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A NOVA POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO E O PROGRAMA CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA Luma Barbalho Pontes 1 José Augusto Ewerton de Sousa 2 Resumo Este artigo objetiva analisar o Programa Ciência sem Fronteira (CsF) na modalidade graduação-sanduíche da Universidade Federal Rural da Amazônia. Partindo da hipótese de que o Programa não atinge a meta de produzir conhecimento inovador nesta universidade, faz-se uma revisão bibliográfica e documental para apreciar as novas configurações econômico- sociais brasileiras e a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I), apresentando análise quantitativa inicial de dados obtidos dos Currículos Lattes dos alunos CsF/UFRA. Resultados obtidos indicam que ex-bolsistas apresentam pouca produção, portanto, é indicativo de que o Programa não cumpriu a proposta de promover consolidação de C,T&I na modalidade analisada. Palavras-chave: Ciência sem Fronteiras; Política de C,T&I; Internacionalização da Educação Superior; UFRA. Abstract This paper aims to analyze the Program Science without Borders (SwB) in the undergraduate-sandwich modality at Federal Rural University of Amazonia (UFRA). Based on hypothesis that the Program does not reach the goal of producing innovative knowledge, a bibliographical and documentary review is done to evaluate new Brazilian socio- economic configurations and Science, Technology and Innovation (S,T&I) Policy, presenting an initial quantitative analysis of data obtained from Lattes Curricula of SwB students. Results obtained indicate that students have little academic production, therefore, this is indicative that the Program didn’t comply with proposal to promote consolidation of S,T&I in the analyzed modality. Keywords: Science without Borders; Policy of S,T&I; Internationalization of Higher Education; UFRA 1 Aluna de Mestrado em Educação. Universidade Federal do Pará UFPA. E-mail: [email protected] 2 Aluno de Mestrado em Educação. Universidade Federal do Pará UFPA. E-mail: [email protected]

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A NOVA POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO E O PROGRAMA CIÊNCIA

SEM FRONTEIRAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA

Luma Barbalho Pontes1 José Augusto Ewerton de Sousa2

Resumo Este artigo objetiva analisar o Programa Ciência sem Fronteira (CsF) na modalidade graduação-sanduíche da Universidade Federal Rural da Amazônia. Partindo da hipótese de que o Programa não atinge a meta de produzir conhecimento inovador nesta universidade, faz-se uma revisão bibliográfica e documental para apreciar as novas configurações econômico-sociais brasileiras e a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I), apresentando análise quantitativa inicial de dados obtidos dos Currículos Lattes dos alunos CsF/UFRA. Resultados obtidos indicam que ex-bolsistas apresentam pouca produção, portanto, é indicativo de que o Programa não cumpriu a proposta de promover consolidação de C,T&I na modalidade analisada.

Palavras-chave: Ciência sem Fronteiras; Política de C,T&I; Internacionalização da Educação Superior; UFRA.

Abstract This paper aims to analyze the Program Science without Borders (SwB) in the undergraduate-sandwich modality at Federal Rural University of Amazonia (UFRA). Based on hypothesis that the Program does not reach the goal of producing innovative knowledge, a bibliographical and documentary review is done to evaluate new Brazilian socio-economic configurations and Science, Technology and Innovation (S,T&I) Policy, presenting an initial quantitative analysis of data obtained from Lattes Curricula of SwB students. Results obtained indicate that students have little academic production, therefore, this is indicative that the Program didn’t comply with proposal to promote consolidation of S,T&I in the analyzed modality.

Keywords: Science without Borders; Policy of S,T&I; Internationalization of Higher Education; UFRA

1 Aluna de Mestrado em Educação. Universidade Federal do Pará – UFPA. E-mail: [email protected] 2 Aluno de Mestrado em Educação. Universidade Federal do Pará – UFPA. E-mail: [email protected]

I. INTRODUÇÃO

O Programa Ciência sem Fronteiras (CsF), objeto de estudo deste trabalho, é

uma política pública que conjuga aspectos das políticas de educação e políticas de ciência,

tecnologia e inovação. O CsF foi originado pelo decreto Nº 7.642 de 2011, instituído pela

presidenta Dilma Rousseff em 13 de dezembro de 2011, e teve por objetivo incrementar a

internacionalização da ciência e tecnologia brasileiras, mediante a formação de recursos

humanos altamente qualificados, utilizando a ferramenta do intercâmbio internacional com

universidades renomadas, bem como fomentar a competitividade das empresas brasileiras e

o desenvolvimento de Ciência, Tecnologia e Inovação.

O presente artigo apresenta resultados preliminares da pesquisa de mestrado

em curso, a qual visa estabelecer nexos entre a nova política de Ciência, Tecnologia e

Inovação no Brasil, o Programa Ciência sem Fronteiras, e os resultado obtidos por ex-

bolsistas do Programa na Universidade Federal Rural da Amazônia, no período de 2011 a

2015, buscando analisar a produção de C,T&I desses alunos. Esta pesquisa está baseada

na análise documental das leis e decretos que estabelecem o programa e as informações

contidas no portal oficial do mesmo, assim como na revisão bibliográfica que dá

embasamento à compreensão do Estado e as racionalidades desta Política Pública.

A temática do Programa Ciência sem Fronteiras ainda não foi totalmente

explorada na sua análise como política pública de educação e de C,T&I e sobretudo sobre

os resultados obtidos pela mesma. Justifica-se, então, a investigação proposta no presente

trabalho, isto principalmente se levarmos em consideração o montante investido pelo

governo federal no programa, o qual em apenas uma das agências executoras, a CAPES,

foi na ordem de 7 bilhões de reais, entre 2012 e 2016 (CAPES, 2017) na realização do CsF

O presente artigo está composto por cinco partes: “A crise do capitalismo e suas

repercussões”; “A nova Política C,T&I e o programa Ciência sem Fronteiras”; “Ciência sem

Fronteiras e seu modelo de Internacionalização”; “A Graduação Sanduíche no Exterior (CsF)

na Universidade Federal Rural da Amazônia”; e “Conclusões”.

II. A CRISE DO CAPITALISMO E SUAS REPERCUSÕES

Para decifrar o contexto político e econômico do surgimento do Programa

Ciência sem Fronteiras, faremos inicialmente uma breve contextualização da crise estrutural

do capital (MÉSZAROS, 2011), as relações entre Estado e desenvolvimento econômico no

Brasil, com foco principalmente nas consequências desta relação na nova Política de

Ciência, Tecnologia e Inovação, compreendendo que “políticas públicas são aqui entendidas

como o “Estado em ação” [...] é o Estado implantando um projeto de governo, através de

programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade” (HOFLING, 2001, p.

31), faz-se, então, necessário analisar o Estado para assim conceber suas políticas.

Harvey (2011, p. 14) indica que o mundo passou por centenas de crises

financeiras desde 1973, cita exemplos do embargo árabe sobre petróleo, crash do mercado

imobiliário global, o boom japonês, a crise nórdica, crises de crédito e poupança nos

Estados Unidos, isto para dizer que não há nada de novo na atual crise do modelo

especulativo do sistema capitalista neoliberal. Segundo HARVEY (2011, p. 18)

As crises financeiras servem para racionalizar as irracionalidades do capitalismo.

Geralmente levam a reconfigurações, novos modelos de desenvolvimento, novos

campos de investimento e novas formas de poder de classe.

Na análise de Harvey (2011) o colapso atual do sistema neoliberal de livre

mercado não teria levado ao fim desse sistema, segundo o autor, este projeto tem sido bem

sucedido na sua centralização de riqueza e poder, o mesmo não demonstra nenhum indício

de que esteja morto, ao contrário o princípio continua sendo o mesmo de privatizar os lucros

e socializar os riscos.

Seguindo este raciocínio, se a pesar da crise financeira mundial desencadeada

em Wall Street em 2008, o modelo neoliberal se mantém vigente no mundo capitalista, faz-

se imperativo compreender o papel desempenhado pelo Brasil nesta configuração

econômica mundial.

Historicamente, de acordo com Paulani (2010, p. 119), “o discurso neoliberal no

Brasil começou a se firmar e a fincar raízes nas eleições presidenciais de 1989”, desde a

eleição de Collor, à continuação com Fernando Henrique Cardoso que se elegeu com a

promessa de modernizar o país, e mais adiante, com o discurso do estado de emergência

no governo Lula.

O Neoliberalismo, aquele inaugurado com Friedrich Hayek e Milton Friedman,

assume feições específicas no Brasil, de dependência dos países da economia central,

Paulani (2010) define os rounds da dependência periférica do Brasil, desde o primeiro round

com as matérias primas com o pau-brasil; o segundo round como parte na relação entre

Metrópole e Colônia; o terceiro, já no século XX, como novo mercado em tempos de

superacumulação; o quarto, no início do capitalismo rentista, como absorvedor de

poupanças; até o atual quinto round com, conforme define Paulani (2010, p. 133)

a securitização da dívida externa, internacionalização do mercado brasileiro de

títulos públicos e a abertura dos fluxos internacionais de capital fizeram do Brasil, a

partir dos anos iniciais da década de 1990, emergente plataforma de valorização

financeira internacional, capaz de proporcionar aos rentistas nacionais e

estrangeiros impensáveis ganhos em moeda forte.

Além desse perfil de plataforma de valorização financeira internacional, Paulani

(2008) aponta também outra característica da economia brasileira, a seu processo de

desindustrialização, cuja porcentagem de emprego industrial chega à casa de 3,1%.

Corroborando com a tese proposta por Paulani (2008), as análises de Kato (2013) apontam

que essa opção de desenvolvimento financeiro adotado desde a época FHC, em detrimento

de uma política industrial, vem encolhendo a capacidade brasileira de acumular riquezas e

controlar o aumento da miséria social.

Neste aspecto Kato (2013) demonstra que o governo Lula opta pela

implementação de uma nova política industrial, a fim de gerar crescimento produtivo, com

promoção de emprego, infraestrutura básica e em C,T&I, com objetivo de lastrear a riqueza

financeira, mantendo a agenda da financeirização da economia brasileira.

Isto posto, podemos identificar as novas feições do capitalismo financeiro no

contexto mundial e no Brasil. Apreendemos que apesar das crises o modelo neoliberal não

foi exaurido, pelo contrário, assumiu novas formas de dominação, nessa reconfiguração o

Brasil assume papel de plataforma de valorização financeira (PAULANI, 2010), o que

provoca a desindustrialização da economia no país, mais adiante, para combater a mazelas

produzidas por esse fenômeno, o governo Lula inaugura uma nova política de Ciência,

Tecnologia e Inovação, que tem como objetivo investir nas áreas produtivas a fim de mitigar

as mazelas sociais, mas ainda mantendo a posição do Brasil no mercado financeiro.

III. A NOVA POLÍTICA C, T & I E O PROGRAMA CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS

Todo contexto político-econômico brasileiro descrito até o momento condicionou

uma alteração nas estruturas institucionais da sociedade brasileira, sobretudo no âmbito das

políticas de C,T&I que assumiram novo papel, estratégico, para o desenvolvimento

econômico do país, inclusive a Universidade encontra-se no bojo dessas alterações

ocorridas.

Kato comprova mediante suas pesquisas que o fundo público, a riqueza social

brasileira, vem sendo utilizado para fomentar pesquisas e produção do conhecimento em

áreas estratégicas, que tem como objetivo promover o desenvolvimento industrial do Brasil,

ou seja “o fundo público passa a ser naturalizado pelo capital por meio da indução à

produção do conhecimento, orientado pelas demandas de natureza econômica” (KATO,

2013, p. 21).

Segundo Kato (2013), esse novo modelo de financiamento público das

pesquisas, na modalidade induzida, já era praticada no Brasil desde a década de 1990. Com

a chegada de Lula à presidência da República, foi lançada a nova Política Industrial,

Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) que apresenta objetivos de fortalecer e

expandir a base industrial do Brasil, a fim de oferecer condições competitivas para a

indústria brasileira no mercado mundial.

Na mesma linha de raciocínio as universidades públicas também são incluídas

nessa nova política e portanto consideradas como estrutura importante na produção de

ciência e tecnologia, e ainda de desenvolver um papel relevante na formação de recursos

humanos altamente qualificados (KATO, 2013). Esses atributos vão ao encontro das

características, objetivos e metas do Programa Ciência sem Fronteiras.

O Programa Ciência sem Fronteiras, “busca promover a consolidação, expansão

e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira

por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional” (BRASIL, 2017a). O Programa foi

criado por iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) junto ao

Ministério da Educação (MEC), e executado por suas agências de fomento, o Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

De acordo com o site oficial do Programa, o CsF teve por objetivo desenvolver a

sociedade do conhecimento no Brasil mediante a formação de pessoal altamente

qualificado. Também teve como objetivo inserir o Brasil no contexto da pesquisa e

desenvolvimento internacionais, fomentar a indústria tecnológica e atrair talentos científicos

para o país (BRASIL, 2017a).

A meta do projeto era atingir a implementação de 101 mil bolsas para alunos de

graduação e pós-graduação e pesquisadores em quatro anos (encerrando em 2015), sendo

que cerca de 75 mil das bolsas deveriam ser financiadas pelo governo brasileiro e 26 mil

financiadas por empresas privadas, segundo informações contidas no portal do programa

(BRASIL, 2017a). O propósito do programa seria enviar estudantes e pesquisadores

brasileiros para as mais conceituadas instituições de ensino e pesquisa do globo.

O Programa Ciência sem Fronteiras não ofertou oportunidades para todas as

áreas do conhecimento, pelo contrário, desde a sua origem o programa, alinhado com seu

objetivo de desenvolvimento industrial, determinou seus objetivos de promover a ciência,

tecnologia e inovação a fim de aumentar a competitividade da indústria nacional, e para isto

foram determinadas áreas prioritárias, mediante Portaria Interministerial nº 1, de 9 de janeiro

de 2013, que pudessem alavancar o processo de modernização. Claramente as áreas

apontadas estão relacionadas com o desenvolvimento industrial e produção de inovação

tecnológica, e excluídas as ciências humanas, sociais e sociais aplicadas.

Essa política de seleção de áreas prioritárias afeta o âmbito da produção

científica no país, as universidades são tomadas pela racionalidade econômica. E ademais,

demonstra a aposta do governo brasileiro em um desenvolvimento científico descolado do

desenvolvimento social. Contribuindo mais para a produção de bens de valor para o

mercado do que a para a formação de ciência crítica dentro das universidades. O Ciência

sem Fronteiras surge então como programa de governo de um Estado neoliberal que busca

mediar as relações para a manutenção do mercado financeiro internacional.

IV. CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS E SEU MODELO DE INTERNACIONALIZAÇÃO.

Tendo em vista que dois dos objetivos estabelecidos por lei para o programa

Ciência sem Fronteiras foram promover a internacionalização das instituições de ensino

superior brasileiras e ampliar a mobilidade internacional dos estudantes brasileiros, faz-se

necessário investigar como se desenvolveram essas duas modalidades.

O processo de internacionalização da educação superior tomou força a partir da

década de 1990, e teve sua expansão bem relacionada com o processo de mercantilização

da educação propalada pela sociedade do conhecimento e pela regulamentação da

educação como serviço comercial pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Segundo Morosini (2006) o Brasil se destaca inicialmente como um consumidor

em potencial de educação de alta qualidade. Este cenário é confirmado pelo Programa

Ciência sem Fronteiras, pois os participantes do programa usufruíram dessa educação

internacional não gratuita (em alguns casos) com a conta paga pelo governo brasileiro.

Para Chaves (2014, p. 37) internacionalizar seria o “processo de integrar uma

definição internacional, intercultural e ou global nos objetivos, funções (ensino/

aprendizagem, investigação, serviços) e distribuição do ensino superior.” Ainda segundo a

autora, as motivações para a promoção da internacionalização de instituições de ensino

superior podem ser acadêmicas, econômicas, políticas ou religiosas. Mediante análise sobre

conjuntura político-econômica do Brasil no contexto do surgimento da nova política de

C,T&I, pode-se denotar que o programa CsF teve fortes motivações econômicas.

Morosini (2011) define dois modelos de cooperação internacional. O primeiro é o

modelo de Cooperação Internacional Tradicional (CIT), o qual é “caracterizado por relações

de competitividade entre as instituições de educação superior (IES) na captação de sujeitos

e de consumidores” (Morosini, 2011, p. 95); e o segundo modelo é denominado Cooperação

Internacional Horizontal (CIH), o qual é baseado na solidariedade e na troca igualitária. A

cooperação internacional tradicional tem suas relações mais marcadas pela lógica do

mercado, e predominantemente se dá nas relações Norte-Sul (ou centro-periferia), no qual o

Sul (periferia) busca qualificação no Norte (centro), enquanto que a cooperação

internacional horizontal pode verificar-se em relações Sul-Sul, entre semelhantes.

Sobre a relação entre esses dois modelos de cooperação Azevedo e Catani

(2013, p. 285) depreendem uma contradição entre a “solidariedade internacional e a

concorrência em um mercado global de educação e conhecimento”. E no contexto da

internacionalização da educação superior brasileira, afirmam os autores, que o modelo

“periférico, desigual e subordinado está de acordo com o modelo de desenvolvimento

adotado pelo país, o qual preza pelos interesses do capital financeiro.”

O Ciência sem Fronteiras apresentou características de internacionalização por

meio de Cooperação Internacional Tradicional, pois os países escolhidos foram

preferencialmente aqueles de economia central, excluindo a troca solidária entre similares.

Compreendemos também que o programa teve forte motivação econômica, tendo em vista

as áreas prioritárias que claramente fazem parte na nova política de C,T&I que visa o

desenvolvimento da indústria brasileira.

V. A GRADUAÇÃO SANDUÍCHE NO EXTERIOR (CSF) NA UNIVERSIDADE FEDERAL

RURAL DA AMAZÔNIA

A Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) é uma Instituição de Ensino

superior que foi criada em 2002 a partir da Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP),

tem sua tradição marcada pelos cursos das ciências agrárias e áreas relativas, porém com a

política de expansão da Universidade começaram a ser criados outros cursos das áreas

tecnológicas, ciências sociais aplicadas e licenciaturas. A UFRA tem sede em Belém – Pará,

e conta com cinco campi no interior do estado: Paragominas, Parauapebas, Capitão Poço,

Capanema e Tomé-Açu (UFRA, 2017a).

O processo de internacionalização da UFRA encontra-se em estágio inicial, a

estrutura da Assessoria de Cooperação Interinstitucional e Internacional (ACII) da

Universidade conta apenas com um gestor, uma secretária e um estagiário, e a Instituição

conta apenas com dez acordos de cooperação internacional vigentes, de acordo com dados

contidos no site da ACII (UFRA, 2017a). As primeiras saídas de alunos para intercâmbio do

Ciência sem Fronteiras datam de setembro de 2012, e as últimas de setembro de 2015.

A distribuição das bolsas implementadas na Universidade Federal Rural da

Amazônia se deu da seguinte forma: foram implementadas um total de 112 bolsas, sendo

109 de graduação sanduíche, 02 de doutorado sanduíche e 01 de doutorado pleno. A área

prioritária contemplada com maior número de bolsistas foi “Produção Agrícola Sustentável”,

com 36 bolsistas, seguida de “Engenharias e demais áreas tecnológicas”, com 17 bolsistas,

e “Computação e Tecnologias da Informação” e “Energias Renováveis” com 14 bolsistas

cada (tabela 01).

Tabela 01 - Bolsas Implementadas na UFRA por Área Prioritária

O país de destino que mais recebeu alunos da UFRA foi Estados Unidos, com

37% dos bolsistas, seguido de Canadá com 15% e França com 12,5%, outros países como

Austrália, Espanha, Hungria, Irlanda, Itália, Portugal, China, Reino Unido, Alemanha,

Holanda e Noruega, também receberam bolsistas da UFRA (BRASIL, 2017a) conforme

aponta Tabela 02.

O objeto deste trabalho serão apenas os bolsistas da modalidade graduação

sanduíche. A amostra de análise é composta de 96 alunos da UFRA que receberam bolsa

do Programa Ciência sem Fronteiras, ficam excluídos desta análise os alunos contemplados

com bolsas do Programa Brafagri3, por motivos de falta de dados deste programa. Foram

utilizadas como ferramentas de pesquisa a Plataforma Lattes e o Sistema Integrado de

Gestão Acadêmica utilizado na UFRA para o levantamento de dados dos ex-bolsistas. A

distribuição de bolsas por curso de graduação de origem se deu conforme Tabela 03 Todos

os bolsistas da UFRA já retornaram para o Brasil na presente data, as últimas bolsistas

tiveram o retorno marcado para agosto de 2016.

Tabela 02 - Bolsas Implementadas na UFRA por País de Destino

Tabela 03 – Curso de Origem dos bolsistas

Até a dada da pesquisa (fevereiro de 2017), apenas 15 ex-bolsistas do CsF

haviam concluído seu curso de graduação na UFRA, aproximadamente 15% da amostra,

dos quais apenas 06 ingressaram em curso de Mestrado, e 01 ingressou em curso de

Doutorado. Dois ex-bolsistas tiveram seu vínculo cancelado com a UFRA sem conclusão de

curso.

3 BRAFAGRI: Programa ‘Brasil França Agricultura’ da CAPES, este programa é anterior ao Programa Ciência sem Fronteiras mas teve seus os números, a partir de 2012, incorporados ao CsF, porém manteve sua independência no processo de seleção de bolsistas.

A pesquisa sobre a produção acadêmica/científica dos ex-bolsistas, destacamos

que 22% dos alunos pesquisados não atualizam o seu currículo Lattes desde a o período de

intercâmbio pelo CsF; 15% dos alunos tiveram pelo menos um trabalho completo publicado;

30% tiveram até cinco trabalhos apresentados, 9% tiveram mais de cinco trabalhos; 52%

não tiveram nenhum resumo publicado, seja expandido ou não; três ex-bolsistas tiveram

coautoria em capítulo de livro; 79% não tiveram nenhum artigo publicado; 77% não

estiveram ou estão vinculados a algum Projeto de Pesquisa cadastrado. Para finalizar, 36%

dos ex-bolsistas do Programa CsF na UFRA não tiveram nenhum tipo de produção

registradas no seu currículo Lattes, sendo que dois destes alunos já concluíram sua

graduação.

Os dados obtidos pela consulta ao currículo Lattes dos alunos da UFRA que

foram contemplados com bolsa de graduação sanduíche no exterior indicam que talvez não

tenha sido cumprido o objetivo de fomentar ciência, tecnologia e inovação com essa

modalidade de intercâmbio nesta Instituição de Ensino Superior, o trabalho de Azevedo e

Catani (2013) sobre a internacionalização da Educação Superior apontam razões para

insucessos com mobilidade estudantil.

Uma dessas motivações apontadas no trabalho mencionado vem pela

explicação de Bourdieu, segundo o qual “os intercâmbios internacionais estão sujeitos a

uma série de fatores estruturais que geram mal-entendidos. O primeiro fator: o fato de que

os textos circulam sem seu contexto” (Apud Azevedo e Catani, 2013, p.277).

Azevedo e Catani (2013) chamam a atenção para o fato de que políticas de

mobilidade estudantil de países periféricos, quando não são bem planejadas, seja com

preparação prévia dos alunos intercambistas, com formulação de plano de trabalho a ser

executado, e no retorno uma garantia das condições da continuação do trabalho iniciado no

exterior, pode não significar uma troca solidária ou pode não se reverter em ganhos para o

país que investiu na mobilidade, ao contrário pode se constituir apenas de uma relação

mercantil, na qual o país periférico – neste caso Brasil – está pagando a conta da compra de

serviços educacionais que colaboram para a manutenção da hegemonia dos países

centrais.

Semelhante alerta faz também Santos Júnior (2012, p. 346), “o Brasil pode estar

promovendo um amplo processo de transferência unilateral para o exterior de boa parte de

sua mais alta capacidade cientifica nacional”, visto que muitos das pessoas contempladas

com bolsas de mobilidade internacional acabam não querendo ficar no Brasil depois dessa

experiência.

VI. CONCLUSÃO

Conforme exposto ao longo do artigo, pode-se perceber que o Programa Ciência

sem Fronteiras fez parte da nova política de Ciência, Tecnologia e Inovação instaurada no

Brasil pelo governo Lula, a fim de gerar riqueza real para lastrear o modelo de

desenvolvimento econômico baseado na valorização financeira (PAULANI, 2008). O

Programa CsF apresentou diversas características que se alinham a essa nova política,

como por exemplo a definição de áreas prioritárias com exclusividade nas das ciências

exatas, biológicas, engenharias e demais que podem produzir conhecimento no âmbito na

inovação tecnológica; os países parceiros escolhidos também denotam uma relação norte-

sul, com ênfase em países desenvolvidos, com a exclusão de continentes como a África e a

América do Sul.

Não obstante esse alinhamento do Ciência sem Fronteiras com a política de

C,T&I que visa a produção de valor real para a economia brasileira, mediante a análise do

currículo Lattes do ex-bolsistas CsF da UFRA, tem-se um indício de que este investimento

feito na formação desses jovens, na modalidade de graduação-sanduíche no exterior da

UFRA, não esteja sendo traduzido como produção de conhecimento inovador nas suas

áreas de formação. Reconhecemos a limitação dos dados quantitativos apresentados para

definir a contribuição do Programa Ciência sem Fronteiras para o país na produção de

C,T&I, não obstante, consideramos reveladores os dados apresentados, isto não apenas

para a UFRA, mas para trazer à luz as possíveis falhas de um programa nacional, as quais

podem apresentar desdobramentos relevantes para a avaliação desta política pública.

Os dados levantados por este trabalho corroboram a ideia já apontada de que o

Programa Ciência sem Fronteiras não atinge seu objetivo de alavancar a Ciência,

Tecnologia e Inovação no Brasil. Não sem propósito a CAPES já está em processo de

lançamento de um novo programa de internacionalização para a educação superior,

chamado ainda provisoriamente de “Mais Ciência, Mais Desenvolvimento” com foco na

internacionalização via pós-graduação.

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