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  • A numerao das pginas no corresponde paginao original

  • AEDITORAFORENSEseresponsabilizapelosvciosdoprodutonoqueconcernesuaedio(impressoeapresentaoafimdepossibilitaraoconsumidorbemmanuselo e llo). Nem a editora nem o autor assumem qualquerresponsabilidadeporeventuaisdanosouperdasapessoaoubens,decorrentesdousodapresenteobra.

    Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitosautorais, proibida a reproduo total ou parcial de qualquer forma ou porqualquer meio, eletrnico ou mecnico, inclusive atravs de processosxerogrficos,fotocpiaegravao,sempermissoporescritodoautoredoeditor.

    ImpressonoBrasilPrintedinBrazil

    DireitosexclusivosparaoBrasilnalnguaportuguesaCopyright2017byEDITORAFORENSELTDA.UmaeditoraintegrantedoGEN|GrupoEditorialNacionalTravessadoOuvidor,11Trreoe6andar20040040RiodeJaneiroRJTel.:(21)35430770Fax:(21)[email protected]|www.grupogen.com.br

    Otitularcujaobraseja fraudulentamentereproduzida,divulgadaoudequalquerformautilizadapoderrequereraapreensodosexemplaresreproduzidosouasuspensodadivulgao,semprejuzodaindenizaocabvel(art.102daLein.9.610,de19.02.1998).Quemvender,expuser venda,ocultar, adquirir, distribuir, tiveremdepsitoouutilizarobraoufonogramareproduzidoscomfraude,comafinalidadedevender,obterganho,vantagem,proveito, lucrodiretoouindireto,parasiouparaoutrem,ser solidariamente responsvel com o contrafator, nos termos dos artigosprecedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor emcasodereproduonoexterior(art.104daLein.9.610/98).

    Capa:DaniloOliveira

    ProduoDigital:OneStopPublishingSolutions

    1edio197025edio2017

    Fechamentodestaedio:02.01.2017

    CIPBrasil.Catalogaonafonte.SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ.

    P49i

  • Pereira,CaioMriodaSilva,

    Instituies de direito civil Vol. IV / Atual. Carlos Edison do RgoMonteiroFilho.25.ed.RiodeJaneiro:Forense,2017.

    Bibliografia.ISBN9788530974589

    Contedo.V.1.Introduoaodireitocivil: teoriageraldodireitocivil.V.2.Teoriageraldasobrigaes.V.3.Contratos.V.4.Direitosreais.V.5.Direitodefamlia.V.6.Direitosdassucesses.I.Direitocivil.II.DireitoCivil.Brasil1.Ttulo.

    CDU247347(81)

    342.1

  • AOSMEUSFILHOS

    dedicoestevolumequetratadosbens,paraqueaestessaibamsempresobreporos

    valoresmorais.

  • 284.285.286.287.288.289.

    290.291.292.293.294.

    295.296.297.

    NDICESISTEMTICO

    NotadoAtualizador

    Prefcio

    Introduo

    PartePrimeiraAPosse

    CaptuloLXIVGeneralidadessobreaPosse

    ConceitodeposseTeoriassobreaposseNaturezajurdicadaposseClassificaodaposseComposseFundamentodatutelapossessria

    CaptuloLXVAquisioePerdadaPosse

    AquisiodaposseemgeralAquisiooriginriadaposseAquisioderivadaPerdadapossedascoisasPerdadapossedosdireitos

    CaptuloLXVIEfeitosdaPosse

    EfeitosdaposseemgeralAespossessriasIndenizaraopossuidor

    ParteSegundaAPropriedade

  • 298.299.299A.300.301.301A.301B.301C.301D.

    302.303.304.

    305.306.307.308.308A.308B.308C.

    309.309A.310.311.312.313.

    314.315.316.

    CaptuloLXVIIPropriedadeemGeral

    SociologiadapropriedadeConceitoeelementosdapropriedade:seuobjetoPropriedaderesolvel

    ExtensododireitodepropriedadeRestriesaodireitodepropriedadePropriedadeurbanaBensdaUnioBensdosEstadosConcessodedireitorealdeuso

    CaptuloLXVIIIAquisiodaPropriedadeImvel

    AquisiodapropriedadeemgeralRegistroAcesso

    CaptuloLXIXUsucapio

    AquisioporusucapioemgeralUsucapioextraordinriaUsucapioordinriaUsucapioespecialUsucapioespecialssimaPolticaagrcolaefundiriaUsucapioadministrativa

    CaptuloLXXAquisiodaPropriedadeMvel

    OcupaoDescoberta

    EspecificaoConfuso,comisso,adjunoUsucapioTradio

    CaptuloLXXICondomnio

    ConceitodecondomnioDireitosedeveresdoscondminosnocondomniovoluntrioAdministraodocondomniovoluntrio

  • 317.318.319.319A.319B.319C.

    320.321.322.323.324.325.326.326A.

    327.328.329.330.

    330A.330B.330C.330D.330E.

    331.332.333.334.

    ExtinodocondomniovoluntrioCondomnionecessrioCondomnioedilcioDireitosedeveresdoscondminosnocondomnioedilcioAdministraodocondomnioedilcioExtinodocondomnioedilcio

    CaptuloLXXIIDireitosdeVizinhana

    RelaesdevizinhanaUsoanormaldapropriedadervoreslimtrofesPassagemforadaPassagemdecabosetubulaesguasLimitesentreprdiosedireitodetapagemDireitodeconstruir

    CaptuloLXXIIIPerdadaPropriedade

    Alienao.Renncia.AbandonoPerecimentodoobjetoUsucapioDesapropriao

    CaptuloLXXIIIADireitodeSuperfcie

    Origem.PosionaslegislaesestrangeirasenoDireitoptrioConceito.CaractersticasTransferciadodireitodesuperfcieExtinododireitodesuperfcieDireitodesuperfcieepessoajurdicadedireitopblico

    ParteTerceiraDireitosReaisLimitadosdeGozoouFruio

    CaptuloLXXIVEnfiteuse

    ConceitoehistriaDireitosedeveresdoenfiteutaDireitosedeveresdosenhoriodiretoExtinodeenfiteuse

  • 335.335A.

    336.337.338.339.

    340.341.342.343.344.

    345.

    346.347.348.349.

    350.351.352.353.354.354A.354B.355.

    TerraspblicasAConstituiode1988

    CaptuloLXXVServides

    Conceito.Classificao.CaracteresConstituiodasservidesDireitosedeveresExtinodasservides

    CaptuloLXXVIUsufruto.Uso.Habitao

    NoesgeraisDireitosdousufruturioDeveresdousufruturioExtinodousufrutoUsoehabitao

    CaptuloLXXVIIRendaConstitudasobreImvel

    Rendavinculadaaimvel

    ParteQuartaDireitosReaisLimitadosdeGarantia

    CaptuloLXXVIIIDireitosReaisdeGarantiaemGeral

    Noesgerais:garantiapessoalereal.RequisitosEfeitos:privilgio.Excusso.IndivisibilidadeClusulacomissriaVencimento:normaleantecipado

    CaptuloLXXIXPenhor

    Noesgerais.ElementosdopenhorEfeitosdopenhorPenhorlegalPenhorruralPenhorindustrialemercantilPenhordeveculosPenhordedireitosettulosdecrdito

    Extinodopenhor

  • 356.357.358.359.360.361.362.363.364.

    364A.364B.364C.364D.

    365.366.367.367A.

    CaptuloLXXXHipotecaeAnticrese

    Noesgerais.CaracteresjurdicosdahipotecaRequisitosobjetivoesubjetivodahipotecaRequisitoformal.Ttulo.Especializao.InscrioEfeitosdahipotecaRemiohipotecriaHipotecalegalehipotecajudicialExtinodahipotecaCancelamentodainscriohipotecriaAnticrese

    CaptuloLXXXAPropriedadeFiduciria

    GeneralidadessobrenegciofiducirioConceito,requisitoseextensodapropriedadefiduciriaObrigaesdoalienanteedoadquirenteExecuodocontrato

    ParteQuintaDireitoRealdeAquisio

    CaptuloLXXXIPromessaIrrevogveldeVenda

    ContratopreliminaredireitorealRequisitosdodireitorealdepromessadevendaEfeitosLoteamentos

  • A

    INTRODUO

    sInstituiesdeDireitoCivilprosseguem.

    Eaquivai,deincio,onossoagradecimento.Aosestudantes,aosadvogados,aos professores, aos magistrados, que as prestigiam, adotandoas, citandoas,indicandoas,invocandoas.Aosque,empblicamanifestao,lhesderamoseuaplauso. Ao Instituto dos Advogados Brasileiros, que as considerougenerosamente,aoconcederaseumodestoautoraMedalhaTeixeiradeFreitas.

    ***

    Prosseguem,agora,comosDireitosReais,designaoquedesdeSavignysevem difundindo e aceitando, posto que a denominao clssica Direito dasCoisastenhasidoconsagradanoCdigoCivilBrasileirode1916,emantidanoCdigoCivilde2002,comoprevaleceranoBGBde1896.

    J tivemos ensejo de os conceituar, distinguindoos dos de crdito (v. n 7,supra, vol. I), dizendo que os primeiros (iura in re) traduzem uma dominaosobre a coisa, atribuda ao sujeito, e oponvel erga omnes, enquanto os outrosimplicamafaculdadedeexigirdesujeitopassivodeterminadoumaprestao.

    No , contudo, erma de controvrsia a matria. Ao invs, eriada dediscusses.No faltamescritoresanegaradiferenaentreunseoutrosdireitos(Demogue), opinando que se caracterizam apenas em razo da intensidade(direitosfortesedireitosfracos).Maisrecentemente,Perlingierialinhasedentreos que refutam a existncia de uma precisa separao.1 Outros proclamam oartificialismo da distino (Thon, Schlossmann), e negam a existncia dosdireitosreais,queaseuvernopassariamdeumprocessotcnico,utilizadopelodireito positivo, ao instituir restries conduta humana, em benefcio dedeterminadaspessoas.

    Mesmodentreosqueaceitamadicotomia lavra indisfarvel/disparidadedepareceres,hosqueenxergam,nosdireitosreais,umarelaodesubordinaodacoisa mesma ao sujeito (Vittorio Polacco, De Page, Orosimbo Nonato),

  • vinculandoos ideia de assenhoreamento sem intermedirios, entre a coisa e otitular.Outroshquesituamadiversificaonumaideiadepercussododireito(Windscheid,MarcelPlaniol),econsideramrelativososdecrditoseabsolutosos reais. Sem embargo dos opinados patronos, subsiste a dvida, e duplamentedesenvolvida.Poisdeumladolevantasecontraoabsolutismodosdireitosreaisa objeo no sentido de que nenhum direito absoluto (Josserand), mas todostm o seu exerccio condicionado s implicaes sociais que conduzem suarelatividade. De outro lado arguise que, a aceitar o conceito da existncia dedireitosabsolutos,abrangeriamestes,foradosdireitosreais,outrasclassescomoo status das pessoas, seu nome, sua vida e integridade fsica (direitos dapersonalidade).

    Paraoutracorrente,realodireitoquandooseutitulardispedeexecuoreal, isto , tem a faculdade de conseguir coativamente a coisa prometida,privando dela o promitente (Ziebarth), o que sem ser inexato leva a umaconfiguraodemasiadotcnicae,soboaspectodidtico,muitopoucoprtica.

    Aceita,pois,adiferenciao,comoonageneralidadedosautores,soduasasescolasquesedigladiam:realistaepersonalista.

    Para a doutrina realista, o direito real significa o poder da pessoa sobre acoisa,numarelaoqueseestabelecediretamenteesemintermedirio,enquantoodireitodecrditorequersemprea interposiodeumsujeitopassivo,devedorda prestao, independentemente de consistir esta na entrega de uma coisa, narealizaodeumfato,ounumaabsteno.2

    Em oposio teoria realista, tambm chamada tradicional ou clssica,ergueuse a personalista. Na base de sua construo situase um conceitoessencial, geralmente admitido, e que Emanuel Kant muito bem expressou,segundo o qual no de ser aceita a instituio de uma relao jurdicadiretamenteentreapessoadosujeitoeaprpriacoisa,umavezquetododireito,correlatoobrigatriodeumdever,necessariamenteumarelaoentrepessoas.3

    Nodireitodecrditoh,obviamente,doissujeitosemconfronto:osujeitoativo,reuscredendi, em cujo favor ou benefcio a situao jurdica, se constitui e osujeitopassivo,reusdebendi,quesevinculaaoprimeiroe lhedeveaprestao.Armase a relao jurdica, ostensivamente, entre uma pessoa e outra pessoadeterminada.Nodireito real existeumsujeitoativo, titulardodireito, ehumarelao jurdica, que se no estabelece coma coisa, pois que esta o objeto dodireito,mas tema faculdadedeoplaergaomnes, estabelecendosedesta sorte

  • uma relao jurdica em que sujeito ativo o titular do direito real, e sujeitopassivoageneralidadeannimadosindivduos.Enquantonodireitodecrditohum sujeito passivo, contra o qual o titular da relao jurdica podeindividualmente opor a facultas agendi, no direito real ficalhe reconhecido opoderdeoploindiscriminadamenteatodaasociedade.Odireitopessoaloudecrdito tem um sujeito passivo determinado no direito real, ao sujeito ativoconhecidoopeseoquesedenominasujeitopassivouniversal.

    Se certo que, algumas vezes, pode ocorrer a hiptese de ius in re comdevedor determinado (e. g., a constituio de servido sobre imvel), e se seadmiteemtesedireitocomobrigaorealinfaciendo,4nemporistosedesfiguraaoponibilidadeda facultas a todoaqueleque receba,detenhaouadquiraacoisavinculada.Tantomaisqueessesoutrosconstituemmaistecnicamenteacategoriadas chamadas obrigaes propter rem ou obrigaes ob rem, a que noretornamos,porhavlasestudadonon131,supra,vol.II.

    No faltam escritores modernos a defender a teoria realista, opondo personalista argumentao ora em profundidade, ora meramente especiosa. Naverdade,defendeDePage(inloc.cit.)adoutrinaclssica,comadistinoacimaresumida:odireitorealcaracterizasepelofatodeexercersediretamente,isto,mediante a utilizao da coisa sem qualquer intermedirio. Ao passo que nodireito pessoal o sujeito ativo no pode ter a utilizao da coisa sem aintermediao de um devedor, ou sujeito passivo determinado. Os irmosMazeaud explicam a teoria clssica, dizendo que o direito pessoal exercidocontraumapessoaenquantoodireitorealcomportaumsujeitoativo(otitulardodireito) e um objeto (a coisa sobre que versa o direito), criando um elementoativo no patrimnio do titular.5 De seu lado, Marty e Raynaud criticam aexistnciadosujeitopassivouniversalcomoargumentosegundooqualninguminscreveemseupatrimnioovalornegativoconsistenteemrespeitarosdireitosreaisdeoutrem,oque,emltimaanlise,noseriaumaobrigaogeralnegativa,masumaregradeconduta.6

    No obstante o desfavor que perante bons autores envolve a doutrinapersonalista,elacontinua,dopontodevistafilosfico,amereceraplausos.Semdvidaquemuitomaissimpleseprticodizerqueodireitorealarmaseentreosujeito e a coisa, atravs de assenhoreamento ou dominao.Mas, do ponto devistamoral,noencontraexplicaosatisfatriaestarelaoentrepessoaecoisa.Todo direito se constitui entre humanos, pouco importando a indeterminao

  • subjetiva,que,alis,emnumerosasocorrnciasaparece,semrepulsaouprotesto.Enocasodapessoajurdica,necessriaasuapersonificaohominumcausa,afimde que se revista da titularidade jurdica.A teoria realista seria entomaispragmtica. Mas encarada a distino em termos de pura cincia, a teoriapersonalistamaisexata.

    Assentado que a relao jurdicoreal cria a facultas, que o titular exercecontra quem quer que o moleste, e opena generalidade annima dosindivduos, tendo por objeto uma coisa especificamente, suas caractersticasressaltam,taiscomoateoriarealista,semqueadiversidadetemticalhesponhabices:

    1.Odireito realoponvelergaomnes, enquantoodireitode crditoo aumsujeitopassivodeterminado.

    2.Oobjetododireitorealsempredeterminado,aopassoqueododireitodecrditobastasejadeterminvel.

    3.O ius inre exigeaexistnciaatualdacoisa,emcontraposioao ius adpersonam,compatvelcomasuafuturidade.

    4. O direito real exclusivo, no sentido de que se no compadece com apluralidadedesujeitoscomiguaisdireitos.

    5.Odireitorealadquireseporusucapio,aopassoqueosdireitosdecrditonosuportamestemododeaquisio.

    6.Osdireitosdecrditoextinguemsepelainrciadosujeito,aopassoqueosreais conservamse, no obstante a falta de exerccio, at que se constitua umasituaocontrria,emproveitodeoutrotitular.

    7. Os direitos reais so providos da prerrogativa de acompanharem a coisa(ambulatoriedade), autorizando o titular a exerclos contra quemquer que comelaseencontre(sequela).

    8.O titular dodireito real tema faculdadede receber privilegiadamente emcaso de falncia ou concurso creditrio, sem se sujeitar ao rateio, cabendolhe,dentrodoslimitesdeseucrdito,embolsaroprodutodavendadacoisagravada(preferncia).

    9.O titular de umdireito real, que no possamais suportar seus encargos,temafaculdadedeabandonlo,oquenocabenotocanteaosdireitosdecrdito.

    10.Osiurainresosuscetveisdeposse,osdecrditonoso.7

    Os direitos reais classificamse, genericamente, em duas categorias: sobre

  • coisaprpriaesobrecoisaalheia.Noprimeiroplano,estapropriedade,direitorealporexcelncia,oudireitorealpleno.Nosegundo,situamseosdireitosreaislimitados de fruio ou gozo (enfiteuse, servido, uso, usufruto, habitao,direito de superfcie, a concesso de uso especial para fins de moradia, aconcesso de direito real de uso e a laje) eos de garantia (hipoteca, anticrese,penhor,propriedadefiduciria),almdaposse,queocupalugardestacadoe,numderradeiro plano, surge novo direito real, gerado pelas exigncias da vidamoderna, ocupando lugar destacado: direito real de aquisio (promessairrevogveldevenda).

    Oaspecto,igualmentepreponderante,nacaracterizaodosdireitosreais,asua limitao legal.8 Somente o legislador (no Cdigo ou em lei extravagante)podecrilos(numerusclausus).Aconvenoouavontadedosinteressadosnotemestepoder.Soosdireitosrevestidosdaprerrogativaderestringirousodosbensacertossujeitos,econvenientequeosnopossacriarsenoolegislador,pelas implicaes sociais consequentes. Na sua enumerao lavra certadiversidade legislativa como doutrinria. Enquanto alguns direitos reais somencionadosouenumeradosemcarterconstante,outrossoaosrevsomitidosemumououtrosistemajurdico.Tendoemvistaasuacaracterizaoespecial,eatendendosprefernciaslegislativas,assimostratamos:a)comodireitosreaisdegozoou fruio, cogitamosdaenfiteuse, servides,usufruto,uso,habitao,rendaconstitudasobreimveisedireitodesuperfcieb)comodireitosreaisdegarantiamencionamos o penhor, a anticrese, a hipoteca e a alienao fiduciriaem garantia c) como direito real de aquisio focalizamos a promessairrevogveldevenda.

    Nestevolume,estudaremosodireitorealpleno,isto,apropriedade, ius inre por excelncia, tendo por objeto coisa mvel ou imvel, corprea ouincorprea, do prprio titular. Estudaremos os outros direitos reais limitados,incidentes sobre coisa alheia iura in realiena , os quais a doutrina costumadizerque tmporobjeto apropriedade limitada,9 o quemelhor se denominar,entretanto, falandoque implicamrestriespropriedadealheiaembenefciodotitular.

    Posioproeminenteocupaaposse,geradaporumasituaodefatosimilarao domnio (visibilidade do domnio Jhering). Disputam os mestres a suacaracterizao como direito ou mero fato, e, dentre os primeiros, uns lhereconhecem e outros lhe negam a natureza de ius in re. Tudo isto ser

  • oportunamenteestudado(n286,infra).Limitamonos aqui nesta Introduo a debater a sua localizao, pois que

    tambm esta vexata quaestio. H os que situam a teoria da posse antes dapropriedade, e outros depois. Dentre estes ltimos, inscrevemse as escolasfrancesa e italiana, em razo de os respectivos Cdigos disciplinarem apropriedade antes da posse. Mas os primeiros tm razo, pois que,independentemente de adentrar no regime jurdico da propriedade, e de suaslimitaes, defrontase o jurista com os problemas relativos defesa daquelasituaoqueretrataaexterioridadedodomnio,edesuadefesaprovisria.Assimpensando, tm procedido, entre ns e alhures: Mackeldey, Dernburg, Maynz,Windscheid, Muhlembruch, Cornil, Martin Wolff, Salvat, Lafaille, Lafayette,ClvisBevilqua,PontesdeMiranda,WashingtondeBarrosMonteiro,OrlandoGomes.

    Nodesenvolvimentodostemas,naexposiodasdoutrinasenafixaodosconceitos, atentamos, primordialmente, nas mais modernas concepes que aconstruo jurdica, nossa e alheia, desenvolve. A contribuio cientfica, nesteterreno,muitogrande,emuitovaliosa,oraarrimadas fontesmaispuras,orainspiradanomaisvivoespritocriador.Masnopodemosdeixar,igualmente,decogitardodireitopositivo,fielorientaodestaobra.

    Procedendosereformalegislativa,comoadventodoCdigoCivilde2002,cujaPrimeiraComissocoubenosahonrade integrar, jnasediesanterioresinserimos, a par das informaes necessrias, o que deveria prevalecer nodiploma futuro, tendo em vista as ideias que representam a contribuio maisconstantedopensamentojurdicobrasileiro.

    Tivemos tambm presentes as tendncias sociais de nosso tempo, que voimprimindosconstruesjurdicasamarcadesuaspredominncias.Esta,alis, aprovnciadodireitoprivadomais sensvel s influnciasdeevoluo social.Em todos os tempos, medida que a pesquisa histrica os ilumina, avulta apeculiaridadedoassenhoreamentodosbensterrenos,comondicedosfenmenossociopolticos. A organizao teocrtica refletese no contedo de suapropriedade, tal qual nele se espelha a instituio patriarcal o carter sagradopredominante na Cidade Antiga aflora no regime jurdico do seu domnio apreeminnciausufruturiaentreosgermanosatestaacomposiopolticaopostaao extremado individualismoquiritrio, enfraquece a propriedadeprivada comaqueda do Imprio, adquire a noo dominial maior expresso poltica com o

  • feudalismoaexaltaodapropriedadeimobiliriaeoaviltamentodaresmobilisfixou a tnica da construo jurdica do sculo passado o assalto cidadelaproprietaristacaracterizaarevoluosocialdopresente,ocombateaosprivilgiosassinalaatendnciareformistadenossosdias.

    Consignamosnestevolumeos impactosqueaConstituioFederalde1988impsaosdireitosreais,emrefernciafunosocialdapropriedade,aquisioporusucapio,polticadereformaagrria,etudoomaisquecondizcomessesdireitosqueseroestudadosnolugarprprio.

    Assim se comps este volume, o IV das Instituies, tendo em vista umadistribuio de matria segundo as cinco grandes divises que o estudo dosDireitosReaiscomporta:PrimeiraParte,APosseSegundaParte,APropriedadeTerceiraParte,DireitosReaisdeGozoouFruioQuartaParte,DireitosReaisdeGarantiaQuintaParte,DireitoRealdeAquisio.

    AConstituioFederalde5deoutubrode1988 trouxenovosenfoquesquepercutem nasmatrias atinentes aos Direitos Reais. Na presente reedio destevolumenopodemosdeixardeconsiderar,luzdosnovosprincpios,adoutrinaconstitucional dos bens pblicos, nas duas categorias bsicas: bens da Unio ebens dos Estados, com referncia especial s terras devolutas. Cogitamos emparalelodapolticaagrcola,fundiciriaedareformaagrria,queatraiaatenodos rgos pblicos, e refletem nos particulares, da mesma forma que cuida anovaCartadospreceitosrelativospolticaurbana.Noobstanteasedimentaodas normas disciplinares da desapropriao, indispensvel atualizar as regrasreguladoras.Merecemigualmenteatenoasreservasdegsnaturaledepetrleo(inclusive sua refinao), bem como as de quaisquer minerais, notadamentenucleares.Emboranasediesanteriores tenhamoscogitadoda funosocialdapropriedade, no podemos omitir a preceituao atual, que levantou enormepolmicanaelaboraodosconceitos.Paralelamenteaencontralugarausucapiodereasurbanascomorurais.Adefesadomeioambienteedaproteoecolgicaexigemeno especial de igual que a competncia para legislar sobre as guas,superficiaisquantosubterrneas.

    Porfim,apresenteediofoiintegralmenterevistaluzdoCdigoCivilde2002esuasulterioresmodificaes,absorvendoaindainovaesnormativas,taiscomoasprovenientesdoEstatutodaCidade (Lein10.257,de10.07.2001),daLei n 9.514/97, que instituiu a propriedade fiduciria sobre bens imveis, doprprio Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90) da Medida

  • 1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    Provisria700/2015,almdasLeisnos10.931/2004,11.382/2006,11.481/2007,11.977/2009, 13.043/2014, que alterou o DecretoLei 911/1969, 13.097/2015,13.105/2015,entreoutras.

    PietroPerlingieri,PerfisdoDireitoCivil,pgs.204esegs.

    DePage,Traitlmentaire,vol.I,n127.

    Kant,PrincipesMtaphysiquesduDroit,trad.deJosephTissot,pg.88.

    LouisRigaud,LeDroitRel,pg.420.

    MazeaudeMazeaud,LeonsdeDroitCivil,vol.I,nos161e162.

    MartyeRaynaud,DroitCivil,vol.I,nos301esegs.

    Cf.,arespeitodadistino:JulioDasseneEnriqueVerasVillalobos,ManualdeDerechosReales,n6DePage,ob.cit.,n131MazeaudeMazeaud,LeonsdeDroitCivil,vol.I,nos161eseg.MartyeRaynaud,DroitCivil,nos301esegs.OrlandoGomes,DireitosReais,n2ClvisBevilqua,DireitodasCoisas,vol.I,6JeanDabin,UneNouvelleDfinitionduDroitRei,inRevueTrimestrielledeDroitCivil,1962,pgs.20esegs.LacerdadeAlmeida,DireitodasCoisas,IntroduoSerpaLopes,CursodeDireitoCivil,vol.VI,nos10esegs.

    Lafayette,DireitodasCoisas,Prefcio,n4.

    TeixeiradeFreitas,ConsolidaodasLeisCivis,Introduo,pg.LXXXIV.

  • C

    NOTADOATUALIZADOR

    HomenagemaCaioMriodaSilvaPereira

    ostumase dizer que a tarefa de atualizaode um texto encerra nveis de dificuldademaiores do que os enfrentados na criao de um novo, em especial quando aos

    atualizadores se submete obra clssica, admiradssima, e que hmais de quarenta e cinco anos,comoocasodasInstituiesdeDireitoCivil,fascinadiferentesgeraesdecivilistas.Almdaelegnciadeestiloedodomniosingularsobrea linguagem,aobradoProfessorCaioMriodaSilva Pereira alia as marcas da profundidade e da didtica, virtudes tais que distinguem suasInstituiescomoomanualdeDireitoCivildemaiorrepercussonacomunidadejurdica,acriarvinculaointelectualeafetivaentreoMestreeseusleitores,desdeosbancosdagraduaoatodesempenhodasmaisaltasatividadesprofissionaisportodooPas.Assim,ostrabalhosderevisoeatualizaorevestemsedeprofundadimensosocial,poistmporescoponoprivarasatuaisefuturasgeraesdeestudanteseestudiososdodireitocivildaspreciosasliesqueseperpetuamnapresentecoleo.

    Comoquealidarcomapurezadosdiamantes,intervenespontuais,adendosemesmo construes inovadoras paulatinamente inseridos, as edies atualizadasprocuram guardar fidelidade ao estilo e s diretrizes centrais do pensamento doautor,incorporandotodaafartaproduojurisprudencialelegislativahodiernaaocontedo do livro. J nosmanuscritos desenvolvidos para a primeira verso psCdigo Civil de 2002, gentilmente cedidos aos atualizadores, percebese apreocupao do professor em conciliar oDireito com as exigncias da realidade,afastandoconstruesensimesmadasemconceitualismosvazios.Aoadotar,norigormetodolgico, o Direito como cincia instrumental aos anseios de justia, CaioMrio logrou imprimir em suas Instituies um significado transcendente e deprofcuaaplicabilidadeaostemposcorrentes.

    A exploso dos empreendimentos e da especulao imobiliria, bem como asnovasfacesdaautonomiaprivadanosdireitosreais,eaaindanecessriaampliaodosmeiosdeacessopropriedade,porexemplo,evidenciamaimportnciaprticadasliesdoProfessorCaioMrio.Nessalinha,a25.ediodolivroprocuratratarde temas recentssimos, entre os quais se destacam a disciplina da usucapioextrajudicialeasmodificaesrelativassaespossessriasnoCdigodeProcessoCivilde2015,e,ainda,aatualizaodoinstitutodaalienaofiduciriaeosnovosperfisdopactomarcianonajurisprudncia.

  • Constatase,desuaprazerosaleitura,que,almdencleoessencialdassituaespatrimoniais, os direitos reais se revelam importantemeio de construo de umasociedade livre, justa e solidria, que prima pela proeminncia dos princpios evalores humanistas consagrados na Constituio da Repblica. A servir de guiainterpretativo do sentido das Instituies, encerramse essas palavras com adedicatria introduzida pelo prprio CaioMrio ao presente volume: Aosmeusfilhos, dedico este volume que trata dos bens, para que a estes saibam sempresobreporosvaloresmorais.

    CarlosEdisondoRgoMonteiroFilho

  • PREFCIO

    s vsperas de completar 90 anos, tenho a alegria de entregar a uma equipe dedestacadosjuristasosmanuscritosquedesenvolvidesdeaversooriginaldoProjeto

    doCdigoCivilde1975,aprovadopelaCmaradosDeputadosem1984epeloSenadoFederalem1998.

    Aexemplodosmaismodernoscompndiosdedireito,comoapoiodaquelesqueescolhi pela competncia e dedicao aoDireito Civil, sintome realizado ao verprosseguir no tempo as minhas ideias, mantidas as diretrizes que impus sInstituies.

    Retomo,nessemomento,algumasreflexes,pretendendoqueasmesmassejamincorporadasobra,como testemunhodeumaconcepoabrangenteeconscientedas mudanas irreversveis: a Histria, tambm no campo do Direito, jamais serepete.

    Considerandoque inexiste atividadequeno seja juridicamentequalificada,perpetuase a palavra de Del Vecchio, grande jusfilsofo por mim tantas vezesinvocado, ao assinalar que todoDireito , emverdade, um complexo sistema devalores e, mais especificamente, ao assegurar que o sistema jurdico vigenterepresentaumaconciliaoentreosvaloresdaordemeosvaloresdaliberdade.1

    EmmeusrecentesestudossobrealgunsaspectosdaevoluodoDireitoCivil,2

    alerteiosestudiosossobreoperigoemsedesprezarosmotivosdeordemglobalquelegitimamodireitopositivo,esobreaimportnciadeseteratenosnecessidadessociaisaque,jhmuito,fezrefernciaJeanDabin.3

    Eu fugiria da realidade social se permanecesse no plano puramente ideal dosconceitosabstratos,ouseabandonasseosoloconcretodoqueevoltassepelasreas exclusivas do dever ser. Labutando nesta rea por mais de sessenta anos,lutando no dia a dia das competies e dos conflitos humanos, reafirmo minhasconvices no sentido de que o Direito deve ser encarado no concretismoinstrumental que realiza, ou tenta realizar, o objetivo contido na expressomultimilenardeUlpiano,isto,comooveculoaptoapermitirquesedacadaumaquilo que lhe deve caber suum cuique tribuere. E se verdade que viceja nasociedadeatalpontoqueubisocietasibiius,tambmcertoquenosepodeabstralodasociedadeondefloresce:ubiius,ibisocietas.

  • VisualizandooDireitocomonormadeconduta,comoregradecomportamento,eesquivandomedosexcessosdopositivismojurdico,sempreconclameioestudiosoabuscarconcililocomasexignciasdarealidade,equilibrandoacomonecessriograudemoralidadeeanimandoacomoanseionaturaldejustiaessedominatoaoserhumano.

    Nosepode,emverdade,ignorarodireitopositivo,odireitolegislado,anormadotadadepodercogente.Elenecessrio.Reprimeosabusos,corrigeasfalhas,puneas transgresses, traa os limites liberdade de cada um impedindo a penetraoindevidanarbitadas liberdadesalheias.Noaceitvel,porm,queoDireitoseesgotenamanifestaodopoderestatal.Paradesempenharasuafunobsicadeadequar o homemvida social, comoeuodefini,4 h de ser permanentementerevitalizadoporummnimodeidealismo,contribuindoparaoequilbriodeforaseaharmoniadascompeties.

    Assistese, por outro lado, evoluo do direito legislado, na expressomorfolgicadesuaelaborao,comotendenteaperdercadavezmaisoexageradotecnicismo de uma linguagem esotrica, posta exclusivamente ao alcance dosiniciados.Semsedesvestirdeumalinguagemverncula,hdeexpressarsede talmodo que seja compreendido sem o auxlio do misticismo hermenutico dosespecialistas.

    TomadocomopontodepartidaoCdigoCivilde1916,suapreceituaoeasuafilosofia, percebese que o Direito Civil seguiu por dcadas rumo bem definido.Acompanhandoodesenvolvimentodecadainstituto,vseque,emboraestanques,ossegmentos constituram uma unidade orgnica, obediente no seu conjunto a umasequnciaevolutivauniforme.

    Noentanto,asltimasdcadas,marcadaspelaredemocratizaodoPasepelaentradaemvigordanovaConstituio,deflagrarammudanasprofundasemnossosistemajurdico,atingindoespecialmenteoDireitoPrivado.

    Diantedetantastransformaes,passeiareveraefetivafunodosCdigos,nomaislhesreconhecendoamissotradicionaldeasseguraramanutenodospoderesadquiridos, tampouco seu valor histrico de Direito Comum. Se eles uma vezrepresentaram a consagrao da previsibilidade,5 hoje exercem, diante da novarealidadelegislativa,umpapelresidual.

    ComoressalveinoprimeirovolumedeminhasInstituies,buscandosubsdiosemLcioBittencourt,6a leicontmnaverdadeoque intrpretenelaenxerga,oudelaextrai,afinaemessnciacomoconceitovalorativodadisposioeconduzodireito no rumo evolutivo que permite conservar, vivificar e atualizar preceitosditadoshanos,hdcadas,hsculos,equehojesubsistemsomenteemfunodo

  • entendimentomodernodosseustermos.Olegisladorexprimeseporpalavras,enosentidorealdestasqueointrprete

    investigaaverdadeebuscaosentidovivodopreceito.Cabeaelepreencherlacunaseomisses e construir permanentemente o Direito, no deixando que as leisenvelheamapesardotempodecorrido.

    Fielaessaspremissashermenuticas,sempreconsidereiaatuaodeduasforasnumareformadoCdigoCivil:a imposiodasnovascontribuiestrazidaspeloprogresso incessante das ideias e o respeito s tradies do passado jurdico.Reformar o Direito no significa amontoar todo um conjunto normativo comocriaodepreceitosaptosareformularaordemjurdicaconstituda.

    Em meus ensinamentos sobre a interpretao sistemtica, conclamei oinvestigador a extrair deumcomplexo legislativo as ideias gerais inspiradoras dalegislaoemconjunto,oudeumaprovnciajurdicainteira,esualuzpesquisarocontedo daquela disposio. Deve o intrprete investigar qual a tendnciadominante nas vrias leis existentes sobre matrias correlatas e adotla comopremissaimplcitadaquelaqueoobjetodasperquiries.7

    Estouconvencidodeque,noatualsistemajurdico,existeespaosignificativoparaumainterpretaoteleolgica,queencontranaLeideIntroduosnormasdoDireitoBrasileirosuaregrabsica,previstanoart.5:Naaplicaodalei,ojuizatenderaosfinssociaisaqueelasedirigeesexignciasdobemcomum.

    Na hermenutica do novo Cdigo Civil, destacamse hoje os princpiosconstitucionais e os direitos fundamentais, os quais se impem s relaesinterprivadas,aosinteressesparticulares,demodoafazerprevalecerumaverdadeiraconstitucionalizaodoDireitoPrivado.

    ComaentradaemvigordaCartaMagnade1988,conclameiointrpreteaumtrabalho de hermenutica informado por uma viso diferente da que preside ainterpretaodasleisordinrias.8

    Ao mesmo tempo, alerteio acerca do que exprimi como o princpio dacontinuidade da ordem jurdica,mantendo a supremacia daConstituio sobre alegislatura:Aplicaseincontinenti,pormvoltadaparaofuturo.Disciplinatodaavidainstitucionalexnunc,apartirdeagora,dequandocomeouavigorar.9Noobstanteoseucarterimperativoeainstantaneidadedesuavigncia,nopoderiaeladestruirtodaasistemticalegislativadopassado.10

    Diante do princpio da hierarquia das leis, no se dir que a Constituiorevogaasleisvigentesumavezque,naconformidadedoprincpiodacontinuidadedaordem jurdica, a normade direito objetivo perde a eficcia em razode umaforacontrriasuavigncia.Asleisanterioresapenasdeixaramdeexistirnoplano

  • doordenamentojurdicoestatalporhaveremperdidoseufundamentodevalidade.11

    Diante de uma nova ordem constitucional, a ratio que sustentava as leis vigentescessa.Cessandoarazoconstitucionaldaleiemvigor,perdeeficciaaprprialei.

    Naquelamesmaoportunidade,advertinosentidodequeanovaConstituionotem o efeito de substituir, com um s gesto, toda a ordem jurdica existente. Opassado vive no presente e no futuro, seja no efeito das situaes jurdicas jconsolidadas,sejaemrazodeseelaborarpreceituaonovaque,pelasuanaturezaoupelanecessidadedecomplementao,reclamainstrumentalizaolegislativa.12

    Cabe, portanto, ao intrprete evidenciar a subordinao da norma de direitopositivo aumconjuntodedisposies commaior graudegeneralizao, isto , aprincpiosevaloresdosquaisnopodeounodevemaisserdissociada.

    Destaco, a este propsito, o trabalho deMaria Celina Bodin deMoraes, queassume uma concepo moderna do Direito Civil.13 Analisando a evoluo doDireitoCivilapsaCartaMagnade1988,aautoraafirma:AfastousedocampodoDireito Civil a defesa da posio do indivduo frente ao Estado, hoje matriaconstitucional.

    AotraaronovoperfildoDireitoPrivadoeatendnciavoltadapublicizaoaconviver,simultaneamente,comumacertaprivatizaodoDireitoPblico,ailustrecivilistadefendeasuperaodaclssicadicotomiaDireitoPblicoDireitoPrivadoeconclamaaqueseconstruaumaunidadehierarquicamentesistematizadado ordenamento jurdico. Essa unidade parte do pressuposto de que os valorespropugnados pela Constituio esto presentes em todos os recantos do tecidonormativo,resultando,emconsequncia,inaceitvelargidacontraposio.14

    A autora ressalta a supremacia axiolgica da Constituio, que passou a seconstituir como centro de integrao do sistema jurdico de direito privado,15

    abrindoseentoocaminhoparaaformulaodeumDireitoCivilConstitucional,hojedefinitivamentereconhecido,naDoutrinaenosTribunais.

    Reportome,especialmente,aosestudosdePietroPerlingieri,aoafirmarqueoCdigoCivilperdeuacentralidadedeoutroraequeopapelunificadordosistema,tanto em seus aspectos mais tradicionalmente civilsticos quanto naqueles derelevnciapublicista,desempenhadodemaneiracadavezmaisincisivapeloTextoConstitucional.16

    DiantedaprimaziadaConstituioFederal,osdireitosfundamentaispassaramaserdotadosdamesmaforacogentenasrelaespblicasenasrelaesprivadas,enoseconfundemcomoutrosdireitosasseguradosouprotegidos.

    Emminhaobra, sempre salientei o papel exercidopelos princpios gerais dedireito,aqueserefereexpressamenteoart.4odaLeideIntroduosnormasdo

  • DireitoBrasileirocomofontesubsidiriadedireito.Emboradedifcilutilizao,osprincpios impem aos intrpretes o manuseio de instrumentos mais abstratos ecomplexoserequeremumtratocomideiasdemaiorteorculturaldoqueospreceitossingelosdeaplicaoquotidiana.17

    Devoreconhecerque,naatualidade,osprincpiosconstitucionaissesobrepemposio anteriormente ocupada pelos princpios gerais de direito. Na Doutrinabrasileira,cabedestacar,acercadessaevoluo,osestudosdePauloBonavidessobreosprincpiosgeraisdedireitoeosprincpiosconstitucionais.18

    Depois de longa anlise doutrinria e evolutiva, o ilustre constitucionalistareafirma a normatividade dos princpios.19 Reportase a Vezio Crisafulli20 aoasseverarqueumprincpio, sejaeleexpressonumaformulao legislativaou,aocontrrio, implcitoou latentenumordenamento,constituinorma,aplicvelcomoregradedeterminadoscomportamentospblicosouprivados.

    Bonavides identifica duas fases na constitucionalizao dos princpios: aprogramtica e a no programtica, de concepo objetiva.21 Nesta ltima, anormatividade constitucional dos princpios ocupa um espao onde releva deimediatoasuadimensoobjetivaeconcretizadora,apositividadedesuaaplicaodiretaeimediata.

    Concluioconceituadoautorque,desdeaconstitucionalizaodosprincpios,fundamentodetodaarevoluoprincipal,osprincpiosconstitucionaisoutracoisanorepresentamsenoosprincpiosgeraisdedireito,aodaremestesopassodecisivode sua peregrinao normativa, que, inaugurada nos Cdigos, acaba nasConstituies.22

    No mbito do debate que envolve a constitucionalizao do Direito Civil,mencionese ainda o 1o do art. 5 do Texto Constitucional, que declara que asnormasdefinidorasdosdireitosedasgarantiasfundamentaistmaplicaoimediata.Considero, no entanto, que no obstante preceito to enfaticamente estabelecido,ainda assim, algumas daquelas normas exigem a elaborao de instrumentosadequadossuafielefetivao.23

    Rememorandomeusensinamentossobredireitosubjetivoeacentralidadedafacultas agendi, ressalvadas, claro, as tantas controvrsias e divergncias queenvolvem o tema, destaco na conceituao do instituto o poder de ao, posto disposiodeseutitularequenodependerdoexerccioporpartedesteltimo.Poressarazo,oindivduocapazeconhecedordoseudireitopoderconservarseinerte,semrealizaropoderdavontadee,aindaassim,serportadordetalpoder.

    Ainda a respeito do direito subjetivo, sempre ressaltei a presena do fatorteleolgico,ouseja,odireitosubjetivocomofaculdadedequerer,pormdirigidaa

  • determinadofim.Opoderdeaoabstratoincompleto,desfigurado.Corporificasenoinstanteemqueoelementovolitivoencontraumafinalidadeprticadeatuao.Estafinalidadeointeressedeagir.24

    Mais uma vez, refirome aos estudos deMariaCelinaBodin deMoraes, que,apoiandoseemMicheleGiorgianni,esclarece:aforadodireitosubjetivonoadotitulardodireito,esimaforadoordenamentojurdicoqueosujeitopodeusaremdefesa de seus interesses, concluindo que esta fora existe somente quando ointeressejuridicamentereconhecidoeprotegido.(...)

    Nombitodosdireitossubjetivos,destacaseoprincpioconstitucionaldatutelada dignidade humana, como princpio ticojurdico capaz de atribuir unidadevalorativa e sistemtica ao Direito Civil, ao contemplar espaos de liberdade norespeitosolidariedadesocial.nestecontextoqueMariaCelinaBodindeMoraesinsereatarefadointrprete,chamadoaprocederponderao,emcadacaso,entreliberdadeesolidariedade.Estaponderaoessencial,jque,docontrrio,osvaloresda liberdade e da solidariedade se excluiriam reciprocamente, todavia, quandoponderados,seuscontedossetornamcomplementares:regulamentasealiberdadeemproldasolidariedadesocial,isto,darelaodecadaum,comointeressegeral,oque,reduzindoadesigualdade,possibilitaolivredesenvolvimentodapersonalidadedecadaumdosmembrosdacomunidade.25

    Nessasminhasreflexes,nopoderiameomitirquantospropostasdeJoodeMatos Antunes Varela, as quais ajudaram a consolidar minhas convices, jamplamenteconhecidas,nosentidodadescodificaodoDireito.

    Numaanlise histrica, o insigne civilista portugusdemonstra queoCdigoCivil se manteve na condio de diploma bsico de toda a ordem jurdica,atribuindo ao Direito Civil a definio dos direitos fundamentais do indivduo.Desde os primrdios das codificaes, nunca se conseguiu, no entanto, estancar aatividadedasassembleiaslegislativasnoqueconcernelegislaoespecial,aqualseformavaporpreceitosqueconstituammeroscorolriosdadisciplinabsicadosatosjurdicoseprocuravam,deliberadamente,respeitarosprincpiosfundamentaisdefinidosnoCdigoCivil.

    O mencionado autor apresenta efetivos indicadores para o movimento dedescodificao:oCdigoCivildeixoudeconstituirseocentrogeomtricodaordemjurdica, j que tal papel foi transferido para a Constituio o aumento emquantidade e qualidade da legislao especial a nova legislao especial passou acaracterizarseporumasignificativaalteraonoquadrodosseusdestinatrios:Asleis deixaram em grande parte de constituir verdadeiras normas gerais paraconstiturem estatutos privilegiados de certas classes profissionais ou de

  • determinadosgrupospolticos.26

    Referese,ainda,aosmicrossistemascomosatlitesautnomosqueprocuramregiesprpriasnarbitaincontroladadaordemjurdica(...)ereivindicamreasprivativas e exclusivas de jurisdio e que tendem a regerse por princpiosdiferentesdosqueinspiramarestantelegislao.27

    ConcluiVarelaqueaConstituionopodehojelimitarseadefinirosdireitospolticoseasliberdadesfundamentaisdocidadoeatraaraorganizaodoEstadocapazdegarantiralivreiniciativadosindivduos.Acimadafunoderbitronosconflitos de interesses individuais ou de acidental interventor supletivo nodesenvolvimento econmico do pas, o Estado social moderno chamou,justificadamente,asiduasfunesprimordiais:adepromotorativodobemcomumedegarantedajustiasocial.28

    Como Antunes Varela, considero a necessidade de serem preservadas as leisespeciais vigentes, salvo a total incompatibilidade comnormas expressas donovoCdigoCivil,quandoestaremosenfrentandoasuarevogaoouabrogao.Alertese,noentanto,paraacessaodavignciadaleiporforadodesaparecimentodascircunstncias que ditaram a sua elaborao. Invocase, a propsito, a parmiacessanterationelegis,cessatetipsalex.

    Entreascausasespeciaisdecessaodaeficciadasleis,nosepodedeslembrara resultante da declarao judicial de sua inconstitucionalidade. Por decisodefinitiva doSupremoTribunal Federal, cabe aoSenadoFederal suspender a suaexecuo, no todo ou em parte (CF, art. 52,X). Portanto, no compete ao PoderJudicirio revogar a lei, mas recusar a sua aplicao quando apura a afronta aprincpiosfixadosnoTextoMaior.

    Destaquese,ainda,aLeiComplementarn95,de26defevereirode1998,quedispe sobre a elaborao, a redao, a alterao e a consolidao das leis,declarandonoart.9oqueaclusuladerevogaodeverenumerar,expressamente,asleisoudisposieslegaisrevogadas.

    Outrossim, devemos ser cautelosos ao interpretar o art. 2o, 2, da Lei deIntroduo s normas do Direito Brasileiro, segundo o qual a lei nova, queestabeleadisposiesgeraisouespeciaisapardas jexistentes,norevoganemmodificaa leianterior.Damesma forma advertiuMarcoAurelio S.Vianna, aoconsiderar que a generalidade de princpios numa lei geral no criaincompatibilidadecomregradecarterespecial.Adisposioespecialdisciplinaocaso especial, sem afrontar a norma genrica da lei geral que, em harmonia,vigorarosimultaneamente.29

    AadequaodoCdigoCivilaonossostatusdedesenvolvimentorepresentaum

  • efetivodesafioaosjuristasnesserenovadocontextolegislativo.Aminhageraofoisacrificada no altar estadonovista. Quando atingiu a idade adulta e chegou omomentodeaparelharseparacompetirnosprliospolticos,asliberdadespblicasforam suprimidas e o restabelecimento custou inevitvel garroteamento entre osantigos que forcejavam por ficar e os mais novos que chegaram depois eambicionavamvencer.A gerao atual, que conviveu com as diversas verses donovoCdigo,buscaassimilarasliesrealistasdomundocontemporneo.

    Novadiretrizdeverserconsideradaparaojuristadestemilnioqueseinicia.San Tiago Dantas pregava, de forma visionria, a universalidade do comandojurdico, conduzindo interdisciplinaridade entre os vrios ramos jurdicos.Considero,contudo,queoDireitodevebuscartambmnasoutrascincias,sobretudonaquelas sociais e humanas, o apoio e a parceria para afirmar seus princpios,reorganizandometodologicamente seus estudos e pesquisas. As relaes humanasnopodemser tratadaspelosistemajurdicocomosefossemapenasdeterminadaspelomundo dos fatos e da objetividade.A filosofia, a psicologia, a sociologia, amedicinaeoutrascinciasindicamnovosrumosaoDireito.

    Convivendo com um sistema normativo, que sempre se contentou com apacificao dos conflitos, cabe aos juristas, intrpretes e operadores do Direito,assumilo com a funo promocional apregoada por Norberto Bobbio desde adcadadesetenta.OCdigodeDefesadoConsumidor,oEstatutodaCrianaedoAdolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educao representam estruturalegislativaqueseprojetarcomomodelodosdiplomaslegislativos,nosquaishdeprevalecer,acimadetudo,orespeitoaosdireitosfundamentais.

    Devemos, portanto, assumir a realidade contempornea: os Cdigos exercemhojeumpapelmenor,residual,nomundojurdicoenocontextosociopoltico.Osmicrossistemas, que decorrem das leis especiais, constituem polos autnomos,dotados de princpios prprios, unificados somente pelos valores e princpiosconstitucionais, impondose, assim, o reconhecimento da inovadora tcnicainterpretativa.

    NoquetangeaovolumequartodasInstituies,conteicomoapoiodojuristaCarlosEdisondoRgoMonteiroFilho,professoradjuntoechefedoDepartamentodeDireitoCivilnaFaculdadedeDireitodaUERJ.FoicoordenadordoProgramadePsGraduaoemDireitoeViceDiretordaFaculdadedeDireitodaUERJ.Autordo livro Elementos de responsabilidade civil por dano moral, alm de diversosartigos e ensaios publicados em livros e revistas especializadas. Coautor da obraCdigoCivilinterpretadoluzdaConstituiodaRepblica.MembrodoConselhoAssessor da Revista Trimestral de Direito Civil RTDC. Mestre em Direito da

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    CidadeeDoutoremDireitoCivilpelaUniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro.ProcuradordoEstadodoRiodeJaneiro.DiretorjurdicodoProconRJ.Advogado.

    Agradeooempenhoeodesvelo,quetantoengrandeceramaobra.Graasaoseutrabalho,estevolumefoiacrescidonoapenasdemeusprprioscomentrios,comotambm de referncias a outras teses doutrinrias, nacionais e estrangeiras, cujaseleorevelaapesquisarealizadaemproldacuidadosaatualizao.

    Diante doCdigoCivil de 2002, espero queminha obra, j agora atualizada,possa prosseguir no tempo orientando os operadores do Direito, os juristas e osacadmicos do novomilnio, cabendolhes, sob a perspectiva da globalizao dasinstituies, o desafio de conciliar critrios de interpretao que resultem naprevalnciadobomsenso,dacriatividadee,porvezes,demuitaimaginao.

    CaioMriodaSilvaPereira

    GiorgioDelVecchio.EvoluzioneedInvoluzionedelDiritto,Roma,1945,pg.11,refereseauntentativodiconciliazionetrailvaloredellordineeilvaloredellalibert,muitoemboraparaassegurarumdessesvaloressejanecessriosacrificarcorrespondentementeooutro.

    CaioMriodaSilvaPereira.DireitoCivil:AspectosdesuaEvoluo,RiodeJaneiro,Forense,2001.

    JeanDabin.PhilosophiedelOrdreJuridiquePositif,Paris,Sirey,1929,pg.22.

    CaioMriodaSilvaPereira.InstituiesdeDireitoCivil,RiodeJaneiro,Forense,2003,vol.I,n1.

    NatalinoIrti.LEtdellaDecodificazione,inRevistadeDireitoCivil,n10,pg.16,out./dez.1979.

    C.A.LcioBittencourt,AInterpretaocomoParteIntegrantedoProcessoLegislativo,inRevistaForense,vol.94,pg.9.

    CaioMriodaSilvaPereira.InstituiesdeDireitoCivil,vol.I,n38.

    CaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,inRevistaForense,vol.304,pg.29.

    Idem,ob.cit.,pg.31.

    Idem,ob.cit.,pg.32.

    WilsondeSouzaCamposBatalhaapudCaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.33.

    CaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.34.

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    MariaCelinaBodindeMoraes.ACaminhodeumDireitoCivilConstitucional,inRevistadeDireitoCivil,n65,pg.22,jul./set.1993.

    Idem,ob.cit.,pg.24.

    Idem,ob.cit.,pg.31.

    PietroPerlingieri.PerfisdoDireitoCivil:IntroduoaoDireitoCivilConstitucional.Trad.deM.C.DeCicco,RiodeJaneiro,Renovar,1997,pg.6.

    VideInstituiesdeDireitoCivil,cit.,vol.1,n13.

    PauloBonavides.Cursodedireitoconstitucional,7ed.SoPaulo,Malheiros,1997.

    PauloBonavides.CursodeDireitoConstitucional,cit.,pg.246.

    VezioCrisafulli.LaCostituzioneesueDisposizionidiPrincipi,Milano,1952,pg.16.

    Idem,ob.cit.,pg.246.

    Idem,ob.cit.,pgs.261262.

    CaioMriodaSilvaPereira.DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.33.

    CaioMriodaSilvaPereira.InstituiesdeDireitoCivil,vol.I,n5.

    MariaCelinaBodindeMoraes.ConstituioeDireitoCivil:Tendncias,inRevistadosTribunais,vol.779,pgs.55e59,set.2000.

    JoodeMatosAntunesVarela.OMovimentodeDescodificaodoDireitoCivil,inEstudosJurdicosemHomenagemaoProf.CaioMriodaSilvaPereira,RiodeJaneiro,Forense,1984,pgs.507509.

    Idem,ob.cit.,pg.510.

    Idem,ob.cit.,pg.527.

    MarcoAurelioS.Vianna,DireitoCivil.ParteGeral,BeloHorizonte,DelRey,1993,pg.53.

  • PARTEPRIMEIRA

    APOSSE

    CAPTULOLXIV

    GENERALIDADESSOBREAPOSSE

    Sumrio

    284.Conceitodeposse.285.Teoriassobreaposse.286.Naturezajurdicadaposse.287.Classificaodaposse.288.Composse.289.Fundamentodatutelapossessria.

    Bibliografia

    RudolfvonIhering,GrunddesBesitzschutzesRudolfvonIhering,LaPosesin,trad.deAdolfoPosadaSavigny,DasRechtdesBesitzesSavigny,TraitdelaPossession,trad.deFaivreDAudelangeTitoFulgncio,DaPosseedasAesPossessrias,vol.I,nos1esegs.EdmundoLins,EstudosJurdicos,pgs.111esegs.Lafayette,DireitodasCoisas,2esegs.VittorioPolacco,IlPossessoButera,DizzionarioPratticodiDirittoPrivatodeScialoja,V.PossessoJ.W.Hedemann,DerechosReales,trad.deDiezPastor eGonzalezEnriquez,6 e segs., pgs.53e segs.Segr,NuovoDigestoItaliano,V.PossessoRuggieroeMaroi,IstituzionidiDirittoPrivato,vol.I,

    31

  • 284.

    E

    123Ribas,DaPosseedasAesPossessrias,Cap.ILacerdadeAlmeida,DireitodasCoisas,notaao8OrlandoGomes,DireitosReais,nos 9 e segs.MelchiadesPicano,APosseCornil,TraitlmentairedesDroitsRelsetdesObligations,27e segs.AstolfoRezende, inManualLacerda, vol.VII, nos 1 e segs.Raviart eRaviart, Trait Thorique et Pratique des Actions Possessoires, nos 5 e segs.MazeaudeMazeaud,LeonsdeDroitCivil, vol. II, nos 1.409 e segs. Enneccerus,KippeWolff,TratadodeDerechoCivil,DerechodeCosas I, 3 e segs. JulioDasseneEnriqueVerasVillalobos,ManualdeDerechosReales,ParteGeneral,nos19esegs.DePage,TraitlmentairedeDroitCivil, vol.V,nos 826e segs.ClvisBevilqua, Direito das Coisas, vol. III Astolfo Rezende, Posse dos DireitosPessoais,inArquivoJudicirio,vol.IV,pg.25GiulioVenzi,ManualediDirittoCivile Italiano, nos 376 e segs.Alberto Trabucchi, Istituzioni diDirittoCivile, n174Planiol,RiperteBoulanger,TraitlmentairedeDroitCivil,vol.I,nos2.760esegs.ColineCapitant,CourslmentairedeDroitCivilFranais,vol.I,nos942esegs. AlbertoMontel, Il Possesso, passim Barassi, Il Possesso, passim EduardoEspnola, Posse, Propriedade, Condomnio, Direitos Autorais, pgs. 25 e segs.Cornil,TraitdelaPossessionMartyeRaynaud,DroitCivil,vol.II,nos12esegs.SerpaLopes,CursodeDireitoCivil,vol.VI,nos41esegs.

    CONCEITODEPOSSE

    mbora oRomanonunca fosse propenso s abstraes e por isso notivesse elaborado uma teoria pura da posse, aquele Direito foi

    particularmenteminuciosoaodisciplinaresteinstituto.Tocuidadoso,quequasetodosossistemasjurdicosvigentesadotamnopormodelo.1

    Em nosso direito prcodificado, a omisso legislativa levounos a adotar,qualmoedacorrente,atcnicaromana,suaterminologiaeprincpiosprticos.2OCdigode1916,queimprimiuordemesistemasdisposiesatentoesparsas,econstruiucomlgicaemtodooseuordenamento,noabandonouosconceitosherdados, no que foi seguido pelo Cdigo de 2002, com ainda melhorsistematizao.

    Osdoutoresdemaiortalentoeengenho,aoformularemasuadogmtica,noperdemdevistaos textoseasproposiesqueos jurisconsultosenunciaram.E,mesmoquandoalgumsupeestarfazendoobraoriginal,nadamaisconseguedoque repetir ou adaptar em linguagem a experincia que oCorpus Iuris Civilis

    32

  • fixouh15sculos,equeotempodecorridoeoreestudosedimentaram.claroque a disciplina legal da posse h de ter presente a organizao socialcontempornea,eascondieslocais,sobpenadeconstituirplantadesarraigada,epor issomesmocondenadaaperecer.Masadogmticadapossenoperdeosconceitosromanos,queenfrentaramumatofrequenteimposiodosfatoseumato farta contribuio de variegadas hipteses que as teorias vo ainda hojeinspirarse naquelas fontes. A exposio, posto que moderna, no dispensa osensinamentosdasabedoriaromana,3comoainvocaodostextos,noobstanteasdvidas levantadasquantos interpolaesao tempodacodificao justinianeia,revelautilidadeindisfarvelparaasoluodeproblemasatuais.

    Talvez pelo fato de, nestes 2000 anos de civilizao romanocrist, viver aposse sempre presente na cogitao dos civilistas, o campo onde os temasandam mais controvertidos. Tudo, em termos de posse, debatido, negado,reafirmado.Aspalavrasmesmaspossessio,possidere,quenosderamposseepossuir,sodetimoduvidoso.Oravoprenderseapedesponere,coma ideiadeprosps, fixarse.4Oradizsequevmdesedesponere, sediumpositio,lembrandoaposiodoassento.No faltaquemsimplifiqueapesquisadizendoquepossessionascedeposse,poder.Boasautoridadesafirmamqueaorigemdosvocbulos est na aliana das expresses sedere e sessio (assentarse) spartculas pot ou pos, que lhes do nfase e reforo.5 Deixando de lado asdeturpaes semnticas, que ora levam a confundir posse e propriedade (o que,alis, j ocorria no Direito Romano mesmo), ora a empregar a palavra paradesignarautilizaodosdireitosouaexistnciadeumestadodefatosemelhante situao jurdica (posse de estado de filho), ora a significar a investidura emcargopblico(possedoPresidentedaRepblica),oraacompreenderosbensdefortuna (uma pessoa de altas posses), ora a traduzir a condio econmica nasociedade (classe dos poderosos em contraposio aos que no tm posses) expressesqueseusamnalinguagemvulgarcomonaerudita,aquicomoalhures6

    atenhamonostosomentesuaaceporigorosamentetcnica.Trabalhando sobre os textos, os romanistas, desde o tempo da glosa,

    disputamasprefernciasnaanlisedoselementos,nasuacaracterizaojurdica,na fundamentao terica de sua proteo. Uma das causas da inconcilivelpolmica reside, certamente, no fato de haver a codificao justinianeia reunidotextosdeperodosvrios(primeirosmonumentos,repblica,pocaprclssicaeclssica), associandose ainda s teses bizantinas e medievais, cada temposofrendo a contribuio de fatores socioeconmicos diversificados e

    33

  • 285.

    diversificantes.7

    Semembargodosdiferentesentendimentos,emtodasasescolasestsempreemfocoaideiadeumasituaodefato,emqueumapessoa,independentementede ser ou de no ser proprietria, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos,conservandoaedefendendoa.assimqueprocedeodonoemrelaoaoqueseuassimquefazoquetemapenasafruiojuridicamentecedidaporoutrem(locatrio,comodatrio,usufruturio)assimqueseportaoquezelaporcoisaalheia(administrador,inventariante,sndico)assimqueageoqueseutilizadecoisamvelouimvel,paradelasacarproveitoouvantagem(usufruturio).Emtodaposseh,pois,umacoisaeumavontade,traduzindoarelaodefruio.

    Mas, nem todo estado de fato, relativamente coisa ou sua utilizao, juridicamenteposse.svezeso.Outrasvezesnopassademeradeteno,quemuito seassemelhaposse,masquedeladiferenaessncia, comonosefeitos.A que surge a doutrina, com os elementos de caracterizao, e com ospressupostos que autorizam estremar uma de outra. Mas da, tambm, queadvm a infindvel polmica. O ponto de partida de toda teoria sobre a posse,segundoMartinWolff, , ento,opoderefetivo sobreumacoisa, senhorioestequepodeexercerqualquerpessoa (fsicaou jurdica), e sobrequalquercoisaoupartesdela.8Ou ainda, como explicaDe Page, na posse existe nsita a ideia deservirsealgumdacoisacomosenhordela.9

    TEORIASSOBREAPOSSE

    Dois elementos esto presentes em qualquer posse: uma coisa, e umavontade, que sobre ela se exerce. Estes elementos, material e anmico, ho deestar sempre conjugados, e, sem a sua presena conjunta, nenhuma posse h.Desde as fontes assim era, e a sentena de Paulus o proclama:Et adipiscimurpossessionemcorporeetanimo:nequeper seanimoautper se corpore.10Comestas designaes corpus e animus os elementos da posse atravessaram ossculos.Eaindacomasmesmasexpressesqueosescritoresdenosso tempoaludemaoscomponentesobjetivoesubjetivodaposse.

    As divergncias aparecem precisamente na sua caracterizao. Desde osglosadoresqueassimfoi,configurandoselhesocorpuscomoocontatomaterialcom a coisa, ou atos simblicos que o representassem e o animus como a

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  • inteno de ter a coisa para si ou com a inteno de proprietrio.Duas grandesescolas,todavia,dividemosdoutrinadores,comrepercussolegislativaevidente:adeSavigny,chamadasubjetivista,eadeRudolfvonIhering,objetivista.

    Savigny,aosvinteequatroanos,publicouem1803oTratadodaPosse(DasRechtdesBesitzes),queinfluiuprofundamentenopensamentojurdicodosculopassado, e atingiu as legislaes, influenciando to seriamente osCdigos que,athoje,noobstanteascrticasqueoatingem,encontradefensores.Mesmoemsistemas que consagram a opinio contrria, as suas ideias penetram, e amideaparecemcomvisosdentidainfluncia.

    ParaSavigny,ocorpusouelementomaterialdaposse,caracterizasecomoafaculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa, e de defendla dasagresses de quem quer que seja o corpus no a coisa em si, mas o poderfsico da pessoa sobre a coisa o fato exterior, em oposio ao fato interior.11

    SectriodeSavigny,extraiLafayetteocorolrioesclarecedor,dizendoquebastaasimplespresenadoadquirente,paraqueseperfaaaaquisiodaposse.Mas,seno local acharse outra pessoa, que se atribua a posse da mesma coisa, elasomente se adquire com o seu consentimento, ou com o seu afastamento pelaviolncia.

    O outro elemento, interior ou psquico, animus, considerao Savigny ainteno de ter a coisa como sua. No a convico de ser dono opinio seucogitatiodominimasavontadedetlacomosuaanimusdomini.12

    AconcepodeSavignyexige,pois,paraqueoestadodefatodapessoaemrelao coisa se constitua em posse, que ao elemento fsico (corpus) venhajuntarse a vontade de proceder em relao coisa comoprocede o proprietrio(affectio tenendi), mais a inteno de tla como dono (animus). Se faltar estavontade interior, esta inteno de proprietrio (animusdomini), existir simplesdeteno enoposse.A teoriasedizsubjetivaemrazodesteltimofato.ParaSavigny,adquireseapossequandoaoelementomaterial (corpus=poderfsicosobre a coisa) se adita o elemento intelectual (animus = inteno de tla comosua).Reversamente: no se adquire a posse somente pela apreenso fsica, nemsomente com a inteno de dono:Adipiscimur possessionem corpore et animonecpersecorporenecperseanimo.Destarte,quemtemacoisaemseupoder,masemnomedeoutrem,nolhetemapossecivilapenasdetentor,temasuadeteno (que ele chama de posse natural naturalis possessio), despida deefeitosjurdicos,enoprotegidapelasaespossessriasouinterditos.

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  • ParaSavigny,portanto,noconstituemrelaespossessriasaquelasemquea pessoa tem a coisa em seu poder, ainda que juridicamente fundada (como nalocao, no comodato, no penhor etc.), por lhe faltar a inteno de tla comodono(animusdomini),oquedificultasobremodoadefesadasituaojurdica.

    Contrapondose a Savigny, e criticando com vivacidade a sua obra, VonJhering(GrunddesBesitzschutzes) tambmanalisaapossenosseuselementos.Paraele,corpusarelaoexteriorquehnormalmenteentreoproprietrioeacoisa, ou a aparncia da propriedade.O elementomaterial da posse a condutaexterna da pessoa, que se apresenta numa relao semelhante ao procedimentonormaldeproprietrio.Nohnecessidadedequeexeraapessoaopoderfsicosobre a coisa, pois que nem sempre este poder presente semque com isto sedestruaaposse.

    Oelementopsquico,animus,nateoriaobjetivistadeJheringnosesituanainteno de dono, mas to somente na vontade de proceder como procedehabitualmenteoproprietrioaffectiotenendiindependentementedequererserdono. Denominase objetiva a teoria, porque dispensa esta inteno.13 Para secaracterizaraposse,bastaatentarnoprocedimentoexterno,independentementedeuma pesquisa de inteno. Partindo de que, normalmente, o proprietrio possuidor, Jhering entendeu que possuidor quem procede com a aparncia dedono, o que permite definir, como j se tem feito: posse a visibilidade dodomnio.

    OobjetivismodateoriadeIhering,ouseja,adispensadaintenodedononasuaconfiguraopermite caracterizar como relaopossessriao estadodo fatodo locatrio em relao coisa locada, do depositrio em relao coisadepositada,docomodatrioemrelaocoisacomodada,docredorpignoratcioem relao coisa apenhada etc. E isto no mera abstrao.Verdadeiramentedotado de efeitos prticos, permitir a qualquer deles defenderse por via dasaes possessrias ou interditos, no apenas contra os terceiros que tragamturbao, mas at mesmo contra o proprietrio da coisa, que eventualmentemolesteaquelequetenhaautilizaodela.

    NoobstanteoenormeprestgiodeSavigny,edosnumerososCdigosquelhe perfilharam a doutrina, bem como da multido de escritores que oacompanharam dentro e fora da Alemanha, a teoria objetiva de Ihering maisconveniente e satisfatria. Com efeito, na relao possessria no se revela oanimusdomini,nemfacilmenteseprova.svezesfaltade todo,enempor isto

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  • deixa de ser defensvel a relao criada. Quem encontra um cho ermo e ocultiva,notemeipsofactonopodeprovaranimusdomini.Mas,seumterceiroinvadeasuacultura,epretendecolherosfrutosdaterraqueamanhou,defendeacomo possuidor, porque tem a affectio tenendi suficiente para a posse,distinguindoa da mera deteno. s vezes tem o possuidor um poder de fatosobre a coisa. E, historicamente, a ideia de posse deve tla primitivamentecontido.Masnemsempreocorre.Seumindivduovaiconstruiremumterrenoe,residindolonge,alidepositaosmateriaisnecessrios,notempoderfsicosobreeles.Masnemporseafastardasuavistasermenospossuidordeles.QuandooRomano enviava o escravo a terras estrangeiras no lhe perdia a posse, muitoemborapermanecessedelonge,semopoderfsico.Oquesobrelevanoconceitodeposseadestinaoeconmicadacoisa.Umhomemquedeixaumlivronumterreno baldio, no tem a sua posse, porque ali o livro no preenche a suafinalidade econmica. Mas aquele que manda despejar adubo em um campodestinado cultura temlhe a posse, porque ali cumprir o seu destino. Se ocaador encontra em poder de outrem a armadilha que deixou no bosque, podeacuslo de furto, porquemesmo de longe, sem o poder fsico, conserva a suaposse mas se encontra em mos alheias a sua cigarreira deixada no mesmobosque,nopodermanteraacusao,porquenoalioseulugaradequado,porno ser onde cumpre a sua destinao econmica.O comportamento da pessoa,em relao coisa a smile da conduta normal do proprietrio, posse,independentemente da investigao anmica:qui omnia ut dominus facit. O queretira a tal procedimento este carter, e converteo em simples deteno, aincidnciadeobstculo legal.Nestepontoresideadiferenasubstancialentreasduas escolas, de Savigny e Ihering: para a primeira, o corpus aliado affectiotenendigeradeteno,quesomenteseconverteempossequandoselhesadicionao animus domini (Savigny) para a segunda, o corpus mais a affectio tenendigeram posse, que se desfigura em mera deteno apenas na hiptese de umimpedimentolegal(Ihering).

    Hojeemdia,passadaafasepolmica,naqualaadoodeumadasposiesera quase uma definio partidria, os escritores se convenceram de que asdivergncias tericas no se manifestam em profundidade no plano prtico, aponto de sugerirem solues diferentes para problemas anlogos. A oposioentreambosmaisaparentedoquereal.14Ejseconsideradiscussobizantinaeestril defender a submisso de tal sistema a qual corrente, porque, em purorigor, as legislaes no tm aceito extremamente, seno tolerando implicaes

    37

  • recprocas, quer o subjetivismo de Savigny, quer o objetivismo de Ihering,15

    sendo de acrescer que Ihering no eliminou o elemento intencional na suaconcepodaposse.16

    ComoCdigode1916,hojerevogado,adoutrinaobjetivaentrouemnossasistemtica,comarelegaodasubjetivadominanteentreoscivilistasanteriores,bemcomoda concepodos glosadores, presente no tambm revogado art. 200do Cdigo Comercial de 1850. O Cdigo Civil de 2002, que em certa medidapromoveuaunificaolegislativadosDireitosCivileComercial,mantevesefieldoutrinaobjetivista.

    Aposse,emnossodireitopositivo,noexige,portanto,aintenodedono,enem reclama o poder fsico sobre a coisa. relao de fato entre a pessoa e acoisa,tendoemvistaautilizaoeconmicadesta.aexteriorizaodacondutade quem procede como normalmente age o dono. a visibilidade do domnio(CdigoCivil,art.1.196).

    Mas no possuidor o servo na posse (Besitzdiener do art. 855 doBGB),isto,aquelequeconservaaposseemnomedeoutrem,ouemcumprimentodeordensouinstruesdaqueleemcujadependnciaseencontre(CdigoCivil,art.1.198). No se lhe recusa, contudo, o direito de exercer a autoproteo dopossuidor,quantoscoisasconfiadasaseucuidado,consequncianaturaldeseudeverdevigilncia.17

    No induzem posse, tambm, os atos de mera permisso ou tolerncia(CdigoCivil, art. 1.208): os primeiros, porque resultamde uma concesso dodominus, por isso mesmo revogvel ao seu nuto os segundos, porquerepresentam uma condescendncia ou indulgncia, pelos quais nenhum direito narealidadecedido.18

    Objeto. No encontra a posse, na linguagem legal, limitao s coisascorpreas. Seu objeto, portanto, pode consistir em qualquer bem. Os exegetas,reportandoseaodispostonoart.485doCdigoCivilde1916(quecorrespondeaoart.1.196doCdigoCivilde2002),viamnaspalavrascomqueolegisladorconceituouopossuidoraquelequeexerceumdospoderesinerentesaodomniooupropriedadeuma francaalusoaqueabrange tambmosdireitos,umavezqueovocbulopropriedadeusadoemrelaoscoisasincorpreas,enquantoa palavra domnio mais precisa na meno das corporales res. O CdigoCivil de 2002 aboliu a expresso ao domnio, que h muito j se reputavaociosa, adotando redao mais concisa, sem, contudo, expungir do espectro

    38

  • objetivodapossequalquerespciedebem.Empuradoutrina,igualmente,nohempecilhoaqueanoodeposseabrace tantoascoisascomoosdireitos, tantoos mveis quanto os imveis, quer a coisa na sua integridade, quer uma partedela.ODireitoRomano,queaprincpiolimitavaaproteopossessriascoisascorpreas, veio mais tarde a estendla aos direitos reais. Os jurisconsultosmedievais, sofrendo a influncia do Direito Cannico, chegaram a abranger natutela possessria tambm os direitos chamados pessoais. Entre ns, a falta deum remdio jurdico especfico levou os nossos jurisconsultos, guiados peloverbo poderoso de Ruy Barbosa, a sustentar que tambm os direitos pessoaisestavam compreendidos na ideia de posse. A tese, sem dvida sedutora,preencheu, numa fase de nossa evoluo jurdica, importante papel na defesaprincipalmente dos direitos pblicos subjetivos, contra os atos abusivos deautoridades arbitrrias.Hoje, coma amplitudeque se reconhece aomandadodesegurana,destinadoaprotegerdireitolquidoecerto,noamparadoporhabeascorpus,contratodailegalidadeouabusodepoder,sejaqualforaautoridadequeoscometa(Constituiode1988,art.5,nLXIX),perdeuarazodeseraqueleesforo hermenutico. A teoria da posse retoma leito mais firme: podem serobjeto da proteo possessria, na verdade, tanto as coisas corpreas quanto osbensincorpreosouosdireitos,mas,sendoaposseavisibilidadedodomnio,osdireitossuscetveisdepossehodeseraquelessobreosquaispossvelexercerumpoderouumatributodominial,comosedcomaenfiteuse,asservides,openhor.Noos outros, que devero procurarmedidas judiciais adequadas suaproteo.possedosdireitosdseonomedequaseposse, como se dizia emDireitoRomano iuris quasi possessio , exempli gratia quase posse de umaservido.19

    Terminologia.A terminologia empregada relativamente posse, coma qualtomaremos contato na medida do desenvolvimento das teses, frequentementemuito especializada, e requer cautela na sua utilizao. Duas impressesreclamam, desde logo, esclarecimento, porque so usadas repetidamente, comsignificaoprpria:iuspossidendieiuspossessionis.

    Iuspossidendi (literalmente, direito de possuir) a faculdade que tem umapessoa, por j ser titular de uma situao jurdica, de exercer a posse sobredeterminada coisa. O proprietrio, o usufruturio, o locatrio etc. tm iuspossidendi sobre o objeto da respectiva relao jurdica. Ius possessionis odireito originado da situao jurdica da posse, e independe da preexistncia deumarelao.Aquelequeencontraumobjetoeoutiliza,notemoiuspossidendi,

    39

  • 286.

    emboratenhaiuspossessionis,porqueprocedecomopossuidor,emboralhefalteum ttulo para possuir.O que cultiva uma gleba de terra abandonada tem o iuspossessionis,emboralhefalteoiuspossidendi.Aleiconfereaopossuidor,comfundamentono iuspossessionis,defesasprovisrias,aindanocasode lhe faltariuspossidendi.Outrasvezes, aliada aposse aoutros requisitosque compemausucapio, a lei converte o ius possessionis em propriedade, que, a seu turno,geraiuspossidendisobreamesmacoisa.20

    NATUREZAJURDICADAPOSSE

    Sendo frequente a controvrsia em torno da posse, no poderiam faltar asdisputasarespeitodesuanaturezajurdica.DesdeosRomanosquesedebate.Ostextos, imprecisos, ora proclamamna um fato, res facti21 ora dizemna umdireito,deiuredominiisivepossessionis22oraatribuemlhebivalncia,aludindoaquesimultaneamenteumfatoeumdireito:probatiotraditaevelnontraditaepossessionisnontaminiurequaminfactoconsistit.23

    No estranha, pois, que ainda se discuta o tema, dividindose os escritoresentreastrscorrentes.Naverdade,pelaautoridadedoscombatentesnosedecideabatalha.Seaprimeiraproposio (aposseumfato) temsido sustentadaporjuristas do porte de Cujacius, Donnellus, Voet, Windscheid, De Filipis,Trabucchi e a segunda (aposseumdireito), porAccursius,Bartolo, Ihering,Molitor,Cogliolo,TeixeiradeFreitas,EdmundoLins a terceira (aposse umfatoeumdireito,simultaneamente)vemamparadaporSavigny,Merlin,Namur,Domat,Ribas,Lafayette.E longa iria a relao, de antigos emodernos.Comamincia que caracteriza os seus trabalhos, Edmundo Lins alinhou um a um osargumentos com que pretende provar as teses, e, em seguida, dissecaos e osrefuta, um a um, com os prprios textos romanos, para chegar, moda dosmatemticos, a um fecho de que como se queria demonstrar: a posse umdireito.24

    Em termos de maior atualidade, e dentro da linha de princpio que norteiaestaobra,enfrentamossemdvidaaquesto,semnosdeixarmoslevarpelotompolmico dos debates, que em estudomonogrficomelhor quadraria, e que, emverdade,semprehderessurgir,comoprofetizaWindscheid.25

    Nolugarprprio (n5,vol. I)conceituamosodireitosubjetivonasimbiose

    40

  • dos elementos teleolgicos (Ihering) e psicolgicos (Windscheid), entendendocomJellinek,Michoud,Ferrara,Saleilles,Ruggiero,queumpoderdevontadeparaasatisfaodeinteresseshumanos,emconformidadecomanormajurdica.luzdestanoo,procedemoscaracterizaodaposse.

    Nodeveperturbaraquestoacircunstnciadeemtodaposseassomarumasituaodefato,poisquenumerosasrelaesjurdicasaparentamigualmenteumasituaodestaordem, semque sedesfiguremperdendoacondiodedireito.Apropriedade mesma, como todo direito real, vai dar numa posio deassenhoreamento,quesemanifestaporinequvocoestadodefato.Enemporistodeixa de ser um direito, paradigma, alis, de toda uma categoria de direitos.Direito creditrio, e direito inequivocamente, o crdito representado por umttulovalorimplicaumacondioftica,emquearelaojurdicasenodissociada materializao instrumental, de cuja exibio depende a efetivao do podercreditrio do titular. O que cumpre, ento, enfocar o fenmeno luz doconceito,everqueselheenquadra,semconfundirsecomofatoqueogerou.

    Asescolas, tanto subjetivaquantoobjetiva,destacamnaposseumpoderdevontade, em virtude do qual o possuidor age em relao coisa, dela sacandoproveitooubenefcio.,pois,umestadoemqueotitularprocedeemtermosdelograr a satisfao de seus interesses. uma situao em que a ordem jurdicaimperequisitosdeexerccio,cujocumprimentoasseguraafaculdadedeinvocaratutelalegal.

    Vistadeoutrongulo,epartindodequeatododireitocorrespondeumaaoque o assegura (o que vinha consignado no art. 75 doCdigoCivil de 1916 eencontra hoje sua fonte no art. 5, n XXXV, da Constituio de 1988), ouatentandoemqueactionihilaliudestquamiuspersequendi iniudicioquodsibidebetur,26ocarterjurdicodapossedecorredequeoordenamentolegalconfereao possuidor aes especficas, com que se defender contra quem quer que oameace,perturbeouesbulhe.

    No lhe retira esse carter a circunstncia de que a ordem jurdica protegetambm a posse injusta. objeo, segundo a qual no prprio do direitoconceder proteo ao comportamento antijurdico, responde Ihering que aproteodadaaopossuidor injusto tememvistaavisibilidadedapropriedade,eno a pessoa do que injustamente possui. De acrescer ser, ainda, que a leiprotegeaquelequeadquireaposseviciosamentecontraterceiros,masnocontraavtima.27

    41

  • 287.

    Se certo que ainda subsistem dvidas e objees, certo , tambm, que atendnciadadoutrinacomodosmodernoscdigosconsiderlaumdireito.28

    Naverdadeperdeuhoje importncia o debate, resolvendose comdizer que,nascendo a posse de uma relao de fato, convertese de pronto numa relaojurdica.29

    Caracterizada como direito, vem depois a discordncia quanto tipificaodeste. Sem embargo de opinies em contrrio, um direito real, com todas assuascaractersticasoponibilidadeergaomnes,indeterminaodosujeitopassivo,incidnciaemobjetoobrigatoriamentedeterminadoetc.30

    Como direito real especificamente qualificado de direito real provisrio,para distinguilo da propriedade que direito real definitivo, compreendeaMartinWolff,ecomeleamodernadoutrinatedesca.31

    CLASSIFICAODAPOSSE

    Sem se desfigurar a sua natureza ou alterar o seu contedo, a posse podeoferecernuanasqueaqualificam,sujeitandoaaespecificidadesquesotratadaspeculiarmente pela ordem jurdica. Sempre ser conceituada nos termos dadefinioqueficouacimadeduzida.Mas,emrazodefatoresacidentais,tomatalouqualaspecto,dequeresultamasvariedadesdetratamento.

    A)Posse justa e posse injusta. Dizse que justa a posse quando no lhepesa a marca de qualquer dos defeitos tpicos, isto , que no violenta,clandestinaouprecria (CdigoCivil,art.1.200), repetindoseanoonegativaromana:necvi,necclam,necprecario.Injusta,aorevs,aposseviciosa,eivadadeumadessastrspechas.

    Posse violenta (adquirida vi) a que se adquire por ato de fora, seja elanaturaloufsica,sejamoralouresultantedeameaasqueincutamnavtimasrioreceio.Aviolnciaestigmatizaaposse,independentementedeexercersesobreapessoadoespoliadooudeprepostoseu,comoaindadofatodeemanardoprprioespoliadoroudeterceiro.32

    Clandestinaapossequeseadquireporviadeumprocessodeocultamento(clam),emrelaoquelecontraquempraticadooapossamento.Contrapeselheaque tomadaeexercidapblicaeabertamente.Aclandestinidadedefeitorelativo: ocultase da pessoa que tem interesse em recuperar a coisa possuda

    42

  • clam,noobstanteostentarsesescncarasemrelaoaosdemais.Salientase que a violncia e a clandestinidade, como vcios relativos,

    somente podem ser acusadas pela vtima em relao a qualquer outra pessoa, aposse produz seus efeitos normais. E, como vcios temporrios, podem serpurgados, com a sua cessao, desde que no consista a mudana em ato doprpriopossuidorvicioso.33

    Posse precria a do fmulo na posse (Besitzdiener), isto , daquele querecebeacoisacomaobrigaoderestituir,earrogaseaqualidadedepossuidor,abusandodaconfiana,oudeixandodedevolvlaaoproprietrio,ouaolegtimopossuidor.Estevcio,comoobservaSerpaLopes, iniciasenomomentoemqueo possuidor precarista recusa atender revogao da autorizao anteriormenteconcedida.

    Aposse injusta no se pode converter emposse justa quer pela vontade oupelaaodopossuidor:nemosibiipsecausampossessionismutarepotest,34querpelo decurso do tempo: quod ab initio vitiosum est non potest tractu temporisconvalescere.

    Nada impede, porm, que uma posse inicialmente injusta venha a tornarsejusta,medianteainterfernciadeumacausadiversa,comoseriaocasodequemtomoupelaviolnciacomprardoesbulhado,oudequempossuiclandestinamenteherdardodesapossado.

    Reversamente, a posse ab initio escorreita entendese assim permanecer,salvosesobreviermudananaatitude,comooexemplodolocatrio(possuidordireto),querecusarestituiraolocador,eseconverteempossuidorinjusto.

    Em qualquer caso, todavia, a alterao no carter da posse no provm damudanadeintenodopossuidor,masdeinversodottulo,porumfundamentojurdico, quer parta de terceiro, quer advenha da modificao essencial dodireito.35

    B)Possedeboaoudemf.Oconceitodeboaf fluido.Unsentendemqueelaseresumenafaltadeconscinciadequedadoatocausardano,e,destasorte, imprimemlhe um sentido negativo, equiparandoa ausncia de mf(Ferrini). Outros exigem um fatoramento positivo, e reclamam a convico doprocedimentoleal.Nemaprpriaincertezasatisfaz.36

    Considerasedemf aquelequepossuina conscinciada ilegitimidadedeseu direito. De boaf est aquele que tem a convico de que procede naconformidade das normas. Esta opinio poder corresponder realidade,mas

    43

  • tambm possvel que se origine de um erro, de fato ou de direito, quanto legitimidade da posse.Nodeixar de estar de boaf o possuidor que ignora oobstculoaquepossua,ouqueequivocadamentetenharazodesuporescorreitaasuacondio,emboranaverdadenoseja.

    O problema da prova da boaf, em matria possessria, no escapa aostormentos da demonstrao da boaf em geral.37 Em virtude do postulado daboaf nas relaes jurdicas, todo aquele que a invoca, para extrair proveito ouvantagem,bastantequeproveadilignciaoucautelanormais,presumindolheaboaf, e incumbindo ao reivindicante a demonstrao de que o possuidorconhecia os vcios de seu ttulo.38 uma circunstncia de fato, que se supeexistiratqueocontendorseconvenadequeopossuidorpossuiindevidamente,emrazodeconhecerovciooudeterhavidoumainversodottulogeradoradamfsuperveniente.Arguise,contraoprincpiolegal(CdigoCivil,art.1.202)a dificuldade de se investigar a mf, penetrando no nimo do agente. Noobstante, o alicerce moral do preceito bvio, pois que, se as circunstnciasinduzem a presuno de que o possuidor no ignora que possui indevidamente,nosedevemobilizaraseuproloaparelhojurdicoprocessual.39

    C)Possecomjusto ttulo.Apalavra ttulo,que,na linguagemvulgar,comona especializada, usase em variadas acepes, aqui, e para os efeitosmencionados,trazosentidodecausaoudeelementocriadordarelao jurdica. assim que se diz que a doao ou a compra e venda ttulo aquisitivo dodomnioouqueoproprietrioo,detaisbens,attulohereditrio.

    Edizsejustoottulohbil,emtese,paratransferirapropriedade.Bastaqueosejaem tese, isto, independentementedecircunstnciasparticularesaocaso.Uma escritura de compra e venda ttulo hbil para gerar a transmisso da resvendita.Selhefaltaremrequisitospara,naespcie,causaraquelatransferncia,oadquirente,que recebeacoisa,possuicom ttulo justo,porqueo fundamentodesuaposseumttuloqueseriahbiltransmissodosbens,senolhefaltasseoelementoqueeventualmenteestausente.

    Quempossuicomjusto ttulo temporsiapresunodeboaf.Masumapraesumptio iuris tantum (v. n 105, supra, vol. I), e, como tal, ilidese pelaprovacontrria,produzidapelocontendor.

    Seaposseoriginriaerainjusta,odesconhecimentododefeitodaquelequearecebeu por ttulo hereditrio no lhe apaga o defeito porque o herdeiro, comosucessor universal do defunto, continua na mesma posse, com os vcios e

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  • qualidadesquearevestiam.Se a aquisio se der a ttulo singular (conveno, legado), o mesmo no

    ocorre,poisque,comeandosempreapossecomoatoaquisitivo,noainquinamos vcios anteriormente existentes. certo que o adquirente tem a faculdade dejuntarsuaapossedoantecessor(accessiopossessionis),masmerafaculdade,dequesomenteseutilizarselheconvier,eopossuidordistoonicorbitro.40

    O ttulo que, em tese, no seja hbil a transferir o domnio no justo, e,consequentemente,notemocondodegerarapraesumptiobonaefidei.

    D) Posse ad interdicta e ad usucapionem. As fontes, como os autores,aludem posse ad interdicta e posse ad usucapionem. Como a seu tempoveremos(n296, infra), paraqueopossuidorobtenhao interdito queo amparecontra o turbador ou esbulhador, basta que demonstre os elementos essenciais,corpus e animus, isto , a existncia da posse e a molstia. Mas, para queadquira por usucapio, necessrio ser que, alm dos elementos essenciais posse, revistase ainda esta de outros acidentais: boaf decurso ou trato detempo suficienteque sejamansaepacficaque fundeem justo ttulo, salvonausucapioextraordinriaque sejacumanimodomini, tendoopossuidor a coisacomosua, jqueaaffectio tenendi,bastanteparaos interditos, insuficienteadusucapionem.41

    E) Posse direta e posse indireta. Como temos exposto, a posse, comovisibilidadedodomnio,traduzacondutanormalexternadapessoaemrelaocoisa,numaaparnciadecomportamentocomose fosseproprietrio,como fitode lograr seu aproveitamento econmico. Este, muitas vezes, tem lugar com autilizaodacoisaporoutrem.Ocorreassim,paraqueacoisapossudacumpraasua finalidade, um deslocamento a ttulo convencional, e, ento, uma outrapessoa, fundada no contrato, tem a sua posse sem afetar a condio jurdica doproprietrio, ou do possuidor antecedente. Somente a teoria de Ihering ocomporta, pois que basta determinao da posse que se proceda em relao coisacomoofazoproprietrio(posse=visibilidadedodomnio),eaquelequearecebe numa destinao econmica usaa como o faria o proprietrio. O que importantequeestepossuidornoanulaacondio jurdicadodono,dequemrecebe o seu ttulo. E relevante acentuar, tambm, que tal desdobramentopressupe uma certa relao jurdica entre o possuidor indireto e o possuidordireto.42

    Umatalsituaoexplicasepelodesdobramentodaposse,considerandoseo

    45

  • cessionrio igualmente possuidor. Desse desdobramento resulta, assim, aduplicidade excepcional da posse sobre amesma coisa. Dois possuidores. Um,possuidorquecedeousodacoisa,possuidorindiretooumediato.Ooutro,queorecebepor foradecontrato,dizsepossuidordiretoou imediato.Vrias so ashipteses desse desdobramento: locao, usufruto, penhor, depsito, transporte,comodato.Oart.486doCdigoCivilde1916enumerava,exemplificativamente,alguns casos (usufruto, penhor e locao).Commelhor tcnica, o art. 1.197doCdigoCivil de 2002 dispe, genericamente, que a posse direta, de pessoa quetem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, oureal,noanulaaindireta,dequemaquelafoihavida,podendoopossuidordiretodefenderasuapossecontraoindireto.Convmacentuar,entretanto,queseexcluiodependente,oservidor,quejamaissereputapossuirparasi,pormsempreemnomedeoutremeparaeste(TitoFulgncio,Hedemann).

    Aspossesdiretaeindiretacoexistemnocolidemnemseexcluem.Ambas,mediata e imediata, so igualmente tuteladas, sendo ilcito ao terceiro oponenteinvocar em proveito prprio o desdobramento. Uma vez que coexistem, e nocolidem, lcito aos titulares defendla.Qualquer deles. Contra o terceiro quelevante uma situao contrria, pode o possuidor direto invocar a proteopossessria,comoigualmenteopossuidorindireto,semquehajamisterconvocaro auxlio ou assistncia do outro.Cada um, ou qualquer um defende a possecomodireitoseu,porttuloprprio,eindependentedottulodooutro.

    Mas, se o possuidor indireto molestar a posse direta daquele a quemtransferiuautilizaodacoisa,temopossuidordiretoaocontraele.

    Aconcepodessedesdobramentopossessriopeculiar,repetimos,teoriade Ihering, e vemdesenvolvida pelos romanistas e civilistasmodernos, abrindonovos horizontes aplicao dos princpios, e atendendo s necessidadesprticas.43

    Maismodernamente,consolidouseoentendimentosegundooqualtambmopossuidor indireto pode defender a sua posse contra o direto, ainda que odispositivo legal (CC,art.1.197)noo tenhacontempladoexpressamente (v.g.,exploraodepedreira,pelopossuidordireto,noautorizadaemcontrato).

    precisonoconfundira ideiadapossedesdobradaemmediatae imediata,com a noo de compossesso ou composse, a que dedicaremos o pargrafoseguinte.

    46

  • 288. COMPOSSE

    Talqualapropriedade,que,comodireito real tpico,exclusiva,econsistenafaculdadedeusar,gozaredispordacoisa, reivindicandoadequemquerqueinjustamente a detenha, tambm a posse exclusiva. Uma conduta da pessoa,retratandoocomportamentonormaldoproprietrio,nosecompadececomofatode outras simultaneamente exercerem os mesmos poderes e direitos, sobre amesmacoisa.Jasfontesodiziam:Plureseamdemreminsolidumpossiderenopossunt.44 Da prpria noo de posse resulta que a situao jurdica de umaniquila a de outro pretendente, e, em consequncia, enquanto perdurar umaposse,outranopode ter comeo,pelamesma razoqueaconstituiodanovaimplicaadestruiodaposseanterior.45

    Ocorre, porm, que, por fora de conveno ou a ttulo hereditrio(adquirentesdecoisaemcomum,cotitularesdomesmodireito,maridoemulheremregimedecomunhodebens,coerdeirosantesdapartilha,comunheirosantesdacommunidividundo),duasoumaispessoas tornamsecondminasdamesmacoisa, mantendose pro indiviso a situao respectiva, em virtude de qual elaconstitui objeto da propriedade de todos. No se fragmenta em tantaspropriedadesdistintasquantosforemosscios,nemsefracionamaterialmentedemolde aque exera cadaumodomnioproparte.Ao revs, cada condmino titular do direito de propriedade, por quota ideal, exercendoo por tal parte quenoseanuleigualdireitoporpartedecadaumdosdemais,enoseembaraceoseuexerccio.

    Uma vez que a posse a exteriorizao do comportamento do dominus,admitesecomocorolrionaturalacomposse,emtodososcasosemqueocorreocondomnio,compossuidoresoscondminos.Nassuasrelaesexternas, isto,nas relaes com terceiros, os compossuidores procedem como se fossem umnicosujeito,46no interessandoaosestranhosrelaocompossessria indagardo estado de comunho, ou sua causa, nem apurar o valor da quota de cadacomunheiro.47

    Interesse maior, obviamente, reside na determinao das relaes internasentrecompossuidores,efixaodosrespectivosdireitos.

    Atodososcompossuidoresreconhecealeiiguaisatributos,assegurandolhesa todos a utilizao da coisa comum, contanto que no interfiram no exerccio,por parte dos outros, ou de qualquer deles, de iguais faculdades (art. 1.199 do

    47

  • 289.

    CdigoCivil de 2002).Nenhumdos compossuidores possui a coisa por inteiro(Lafayette), porm cada um temlhe a posse por frao ideal. Se, pois, umperturbar o desenvolvimento da composse, poder qualquer dos outros valersedosinterditos,cujoalcanceadstringesecontenodocompossuidornorespeitopossedosoutros.Mas,sequalquerdelesentenderqueocomunheiroexcedeuasforas de seu ttulo, explorando simplesmente a coisa a maior, os remdiospossessrios so inbeis para apurar a increpao, cabendo apenas aosinteressadosorecursosviasordinriaspararessarcimentodoprejuzo.

    Cessaacomposse:A)Peladiviso,amigvelou judicial,dacoisacomum,umavezqueelaa

    consequncianaturaldoestadodeindiviso.B) Pela posse exclusiva de um dos scios que isole, sem oposio dos

    demais, uma parte dela, passando a possula com exclusividade, o que implicaumadivisodefato,efetivadacomaanunciadoscomunheiros,erespeitadapelodireito como um estado transitrio, at que a definitiva se realize, comobservnciadosrequisitoseformalidadeslegais.

    Dividida a coisa comum, cada scio presumese na posse da parte que lhetoca, desde o momento em que a composse se instituiu, e, desta sorte, tem odireito de invocar a sua condio para efeito de aquisio por usucapio(Lafayette).

    A composse , obviamente, temporria. Tradicionalmente, sempre o foi.Mas,comainstituiodoregimededivisodosedifciosporplanoshorizontais,criouse, a par da propriedade exclusiva sobre as unidades autnomas, apropriedade em comum sobre o solo e partes de uso de todos (hall de entrada,corredores, reas deventilao, paredes laterais, elevadores, teto).E, comoestecondomnioinsuscetveldecessao,porsercondioaqueoprdiopreenchaasua destinao,48 a composse sobre as partes de uso comum do edifcio deapartamentos perptua, no sentidodequeno se extinguir enquanto existir oprdiocomoentidadeeconmicaeconjuntotil.

    FUNDAMENTODATUTELAPOSSESSRIA

    Temsidovexataquaestioentreosmaiores,a indagaodomotivopeloqualaposse recebedoordenamento jurdico to insistenteproteo.Oshistoriadores

    48

  • do Direito Romano, projetando as luzes de suas pesquisas pelos temposprimeiros da Cidade, mostram que foi o sistema de defesa da posse a tcnicausadanaquelafasededistribuiodoagerpublicus,tendoemvistaquenopodiao beneficirio invocar a garantia dominial, por lhe faltar o ttulo de dono,incompatvelque seria este coma inapropriabilidadedas terras, insuscetveisdedomnioprivado.

    pocadasactioneslegisnosedistinguiaapossedapropriedade.Depois,jdiscriminadosebemdefinidososprocessosaquisitivos,paraasresmancipiepara as res necmancipi, foi ainda o instituto da posse omeio de que se valeuaquele Direito para desenvolver os critrios de aquisio onde faltava amancipatio.

    AevoluodoIusRomanum,aampliaodoiushonorarium,aricafloraodoperodoclssico,atacodificaoassistiramsempreaorespeitopelaposse,sua garantia por via dos interditos, sua proteo pelas aes em que esses seconverteram,emboraconservassemadesignaodeinterdicta.EoCorpusIurisCivilis est referto de princpios, que fazem da posse um complexo jurdicoextraordinariamente desenvolvido, reputadomesmo por um jurista to eminentequo sbrio no dizer, como a parte mais sistemtica e profunda daqueleDireito.49

    Por toda a Idade Mdia, como nos tempos modernos do direito, quer nospases em que a propriedade sedimentada nas bases de velha tradio, quernaqueles outros em que a competio pelo aproveitamento de amplas extensesterritoriais d maior nfase affectio tenendi sempre a posse ocupa a maisrelevante funo social, e sua proteo reclama maior atividade do aparelhojudicirio.

    Porisso,imponenteaindagaoqueseformulaaosjuristas,doporqudatutela possessria. Por isso, tambm, to viva a polmica que os dispersa noarticulararesposta.

    Aquipesagravementeaconcepotericadoinstituto.Elongeiramos,seaexposio e anlise de cada uma viessem detidamente articuladas. Evitando asdemasias, atemonos s teorias principais, como exemplificao tpica,observandoqueumasjustificamnapelaposseemsi,outrasemrazodediversofator, quer especfico (propriedade, pessoa do possuidor), quer genrico (pazsocial,interessesocial).

    ParaBruns,protegeseaposseporsimesma,umavezqueopossuidor,pelo

    49

  • sfatodeoser,temmaisdireitodoqueaquelequenoo:Qualiscumqueenimpossessor, hoc ipso quod possessor est, plus iuris habet quam ille qui nonpossidet.50

    IgualmentetmemvistaaposseemsimesmaAhrenseRoder,paraosquaiso possuidor, em razo de o ser, devemanterse provisoriamente no statusquo,porque a relao externa, em que se encontra para com a coisa, no injusta:quilibetpraesumituriustusdonecprobeturcontrarium.

    SavignyeRudorff,considerandoaposseumsimplesfato,preconizamasuadefesa tendo em mira a pessoa do possuidor, e a represso viol