a nova arte - alan salomon

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nova arte

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19. ANOVAARTE*

Por .Alt111 Solomon

Elte I um dos primeiros trtlbtllltos crftlcos 11 tkflnfr 11 ,.,._ dlncÚJ pop 1111 nov11 tute. Origi��t�lmente escrito ,,. /1111eiro de 1963 como uma · introduçio ao catálogo de uma erpos#ção reall%1111a na Wultington Gallery of Motlern Art. aptu«eu em Art lntemational, tendo sülo ainda reprotlur.ldo pela Stable Gallery.

Diplomado por HtuVanl, o Professor Solomon foi nll­pon.rdvel pela reorganiUJÇão do Tlte lewlm Mweum em Nova York em 1962, e pelo Inicio da SIUJ atiUJI progrtllfiiiÇio de erposlçiks de arte contempor8nea, uma dtU mllh ttmbiclostu do pois. Em 1964, servi• como Dek,_,o Americtmo .t

• Reedbdo elo catAiop da apoáçlo "Tbe Popular lmap", Wulún�MD c.J1eJy of lofodeia Art, 1983.-

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Bienal de Veneza, quando Robert Rawchenberr gt111hou o Primeiro Prlmio Internacional de Pintura, nunca antes conce­dido a um artista americano. E autor de monogrdfúu sobre Robert Rauschenberg e /asper lohns. Como ttiiiiM que • envolveram com a nova arte, Alan So/omon nõo limita os seus interesses a um s6 campo. Com Steve Paxton organizou a Primeira Reunião de Teatro de Nova York (bappenings), num estúdio abandonado de televisão da CBS, na Broadway.

Do momento em que se tomou claro, nos últimos anos da década de quarenta, que o primeiro estilo significativo americano havia se cristalizado no Expres­sionismo Abstrato, uma certa maioria infeliz começou a suspirar pelo dia em que o desconforto sentido pela ausência de referências à realidade exterior na arte fosse aliviado pelo retomo à figuração na Pintura e na Escultura. Para esse grupo, o abandono da figura humana e de seu ambiente refletiu um fracasso em relação ao "humanismo", e ele não queria tomar co­

nhecimento da oportunidade que a nova atitude dava ao artista de criar um mundo novo de forma e espaço, que existe à parte de todas as experiências anteriores do mundo tangível exterior e cria a sua própria lógica especial, bem como a sua própria e exclusiva exaltação.

O apelo ao humanismo continha em si uma im­plícita hierarquia moral de idéias derivada de toda a tradição clássica e que, tomando como ponto de par­tida o antropomorfismo da Grécia, tem servido de modelo à nossa sociedade.

De tempos a tempos os que se deleitam com a presença da figura humana na Arte encontraram espe­ranças momentâneas na perspectiva do aparecimento de novas imagens humanas. No entanto, o homem con­temporâneo vê a si mesmo na Arte não como uma figura idealizada feita à semelhança de Deus, como o queria a tradição clássica, mas como uma vítima per­turbada e contorcida do cataclisma moderno, despeda­çada por forças de uma magnitude acima de sua com­preensão, uma figura sombria, cheia de desespero e angústia, inteiramente sem esperança. A "nova ima­gem" é um monstro, o produto de genes estéticos irra­diados. A base do humanismo clássico era o espírito do homem e o seu ajustamento ao mundo, e nio a simples presença física da sua pessoa "humana"; a

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figuração sozinha não foi bem sucedida na tarefa de devolver à Arte uma idéia significativa do valor exis­tencial do homem e da sua personalidade única. Aque­les dentre nós que procuraram saídas para o que tem sido considerado como o dilema da abstração, através de uma nova arte figurativa, defrontaram-se, portanto, com frustrações sobre frustrações.

Aqueles para os quais a arte abstrata não apre­sentava um dilema mas que, entretanto, acreditavam o Expressionismo Abstrato esgotado, encontram-se ago­ra confrontados com uma irônica reviravolta dos acon­tecimentos. Em primeiro lugar, uma vigorosa e nova espécie de abstração geométrica r�uniu silenciosamente suas forças durante os últimos anos. Em segundo lugar, e muito menos silenciosamente, uma nova arte figurativa veio à luz durante os últimos meses. Infe­lizmente, a nova arte não oferece conforto algum aos partidários da figuração que imaginavam algo de muito diferente.

Enquanto que o público tem até agora recebido com relativa indiferença a nova abstração, a nova arte figurativa ou, como é chamada, "Novo Realismo", "Arte Pop", Neodadaísmo" etc. etc., provocou uma reação de extraordinária intensidade, estimulando os extremos de um deleite passivo e de uma angústia renovada. Como todos os novos movimentos vitais do período moderno (Impressionismo, Cubismo, Fauvis­mo), ganhou logo um título pejorativo - neste caso, uma enfiada de títulos - dos críticos desfavoráveis que criaram uma confusão ainda maior dando ênfase errada às qualidades do estilo. Por outro lado, entre os es­pectadores e colecionadores "avançados" de arte mo­derna, os novos artistas conseguiram um sucesso espe­tacular num período relativamente curto de tempo e os seus trabalhos têm sido muito procurados durante as duas últimas temporadas, mesmo antes de chegarem às galerias mais elegantes.

A nova arte provoca reações tio contraditórias porque parece atacar de frente, e ativamente, todas as nossas convenções estéticas estabelecidas em todos os níveis de forma e de tema. O problema 6, no en­tanto, realmente nosso e nio dos artistas; estes não

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tem intenções agressivas ou doutrinárias c, na reali­dade, apresentam-nos as suas novas faces com uma certa suavidade e artifício. Ao mesmo tempo, o seu trabalho é dirigido a um alto nível emotivo (por mo­tivos que mais tarde serio explicados) sem nenhum acréscimo referente a idéias abstratas complexas; ape­lam diretamente aos sentidos de maneira que poderia ser descrita como sendo mais visceral do que inte­lectual. Em outras palavras, esses artistas falam mais a nossos sentimentos de que à nossa mente, e não tem uma intençio filosófica program/Jtla. Ainda assim, exprimem tão claramente o espírito contemporlneo que a sua arte, se bem que varie de indivíduo para indiví­duo, mostra um grau notável de coerencia filosófica.

Não é difícil entender quais os extremos do sen­timento despertado pela nova arte. No passado, com poucas exceções, atribuímos uma importância especial à arte, separando-a claramente do resto do mundo e da experiencia, encarando-a como uma atividade hu­mana comparável em importlncia às suas mais concei­tuadas instituições num diferente sentido moral.

Esse hábito de se separar uma espkie de ativi­dade e os seus atributos de outras, rebaixadas pelo uso e abuso de detalhes práticos da existencia humana, levou-nos a uma posiçio em que atribuímos ''valor moral" a objetos, dependendo do seu uso e de suas propriedades. Durante muito tempo (até o skulo XVI) os óbjetos utilitários ou familiares não gozavam de valor moral suficiente que justificasse o seu uso como temas artísticos em si; foi na verdade somente no skulo XIX que os artistas se permitiram gozar real­mente da liberdade de fazer tais escolhas sem referên­cias a considerações externas de hierarquia (um qua­dro histórico era "melhor" do que um retrato, que era "melhor'' do que uma paisagem, a qual por sua vez era "melhor'' do que uma natureza morta, e assim por diante). Mesmo assim, por mais liberto que o artista parecesse estar em relaçio a tais objetos, mesmo até meados do século XX, o seu repertório de objetos incluía, por exemplo, comida e objetos culinários, mas não ferramentas ou material de encanamento; livros e instrumentos musicais, mas não histórias em quadri-

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nhos e rádios. Mesmo dentro de categorias aceitáveis como alimentos, eram feitas distinções bem definidas, de maneira que o pio, a carne, a caça, frutas, vegetais, peixes, ou vinho da maneira como saíam dos mercados podiam ser usados, mas não hamburgers, cachorro­quente, tabletes de chocolate, tortas ou refrigerantes. Não basta dizer que as últimas espécies de alimentos não existiam há cinqüenta anos, ou que os seus equi­valentes de outras épocas já apareceram em arte. Em 1913 os cubistas exerceram restrições precisas e cons­cientes na sua escolha de objetos de natureza morta, não somente por continuarem a aceitar a atitude tradi­cional em relação a tais escolhas, mas tamb6m por quererem evitar a introdução, na natureza morta cubista, de associações que desenfatizassem as questões formais. Escolhiam objetos pertencentes ao ambiente do estúdio-café, mas somente os que tinham uma co­

notação de atividades agradáveis que pouco exigiam, como comer, beber, fumar, jogar cartas, música, pintu­ra, e assim por diante. A garrafa de aguardente ou o cacho de uvas, numa natureza morta de Braque, tam função muito diferente da desempenhada pela garrafa de Coca-Cola ou pela torta de chocolate nos trabalhos dos novos artistas, trabalhos em que tais objetos tor­nam-se artifícios altamente carregados de emoção. Os cubistas selecionavam coisas que eram familiares, ín­timas e confortáveis, de maneira a poderem estabelecer um tom iconográfico difuso para o quadro. Os novos artistas selecionam coisas que são familiares, públicas e, muitas vezes, perturbadoras.

Por que é que isso acontece? Simplificando, po­demos dizer que os novos artistas fizeram com que a sua sensibilidade e os seus sentimentos mais profundos produzissem uma �rie de manifestações feias, de mau gosto, estúpidas, vulgares e reveladoras do pior aspecto de nossa sociedade. Em lugar de rejeitarem os pro­dutos deploráveis e grotescos do mundo moderno, comercial e industrial, - o mundo da "venda a todo custo" com todas as suas conotações - o mundo de cores vivas e sons gritantes, demasiado gritantes para apresentarem nuanças, de sentimentos baratos e espa­lhafatosos dirigidos apenas para intelig8ncias de ca-

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torze anos, de imagens tio generalizadas feitas para um público massificado de milhões de pessoas que já perderam toda identidade humana, em lugar de rejei­tarem a incrível proliferação de objetos kitsch que constituem o ambiente visual e, provavelmente, a maior parte da experiência est6tica de noventa e nove por cento dos americanos, esses novos artistas voltaram-se com deleite e excitação para aquilo que os mais exi­gentes de nós consideram como a lata de lixo dos anúncios de TV, histórias em quadrinhos, carrocinhas de cachorro-quente, cartazes, sucata, lanchonetes, cemitérios de automóveis, máquinas de jogo e super­mercados. Assim o fizeram, não num espírito de des­prezo ou de crítica social, ou de esnobismo cheio de si, mas devido ao engajamento afirmativo e incondi­cional em relação às atuais circunstâncias e a uma fantástica nova terra das maravilhas ou, mais apro­priadamente, Disneylândia; engajamento esse que afir­ma o triunfo consciente das forças interiores do homem sobre o ntundo racional material, num grau que talvez não tenha sido possível desde a Idade M6dia.

Não podemos deixar de ficar ansiosos, ou cfnicos, a respeito das atividades desses artistas, diante do que sabemos ser "verdade" sobre a Disneylândia como fonte de significado estético. Suspeitamos que sio culpados de provocação deliberada, à maDeira dos dadafstas, o que quer dizer, de intenção polftica, de maDeira a parecer no mínimo niilistas, ou u melhor das hipó­teses, subversivos; ou, ainda pior, tememos que pouam estar caçoando de nós, ao pedir que levemos a shio atividades que sabemos serem frfvolas e sem valor. Contudo, retrospectivamente, a maneira pela qual esse

grupo surgiu apresenta não apenas um ar de coerencia inegável, como tamb6m um sabor distinto de inevita­bilidade histórica. Este novo estilo não poderia ter sido encorajado, nem evitado, nem forçado; seguiu um curso orgânico que o transforma em produto absoluto do seu tempo. Talvez os traços mais caracterfsticos da nova arte sejam a rapidez e a espontaneidade com que se desenvolveu, a partir das conceituações de di­versos artistas, simultan«=amente, e numa variedade de lugares diferentes. Quase todas as principais figuras

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do grupo gravitaram em tomo de Nova Yorlc, onde seus estilos foram estabelecidos, e onde se tomaram conscientes uns dos outros muito tempo antes de que mesmo o público artístico bem informado se tomasse significativamente consciente de suas atividades.

Escrever história toma-se sempre um processo demasiado simplista, e é extremamente difícil, neste caso, precisar qual o caminho exato traçado pelo novo grupo, at6 chegar à sua posição atual. Podemos falar de um certo clima favorável, referimo-nos ao fato de que todos esses artistas eram demasiado jovens para servirem na guerra, cresceram no tempo da Bomba, herdaram um conjunto de preferências estéticas, e assim por diante. Podemos certamente fazer um nú­mero de observações acuradas sobre eles, como artis­tas e como membros da geração mais jovem. Por exemplo, que amadureceram num ambiente em que o caminho a ser percorrido pelo artista tinha-se tomado muito mais macio do que o da geração que tinha "K>frido durante as décadas da depressão e da guerra. Nlo somente contaram com um meio ambiente favo­rável, no qual a Arte floresceu, mas atingiram também com extraordinária rapidez a segurança econ&mica; o que lhes poupou muita da amargura dos seus prede­cessores.

Seja. quais forem as razões históricas, os novos artistas sio politicamente alienados (nlo participaram

da expc:iieacia política da geração mais antiga) e, na realidade, desengajados de todas as associações insti­tudonais. Ao mesmo tempo que permanecem aliena­dos de causas (manifestações sociais), estio profunda­mente engajados na experiência individual e na iden­tific:ação da pessoa com o ambiente (em contraste com o grupo dadaísta, cujo sentimento de estranheza afastava-os da participação). Esse envolvimento tem uma base inegavelmente otimista e afirmativa, bem como um molde nitidamente existencial, influenciando muito o tom dado aos seus trabalhos como veremos. Ao mesmo tempo, os novos artistas não sio, nem remotamente, inteleduais, não tendo interesse em ten­�ançias filosótiças ou est6ticas enunciadas.

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})artiJham, portanto, uma intensa paixão pela ex­

periência direta, pela participação não-qualificada na riqueza do nosso mundo imediato, por mais que ele se tenha tornado melhor ou pior. Para eles, isso re­

presenta uma esp6cie de aceitação total; não rejeitam nada, exceto a totalidade de nossos cânones estéticos anteriores. Já que consideramos nossas instituições como racionalmente fundamentadas e moralmente vá­lidas, isto faz com que o artista pareça anti-racional e repreensível. Dever-se-ia entender, naturalmente, que a questão de moralidade aqui levantada é estética e não pessoal ou social. Sejam quais forem as impressões que os seus trabalhos possam estimular, tais artistas não são boêmios ou beatniks; não se rebelarani contra os padrões sociais convencionais ou modos de com­portamento.

O aspecto absurdo de suas obras resulta da es­tranheza da justaposição de suas idéias dependentes de intuições e associações um tanto afastadas dos cos­tumeiros hábitos de olhar e sentir. De maneira muito semelhante, o novo teatro que procura uma realidade psicológica mais profunda e que tem muito em comum com os novos artistas, tem sido chamado de "absur­do"; a sua absurdidade consiste simplesmente na re­jeição das costumeiras manifestações da realidade que regeram o teatro durante muito mais tempo do que regeram as artes plásticas.

Referindo-me à estranheza das associações dos artistas, volto ao que é talvez a sua qualidade principal, a sua relutância em aceitar qualquer coisa (digamos, um objeto) em seu valor real, à luz de suas possibili­dades de enriquecimento e elaboração. Tal atitude nlo é única no mundo contemporâneo; pode ser conside­rada ao mesmo tempo como um produto de ceticismo científico moderno e também como uma reação ao

hábito moderno cientifico de uma precisa determinação dos fenômenos. :e. muito possível que os novos artistas sejam mais exatamente descritos como hipples, no sentido de serem incapazes de ultraje, de não poderem gerar respostas convencionais às virtudes estabelecidas e no sentido de serem agudamente sintonizados com

o bizarro, o grotesco e, no que a isto se refere, com o

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esplendor contido no cenário contemporâneo ameri­cano.

Já disse que tais artistas não sio boêmios ; a

maioria deles são tipos familiares de classe média, mas o afastamento da sua própria sociedade toma-se uma condição necessária do seu trabalho. Colocando-� de fora, vêem-nos com uma clareza capaz de focalizar de maneira exata nossos utensílios. Como Vladimir Nabokov, são turistas de uma outra terra, com recur­sos e com um espírito de curiosidade que lhes permite observar a Disneylãndia com deleite a surpresa.

O ponto de vista dos novos artistas depende de duas idéias básicas que lhes foram transmitidas por um par de membros mais antigos do grupo (num sentido estilístico), Robert Rauschenberg e Jasper Johns. Uma declaração de Rauschenberg, muito conhecida, contém implicitamente a primeira dessas idéias :

A Pintura relaciona-se ao mesmo tempo com a Arte e com a vida. Nenhuma delas pode ser feita. (Eu tento qir no espaço existente entre as duas).

Rauschenberg, juntamente com o escultor Richard Stankiewicz, foi um dos primeiros artistas desta gera­ção a retomar as idéias que cinqüenta anos antes tinham tido a sua origem nos objetos feitos ou "encontrados" por Picasso, Duchamp e vários membros do grupo dadaísta. A declaração de Rauschenberg, no entanto, sugere uma conscientização muito mais aguda da possi­bilidade de destruir a distinção entre o artista e sua vida, de um lado, e de outro, a sua obra. Anterior­mente discuti de maneira bastante detalhada as questões filosóficas decorrentes. Segundo o ponto de vista de Rauschenberg, a obra de arte cessou de ser um mundo ilusório, ou um fragmento de tal mundo, emoldurado de maneira a separá-lo irremediavelmente do mundo real. A entrada no quadro de objetos vindos do exte­rior - não como intrusos mas como componentes integrais - destrói a distinção entre um colarinho de camisa, digamos, como uma peça de roupa e o mesmo objeto como um artifício pictórico emotivo. Em outras palavras, começamos a operar aqui em área um tanto indeterminada, de certo modo localizada entre a Arte

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c a vida, de maneira tal que o potencial de enriqué­cimcnto da vida como arte funde-se de maneira inse­parável com a possibilidade de tomar a obra de arte uma cxperiancia a ser sentida de maneira/muito mais direta do que as precedentes formas de Pintura c Es­cultura jamais o permitiram antes. Rauschenberg quer que a obra de arte seja vida c nio um encontro cst�tico dependendo em parte de um processo intelectual.

Sem dúvida alguma, esta é uma idéia excitante e sugestiva, um desses conceitos que podem não ser sur­preendentemente novos, mas que quando afirmados de maneira positiva em circunstâncias apropriadas, podem estimular a atividade de outros artistas.

Allan Kaprow, mais do que nenhum outro, ajudou a elaborar esta idéia. Historiador de arte e artista, Kaprow trouxe para a nova arte o sentido do seu con­texto histórico e filosófico. Quer-me parecer que um artigo escrito por Kaprow, ostensivamente em homena­gem a J ackson Pollock, poderia ser considerado como um manifesto da nova arte ("A Herança de Jackson Pollock", Art News, out. 1958, p. 24 e ss.).

Neste artigo, Kaprow diz:

... PoUock. . . deixou-DOS DO ponto em que cleveiDCIII .. preocupar e ao mesmo tempo nos deixar clel1ambrar CCIIII o

· espaço e com os objetos da DOSSa vida � • • • Nlo .-. feito com a •llll�•tiio, atrav& da pintura, ele � cleiDail sentidos, elevemos utilizar as substlacias upe tlku ele ._, som, movimento, pessoas, odores, tato. OlljetOI ele _. esp6cie tornam-se material para a nova arte: tiala, Clllleinl, alimentos, luzes el6trk:u e ele nlon, fumaça. 6lua. meiM velhas, um cac:horro, filmes ele cinema e mil outru coisas que serão descobertu pela atual gcraçio ele artistas. Nio somente esses ousados criadores nos mostrarão, como ae o fizeaaem pela primeira vez, o mundo que sempre tivemos ao nosao redor mas que sempre ignorlllllOI, como tambán revelaria completamente ac:oatecimentos e eventos de que nunca ouvimoe falar, encontrados em latas de lixo, arquivos policiais. sa­guões de hotel, ou vistos em vitrinas, ou nas ruas, e presaen­tidos em sonhos, e horrfveis acidentes.

O jovem artista de hoje não tem mais necessidade ele dizer "Eu sou um pintor". . . 2 simplesmente "um artista". Toda a vida abrir-se-á para ele... Do nada ele elaborad o extraordinário . . . As pessoas ficaria encantadas ou horrori­zadas, os críticos ficarão conluios ou divertidos, mas essas. estou certo, aerão as alquimias da dkada dos aesaeata.

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A elaboração da idéia da interpenetração da arte c do mundo externo levou Kaprow da Pintura à cons­trução de "ambientes", em que fez experiências de várias maneiras, com a articulação e a complicação do espaço, com luzes, com som tridimensional, e assim por diante. O interesse de Kaprow em tais possibili­dades tem sido também estimulado de outras maneiras. John Cage, a quem Rauschenberg encontrara no começo da década dos cinqüenta, já estava profunda­mente engajado com toda a gama de inovações formais c combinações sem precedentes, de vistas e sons, espe­cialmente em suas colaborações com Rauschenberg e Mercc Cunningham que continuaram até o presente. A novidade da visão de Cage, o seu deleite no aciden­tal e no imprevisível e a sua total isenção de juízos de valor, têm muito a ver com Zen e o seu interesse por todas essas questões transmitiu-se ao novo movimento. A sua amizade com Rauschenberg e com Johns resul­tou num alto grau de interação entre os três, e não se pode realmente separar esses fatores com nitidez do resto do processo.

Os "espetáculos" de Cage foram apresentados a públicos reunidos para tal fim, o que não acontecia com os ambientes de Kaprow. O desejo de comuni­caçio dos novos artistas sugere mais diretamente uma participação J;Dais íntima com o público; como resul­tante disto, Kaprow e vários outros artistas - princi­palmente Red Grooms, Robcrt Wbitman, Dine, Olden­burg e Lucas Samaras - começaram espontaneamente a elaborar uma nova espécie de teatro, diferente de todas as anteriores, mas lembrando talvez alguns espe­táculos dos dadaístas. A liberdade formal, a situação espacial fluida, o relacionamento direto com a platéia (que foi molhada, alimentada, batida, supcraquccida, acariciada, abanada, repreendida, atingida com gás, decorada, ensurdecida, atingida com pontapés, como­vida, cegada, salpicada e enovelada) c a espontanei­dade da situação, afastavam-se tanto do teatro conven­cional que se tornou necessário criar um nome novo para tais espetáculos. Foram chamados de lulppenings, um nome que transmite o imediatismo, a intensidade do IQOPiento atual, o sentimento de participação indi-

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vidual e os acidentes imprevisíveis que mantêm a platéia altamente envolvida. Tais acontecimentos, que habi­tualmente duram de cinco a dez minutos, acontecem agora. Ao contrário do teatro comum, em que cada momento é predeterminado, a intensidade dos happe­nings depende da consciencia que a platéia tenha de que as condições do espetáculo são semelhantes às da vida, intensificadas de maneira especial pela criatividade do artista, mas experimentadas sem o sentimento de resultado que pode ser antecipado dentro das formas rígidas da comédia ou da tragédia. Os happenings diferem do teatro em outro aspecto importante; não dependem da interação de personalidades, ou do con­flito humano, ou mesmo do diálogo, mas das "con­versações" entre pessoas e objetos, ou entre os objetos sozinhos. Os atores são apenas participantes e fre­qüentemente são ultrapassados pelos objetos, em escala, importância, variedade de aspectos c violencia de com­portamento.

Se os happenings parecem preocupar-se com obje­

tos, não é por acaso; os artistas que neles se envolve­ram, trabalharam simultaneamente na feitura dos objetos c na criação dos acontecimentos. Alguns, como Dinc, abandonaram atualmente os espetáculos que pa­recem ter sido um interlúdio necessário no· processo total da exploração do relacionamento entre pessoas e coisas.

Esta absorção contemporânea na identidade dos objetos e em seu potencial emotivo originou-se não somente nos trabalhos de Rauschenbcrg mas também nos quadros de Jasper Johns. Falei anteriormente sobre duas considerações básicas da nova arte, a pri­meira sendo a nova conscientização da reciprocidade da Arte e da vida. A segunda traz-nos de volta �o obj«?�O e à sua nova "personalidade". Sem dúvida nenhuma, as bandeiras e os alvos de Johns, de meados da d6cada de cinqüenta, reabriram toda a questão como nada até então o tinha feito, pois a preocupação subseqüente com imagens populares e objetos subesté­ticos refere-se, de uma ou outra maneira, aos seus pressupostos iniciais (ou não-pressupostos).

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Quando Johns tomou uma bandeira americana tema para um quadro provocou uma série substancial de questões sobre a imagem e, ao mesmo tempo, sobre a maneira pela qual ele a tinha pintado. A bandeira é a espécie de imagem tão freqüentemente exposta que nos tomamos cegos a ela; No contexto do quadro, perguntamo-nos se realmente alguma vez olhamos para ela; segue-se um momento de hesitação sobre se o artista deve ser tomado a sério ou não (a banalidade das novas imagens sempre levanta esta questão). Po­demos então perguntar se é legal, ao JJ1enos, pintar uma bandeira. :e difícil imaginar-se uma situação, exceto a da obscenidade, que pudesse nos perturbar mais do que esta, pelos conflitos apresentados por esta imagem.

Além do mais, quando realmente olhamos para uma bandeira, ela se torna uma imagem obtusa, curiosa, independentemente do seu impacto emotivo. Um de­senho firme e simples de retângulos e estrelas não produz efeitos recessivos, de maneira que a sua planura desorienta-nos, ao mesmo tempo que os contrastes for­tes e as vibrações constituem-se em exigências visuais tão diferentes. O caráter repetitivo do desenho tende à monotonia, mas não podemos simplesmente isolar tais fatores de nossa identificação compulsiva com a imagem, que significa tantas coisas diferentes para cada um de nós. ·

Diante da superfície plana e da pureza dos re­tângulos e estrelas, sem modulação alguma de tom, ou amaciamento de arestas, quando Johns impõe sobre a imagem o seu toque pictórico, uma nova tensão resulta, trazendo-nos de volta ao problema básico da relaçio entre a pintura e o objeto real. Como foi dito, Johns levanta um número considerável de questões.

Uma vez que se olhou para a bandeira de uma determinada maneira (há poucas imagens mais fami­liares do que esta) tem-se de olhar de novo para tudo o mais, incluindo o Pai da Pátria, a Mona Lisa, as garrafas de Coca-Cola, dinheiro, selos, histórias em quadrinhos e anúncios. Entretanto, colocar somente tais objetos no quadro não é tudo para esses artistas, e a tensão de Johns entre o anonimato da confecção do

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Jasper Johns: Trés Bandl'iras. Encáustica sobre tela 0,77 X 1,14 X O, 12. Fotografia cedida por cortesia da Lco Castcl!i Gallery, Nova York. lJa coleção de Mr. e Mrs. Burton Tremainc.

objeto real e a sua própria execução sugere-lhes a exploração do estilo dos cartazes, arte publicitária, histórias em quadrinhos e assim por diante. Ao serem examinados, esses objetos também revelam mistérios inimaginados de forma, excentricidades de estilo e um estranho acúmulo de imagens emboscadas onde nunca nos lembramos de procurá-Ias. Descobrimos que na verdade estamos cegos c que um novo modo de ver nos pode ser ensinado.

Apesar das diferenças em seus estilos, tais artistas partilham um desejo comum de intensificar nossa per­cepção da imagem, e de alterá-la de maneira tal a complicar o seu efeito. Podem fazer isto aumentando a escala (Lichtenstein, Warhol, e Rosenquist), exage­rando ou complicando a forma, a cor, a textura dos objetos (Oldenburg, Dine). Uma vez que os objetos escolhidos de alguma maneira devem ser banais, os novos artistas têm sido acusados de nostalgia por coisas infantis, um efeito que é aumentado pela candura mais simples com que eles nos apresentam esses objetos. Mas eles apelam propositadamente ao nosso gosto pelas coisas simples da vida, lembrando o espírito mas não os fatos do apetite da criança, exatamente pelas mes­mas razões que fizeram uma geração anterior de pin­tores voltar-se para a arte infantil, em busca da retidão e da intensidade das percepções da criança. As ma­neiras pelas quais esses artistas fazem os objetos fun­cionar ambígua e indeterminadamente lembram uma época primitiva da história do homem, em que espíritos escondiam-se em cada panela, encantando os objetos, fazendo-os moverem-se ou quebrarem-se, matando mesmo, ou curando. Lembramo-nos aqui de Picasso (de quem, em grande parte, origina-se esta idéia), da sua vontade de acreditar que quadros pudessem algum dia realizar novamente milagres. Para os novos artis­tas, os objetos possuem realmente poderes e atributos misteriosos, novas e estranhas espécies de beleza e, mesmo, sexualidade.

Os motivos que esses artistas dão para se apre­sentarem não poderiam ser mais simples, mais fortes, ou oferecidos com mais boa fé. Querem que partici­pemos do seu prazer e da sua excitação em sentir e

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em ser, de maneira inquestionbel e otimista. A sua preocupação com a qualidade da experi6ncia e com a condiçlo humana reflete um otimismo que contruta absolutamente com a desconfiança que qualquer apelo à nossa intuiçlo e às correntes mais profundas de nos­sos sentimentos parece sempre provocar em nós. Es­taremos, talvez, com medo de diminuir nossas defesas e deixar que a vida se transforme em Arte? O pro­blema parece afetar a segurança de nossos valores mais caros. O artista contemporlneo está nos arrutando atrav& de uma revolução estética de enormes ramifi­cações no mundo pós-freudiano, em que nossas id6iu fundamentais sobre Arte, beleza, a natureza da expe­ri6ncia, a função dos objetos, tudo deve ser reconsi­derado em termos substancialmente novos. Esta nlo 6 uma aberração menor, um interlúdio que passará com uma mudança de gosto. Esses novos artistas podem estar somente nos apontando o caminho, mas estamos entrando num mundo novo, em que a arte antiga não pode mais funcionar, como acontece com a velha tecnologia. A nova arte pode não tomecer respostas, mas está certamente levantando questões de cujas conseqü6ncias não podemos fugir.

20. A ARTE CONTBMPORANEA E A SITUAÇÃO DO SEU PúBLICO •

Por Leo Steinberg

úo Steinberg � muito conhecido em Nova Yor/c por lflll8 conferlncúu no Metropolitan Mrue11111. Ntueúlo em Mo.JCOu, transferiu-se, juntamente com a frunflia, quando aindt:J criança, para Berlim e Lorulres e, depois da Segundt:J Grarule GIID'Tfl, estabeleceu-se em Nova Yorlc. Este artigo btz#ia-se na pri­meira de uma drie de conferlncúu pronunciodtu �lo Pr� fessor Steinberg no Mrueum of Modern A.rt de Nova Yor/c na primavera de 1960. � Profeuor A.ssociodo de A.rte no Hunter College.

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