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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. O Estado Novo e a emigração: alternativas e propostas Autor(es): Paulo, Heloísa Publicado por: Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/23832 Accessed : 24-Jan-2021 07:16:40 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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este aviso.

O Estado Novo e a emigração: alternativas e propostas

Autor(es): Paulo, Heloísa

Publicado por: Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras

URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/23832

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MÁTHESIS 71998 291-326

o ESTADO NOVO E A EMIGRAÇÃO: ALTERNATIVAS E PROPOSTAS

HELOÍSA PAULO

Portugal é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores "exportadores de gente" do continente europeu. Em 1895, o total de emigrantes atinge um número até então inusitado: 44 7461

• No ano da implantação da República, o número de emigrantes para o Brasil, o destino natural da emigração, chega a 31 280, atingindo em 1912 o seu mais alto nível, 74860. Para uma baixa dos números, ocorrida durante a Primeira Guerra, temos uma recuperação nos anos seguintes, logo que cessam as dificuldades económicas e de comunicação inerentes ao conflito.

Em 1926, a Revolução de Maio não modifica este quadro e uma parte da população portuguesa prefere sair do país a esperar melhores condições de vida do novo regime que se prometem. Do 28 de Maio até o final de 1930 as saídas de emigrantes atingem o número de 167 595, sendo que em mais de 65% dos casos o destino são terras brasileiras2

• Nos anos trinta, a crise económica internacional e a vaga de nacionalismos servem de entrave a maior "sangria". Os valores mais insignificantes, porém, são alcançados nos anos críticos da Segunda Grande Guerra, singularmente aqueles que marcam a entrada do Brasil no conflito.

Na segunda metade dos anos quarenta e na década seguinte, o fluxo emigratório é retomado e os destinos passam a ser gradativamente mais diversificados, acentuando-se a ida para os Estados Unidos, Venezuela e países europeus em detrimento do Brasil que, porém, só nos anos sessenta, deixa de ser "a visão do Paraíso" para os emigrantes portugueses. A actuação do Estado, porém, desde o século XIX, nunca pretendeu acabar com o fluxo emigratório, buscando, todavia, fortalecer os vínculos que ligassem o emigrante à sua terra natal. Esta "rede de emigração" favoreceria o escoamento do

I Sobre o tema, ver, entre outros: ARROTEIA, Jorge Carvalho (1983).

2 Segundo informações do Anuário Demográfico do INE, de 1966, para os anos contabilizados as saídas para o Brasil perfazem o número de 110 012.

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excedente populacional e a entrada das remessas de capitais provenientes das colónias portuguesas radicadas no estrangeiro. Com o Estado Novo, no entanto, este processo ganha uma dimensão mais complexa, extrapolando a esfera mais simples da economia.

o debate em tomo do tema emigração, restrito aos especialistas durante a República, ganha outro fôlego com o novo regime que se impõe a partir de 1926. Além destes, nomes de figuras ligadas ao governo, regionalistas, médicos dos serviços de emigração, jornalistas, e, por outro lado, o próprio Estado, através de organismos oficiais ou da propaganda, equacionam a problemática da emigração em plano de destaque.

Nos Congressos Regionais, o tema gera uma polémica que reflecte a experiência crescente e comum de determinadas regiões. Ocupando o pouco espaço deixado pelo novo clima político para o debate de temas sociais, os congressistas, figuras proeminentes da vida regional, apresentam inúmeras teses, proclamando, em especial, a defesa daquele que pretende emigrar por parte do novo Estado. Vista, agora, como um "mal inevitável", os seus erros são colocados sob a responsabilidade da acção governamental, à qual são pedidas medidas de controlo e protecção, como, em 1929, no Congresso das Beiras:

A emigração como fenómeno social de todos 0.1' tempos, nunca poderá evitar-se totalmente nem atingir o grau de aperfeiçoamento que seria para desejar, mas o que se imp(le e urgentemente deve ser feito, é duma maneira geral:

1.°) Evitar a emigração por famílias de forma que o emigrante fique ligado à sua Pátria por esse vínculo indestrutível.

2. 0) Preparar o emigrante sob o ponto de vista da instrução e educação técnica, de forma a assegurar-lhe o triunfo no País de destino.

3. 0) Proibir desde já a emigração a indivíduos que não sati.\jàçam estas condições.

4.°) Dar vida a obras de assistência que protejam o emigrante desde a saída da Pátria até ao seu regresso3

O emigrante, por sua vez, misto de "vítima" e de "herói", adquire um perfil singular, similar ao papel de destaque, como "representante da Pátria", que lhe é atribuído pelo discurso oficial:

3 "A emigração nacional e os meios de a combater", Dr." Urânia de Bastos Leite Braga, in : DIAS, Jaime Lopes (org.). IVO Congressos e Exposição Regional das Beiras. Relatórios, Sessões, Teses, Exposição e Imprensa, Castelo Branco, Governo Civil, 1931, p. 382.

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o emigrante que sai de saco às costas por esse mundo de Cristo, eJ.posto a todos os riscos, sujeito aos maiores sacrijicios e a todas as doenças, no desempenho duma missão necessária, é um soldado da Pátria, que esta di.\pensa porque não pode proporcionar-lhe em si uma luta condigna. Deve-lhe a Pátria, por isso, toda a protecçã(/.

A emigração é uma realidade inevitável. No Boletim de Emigração, do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração, a questão é avaliada a nível europeu, e editoriais, como "Valorização das nossas possessões pelo braço branco nacional ,,5, "A crise na emigração,,6 e outros, destinados ao público em geral e a especialistas, dão a conhecer a preocupação da grande maioria dos países europeus com as sua colónias de emigrantes no Novo Mund07

, Nos jornais, alguns nomes, como Nuno Simões8

, chamam a atenção para o problema, nomeadamente a necessidade da existência de um "plano de valorização e defesa" do emigrante9

• No Diário de Notícias, de Lisboa, a imagem do emigrante, o "brasileiro" em especial, merece destaque e os factos que marcam a vida da colónia portuguesa no Brasil são noticiados constantemente neste periódico 10.

Alguns nomes, sobretudo os de médicos ligados à Assistência aos Emigrantes, também realizam palestras e comunicações sobre o tema em Congressos e encontros científicos. Um exemplo é a comunicação

4 CRESPO, José Gômes de Almeida. Aspecto Sanitário da Emigração no Minho. Tese apresentada ao II Congresso Municipalista Minhoto, Viana do Castelo, Agosto de 1929, Coimbra, Coimbra Editora, 1930, p. 23.

5 Boletim de Emigração, Ano XI, Janeiro a Dezembro de 1930, n." 1 a 4, Lisboa, Imprensa Nacional, 1931, p. 1 e seguintes.

6 Boletim de Emigração, Ano XIII, Janeiro a Dezembro de 1932, n." 1 a 4, Lisboa, Imprensa Nacional, 1932, p. 1 e seguintes.

7 Há um destaque especial para as medidas tomadas pela Itália com relação aos emigrantes, denominados de "italianos ausentes". Ver, entre outros: Boletim de Emigração, Ano VIII, Janeiro a Junho de 1927, n." 1 e 2, Lisboa, Imprensa Nacional, 1928, p. 11.

8 Nuno Simões é jornalista, possuíndo diversos trabalhos sobre a temática da emigração.

9 Ver: "O problema da emigração e a oportunidade de lhe procurar soluções", Primeiro de Janeiro, 1932, citado em O Brasil e a emigração portuguesa, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934, ps. 12, 13, 14 e 15 (notas).

10 Ver a coluna dedicada aos ''Portugueses do Brasil", nomeadamente no Diário de Notícias, 1934.

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sobre Emigração Portuguesa, apresentada pelo Dr. Manuel da Rocha Páris no Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, realizado em 194211 . Para este ex-médico-inspector a bordo, os portugueses emigram "por ambição", "para pagarem dívidas contraídas", "para viverem de rendimentos", ou porque "se aborrecem da sua terra"l2, sendo, por regra, pequenos proprietários, pois "o verdadeiro pobre não emigra"l3. O autor defende a emigração individual, já que a saída de famílias priva "a Nação do seu trabalho e da ajuda financeira que lhe mandariam se algum deles permanecesse em Portugal,,14. O ideal, porém, retomando a tónica colonial, seria a ida para as colónias, "a esperança de Portugal,,15.

Na verdade, a emigração é encarada como um dado incorporado na realidade portuguesa, tendo, no entanto, uma alternativa e uma outra "proposta preferencial" de opção. No primeiro caso, sem dúvida, a grande saída para a problemática emigratória é o desvio dos emigrantes para as colónias de África, tema central defendido pelo discurso oficioso e oficial, sobretudo na década de cinquenta.

A ida para as colónias é vista, no mesmo Boletim de Emigração, como "um deslocamento de forças, que vão empregar-se em outro ponto da mesma nação,,16. Nuno Simões, já citado, insiste na "nacionalização" da África portuguesa 17. Em 1940, nas telas dos cinemas portugueses, a película de António Lopes Ribeiro, Feitiço do Império, mostra ao público cenas rodadas na Guiné, Angola e Moçambique, extraídas dos documentários realizados pela Agência Geral das Colónias. Na propaganda oficial destinada ao candidato a emigração, o problema da ocupação das colónias africanas surge mais tarde. Um folheto intitulado Informações Úteis para quem deseje

II A comunicação fora escrita em 1938 e actualizada para a sua apresentação no referido Congresso. Ver: "Esclarecimento Prévio", in : PARIS, Manuel da Rocha. A Emigração Portuguesa (Aspectos), Porto, s.e., 1944.

12 ' • PARIS, Manuel da Rocha. op. ctt. , p. 6.

13 PÁRIS, Manuel da Rocha. op. cito ,p. 6. 14 ' PARIS, Manuel da Rocha. op. cito ,p. 7. 15 ' PARIS, Manuel da Rocha. op. cito , p. 20.

16 NORONHA, Francisco de Melo. ''Portugal e a emigração", in : Boletim de Emigração, Ano X, Janeiro a Dezembro de 1929, n.o I a 4, Lisboa, Imprensa Nacional, 1930, p. 6.

17 "O problema da emigração e a oportunidade de lhe procurar soluções", Primeiro de Janeiro, 1932, citado em O Brasil e a emigração portuguesa, Coimbra, Imprensada Universidade, 1934, ps. 12, 13, 14e 15 (notas).

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emigrar, indaga, em 1958, ao seu suposto leitor:

se alguém pretende deixar a sua terra para melhorar as condições de vida de que desfruta, porque não procura tornar-se COLONO em vez de EMIGRANTE? Porque não lança primeiro as vistas para as nossas províncias ultramarinas, e.lpecialmente ANGOLA e MOÇAMBIQUE? Quantos, deste modo, tem alcançado o bem estar e, até, a fortuna, sem, para isso, precisarem sair do território português/S.

Como "proposta preferencial ", no entanto, o Brasil, a antiga colónia, surge como uma escolha natural do emigrante português para a sua empreitada. No mesmo folheto citado, uma afirmação complementa a argumentação, deixando entrever a importância da imagem da ex-colónia, possuidora da melhor e maior colónia portuguesa no estrangeiro:

Mas os que não estiverem interessados em ir para o Ultramar ou não reúnam as condições exigidas para tal, devem pensar primeiramente no BRASIL, cuja língua e costumes são os nossos e onde vive já grande número de portugueses, para muitos dos quais a Nação-Irmã tem sido bastante pródiga em bem estar e riqueza/9

Durante todo o periodo desta fase do governo de Salazar, 1930 a 1960, apesar do esforço pró-colonial, o Brasil continua a ser a grande saída. De resto, este é o destino preferencial para a emigração portuguesa apontado pelo próprio regime.

A PRÁTICA LEGAL: A LEGISLAÇÃO DO REGIME EM RELAÇÃO À EMIGRAÇÃO.

Na esteira desta polémica, o Estado Novo, tal como o regime de Mussolini, vai atribuir ao emigrante um novo estatuto, assumindo, desta forma, o papel "paternalista", tão reclamado ao Estado por regionalistas, jornalistas e pelos próprios emigrantes. A emigração, não sendo coibida, salvo por periodos curtos de temp020, passa a ser

18 JUNTA DE EMIGRAÇÃO, InformaÇfjes Úteis para quem deseje emigrar, Lisboa, Junta de Emigração, 1958, p.2.

19 JUNTA DE EMIGRAÇÃO, op. cit, p.1.

20 Como em 1929, com a crise económica no norte do Brasil e em 1948, no período que antecede a formalização da Junta de Emigração.

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alvo de cuidados especiais por parte do governo, que visa, para além do controlo formal já citad021

, a formalização de laços mais profundos de reciprocidade entre o emigrante e o novo regime. A vinculação permanente a Portugal das colónias radicadas no estrangeiro constituía, desta forma, uma das possibilidades de apoio ao Estado Novo e uma possível garantia, no futuro, da sua própria defesa e continuidade. A acção dos emigrantes portugueses nos países de emigração, deveria contribuir, portanto, para a manutenção da imagem da nova "Nação" propagada pelo regime.

Os mecanismos oficiais e oficiosos empregues buscam condições para o estabelecimento de um diálogo, incentivador da manutenção do contacto entre o emigrante e o país, que levasse as comunidades portuguesas no exterior a aderir e defender os pressupostos do salazarismo. Esta "troca de olhares", no entanto, implica o estabelecimento, por parte do Estado, de duas frentes de acção, uma legal e outra diplomática. A actuação legal do regime, encontra-se expressa no conjunto legislativo regulador do processo emigratório, que retoma os pontos básicos do Regulamento Geral dos Serviços de Emigração do período republicano. Uma nova leitura deste texto resulta no aperfeiçoamento gradativo, no decorrer de uma legislação promulgada através dos anos, de normas relativas ao regime de emigração e à protecção das condições de partida do emigrante22

• A frente diplomática, "oficiosa", é levada a cabo pelos representantes diplomáticos, que actuam junto às colónias, cumprindo as instruções detalhadas do governo de Lisboa, coibindo as oposições e favorecendo as manifestações favoráveis ao regime.

Antes de mais nada, é preciso, saber quem parte, quem volta e

21 Em 12 de Dezembro de 1927, este controlo reaparece na Portaria n.O 6 535, que regula a expedição de passaportes dos menores, fixada a idade de 21 anos para limite e do sexo masculino, somente fornecidos quando viajassem com os pais ou tutores visando, alegadamente, atender às queixas dos diversos consulados na América com respeito ao abandono, nos cais, de menores emigrantes. Portaria n.o 6535, de 12 de Dezembro de 1929, in: Diário do Governo, La série, n.O 286, p. 2512.

22 No Regulamento são previstas as diversas etapas do processo emigratório, reguladas as condições de embarque, dos contratos de trabalho, das cartas de chamada, das agências de emigração e das passagens, e do fundo de emigração, e organizados os serviços gerais que abrangiam a repatriação e o serviço diplomático em relação à assistência ao emigrante. O seu texto complementa o anteriormente exposto no Decreto 5624, de 10 de Maio de 1919, que cria o Comissariado Geral dos Serviços de Emigração.

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quais são os vínculos reais que ligam ou impedem a vinculação do emigrante à sua terra natal. Neste contexto, são inúmeros os decretos que demonstram a preocupação do regime em inspeccionar aquele que embarca, realizando uma triagem cada vez mais qualitativa do emigrante. A preocupação com o tipo de emigrante que sai e a sua boa qualificação para o trabalho é uma constante, também, na correspondência e recomendações consulares, denotando o cuidado na manutenção da abertura de determinados países, mormente o Brasil, para a entrada de emigrantes portugueses.

Quem embarca e como parte? Em 1927, o Decreto n.o 13 620, de 28 de Abril, apresenta os

motivos de impedimento para o embarque, uma lista que engloba a "falta de saúde e robustez", as moléstias infecciosas, as deficiências físicas, como a cegueira e a mudez, e males menores, como a sarna e os piolhos. Um dado contraditório é a proibição do embarque de mulheres em estado adiantado de gravidez, já que o mesmo decreto prevê o atendimento às parturientes23 . A assistência e o exame médico, prevista no Decreto n.o 13213, de 4 de Março do mesmo ano, vai seleccionar os mais capazes, sendo garantida a restituição da importância paga pelo bilhete e pelas dispensas, por parte dos agentes de viagem, aos considerados incapacitados24. Este último decreto, havia regulado a assistência ao emigrante a bordo dos navios estrangeiros, estabelecendo normas para as condições de transporte dos emigrantes. Estas deveriam visar a manutenção do "estado de saúde e robustez que lhes é exigido pelos climas para que vão ,,25 e as condições necessárias para que estes possam "angariar a vida no estrangeiro com probabilidade de êxito,,26. Durante a viagem, a lei prevê condições aceitáveis de alojamento, nomeadamente no que toca às condições de higiene e de assistência, com instalações adequadas, com dormitórios e casas de banho separados por sexo, refeitórios cobertos e a presença de pessoal português nos serviços de bord027. Da mesma forma, são estipuladas

23 Tabela A, anexa ao Decreto 13 620, de 28 de Abril de 1928, in : Diário do Governo, La série, n.o 100, 17 de Maio de 1927, p. 774.

24 Artigo 34.° do Decreto n.o 13 213, de 4 de Março de 1927, in : Diário do Governo, La série, n." 44, p. 288.

25 Preâmbulo do Decreto n." 13 213, de 4 de Março de 1927, in : Diário do Governo, La série, n." 44, p. 285.

26 Artigo 29 do Decreto n." 13 213, de 4 de Março de 1927, in : Diário do Governo, La série, n." 44, p. 287.

27 Capítulo III, Dos Alojamentos de Bordo. do Decreto n.o 19 029, de 13 de

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rações diárias para o emigrante, e uma especial atenção para com as crianças menores de cinco anos, para as quais é requerido o fornecimento de leite e farinhas. O relato de um médico de bordo denuncia, porém, as condições difíceis do seu trabalho, já que "tem de tudo resolver e decidir, e a tempo, pois tem sob a sua responsabilidade de médico e de homem a vida de muitos, que se poderá perder se não actuar como deve no momento oportuno,,28.

Como o emigrante é a "imagem" da "Nação", a sua preparação para o embarque não se restringe à manutenção da boa saúde. Há que exigir do emigrante o mínimo de requisitos intelectuais e, recuperando a matriz implantada pela República da educação primária, o regime realiza diversas tentativas, para que o português emigrante não seja o representante de um país marcado pelo analfabetismo e pela não formação técnica29. Tal preocupação, é o pano de fundo do Decreto n.O 16 782, de 27 de Abril de 1929, que interdita a emigração aos "indivíduos de mais de 14 anos que não provem ter obtido o certificado de passagem da 3a para a 4a classe,,3o. Longe de "criar um novo estímulo para a educação popular,,3l, como afirma o Decreto n.o 21 349, que, em 1932, suspende o decreto anterior, o principal objectivo do Estado é evitar "tudo quanto possa contribuir para o desprestígio da Nação,,32. Daí, o combate ao analfabetismo entre os emigrantes, pois "prejudica o bom nome do País, já pela degradante ignorância que vão ostentar em terras estranhas, já por não poderem exercer geralmente senão as profissões mais humildes,,33. Tal predisposição por parte do regime não

Novembro de 1930, in : Diário do Governo, I.a série, n." 265.

28 Esta é a apreciação de um médico consciente da sua posição, o que não pressupõe uma regra geral. COITO, Felisberto Matos Fernandes. "Serviços Médico­Sociais para emigrantes", Separata da revista O Médico, n.O 69, Porto, 1952, p. 7.

29 São comuns os pedidos de providência, por parte dos próprios emigrantes, para que sejam tomadas medidas que limitem a ida de portugueses analfabetos para o estrangeiro, mormente pela colónia radicada no Brasil. Ver, entre outros, "Proposições do Centro Português 1.0 de Dezembro de Pelotas" (Rio Grande do Sul), in : Actas do Primeiro Congresso dos Portugueses do Brasil, Rio de Janeiro, 1931, p. 164.

30 Preâmbulo do Decreto n.O 16 782, de 27 de Abril de 1929, in : Diário do Governo, I.a série, n.O 95, p. 1047.

31 Preâmbulo do Decreto n.O 21 349, de 13 de Junho de 1932, in : Diário do Governo, I.a série, n.o 136, p. 1073.

32 Preâmbulo do Decreto n.o 16 782, de 27 de Abril de 1929, in : Diário do Governo, I.a série, n." 95, p. 1047.

33 Preâmbulo do Decreto n.o 16782, de 27 de Abril de 1929, in : Diário do

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encontra, porém, viabilidade no quotidiano de uma emigração sempre crescente, sendo o referido Decreto posto de parte e suspenso sucessivamente nas décadas de trinta e quarenta34

• O Anuário Estatístico de 1941 evidencia uma realidade bem diferente da idealizada, ao assinalar para aquele ano a entrada de 607 emigrantes analfabetos no Brasil, cerca 1/4 do seu total35

, apesar das disposições legais contrárias em ambos os países.

Na década de cinquenta o aval de reconhecimento para a melhoria do nível cultural do emigrante é uma declaração de alfabetização, feita pelo próprio, com o reconhecimento da Câmara Municipal, excepto para os menores de 14 anos, maiores de 35 anos, menores ou mulheres sob a tutela de familiares ou acompanhando os maridos. A partir de 1 de Janeiro de 1955, a disposição é aprimorada pela exigência formal do exame da 3.a classe do então ensino primário elementar.

Cada emigrante que parte deixa atrás de si, em geral, laços que o regime busca reforçar, garantindo, assim, a sua vinculação à terra natal. Muitos dos que emigram, deixam família nas aldeias, quando não são mulheres e filhos, são pais, ou outros familiares. Os que deixam bens, em geral deixam família36

• O Estado Novo vai procurar, por via legal, a formalização da obrigação do emigrante para com o agregado familiar deixado em Portugal, vinculando a família por meio de obrigações legais. Para tal, a partir da segunda metade da década de quarenta, na documentação expedida pela Junta de Emigração, passa a ser requerido dos emigrantes um documento, passado frente a um notário, no qual outro se responsabiliza pela manutenção da família, com a concordância dos referidos familiares. No modelo fornecido pela Junta, são estabelecidos os termos da responsabilidade assumida e fixada, "tão-somente para efeitos de alimentos provisórios", uma quantia mensal a ser entregue à família pelo responsável no país, que deve, também, apresentar provas de bens e de idoneidade moral, confirmadas pela Câmara Municipal a que

Governo, La série, n." 95, p. 1047.

34 Ver decretos n." 28331, de 29 de Dezembro de 1934; n." 27 851, de 13 de Julho de 1937; n". 29 980, de 17 de Outubro de 1939 e n°. 31 650, de 19 de Novembro de 1941.

35 Anuário Demográfico, Lisboa, lNE, 1941, p. 329.

36 As estatísticas do ano de 1941, por exemplo, apontam para números semelhantes entre aqueles que deixam família, cerca de 859, e aqueles que deixam bens, 875. Ver: Anuário Demográfico, Lisboa, lNE, 1941.

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pertencessem37. E como manter ou reforçar os vínculos daqueles que partiram? É

necessário, antes de mais nada, acabar com os possíveis entraves legais que possam impedir o emigrante de retomar a Portugal, como no caso dos refractários. Em Março de 1927, o Decreto n° 13 367, afirmando o perigo da eminente "desnacionalização,,38 dos que "fugiram" à tropa, já que receiam voltar a terra natal, estabelece o pagamento de taxas que possibilitam a regularização da situação dos "ilegais,,39. As taxas são pagas nas agências consulares, divididas em prestações, de um ano, ou com o desconto de 1 0% se quitadas a pronto. No entanto, o seu preço e a falta de acolhimento da medida na colónia leva o regime a uma espécie de "concessão" para aqueles que escapam ao seu pagamento40

• Em Fevereiro de 1932, o Decreto n.o 20874, autoriza o refractário a entrar e permanecer em Portugal durante 180 dias sem estar sujeito a nenhum tipo de sanção por parte do Estado41

Tais medidas, contudo, não serão de pleno agrado dos emigrantes e suscitam protestos dos mais variados e pedidos de revisão da matéria, sobretudo entre os portugueses no Brasil. Em 1936, uma nova legislação parece pôr fim ao problema. O Decreto-Lei n.O 35 983, de 23 de Novembro de 1936, prevê a possibilidade do pedido de adiamento do serviço militar pelos emigrantes junto das autoridades consulares, ou ainda, o pagamento das taxas militares, pagas a dobrar nos consulados, por aqueles que possuíssem entre 27 e 42 anos, limite de idade que isentava o emigrante de qualquer obrigação militar42

Ainda em 1927, o Decreto n.o 14649, de 6 de Dezembro, reforça a possibilidade de manutenção de tais vínculos com a oficialização pelo Estado de duas escolas primárias oficiais para emigrantes, uma

37 Ver modelo 10, ''Escritura para manutenção da família", in : JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Instruções para as Câmaras Municipais, Porto, Junta de Emigração, 1959, P. 70.

38 Decreto n." 13 367, de 28 de Março de 1927, in : Diário do Governo, La série, n.O 65, p. 472.

39 Tal decreto não abrangia os "desertores". Ver artigo 1.0 do Decreto n.o 13 367.

40 Para o Brasil o valor a ser pago pelo emigrante refractário é estipulado em 1.000$00 réis, cerca de dez vezes o ganho mensal de um operário no período.

41 Artigo 1.0 do Decreto n.O 20874, de 12 de Fevereiro de 1932, in : Diário do Governo, La série, n." 36.

42 A taxa calculada para 1957 é de 1.000$00 escudos, cerca de 5.000 cruzeiros, para o valor cambial da época, no caso do Brasil, equivalente ao salário mínimo brasileiro pago para as regiões do sudeste: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

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em Fall River, Massachusetts, Estados Unidos, e outra no Rio de Janeiro, Brasil, "considerando que lhe incumbe igualmente patrocinar as escolas já fundadas em algumas Colónias, fortalecendo assim os laços que as prendem à Mãe Pátria,,43.

Um outro dado a considerar é o retomo dos emigrantes que "fracassaram" na sua tentativa e que, por esta razão, já não contribuem para uma imagem idealizada dos portugueses como emigrantes de sucesso. Tal facto é constatado quando da decadência da produção de borracha na região do Pará no Brasil44, e na década de trinta, marcada pelos grandes abalos e transformações económicas advindas da crise internacional com a queda da Bolsa em Nova Iorque e com a retracção de capitais e investimentos que lhe sucede. O recurso do Estado a um Fundo de Repatriação, criado pelo Decreto n.o 13 213, de 4 de Março de 1927, passa a ser constante nestes períodos45. Para além deste, dois outros decretos, ambos de 1930, que cuidam das condições do transporte em navios nacionais46

, tratam, em especial, da assistência aos retornados47 . Nestes decretos, o conceito de emigrante denuncia o factor económico inerente à sua condição, pois a definição daquele que emigra está vinculada à sua situação de viajantes de 3: classe ou 2.a classe48

, como já estava estabelecido no Regulamento Geral dos Serviços de Emigração, de 1919.

Por fim, é preciso saber como são as colónias, quem são os portugueses dispersos nos mais diferentes pontos do planeta, quais as possibilidades do Estado Novo em se "fazer ouvir" e através de que meios.

A realização do levantamento da colónia no estrangeiro é uma

43 Preâmbulo do Decreto n.o 14.649, de 6 de Dezembro de 1927.

44 Ante o problema, o governo proíbe a emigração para o Estado do Pará, no Brasil. Portaria n.o 6 186, de 3 de Junho de 1929, in : Diário do Governo, La série, n." 124.

45 Este fundo de repatriação é mantido com a taxa paga pelo emigrante pelas despesas com o certificado de vacinas e saúde e com a receita das multas cobradas aos navios infractores. Ver Capítulo V do Decreto n." 13 213 : Diário do Governo, La série, n." 44, p. 288.

46 Decreto n." 19029, de 13 de Novembro de 1930.

47 Decreto n." 18085, de 13 de Março de 1930.

48 Artigo 2.° do Decreto n." 18 085, de 13 de Março de 1930, in : Diário do Governo, La série, n.O 59, p.470; e Decreto n." 19029, de 13 de Novembro de 1930, in : Diário do Governo, La série, 11." 265.

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necessidade para o estabelecimento de boas relações. Em Junho de 1934, o Estado Novo, traça as normas para um inquérito destinado ao "conhecimento, tanto quanto possível exacto e actualizado, do número, condição e situação dos portugueses residentes no estrangeiro [ ... ] a fim de que aqui se saiba, sempre, documentada e minuciosamente, como vivem os nossos nacionais, fora de Portugal,,49. Os items do referido inquérito, no qual constam a relação das escolas portuguesas, das agremiações ou associações e a sua influência em termos da colónia, e um estudo comparativo entre esta e as demais colónias de estrangeiros radicadas no país inquirido, visam traçar um quadro da organização da comunidade emigrante e dos seus mecanismos de sociabilidade.

No ano seguinte, em 1935, na reformulação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é dado especial relevo à figura das colónias portuguesas no estrangeiro, as quais o Estado deve "cultivar", "não só o seu natural espírito de nacionalismo", "mas o sentimento de solidariedade que existe entre os seus membros e a ideia de que, filhos de uma grande Nação, continuam presos aos seus interesses, obrigados a fazê-los valer através da sua actividade em terras estranhas,,5o. No mesmo Decreto, é previsto como uma das tarefas da Repartição dos Negócios Políticos do citado Ministério a proposição de "providências necessárias para manter em alto nível o patriotismo dos portugueses residentes no estrangeiro,,51. Para um possível maior controlo das colónias, é prevista, ainda, a criação de uma Comissão de estudos relativos às colónias de portugueses no estrangeiro"52.

A legislação, portanto, compõe uma primeira parte do painel de controlo do Estado em relação à comunidade emigrante, onde se busca, a nível discursivo, ressaltar como única preocupação do Estado, o "bem-estar" do português que emigra. Aprimorando ou reforçando o conjunto de leis já existentes, o regime procura, desde os

49 Circular destinada a todos os consulados de Portugal, 20 de Junho de 1934, M.N.E., Armário II, Maço 440.

50 Ponto 5 do Relatório anexo ao Decreto n." 26 162, de 28 de Dezembro de 1935, que cuida da reformulação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, in : Diário do Governo, La série, n." 302,28 de Dezembro de 1935, p. 1934.

51 Item 4 do Artigo 28.0 do Decreto n." 26162, de 28 de Dezembro de 1935, in: Diário do Governo, I.a série, n.o 302, 28 de Dezembro de 1935, p. 1941.

52 Artigo 70." do Decreto n.o 26 162, de 28 de Dezembro de 1935, in : Diário do Governo, La série, n.o 302, 28 de Dezembro de 1935, p. 1947.

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inícios da sua implantação, acabar com os possíveis entraves ao seu bom relacionamento com as comunidades portuguesas no estrangeiro. A política do Estado Novo em relação à emigração não sofre grandes alterações nos anos trinta e no início da década de quarenta, mesclando uma visão positiva do emigrante, a acção tutelar do Estado e um "discreto" incentivo ao fluxo emigratório. Em 1944, por exemplo, na definição extensa de "emigrante", o Decreto n.o 34 33053, alarga a condição de "emigrante" aos parentes daqueles que já se fixaram no exterior, fornecendo-lhes assim regalias especiais como a da redução no custo do passaporte54, estimulando, desta forma, a continuidade da saída dos seus excedentes populacionais.

Com o final da guerra, medidas mais formais, como a aplicação de uma massa significativa de investimentos nas áreas de Angola e Moçambique, buscam a concretização de uma alternativa colonizadora. Tal política, no entanto, parece não ter alcançado grandes resultados, já que o montante oficial de saídas para o estrangeiro, se comparado com o índice do ano anterior, aumenta em 50%. Em 1947, a emigração é suspensa por sete meses, alegando o governo a necessidade de dar "protecção devida aos emigrantes" e defender "os interesses económicos do País e a valorização dos territórios do ultramar pelo aumento da população branca,,55. Após esta suspensão, e neste mesmo ano, temos a criação da Junta de Emigração, que possui como fim primordial o reforço dos laços entre o contingente que embarca e o regime que perdura em Portugal. Para além disto, a Junta da Emigração representa uma tentativa a mais por parte do Estado de controlar a saída de emigrantes, buscando o seu aliciamento e um possível deslocamento do eixo de emigração do estrangeiro para as colónias portuguesas em África.

Nos anos cinquenta, novas tentativas são realizadas no sentido de se desviar os emigrantes para o território colonial português através do investimento de capitais destinados à implantação de colonos em

53 São designados por emigrantes "os portugueses que pretendem sair do território nacional para trabalharem em país estrangeiro", as mulheres de emigrantes e os seus parentes por consanguinidade até ao 3" grau. Decreto-Lei n." 34 330, de 27 de Dezembro de 1944, Diário do Governo, 27 de Dezembro de 1944, l.a série, n." 286, p.1320.

54 Segundo o Decreto-Lei n.o 33 917, de 5 de Setembro de 1944, o custo do passaporte para emigrantes é cinco vezes menor do que para os passageiros comuns.

55 Preâmbulo do Decreto-Lei n.o 36 199, 29 de Março de 1947, in : Diário do Governo, r: série, n." 72.

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Angola e Moçambique56• Paralelamente, o Estado continua a defender

a emigração, incentivando as partidas para o exterior, nomeadamente o Brasil, e a fortalecer os laços que criara com as colónias portuguesas no estrangeiro.

o ESTADO COMO ''ENGAJADOR'': O PAPEL DA JUNTA DE EMIGRAÇÃO.

Emigrar é um "sonho" trabalhoso e o principal destino escolhido, o Brasil, como "árvore das patacas", exige um certo investimento. Em 1934, o custo da passagem mais barata entre Lisboa e o Rio de Janeiro em 3.a classe, sem camarote, é de 1 300$00 numa companhia brasileira, o Lloyd Brasileir057

, fora uma taxa de embarque de 5$00 e um imposto de 5% do valor da passagem instituído a partir deste ano. Além disso, os agentes de viagem cobram taxas que variam de 80$00 a 160$00 por pessoa, o que por vezes, acrescido do custo da documentação, eleva o preço da passagem para a ordem dos 2 000$00. Neste mesmo período o salário médio agrícola ronda os 7$70 diários para os trabalhadores masculinos58

• Nos anos quarenta, o preço de uma passagem para o Brasil, em 3a classe é de 2 000$00, não contando com o valor do impost059

• Os salários, porém, continuam baixos, sendo em 1944, a média do salário dos jornaleiros de 216$00 mensais para a região de Trás-os- Montes60

, enquanto uma empregada de comércio em Lisboa ganha cerca de 200$0061

• Por outro lado, na década de cinquenta, uma viagem de navio, em terceira classe, como

56 O Decreto n. o 38 200, de 10 de Março de 1951, autoriza o governo a habilitar em cada ano o Ministério das Colónias com uma dotação destinada a fomentar o povoamento do Ultramar e estender as relações deste com a Metrópole.

57 Num navio português da Companhia Nacional de Navegação, o camarote na terceira classe, atingia o preço máximo de 1 685$00, sendo o salário de um professor liceal de 1 500$00. Ver: Boletim de Emigração, Lisboa, Ministério do Interior, ano 14, 1933, Lisboa, Imprensa Nacional, 1934, e ROSAS, Fernando. "Comerciantes e funcionários", in : ROSAS, F. (org.). História de Portugal, volume 7, Lisboa, Editorial Estampa, 1994, p. 107.

58 ROSAS, Fernando. "A grei agrária", in: ROSAS, F. (org.). op. cit, p. 53.

59 O Comércio do Porto, Anúncio publicitário da Companhia Nacional de Navegação, 3 de Julho de 1940, p. 6.

60 Sobre o tema ver: ROSAS, Fernando. "A grei agrária", in : op. cito p. 55-56.

61 Diário de Notícias, Lisboa, em 8 de Agosto de 1940, Anúncio de emprego para o comércio. p. 6.

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cabe ao emigrante, fica por 9 400 cruzeiros, perto de 1 850$00 escudos, o equivalente a cerca de seis vezes o salário de um trabalhador de baixa renda em Portugal. Os passaportes, por sua vez, são fornecidos pela Inspecção Geral dos Serviços de Emigração e, posteriormente, pela Junta de Emigração. Para tal, são pagas taxas que variam conforme o tipo de passaporte, individual ou familiar, sendo o segundo mais em conta no caso da viagem em família, e o do emigrante mais barato que o passaporte ordinário. Fora este documento, é necessário um certificado de saúde e vacinas, igualmente pago, e, sem o qual, lhe é vetado o embarque. A sua saída, por fim, é supervisionada pelos agentes da Polícia Internacional, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, PVDE, a partir de 1933, ou a Polícia Internacional de Defesa do Estado, PIDE, após 1945. Aliás, esta ainda é responsável pelo atestado de boa conduta, necessário para todo aquele, maior de dezoito anos, que pretendesse emigrar.

Quem emigra, portanto, longe de ser o proletariado rural desprovido da posse da terra do Alentej062, é originário das Beiras, do Minho e de Trás-as-Montes, realçando-se, entre todos os distritos, os de Viseu, Aveiro, Porto, Bragança, Braga, Guarda, Vila Real e Funchal. Muitos dos bilhetes são obtidos por empréstimos, com juros que variam de 15% a 20%, e realizados em troca de hipotecas sobre as terras, passíveis de serem resgatáveis, assim que as "patacas" caíssem das árvores para as mãos dos emigrantes63

• Para os que possuem as passagens pagas no destino é necessário, ainda, a apresentação de comprovantes que atestem a ligação do emigrante ao seu chamador e a capacidade deste de assumir a responsabilidade da sua manutenção no país de emigraçã064

Para vencer estas barreiras, o candidato a emigrante poderia recorrer aos agentes de viagem, com licenças obtidas junto do Estado, ou ainda, aos "engajadores", cuja actuação, nem sempre legal, leva à acção punitiva do governo. O Decreto n.o 20326, de 21 de Setembro de 1931, fixa sanções para os "engajadores", aplicando uma multa de 5.000$ àquele que "auxiliar a saída de emigrantes clandestinos ou

62 Sobre o tema, ver ROSAS, Fernando. "A grei agrária", in : ROSAS, F. (org.) op. cit., p. 52 e seguintes.

63 Dados retirados do ''Relatório de Diligência de Viagem realizado por um agente de 2." classe dos Serviços de Emigração, 18 de Dezembro de 1926", in : Boletim de Emigração, Lisboa, Ano VII, Janeiro a Dezembro de 1926, 1927, p. 82-83.

64 Decreto n.o 7427, de 30 de Março de 1921, in: Diário do Governo, r." série, n.O 64.

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colaborar conscientemente por qualquer modo na sua fuga por algum ponto da raia espanhola,,65. A sua aplicação corre por conta da polícia de fronteira, passando, a partir de 1945, a ser atribuição da PIDE66. O valor da multa aplicada, significativo para a época de sua instituição, permanece inalterado em 1954, quando o decreto é revogado e seu conteúdo incorporado no Decreto n.o 39 749, de 9 de Agosto de 1954,

i' I / - 67 que relormu a este orgao repressor . Além disto, é preciso o mais importante, a "carta de chamada", ou

a prova do contrato de trabalho, sem as quais o candidato à emigração não consegue atingir o seu objectivo de forma legal. Os contratos de trabalho, já previstos no Regulamento de 1919, deveriam ser reconhecidos pelo governo português, que ficaria com uma cópia dos textos, e, teoricamente, o contratante era responsável pelo emigrante durante a sua estada no país de emigração. As cartas de chamada, recurso mais comum, são passadas por parentes, até ao terceiro grau, já emigrados e estabelecidos no país de destino. Um outro recurso, são os termos de responsabilidade, só viáveis para o Brasil e a Venezuela, comuns na década de cinquenta, na qual o emigrante já estabelecido se toma responsável pelo recém-chegado, garantido-lhe condições de trabalho e sobrevivência. Esta documentação, no entanto, varia de país para país e sofre alterações de acordo com a política de emigração adoptada pelos países receptores.

Com a criação da Junta de Emigração, tais mecanismos passam a ser controlados por este órgão, assumindo o Estado, de forma definitiva e teórica, a "defesa do emigrante contra as especulações várias de que tem sido fácil vítima,,68. Agindo como uma "agência de emigração", a Junta "chamará a si todas as diligências e formalidades preparatórias do embarque de qualquer emigrante e da formação do

65 Artigo 1.0 do Decreto n." 20 326 de 21 de Setembro de 1931, in : Diário do Governo, La série, n." 218.

66 Artigo 5." do Decreto n." 35 046, de 22 de Outubro de 1945, que cria a Polícia Internacional de Defesa do Estado.

67 O Decreto n.o 39 749, já citado, coloca no mesmo plano, "os emigrantes clandestinos", ":riminosos" ou "incriminados pela polícia portuguesa ". Cfr artigo 12.°, sobre a cooperação dos responsáveis das embarcações com a PIDE na "caça" destes elementos a bordo, Decreto n.o 39749, de 9 de Agosto de 1954, Diário do Governo, 1." série.

68 Preâmbulo do Decreto-Lei n.o 36 558, de 28 de Outubro de 1947, in : Diário do Governo, 1." série, n." 250.

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seu processo,,69. Os pedidos de emigração, apresentados nas câmaras municipais, são encaminhados para este órgão, que providencia a sua aceitação e a formalização da documentação necessária, desde passaportes e licenças de emigração até à marcação das viagens 70. Ele é responsabilizado, ainda, pela regularização e estabelecimento dos contratos de trabalho no estrangeiro, assim como pela remessa dos emigrantes para Portugal.

Como parte de uma espécie de "rede de assistência ao emigrante", são criadas as Casas do Emigrante "destinadas a guiar e proteger os emigrantes chegados da província para o embarque ou, quando necessitem, aqueles que regressarem do estrangeiro com destino às suas terras,,71. Estes "albergues" para emigrantes são administrados pela Legião Portuguesa, encarregada da logística do seu funcionamento. Em 1948, é inaugurada a Casa do Emigrante de Lisboa e, dois anos mais tarde, a do Porto e a de Leça da Palmeira72

Nestes núcleos, por um preço que varia de 25$00 a 47$00, o emigrante tem direito a alojamento e a três refeições diárias. Ao emigrante é facultado o recebimento de visitas, banho diário "gratuito", a lavagem de roupas de uso pessoal, desde que cumpra os horários estabelecidos, pague as despesas, e se comporte de acordo com "as normas da moral e dos bons costumes,,73.

Junto aos membros dos Serviços da Assistência Social da Legião, encarregados do alojamento, da alimentação e do transporte dos emigrantes, actuam, na zona de Lisboa, dois médicos, um inspector e um contínuo. Aos médicos e ao inspector, cabe a tarefa de fiscalização das instalações e da documentação dos alojados, para as quais devem despender, diariamente, no mínimo de uma hora, no caso dos médicos, e de meia-hora, no caso dos inspectores. É através do relato de um destes médicos que temos o acesso a uma visão mais

69 Decreto-Lei n." 36 558, de 28 de Outubro de 1947, in : Diário do Governo, La série, n." 250

70 É atribuição exclusiva da Junta a marcação de viagens para emigrantes na 3." classe dos transportes marítimos. JUNTA DE EMIGRAÇÃO. InstruçiJes Provisórias para as Câmaras Municipais, Lisboa, Ministério do Interior, 1949, p. 10.

71 Artigo 6.° do Decreto-Lei n." 36 558, de 28 de Outubro de 1947, in : Diário do Governo, I.' série, n." 250

72 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós, os emigrante, Lisboa, Ministério do Interior, 1954, p. 38.

73 Item 10, alínea "e" do Regulamento das Casas do Emigrante, Lisboa, Junta de Emigração, 1956, p.l2.

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realista do funcionamento das Casas do Emigrante. Segundo o Dr. Felisberto Matos Fernandes Coito, médico da Junta de Emigração entre 1948 e 1952, em Lisboa, as camaratas da Casa do Emigrante da capital estão "quase atulhadas de camas, com o espaço entre as mesmas mais exíguo, que nos piores barcos,,74, "não há local onde os emigrantes possam estar, além dos pátios que estão sempre ocupados por automóveis,,75, havendo, enfim, "piores condições que na maioria dos barcos em que viajam,,76. Os clínicos não possuem seguer "um pequeno gabinete médico e posto de socorros com material mais urgente,,77 e os serviços "não estão à altura de um serviço de tão grande responsabilidade", sendo o trabalho desenvolvido "em condições higiénicas muito precárias,,7s. Do corpo de assistentes, por fim, a imagem do médico é desabonadora, pois, segundo o seu relato: "do pessoal eventual com veteranos e neófitos ficou-nos a impressão de que actuavam não como forças concorrentes, mas opostas, bastantes vezes ,,79.

Em folhetos informativos, destinados às Câmaras e publicados sob o título genérico de "Instruções Provisórias para as Câmaras Municipais"so, a Junta esclarece sobre as etapas do processo emigratório. Estes são verdadeiros "manuais" para a emigração, já que fornecem as informações e as cópias dos impressos necessários para a iniciação de um processo de emigração. Na visão oficial, a Junta surge como uma "defesa" do Emigrante por parte do Estado, que condena aqueles "que não hesitam em traficar com a vida do semelhante a troco de preços que representam - quantas vezes -tudo quanto possuem!"SI.

A Junta possui, porém, uma publicação oficial periódica, que retoma a função de "guia" do emigrante, representado pelo Boletim de

74 COITO, Felisberto Matos Fernandes. "Serviços Médico-Sociais para emigrantes", Separata da revista·Q Médico, n." 69, Porto, 1952, p. 5.

75 COITO, Felisberto Matos Fernandes. op. cit., p. 4.

76 COITO, Felisberto Matos Fernandes. op. cit., p. 5.

77 COITO, Felisberto Matos Fernandes. op. cit., p. 5.

78 COITO, Felisberto Matos Fernandes. op. cit." p. 4-5.

79 COITO, Felisberto Matos Fernandes. op. cit." p. 3.

80 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Instruções Provisórias para as Câmaras Municipais. Lisboa, Ministério do Interior, 1949.

81 ''Em defesa dos Emigrantes Portugueses", in : Notícias de Portugal, 13 de Novembro de 1948, ano II, n." 80, p. 11.

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Emigração dos anos trinta: o Boletim Anual da Junta de Emigração. Este periódico, além dos dados numéricos referentes às saídas de emigrantes para todo o mundo, fornece informações sobre as características das colónias portuguesas em diversos países. No caso do Brasil, temos dados variados, como os salários e o custo dos bens de consumo de cada região do país, constituindo-se, desta forma, num "guia de rotas" para a emigração.

Na década de cinquenta, a Junta faz incursões variadas, e nem sempre realistas, para o acompanhamento do emigrante até ao ponto de destino. É o caso da tentativa de implantação de um cartão, emitido pela Junta e enviado pelo correio, visando facilitar aos futuros responsáveis pelos menores emigrantes no Brasil a entrada nos navios e a sua localização a bordo, impedindo, assim, o desembarque desacompanhado. O desconhecimento da proibição da entrada de não passageiros em embarcações lotadas em portos brasileiros e os mecanismos de desembarque são os responsáveis pelo "equívoco", registado, de imediato, pelo representante da Embaixada no Rio de Janeiro82. Da mesma natureza são determinados pedidos da Junta que chegam ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, como a solicitação de diligências junto ao governo brasileiro para que sejam dadas aos emigrantes maiores facilidades na alfândega, visto serem frequentes levarem consigo "não só para consumo próprio nos primeiros dias em que ali se encontram, mas para presentearem pessoas de família ou amigos, pequenas quantidades de produtos portugueses,,83. O envio de inspectores ao estrangeiro para a realização de estudos sobre o problema emigratório, já previsto pela circular de 16 de Outubro de 1936 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é , por fim, retomado pela Junta84.

As medidas tomadas pela Junta, ainda que muitas vezes aquém das necessidades reais e sempre marcadamente propagandísticas do regime, confirmam a preocupação do regime em exercer sobre o

82 Em Ofício de 31 de Agosto de 1957, considera-se que a ideia do cartão é "interessante no aspecto teórico mas dificilmente dará, na prática e neste país, resultados diversos dos que se têm verificado até aqui". M.N.E:, 2.° piso, Armário 6, Maço 446.

83 Ofício da Junta de Emigração ao Ministério do Interior, 5 de Fevereiro de 1953. 2.° piso, Armário 52, Maço 66.

84 Ver Ofício da Junta de Emigração ao Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a ida do inspector Hélio Cândido de Athayde e Mello Valença a São Paulo, Brasil, datado de Lisboa, 30 de Outubro de 1953, M.N.E., 2.° piso, Armário 52, Maço 66.

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processo emigratório um hábil controlo. A acção estatal, não coibindo, mas controlando a saída dos emigrantes, contribui para o escoamento de um contingente populacional socialmente marginalizado, de modo que, posteriormente, seja assegurado um retomo "positivo" a bem do regime. Este "retomo" do investimento empreendido pela acção estatal é configurado não só nas remessas de capitais por parte dos emigrantes, mas na possibilidade do estabelecimento de contactos com os núcleos das diversas colónias no estrangeiro, onde busca apoio para a continuidade do regime.

A MENSAGEM DO ESTADO Novo PARA O CANDIDATO À EMIGRAÇÃO.

A acção propagandística do Estado Novo em relação ao emigrante acompanha a própria sedimentação do regime. Em 1934, a emissão do discurso de Salazar para o Brasil é um primeiro passo para o estabelecimento de um diálogo mais constante. É necessário, porém, uma distinção entre este tipo de apelo específico, pois tem um destinatário certo, e um outro tipo de discurso, mais amplo, destinado ao auditório emigrante como um todo. Ambos os discursos possuem, no entanto, como premissas essenciais, o apelo ao nacionalismo e à fidelidade a Portugal, do qual o regime se coloca como defensor.

Num primeiro plano de actuação, destacamos as publicações periódicas destinadas às informações gerais relacionadas com a emigração. O Boletim de Emigração, publicado pelo Comissariado Geral dos Serviços de Emigração, e mantido pelo Fundo de Emigraçã085

, marca um tipo de mensagem que, vinda da República, tem a sua continuidade na década de trinta. Destinado a fornecer informações gerais para quem emigra, como a descrição dos contratos de patronatos de emigrantes, índice de preços das passagens, listagem dos agentes autorizados, possibilidades de colocação para os emigrantes e decretos relacionados com a emigração, oferece uma visão da importância dada ao problema emigratório em Portugal e no estrangeir086

• Para um período posterior, o já citado Boletim Anual da Junta de Emigração cobre a lacuna deixada pela primeira publicação do género.

85 Ver Artigo 129 do Capítulo XIII, do Regulamento Geral dos Serviços de Emigração, Diário do Governo, La série, 19 de Junho de 1919, p. 1632.

86 Item 12.°, do Artigo 36.0 do Decreto n.o 5624, de 10 de Maio de 1919, p. 985.

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Para além destes, encontramos os panfletos de propaganda da Junta de Emigração, destinados a elucidar o emigrante a respeito do processo emigratório. Este órgão, já no final da década de quarenta, possui um intenso trabalho de divulgação informativa e propagandística, que se intensifica dos anos cinquenta em diante. A sua produção inclui folhetos informativos, destinados ao fornecimento de informações para as Câmaras Municipais, já citados, ou ainda outros mais específicos para o público mais geral, como a série intitulada Instruções para uso dos portugueses que desejem emigrar para .... Além destes, temos os discursos directos de propaganda do regime.

Nos panfletos, que reúnem as informações necessárias para a entrada do pedido de emigração na Junta, temos um relato das condições de vida no país de destino, sendo a emigração apresentada, de forma realista, como "um acto sério", uma troca entre o certo e o duvidoso:

EMIGRAR é deixar a Pátria para ir trabalhar ou fixar residência no estrangeiro.

É deixar tudo o que é querido - Pátria, Amigos e velhos hábitos­para começar, longe, vida diversa e árdua.

É trocar, por vezes, uma situação definida e alcançada depois de muita canseira - modesta sim, mas calma - por outra, cheia de incertezas e de lutas, ou, até, por ilusões e sonhos que nunca chegam a realizar-se87

Para além deste tipo de mensagem "informativa", temos a ideia da missão do emigrante na continuidade da cidadania portuguesa, entendida a partir do ideário do regime. Assim, são constantes os apelos por parte deste tipo de discurso ao "orgulho de ser português" do emigrante e à sua função de representante do país:

Portugal, espalhado por quatro continentes, em partes de uma só peça que a distância não desune, é o resultado palpável do que foi a caminhada heróica do seu povo, pequeno em número mas unido, projectando na universalidade da sua sombra marcos dos maiores da história da humanidade.

Tu o representas. 88

87 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Informaç(Jes Úteis para quem deseje emigrar Lisboa, Junta de Emigração, 1958, p. 2.

88 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Instruções para uso dos Portugueses que se destinam ao Brasil, Lisboa, Junta de Emigração, 1959.

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No entanto, entre todos os folhetos localizados o mais assumidamente propagandista é, sem duvida, o comemorativo do Centenário do Ministério do Interior, intitulado Nós, os emigrantes .... O seu título provém de um "Pórtico", escrito sob a forma de um agradecimento dos emigrantes à acção do Estado:

Nós os emigrantes, aspirávamos, de há muito, a possuir um LIVRO que nos fizesse sentir a PÁTRIA junto de nós, a esclarecer-nos com os seus conselhos, a incutir-nos coragem e tenacidade com os seus exemplos, e, sobretudo, a confortar-nos com a certeza imperecível de que - em qualquer parte do Mundo - nos considera e ama como Filhos!89.

Proclamando, como os demais folhetos do tipo, o amor à terra natal e o respeito ao país de acolhimento, este discurso é perpassado pelos valores mais caros ao regime, pois, para além do nacionalismo, prega o culto ao trabalho, à família, ao catolicismo, à sobriedade e à "poupança", esta última, traduzida no adágio popular "Vintém poupado, vintém ganho". Títulos como Lembremo-nos do nosso berço e de nossas mães ou O emigrante tem uma alta representação do seu país, lembram ao leitor o apego à terra natal e o papel de relevo que lhe é atribuído pelo regime. A sua saída é vista como um reviver do destino das descobertas, evocadas em chamadas como Portugal nasceu marinheiro e tornou-se herói ou O Contingente demográfico português será uma contribuição preciosa para as nações que o recebem. Citações de inúmeras personagens do regime como Salazar, e outros, como António Sardinha, ou mesmo Camões, fornecem um reforço a esta argumentação, repetindo-se a ênfase no Brasil como ponto de destino da emigração portuguesa.

Para além da propaganda oficial dos órgãos vinculados à emigração, temos a presença do tema em outras formas de divulgação ideológica do regime. Na Campanha Nacional de Educação de Adultos, através de personagens como Chico Valente, um camponês ansioso por emigrar, e o Senhor Ferreira, um emigrante experimentado, João Carlos Beckert d'Assumpção oferece ao leitor uma visão geral das várias etapas do processo emigratório.

No relato, apresentado como um diálogo entre as personagens,

89 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós, os emigrantes .... Ministério do Interior, Lisboa, 1954, p. 5.

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temos a definição de emigrante e a sua distinção da de colono, a descrição dos passos em termos de documentação para a obtenção da licença para emigrar, do embarque e da vida a bordo, e, por fim, uma panorâmica dos países escolhidos como destinos potenciais, ou seja, Brasil, Argentina, Venezuela e Estados Unidos, passando por Curaçau, alvo da emigração madeirense. Assim, o "emigrante actual" - 1956 - ao contrário dos antigos, mistos de emigrantes e colonos, que colonizaram o Brasil, "prefere ficar na cidade, junto dos outros, a servir ao balcão de um botequim, ou a fazer casas, arranha-céus! ,,90. A Casa do Emigrante, ao contrário da visão realista já apresentada, é descrita de forma idealizada, como "uma espécie de pensão, barata e limpinha,,9\ o mesmo ocorrendo com o relato sobre a viagem, onde as figuras do inspector e do médico de bordo lembram aos emigrantes o seu papel de representantes de Portugal92

• A história termina com o Senhor Ferreira aconselhando o amigo, com o tom neocolonial dos anos cinquenta:

... 0 meu conselho é : se queres emigrar, vai ser colono em Angola ou Moçambique {. .. J poderás criar, ganhar dinheiro, arranjar um bom futuro para teus filhos, sem teres de deixar Portugal, sem que a saudade te mate, sem que a tua "santa terrinha" te esqueça93

Para o exterior, a mensagem é intensificada com o final da I1.a

Guerra Mundial. Na segunda metade da década de quarenta, uma publicação de cunho mais geral aparece semanalmente sob a tutela do Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular ~ Turismo, o SNI. É o pequeno folheto, intitulado Notícias de Portugal, que se publica a partir de IOde Maio de 1947, com o objectivo de fornecer "um resumo notIcIOSO e um documentário objectivo da vida portuguesa,,94, apelando ao leitor para um "juízo sobre a vida

90 D'ASSUMPÇÃO, João Carlos Beckert. Emigração, Lisboa, Plano de Educação Popular, Campanha Nacional de Educação de Adultos, 1956, p. 32.

91 D'ASSUMPÇÃO, João Carlos Beckert. op. cit., p. 51.

92 " •• .Iembrai-vos, repito, de que cada um de vós representa Portugal e que é o vosso comportamento que os estrangeiros hão-de julgar o nosso país. Não queira que entre Portugueses, em país estrangeiro, houvesse discórdias, questões, desordens ... ". D'ASSUMPÇÃO, João Carlos Beckert. op. cit .. p. 86.

93 D'ASSUMPÇÃO, João CarIos Beckert. op. cit., p. 168-169.

94 SNI. Notícias de Portugal, Boletim Semanal do Secretariado Nacional de InJ(Jrmação, Lisboa, SNI, 10 de Maio de 1947, n0 1, p. 1.

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portuguesa com base em elementos estatísticos e factos ,,95. Breves súmulas dos acontecimentos portugueses e das colónias de emigrantes no estrangeiro, nomeadamente a colónia portuguesa do Brasil, permeadas com citações de Salazar e outros membros do governo, compõem estes opúsculos de propaganda do SNI. O seu discurso é o da ligação às propostas do regime, com chamadas do tipo "O que os outros dizem de Portugal", e com especial relevo para as situações internacionais de maior impacto, como o caso de Goa.

O seu público por excelência são os portugueses no estrangeiro, afirmando a existência de uma "ansiedade de toda a grande família lusa espalhada pelo Mundo, de receber, de semana a semana, novas da Pátria distante,,96. Como qualquer panfleto de propaganda, há um apelo à sua circulação, tanto da parte dos leitores, quanto da parte do próprio órgão oficial, solicitando-se para o público receptor o seu empréstimo e a sua veiculação "nos centros de cultura e de recreio onde se reúnem,,97. No Brasil, o Notícias de Portugal circula com relativa facilidade entre o meio emigrante, via Casas Regionais e demais instituições associativas, além de possuir inúmeros receptores do folheto entre a colónia. Algumas agências de viagens, para além da TAP, como, por exemplo, a representante da Scandinavian Airlines System no Recife, também são responsáveis pela distribuição do semanário.

Ainda como material de propaganda para as comunidades portuguesas no exterior, merece realce o livro Portugal, Breviário da Pátria para os portugueses ausentes, uma obra que "interessa a todos os portugueses mas destina-se especialmente àqueles que vivem fora do nosso país", sendo "dedicada aos portugueses do Brasil, da Argentina, dos Estados Unidos da América do Norte, da Índia, da China e a tantos outros compatriotas que vivem em terras longínquas", e "útil aos portugueses do Império, aos nossos irmãos de Angola, de Moçambique, da Guiné, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, da Índia, de Timor e de Macau,,98.

95 SNI. Notícias de Portugal, Boletim Semanal do Secretariado Nacional de Informação, Lisboa, SNI, 21 de Junho de 1947, n07, p. 5.

96 SNI. Notícias de Portugal, Boletim Semanal do Secretariado Nacional de Informação, Lisboa, SNI, 26 de Agosto de 1950, Ano IV, n0173, p. 6.

97 SNI. Notícias de Portugal, Boletim Semanal do Secretariado Nacional de Informação, Lisboa, SNI, 26 de Agosto de 1950, Ano IV, n0173, p. 6.

98 Prefácio de António Ferro. Portugal, Breviário da Pátria para os Portugueses ausentes, Lisboa, SNI, 1946.

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Os pressupostos do Estado Novo passam através da versão oficial da história do país, da explanação sobre as realizações do regime e de estudos diversos sobre os aspectos típicos da cultura portuguesa. Tais temas são tratados por especialistas como Orlando Ribeiro, Delfim Santos, Marcello Caetano, Luís Chaves, Amadeu Cunha, Damião Peres, Luís de Pina, Luís da Silveira, Diogo de Macedo, João AmeaI, Luís Teixeira, Reinaldo dos Santos, Francisco Fernandes Lopes99

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uns adeptos do regime e outros independentes. A partir da ideia de que "trazer a Pátria no coração é, afinal, ter a Pátria de cor"IOO, esta obra está repleta de afirmações que colocam em relevo alguns dos pontos essenciais do ideário do Estado Novo : a afirmação da antiguidade da formação de Portugal 101; o carácter de "ordem" da Revolução de Maio 102; a importância do Estado Novo como um momento ímpar na História de Portugal 103; e, sobretudo, devido ao clima do pós guerra e da contestação aos regimes autoritários oriundos do período do entre guerras, a legalidade do próprio sistema governamental em Portugal 104.

99 Desta obra são extraídas ainda dezasseis separatas, tomando por base temas como "A organização política", de autoria de Marcello Caetano ou ''Portugal na História da Civilização", de Damião Peres.

100 Prefácio de António Ferro. Portugal, Breviário da Pátria para os Portugueses ausentes, Lisboa, SNI, 1946.

101 ''Portugal é, portanto, a formação mais antiga e mais estável da carta política da Europa". (Orlando Ribeiro. 'Território e População", in: Portugal, Breviário da Pátria para os Portugueses ausentes, Lisboa, SNI, 1946, p. 5. (em itálico no original).

102 Marcello Caetano define assim o sentido da Revolução: ''Revolução, porque à desordem política, económica e financeira que afligira o País durante um século, se apôs uma nova orientação nacionalista e autoritária, graças à qual se travou e venceu a batalha da Ordem em todos os sectores da vida pública". (Marcello Caetano. "A organização política", in: Breviário da Pátria para os portugueses ausentes, Lisboa, SNI, 1946, p. 219.)

103 ''Portugal reata a marcha que se interrompeu na hora em que a imagem una e secular da Pátria foi oculta, desfeita, fragmentada nos mil tumultuários estilhaços dos partidos em luta ... Na sua frente, outra vez a grande linha histórica de um grande povo e de um alto destino. Abrem-se, no horizonte, as estradas amplas do Ressurgimento português!". (João AmeaI. "Breve Resumo da História de Portugal", in: Portugal, Breviário da Pátria para os Portugueses ausentes, Lisboa, SNI, 1946, p. 140.)

104 " ... A ditadura foi um momento de transição da velha para a nova legalidade. Logo que a Revolução tomou perfeita consciência do seu sentido jurídico nasceu, a tomar o lugar da ditadura, o Estado Novo com a sua forte legalidade." (Marcello Caetano. "A organização política", in: Portugal, Breviário da Pátria para os

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A ACÇÃO CONSULAR: O CONTROLO DA COLÓNIA À DISTÂNCIA.

Os Consulados deveriam acompanhar com mais método e proximidade os nossos emigrantes estabelecendo os ficheiros em que atrás falo, premiando os que se mantivessem firmemente portugueses, desaconselhando-lhes a naturalização, de acordo com a Polícia Internacional dai, estabelecendo press(Jes delicadas e discretas no sentido de disciplinar as suas actuaçâes po/íticasI05

o governo de Itália durante a década de trinta através das suas autoridades consulares e organizações pró-fascistas, como a Lega fascista deZ Nord America, mantém uma vigilância cerrada sobre os italianos emigrados nos Estados Unidos e na Austrália, visando "controlar" os possíveis focos de contestação ao regime de Mussolini no exterior106

Em Portugal, apesar das queixas contra a ineficácia do governo nesta área por parte de algumas personalidades, como Augusto Pires de Lima, medidas semelhantes são tomadas para a "orientação" da colónia no exterior, nomeadamente no Brasil. O Secretariado de Propaganda Nacional inclui nos seus relatórios sobre a imprensa portuguesa, os jornais publicados pela colónia no estrangeiro, destacando as notícias consideradas de maior relevância para o regime, Assim sucedeu com o editorial de 7 de Setembro de 1934 do Diário Português, um jornal publicado na colónia portuguesa radicada no Rio de Janeiro, que condena "as tentativas revolucionárias em Portugal, tenham as origens que tiverem". Esse editorial é considerado como causador de "um bom efeito na colónia do Brasil", já que "criará mau ambiente aos angariadores de fundos para revoluções"I07. O Boletim Informações, de igual forma distribuído pelo SPN e destinado a fornecer notícias "chaves" para os periódicos em geral, aborda inúmeros temas para que a colónia

Portugueses ausentes, Lisboa, SNI, 1946, p. 220.)

105 Relatório apresentado por Augusto Pires de Lima a Salazar, datado do Rio de Janeiro, de 28 de Maio de 1942, in : COMISSÃO DO LIVRO NEGRO SOBRE O REGIME FASCISTA. Correspondência entre Mário de Figueiredo e Oliveira Salazar, Lisboa, Presidência do Conselho, 1986, p. 91.

106 Sobre o tema ver DIGGINS, J. L'AMERICA MUSSOLINI E IL FASCISMO, BARI, LATERZA, 1982, p. \06 e ss.

107 "Boletim da Colónia Portuguesa do Brasil", in : Boletim da Imprensa do SPN, Outubro de 1934. A.N.T.T., Ministério do Interior, 467.

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portuguesa no estrangeiro não fique esquecida no país de origem. A preocupação pessoal de Salazar para com a colónia portuguesa

do Brasil, em especial, ultrapassa as simples menções discursivas, alcançando uma dimensão mais profunda, como se pode verificar pelos seus contactos pessoais com membros desta comunidade e pela documentação de seu próprio arquivo pessoal, onde vemos uma série de recortes de jornais publicados por portugueses em território brasileiro. Na verdade, a colónia portuguesa no estrangeiro, nomeadamente no Brasil, através das suas associações, vai coordenar esforços, juntamente com a acção consular, para formar uma rede de "policiamento" da actividade emigrante nos principais centros de emigração, como o Rio de Janeiro.

As representações diplomáticas são, portanto, a "sombra" do regime junto das colónias. Os relatórios consulares e a acção dos representantes diplomáticos espelham a busca do controlo da comunidade emigrante no exterior, nem sempre com resultados positivos, mas cuidadosamente tratada nos mínimos aspectos. A rede de informação e "policiamento" engloba as mais diversas representações consulares, cuja "sede" é representada pela Embaixada oficial no país. A documentação expedida para o Ministério dos Negócios Estrangeiros cobre as mais diferentes manifestações da colónia, abrangendo desde as comemorações em tomo do culto a Nossa Senhora de Fátima, entre os portugueses radicados em São Paulo ,o8

, até ao financiamento de um jornal favorável ao regime na Nova Inglaterra, dirigido por um emigrante madeirense em New Bedford lO9

• Por vezes, a incidência das informações reflecte uma dada formação do pessoal consular em serviço, como o cuidado extremado e radical do Cônsul português no Recife, ao pedir sanções contra a má localização dos retratos de Salazar e Carmona na Sala do Gabinete Português de Leitura"o, ou ainda, necessidades mais específicas para

108 Ver Ofício n." 386, do Consulado de São Paulo, de 8 de Junho de 1943, anexo 2, com recortes da imprensa brasileira e da colónia sobre as comemorações do 26.° aniversário da aparição de Nossa Senhora de Fátima, realizadas na Igreja do Sumaré, um bairro da cidade de São Paulo. M.N.E., 2.° piso, Armário 50, Maço 68.

109 Ver Ofício n.o 20, confidencial, de IC de Junho de 1936, da Legação de Portugal em Washington, D.e., referente as ajudas ao jornal "A Pátria", de Carlos Supico. M.N.E., 3.° piso, Armário 1, Maço 741.

110 Ver Ofícios do Consulado de Pernambuco, datados de 30 de Dezembro de 1935 e 14 de Janeiro de 1936, e telegrama de 27 de Dezembro de 1935, referentes à colocação dos retratos do Presidente da República e do Presidente do Conselho no

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as quais, por vezes, são reclamadas soluções utópicas, como a extensão das representações consulares em parte da área da bacia amazónica, requisitada pelo Cônsul português em Manaus III.

OS representantes consulares podem recorrer ao uso de expedientes diplomáticos formais, como os pedidos de intervenção dos governos dos países receptores dos emigrantes, para o controlo das actividades dos elementos opositores ao regime. Estes, porém, podem não resultar, mesmo em Estados com estruturas governativas semelhantes, em tempos contrários a apoios. Tal caso ocorre no Brasil em guerra, quando o então Embaixador de Portugal, Martinho Nobre de Mello solicita ao director do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo brasileiro que se calem as vozes da colónia portuguesa não favoráveis à posição neutral de Portugal no conflito 112.

Os casos mais flagrantes de intervenção do corpo diplomático nos assuntos internos da colónia portuguesa no estrangeiro são, no entanto, aqueles que tratam da defesa e perpetuação dos ideais do regime entre os emigrantes, como o caso do citado jornal nos Estados Unidos. Ofícios confidenciais, inquéritos do mesmo tipo, para além do Serviço de Imprensa das Embaixadas, oferecem uma visão das actividades portuguesas no estrangeiro, alertando contra possíveis manifestações contrárias ao regime e "gratificando" as actuações que lhe são favoráveis, em forma de comendas, para os homens influentes das colónias, ou ainda, de viagens gratuitas a Portugal para aqueles que apregoassem os ideais do Salazarismo 113.

A vigilância dos chamados "insubmissos da Colónia,,114, elementos

salão nobre de festas do Gabinete Português de Leitura em "plano inferior ao de um capitalista local". M.N.E., 3.° piso, Armário 11, Maço 375.

111 Ver: Relatório sobre as Circunscrições Vice-Consulares, Janeiro e Março de 1932, Consulado de Manaus, M.N.E., R.C. 780. O documento requer a abertura de 18 agências consulares na zona circundante aos rios Amazonas, Rio Negro, Madeira, Purus, Juruá e Solimões, onde a presença portuguesa, ainda que real, é já para este período declinante.

112 Ver, entre outros, Oficio reservado da Embaixada no Rio de Janeiro, datado de 20 de Fevereiro de 1942, dirigido a António de Oliveira Salazar. M.N.E., 2.° piso, Armário 50, Maço 68.

113 Ver: Ofício do SNI, de 4 de Novembro de 1955, d;rigido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovando o financiamento da vinda a Portugal de Austregésimo de Athayde, jornalista e escritor dos ''Diários Associados", do Brasil. M.N.E., 2.° piso, Armário 2, Maço 528-A

114 Ver, o Oficio n.o 216, Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 1940., onde Martinho Nobre de Melo afirma :"Tenho a honra de remeter a Vossa Excelência o

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exilados e opositores ao regime, é feito através de um acompanhamento das suas actividades públicas, em especial, na imprensa. Tal ocorre no Brasil, com o ex-capitão João Sarmento Pimentel, com Sarmento de Beires, nos anos trinta, e, entre outros, com Adolfo Casais Monteiro, na década de cinquenta. Mais contundente, porém, é a busca do controlo dos principais postos das associações da colónia, como nos casos do Clube Português, da Casa de Portugal, da Câmara Portuguesa de Comércio e do Centro Transmontano, todos em São Paulo, Brasil. Os respectivos cargos, tendo sido ocupados por personalidades ligadas ao regime, asseguravam para o governo que "nos postos chaves [das] Associações Portuguesas [estivessem] pessoas [de] absoluta confiança" 1 15. Para além disto, o recurso à "censura branca" completa o cerco de vigilância das representações consulares 116. No Ofício do Consulado de Portugal em São Paulo, Brasil, datado de 1 O de Abril de 1939, por exemplo, o Cônsul Júlio Augusto Borges dos Santos afirma que, na sessão solene comemorativa do aniversário do Centro Republicano Português, foi exercida a "censura branca" aos discursos, afim de "assegurar as vantagens, até, agora, obtidas, na união da colónia" 117.

Complementando estas formas mais directas e menos subtis da acção consular, existem outras, inseridas no próprio cerimonial do corpo diplomático, denotando a sua condição de representante directo do regime. Assim, por exemplo, o Embaixador no Rio de Janeiro realiza incursões constantes por todo o país, onde participa de reuniões e serve de intermediário entre a colónia portuguesa no Brasil e o governo de Lisboa 118. Figuras como Martinho Nobre de Mello e

incluso memorial informativo do nosso Consul em São Paulo, a respeito dos insubmissos da Colónia naquele Estado.(sublinhado no original). M.N.E., 3." piso, Armário 9, Maço 117.

115 Telegrama cifrado expedido pelo Consulado de São Paulo para o Ministério dos Negócios Estrangeiros a 27 de Fevereiro de 1961 e decifrado a 28 do mesmo mês. M.N.E., P.E.A. 426.

116 Expressão usada na documentação oficial para designar a recomendação de cortes, por partes das autoridades consulares, nos documentos das associações.

117 Ofício do Consulado Geral de Portugal em S. Paulo, n." 231, datado de São Pado, I O de Abril de 1939. M.N.E., 3." piso, Armário 11, Maço 441.

118 Ver, entre outros, o telegrama de Luís Norton de Matos, datado de 17 de Setembro de 1947, onde afirma "visito neste momento núcleos portugueses Rio e todas as instituições portuguesas. Compareci suas sessões e manifestações interesse actividade diferentes centros. Em todas estas organizações tenho encontrado espírito adesão e puro patriotismo revelados mil actos vida associativa". M.N.E., 2." piso,

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Pedro Teotónio Pereira conseguem congregar a simpatia da colónia, ou pelo menos da parte mais afecta ao regime, abrindo as portas da Embaixada às manifestações populares. Para além disto, temos a propaganda mais formal, tipificada no investimento dos consulados, como o Consulado de Portugal em Pernambuco que, na década de trinta, publica material diverso de propaganda, ou no material enviado pelo SPN e, posteriormente, pelo SNI. O contacto com os jornais locais e o jogo de influências dos embaixadores também contribuem para a manutenção da "boa imagem" do regime, sem contudo "denunciar" a acção formal dos representantes diplomáticos neste sentido.

A promoção do emigrante e a sua incorporação nas actividades sociais da Embaixada, juntamente com o controlo da oposição no exterior, denotam o investimento do regime no reforço dos laços das colónias com Portugal. A transformação do emigrante em "cidadão ausente" da Pátria, tal como ocorre em Itália, oferece a este a possibilidade de participação passiva no projecto do Estado Novo. Por outro lado, o incentivo, pelas autoridades consulares, da sua actuação como "representante" do regime no estrangeiro, contribui para o reforço da sua própria identidade como "portugJlês", assegurando-lhe, desta forma, a manutenção de valores próprios face à sociedade envolvente. Completa-se, desta forma, um ciclo, onde a necessidade de manutenção da individualidade da comunidade portuguesa no estrangeiro vem de encontro à ideia alargada de Nação do salazarismo, na qual o emigrante é apresentado como um seu defensor.

O PERIGO DA DESNACIONALIZAÇÃO: OS CONSULADOS E A

MANUTENÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL.

Dentro dos pressupostos nacionalistas do regime, a perda voluntária da nacionalidade portuguesa, em especial por parte daqueles que compõem a comunidade lusa no estrangeiro, representa um grave "atentado" à integridade da Nação, necessitada do apoio de todos os seus membros. A preocupação com a desnacionalização do emigrante é uma constante no discurso legal ou institucional sohre a emigração promovido no seio do regime, ou ainda, pelos seus adeptos. No texto de alguns decretos, como o já citado Decreto n.o 13 367, de

Armário 50, Maço 62.

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28 de Março de 1927, que regula a situação dos refractários, fica patente a necessidade de vinculação ao país como reforço do nacionalismo. Em 1935, um dos objectivos da Comissão de estudos relativos às colónias de portugueses no estrangeiro é o estudo das "causas que possam concorrer para a sua desnacionalização e os meios de a ela obstar, mantendo vivo o sentimento português,,1l9. Um ano antes, quando da realização do Inquérito consular às colónias portuguesas, uma das primeiras questões postas às autoridades consulares é relativa ao número daqueles que conservavam a nacionalidade portuguesa.

Para o Estado Novo é preciso, portanto, "acompanhar, por meio dos agentes diplomáticos e consulares, a actividade das associações, instituições ou organismos científicos, de colaboração política, de propaganda ou de ensino portugueses estabelecidos no estrangeiro, promover a sua organização ou federação, onde for possível e procurar obter a sua unidade de acção,,120. Toda a actuação consular descrita vai de encontro a esta directriz. Nos casos de manutenção da nacionalidade, os consulados fornecem ao Ministério dos Negócios Estrangeiros relatórios ou até mesmo as listagens dos elementos que renunciam à nacionalidade portuguesa, visando possíveis medidas do governo de Lisboa para a garantia da "unidade" da Nação l2l

A tónica no perigo da naturalização de portugueses emigrados está presente, no entanto, em outros discursos para além do discurso oficial. O Dr. Manuel Páris, já citado, aponta entre as causas das naturalizações a ameaça da perda, por parte do emigrante, do "seu ganha-pão", ou considera-as consequência de "conveniências ou interesses nem sempre louváveis sob o ponto de vista nacional,,122. No caso do Brasil, a necessidade de sobrevivência parece ter falado mais alto no caso das naturalizações. As exigências impostas pelas medidas nacionalizadoras aos emigrantes e a proximidade e possível entrada de Portugal no conflito mundial, como alegam alguns ofícios consulares expedidos no Brasil, são ameaças concretas para os

119 Item 3 do Artigo 70.° do Decreto n.o 26 162, de 28 de Dezembro de 1935, in : Diário do Governo, La série, n.O 302, 28 de Dezembro de 1935, p. 1947.

120 Item 4 do Artigo 28.° do Decreto n.O 26 162, de 28 de Dezembro de 1935, in : Diário do Governo, La série, n.O 302, 28 de Dezembro de 1935, p. 1941.

121 Para o Brasil, ver, entre outras, as listagens apresentadas pelo consulado de São Paulo. Partes do Maço 65, Armário 50, 2.° piso do citado Ministério.

122 PÁRIS, Manuel da Rocha. A Emigração Portuguesa (A.\pectos), Porto, s.e., 1944, p. 13.

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portugueses emigrados, pois são vistas como entraves à sua sobrevivência naquele país e ao retomo imediato a Portugal em caso de extrema penúria123

No exterior, porém, a naturalização nem sempre é encarada como necessidade, em especial por elementos de emigração recente e pertencentes a uma elite que emigra por razões não económicas l24

• É o que sucede com as pessoas ligadas à comunidade portuguesa de Santos, inquiridas sobre o processo de naturalização no seio desta colónia. Na análise de Fidelino de Figuereido, então radicado em São Paulo, além das exigências formais do governo brasileiro neste período, o "desnacionalizar" da colónia deve-se às "ambições" existentes no seio de portugueses que "degeneraram", ou seja, realizaram "uma adaptação proveitosa à vida,,125. O Dr. Urbano Soares, jurista português vinculado à Universidade de São Paulo, de igual forma afirma a existência de uma diferença entre os que se naturalizam para defender os seus empregos e aqueles que são "movidos pela vaidade e ostentação". Outros inquiridos atribuem o facto ao "derrotismo" e descrença em Portugal 126 , à "falsa religiosidade", às "doutrinas nocivas, tais como o espiritismo ou a maçonaria, ou ainda, aos casamentos mistos 127.

Os factores apresentados para justificar a "desnacionalização" são, de forma geral, a negação dos elementos que permeiam o perfil da nacionalidade traçada pelo Estado Novo, tal como a modéstia, a união, o respeito à hierarquia, a crença na "predestinação" de Portugal e na religiosidade, baseada numa dada visão da religião católica. Os remédios apontados, como a ida para as colónias, o reforço da

123 Ver, entre outros, Oficio do Consulado de Portugal em Pernambuco a Oliveira Salazar, datado de 5 de Abril de 1943, e assinado pelo Cônsul Manuel Anselmo, que enumera as restrições legais impostas pelo governo brasileiro aos estrangeiros residentes no Brasil. M.N.E., 2." piso, Armário 50, Maço 68.

124 De todos os jornais pesquisados para o período na região do Rio de Janeiro, somente um deles, o Diário Português, editado em 1938, publica anúncios de "despachantes" particulares especializados em tratar de documentações junto das autoridades oficiais, que se oferecem para tratar dos processos de naturalizações. Ver, entre outros, o Diário Português, do dia 10 de Fevereiro de 1938, p. 5.

125 Inquérito Reservado e Confidencial acerca das naturalizações, realizado pelo Consulado de São Paulo, datado de 28 de Fevereiro de 1941, M.N.E., 2.° piso, Armário 50, Maço 68.

126 Depoimento de Tomaz Vieira dos Santos, ex-funcionário público radicado como professor em São Paulo, p. 2 do citado Inquérito.

127 Depoimento do Professor Raul Romano, brasileiro, p. 3 e 4 do citado Inquérito.

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propaganda e o incentivo ao ensino, em moldes do realizado em Portugal, são soluções já pensadas pelo próprio regime. A preocupação com as escolas especializadas para os filhos dos emigrantes e o incentivo às instituições associativas, são algumas das soluções que se encontram nomeadas tanto no citado inquérito de 1934, como no Decreto de reformulação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, já visto.

Por fim, o Estado Novo tem a plena consciência da necessidade de incentivar os vínculos com o país de origem e de demarcar, constantemente, os limites da identidade nacional. Com este objectivo, além do apoio à actuação das associações da colónia, é preciso usar da propaganda, posta em prática desde o primeiro contacto do emigrante com as autoridades responsáveis pelo processo emigratório para que, apesar do sofrimento da saída, ele parta com uma boa imagem do regime.

"O EMIGRANTE PORTUGUÊS, CIDADÃO DE PORTUGAL E CIDADÃO

DO MUNDO": DA IMAGEM OFICIAL À REALIDADE.

Hoje. muitos portugueses. em quem perdura a vocação oceânica. aceitam o sedutor convite que as ondas vêm cingir às nossas praias, para que demandemos as Terras que nossos Avós descobriram ...

São esses portugueses emigrantes que irão tornar-se Cidadãos do Mundo. sem deixarem de ser. nobremente. Cidadãos de Portugal.'28

Para o Estado Novo, como já foi assinalado, a emigração recupera o sentido "heróico" da expansão ultramarina, transferindo-a para a actualidade, sendo os emigrantes apresentados como os novos "conquistadores". Na visão oficial do regime, o emigrante é um continuador da tradição expansionista portuguesa, sendo a emigração "um destino do povo português,,129. Toda a definição do "emigrar" é construída a partir desta visão determinista, possuidora de uma justificação histórica que remonta à época da expansão. Tendência "natural" da própria sociedade portuguesa, o acto de emigrar, inerente ao povo português, transforma Portugal num "produtor de gente"130

128 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós. os emigrantes .... , Ministério do Interior. Lisboa, 1954, p.9.

129 Orlando Ribeiro. ''Território e População", in : SNI. Portugal. Breviário da Pátria para os Portugueses ausentes, Lisboa. SNI, 1946. p. 8

130 ''Portugal conta-se entre os países produtores de gente, só excedido pela Irlanda na percentagem de emigrantes na população total" (em itálico no original).

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por excelência. Nesta óptica, a emigração é uma acto de "amor a Portugal", pois

objectiva "tomá-lo ainda Maior. .. ,,131, uma "irradiação de lusitanismo" 132, sendo os "humildes Emigrantes" os "heróis" deste "luminoso capítulo da História de Portugal " 133. Os "verdadeiros emigrantes" não são, portanto, os "agitadores facciosos", mas aqueles que "expandem o seu patriotismo,,134, mantendo a sua ligação a Portugal e, em especial, ao regime que o representa.

Esta visão positiva da emigração afasta as críticas baseadas no esvaziamento populacional e nas condições económicas que marcam todo o processo emigratório. Por outro lado, porém, até mesmo os pontos negativos desta imagem servem para acentuar a ideia de "aventura" e de "perigo" que cerca o acto de emigrar e para enfatizar a acção do regime que regulamenta as condições de partida do emigrante. Toda a acção do Estado no sentido de regular o processo emigratório é acompanhada de um discurso que, a nível mais imediato e "popular", alerta contra os "perigos" deste processo, colocando em destaque o carácter assistencial do regime e a sua intencional valorização do elemento aldeão.

No mais, e na esteira de uma formalização de laços entre o emigrante e a sua cidadania, temos a chamada constante para a manutenção de um vínculo estreito deste com os consulados portugueses: para tratar de "assuntos relativos aos seus DEVERES para com a Pátria,,135, para registo dos filhos como cidadãos portugueses, para o reconhecimento de matrimónios e para a

(Orlando Ribeiro. ''Território e População", in : SNI. Portugal, Breviário da Pátria para os Portugueses ausentes, Lisboa, SNI, 1946. p. 8.

131 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós, os emigrantes ... , Ministério do Interior, Lisboa, 1954, p.5.

132 "A incontestável superioridade dos portugueses para se adaptarem aos diferentes meios em que, no exterior, se fixam e onde exercem as suas prestantes e múltiplas actividades, constitui a causa primacial desta portentosa e contínua IRRADIAÇÃO de LUSITANISMO, a que vulgarmente se chama de EMIGRAÇÃO". (em maiúsculas no orginal). Junta de Emigração. Nós, os emigrantes ... , Ministério do Interior, Lisboa, 1954, p.7.

I33 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós, os emigrantes ... , Ministério do Interior, Lisboa, 1954, p. 8.

134 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós, os emigrantes ... , Ministério do Interior, Lisboa, 1954, p. 30.

135 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós. os emigrantes .... Ministério do Interior, Lisboa, 1954. p. 48. citação em maiúsculas no original.

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regulamentação do serviço militar. É no interior dos consulados, como já vimos, que temos também as maiores manifestações de controlo do regime e onde a colónia "ritualiza" a sua ligação a ele.

Junto à imagem do emigrante temos o seu complemento, ou seja, as associações portuguesas no exterior, representantes da "doce imagem de Portugal ,,136. O seu carácter, situado fora do âmbito político, é apresentado, porém, como o de agremiações ''beneméritas'', "culturais" e "recreativas" e de "assistência,,137. A ideia da solidariedade e da recusa de divergências ideológicas e políticas, que, de resto, marcam a própria acção da Federação das Associações Portuguesas no Brasil, são os traços mais marcantes para este "ideal" associativo.

Em quase todos os folhetos informativos da Junta, temos a recomendação para que se faça uma relação das direcções que o emigrante não deve esquecer em Portugal, ou seja, as da família, as dos amigos e a da Junta de Emigração, como órgão oficial de protecção. Para o país de acolhimento são oferecidas as direcções das Associações Portuguesas, as das Revistas e Jornais Portugueses, as das Casas de Portugal e Câmaras Portuguesas de Comércio e as das Estações Emissoras, desde que mantenham uma ligação ao regime salazarista. É o caso das associações portuguesas em terras brasileiras, onde temos devidamente seleccionadas aquelas que possam ter um carácter "político" daquelas "a-políticas", mas afins do regime 138

No entanto, fora da visão oficial, as condições daquele que emigra são, na maioria dos casos, bastante afastadas das do camponês de algumas posses, pronto para ser um "herói" em terras estranhas. A emigrante descrita pelo Dr. Felisberto Coito talvez ofereça uma imagem mais próxima da realidade e das condições de miséria que levavam à emigração:

A propósito conto o seguinte episódio que se passou entre nós e uma emigrante de 26 ou 27 anos, casada, e que após uma separação de 6 anos se ia reunir ao marido no Rio. Na cabeça abundavam as sementes de pedículos, no corpo quase uma carapaça de lixo existia, e isto numa

136 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós, os emigrantes ... , Ministério do Interior, Lisboa, 1954, p.30.

137 JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Nós, os emigrantes ... , Ministério do Interior, Lisboa, 1954, p.31.

138 Como é o caso da Legião Portuguesa 28 de Maio e a União Portuguesa Oliveira Salazar, indicadas no folheto da JUNTA DE EMIGRAÇÃO. Instruç6es para uso dos Portugueses que se destinam ao Brasil, Lisboa, Junta de Emigração, 1959, p. 26.

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rapariga relativamente apresentável e com vestuário algo cuidado. Fizemos-lhe ver os inconvenientes que poderiam advir se se apresentasse assim perante o marido, com um grau de civilização mais aturado. A resposta deixou-nos completamente desarmados: 'eu já era assim quando casei com ele'. /39

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SIGLAS

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M.N.E.: Ministério dos Negócios Estrangeiros.

139 COITO, Felisberto Matos Fernandes. "Serviços Médico-Sociais para emigrantes", Separata da revista O Médico, n.O 69, Porto, 1952, p. 4.