apresenta o Quadro

    referencial, tendo em vista a abordagem da problemtica da busca de

    informao e do contexto sociocultural da informao; Parte B - apresenta a

    pesquisa de campo, a anlise e sistematizao dos dados da investigao;

    Parte C- apresenta as concluses, com os resultados educacionais da

    pesquisa; Parte D - inclui a bibliografia utilizada e as referncias bibliogrficas

    das fontes citadas; Parte E- rene os Anexos.

  • 1. A busca

    1.1 Dos sentidos da busca busca com sentido

    De acordo com o Dicionrio Bsico da Lngua Portuguesa5, busca significa

    procura com um fim de encontrar alguma coisa; investigao cuidadosa;

    pesquisa; movimento ntimo para alcanar um fim. Trata-se de palavra que

    implica ao externa e interna de movimento em direo a algo necessrio ou

    desejado por algum, com a finalidade de responder a uma necessidade

    pessoal de satisfao. O termo busca possui, assim, tanto uma dimenso fsica

    quanto simblica e encontra seu correspondente no termo apropriao,

    entendido como processo pelo qual nos apoderamos, para dele fazer nossa

    propriedade individual, do que no pertence a ningum ou a toda gente 6, ou

    seja, de transformao do que comum (a memria, o conhecimento) em algo

    que seja prprio e nico, constitudo no jogo entre o particular e o universal, o

    subjetivo e o objetivo.

    Nesse sentido, vale a pena abordar a literatura especializada para verificar a

    dimenso em que a questo vem sendo tratada, uma vez que a disseminao

    do termo, promovida por seu uso freqente aps o advento da internet, alterou-

    lhe o sentido, ao introduzir novas dimenses aos processos nele implicados.

    Hubert Fondin7, da Universidade de Bordeaux III, considera que as

    investigaes em torno da busca de informao

    a recherche

    documentaire so cada vez mais numerosas nas comunidades escolares em

    diferentes lugares (Frana, Blgica, Quebec), uma vez que se inscrevem num

    5 FERREIRA, A. B. de H. Dicionrio bsico da lngua portuguesa. p. 109 6 LALANDE, A. Vocabulrio tcnico e crtico da filosofia, p.83 7 FONDIN, H. La recherche documentaire dans les tablissements scolaires franais. Disponvel em: [http://www.ulb.ac.be/project/learnet/Coll/#Heading105] Acesso em: 25 maio 2003

    http://www.ulb.ac.be/project/learnet/Coll/#Heading105]

  • contexto muito atual na sociedade da informao, onde todos tm necessidade

    de saber encontrar informao. Porm, esta competncia documentria no

    difundida. Trata-se de desenvolver, ao mesmo tempo, uma competncia tcnica

    para a localizao de documentos e a habilidade de lidar com um saber, uma

    informao e todos os elementos teis contidos nesses documentos. Neste

    sentido, a pesquisa documentria/bibliogrfica/informacional refere-se ao

    processo necessrio para encontrar suportes com contedos pertinentes (que

    informam), conservados em uma memria pessoal ou coletiva (colees,

    bancos, fichrios), em resposta a uma necessidade informacional expressa por

    uma pessoa8.

    O termo pesquisa informacional, segundo Morizio9, aplica-se tambm a

    documentos, mas documentos em mutao, s formas mltiplas, que se

    misturam s fronteiras entre emissor, difusor e receptor. Segundo ele, a rede

    das redes Internet trouxe para os domnios pblicos e o ciberespao novo

    emblema do enciclopedismo universal 10. A pesquisa documentria, acrescenta,

    aplica-se a documentos estruturados, editados dentro de um circuito de

    distribuio controlada por especialistas, diferindo da situao informacional

    que sufoca o usurio, colocando em evidncia a necessidade de aproximar as

    relaes entre acesso informao e construo de saberes.

    Dentro de tal quadro, evidencia-se, portanto, a necessidade da interveno de

    mediaes, tendo em vista a formao de competncias informacionais, nos

    termos propostos por Perrenoud11. Buscar no um gesto simples, mera

    habilidade, mas competncia, capacidade operatria complexa, que contempla,

    pelo menos:

    a)- identificao do tema e formulao de uma pergunta: abordagem lexical,

    temtica e contextual do problema e definio do interesse do pesquisador;

    b)- a busca das fontes e localizao da informao;

    c)- seleo e elaborao da informao;

    d)- produo/criao de novas informaes.

    8 FONDIN, H. Op. Cit. 9 MORIZIO, C. La recherche dnformation. 10 Idem, ib. p.6 (Nossa traduo) 11 PERRENOUD, P. Construir as competncias desde a escola, p.7

  • 1.2 Busca e competncia

    Segundo Perrenoud, medida que as aes humanas tornam-se mais

    complexas, abstratas, mediatizadas por tecnologias (e) apoiadas em modelos

    sistmicos da realidade (exigem) conhecimentos aprofundados, avanados,

    organizados e confiveis 12. Assim, define o conceito de competncia como

    capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situao, apoiado

    em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles 13. A chamada evoluo do

    mundo requer uma flexibilidade e criatividade crescentes dos seres humanos,

    no trabalho e na cidade. Nesta perspectiva, confere-se escola a misso

    prioritria de desenvolver a inteligncia como capacidade multiforme de

    adaptao s diferenas e mudanas. A inequvoca importncia da

    interconexo entre conhecimentos, tendo em vista a construo e criao de

    conhecimento, vem sendo abordada a partir da teoria de educao por

    competncia, desenvolvida, especialmente em pases anglo-saxes (sobretudo

    Inglaterra, Estados Unidos, Canad) e Frana.

    As concepes que embasam a formao para o aprendizado de competncias

    defendem que mais significativo ensinar a agir que simplesmente ensinar, por

    isso o aprendizado de conhecimentos vem sendo substitudo pela prtica da

    ao com a informao. Embora constituindo um desafio enorme, quase utopia,

    os partidrios desta linha entendem que seria um caminho para sair da atual

    crise educacional experimentada em diferentes partes do mundo. Em sua

    perspectiva, a aposta no ensino por competncias poder atuar no sentido de

    estabelecer um outro paradigma eficaz contra a crise de aprendizagem , que

    atinge segmentos diversificados. O desenvolvimento de uma prtica de ensino

    por competncias atuaria contra a descontextualizao do conhecimento e a

    favor da participao do aluno em seu prprio processo de ensino-

    aprendizagem, possibilitando-lhe, sobretudo, aprender a identificar e a

    12 Idem, ib. p7 13 Idem, ib. p.7

  • encontrar os conhecimentos pertinentes, necessrios formulao das ligaes

    que atuam nos processos de compreenso e reinveno dos fenmenos14.

    Perrenoud considera que, para solucionar problemas, a mente humana faz uso

    de vrios recursos complementares entre si, conhecimentos elementares e

    esparsos, articulados a outros mais complexos e organizados, todos atuando a

    partir de circuitos mentais em rede. Neste sentido, desvincula a noo de

    competncia da idia de implementao racional e direta dos conhecimentos,

    dos modelos de ao ou de procedimentos15, esclarecendo que no se trata de

    desenvolver competncias na escola, mas constituir um novo programa de

    conhecimento, no qual se incluem os conhecimentos disciplinares, porm

    gerenciados por competncias que ponham os conhecimentos a favor do

    esclarecimento de questes de interesse do sujeito.

    Para Perrenoud, a articulao entre determinados tipos de conhecimentos

    (declarativos, que descrevem a realidade; procedimentais ou metodolgicos;

    condicionais, que determinam condies de validade dos conhecimentos

    procedimentais), tal como os classifica a cincia cognitiva, adquire significado

    por meio da ativao de esquemas lgicos de alta abstrao, postos em prtica

    pelo sujeito no momento de solucionar determinada situao-problema16. A

    formao da competncia seria, ento, resultado da execuo de aes que

    mobilizam conhecimentos e outros elementos de ordem cognitiva como

    atitudes e posturas mentais, curiosidade, paixo, busca de significado, desejo

    de tecer laos, relao com o tempo, maneira de unir intuio e razo, cautela e

    audcia 17. O processo, segundo ele, produz a formao de esquemas

    mentais, a servio de uma ao eficaz. Os esquemas de mobilizao de

    diversos recursos cognitivos, ao serem ativados diante de uma ao complexa,

    desenvolvem-se e estabilizam-se conforme a prtica em causa e a postura

    reflexiva a ela associada. A mobilizao de conhecimentos e de diferentes

    elementos, tanto psicolgicos quanto socioculturais, resulta, assim, de

    aprendizagens construdas em situaes de interao, aleatrias, em

    14 Idem, ib., p.22 15 Idem, ib., p.8 16 Idem, ib., p.9 17 Idem, ib. p.8

  • diferentes graus de repetio e de variao (...) graas a um engajamento

    pessoal em

    seguidos intercmbios e um forte desejo de entender e fazer-

    entender 18.

    A formao da competncia estvel ocorre somente quando a mobilizao dos

    conhecimentos aciona/transforma esquemas mentais constitudos. Para

    explicar o fenmeno, o autor recorre a Piaget, segundo o qual, os esquemas

    mentais so estruturas invariantes de uma operao ou de uma ao,

    adquiridos pela prtica, mas tambm a partir de conceitos19. Um conjunto de

    esquemas constitudos forma o habitus, que se constitui num sistema de

    disposies durveis e transponveis que, integrando todas as experincias

    passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepes,

    apreciaes e aes e torna possvel a execuo de tarefas infinitamente

    diferenciadas, graas s transferncias analgicas de esquemas que permitem

    resolver os problemas da mesma forma 20 . Assim, uma competncia orquestra

    um conjunto de esquemas e envolve diversos esquemas de percepo,

    pensamento, avaliao e ao, que suportam inferncias, antecipaes,

    transposies analgicas, generalizaes, apreciao de probabilidades,

    estabelecimento de um diagnstico a partir de um conjunto de ndices, busca

    das informaes pertinentes, tomadas de deciso.

    O desenvolvimento de competncias exige recursos mobilizveis, dentre eles

    informaes, saberes, acrescidos e amalgamados a outros recursos presentes

    no indivduo. Este, por sua vez, tendo em vista desenvolver uma ao eficaz em

    determinada situao complexa, mobiliza, relaciona, funde os recursos

    disponveis em uma totalidade mais rica do que sua simples unio aditiva21.

    Um dos papis fundamentais da competncia consiste em detectar analogias,

    nem sempre evidentes primeira vista, superando automatismos e

    desenvolvendo o uso da razo crtica, meios capazes de estabelecer ligaes

    entre situaes especficas e pontuais a um conjunto lgico de anlise. As

    18 Idem, ib. p.21 19 Idem, ib. p.23 20 BOURDIEU, P. Esquisse dune histoire de la pratique. Genebra : Droz, 1972, apud, PERRENOUD, P. Construir as competncias desde a escola, p.24 21 PERRENOUD, P.Op. cit. p.28

  • analogias resultam de uma elaborao e de uma busca, portanto, e,

    principalmente, do desejo de mergulho na complexidade das questes, porque

    somente em casos mais simples que as analogias se mostram

    instantaneamente.

    Perrenoud esclarece ainda que uma competncia se constitui a partir da

    constatao da capacidade de relacionar pertinentemente conhecimentos

    prvios a problemas. Este processo, desenvolvido a partir de determinado

    modo de funcionamento cognitivo, implica igualmente repetio e criao de

    novas solues: a competncia, ao mesmo tempo em que mobiliza a

    lembrana das experincias passadas, livra-se delas para sair da repetio,

    para inventar solues parcialmente originais, que respondem, na medida do

    possvel, singularidade da situao presente 22. Neste ponto, o autor identifica

    a importncia das informaes e conhecimentos recebidos pelos indivduos, na

    escola, os contedos disciplinares e transversais, a partir dos quais as

    estruturas cognitivas operam. Segundo ele, a dificuldade no est nos

    contedos, uma vez serem imprescindveis s competncias, porque oferecem

    e alimentam as representaes, a partir das quais os recursos cognitivos so

    mobilizados. Sua crtica aos contedos, entretanto, quanto falta de

    objetivao do aprendizado de contedos disciplinares, a favor de um processo

    de formao que vise construir conhecimentos significativos necessrios

    soluo de problemas concretos na vida, ou seja, que encontrem eco na mente

    do aprendiz 23. Dado o quadro apresentado, o autor entende que preciso

    investir em mtodos ativos e diferenciados, respeitando novos preceitos

    educativos que considerem: incluir os conhecimentos como recursos a serem

    mobilizados; trabalhar regularmente por problemas; criar ou utilizar outros

    meios de ensino; negociar e conduzir projetos com os alunos; adotar um

    planejamento flexvel e indicativo e improvisar; implementar e explicitar um novo

    contrato didtico; praticar uma avaliao formadora em situao de trabalho;

    caminhar em direo a uma menor compartimentao disciplinar 24.

    22 Idem, ib. p.31 23 Idem, ib. p.45 24 Idem, ib. p.53

  • Considerando tais critrios, Perrenoud entende ser possvel superar o

    paradigma de formao como transmisso e transferncia de conhecimentos

    que visam ao desenvolvimento de algumas capacidades intelectuais gerais e a

    aprendizagem como exerccio repetitivo para consolidao de conhecimentos.

    Esta tendncia de trabalhar para a formao geral, separada e abstrata, com

    capacidades descontextualizadas como saber comunicar, raciocinar,

    argumentar, negociar, organizar, aprender, procurar informaes, conduzir uma

    observao, construir uma estratgia, tomar ou justificar uma deciso deveria

    ser substituda, conforme Perrenoud, por um outro enfoque, no-quantificvel,

    ou seja, de vinculao com o conhecimento, sob a perspectiva de

    comportamento e atitude de vida: um novo habitus indispensvel

    sobrevivncia da espcie humana. Tal processo, entretanto, demanda uma

    outra natureza de relaes dos educadores com o conhecimento e com o

    saber, bem como do seu ofcio de dar aula , da reviso do papel e

    competncias profissionais, de identidade do professor.

    As articulaes entre processos cognitivos e conhecimento, formuladas por

    Perrenoud indicam que o resultado da aplicao do ensino por competncia

    no s tem em vista a substituio do paradigma de transmisso de contedos

    entre professor-aluno, mas a implantao de um novo mtodo capaz de atuar

    sobre os processos de apropriao do conhecimento, na medida que coloca em

    jogo o indivduo em toda sua complexidade em relao direta com o universo

    cultural dos meios com que convive.

    O conceito de ensino por competncia emerge da crtica ineficcia, portanto,

    das formas e das dificuldades de aprendizado diante do desinteresse do aluno

    pela memria social registrada, embora no objetivamente considerado pelo

    autor, tendo-se estabelecido como referncia em diferentes pases de lngua

    francesa e anglo-saxnica, do ensino fundamental ao ensino mdio, no mbito

    dos currculos de educao geral, profissionalizante e aprendizado dos saberes

    elementares como ler, escrever.25

    25 PERRENOUD, P. Op. cit p.12

  • A educao por competncia, de que trata Perrenoud, tem correlao com a

    educao para a informao (information literacy ou ducation a linformation),

    que surgiu a partir do final da dcada de 1980, sobretudo na Inglaterra, Frana,

    Estados Unidos e Canad.

    A American Library Association (ALA), por meio do Comit Presidencial de

    Educao para a Informao, apresentou Relatrio Final, em 1989, no qual

    estabeleceram-se alguns conceitos relacionados problemtica da informao

    na atualidade, com vistas a orientar novos paradigmas em educao. O

    relatrio indicava que todo ser humano pensante precisa ser ensinado a lidar

    com informao, sendo necessrio desenvolver nos alunos the skills to be able

    to locate, evaluate, and effectively use information for any given need"26. A

    capacidade de lidar com a informao, acrescentava o relatrio, no deveria

    restringir-se unicamente palavra impressa, devendo incluir a competncia

    para o uso da informao visual, computacional, das mdias em geral, de redes,

    alm das competncias bsicas. Em razo disso, o conceito de information

    literacy 27 faz parte de um campo conceitual mais amplo, incluindo outros

    conceitos28, como information competence, media literacy, computer literacy,

    visual literacy, lifelong learning, resource-based learning.

    Tais referenciais constituram parmetros29 que identificam as competncias

    necessrias para a information literacy , reunidas em trs grandes blocos:

    26 Ver documento Disponvel em:[http:// www. ala.org/.../ACRL/Publications/White_Papers_and_Reports/ Presidential_Committee_on_Information_Literacy.htm] Acesso em 1 jul. 2003 27 WORK GROUP ON INFORMATION COMPETENCE. Commission on Learning Resources and Instructional Technology (CLRIT), California State University (CSU) system. Information Competence in the CSU: A Report. Dec. 1995.Disponvel em [http://www.csupomona.edu/~library/InfoComp/definition.html] Acesso em 1 jul. 2003 28 information competence: the ability to find, evaluate, use, and communicate information in all of its various formats the fusing or the integration of library literacy, computer literacy, media literacy, technological literacy, ethics, critical thinking, and communication skills media literacy the ability to decode, analyze, evaluate, and produce communication in a variety of forms computer literacy the ability to use a computer and its software to accomplish practical tasks" ( )"the regular use of a major microcomputer application, such as word processing visual literacy the ability, through knowledge of the basic visual elements, to understand the meaning and components of the image lifelong learning ...the deliberate and intentional efforts of learners themselves, consciously planned, self-managed, and generally in proportion to their motivation, their ability and the opportunities available to them ... [that is] deliberate self-directed learning resource-based learning the achievement of both subject and information literacy objectives through exposure to and practise with diverse resources. 29MORIZIO, C. Op. cit. p.93-4

    http://www.csupomona.edu/~library/InfoComp/definition.html]

  • a)- saber acessar a informao com eficcia e pertinncia, incluindo o

    reconhecimento da necessidade de informao, o reconhecimento de que uma

    informao adequada e exaustiva permite tomar boas decises, o saber

    formular perguntas que traduzem a necessidade pessoal de informao, a

    identificao da diversidade de fontes informacionais potenciais e o saber

    desenvolver estratgias de busca eficazes para localizar a informao;

    b)- capacidade crtica em relao informao, incluindo saber determinar o

    nvel de adequao, pertinncia e exaustividade da informao, distinguir entre

    dados fatuais e pontos de vista, saber identificar informao inadequada ou

    errnea e saber selecionar a informao adequada para responder

    necessidade de informao demandada;

    c)- capacidade de uso pertinente e criativo da informao, especialmente a

    capacidade de organizao da informao para uma aplicao concreta, o

    saber integrar uma nova informao ao conjunto de conhecimentos pr-

    existentes, utilizar a informao para resolver problemas ou discutir questes e,

    finalmente, publicar os conhecimentos, produzindo e comunicando uma

    informao e idias sob uma forma adequada.

    Por sua vez, A IFLA

    International Federation of Library Information and

    Institutions - estabeleceu para sua Seo Information Literacy, no binio 2001-

    2002, dar enfoque a todos os aspectos da information literacy, incluindo

    educao de usurios, ensino de biblioteca, ensino bibliogrfico. Do ponto de

    vista de prioridades profissionais, prope a promoo da alfabetizao e leitura,

    desenvolvimento de profissionais de bibliotecas; promoo de padres,

    orientao e melhoria das prticas30. Seu enfoque muito mais quantitativo,

    com ampliao de aes que do suporte implementao da leitura, porm de

    carter mais amplo.

    Nos Estados Unidos, M. Eisenberg e R. Berkowitz (The Information School

    University of Washington) desenvolveram um programa denominado The Big

    30 Cf. documento IFLA disponvel em[http:// www.ifla.org/VII/s42/sil.htm] Acesso em 1 jul 2003

    http://www.ifla.org/VII/s42/sil.htm]

  • Six Skills (As seis grandes habilidades)31, que inclui um programa, a definio

    de um processo aplicado resoluo de problemas de informao e um

    conjunto de habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos para a efetivao

    da busca e atendimento s necessidades informacionais. Voltado, sobretudo,

    para alunos do ensino secundrio e superior, esse programa pode ser usado

    sempre que os alunos estiverem numa situao, de estudo ou pessoal, em que

    for necessrio resolver um problema, tomar deciso ou realizar uma tarefa .

    The Big 6 (como tratado o programa) prope seis reas bsicas, necessrias

    ao desenvolvimento das competncias informacionais:

    a)- definio da tarefa (problema e necessidade de informao);

    b)- estabelecimento de estratgias de pesquisa de informao (determinao

    de fontes potenciais e seleo das melhores fontes);

    c)- localizao e acesso (localizao das fontes e descoberta da informao);

    d)- uso da informao (tomada de conhecimento da informao pela leitura e

    escuta e extrao da informao);

    e)- sntese (organizao e apresentao da informao);

    f)- avaliao (apreciao da produo final e do processo da pesquisa de

    informao)32.

    O BIG6 estabelece estratgias de pesquisa, incluindo todas as etapas desde a

    definio de um tema de interesse produo de um trabalho escolar. Inclui

    estratgias de busca, cujo objetivo tentar que o aluno procure descobrir uma

    relao entre o que foi pedido pelo professor e algo de seu universo referencial.

    Para que o trabalho no se torne mera reproduo dos fatos, o programa

    orienta que o aluno deve aprender a desenvolver uma questo essencial a ser

    pesquisada. Se as anotaes estiverem correta e suficientemente escritas, os

    autores consideram que a tarefa essencial ser redigir e processar crtica e

    criativamente a informao encontrada.

    31 QUS4PER: Self Questioning Model for Resource Based Learning. Disponvel em [http://www.adelaidehs.sa.edu.au/rblweb/rblsue.html] Acesso em 1 jul 2003. O termo habilidade corresponde aqui s competncias na acepo de Perrenoud. 32 MORIZIO, C. Op.cit. p.72

    http://www.adelaidehs.sa.edu.au/rblweb/rblsue.html]

  • Para a realizao das tarefas em cada etapa, BIG6 apresenta um extenso,

    complexo e trabalhoso roteiro a ser preenchido pelo aluno-pesquisador no

    desenvolvimento de seu trabalho.33

    Um outro programa em vigncia tambm nos Estados Unidos o de Caroline

    Kulthau, cujos pontos principais: preparao para a ao, escolha de um objeto

    de pesquisa, explorao preliminar, formulao de objetivos, coleta,

    apresentao e avaliao do resultado e do processo, incorporam categorias

    afetivas do processo de aprendizagem, em especial a incerteza e apreenso

    prprios da relao com o novo , com a informao, com o desconhecido.

    Segundo as orientaes estabelecidas neste modelo, aparecero sentimentos

    de ansiedade, dvida, de consolo e de confiana, inerentes prtica de

    pesquisa informacional, gerando mudanas no sujeito, tanto de ordem

    emocional quanto de carter cognitivo34.

    Um dos trabalhos mais completos encontrados, dentro do quadro de orientao

    ao uso da informao para projetos de pesquisa com alunos, desenvolvido

    pela EBSI (cole de Bibliotheconomie et Sciences de Information), de Montreal.

    Disponvel na web, concebido por Guertin e sob a superviso geral de Paulette

    Bernhard35, coloca em rede informaes sobre concepes, procedimentos,

    processos e tcnicas necessrios explorao dos recursos da biblioteca e da

    internet. Apresenta etapas do trabalho de pesquisa informacional, remetendo,

    por meio de links, aos objetivos e requisitos ao desenvolvimento de cada

    atividade. A partir das etapas abaixo, uma srie de outras informaes

    interligadas oferecem um plano de todo circuito de informaes a que o

    interessado tem acesso:

    Etapa 1: Compreenso do assunto

    Etapa 2: Pesquisa de informao

    Etapa 3: Seleo dos documentos

    Etapa 4: Seleo da informao

    33 Ver anexo 2 34 MORIZIO, C. Op. cit. p.73 35 Pginas do site, com traduo nossa, esto no Anexo 2.

  • Etapa 5: Tratamento da informao

    Etapa 6: Comunicao da informao

    Na Frana, a idia da educao (ou formao) para a informao se

    desenvolve paralelamente ao crescimento das concepes de prticas de

    trabalho autnomo, do controle permanente dos conhecimentos e dos savoir-

    faire. O objetivo, no quadro francs, sobretudo, o desenvolvimento de prticas

    de formao eficazes, acompanhadas de mecanismos de avaliao.

    A FADBEN - Fdration des enseignants documentalistes de l Education

    nationale - realizou trabalho detalhado, incluindo capacidades especficas,

    dedicadas ao atendimento a alunos do ensino secundrio francs. O quadro,

    tambm apresentado por Morizio36, indica sete blocos de operaes, cujo

    domnio revelam a competncia de informar-se e informar. O processo inicia-se

    com:

    a)- saber elaborar um projeto, incluindo a definio do objetivo de pesquisa e

    tarefa, a elaborao do cenrio da pesquisa e a determinao dos passos da

    aprendizagem;

    b)- questionar, incluindo o saber mobilizar as idias e os conhecimentos para

    fazer a investigao do objeto de estudo, enunciar uma lista de perguntas

    acerca do objeto, agrup-las por temas, enunciar, listar e agrupar os conceitos,

    estabelecer um campo semntico relativo ao assunto, ligar campos de

    conhecimento relacionados, formular hipteses, colocar em relao os recursos

    informacionais e o tema da pesquisa;

    c)-identificar os recursos, em especial saber identificar as fontes informacionais,

    orientar-se nos ambientes informacionais, orientar-se nos sistemas de

    informao, saber distinguir os documentos de acordo com sua natureza e

    especificidade do suporte e conhecer a estrutura dos diferentes tipos de

    documentos;

    d)- saber recuperar dados, especificamente saber interrogar uma base de

    dados e/ou saber acessar diretamente as fontes informacionais, saber

    36 MORIZIO, C. Op. Cit., p.95-6

  • selecionar as referncias obtidas em funo de critrios de atualidade,

    procedncia, pertinncia, produo esperada, pluralidade de informaes;

    e)- ter capacidade de leitura e escrita de informaes, em termos de saber

    reconhecer e apropriar-se do contedo dos dados; saber recuperar e selecionar

    dados; tratar os dados e apropriar-se da informao; saber apreender a

    subjetividade da informao; saber tomar notas a partir de documentos de

    todas as naturezas, saber passar de um cdigo a outro;

    f)- saber produzir e comunicar implica saber identificar e caracterizar os

    diferentes modos de comunicar uma informao, saber escolher um modo de

    produo conforme o contexto comunicacional desejado, saber definir critrios

    para realizar uma produo e saber comunicar a produo;

    g)- saber avaliar, especificamente, saber realizar uma auto-avaliao da prpria

    produo, como tambm da produo dos demais, saber avaliar o processo em

    termos da estratgia de pesquisa, saber avaliar os resultados em termos das

    dificuldades e conquistas, saber colocar em questo a representao inicial

    mobilizadora da pesquisa.

    No contexto de programas visando as aprendizagens informacionais em

    bibliotecas escolares, M. Butlen, M. Couet e L. Dessailly publicaram no Savoir

    lire avec les bibliothques centres documentaires (1996), editado pelo CRDP

    Acadmie de Crteil, um estudo reunindo diversos trabalhos voltados

    problemtica do desenvolvimento de competncias desejveis e indispensveis

    aos jovens leitores do sculo XXI e descrio das funes das Bibliotecas

    escolares para crianas e jovens a partir das questes que envolvem a leitura e

    as novas formas de ler na atualidade. A publicao apresenta e discute

    questes envolvendo, portanto, biblioteca, leitura e competncias

    informacionais, agregando contribuies da produo canadense, cujas

    preocupaes afinam-se fortemente ao paradigma francs.

    Um quadro37, includo no trabalho por Butlen et alii, denominado Apprendre

    sinformer, demonstra o nvel de especificidade que as prticas informacionais

    37 O quadro, produzido por Luce Marquis, Qubec, encontra-se no Anexo 1. A traduo do texto de nossa autoria e, por escapar ao nosso interesse nesse momento, no inclumos a tabela constante do quadro original, referente aos nveis escolares mais propcios para o incio e reforo dessas aprendizagens, uma

  • devem alcanar, tendo em vista o objetivo de desenvolver as habilidades

    informacionais nos alunos, entre 6 a 12 anos de idade.

    A problemtica da educao para a informao ainda nova nos circuitos

    acadmicos nacionais. Em levantamento efetuado na rede USP, foi encontrada

    apenas uma dissertao de mestrado38 , tratando especificamente da temtica.

    Neste trabalho, basicamente elaborado a partir da discusso da literatura em

    lngua inglesa, so ressaltadas a problemtica da avalanche informacional

    contempornea e a urgente necessidade de transformar o papel das bibliotecas

    e bibliotecrios, na perspectiva do desenvolvimento de um novo paradigma

    para a formao e educao de alunos e forma ttica para lidar com os dados

    em circulao. Os objetivos do trabalho visam, sobretudo, levantar e

    sistematizar a literatura sobre o tema e sensibilizar para o conjunto de novas

    necessidades que tanto as instituies de informao e educao, quanto seus

    profissionais precisam suprir face problemtica informacional contempornea.

    No entanto, a expresso busca, ou mais comumente a busca de informao ,

    pesquisa , dentro do quadro geral da literatura da rea, est referida,

    sobretudo, apenas a procedimentos de identificao, localizao,

    processamento e comunicao de informaes, tendo em vista o estudo ou a

    tomada de deciso sobre algum problema, previamente identificado e definido

    pelo interessado. A busca, nesta perspectiva, constitui-se, ento, simplesmente

    em etapa da pesquisa documentria ou informacional que se segue

    formulao do questionamento pelo pesquisador. Nesse sentido, a realizao

    da busca pressupe uma srie de passos articulados e organizados e o

    domnio de ferramentas indispensveis ao aceso das informaes

    armazenadas nos dispositivos especializados, como condio necessria

    obteno de resultados satisfatrios. Na prtica, ela implica atividades de

    identificao das fontes locais ou distncia, domnio das estruturas e

    ferramentas para o dilogo com elas. Objetivamente, na prtica informacional, a

    busca refere-se :

    vez que seria essencial um estudo rigoroso para a definio de correspondncias em relao aos parmetros brasileiros. 38 DUDZIAK, E.A. A Information Literacy e o papel educacional das bibliotecas. So Paulo, 2001 (Dissertao de mestrado apresentada ECA/USP)

  • 1. localizao dos recursos informacionais, nos quais est armazenada a

    memria social: fontes locais, sob diferentes suportes (impressos,

    audiovisuais e multimdia); fontes eletrnicas remotas na web; fontes

    orais vivas (humanas). A busca em cada natureza de recurso implica o

    domnio de competncias especficas, tanto de ordem tcnica, quanto

    relacional e cognitiva, sem perder de vista a problemtica dos

    dispositivos informacionais j levantada.

    2. localizao das informaes no interior da fonte informacional:

    reconhecimento de sua estrutura, lgica de organizao, linguagens e

    interaes especficas.

    No mundo contemporneo, diante da avalanche de informaes, chegar s

    fontes , todavia, um complexo percurso que implica:

    3. reconhecer a existncia de um dispositivo capaz de fornecer o que se

    deseja;

    4. poder acessar e saber articular-se no interior do dispositivo, familiarizar-

    se com ele;

    5. dominar o funcionamento das ferramentas nas quais a informao est

    guardada;

    6. saber como perguntar ao dispositivo;

    7. saber ler a resposta;

    8. saber combinar perguntas e respostas para continuar o percurso no

    dispositivo at atingir o objetivo almejado.

    Alm disso, dentro do quadro de nossa investigao, em que colocamos em

    foco a problemtica da construo de conhecimentos e de criao de

    significados, a busca de informao no se restringe simplesmente aos

    processos indicados, mas apresenta uma dimenso operatria complexa,

    constituda tanto de aspectos prticos como subjetivos e culturais. Para a

    apropriao das representaes, no basta somente atuar. preciso, tambm,

    saber, querer, poder. Dado o contexto informacional vigente, poder apropriar-se

    implica competncia de busca dos e nos dispositivos e formao de atitudes

    que levem o sujeito a lanar-se de modo ativo sobre o conhecimento. Dentre

    essas competncias identificamos: domnio de ferramentas tcnicas e

  • tecnolgicas; capacidades cognitivas compatveis com a natureza das relaes

    materiais e simblicas em articulao nos dispositivos; domnio de linguagem;

    comportamentos e atitudes de recepo interessada e ativa, iniciativa e

    capacidade de julgar e tomar decises apropriadas com o fim desejado.

    A construo do conhecimento, finalidade ltima do processo de busca de

    informao, implica, citando Burke39, a participao do sujeito no processo de

    transformao do que relativamente `cru naquilo que foi `cozido,

    processado ou sistematizado pelo pensamento . O conhecimento resulta da

    capacidade de realizar atos, tais como perceber, lembrar, imaginar, falar, refletir

    e pensar a partir de contedos concretos e, ao mesmo tempo, estabelecendo

    vinculaes de sentido entre eles e a realidade, mantendo relaes

    indissociveis e permanentes entre conhecer e agir.

    Conforme alerta Hannah Arendt: o fio da tradio est rompido, e temos de

    descobrir o passado por ns mesmos

    isto , ler seus autores como se

    ningum os houvesse jamais lido antes 40. Nesta perspectiva, a busca e a

    pesquisa transformam-se em instrumentos indispensveis que se desenvolvem

    no sentido de recompor o quadro de relao com a memria social, uma vez

    que os circuitos de transmisso alteraram-se e no h como reestabelecer os

    nexos, as interaes, o dilogo com o patrimnio acumulado, seno pela

    procura de significados, juntando informaes e conhecimentos na tentativa de

    compreender e dar sentido existncia. O que buscar, como buscar, por que

    buscar so interrogaes necessrias em nosso tempo, marcado pela

    mobilidade e instabilidade das rpidas mudanas que a circulao planetria

    das informaes faz gerar. Uma verdade, reconhecida universalmente, pode vir

    por terra em frao de segundos por meio de uma informao emitida a

    milhares de quilmetros de distncia, a bilhes de pessoas simultaneamente. O

    mundo gira em torno desta natureza de sociabilidade globalizada. As distines

    entre o certo ou o errado, o verdadeiro ou o falso, no mais so referncias

    herdadas por transmisso de valores passados de gerao a gerao, mas

    refeitas permanentemente no fluxo cotidiano de interaes de todas as ordens.

    39 BURKE, P. Uma histria social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot, p.19 40 ARENDT, H. A crise na cultura: sua importncia social e poltica. In: ______. Entre o passado e o futuro, p.257

  • Se a busca sempre foi condio de sobrevivncia, como instrumento

    descoberta das coisas necessrias satisfao de necessidades humanas

    mais imediatas, como alimentar-se e procriar, hoje ela assume contornos que

    parecem escapar ao mbito da natureza. As novas condies de

    desenvolvimento, contudo, no eliminaram a luta pela sobrevivncia, apenas a

    deslocaram.

    A mitologia nos ensina a importncia da busca para a construo dos sujeitos.

    Contam as histrias que o heri se constitui sempre a partir de uma busca que

    ele empreende no intuito de encontrar a soluo para algum problema, que no

    seu somente, mas de seu grupo. Para enfrentar o desafio, preparado

    recebendo instrues de pessoas experientes ou de entidades mgicas que o

    alertam e o orientam sobre os perigos de seu trabalho; de sua parte, o heri

    vasculha, dentre seus pares, buscando quem possa ensinar-lhe algo novo, uma

    habilidade especial; observa como se comportam os melhores, os mais hbeis

    e inteligentes de seu grupo; mantm guardado um segredo ou talism para

    ajud-lo em momento crtico; reflete muito; imagina sadas ou solues

    mirabolantes; concentra-se; desconfia das possibilidades ilimitadas de suas

    faculdades/capacidades; treina e confere tudo o que sabe e que tem

    acumulado. Depois sai e pe em prtica o que aprendeu para enfrentar os

    perigos. Seu percurso marcado por inmeros percalos que vo sendo

    vencidos, ou parcialmente perdidos, at a concluso de sua tarefa. Ao trmino

    da saga, retorna finalmente transformado pelo processo que o faz detentor de

    um conhecimento, um saber que to somente ele possuidor, mas que

    compartilha com os seus ao voltar. A luta com o desconhecido tratada como

    um momento de intensa produo, quando os sentidos, a cognio, o

    raciocnio, a imaginao, os afetos, as destrezas fsicas so postas em

    funcionamento para enfrentar e chegar ao alvo desejado. A busca , portanto,

    um procedimento fundamental do conhecimento em todas as suas dimenses,

    propiciando a apropriao do mundo e seus segredos pelo heri, bem como a

    constituio do heri como sujeito nico e singular. O eu e o mundo se integram

    na e pela busca.

  • Pela metfora do mito somos ajudados a compreender que busca de

    informao em educao deve opor-se ao automatismo dos comportamentos

    prprios de um mundo anestesiado pela velocidade, imediatismo, excesso de

    informao, devendo ser tomada em dimenso que transcende a natureza

    instrumental e pragmtica do acesso a registros. Neste sentido, estamos

    entendendo que ela possa constituir-se em recurso que permite localizar e

    apropriar-se de contedos necessrios realizao de trabalhos, ao mesmo

    tempo que promove a formao de vnculos ativos e positivos do aluno face ao

    conhecimento, memria social, num movimento de atuao no mundo e na

    cultura, paralelo constituio de sua identidade.

    1.3 Busca e significado: os limites da busca competente

    A anlise da literatura sobre os programas que tratam da educao para a

    informao enfatizam, de um lado, a necessidade do aprendizado ativo e

    autnomo, com nfase sobre o pensamento crtico, o aprender a aprender e o

    aprendizado permanente e, de outro, a importncia do processo de

    pesquisa/busca/investigao, cruzando orientaes de cunho prtico, sobre

    procedimentos e tcnicas de trabalho pedaggico com a informao. Tais

    estudos consideram que se trata de um processo, a ser ensinado no contexto

    geral de todo processo educativo, devendo a formao das competncias ser

    integrada ao currculo, porm reforada dentro e fora da formao

    escolar/educacional. Todavia, a educao para a informao enfatiza

    sobremaneira a importncia do domnio e desenvolvimento de operaes para

    o uso da informao e de seus dispositivos, tendo em vista a otimizao do uso

    dos recursos informacionais disponveis.

    Por outro lado, a emergncia desta rea no mbito mundial deve-se, entre

    outras razes, aparente falta de sentido para as aplicaes da memria social

  • e do conhecimento no mbito do cotidiano da vida das novas geraes. Tal

    fenmeno gerou uma crise que tanto se reflete na falta de rumos gerais e que

    se revela no microcosmos da biblioteca... Ser competente razo suficiente

    para enfrentar a crise do conhecimento em nossa poca, quando ele parece

    no fazer sentido, quando a tecnologia parece resolver tudo? Nesse contexto,

    qual o significado do esforo de ler os autores por ns mesmos , de buscar os

    elos rompidos com a tradio? (Arendt). Neste aspecto, restringir-se na

    educao para a informao, ao enfoque exclusivo das competncias, poder

    significar o abandono da interrogao sobre o sentido da informao, os

    significados sociais e pessoais do conhecimento, inclusive enquanto condio

    ao desenvolvimento das prprias competncias. Na concepo de Perrenoud,

    por exemplo, ensinar a ser competente passa a se constituir em finalidade da

    educao. Desse modo, o conhecimento acumulado, ou a ser construdo,

    parece ser tratado quase como acidente no processo educativo. O ato de

    conhecer, no paradigma da competncia (ao para resolver um problema

    concreto), enseja, sem dvida, a noo de processo, articulao fundamental

    idia de construo de conhecimento. Entretanto, a nfase na competncia

    acaba entrando em competio com o objeto a ser conhecido, esvaziando o

    sentido das vinculaes necessrias que a educao deve objetivar com sua

    matria

    o conhecimento -, fonte a partir da qual os sujeitos devem ser

    convidados a buscar caminhos de reinveno da vida. Vincular a relao de

    conhecimento prtica pedaggica para a soluo de problemas, sem

    articulaes objetivas e explcitas quanto ao valor e significado das questes,

    sem sua contextualizao, reduz, instrumentaliza a noo de competncia,

    indispensvel atuao nos dispositivos, tornando-a mero mecanismo, conduta

    formalista.

    Sob certa perspectiva, ao se ler a literatura especializada, tem-se a dimenso

    dos esforos e prticas no sentido de ensinar a usar o dispositivo, por meio de

    atividades que colocam o aluno em relao com o ambiente, as linguagens, as

    tcnicas, os recursos, num processo permanente de produo e reelaborao

    de informaes, em permanente avaliao. Contudo, da literatura, depreendem-

    se aspectos que se aproximam de aes muito prximas s concepes das

    prticas ligadas educao de usurios, em voga no discurso biblioteconmico,

  • especialmente nos anos 80, definidas enquanto atividades envolvendo o

    ensino do usurio acerca dos modos sobre como melhor usar os recursos,

    servios e facilidades da biblioteca, incluindo instrues formais e no-formais

    por parte do bibliotecrio ou demais funcionrios, individualmente ou em grupos

    (...) incluindo tambm orientao on line, materiais audiovisuais, guias

    impressos, dentre outros 41.

    Se a literatura especializada que trata da educao para a informao supera a

    viso instrucional da educao do usurio, insistindo corretamente no papel

    essencial de programas educacionais de desenvolvimento de competncias

    informacionais, de forma orgnica e sistemtica, por meio de processos formais

    de ensino-aprendizagem, abstrai contudo os quadros socioculturais em que tais

    processos ocorrem. Desse modo, exceo do enfoque dado por Butlen,

    Couet e Dessailly, os dispositivos aparecem como instrumentos neutros, pano

    de fundo, circunstncia factual. Subtrai-se, com isso, a problemtica dos

    dispositivos, sua ordem e aes, sua condio de signo. Em decorrncia, o

    modo como so concebidos, organizados, suas formas de atuao no so

    postos em questo, enquanto instncias de significao que atuam na ordem

    do conhecimento.

    , pois, nessa perspectiva crtica que a Infoeducao, tal qual vem sendo

    tratada no grupo coordenado pelo Prof. Perrotti, distingue-se das linhas

    epistemolgicas referenciadas, aproximando-se das propostas defendidas por

    Butlen et alii, na medida em que articula os quadros educativos aos contextos

    informacionais, constituindo, assim, o campo referido da Infoeducao, de

    natureza tanto terica como prtica, voltado ao estudo das relaes cada vez

    mais complexas entre informao e educao.

    41 REITZ, J.M. ODLIS: Online Dictionary of Library and Information Science. Western Connecticut State University. Disponvel em: [http://www.wcsu.edu/library/odlis.html] Acesso em: 25 out. 2003.

    http://www.wcsu.edu/library/odlis.html]

  • 2. A informao

    2.1 Um novo contexto sociocultural

    O novo e inusitado quadro planetrio de produo, circulao e recepo da

    informao, definido como sociedade da informao ou do conhecimento ,

    era da informao (Castells), cibercultura (Lvy) , ou, ainda, cibermundo

    (Virilio), recoloca questes de todas as ordens, envolvendo o conhecimento e a

    cultura.

    Marcada pela presena macia das tecnologias da informao, das

    organizaes que veiculam e distribuem em escala planetria e em tempo real

    informaes de todos os tipos e naturezas, em quantidades avassaladoras, a

    nova era muda radicalmente representaes de mundo, de tempo, de espao,

    as sociabilidades, modos de produzir, distribuir, receber e participar da cultura.

    Nessas circunstncias, os modos de apropriao do conhecimento e de

    construo de sentidos so afetados diretamente pelos novos contextos

    socioculturais, obrigando-nos a repensar os processos a implicados. Assim,

    uma marca distintiva importante da nova era a acelerao42. Estamos

    submetidos a um bombardeio cada vez mais impressionante de novas

    informaes, sem tempo para seu processamento e insero em quadros

    referenciais, que lhes dem significado43. A ruminao , enquanto estratgia

    intelectual, perde, por exemplo, espao para formas mais eficazes de produo

    de conhecimento. Da mesma forma, as memrias e saberes locais acham-se

    42 VIRILIO, P. Velocidade e poltica, 1996. 43 BOSI, A. Consideraes sobre tempo e informao. Disponvel em: [http://www.cidade.usp.br.arquivo/artigos/index0401.php] Acesso em: 25 mar. 2003.

    http://www.cidade.usp.br.arquivo/artigos/index0401.php]

  • em crise, face s memrias mediatizadas e mediatizveis, em escala universal.

    Se o local apareceu freqentemente como categoria forte e definidora face ao

    universal, na nova condio as posies se invertem, quando no, se

    aniquilam. Vivemos um tempo maniquesta de globalizao desenraizada ou de

    localismo impermevel, situao que afeta no s a geopoltica internacional,

    mas tambm processos de apropriao do conhecimento e da construo das

    significaes.

    Apesar de preocupante, no causa estranheza, portanto, estudantes

    encontrarem-se deriva em nossas bibliotecas. Tanto estas como eles

    protagonizam essa crise que a contemporaneidade imps a relaes

    tradicionais entre informao e cultura, deixando-nos em estado de

    perplexidade, quando no atnitos e imobilizados.

    No novo contexto, as formas de transmisso direta de informao concorrem,

    cada vez mais, com formas indiretas, mediadas por instncias de naturezas e

    dinmicas diversificadas, definidas por estudiosos da nova cultura como

    dispositivos44, qualificao que indicaria a existncia de uma nova e atuante

    fonte de produo de significao e de conhecimento, em nosso mundo, de tal

    ordem surpreendente e singular que, segundo Peraya, do ponto de vista

    epistemolgico, torna-se extremamente necessrio, na poca atual, distinguir

    mediao e mediatizao , j que o primeiro termo coloca em pauta instncias

    semiticas e relacionais, enquanto o segundo acrescenta a estas a instncia

    tecnolgica que marca a contemporaneidade.

    Torna-se necessrio, assim, precisar aqui tal questo, uma vez que o conceito

    de dispositivo (informacional) parece-nos essencial compreenso, no mundo

    atual, da problemtica da informao e de sua busca.

    44 PERAYA, D. Mdiation et mdiatisation: le campus virtuel. Herms. Disponvel em[http://www.wolton.cnrs.fr/hermes/b_25fr_sommaire.htm] Acesso em: 14 jun. 2003.

    http://www.wolton.cnrs.fr/hermes/b_25fr_sommaire.htm]

  • 2.2 A informao e os dispositivos: mediao e mediatizao

    Plato45, no dilogo Fedro, alertava para conseqncias polticas provocadas

    pelo advento da escrita, uma vez que este procedimento, ao separar o

    enunciador do enunciatrio, separa tambm o enunciado do quadro da

    enunciao, conferindo-lhes autonomia e colocando em risco os destinos da

    Repblica. Liberados da presena do outro, enunciador e enunciatrio estariam

    impossibilitados de ajustar o enunciado, que lhes escapa, s condies da

    emisso e da recepo, lanando as relaes criadores/criao num verdadeiro

    impasse.

    Os destinos das significaes, nesta nova situao, sairiam do mbito do

    dilogo para se situarem na relao dos sujeitos com os textos, os artefatos, os

    objetos. No seria mais a relao direta entre os cidados que definiria a

    construo, a circulao e a recepo dos discursos e das significaes, mas a

    relao com um suporte material, erigido em objeto portador-produtor de

    sentidos. Face a isso, Plato apontava para um fenmeno que o

    desenvolvimento da tcnica s realou: os objetos semiticos, com o avano da

    tcnica, passam a ter papel cada vez mais central no quadro geral da

    construo das significaes, alterando nossas relaes com o conhecimento, a

    cultura e conosco mesmo.

    Desse modo, ao se oferecer, por exemplo, um livro de histrias a uma criana,

    no se oferece apenas um conto de fadas; junto, ofertado todo um quadro de

    valores, de representaes, de contedos culturais que historicamente se

    agregaram ao objeto livro. Tal objeto atua, portanto, na relao com a magia

    dos contos, tornando-se um elemento da significao. Genette46 referiu-se ao

    paratexto, conjunto de signos inscritos nos livros pelo circuito editorial.

    Escarpit47 foi, talvez, mais longe ao distinguir o ato de ler do gesto de ler .

    45 PLATO. Dilogos. 46 GENETTE, G. Nouveau discours du recit. 47 ESCARPIT, R. Hbitos de leitura. In: BARKER, R., ESCARPIT, R. A fome de ler, p. 115-147.

  • Para ele, na contemporaneidade, o ato no est inscrito na ordem social

    somente por se tratar de um fenmeno de natureza lingstico-comunicacional;

    alm disso, ele insere-se num contexto de produo e circulao de discursos

    que implica diferentes aspectos da realidade, em especial os tecnolgicos.

    Assim, o desenvolvimento da tecnologia, que permitiu o aparecimento do livro

    de bolso, alterou de tal modo a produo, a circulao e a recepo da escrita

    que esta pde, em pases do hemisfrio norte, se disseminar em propores

    antes inexistentes, produzindo a revoluo do livro 48.

    O aparecimento de tcnicas e tecnologias de registro, como a escrita e a

    imprensa, por exemplo, alteraram, no s a memria enquanto matria, mas a

    natureza, propriedade e caractersticas dos processos de sua transmisso e

    troca entre as pessoas. A inveno de suportes de inscrio das

    representaes, concedendo-lhes possibilidades de circulao para alm do

    mbito imediato dos produtores, instituiu um novo paradigma de mediao, no

    mais exclusivamente natural, dependente do aparato biolgico dos sujeitos. O

    corpo, como instrumento de transferncia e recepo de signos ganhou

    extenso, prolongamentos que os meios tcnicos de registro propiciam. No

    quadro da produo-recepo da memria e do conhecimento, aps, por

    exemplo, a inveno por Gutenberg do revolucionrio mecanismo de

    reproduo, possibilitado pela criao de tipos mveis, a viso (e depois o tato,

    com o sistema Braille) e o pensamento tiveram que adequar-se s novas

    formas de produo e circulao da memria, em especial o livro. Voz e escuta

    ganharam aliados dentro da nova ordem de acesso e comunicao cultural, que

    ampliou a autonomia da escrita em relao ao contexto que a produziu.

    Incorporando tais fenmenos, a mediao da informao, na

    contemporaneidade, passa por processos to revolucionrios quanto aqueles

    originados pelo advento das antigas tecnologias de registro e circulao, no

    apenas com intensidade certamente mais contundente, em razo da natureza e

    da abrangncia que as tecnologias eletrnicas permitiram, (sobretudo depois da

    48 ESCARPIT, R. La rvolution du livre.

  • Segunda Guerra), mas tambm face s estruturas e circuitos pelos quais a

    informao passa a ser organizada e mediada.

    O advento das novas tecnologias eletrnicas de comunicao vem associado

    ao da modernizao da sociedade contempornea do ps-guerra de 1945, com

    interferncias sobre os modos de relao sociocultural, econmica e poltica,

    em especial o crescimento do controle do mercado e do Estado sobre a vida da

    cidade e dos cidados. O novo quadro de desenvolvimento de tecnologias,

    portanto, no significa to somente a concorrncia de novos meios de

    transporte de informao distncia. Trata-se do estabelecimento de uma nova

    ordem histrica mundial, de novas concepes, modos e recursos de

    configurao da sociedade e da informao, transformada em produto no

    mercado internacional, ou em armas ideolgicas dos Estados. Mediatizada por

    meio das novas tcnicas e tecnologias eletrnicas de registro, circulao e

    recepo, a informao ganhou territrios antes inalcanveis, lanando mo

    dessas instncias de mediao que modificam extraordinariamente a relao

    entre sujeitos, conhecimento e memria social.

    No novo quadro, portanto, o conhecimento e a memria no contam apenas

    com mais um simples recurso tcnico de mediao. Por isso, Peraya prefere

    falar hoje em mediatizao, j que esto em pauta novas propriedades de

    regulao da produo, organizao, circulao e distribuio da informao:

    os dispositivos, cuja configurao atua na natureza e nos processos da

    mediao. Atualmente, a informao no s uma realidade autnoma, como

    lastimava Plato: ela tcnica e tecnologia. Os signos, como a Repblica,

    mudaram de natureza, no apenas de circunstncias.

    Mediao e mediatizao so, portanto, conceitos distintos que, apesar de

    tangenciais, no podem ser confundidos ou substitudos, em razo da natureza

    e capacidades de interveno que operam sobre a relao sociocultural com o

    conhecimento e com a memria social.

    Face a isso, o conceito de dispositivo nuclear a este trabalho, uma vez que

    ele aponta para condies que afetam os procedimentos de busca de

  • informao. Generalizando-se na atualidade, muito empregado no campo da

    formao e da autoformao, da mediao, da comunicao, da arte, do direito

    e da tecnologia, o conceito de dispositivo foi prioritariamente desenvolvido por

    Foucault49 para o campo das Cincias Sociais, implicando noo de

    intencionalidade, de ao realizada por pessoas ou materiais, tendo em vista

    um objetivo a ser atendido50.

    Em razo de seu amplo uso e do seu carter hbrido, o conceito foi posto em

    discusso no Colquio Dispositifs & Mdiation des Savoirs (Louvain-la-Neuve),

    em abril de 1998, a partir do qual Lameul51 apresentou estudo que serviu de

    base s consideraes aqui formuladas, por reunir abordagens que

    consideramos de interesse para a compreenso das questes ligadas

    problemtica da busca de informao.

    Dispositivo, lembra Lameul, em concepo tcnica, foi entendido como

    conjunto de peas que constituem um mecanismo, um aparelho qualquer 52.

    Posteriormente, o conceito foi ampliado para a noo de toda ao, de

    elementos humanos ou materiais, realizada em funo de um objetivo a ser

    atendido. Deste modo, um dispositivo uma instncia, um local social de

    interao e de cooperao com suas intenes, seu funcionamento material e

    simblico, enfim, seus modos de interao prprios53.

    A noo de dispositivo incorporou o conceito de prticas particulares que se

    desenvolvem em meio dirigido, organizado, que invadiu o campo das Cincias

    Sociais, a partir dos anos de 1970. A autora faz referncia concepo de

    dispositivo definido por Foucault, segundo a qual, trata-se de mecanismo que

    atua sobre a organizao da sociedade, agindo sobre o discurso. Mesmo

    abarcando uma noo proveniente do campo tcnico, esta perspectiva introduz

    49 PAQUELIN, D. Du dispositif accompagn au dispositif accompangnant Disponvel em: [http://membres.lycos.fr/autograf/Dispositif3.htm] Acesso em: 14 jun. 2003. 50 PERAYA, D. Vers les campus virtuels. Principes et fondements techno-smio-pragmatiques des dispositifs de formations virtuels. In: Colloques dispositif s&mdiation des savoirs. Louvain-la Neuve, avril, 1998 Disponvel em [http://www.comu.ucl.ac.be/reco/grems/agenda/ dispositif/resumes/peraya.html] Acesso em 12 jun. 2003 51 LAMEUL, G. Questionnement relatif a la notion de dispositif Disponvel em: [http://www.educagri.fr/reseaux/cdr/colloq2001/contrib.htm] Acesso em 12 jun. 2003 52 LAMEUL, G.op. cit. 53 FERREIRA, J. Le dispositif de communication e information. Disponvel em: [http://www.tecfa.unige.ch/~ferreira/staf15/ideiageral2f.html] Acesso em 15 jun.2003

    http://membres.lycos.fr/autograf/Dispositif3.htm]http://www.comu.ucl.ac.be/reco/grems/agenda/http://www.educagri.fr/reseaux/cdr/colloq2001/contrib.htm]http://www.tecfa.unige.ch/~ferreira/staf15/ideiageral2f.html]

  • uma viso simblica noo de dispositivo. Nesta concepo, dispositivo passa

    a ser considerado em duas dimenses - material e simblica - da mediao e,

    se aplicado ao campo da informao e do conhecimento, permite constatar que

    o indivduo no mais o centro exclusivo dos processos de significao do

    mundo, passando a partilh-los com os objetos, os artefatos, as ferramentas, e

    os no-humanos em geral. Segundo as consideraes da autora, os discursos

    no podem tornar-se operantes sem a colocao dos objetos dispostos

    segundo uma ordem, um arranjo eficaz . O dispositivo, ento, aparece como

    ocasio de uma distribuio inteligente, que se articula ao sujeito do

    conhecimento.

    Esta abordagem acerca dos dispositivos pe em questo, portanto, a dicotomia

    da oposio simblico-material, tanto quanto a de sujeito-objeto, dentro-fora,

    humano-no-humano, liberdade-determinao, conduzindo percepo da

    relao entre sujeitos e objetos, muito mais de modo interdependente que

    dual 54.

    Como o dispositivo traz consigo uma noo de racionalidade instrumental, de

    eficcia, de otimizao de condies de realizao, de aplicao de estratgias,

    a instrumentao da autonomia dos atores no processo passa do deslocamento

    da problemtica do conhecimento e da lgica da transmisso do saber, para a

    lgica da experimentao ou de experimentao do saber55. O indivduo

    autnomo algum que se orienta no dispositivo, a partir de sua vontade e

    intencionalidade e do acmulo de conhecimentos prprios. Esta noo introduz

    a perspectiva de construo na relao de aprendizagem por meio do

    dispositivo tcnico, idia que se ope noo de recepo passiva de

    conhecimentos. Por isso, entendem os autores que os dispositivos podem ser

    percebidos como espao transacional, organizador da ao, fazendo parte dos

    modos de regulao da sociedade e componentes de um quadro

    contemporneo de mecanismos de fabricao da identidade dos sujeitos.

    54 LAMEUL, G. op. cit 55 Conforme indicam Verhagen e Weissberg, apud LAMEUL, G. op.cit.

  • Peraya56 adota o termo genrico de dispositivo de comunicao e de formao

    mediatizada para designar a dupla natureza comunicativa e formativa dos

    dispositivos tcnicos. Os dispositivos, incluindo as tecnologias de informao,

    articulam trs nveis de interao: a semitica, a social e a tcnica. O chamado

    dispositivo tcnico-semio-pragmtico (TSP) pode ser definido como o conjunto

    de interaes entre esses trs universos, realizadas a partir de uma tecnologia

    de informao, de um sistema de representao ou, ainda, de uma mdia

    pedaggica ou no.

    Se, de modo abrangente, entende-se o conceito de dispositivo de informao

    enquanto todo e qualquer mecanismo (tcnico e simblico) capaz de promover

    a relao, organizar a realidade e fornecer um instrumento para o pensamento

    (um texto, uma mensagem fotogrfica, cinematogrfica, um ambiente, uma

    prtica), possvel caracteriz-lo como um quadro semitico que produz

    significados, no interior do qual o sujeito opera.

    O dispositivo , portanto, signo, mecanismo de interveno sobre o real, que

    atua por meio de formas de organizao estruturada, utilizando-se de recursos

    materiais, tecnolgicos, simblicos e relacionais, que atingem os

    comportamentos e condutas afetivas, cognitivas e comunicativas dos

    indivduos. Dessa forma, os efeitos dos dispositivos, ou seja, dos meios

    dirigidos, ultrapassam os limites tcnicos visveis para tornarem-se, em nossa

    sociedade, instrumento da relao conosco, com os outros e com o mundo.

    Nesta perspectiva, os comportamentos culturais contemporneos (como visitar

    museus, navegar na internet, ir biblioteca) so formas de atuao com e nos

    dispositivos, orientadas por regras e leis prprias dos meios em que se

    encontrem.

    Os dispositivos informacionais, ao interferirem sobre a matria bsica com que

    lidam - as informaes, suas linguagens, organizao e interaes -, criam

    sistemas que funcionam como cdigos aplicados sua ordenao e

    comunicao, ou seja, linguagens especficas, constitudas na tentativa de

    ordenao do caos.

    56 Apud LAMEUL, G. Op. cit

  • Dispositivos de transmisso e comunicao, tais como as bibliotecas, que se

    utilizam de meios tcnicos, linguagens e formas de interao intencionais, ao

    visarem relao entre sujeitos e realidade, no so meros suportes de

    informao isentos. Ao contrrio, sua configurao fsica, seus recursos, formas

    e prticas transformam seu discurso, sua estrutura e os modos de interao

    entre os sujeitos que l atuam em ordem. Os dispositivos, enfim, no apenas

    expressam como tambm definem, por meio dos discursos implcitos em sua

    configurao, modos de relao entre os sujeitos e o universo simblico

    (documentos, registros, informaes, conhecimento) que guardam.

    Face a isso, fica claro, como lembra Chartier57, que a viso idealista, segundo a

    qual o conhecimento depende exclusivamente do domnio de contedos, no se

    sustenta diante das evidncias sobre o papel dos dispositivos na significao do

    conhecimento. A passagem de uma condio de mediao para a de

    mediatizao em toda a sua diversidade de discursos, altera a natureza do

    conhecimento, bem como nossas relaes com ele. E, nesse sentido,

    apropriar-se dele apropriar-se tambm dos dispositivos, com seus saberes e

    lgicas prprias. Se, de um lado, o desenvolvimento de competncias

    informacionais so indispensveis busca e apropriao das informaes, se a

    educao para a informao exigncia que a complexidade crescente dos

    dispositivos impe, de outro lado, igualmente essencial a criao de

    dispositivos a partir de novos referenciais, capazes de se constiturem a partir

    de critrios que vo alm do mero processo de assimilao de informaes.

    Nos quadros contemporneos, insistir na ordem informacional que caracterizou,

    por exemplo, bibliotecas do passado, consistiria em mecanismo mais ou menos

    sutil de expropriao sociocultural. A formulao de novos dispositivos,

    considerada a perspectiva da apropriao de informaes, e no apenas

    assimilao, torna-se essencial reverso dos atuais quadros de participao

    sociocultural e ter, necessariamente, que partir de outras bases, nas quais

    busca e apropriao de informao sejam elementos de um mesmo processo

    de relaes materiais, simblicas e interacionais, tanto com as informaes,

    57 CHARTIER, R. Os desafios da escrita.

  • quanto com suas disposies no ambiente. Desse modo, competncias e

    dispositivos integram-se numa mesma problemtica, a ser tratada neste

    trabalho que se situa na confluncia de duas disciplinas: a Cincia da

    Informao e a Educao. Tal reunio, cada vez mais parece ser indispensvel

    no mundo em que vivemos, se quisermos enfrentar realmente questes para as

    quais nem nossas universidades, nem nossa Educao atentaram, mas que

    toca e aflige a sociedade em seu todo.

    2.2.1 A biblioteca como dispositivo

    A biblioteca para crianas e jovens um dispositivo complexo, constitudo por

    elementos heterogneos: arquitetura e ambiente, tcnicas e tecnologias,

    processos e produtos, regras e regulamentos, contedos materiais e imateriais,

    responsveis por sobrepor significados aos significados por ela guardados,

    constituindo-se elementos de sua natureza.

    Na biblioteca em que atuo58, por exemplo, o espao fsico dividido em salas

    isoladas por meio de paredes e portas fixas, apresentando-se fragmentado em

    territrios que no se comunicam. H uma grande sala para realizao de

    pesquisa nos documentos, na internet e emprstimos de livros, na qual existe

    um pequeno nicho dedicado s atividades de processamento tcnico de acervo.

    H tambm a Sala de Leitura que guarda as obras de fico e na qual se

    desenvolvem atividades ligadas, sobretudo, dinamizao dos acervos

    literrios e contedos afins. Compe ainda o ambiente, uma outra sala, hoje

    dedicada s mais variadas atividades culturais, nascida, entretanto, como Sala

    de Jogos e Artes, com a finalidade de entreter e desenvolver habilidades

    58 Refiro-me Biblioteca infanto-juvenil lvaro Guerra, uma das 36 unidades localizadas na cidade de So Paulo, coordenadas pelo Departamento de Bibliotecas Infanto-Juvenis, da Secretaria de Cultura do municpio de So Paulo. As bibliotecas da rede tm configurao semelhante e servios-padro, independentemente do tamanho ou localidade onde se situam.

  • artsticas, em especial pintura, desenho, modelagem em argila, expresso vocal

    e corporal. Nesta sala, diferentemente do conjunto da rede de bibliotecas,

    funciona a Estao Memria, apresentada adiante.

    Na parte central da entrada do edifcio, est a Portaria (assim oficialmente

    denominada) e responsvel pela triagem e encaminhamento do usurio para os

    diferentes espaos da biblioteca. O controle de acesso aos espaos realizado

    por meio de lista de assinatura existente na portaria e controle de freqncia em

    cada uma das salas. Originalmente, cada ambiente dispunha de seu prprio

    controle, gradativamente abolido a partir da dcada de 80, embora se saiba que

    em vrias unidades da Prefeitura de So Paulo, que ainda dispem de grande

    freqncia, a prtica mantida, uma vez que no se conta com mecanismos

    automticos de registro de entrada de pessoas na biblioteca.

    O mobilirio dos respectivos ambientes tambm distinto. Na Sala de

    Pesquisa, as cadeiras so altas e as mesas so grandes e pesadas, adequadas

    a pblicos com mais idade. As estantes para livros, em geral de cor cinza,

    tambm so prprias para indivduos de estatura mdia a alta. A localizao

    fsica das estantes est condicionada ao tamanho do espao e quantidades de

    mesas, mas, em geral, concentradas em fileiras, separadas dos locais de

    leitura.

    Na Sala de Leitura, quase sempre dedicada a pblicos infantis, o ambiente

    mais descontrado, a ordem dos documentos menos rgida, assim como nos

    demais espaos de leitura no dedicados ao apoio a tarefas escolares.

    A repartio do espao em salas incomunicveis entre si, condiciona o uso dos

    contedos para o trabalho (Pesquisa) ou para o Lazer/Entretenimento

    (Artes/Jogos/Leitura). A dicotomia tambm se revela nas formas de

    condicionamento do corpo para as funes que cada ambiente prev. Assim, a

    dimenso espacial do dispositivo favorece a percepo fragmentria do

    conhecimento, enquanto contedos distintos que no se entrecruzam, bem

    como do corpo das crianas e jovens: o corpo-trabalho; o corpo-lazer. Tal

    configurao, se escapa percepo dos responsveis pelo dispositivo e seu

  • funcionamento, atua sobre seu pblico, produzindo evidentemente modos de

    sentir, de estar, de atuar, de representar.

    Como o espao, a organizao dos documentos estabelecida a partir da

    aplicao de linguagens artificiais (tabelas de classificao), cuja estrutura e

    cdigos tambm fracionam, hierarquizam e ordenam o conhecimento, a partir

    de princpios que so arbitrrios, sem uma lgica implcita que possibilite

    compreender o sentido da disposio fsica dos registros. Os sistemas de

    classificao so utilizados, tradicionalmente, como na biblioteca para adultos,

    com a finalidade de organizar os materiais, objetivo prioritrio. A ordem rgida

    e fixa, principalmente quando se trata dos espaos de pesquisa, nos quais os

    documentos precisam ser localizados para o atendimento s tarefas escolares.

    Dada a compreenso reduzida da linguagem documentria como mero

    instrumento de guarda dos materiais, observam-se, hoje, rupturas nessas

    linguagens que foram, ao longo do tempo, sendo parcialmente adequadas a

    necessidades locais de cada unidade, tendo, portanto, se descaracterizado,

    tornando-se discurso incompatvel com as finalidades de articulao e

    representao do conhecimento a que se destinaria.

    Dentro deste ambiente fsico e de linguagem de representao, inserem-se e

    organizam-se os recursos informacionais, constitudos pelos acervos

    bibliogrficos, computadores com acesso internet, acervo de memria oral,

    pequena coleo de vdeos, aparelhos de TV e vdeo/DVD.

    Os acervos bibliogrficos so de natureza geral, contemplando livros sobre

    todos os domnios do conhecimento registrado: filosofia; religio; cincias

    sociais, puras e aplicadas; histria; geografia; artes e literatura, alm de

    colees especficas de dicionrios, enciclopdias, guias, bibliografias, mapas,

    Atlas e demais materiais disponveis