a natureza no mercado e a angústia na mesa - sebastião pinheiro

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A Natureza No Mercado E A Angústia À Sua Mesa Sebastião Pinheiro 2001

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A Natureza No Mercado E A Angústia na Mesa - Sebastião Pinheiro

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Page 1: A Natureza No Mercado E A Angústia na Mesa - Sebastião Pinheiro

A Natureza No Mercado E A Angústia

À Sua Mesa

Sebastião Pinheiro

2001

Page 2: A Natureza No Mercado E A Angústia na Mesa - Sebastião Pinheiro

ÍNDICE:A NATUREZA.....................................................................................................................................1NO MERCADO...................................................................................................................................1E............................................................................................................................................................1A ANGÚSTIA......................................................................................................................................1À...........................................................................................................................................................1SUA MESA..........................................................................................................................................1

Sebastião Pinheiro............................................................................................................................12001..................................................................................................................................................1

PREFÁCIO...........................................................................................................................................4DA REVOLUÇÃO VERMELHA À SÍNDROME VERDE............................................................4

CAPÍTULO I......................................................................................................................................13DO MODERNISMO AO SUSTENTÁVEL, PASSANDO PELO DESENVOLVIMENTO........13

CAPÍTULO II.....................................................................................................................................22A SAÚDE AMBIENTAL E A COERÊNCIA CREMATÍSTICA...................................................22

CAPÍTULO III...................................................................................................................................26SABER E FAZER A ESCASSEZ..................................................................................................26

CAPÍTULO IV...................................................................................................................................32BIODIVERSIDADE: DIÁLOGO COM O MEIO AMBIENTE*.................................................32

CAPÍTULO V.....................................................................................................................................37RESGATE DE BIODIVERSIDADE: O "FEIJÃO SOPINHA".....................................................37

BRIGADAS PEDAGÓGICAS..................................................................................................38CAPÍTULO VI...................................................................................................................................42

O SUJEITO EM UMA NOVA ALIANÇA.....................................................................................42CAPÍTULO VII..................................................................................................................................54

AGRICULTURA ECOLÓGICA E A NOVA ORDEM HISTÓRICA DOS CÓDIGOS................54CAPÍTULO VIII.................................................................................................................................65

DRENAGEM DE CÉREBROS in situ E ex situ OU POR QUE E PARA QUEM BIOTECNOLOGIAS E TRANSGÊNICOS?.................................................................................65

CAPÍTULO IX...................................................................................................................................68O que comemos. Da domesticação das espécies aos geneticamente modificados.........................68

ENERGIA...................................................................................................................................68GENÉTICA................................................................................................................................69EUGENIA..................................................................................................................................71CONTAMINAÇÃO QUIMICA DE ALIMENTOS...................................................................75DOMESTICAÇÃO....................................................................................................................78FERTILIZANTES:.....................................................................................................................79AGROTÓXICOS E AFINS........................................................................................................81CARÊNCIA................................................................................................................................82RESÍDUOS.................................................................................................................................85TOXICOLOGIA.........................................................................................................................91MICOTOXINAS: O ATENTADO INVISÍVEL.........................................................................95CONTAMINAÇÃO POR ADITIVOS CONSENTIDOS..........................................................98CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL............................................................................................99RADIONUCLÍDEOS.................................................................................................................99DIOXINAS E FURANOS..........................................................................................................99DISRUPTORES ENDÓCRINOS.............................................................................................102BIOSSEGURANÇA.................................................................................................................109ENFERMIDADE CREUTZFELD-JAKOB (CJD)..................................................................115"DOENÇA DA VACA LOUCA" (BSE)...................................................................................116

CARNE DE GADO..............................................................................................................118EQUIVALÊNCIA SUBSTANCIAL.........................................................................................118

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CAPÍTULO X...................................................................................................................................119TRANSGÊNICOS, BOM PARA QUEM?...................................................................................119

QUADRO I...............................................................................................................................121IMPACTOS..........................................................................................................................122

QUADRO II.............................................................................................................................124PÚBLICAS...........................................................................................................................124CONFIDENCIAIS...............................................................................................................124DIFICULDADES.................................................................................................................125

QUADRO III............................................................................................................................141PROJEÇÕES PARA AS QUESTÕES COM ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS..................................................................................................................141

CAPÍTULO XI.................................................................................................................................143HUGO: O EFÊMERO NEOLOMBROSIANISMO....................................................................143

BOVÉ ESPIATÓRIO...............................................................................................................152

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PREFÁCIO

DA REVOLUÇÃO VERMELHA À SÍNDROME VERDE

No Brasil, nos exigem saber tudo sobre um determinado ser vivo ou objeto, suas patas, antenas, asas, metabolismo, reprodução, etc. Mas, formados temos um grande choque, quando o referido nos é mostrado.(brasileira aluna de pós-graduação no exterior).Este livro, não é muito diferente dos outros, talvez um pouco mais grave, pois as coisas pioraram nos últimos tempos. Neste simulacro de mundo, fica cada vez mais difícil saber-se o que é real e o hque é virtual (Baudrillard), como tal, este início é uma introdução ao mesmo.

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As imagens acima são para a análise do leitor/a. É comum termos a visão nostálgica ou emotiva da área rural. Muitas vezes, até por saudade ou razões familiares de uma infância ou férias na casa de avós ou parentes. Talvez, por isso, vejamos a agricultura e atividades agropastoris como idílicas, bucólicas e épicas.Uma outra razão pode ser que as áreas rurais, geralmente, estão defasadas no tempo e espaço e cheguemos a elas em viagem de recordação da juventude, liberdade e inocência sentimental.Imagens são imagens e muitas vezes, com o tempo, deixamos de ter a humildade da visão emotiva nostálgica e até passemos à visão da arrogância ignorante, prepotência racional. A formação academicista brasileira, espelhada na opinião do estudante logo acima, na maioria das vezes, tem muito a ver com isto.Contudo, ambos submetem-se ao poder. E o poder é exercido sobre o consciente e o inconsciente dos homens e da sociedade.Um dos períodos mais marcantes da atual sociedade industrial é o modernismo. Ele surge entre o final do século retrasado e início do século passado. Trazia em seu bojo uma série de mudanças marcantes na sociedade industrial que já cumprira seu primeiro centenário. A figura dos teares caseiros com as rocas era uma lembrança nostálgica ou idílica de um mundo não mais existente ou relegado às periferias dos grandes impérios francês, britânico e seus satélites, com suas mazelas.A figura, agora, da Inglaterra, eram teares industriais movidos a vapor ou os mais modernos, elétricos, onde milhares de pessoas trabalhavam como semi-escravos 16 horas por dia. Tempos Modernos.O homem passa a venerar a velocidade1, as máquinas, como vale a pena ser relido no manifesto futurista de Felippo Tommaso Marinetti (1876-1944):" - Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.

1 A Arte do Motor, Virilio Paul, Estação Liberdade, 1996, São Paulo.

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- Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.- Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto perigoso, a bofetada, o soco.- “Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas idéias que matam...”.Em todo o planeta, o modernismo grassa como uma epidemia voraz. Na arquitetura alemã, surgem novas formas e amplos espaços com cores. Entre nós, brasileiros, uma literatura começa a encontrar um Brasil e um brasileiro que poucos conheciam, como o narrado por Euclides da Cunha no massacre de Canudos, ou o Jeca Tatu ignorado e perdido no interior do país.A agricultura e o agricultor brasileiros no modernismo, começaram a dispor de escolas, educação, infra-estrutura adotada para facilitar o escoamento, comercialização, armazenamento, fomento, dentro da visão futurista do manifesto acima, por um movimento revolucionário, militarista nos anos 30.Nas sociedades industriais, onde a agricultura ainda não era industrial, por esta época uma grande transformação internacional começava a ocorrer e a economia conhecia sua grande crise. Acelerou-se a modernização da agricultura.Anos antes, a revolução soviética sacudira a Europa, agitava os trabalhadores e as elites capitalistas, obrigando medidas modernistas ou reformistas em todas as frentes e planos.No Brasil, a agricultura também estava em crise, pois era voltada principalmente para o mercado externo.Vamos buscar em nossa obra-prima do modernismo, "Macunaíma" de Mário de Andrade, algo sobre agricultura:"O herói teve raiva. Pegou uma colher, virou-a num bichinho e falou: - Agora você fica sovertida no pó do café. Quando o mano Maanape vier beber, morda a língua dele!Então pegando num cabaceiro de algodão, virou-o numa taturana branca e falou: - Agora você fica sovertida na maqueira. Quando o mano Jiguê vier dormir, chupe o sangue dele!Maanape já vinha entrando na pensão para beber café outra vez. O bichinho picou a língua dele. (...) Maanape teve raiva. Atirou o bichinho para muito longe falando: - Sai praga! (...) O bichinho caiu em Campinas.Então Jiguê entrou na pensão pra tirar um sono. O mandarová branquinho tanto chupou sangue dele que até virou rosado. (...) Jiguê teve raiva e atirou a taturana longe falando: - Sai praga! A taturana caiu por aí.Foi assim que Maanape inventou a broca-do-café, Jiguê a lagarta-rosada..."(do algodão)Estas duas grandes pragas da agricultura brasileira, já, em 1920, preocupavam e obrigavam a medidas modernas dentro da situação tropical.O brasileiro será desafiado a tropicalizar sua agricultura.Para combater a broca-do-café, a agricultura do modernismo trouxe da África a "vespinha de Uganda", para controle biológico, que era criada em todas as propriedades rurais do Brasil cafeeiro já, em 1920.A adubação verde e o uso intenso de matéria orgânica mantinha afastada ou sob tutela a lagarta rosada do algodão. As moscas do berne eram combatidas com as "Armadilhas Mac Lean".Lembremos a lógica do manifesto futurista de Marinetti e o avanço do amor as máquinas, à temeridade e, etc.Após a Segunda Guerra Mundial, a discussão mundial é que a luta de classes permitirá a revolução onde elas estiverem organizadas. Mas só os operários estavam organizados e eles eram urbanos, o que ocorria em poucas nações industriais.Contudo, o sucesso da revolução chinesa em 1949 aponta para um novo futuro para a grande maioria de países agrícolas. Os capitalistas imediatamente o pressentem e antecipam-se. Assim surgem as guerras da Coréia, de libertação da Indochina, Indonésia e todos os movimentos africanos e latino-americanos.A resposta é uma "contra-revolução capitalista" denominada de Revolução Verde.

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Ela vai ser implantada para impedir a (r)evolução modernista, mas vai usar o modernismo como um sujeito e transformar o homem em objeto do mesmo, pois assim poucos dar-se-ão conta da dominação, o que pode ser inibido com uma boa dose de autoritarismo e repressão.A contra-revolução verde trouxe os agrotóxicos como a única alternativa à broca-do-café e lagarta rosada e berne, pois vinham de forma subsidiada e no interesse das empresas vendedoras de agrotóxicos. Conhecemos a morte moderna, devastação moderna e contaminação moderna. E cada vez mais proliferaram broca-do-café, lagartas rosadas e moscas e bernes.A frase: "Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são", todos conhecemos, embora poucos compreendam o seu conteúdo modernista. Deixou-se de combater as causas (sujeito) e passou-se a tentar eliminar os efeitos (objetos).A agricultura moderna importada tem suas plantações em fileiras como exércitos, alinhamentos exagerados obtidos por máquinas e esmero. A uniformidade que gera a eficiência será o ponto alto. O emprego de energia e insumos será intensificado ao extremo.O culto à morte das pragas será visto como uma guerra santa e higiênica. Este é o protótipo da agricultura norte-americana. Nos trópicos e regiões sub-tropicais, jamais teriam sustentabilidade por mais de dez anos. O "Testamento de Howard" é uma denúncia pública.A evolução modernista tropical efervescente e educadora fenece entre nós. Brota a repressão, impondo o uso inquestionável contra o prévio conhecimento e domínio da tecnologia importada.Assim sendo, será diferente discutir um assunto nos países livres ou autônomos e nos países heteronômicos.Por exemplo, questionar a qualidade dos alimentos na Europa e nos Estados Unidos é diferente de fazê-lo entre nós. Pois lá, embora com os mesmos problemas, os alimentos são sujeitos de políticas públicas, mas entre nós são meros objetos.Aliás, como está a qualidade dos nossos alimentos, com respeito à contaminação?Na questão dos agrotóxicos, antibióticos e hormônios, chegamos muito tempo depois do deslumbramento do governo, seus técnicos e população em geral.Era período de ditadura e foi árdua a batalha de sensibilização e mobilização dos agricultores e população em geral para os perigos, riscos e impactos sanitários, ambientais e econômicos dos mesmos. A fé é o instrumento de luta pela liberdade.Em todas as civilizações, mulheres e homens juntam-se, organizam-se e estruturam-se em função do poder, assim constituem sociedades e aquilo que não compreendem e temem transformam em crenças.Para entender a diferença entre o modernismo (r)evolucionário e a contra-revolução verde é preciso repetir que o primeiro aplicava a educação e o segundo a repressão.A agricultura que era a geradora de riqueza e criadora de indústrias passou a ser enfraquecida pelo êxodo rural e exclusão dos sujeitos, agora transformados em objetos. Os municípios empobreceram e perderam a capacidade de gerar o crescimento autógeno e endógeno.As empresas multinacionais trouxeram as pragas, como ferrugem do café, bicudo do algodão, para agilizar o setor bilionário de venda de agrotóxicos. Agora, elas trazem os transgênicos.Na questão dos transgênicos e organismos geneticamente modificados, não conseguimos chegar antes, mesmo traduzindo o livro "Muito Além da Revolução Verde", em 1988. Por quê?A resposta é simples e fácil: Embora exista uma academia, não há, nos países periféricos, autonomia para se pensar o saber.Este é um produto enlatado e enviado das sedes centrais para seus prepostos na estrutura de proteção à ciência, tecnologia e formação.Agora nos damos conta de que nossos questionamentos no campo dos agrotóxicos antibióticos e hormônios não têm espaço dentro das universidades latino-americanas, onde somente houve uma academia de estudo com alabação aos mesmos, com os representantes da Biologia e Ecologia calados consentidos e inconseqüentes.O fato se repete agora com os OGMs, e a situação torna-se escandalosa, pois as informações viajam na velocidade da eletricidade e se dispersam por toda parte.Depois da tradução, acima referida, da obra de Henk Hobbelink, do livro "A Agricultura Ecológica

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e a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil", escrevemos "Ladrões de Natureza", mas foi com nossa "Cartilha dos Transgênicos" que coroamos a situação de não haver massa crítica nas elites do pensamento burocrático, como diz Paul Feyerabend, quanto à questão dos OGMs, embora, nos cartórios governamentais, ela fosse priorizada com recursos, etc.Como respostas, publicamos, em espanhol, "Transgénicos, Transnacionales e un gene llamado Terminator" pelo acordo GIPAS - UITA e, em português, logo em seguida, "Transgênicos: O fim do Gênesis".Estamos contentes, mas há ainda muito o que fazer, por isso queremos oferecer este livro, onde o enfoque, agora, é similar ao europeu: a questão dos alimentos transgênicos. Voltamos ao parágrafo inicial.Todo poder se exerce sobre seres humanos.A questão dos alimentos, agora pode ser tratada entre nós, sem ser uma caricatura européia, pois ela é a nova síndrome. Entretanto, a commodity transgênica é boa para o agricultor estabelecido, pois o libera do domínio e dependência da terra...O vínculo de poder determinou compromisso para a obtenção de alimentos, para estes, logo a terra passa a compor uma necessidade para o exercício do mesmo, o que gera cobiça e a necessidade de defendê-la, pois ela, quando abundante e fértil, propícia a criação de riqueza, através do trabalho do homem (livre ou escravo).Para o capital, todos os três fatores acima são importantes, porém ele atua objetivamente sobre o homem e assim exerce o seu poder, através dos tempos, com marcante presença na evolução da sociedade.Uma análise dessa evolução nos mostra que: Nas sociedades primitivas, a ordem histórica predominante é a ritual e se impõe sobre o medo através da violência mítica. Esta é a forma mais bruta de controle e poder sobre o homem e sociedade.Quando esta sociedade acumula saber e riqueza, a força das crenças diminui, mas o capital reforça seus poderes evoluindo para uma ordem histórica superior, a Ordem Imperial, onde crenças, mitos, dogmas são substituídos por leis escritas e costumes mundanos.Quando uma sociedade evolui para outro patamar de mais saber e riqueza, a ordem histórica imperial, com sua repressão torna-se inaplicável, logo a nova ordem histórica é a mercantil, e a violência é crematística, e, também, as religiões as acompanham.Em todas as sociedades é o saber que gera riquezas. Ele atua sobre os homens através do trabalho, sobre a terra através da produção e sobre o poder através da riqueza.Todo e qualquer saber pode alterar as ordens históricas e a estrutura de poder, portanto o controle do saber o estimulará ou conterá ao sabor dos interesses do poder e isto sempre foi manipulado pelo capital e suas elites, que controlam o fluxo de comportamentos.Saber e conhecimento são rigidamente controlados, para evitar seus roubos ou transferências clandestinas, pois deles depende a manutenção da liberdade, riqueza e poder.A história nos mostra o valor do fogo e as possibilidades de transformação através dele. Assim, tivemos as idades dos metais do cobre à fusão nuclear ou a fibra de aço-carbono.O saber e conhecimento são alavancas que alteram a ordem e importância dos três fatores: TRABALHO, TERRA, CAPITAL através dos tempos e evolução das sociedades.Quando Galileu afirmou que a terra não era o centro do "universo" e, sim, o Sol, não interessava ao poder a verdade da descoberta, mas a possível alteração da crença e a perda do poder sobre o saber (sacro subordinado). Ele será punido exemplarmente, para evitar situações mais críticas, no futuro. Agora na questão dos transgênicos é a OMC e FMI que tomam tal decisão em nome da "ciência", embora eles sejam a "nova igreja".A velocidade de acúmulo de saber e riqueza gera a insatisfação social, econômica e religiosa, que propiciam mudanças em todos os sentidos: A reforma religiosa, os grandes descobrimentos, o renascimento cultural e outras situações levam a um grande acúmulo de riquezas.Quando pressente perda de homens, terra e riqueza, a reação do capital é denominada de contra reforma ou contra revolução. Isto é a Revolução Verde.Grandes transformações passam a ocorrer entre os países industriais: O trabalho passa a valer mais

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e isto é um dos fatores que impulsionam a (r)evolução industrial, que a sua vez gera mais riquezas e dá um conteúdo social a terra e a riqueza gerada.Os países onde há a contra-revolução verde ficam ultrapassados, pois as transnacionais passam a controlar o saber, conhecimento e criatividade. Vê-se o que aconteceu com o Brasil e América hispânica.No Brasil, não há uso social da terra, nem saber inerente a ela, apenas e unicamente o valor patrimonial, com um pequeno viés de ordem mercantil, em áreas mais industriais.Não há valor no trabalho, tampouco saber autóctone, logo os baixos salários criam uma situação de violência ritual atualizada ou com modernidade.Não há distribuição social de riqueza, nem saber nela, somente seu acúmulo, principalmente, através do destino de dinheiro público dos impostos, pelo Estado Nacional, para uns poucos empresários, latifundiários ou correligionários políticos.O saber, conhecimento e riqueza sendo as alavancas que alteram as ordens históricas e determinam a importância de: TRABALHO, TERRA e CAPITAL, mostram o nível de nossa defasagem política.Quando outros países procuraram suprir a carência de terra (mesmos os dotados de grandes áreas geográficas), para a produção de bens e riquezas, com um alto agregado de saber e conhecimento, da nova matriz industrial substituindo a matriz fisiocrática na agricultura, nós mantivemos a ignorância patrimonial e devastação da natureza, amparada em preceito constitucional.Assim é fácil entendermos por que a modernização da agricultura (mal denominada por alguns de Revolução Verde) é um salto fantástico entre os países industriais e uma catástrofe entre nós, com todos os danos e males de nossa atualidade.Agora, a ordem social é voar sobre os campos e áreas rurais, para organizar as massas de seus excluídos e tentar restaurar a ordem anterior e o tempo perdido.A Ordem Mercantil (violência do dinheiro) sobre a pequena propriedade rural familiar nos países periféricos, as impeliu para a inviabilização econômica, ao sabor da tecnologia e políticas públicas dos bancos internacionais, de favorecimento às empresas transnacionais, onde a concentração das mesmas é um mecanismo para baixar custos de produção e agregar o uso de tecnologias.Há o choque bilateral, de um lado o governo, latifundiários e transnacionais e do outro, os movimentos sociais, entre eles os propugnadores de uma Reforma Agrária pela terra patrimônio.Desde o sucesso - pioneiro dos EUA - da transferência de um gene de um organismo para outro, muitos países começaram a se preparar para a evolução tecnológica. Dois países são apontados pelos defensores da engenharia genética como exemplos, por adotaram políticas públicas sobre a nova e promissora tecnologia: Cuba e China.Quanto ao primeiro, a revolução cubana de 26 de julho de 1959 tornou-se, em final de 1960, pró-soviética e os cubanos se viram, imediatamente, às voltas com ataques de doenças fúngicas às suas monoculturas: de fumo, o "mofo azul"; e, na cana-de-açúcar, o "carvão", além de epizootias animais como, a peste suína africana e epidemias humanas (hepatites), sem explicação aparente, a não ser a ação do vizinho desafeto. A resposta do governo cubano foi priorizar soluções para proteção à saúde, principalmente humana e animal, pois a agrícola contaria com os perniciosos agrotóxicos soviéticos. Daí o grande desenvolvimento cubano, perante o mundo, no campo da biotecnologia. Estas notícias muitas vezes ficam no limbo da espionagem, propaganda política, desinformação e contra-informação, sendo difícil de ser comprovado.No caso chinês, a situação é semelhante, visto que o governo determina que toda e qualquer informação sobre organismos geneticamente modificados é de Segurança de Estado.Isto é facilmente explicável, pois a China assombrou os EUA e o mundo, quando estes perceberam que milhares de hectares de cultivo de fumo eram de plantas transgênicas. Os chineses, assim como toda a fumicultura do mundo, têm um problema sério com as viroses.Em rápidas palavras, os vírus que atacam o fumo são constituídos de uma capa protéica de proteção, no seu interior de RNA, que invade as células do fumo e impõe a sua mensagem, levando à destruição da planta.Os chineses isolaram, através de plasmídios, o gene responsável pela fabricação da capa de proteína protetora do vírus e o introduziram nas células de plantas de fumos que foram clonadas. Estas

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plantas transgênicas (continham genes de vírus), ao serem infectadas pelos vírus, reconheciam a parte de seu corpo e a fagocitavam, o vírus sem proteção não podia infectar as plantas.É de se imaginar o desespero do governo norte-americano e dos demais países industriais perante tal avanço. Que fazer?A única e rápida forma de proteger o deus "Capital" é impedir que o dogma "TECNOLOGIA" mudasse de lado, ainda no período de guerra fria, era dar "luz verde", para que as empresas ocidentais, principalmente as norte-americanas, recuperassem o terreno nesta corrida tecnológica. As empresas aceitaram o desafio, mas pediram, simplesmente, que o Estado yankee bloqueasse a ação de seus cartórios OTA, FDA, EPA e outros. Todas elas empresas experientes na petroquímica, não queriam a "regulamentação" exaustiva, vultuosa e, principalmente, melindrosa dos ensaios bromatológicos e ecotoxicológicos. Assim nasceu a desregulamentação dos organismos geneticamente modificados em todo o mundo...Aqui temos de fazer referência a duas situações:No caso cubano, o organismo produtor da vacina, quando geneticamente modificado, está contido em recipientes de máxima segurança. A vacina ou produto farmacológico usado não contém DNA recombinante. Apenas pode haver acidente no laboratório, o que não deixa de ser um risco, porém pode ser relativamente bem calculado e preservado.Já, no caso chinês, é mais interessante, pois a capa do vírus foi introduzida em um pé de fumo e, se houver uma mutação deste gene, os chineses necessitam de um estoque com a estrutura das novas capas e inseri-las continuamente. O que não garante segurança ambiental, mas afasta o risco de impacto econômico. Do ponto de vista de saúde, há uma situação interessante, pois o fumo não é um alimento, nem sequer é ingerido. Ele é fumado, se destrói pelo calor antes de entrar no organismo e não há produto diferente em contato com o organismo humano. Também pode haver um acidente, não só em laboratório.Imediatamente, as empresas norte-americanas com a "luz verde" passaram a investir gigantescas quantidades de capital nas "commodities" (soja, milho, colza), até então controladas por Chicago, agora controladas pela NASDAQ.Nos poucos alimentos em que introduziram a tecnologia, o fizeram copiando, plagiando e guiando-se pelo pensamento chinês, com a inversão e "bricolagem de genes" (non sense) em tomates e abóboras (squash).Esta prioridade "yankee" surpreendeu seus vizinhos e aliados. Como os europeus não são ingênuos ou bobos, logo perceberam que, se as "novas commodities transgênicas" chegassem ao mercado, haveria dois produtos os naturais e os transgênicos e puseram as "barbas de molho".Como os europeus, unidos economicamente, estavam se preparando desde o início dos anos oitenta, para criar dois tipos de agricultura: a ecológica (orgânica ou sustentável), já formatada em seus laboratórios sociais e institutos de pesquisas, em substituição à agricultura industrial, pois o lucrativo negócio dos venenos estava retornando para os seus cidadãos, através das importações de matérias primas.A agricultura sustentável teria um novo marco ou matriz tecnológica (paradigma?) que substituiria os venenos e outros insumos por serviços. Assim os países produziriam sob a orientação deles que venderiam serviços (certificações, análises, garantias de qualidade e saber, principalmente saber), sem a necessidade de produzir dióxido de enxofre, gás carbônico ou gastar comprando energia para transformar matérias primas dos países "em desenvolvimento" ou "não desenvolvidos". Contudo, foram surpreendidos pelos OGMs?Com o instrumental da engenharia genética, a resposta dos estrategistas yankees foi simples: Os EUA é o grande produtor de matérias primas agrícolas. Havendo um produto natural e um produto transgênico, os EUA têm a condição de produzi-los (ambos), enquanto que a União Européia não tem esta condição para nenhum.Compete, então, aos EUA determinarem não só a produção, mas também o preço de cada um. Se a União Européia não tiver onde buscar a alternativa, ver-se-á obrigada a pagar o preço que Chicago, ou melhor, a NASDAQ determinar, pelo alimento que desejar: transgênico ou natural. É de se imaginar como será caro este último.

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A situação era somente impor a soja e o milho para os países súditos grandes produtores: Canadá, Argentina, Brasil, África do Sul, Tailândia entre outros que aceitassem incondicionalmente os transgênicos. Em menos de três anos, os EUA teriam estes países só com transgênicos. E ainda com a vantagem de que as pequenas produções locais de matérias-primas naturais seriam suficientemente caras para não competirem com os EUA, abrindo até um mercado para a elite local consumir produtos naturais norte-americanos.Dizem que o diabo faz a panela, mas não faz a tampa. As empresas norte-americanas não esperavam que a arrogância dos governos britânicos tropeçasse na síndrome da vaca louca, e o temor fosse pano de fundo contra a nova tecnologia, nem que os súditos de um longínquo e remoto Rio Grande do Sul pudessem questionar com propriedade e autenticidade os transgênicos, fora do prisma europeu ou yankee.Hoje há uma série de matizes:A certificação de produtos naturais, um negócio inicialmente europeu, tem uma série de súditos, interessados em serem "terceirizados", de forma global; Agências de governos federal e estadual, na esteira da propaganda, das sustentabilidades, estão criando este mecanismo (de certificação), sem uma avaliação de seu impacto sobre a agricultura, agricultor e economia. Isto irá encarecer o produto na mesa do trabalhador brasileiro, pois haverá uma corrida para produzir o de melhor qualidade, que tem melhor preço, mas tem os custos de certificação embutido, o que aumentará a necessidade de fiscalização, pois o nível de corrupção neste país é institucional, o que também diminui as margens do Estado, Governo e Agricultor. E assim por diante...Nesta conjuntura, os europeus, necessitam, mortalmente, serem aliados dos países "em desenvolvimento", para não ter o estômago sob as ordens de Tio Sam.Contudo, entre nós, a mediocridade é tanta que vemos os governos e pecuaristas com olhos gordos no mercado e se esquecem, de que, em uma região onde existe porcos selvagens, cervos selvagens e muitos outros animais portadores do vírus da febre aftosa, não se pode declarar "zona livre de febre aftosa sem vacinação", nem por brincadeira.Por outro lado, onde as empresas no mercado querem vender vacinas e não há eficiência governamental, para controlá-las é impossível se adotar medidas sanitárias. E, ainda mais, as crises internacionais de preço da carne necessitam de saídas estratégicas. A corda sempre arrebenta no lado mais fraco.Da mesma forma não se pode declarar "zona livre de transgênicos" sem fronteiras vigiadas, só com a retórica de políticos e ativistas caricatos, de pouca memória sobre a introdução da ferrugem do café, bicudo do algodão e do extermínio dos suínos, com a falsa entrada da peste suína africana.Mas o contexto é que há, neste momento, uma nova matriz tecnológica, na agricultura, onde o trabalho dos países centrais irá competir internacionalmente e conta com a engenharia genética, como o seu instrumental. Os transgênicos contam com esta estrutura, que parece conjuntura, para situar-se e impor-se.O capital, concentrado e ultrapassando fronteiras ideológicas é disputado loucamente, dentro de uma globalização de mercados. As transnacionais fusionam-se para suprir a ausência do Estado e garantir ao cidadão o direito de consumir, embora de acordo com o seu poder crematístico. Assim, se elimina o poder supremo e a opressão do Estado Nacional, que passa a ser um representante cultural, como a figura decorativa da Rainha da Inglaterra, contudo exacerba-se a servidão.Nestas condições, três perguntas preliminares: Para que Reforma Agrária se ela é antiestrutural? Por que Agroecologia, se a sustentabilidade é estrutural? Como manter a Pequena Propriedade Rural se ela inadequada à escala do mercado e antagônica à OMC e FMI?Tristemente, estas são as síndromes, que nos afetam.Com este registro, não queremos que a incompetência e falta de ética sejam consideradas doenças no futuro.Porém, continuamos construindo as respostas, certos da vitória.Sebastião Pinheiro, outono austral, 2.001.

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CAPÍTULO I

DO MODERNISMO AO SUSTENTÁVEL, PASSANDO PELO DESENVOLVIMENTO

No início, tudo era natureza, e o homem fazia parte indivisível dela. No gráfico-bandeira, abaixo, e seguintes deve-se fazer a leitura da esquerda para a direita como se fossem períodos de anos.

Então ocorreu uma grande transformação – a agricultura.A agricultura marca a primeira revolução da humanidade, que deixou de ser andarilha (nômade) e tornou-se sedentária. Para tal, ela necessitava de espaço geográfico onde predominassem condições ambientais periódicas ou cíclicas (climáticas) dentro de parâmetros e certa estabilidade.O espaço agrícola ocupou o espaço da natureza virgem, lenta e paulatinamente através do trabalho. A remoção da vegetação para o plantio e/ou atração de animais, feito manualmente e posteriormente com o uso de pequenos utensílios, teve um salto incalculável com o descobrimento do fogo, um instrumento impactante, transformador e criador de uma era, a Era da Pirotecnia.2

2 O Século da Biotecnologia, Rifkin, Jeremy Ed. Kadron 1999.

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A Humanidade com sua percepção, memória e transmissão de conhecimentos aos mais novos acumulou experiências e um acervo, criando uma agricultura e imitando a natureza, mas sempre, alterando seus ciclos através dos conhecimentos de que dispunha (tecnologia).Assim, tudo que praticava era uma imitação exagerada da natureza. Podemos dizer que esta era uma agricultura biológica e isto perdurou por mais de dez mil anos e sua fantástica inovação foi levar artificialmente a água aos cultivos, suprindo uma deficiência impeditiva aos mesmos.Antes de continuar nossa análise sobre a agricultura, façamos uma análise da natureza, neste momento.

Quando dos grandes descobrimentos, o homem europeu chega às novas latitudes na América, África e Ásia, dentro de uma nova realidade econômica, busca de riquezas. A natureza in situ do nativo passará a ter um valor para o recém-chegado, pelo valor alimentício, farmacológico, estético, pecuniário, abundância da nova flora, fauna e minérios.Assim, as economias locais se estabelecerão sobre uma base de natureza econômica (utilitária) ex situ. As expedições de conquista, no Brasil (portugueses, entradas, bandeiras, jesuítas, Hans Staden, Von Martius, Humboldt, Darwin e as atuais) foram e são meios para transformar a natureza em

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recurso pecuniário utilitário sem maior compromisso ou cuidado, mantendo a realidade filosófica: "a natureza é invariável e são os meios de produção" 3. Tanto na natureza quanto na agricultura, viveremos neste labirinto.O grande salto na sociedade será dado com a utilização de energia produzida para a movimentação de máquinas, substituindo a força animal. Isto causará um crescente impacto, também na agricultura. É o surgimento da Sociedade Industrial e agricultura homônima. A liberação de mão-de-obra do campo para as cidades será estimulada.

O agricultor, ao dominar a produção de energia, passa com ela a controlar de forma mais efetiva os produtos de que necessita para suprir a necessidade de sua agricultura.O uso de energia externa possibilitará de forma crescente que, a cada dia, o homem se liberte mais e mais dos ciclos e limitações da Natureza, mas pagará um preço, pois cada vez mais a Vida é artificializada.A industrialização da agricultura, principalmente, com a química de síntese orgânica dará um grande salto econômico, primeiro substituindo produtos antes da natureza, agora, agrícolas que serão substituídos pelos orgânicos-sintéticos. Posteriormente, uma ciência será desenvolvida, determinando que os organismos vivos (microorganismos, vegetais e animais) sejam selecionados industrialmente para responderem a estas condições, afastando ainda mais, embora de forma insustentável, o agricultor do equilíbrio da natureza.Este tipo de agricultura terá propaganda e incentivo político e procurará sobrepor-se às formas remanescentes. Para tal, ela será chamada de agricultura moderna, contra-restando a outra que será chamada depreciativamente de agricultura de subsistência.

3 El Capital, Karl Marx, Ed. FCE, México, 1991 Vol I

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A agricultura moderna entre nós, a cada dia, será mais uma atividade econômica, controlada a distância e menos uma ação natural ou política in situ. As grandes empresas internacionais, com filiais em muitos países (multinacionais) a transformarão em atividade econômica subordinada ex situ, sem se importarem com os impactos. Logo, os suportes biológicos (natureza, solo, água) e os culturais sentirão o peso do uso da energia, obrigando o incremento desta para a obtenção de resultados similares, acelerando a crise. É a insustentabilidade!Esta agricultura em crise passará a ser questionada, contestada, abrindo espaço para uma nova leitura do conhecimento anterior com proposições, em vários graus, de uma nova relação entre o "moderno" e o "biológico", em acordo com o nível sócio-cultural-econômico.

Esta proposta será formatada e cuidadosamente analisada em laboratórios sociais nos países formadores de tecnologia e ciência. Nas periferias, será ridicularizada e contestada.Com o final da Guerra Fria, em 1989, a agricultura consolidada será somente atividade econômica globalizada e estará presa às malhas de agentes financeiros, indústria, serviços das empresas, que não serão mais multinacionais e, sim, transnacionais, e suas modificações ocorrerão ao sabor dos interesses dessas. Nela, o agricultor ex situ é apenas objeto nas políticas públicas, principalmente nos países subordinados.

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Nesta situação, passa a ser necessário racionalizar-se o uso de energia para garantir os suportes vitais em colapso, entretanto, uma mudança tecnológica incubada nos laboratórios de ciência dos países centrais estará pronto, para o mercado. É a agricultura em nova matriz, a natureza ex situ, calcada na energia do gene.As transnacionais se fusionarão para ter capacidade competitiva neste mercado seleto de tara-investidores.As giga-transnacionais da agroquímica com a nova tecnologia constituirão o "complexo agro-alimentar-industrial-financeiro", que cumprirão todas as etapas ex situ, ficando para o agricultor apenas os riscos das atividades in situ, que não têm quase nenhum valor. Esta será a nova forma de contração social na agricultura, uma forma de servidão, franqueamento ou terceirização, onde os índices e códigos estão sob o controle das empresas.É o "taylorismo" no sistema e o "fordismo" na produção. Como resultado, no futuro, o agricultor receberá bônus do seu complexo contratante e conforme sua produtividade, terá direito de adquirir um bem ou serviço, por exemplo: passar alguns dias de férias na rede hoteleira do complexo, ao qual está vinculado, onde o acesso estará indicado pelo seu nível de produtividade ou eficiência. Por exemplo, um plantador de soja, criador de frangos ou plantador de fumo para o sistema que tenha rendimentos de eficiência baixa não poderá freqüentar um balneário destinado aos que tem média produtividade, muito menos aos que têm alta. Mas, ascenderá se aumentar seus índices.

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O mesmo ocorrerá para os hospitais, escolas, universidades e outros produtos do complexo...Nele, o agricultor pós-moderno, sempre, será levado a buscar a sua sustentabilidade in situ, ou seja, no do sistema, e a natureza será cada vez mais ex situ. Contudo, aqueles com altíssima eficiência poderão ter a acessibilidade à natureza, pagando o valor determinado e ela estará para ele in situ.É de se comparar os impactos da "Revolução Verde", em sua segunda fase agroquímica, e imaginar-se ou projetar-se os resultados de sua fase biotecnológica na terceira fase.Por isso cremos que a estrutura capaz de evitar estes impactos e enfrentar o poder do complexo agroindustrial-alimentar-financeiro (OMC, FMI, OCDE, Banco Mundial) é a pequena propriedade rural familiar, existente já há muitos e muitos anos e é conhecida em todos os continentes e regiões.Ela é muito anterior, mas foi fortalecida com o Estado Nacional, após os diferentes períodos feudais ou coloniais dos povos.A "pequena propriedade rural familiar" é mais que uma unidade produtiva e já se tornou um fetiche, um sonho.Mais que um sonho de todo e qualquer mortal, ela é a nostalgia idílica, lembrança dos avós ou de uma infância de felicidade, liberdade e contato com a natureza in situ.Como tal, ela é identidade cultural comunitária e embrião de organização industrial.Pode-se dizer que, sem a pequena propriedade rural familiar, não haveria o "complexo agro-alimentar industrial financeiro", que agora a ameaça de aniquilamento. Por isso é importante resgatar, quando ela deixou de estar in situ e passou a ex situ. Pois a análise de seus valores, significados, símbolos, muitas vezes, não compreensíveis, em uma análise reducionista ou academicista, permitirá construir a trincheira para a luta contra o "complexo agro-alimentar-financeiro-transnacional".O conceito de pequena propriedade rural, dos nossos sonhos, é muito parecido ao de liberdade, que todos sabemos o que é, mas ninguém sabe definir. Serve de bandeira utópica para os militantes políticos e névoa de devaneio para as quimeras profissionais dos cientistas "antropo-economistas" e "agro-sócio-economistas".Mas como trazer das alturas está pequena propriedade rural e entendê-la. Niels Bohr, o físico nuclear disse: "é paradoxal, que, para entender totalmente a vida de um cão, é preciso matá-lo."Entre nós, ela já está moribunda, mas não temos esta pretensão, então vamos usar de uma lembrança para situar o valor que a identifica e elevar a auto-estima dos que estão nesta trincheira, chamada pequena propriedade rural familiar.A palavra "lavagem" para os jovens filhos da agricultura moderna não tem qualquer significado. Lavagem, contudo, é uma palavra mágica para a compreensão de nossa abordagem.A lavagem são os restos de comida, casca de alimentos, caldas do cozimento destes alimentos, que sempre eram juntadas nas cozinhas para serem destinadas aos porcos. Lavagem, com melancia de

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porco, abóbora, batata-doce era o principal alimento dos porcos na agricultura, até a agricultura moderna. A lavagem, muitas vezes, era juntada por todos na comunidade tanto rural como urbana e distribuída, conforme os vínculos de amizade. Na maioria das vezes, eram as crianças que recolhiam a lavagem.Aqueles porquinhos criados com a lavagem tinham um dono proprietário e vários "donos sociais". Quando chegava o sacrifício, havia uma festa, confraternização até mesmo mutirão, pois haveria também uma partilha, com pedaços distribuídos entre os que contribuíram com sua lavagem-alimentação.Os norte-americanos, com seus silos repletos de grãos, queriam dar um destino aos mesmos. Procuraram um consultor que lhes indicou o caminho: prender os animais e aves, até então soltos, e alimentá-los intensiva e exclusivamente com grãos em forma de ração. Assim surgiu a suinocultura norte-americana, a avicultura norte-americana, os confinamentos de gado norte-americanos.Para a América do Norte, isto significou mais que uma saída para os estoques, significou uma nova política mundial na produção de alimentos. Para nós, pela não avaliação e projeção de impacto, a perda de uma série de valores e seus transtornos.Em algumas comunidades, era muito comum, em todo o Brasil, o criador de "porcos meeiro". Ele recebia do "capitalista" um número de bácoros para criar. Recolhia a lavagem entre os vizinhos e na, hora do abate, ele entregava a banda limpa (meia carcaça sem as vísceras) e dividia com os participes comunitários os pedaços e os produtos feitos com as vísceras (morcela, chouriço, orelha, rabo, lingüiça, torresmo, banha, toucinho, queijo-de-porco e uma série de produtos, que seria até difícil listá-los todos.Não é uma questão de nostalgia, mas, de economia, resgatar o valor do trabalho e da auto-organização de uma comunidade. Hoje, quando matamos um porco, ele também é fatiado, mas quem fica com os grandes pedaços são as fábricas de ração, produtos veterinários, energia tarifada, frigoríficos, prestadores de serviços, etc., e isto não é a "banda limpa" é muito mais, quase o porco inteiro. Só dá lucro o frigorífico que abate acima de 120 porcos dia... Só tem retorno, quem produz acima de 25.000 frangos....Qual a diferença, para o PIB, que duzentas mil pessoas criem um porco cada ou um criador crie cem mil porcos? Incrivelmente, para a economia periférica, há diferença, e criador dos cem mil suínos é mais importante. Não se leva em conta os meios intermediários e muito menos o fim supremo da Sociedade, apenas o mercado!Mas a questão de fundo é ética, cultural e não econômica: A lavagem era importante do ponto de vista de saúde, pois diminuía os resíduos orgânicos, que, no lixo, provocavam a proliferação de vetores de doenças e pestes.Entretanto, também a questão de fundo não é esta. Para haver lavagem era necessário que houvesse fartura. Esta era a característica principal da mesa da pequena propriedade rural familiar. Seria possível hoje ajuntarmos lavagem, melancias de porco, abóboras no meio do milharal? Evidentemente que não!Quando se fala em economia, citam-se valores de PIB, PNB, renda per capita, etc., mas não há critérios ou parâmetros econômicos para indicar a "felicidade", a "fartura", podemos até tripudiar e dizer que ambas atrapalham o processo econômico.Agora creio que se pode entender que comer um doce de abóbora ou de melancia de porco feito pela avó, mãe, esposa ou nós mesmos, não faz crescer o PIB, se for feito em fogão de lenha, adoçado com melaço, pois não gira a economia do dinheiro.Após este intróito, cremos que se pode tecer comentários sobre a pequena propriedade familiar sem nostalgia ou motivação vazia de argumentos.Agora, podemos afirmar: a pequena propriedade rural é, também, um ser vivo, não vamos esquartejá-la, lembrando o físico Niels Bohr.Podemos tomar o exemplo do Japão após o xogunato e a reforma agrária da Dinastia Meiji, ou podemos tomar o exemplo da Inglaterra e Autria-Hungria ou Alemanha e toda a União Européia. Países que se industrializam sem perder sua identidade, com a agricultura familiar, pois ela está na base do desenvolvimento sócio-econômico. O segredo deles é que, onde os preços agrícolas são

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altos, os salários industriais são muito altos.Podemos ir à Costa Leste dos EUA, Nova Inglaterra e veremos as mesmas ansiedades, sonhos e lutas, que não são muito diferentes da Costa Oeste, mais recente dos mesmos EUA. Ela está incólumeTodos estes Estados Nacionais basearam sua constituição e fortalecimento na capacidade de produção e abastecimento de matérias-primas em quantidades e qualidade para a Indústria transformar em produtos. Esta liberdade e igualdade foi a grande alavanca usada para a transformação da sociedade industrial, que não teria lugar no feudalismo e colonialismo ultrapassados.Somente onde não havia estrutura do Estado Nacional forte, como nas colônias inglesas (Índia, Ásia, África) francesas, portuguesas, espanholas e por conseguinte, não havia células de pequena propriedade familiar e que prosperaram as grandes monoculturas, desde mão-de-obra escrava ou semi-escrava que perduram em nossos dias.A destruição dos "sulistas" nos Estados Unidos da América se dá na luta entre a pequena propriedade rural da Nova Inglaterra e as grandes plantações do Sul e Centro Oeste de aspecto medievo-feudal. Mas a vitória yankee é garantida pela pequena propriedade rural familiar. Isto pode ser lido em "A Terceira Onda" 4.A industrialização na Europa e depois em todo o mundo teve seu nascedouro e sustentáculo na agricultura. É a produção de PEQUENA PROPRIEDADE RURAL FAMILIAR que garante este funcionamento.A Alemanha, o Japão e a Itália, após o fim da Segunda Guerra Mundial, conseguem se reorganizar em função da estrutura de pequena propriedade que não foi abalada pela conflito e destruição quase total das cidades e infra-estrutura.É melhor ficarmos nas alturas e lá, embora seja pensada de modos diferentes pelos individualistas ou coletivistas ela é uma só e representa a segurança do lar, a felicidade da família, a riqueza no trabalho e tranqüilidade para as anteriores e gerações futuras.Aqui cabe a primeira pergunta: Quando a propriedade passou a ser pequena?Não sejamos ingênuos em acreditar que os anos setenta foram maravilhosos, pois foi ali que o capitalismo fordista, que impôs a ordem histórica mercantil e sua violência repressora, reciclou-se e incorporou os valores espirituais de natureza, rebeldia, paz, ética, etc., para transformá-los em "mais valia" após o advento do Pós-Natural.Lembremos de Schumacher, autor do livro "Small is beatyfull", muito bem traduzido para: "O negócio é ser pequeno", mas fiquemos com o sentido do original. Sim, a pequena propriedade rural familiar passou a ser bonita aí.Talvez por isso ela tenha sido induzida a perder a identidade, como unidade econômica autógena, pois, na periferia, a violência "fordista" impunha "o negócio é ser moderno".As emateres e suas congêneres de pesquisas fizeram isso e ainda não apresentaram sua autocrítica ou "mea culpa".Fa-lo-ão se responderem para o "complexo agro-industrial-alimentar-financeiro": "a biodiversidade agrícola dispersa na mão de pequenos agricultores familiares é um risco inaceitável?"Se avaliarmos a estrutura agrária de pequena propriedade rural familiar no Brasil, vemos que ela é a criadora de riqueza e principal formadora da industrialização autógena. Por exemplo, quantas cervejarias existiam em Santa Rosa ou Santa Cruz do Sul no início deste século? Dezenas!Por que, no estado de Santa Catarina, foi criada uma empresa aérea (Sadia) para transportar produtos suínos, em uma cidade do interior, que posteriormente se transformou na Transbrasil?Qual a origem do parque industrial de Bento Gonçalves e Caxias do Sul ou São Leopoldo e Novo Hamburgo?A resposta é sempre a pequena propriedade rural familiar. E sabemos que também na Europa muitos bancos surgiram no meio destas comunidades de agricultores como os maiores bancos dos Países Baixos.Hoje, em época de neoliberalismo, em mercado globalizado e economia de grande escala, nos

4 Alvin Tofler, Editora Record, 7ª Ed.,1983

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deparamos com situações muito estranhas: A criação de frangos e suínos desloca-se do sul, local tradicional para o Brasil Central, sob a alegação de menores custos de matérias primas, insumos e energia, além das isenções de tributos e impostos.Tudo isto pode ser verdade, mas o principal argumento é que a escala de pequena propriedade familiar, hoje, é o principal entrave para a consolidação da integração do complexo agro-industrial-alimentar-financeiro.Quando um agricultor do Brasil Central pede um financiamento para integrar-se em um complexo de suínos ou frangos, ele, através da informatização e robótica, pode dispensar grande contigente de mão-de-obra e ter uma escala fantástica, o que não poderia acontecer na pequena propriedade rural familiar.Por outro lado, quando pequenos agricultores se integram, fica muito clara esta forma de terceirização, com o aproveitamento do seu trabalho familiar, usurpando os impostos, tributos previdenciários, salários, férias, descanso remunerado, impacto ambiental, etc. Isto pode trazer uma conscientização e bandeira de luta contra os interesses do complexo agro-industrial-alimentar-financeiro, o que é subversivo ao sistema.Daí a grande proposta para que a pequena propriedade se viabilize rapidamente para a produção de agricultura e criação ecológica, pois a escala econômica é viável somente dentro dos parâmetros da "sustentabilidade" e "comércio justo".Com isto é fácil entender-se o porquê da imposição da certificação dos produtos ecológicos, pois o serviço de certificação é um sobrepreço que inviabiliza indiretamente a pequena propriedade, apenas dentro de uma linha especial do conglomerado agro-alimentar-industrial-financeiro.Esta é a outra faceta maquiavélica, pois os ingênuos não têm uma visão desta dimensão, embora ela traga a ideologia embutida de destruição da estrutura agrária da pequena propriedade rural familiar.O acesso ou permanência na terra para sua família é liberdade, independência, fartura, felicidade. Isto é uma questão econômica ou político-estratégica?É a união em torno de novos valores que estimulam o progresso e a industrialização endógena ou é a relação de preços internacionais?Hoje, o nosso cenário é confuso: neoliberalismo, FMI, OMC, Syngenta, Monsanto, transgênicos, MST, MMTR, MPA, privatização da água, reforma agrária, globalização, privatização das florestas, etc.Tudo isto mostra um choque, um antagonismo, pois o que para uns é sujeito, para os outros é objeto. É nesta situação que está a pequena propriedade rural familiar.Quando vemos as universidades, as emateres, as congêneres de pesquisa dizendo que agora é a hora da sustentabilidade, agroecologia ou certificação, sentimos a sensação de já ter visto este filme antes e saber qual é o trágico final. Ainda mais sabendo que é impossível fazer um pão diferente com a mesma farinha, ingredientes, forno e forma que fizeram o pão ruim!Não seria oportuno perguntar cartesianamente: Quem são os sujeitos e os objetos nelas?Isto seria o básico, mas não o tudo, fora do contexto do complexo agroindustrial-alimentar-financeiro, pois há uma proposta de "nova aliança"5 e "ética da vida"6.Temos a obrigação e pretensão de uma resposta.

CAPÍTULO II

A SAÚDE AMBIENTAL E A COERÊNCIA CREMATÍSTICA7

Saúde ambiental é um tema interessante, pois para haver saúde é necessário um corpo, já que é impossível saúde sem o corpo correspondente. Sobre saúde do meio ambiente, podemos tomar a natureza como seu corpo e o "equilíbrio" como o estado de higidez, contudo este estado não é

5 A Nova Aliança, Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, 3ª Ed. UNB, 19976 Ética da Vida, Leonardo Boff, Ed. Letraviva, 1999

7 Entre la Economía y la Natureza, Oscar Carpintero Redondo, Ed. De las Cataratas, 2000

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ordem, nem é estático e tampouco equilibrado, ao contrário, é desordenado e dinamizado.Saúde é estado que todo corpo busca incansavelmente, é temporal e no espaço pode ser qualificado como uma utopia a ser alcançada.Entretanto, o contexto de saúde ambiental não tem qualquer significado separado do homem, seja em um local, em equilíbrio ou fora dele. A saúde ambiental evolui desde desconhecida, ignorada, respeitada, tratada até chegar ao ponto atual de ser visto como uma "escuta poética".8

O homem criou, em sua evolução social, alguns mecanismos interessantes, pois só considera algo valioso, quando escasseia.Sabemos que a economia é a ciência cujo postulado máximo diz que os produtos no mercado (mercadorias) valem mais quando escasseiam (e há procura), logo a escassez regula tudo pelos preços, valores e determina interesses. A natureza está no mercado.Podemos entender que a saúde da natureza terá valor quando escassear. Segundo Oscar Carpintero Redondo, isso é crematístico, não é econômico.Este autor espanhol recorreu a Aristóteles, para explicar o que é crematístico. - O filósofo grego diferencia a economia da crematística, sendo a primeira a arte de administrar a casa e a Segunda, de adquirir bens, de mero aspecto pecuniário, porém intimamente ligada à primeira. Uma está ligada a outra contudo, são diferentes.Não é difícil entender o oikos doméstico aristotélico como algo que pode razoavelmente estender ao entorno ou meio ambiente. Já a crematística, segundo o pensador, refere-se a aquisição de bens através de dinheiro, o que é muito diferente. Nossa sociedade atual está tentando, através do dinheiro, resolver os problemas ambientais e isto é um erro grosseiro.Então, quando a natureza começa a escassear, ou melhor, quando o homem se conscientiza de sua finitude, elabora não uma equação econômica, como deveria ser, mas apenas uma equação crematística, tentando através do valor pecuniário remediar a situação, repito um erro fatal.A saúde ambiental ganha status e valor pecuniário, o que é uma contradição econômica, pois a natureza não pode perder força/energia. Da mesma forma como um corpo para ter saúde necessita de alimento suficiente.Aliás todos os seres vivos, incluindo os humanos, necessitam de força/energia, que é retirada da natureza na forma de alimentos (animais, vegetais, microorganismos, etc.) ou os elementos: ar, água, minerais, Sol.Contudo, os alimentos para humanos não estão disponíveis na natureza, são regulados pelo mercado, conforme a escassez/abundância ditada pela crematística, mal chamada de economia. Em alguns países, a crematística está muito próxima à natureza, assim o homem pode se alimentar quase da mesma forma que o macaco. Em outros, há uma crematística quase totalmente industrial, e o alimento natural é muito raro, devido à escassez, o que é bastante coerente.Em uma sociedade, a riqueza e saúde humana dependem do aproveitamento de sua natureza, que perde equilíbrio (saúde) através da transformação dela pelo trabalho. Contudo, hoje, quanto mais rica é uma sociedade mais e mais saúde tem a sua natureza. O que seria uma contradição, mas devemos entender, que cada vez menos a natureza é explorada para constituir o PIB deste país. No Japão e na Alemanha, há florestas preservadas e não as há na Indonésia ou Gabão que são países que as deveriam ter. Por quê?Para mantermos a coerência, é necessário dizer: uma sociedade pobre, com natureza devastada e com o corpo poluído não tem autonomia, pois não é sujeito, é apenas um objeto. Ao não ter autonomia, para transformá-la em trabalho, riqueza ou manter o seu "equilíbrio". Está dependente do centro de decisões de outros.Este é o problema da realidade da natureza utilitária e disponível para os corpos centrais de sociedades hegemônicas. Observem a história e os exemplos saltam à vista.Quando o casal Meadows escreveu o relatório "A impossibilidade de um crescimento infinito em um planeta finito", para o Clube de Roma, nos anos 60, uma grande mudança se delineou9. Começou, oficialmente, a escassez de natureza e o melindre de sua saúde, antes não. Por quê?

8 Oppus cittatis 59 Ver O Manifesto Ecológico Brasileiro, José Lutzenberger, Edição Própria, 1978

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Relembremos: Escassez é o postulado máximo da economia.Não sejamos ingênuos em pensar que as questões de saúde ambiental são novas ou recentes.Lembremos10 Hesíodo em "Trabalhos e Dias", escrito sete séculos antes de Cristo:"A humanidade passaria por cinco idades: a do ouro, como um paraíso sem trabalho nem morte; a da prata, em que os homens eram como umas crianças sem inteligência, reduzidos finalmente a deuses subterrâneos; a do bronze, com outros homens bem diferentes, violentos e robustos, mas injustos, pelo que são aniquilados; a quarta idade, a dos semideuses, que chegam a Tróia em naves e pervivem nas ilhas Bem-aventuradas e, por fim, nossa idade, a do ferro, idade dos trabalhos e misérias, mistura de bens e de males, porém na que se pode fazer valer a justiça e o trabalho, assentando-se assim as raízes de uma época esforçada por alcançar a sociedade democrática e legal, com leis estabelecidas pela razão, que também escruta a ordenação do mundo físico (a natureza)".Os gregos, já naquela época, destruíram suas florestas, perderam seu solo e sua cultura foi subjugada; da mesma forma que o Fértil Crescente e muitas outras naturezas tornadas enfermas pela ação do homem.Em nosso tempo tivemos a Conferência de Estocolmo, em junho de 197211, e, após ela iniciou-se a ordem internacional de tratar a saúde da natureza como um problema crematístico, ou seja, pecuniário. Naquele momento, a doença ambiental era denominada de poluição industrial e cingia-se a meia dúzia de países industriais hegemônicos, onde a inversão e gasto de energia eram extremamente absurdos.A preocupação, em Estocolmo, não era fraterna, nem ética, era uma preocupação crematística, mas no sentido econômico.Entre nós, a partir de 72, começaram os governos industriais hegemônicos a impor a ordem internacional e a usar a crematística como se fosse ordem econômica. Esta grande confusão chega aos países periféricos primeiro como descaso, em função da não escassez de natureza e necessidade de usar o patrimônio natural como meio para a transformação criação de riqueza para a elite e os países centrais.Mais tarde, com a imposição do consumo de tecnologias antipoluentes dos países centrais, financiadas pelo Banco Mundial e, por fim, como um negócio mundial, através de escassez globalizada e comércio dos bens da natureza via FMI e OMC, com maior avidez. É o caso presente da privatização da água.Nos idos de 72, alemães, japoneses, americanos e outros começavam a se preocupar com as emissões gás carbônico e enxofre de suas fábricas químicas (agrotóxicos, adubos, petroquímica, siderurgia, etc.), contudo impuseram, por meio de corrupção, um comércio irreal de grandes quantidades de agrotóxicos, adubos solúveis e plásticos, para os países em desenvolvimento, sem importarem-se com as mortes e intoxicações, com as quais também lucravam.É estranho que não se aborde o tema energia ou agrotóxicos na Conferência de Estocolmo. Compreensível, pois já estava a pleno vapor a "Revolução Verde". Contudo, em 1973, tivemos a Crise do Petróleo e a constituição da OPEP, que paralisou o mundo industrial.Quando começamos a lutar, para que os venenos proibidos em seus países de origem fossem proibidos entre nós, tivemos de lutar contra o nosso governo, mas o governo alemão mudou rapidamente sua legislação e os produtos proibidos lá deixaram de ser registrados, sendo produzidos sem registro para exportação. Quantos morreram devido a isto. Mas eles lucram.É bom ter isso em mente para entender o Relatório Nosso Futuro Comum, da norueguesa Gro Bruntland e toda sua benemerência. Foi assim que os alemães e outros continuaram vendendo fungicidas mercuriais para os inescrupulosos governantes nativos continuarem a registrá-los, comercializá-los e usá-los em tomates.Memória é muito importante, pois na saúde ambiental há o componente denominado paisagem.Os testes com os artefatos nucleares, bombas atômicas, na atmosfera, que contaminavam pelo "fallout" as águas, solos, ar, cultivos e animais e só foram levadas para as explosões subterrâneas porque as análises de amostras de ar e alimentos permitiam analisar e saber os tipos de avanços

10 opus citatis 611 Ver Ladrões de Natureza, S. Pinheiro e D. Luz, Ed. FJC, 1997

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tecnológicos nas bombas dos inimigos. Uma razão sem qualquer valor sanitário humano ou ambiental. Não percamos a dimensão da guerra e da paz.O relatório Rasmussen12 dizia que um acidente nuclear com derretimento do reator somente poderia ocorrer a cada um bilhão de anos, mas em menos de cinqüenta anos tivemos várias situações, inclusive em Embalse na Argentina. Mas, é Three Miles Island, onde faltaram apenas 30 minutos para que tal ocorresse. Os agricultores ficaram revoltados com as notícias sobre a radiatividade, pois não podiam vender seus queijos contaminados por Iodo radiativo (I 127).Depois do acidente em Chernobyl passou a ser comum na Alemanha a venda de um papel especial para a análise de cogumelos apanhados nos bosques germânicos, para constatar se estavam ou não contaminados pela radioatividade, porém os mesmos não eram vendidos para uso em batatinhas, cenouras, alfaces, com igual nível de contaminação. A saúde ambiental do solo alemão, onde cresciam as hortaliças da crematística, não podiam ser comparada à saúde dos cogumelos da economia, daí o tratamento diferenciado, pois as hortaliças eram tão saudáveis quanto o possível. O homem está na natureza antropocentricamente e submetido ao poder.Éramos obrigados a comprar leite em pó e carne de porco contaminado por radiatividade da União Européia, com nosso governo como cúmplice. Logo depois, conhecemos a caricatura de Goiânia e o Césio.Durante este período agravou-se a enfermidade da natureza mundial, já que um modelo internacional de desenvolvimento era imposto pelo Banco Mundial. Isto fez com que a devastação atingisse níveis absurdos em todas as latitudes, principalmente nos países agrícolas, dependentes da saúde da natureza.Nas universidade e faculdades por toda parte, ensinava-se que o solo era inerte e que necessitava de maciças quantidades de sais químicos de alta solubilidade e patenteados, para produzir, e os agrotóxicos eram santos, milagrosos, pois iam acabar com a Fome do Mundo. Assim foi-se matando lentamente os solos, a biodiversidade, os homens em todos os continentes e novas doenças surgindo.A contaminação invisível e insensível de águas superficiais, subterrâneas e oceanos levou ao desespero e caos. No país, utilizam-se anualmente 80 milhões de litros de gliphosate, grande poluidor das águas. Com a soja RR, se irá usar muito mais.O buraco na camada de Ozônio passou a amedrontar, embora seus causadores impusessem, após a Conferência de Montreal, que os países sem autonomia aumentassem o consumo de Brometo de Metila13 e CFC, para alcançar o valor máximo possível, para então iniciar o controle decrescente de suas cotas. Pura visão crematística, quando ela deveria ser ação econômica na acepção aristotélica.Agora, há uma mudança fantástica: a matriz tecnológica não é mais a pirotecnia do petróleo, carvão mineral ou similares. Ela é a biotecnologia e seu instrumental de engenharia genética. Quais serão os riscos para o corpo cansado e doente da natureza, levando em conta que ela trabalha com genes resistentes a antibióticos e partes de vírus que podem se recombinar na natureza, criando quimeras e aberrações de alto risco. A questão para as empresas é crematística não econômica, mas deveria ser econômica para a saúde ambiental.Novamente uma conferência internacional das Nações Unidas é chamada: A Rio 92 e sua paralela a Eco 92, pois o cidadão necessita ser ouvido, participar, preferencialmente de forma virtual e aparente, nas periferias do mundo.A palavra de ordem, agora, não é mais poluição, nem devastação, mas biopirataria, embora seja mais uma contradição, pois quando começa a escassear a natureza e ficar mais doente o meio ambiente é quando deveria haver mais valor crematístico, mas, não é isso que ocorre.As nações sujeito, responsáveis pela devastação além-mar, nos países periféricos, determinam que os mesmos parem a devastação e comecem a preservação da biodiversidade. Os países objetos passam a discutir isto como se fosse um grande avanço. Seus profissionais egressos dos cursos diferenciados nas universidades da elite passam a estudar os modelos de gestão ambiental crematísticos e preservação dos recursos naturais de forma crematística, com a visão econômica,

12 Ver Cultivos y Alimentos Transgénicos, Jorge Riechmann, Ed. De las Cataratas, 199913 Informe Rel-IUTA, GIPAS, 1998

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que os países industriais usam dentro de suas fronteiras, pois não sabem que não são sujeitos.Ninguém se preocupa em prevenir que o objetivo deles é o acesso à biodiversidade. Que a natureza não está ganhando saúde, mas está, apenas, mudando sua matriz de exploração, pois agora todos os seres vivos da natureza são passíveis de serem patenteados. Logo, a erosão na biodiversidade é um pecado crematístico.Agora, com a globalização é de bom gosto, que se pague pelo acesso à natureza (gene-matéria-prima), pois, no preço final do produto biotecnológico, estará embutido o valor da mesma. E o pagamento torna mais íntimo e indissolúvel o vínculo entre o sujeito e objeto.Para que a biodiversidade tenha saúde e valor, é necessário que o seu conhecedor: as comunidades tradicionais, indígenas e remanescentes sejam, agora, protegidas e tenham direitos, agora, reconhecidos. Quantas tribos foram dizimadas com agrotóxicos misturados a açúcar na Amazônia, África, Ásia, nos anos 70?14 Entre nós o genocídio de 110 línguas extintas não interessa nem à crematística nem à economia, pois somos objetos, não sujeitos.O aceno com o valor crematístico aristotélico para o acesso à biodiversidade, para as grandes empresas é um passaporte para o desenvolvimento, não é garantia de preservação ou identidade cultural de uma comunidade tradicional. Percebam qual o valor crematístico de um gene que cure a AIDS ou controle a hipertensão?É assim que a onda que rola agora é a sustentabilidade.Este é o canto da sereia do maior e mais estratégico complexo industrial do planeta - o complexo agroindustrial-alimentar-financeiro (CAIAF).

CAPÍTULO III

SABER E FAZER A ESCASSEZ

Sabemos que a economia é a ciência, cujo postulado máximo diz que os produtos no mercado (mercadorias) valem mais quando escasseiam (e há procura), logo a escassez regula tudo pelos preços, valores e determinados interesses.Aos governos cabe controlar os limites, abusos e excessos, para melhor fluir seu poder e equilíbrio, pois sabem que os extremos de escassez ou fartura são insustentáveis.Os alimentos são frutos da natureza e tão inerentes aos seres vivos (e humanos), quanto o ar, a água, o Sol, contudo os alimentos, para humanos são regulados pelo mercado, conforme a escassez/abundância ditada pela economia. Em alguns países, a economia é muito próxima à natureza, em outros, é uma economia quase totalmente industrial e o alimento natural é muito caro.A indústria de alimentos propiciou a oferta contínua das mercadorias, através de estoques, com preços praticamente constantes ou mais uniformes e isto viabilizou a pequena propriedade rural familiar na Europa, EUA e Japão, o que levou a políticas públicas decisivas nos países industrializados, onde os governos se aliaram às empresas. Nestes países, há a máxima de que, onde os alimentos são escassos ou caros, há rebelião.A indústria de alimentos, desta forma, é um dos segmentos que mais evoluiu dentro da economia no último século. Seu grande mérito, nos países industrializados, repetimos, foi manter uma oferta constante de alimentos industriais, com preços homogêneos relativamente baixos; aumentar as áreas desses cultivos de forma organizada com valor agregado pela transformação de produtos agrícolas naturais em matéria prima para as indústrias.Internacionalmente, estas empresas logo cresceram e transformaram-se em conglomerados industriais multinacionais. Nos países em desenvolvimento, a indústria de alimentos internacional chegou para se instalar, muitas vezes atraída, incentivada e subsidiada pelo governo, ávido por empregos, impostos industriais e venda de energia tarifada, serviços e infra-estrutura.Em muitos países em desenvolvimento, esta foi a única política pública existente, pois o tamanho das empresas inibia ou impedia qualquer política similar às dos países industrializados.

14 A Agricultura Ecológica e a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil, S.Pinheiro, D.Luz e N. Nars, Ed. FJC, 1995

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Assim, as indústrias de alimentos, entre nós, passaram a influir diretamente nos preços, na produção, nas transformações agrícolas e agrárias, no consumo de insumos, no crédito, ensino e pesquisa, até na concentração do tamanho das propriedades, o que levou a impor as políticas das empresas como forma de baratear custos.Com o seu crescimento, a indústria internacional de alimentos transformou-se em transnacional e tornou-se tão ou mais poderosa que os governos. Estes, dentro da ordem imperial, passaram a tributar os alimentos industriais encarecendo-os e tornando-os inacessíveis para uma parcela expressiva da população, oprimida pela fome, não ritual, mas imperial.A evolução internacional da indústria de alimentos a integrou com outros setores, como o produtor de energia e combustíveis, com o de química, embalagens, marketing e insumos para a agricultura. Hoje, este é o maior e mais estratégico complexo industrial do planeta - o complexo agroindustrial-alimentar-financeiro (CAIAF).Nos países pobres e em desenvolvimento, o CAIAF defronta-se com a política pública dos governos que usam a ordem histórica de violência ritual, através dos espectros da fome e epidemia acompanhada pela ordem histórica imperial com sua violência, repressão (força), aplicada pelo governo interessado, para disciplinar o mercado e consumo, pois, há, também, uma alta porcentagem de consumo de alimentos naturais, que não chegam ao mercado e isto choca com os interesses das empresas, o que impede o interesse ou artifício da oferta gigantesca de alimentos, pois, há escassez na procura por alimentos industriais, devido ao baixo poder aquisitivo.Eliminar a concorrência dos alimentos naturais e aumentar o consumo dos industriais passam a ser a política pública.Concomitante, há ilhas de desenvolvimento da ordem histórica posterior, a mercantil e sua violência, o dinheiro, o que provoca mais desequilíbrios.Esta mistura de três tipos de ordens históricas e suas violências não é sentida nos países industrializados ou, também, nos atrasados, onde predomina quase hegemônica apenas um tipo de ordem e sua violência. Contudo, entre nós, a situação é confusa e varia de um momento para outro e de um ambiente a outro.Na esteira da globalização e mídia do neoliberalismo, deparamo-nos com mais uma realidade: uma nova ordem histórica estabelece-se, a ordem dos códigos.Para que esta nova ordem estabeleça-se é necessário que tudo aquilo que ainda não tiver valor de mercado, seja agora pautado por um preço, seja um comportamento, uma vontade, a qualidade de um alimento ou vestuário, um patrimônio da natureza, como o ar, a água, ou a paisagem. As transformações serão maiores onde houver a mistura de ordens.A principal característica desta nova ordem é que sua violência é controlada inconscientemente pelo próprio indivíduo (consumidor), que se sujeita a ela e é simultaneamente seu próprio algoz e vítima conformada.Em uma sociedade industrial, a presença desta forma de ordem não é tão notada, mas em uma sociedade "em desenvolvimento", a situação fica mais calamitosa que a anterior, pela mistura de ordens, agora mais complicada.Repassemos: na primeira ordem histórica (ritual), sacerdotes amedrontavam os fiéis com o respeito ao sagrado; na segunda, mandatários determinavam, através da força e violência de repressão (lei, punição) e controle; na terceira (mercantil), era o dinheiro que organizava, com um pouco de intervenção do Estado, a violência da escassez/abundância e mantinha o controle; na quarta ordem histórica (código), é o cidadão conformado que se autoviolenta por não ter os meios (informação e outros) para o acesso aos mesmos.É por isso que, nas transições de ordens, muitas vezes, não entendemos o que está se passando e pensamos em nos enquadrarmos em uma ordem, mas já estamos com valores da outra e vice-versa. Isto é usado pelo marketing, mídia e propaganda oficial dos governos de todos os matizes.Os empresários, políticos e governantes sabem que as bandeiras populares são fruto das insatisfações, e as únicas causas que levam à greves, rebeliões, revoltas, etc. , que tanto prejuízos causam aos negócios de suas empresas privadas ou públicas respectivamente.Como tal, na ordem dos códigos, não deve haver qualquer tipo de cerceamento à liberdade

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individual. Todas as causas de insatisfações e possibilidades de litígios devem ser eliminadas na raiz, para se evitar sua repercussão nas relações sociais. Este é o dogma implícito na nova ordem.É por isso que vemos, agora, um grande reboliço, com muitas bandeiras populares serem seqüestradas (violência) pela ordem dos códigos, em uma transição vertiginosa. Os movimentos sociais, atônitos, não conseguem articular o que está acontecendo e quais as correções de rumo necessárias.Bandeiras (códigos) como a da "solidariedade" (lembrem-se de Lech Walesa e seu sindicato na Polônia, que derrubou não só os sindicatos do regime títere dos soviéticos, mas a estrutura orgânica do país).A "poluição" desencadeou o movimento de "defesa ambiental", que nos trouxe novos valores, desde a conferência de Estocolmo, e logo um segmento bilionário para a economia, pela escassez de meio ambiente.A conferência do Rio/92 trouxe-nos a "sustentabilidade" como novo nicho "econômico", biotecnologia e organismos geneticamente modificados, uma nova forma de desenvolvimento econômico (código) tentando estancar a devastação e comprometimento dos suportes vitais, de forma globalizada.Esta globalização também é atual no campo social, e temos a "integração de todas minorias" e a "liberdade em todos os sentidos".A "agricultura alternativa", rejeitada no passado, ganhou status e se denomina de "ecológica" nos programas oficiais dos países industriais, com crescimento vertiginoso.Hoje, na ótica dos negócios, tudo é "terceiro setor" e os governos, mesmo periféricos, conduzem as políticas públicas comandadas pela junção de governo e empresários dentro da nova ordem histórica.Assim, todas estas bandeiras, ontem agitadas pelos movimentos populares e sociedade civil organizada, hoje são programas de governos de qualquer matiz político com polpudos recursos.É dogmática a não permissão que bandeiras de movimentos populares e sociedade civil organizada sejam levantadas e possam causar questionamentos, rebelião, insatisfação e prejuízos às empresas, suas metas e marcas.Mas como isto vai afetar a produção de alimentos?O gigantismo do CAIAF tornará o agricultor seu servidor integrado em um sistema globalizado mundialmente. Os hábitos e dietas alimentares serão o que interessará às empresas e com a qualidade que pode ser acessada pelo consumidor, conforme sua informação e poder aquisitivo.Hoje vemos os movimentos populares em estertores tentarem levar a bandeira da agricultura ecológica e transgênicos. É dramático, não nos damos conta, mas esta bandeira (agricultura ecológica) não pertence mais aos movimentos ecologistas, ambientalistas, popular ou sociedade civil organizada. Ela já foi furtada, agora é um código que pertence ao mercado.Aquele agricultor, no terceiro mundo, que lutava contra os insumos da Revolução Verde e procurava usar alternativas para produzir de acordo aos preceitos da natureza, agora está vendo todos os valores da natureza se tornarem valores de mercado. Pior, sua postura ética foi absorvida pela grande procura e pouca oferta, conforme o interesse de transição do CAIAF.Em países onde estes agricultores teriam a esperança de poder produzir diferenciadamente para enfrentar a ameaça da exclusão, vemos que, agora, eles estão sendo enquadrados nos códigos, para que a sua exclusão se dê como um código e ele se torne um ser conformado, não excluído, mas em servidão econômica para o sistema (CAIAF).Isto é alcançado através da normatização, certificação e outros mecanismos e serviços ideológicos ou mercadológicos.A pressão faz com que os pequenos agricultores sejam obrigados a um tipo de organização empresarial, que os torna reféns de um sistema extremamente caro, onde os custos só podem ser suportados por redes de grandes conglomerados, condenando os pequenos a uma vida efêmera.Não lemos o significado dos códigos, logo o CAIAF terá absorvido o nicho dos produtos ecológicos, pois não é possível que um pequeno agricultor possa pagar sete mil dólares para a certificação de sua pequena produção. A pressão inicial obriga que ele se associe, mais que isso, se

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conglomere, para enfrentar a nova realidade, mas isto é uma transição.Por outro lado, mesmo as redes organizadas para o enfrentamento desta situação têm pouca sobrevivência pela falta de competitividade em uma escala de mercado globalizado. Por exemplo, no Brasil, um país exportador, há apenas um certificador internacional. A quem interessa este monopólio (código)? Ao CAIAF unicamente.Mas quem está percebendo esta manobra, quando há códigos sendo dispersos de que a "agroecologia" (autodenominada "base científica da agricultura ecológica") tornou-se bandeira popular e política de movimentos exangues, que o que fazem é criar mecanismos para acelerar a implantação dos códigos da nova ordem.Assim, os alimentos inerentes ao ser humano como o ar, água e Sol tornam-se mais caros; os naturais ou ecológicos só são acessíveis aos mais ricos; restam aos pobres os alimentos industriais e de menor qualidade, com o conformismo (violência) da nova ordem.Todas as alternativas levam a somente uma situação: O complexo agroindustrial-alimentar-financeiro é um só, e é tudo.No passado, a indústria de alimentos, através do governo, criava as barreiras zoosanitárias e fitossanitárias para impedir uma competição de produtos naturais (ou matérias primas) de países em desenvolvimento ou com políticas fora de seu sistema.Vimo-la, também, determinar infra-estruturas fora do alcance dos pequenos para evitar uma concorrência, através de associações e cooperativas. Assim, se destruiu a estrutura de moinhos coloniais; a indústria colonial de vinho e bebidas locais e regionais; frigoríficos e a indústria de embutidos e lacticínios. Agora, com a novíssima ordem, os mecanismos são as certificações, normatizações, serviços, cartórios globalizados ou pedágios nas estradas e onde está a lucidez para enxergar o código.A cada dia que passa, mais um bem natural torna-se bem econômico; um comportamento social torna-se disponível ao mercado. É assim que economicamente se cria e impõe a escassez, que deve ficar no inconsciente coletivo.Para que isto flua com segurança, é necessário que, a cada dia, algo se torne escasso, como agora, por exemplo, a água.Toda uma lógica de valor e escassez é montada para o negócio de mercado da água. As discussões são formatadas psicossocialmente, para que se discuta a escassez e o valor, como forma de se poupar, preservar, privatizar, etc.Os tecnocratas ou teleguiados logo passam a propalar a necessidade de mudar o enfoque e criam o novo código.Assim, a água passa a ser um negócio, um novo negócio e pensamos que isto é fruto do neoliberalismo ou da globalização, quando, na verdade, isto é fruto original da implantação da nova ordem dos códigos.Em Minas Gerais, um grupo de engenheiros agrônomos, antes amantes de agrotóxicos, descobriu o novo filão e resolveram fazer um Seminário de água-negócios... Não usaram a terminologia que lhes é peculiar, fruto da Revolução Verde: "Water Business", por ser algo inovador e que teria pouca compreensão, contraditando com o já personificado Agribusiness.É assim que vemos os conglomerados, entre eles Carrefour, Novartis, Monsanto investindo em agricultura ecológica. Devemos perguntar: Que diferença há entre a agricultura ecológica de um Carrefour e a de uma ONG? Para a economia ou para o Estado nenhuma. O incrível é que muitas ONGs não percebem o código e passam a construir a transição como se fosse a mesma coisa.Mas a resposta à questão, agora, demonstra que para o PIB a agricultura ecológica do Carrefour é superior pela dimensão de seus negócios e poder gerado.Há uma abissal diferença: a questão ética entre ambas, que se não for levada em conta fará com que se confundam e pensem que ambas posturas são uma só.Os movimentos políticos têm pautado por apropriar-se do termo "agroecologia", como a resposta política às pretensões do CAIAF. Não compreendem que ela é de interesse (código) do Departamento de Estado dos EUA; assim como a "agricultura orgânica", do IFOAM, é interesse da União Européia e os japoneses tentam correr por fora em uma tentativa de conseguir o seu nicho de

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mercado.Recentemente, vimos muitos líderes da agricultura alternativa dos anos oitenta, agora se apresentando como empresários "verdes", felizes, inocentes e satisfeitos...Isto não nos espanta, pois vemos que a transição para a nova ordem está em curso, por exemplo a erva mate ecológica do MST, que vai para a Europa, é certificada por um Instituto e ninguém estranha está situação. Ele detém o monopólio de certificação no país, embora não seja um organismo de Estado, nacional ou sob controle da Sociedade.No RS, em recente edital público dirigido e encomendado para "doce de frutas adoçado com açúcar mascavo ecológico", ficou o escárnio, pois somente existe, no país, uma associação que produz este tipo de mercadoria.Isto não é sustentável, logo, o CAIAF será o senhor supremo da nova ordem e todos estaremos alinhados em servidão conformados. Os dois exemplos acima demonstram esta realidade, que a cada dia vemos mais e mais dentro de nós mesmos.Quando lemos uma publicação dos movimentos internacionais sobre agricultura alternativa, agrotóxicos, transgênicos e organismos geneticamente modificados ou questões de gênero e outras, deparamo-nos com uma mensagem monolítica, seja a publicação do continente que for.A ótica, a concepção, os exemplos, as proposições de campanhas, tudo é unitário e uníssono, como saído de uma mesma massa e de um mesmo forno. É crítica consentida, que formata opiniões, para servir de modelo de discussão e reação. É pasteurizada e nunca fermentará, além de para o que foi preparada.Na questão dos transgênicos, ao levarmos uma luta independente, logo percebemos que os documentos que chegavam eram todos eles "clones" sem uma diversidade maior, com um alto grau de colonialismo. O fato de uma ativista uruguaia ter chegado ao desplante de dizer: - "afastem-se, pois agora chegaram os profissionais", leva-nos a questionar se esta homogeneidade ou hegemonia não é, também, fruto de um código da nova ordem, na qual somos induzidos e conduzidos, para evitar surpresas desagradáveis ao sistema e poder.Reavaliemos as mobilizações e bandeiras, aparentemente sob nosso controle, como as dos agrotóxicos e a dos transgênicos: A quem beneficia a inércia do governo gaúcho neste setor, aliado com palestras de sensibilização e motivação, que não vêm acompanhadas de ações concretas de capacitação e formação dos agricultores?Parece incrível, mas, na nova ordem, estamos fazendo o jogo do inimigo, como ele quer.É bem verdade que há escassez de talentos nas periferias do mundo, em função do aculturamento das estruturas de poder, que deveriam ser de "saber", mas foram transformadas em aparelhos ideológicos de "fazer".Mas a subversão e sedição à nova ordem histórica, bem que seria um bom momento para se iniciar o exercício de pensar, criar e refletir, agregando valores locais éticos, rituais, imperiais e mercantis, pois estes são códigos antagônicos aos interesses do CAIAF e dos outros organismos internacionais e governos títeres.Devemos decifrar a conveniência entre:O ser ideal do Estado e o estado ideal do Ser.É uma questão de opção, somente de opção.Aliás, a economia é uma ciência?

CAPÍTULO IV

BIODIVERSIDADE: DIÁLOGO COM O MEIO AMBIENTE15*

O antropólogo R.V.D. Steinem registrou, quando esteve no Brasil, que ficou fascinado com o carinho com que um indígena plantava um palito de fósforo, que ele recém utilizara. Interpretou que deveria ser de imensa importância, no raciocínio do silvícola, que aquela planta crescesse e

15 *publicado na Revista da Educação/Governo do RS, Ano XXIX, Nº183 (Jan, Fev, Mar/95, pág. 12)

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frutificasse, produzindo novos palitos. Por outro lado, dolorosa foi a experiência de um médico francês, hóspede de uma família nordestina, que vendo todos "chupando" caju, desatenciosamente deu uma dentada na castanha do fruto e sentiu as queimaduras provocadas pelo ácido contido na mesma.Mundos diferentes exigem aprendizados diferentes, assim, surpresas e temores sempre enriqueceram o aprendizado sobre o meio ambiente.O fascínio pela natureza acompanha a humanidade em sua evolução.O aprimoramento deste conhecimento é um processo educativo e evolutivo, de tal forma que a dimensão da natureza é a dimensão da Vida, embora muitos freios sociais impeçam esta realidade e ela, erroneamente, continue sendo mostrada ou ensinada antropocentricamente, nos moldes do Século XIV e XV, após os grandes descobrimentos, como o novo exótico e bizarro, sempre de forma utilitária e não holística.A natureza não é mais "os meios de produção", a matriz de onde o homem copia suas criações, perpetua suas conquistas, seu progresso e conhecimento ou retira sua subsistência, surpreendente ou dolorosamente.A natureza é muito mais, é um vínculo de memória com seu passado e ética com o futuro.Nos últimos anos, após termos, já, alcançado todas as fronteiras físicas, expande-se a percepção espiritual da natureza, como um novo fator aglutinante, cimento psicossocial.Nossa formação escolar, de ontem, adquirida dos relatos fantasiados dos exploradores ou aguçados com os trabalhos disfarçados das expedições científicas de Darwin, Humbold, Von Martius, Stanley, Cook e tantos outros maravilhando a todos, pela aventura e desafios, com o ignoto, bizarro, exótico, está incompleta, hoje, pois é totalmente "marketizada" como produto de consumo.Nossa percepção ambiental é insuficiente, falta-lhe algo de qualidade: a identidade cultural com o meio em que se vive.Utilitariamente a natureza vinha sendo apresentada no mesmo diapasão com a economia, procurando ampliar seus negócios "ecológicos", um novo filão ou segmento.As sociedades atuais (ricas) instalam o segmento ambiental dentro de suas complexas economias, para explorá-lo, porém, agora, o homem passa a exigir algo mais que um filão comercial, pois o vínculo se consolida e se delineia como um rasgo de identidade, principalmente para os povos transplantados para o novo e novíssimo mundo, onde a devastação foi mais célere e gigantesca, pelo aventureirismo, amplitude do espaço e falta de uma identidade com o espaço (geográfico) ocupado.Há um mundo angustiado com incertezas diante dos desequilíbrios, mudança climática, buraco na camada de Ozônio, envenenamento dos oceanos, acidentes e catástrofes que ultrapassam fronteiras.A comoção alcança a todos. O planeta apresenta sintomas dos desequilíbrios de catástrofes vindouras, sinais de deterioração de suportes vitais, com devastações e extinções.Os meios de comunicação do poder usam os formadores de opinião, procurando manter o "status quo econômico-social" e tudo mais sobre total controle.A formação educacional do passado, via conhecimento através de coleções de insetos, herbários ou visita a jardins botânicos, zoológicos, a Parques Nacionais e Reservas Ecológicas, não satisfaz ou é insuficiente para a comunidade diante do interesse e volúpia da mídia diante da realidade de rescisão do vínculo ético com o futuro.O homem ultrapassou as células vivas no seu conhecimento sobre a natureza, manipula DNA, podendo transferir características do peixe linguado para uma variedade de milho patenteada ou para mais rápida engorda de uma raça de suínos biotecnológicos.Estará o homem tão preparado quanto o mercado? Evitar o choque cultural é preciso, para não impedir o(s) negócio(s) do progresso.A identidade do cidadão com a natureza, já que os genes já podem ser comercializados para a formação de novos produtos, novas vidas, através da engenharia genética, não pode ser atingida, acione-se a Educação...A mídia eletrônica já percebe esta faceta tecnológica e quão poderosa ela é. Assim nos trará sua interpretação tendenciosa do indígena plantando o palito de fósforo ou o médico mastigando a castanha de caju, nossa telenovela cotidiana, para que não venhamos a ter o mesmo choque que o

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silvícola ou médico ao conhecer os novos engendros patenteados da engenharia genética, nem alcancemos um padrão ético de compreensão disto.Vimos, boquiabertos, uma menina norte-americana, de Kansas City, com dezessete anos, extasiada, pois nunca tinha visto alguém descascar uma laranja, embora ela se contrapusesse orgulhosa por ter comido "Big Mac" em Estocolmo, Sevilha, Bangcoc e Hong Kong...Pode parecer provocação banal, mas recentemente, em Cuba, um grupo de profissionais universitários, chineses maoístas, cubanos castristas e guevaristas, russos comunistas, angolanos socialistas discutiam acaloradamente a telenovela "A Escrava Isaura" da Rede Globo de Televisão, brasileira.Alguém que conhece seu meio não é facilmente "manipulado", por mais ingênuo que possa ser, o difícil mesmo é saber o que é seu meio ambiente, qual o rasgo de identidade cultural do mesmo ou qual o vínculo espiritual da memória dele, com o passado e qual sua ética com o futuro da natureza.Qual é o padrão ético de Vida que nos está sendo transferido cotidianamente?Passamos a duvidar que ele nos levará, sempre, a querer plantar uma árvore de palitos de fósforos ou deliciar com uma desconhecida castanha de caju (crua).Necessitaremos da informação dirigida da mídia para aceitar fazer o que o mercado necessita, pois ele, finalmente, será a nossa derradeira escola ou instituiremos a restauração da educação como sujeitos da cidadania?O resgate do "feijão sopinha" foi um exercício.Qualquer mísero mortal com um conhecimento médio de tecnologia saberia que o petróleo seria em alguns anos substituído por uma nova matriz, a biotecnologia.Esta biotecnologia tem na biologia molecular a sua base e instrumental. Contudo os genes não são "chips", que podem ser fabricados em laboratórios ou linha de montagem. Eles compõe o germoplasma dos seres vivos e estão na natureza, como tal não têm qualquer valor. Entretanto com a biologia molecular é possível controlar os caracteres dos seres vivos com alta definição, e até mesmo controlar sua reprodução, então o que antes não tinha valor, passa a ter um valor fantástico e estar exclusivo para um grupo seleto de pouquíssimas empresas.Logo, onde houver maior quantidade de genes há maior procura, cobiça e possibilidades de sucesso.Não sejamos ingênuos em pensar que as questões de biotecnologia são novas ou históricas lembrando o vinho, o pão, a cerveja e outras desinformações e alienações, políticas sociais ou econômicas.A busca pelos genes é muito antiga, antes se conseguia o produto criado pelo gene. Assim o índigo, a seringueira, a batatinha, o morango eram introduzidos em outras regiões e cultivados. Os grandes descobrimentos possibilitaram a criação de jardins zoológicos e botânicos, para o estudo do efeito dos genes.Eles depois serviam de molde para a síntese química em uma imitação grosseira, porém exclusiva do produto da natureza. Exclusividade preservada por uma patente, que garantia valores e mercados.Depois, com os cruzamentos de "eugenia vegetal e animal" se conseguiu produzir novas variedades e raças, que logo foram protegidas pelo grande negócio que representavam, como híbridos ou apenas marcas registradas.Desde a descoberta da estrutura do DNA se sabe que um dia se conseguiria transferir características de um ser para o outro, a transgenia. Mas, para que isto tivesse o valor correspondente era necessário criar a utilidade protegida.Não é de hoje, que a Ordem Internacional é "formatar" tudo o concernente à biodiversidade, preparando os centros de decisões, poder e saber para preservação, comercialização, patenteamento, direitos, ética e tudo mais sobre os seres vivos e sua biodiversidade.Antes o expedicionário buscava uma planta nova para ser usada como alimento, fármaco, cosmético, corante ou adoçante. Hoje, precisamos, apenas identificar, isolar e caracterizar o gene que produz esta "qualidade" e temos a garantia da patente e exclusividade. Esta é a matriz futura e nada parece tão fantástico e valioso. Governos e empresários organizam-se para o novo salto industrial, a biotecnologia.

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Todos os movimentos políticos e sociais sabem que os genes são as sementes estratégicas para qualquer tipo de agricultura, indústria, comércio, serviços, etc. Eles provocaram uma revolução tão intensa, quanto a descoberta do fogo.A sociedade industrial desenvolvida nos últimos duzentos anos, preocupada com produção crescente e sob domínio total da economia, levou a uma perda acelerada dos cultivares, raças de animais e aves locais desenvolvidas durante os últimos dez mil anos ou seja houve erosão e estreitamento da biodiversidade, em todas as latitudes e muitas espécies deixaram de ser cultivadas/criadas, um contra-senso, pois agora com a revolução do gene ela vale muito, muitíssimo mesmo.Quem têm uma grande parte destes tesouros de germoplasma, hoje, são as grandes coleções controladas por empresas e governos industriais. Mas é o material desconhecido, que está nas savanas, pampas, selvas e ecossistemas naturais que vale muitíssimo mais e corre o risco acelerado de desaparecimento pela devastação.Muito do conhecimento destes recursos genéticos é restrito a comunidades isoladas, minoritárias ou em processo de aculturamento. Isto é campo da ETNOLOGIA, ciência que estuda a cultura material e espiritual, o conhecimento e sua transmissão nas comunidades naturais (primitivas).Nos Séculos passados, era o biólogo que caracterizava e identificava o organismo vivo, recebia a informação etnológica para dar uso utilitário ao novo ser vivo encontrado, mas era com a ajuda do farmacêutico e bioquímico preparava a sua síntese química.Agora é o etnólogo que recebe a informação sobre as diferenças entre os seres próximos dentro da biodiversidade específica, decodifica este saber das populações e comunidades naturais e o disponibiliza para que sua empresa (ciência) identifique em que porção do DNA aquela característica está e possa isolá-la, através dos biólogos moleculares.Por exemplo, duas serpentes (ou insetos) de um mesmo gênero e até mesma espécie podem ter sua picada tratada de forma diferenciada ou com plantas diferentes, por determinadas tribos. Este conhecimento é muito mais apurado e sua decodificação mais complexa. Sem este conhecimento etnológico decodificado o biólogo molecular levaria muito tempo para identificar as proteínas, genes e os proteomas que separam estas subespécies ou eco-raças.Como em todas as Ordens Internacionais vemos os países industriais se organizarem política e diplomaticamente para que os países, detentores dos tesouros genéticos ou seja os "países em desenvolvimento" cumpram as normas, financiamentos, convenções internacionais e tudo fique sob controle.Para fazer frente a isto idealizamos no início dos anos noventa um projeto de produção de sementes de hortaliças para a agricultura ecológica, visando evitar o monopólio do poder industrial. Este projeto foi entregue à Cooperativa Ecológica Coolméia, que tentou financiamento no Banco do Brasil, mas não o desenvolveu.Posteriormente este projeto foi autorizado a ser executado por um movimento social e lhe demos suporte desde o lançamento

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até a concretização e colheita da primeira safra, feita através de uma Brigada Pedagógica de alunos universitários

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Este projeto transformou-se, e, hoje, é uma marca comercial, porém é mais uma marca política. Sua continuidade é financiada por dinheiro estrangeiro, pois não tem sustentabilidade econômica. Embora se culpe o movimento ambientalista pelo seu insucesso, não há qualquer relação, pois o erro está sendo político e não comercial.

CAPÍTULO V

RESGATE DE BIODIVERSIDADE: O "FEIJÃO SOPINHA"

Tivemos a oportunidade de iniciar uma recuperação do trabalho perdido com o projeto anterior, através de uma nova situação. Em 17 de dezembro de 1999 fomos convidados para dar uma aula no curso de agricultura do Projeto Terra Solidária, da Central Única dos Trabalhadores, organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, em Mostardas/RS.Nosso primeiro fascínio foi que a maioria dos alunos deste projeto de educação, formação e

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capacitação de agricultores é de descendência africana. Isto não é muito divulgado no Estado, o mais estranho é que na cidade, em todas as 90 paradas de ônibus, ao longo da rodovia, está escrito "Cidade Açoriana de Mostardas".Foi assim que tomamos conhecimento de uma planta, o "feijão sopinha", sem sequer uma identificação botânica, que no passado era símbolo de felicidade, nas festas, casamentos, batizados e abertura do ano novo, mas que agora estava extinta, salvo alguns quilos de sementes resgatados pelo cientista popular, Luiz Agnello Martins, que recolheu das mãos de uma anciã uns poucos grãos e multiplicou. Uns diziam que as sementes vieram com os primeiros colonizadores açorianos, outros garantiam que era comida de escravos e vieram com estes, mas agora estava quase extinta.Esta espécie, uma leguminosa, muito utilizada em sua dieta e de alto teor protéico e valor estratégico como forragem, adubo verde e produto comercial.Ela é muito próxima ao "feijão fradinho" cultivado na região de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, onde é matéria prima do tradicional "acarajé".Imediata e emergencialmente propusemos a realização de um "Projeto Convivência, durante o Verão de 2000", nas casas dos alunos do Projeto "Terra Solidária", propondo que fossem plantadas pequenas áreas com as sementes do feijão sopinha.

Há cinco anos que o Departamento de Educação e Desenvolvimento Social - DEDS da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS realiza os Projetos Convivências com a comunidade, entidades e movimentos sociais durante os períodos de férias acadêmicas, visando propiciar, neste período, um aprendizado extra-curricular, interdisciplinar e transdisciplinar, inserido dentro das comunidades urbanas, rurais e especiais do Estado.Os alunos têm a oportunidade de ver, interagir, vivenciar as realidades dessas comunidades seus hábitos e comportamento, ampliando horizontes.A escolha destes locais e comunidades para a convivência é resultado de fatores peculiares e uma comunhão entre entidades e autoridades, pela necessidade de apoio, infra-estrutura e transporte.Em Mostardas/Tavares tínhamos a oportunidade ímpar de participar no resgate da biodiversidade de um cultivo tradicional, perdido em função dos caminhos da agricultura moderna; simultaneamente realizar um resgate de biodiversidade cultural em duas comunidades isoladas, descendentes de negros alforriados e negros quilombolas e açorianos; além de reintroduzir um alimento de baixo custo e alto valor protéico, na dieta da comunidade e por último realizar este resgate dentro de um padrão de agricultura ecológica, para coroar a proposta.Isto foi proposto detalhadamente para os alunos do "Terra Solidária", pois somente com sua aceitação e elaboração conjunta é que teríamos garantia de sucesso.O Projeto Convivência foi realizado no período de 07 a 16 de fevereiro, com 26 alunos, distribuídos

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ao longo de uma distância de 120 quilômetros, disposição das casas dos agricultores.Embora as condições fossem precárias, em infra-estrutura e recursos, alguns gritos e arroubos e espalhafatos autoritários garantiram nosso sucesso.

Conseguiu-se sucesso na aproximação dos pequenos agricultores de origem africana com a Cooperativa Ecológica Coolméia, o que vinha sendo perseguido à mais de dez anos, através da comercialização de cebola cultivada ecologicamente, na região e por um valor muito acima do valor aviltado do mercado local, criando boas expectativas para o futuro.Fez-se industrialização de cebola ecológica, preparando um mercado para a próxima safra.

BRIGADAS PEDAGÓGICAS

Organizou-se uma "Brigada Pedagógica para a colheita do Feijão Sopinha".Segundo o dicionário da Real Academia Espanhola, o termo brigada "é um conjunto de pessoas reunidas para dedicar-se a certos trabalhos". "Brigada Pedagógica", pois sua atividade principal não é o esforço físico, mas ampliar conhecimentos e saberes de forma transdisciplinar e interdisciplinar, através da reflexão sobre a ação desenvolvida, a comunidade, o produto obtido e a inserção do brigadista.O Porquê de uma Brigada PedagógicaQuem aprende em uma escola, normalmente, sente dificuldade em compreender o exposto (abstrato-virtual), mas sente facilidade, quando realiza o aprendizado com uma prática.Contudo, poucas são as aulas práticas devido aos custos, e as que são realizadas sofrem uma imposição descricionária de obediência ao poder (obseqüente), o que leva, em muitas escolas, a uma dissociação entre o aprendizado teórico e a prática realizada, e, muitas vezes, o pior é que a dissonância se dá entre o aprendizado e o meio sócio-ambiental onde a prática é realizada.Por outro lado, o vigor e a inexperiência juvenis leva a pensar que praticar é usar o esforço físico. Assim, por diversas vezes, encontramos alunos executando tarefas pesadas, orgulhosamente, como se isto fosse praticar.Os alunos, que ingressam nos cursos superiores, na Alemanha, são obrigados a conhecer durante um período de tempo na área onde eles, posteriormente, atuarão como profissionais. Somente, após este período de "adaptação", é que os mesmos estarão aptos a realizar seus estudos. Assim eles já levam uma bagagem de convívio, atmosfera de realidade, que facilita seu aprendizado e futura inserção profissional. A Alemanha é um país sujeito.Nas Brigadas Pedagógicas, os estudantes saciam sua vontade de realizar esforço físico, não pelo esforço, mas pela oportunidade de poder refletir uma realidade que, na quase totalidade das vezes, desconhecem, como elites do presentes e do futuro de nossa sociedade. Desse modo podem mostrar-se e identificar-se com o homem, família e meio sócio-ambiental, onde atuam. Desta

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reflexão, surge a identidade, a compenetração e proposta concreta de transplantar para o abstrato, quando na sala de aula, recebe uma carga de informação...A vantagem das Brigadas Pedagógicas é que não insere um estudante no futuro mundo de trabalho, como na Alemanha, mas em um universo de realidade de nossa sociedade, onde, através da ação conjunta aprende a comunicar-se, codificar o que seus pares de cada tipo de formação recebem e, ao mesmo tempo, o que interlocutores locais transmitem.Normalmente, as Brigadas são realizadas em comunidades tradicionais, longe das propostas centrais de governos. Sua ação é, quase sempre, antagônica às ações de programas oficiais, pois ela é um objeto, para os sujeitos que são os executores, tanto os locais como os estudantes.Recentemente ouviu-se uma pergunta (de pouca reflexão): "Então, vocês vão lá, para trabalhar, colhendo feijão?" E a resposta veio de pronto, sarcástica: "Não, pois nós colhemos feijão com o cérebro".Dentro da nossa realidade sócio-ambiental, a interdisciplinaridade, transdisciplinaridade ou ainda o que se denomina de indissociabilidade fica patente, no nível de cada um e na medida de sua necessidade. Atingindo também aquele que ensina, pois se torna mais cauteloso ou seguro e menos influenciado pela atmosfera exótica de sua práxis.O espírito de camaradagem, alegria, coletividade e identidade com o local, onde se atua e com o que se faz são os alicerces da cidadania e segurança do futuro profissional e ser humano, acima de uma ficha partidária ou ideologização de gibi.Tinha-se programado ir de barco veleiro, em alusão à comemoração dos quinhentos anos do descobrimento, mas uma tempestade impediu a viagem de veleiro.

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Nossa ação diurna (dois dias) foi programada para a colheita nas diversas áreas plantadas com "feijão sopinha" (Vigna sp.) nos município de Tavares e Mostardas, em fins de abril e início de maio presente, com data condicionada pelas previsões meteorológicas, preferencialmente durante um fim de semana. À noite (duas noites) serão realizados simultaneamente os seminários sobre biodiversidade e organização comunitária.Em função do clima, houve uma pré-brigada e duas brigadas com a participação dos alunos universitários e os alunos do Projeto Terra Solidária.Colheu-se em mais de uma dezenas de pequenas áreas e à noite foi feito um seminário noturno sobre a importância do resgate, da organização e da implementação da agricultura ecológica e um jantar com o "feijão sopinha".Concretizou-se a formação da Associação de Agricultores Ecológicos Afro-gaúchos.Contatos pessoais com professores da Universidade do Açores não ajudaram a esclarecer a origem do "feijão sopinha". Em um primeiro momento foi difícil sua identificação botânica, mas um especialista de origem japonesa garantiu ser uma Vigna unguicullata uniguicullata, o que foi corroborado pelo Prof. Dr. Eng. Agr. Licinho, da Universidade do Ceará, que o reconheceu como o "pingo de ouro", já extinto no nordeste do Brasil.No livro "O caupi no Brasil"16, consta que as Vignas são originárias da África e domesticadas há mais de sete mil anos no vale do rio Níger, sendo depois distribuídas cosmopolitamente pelo mundo. Consta também, que suas sementes eram entregues pelos traficantes de escravos, quando da comercialização destes, pois era o principal alimento dos povos de toda a África. Sua vantagem sobre os feijões do novo mundo é sua fácil digestibilidade e riqueza em aminoácidos, como a metionina e adaptação às terras pobres.Em viagem ao Senegal, para a V Conferência do Pesticide Action Network, levamos algumas sementes, que foram identificadas como "niebe" o mais importante alimento da região, pois nasce até na periferia do Sahel e Saara. Os terrenos de Mostardas/Tavares são extremamente arenosos e pobres.Aproveitamos para enviar para o nordeste alguns quilos de sementes para fazer a relação Norte - Sul, internamente e aproveitar as condições climáticas e multiplicar as sementes visando o ciclo lá iniciar-se em junho e terminar em outubro, quando nós semearemos a terceira safra no Sul.Para fortalecer os vínculos, foi lançado o feijão sopinha na Feira Ecológica da Coolméia, no dia 13 de maio, em um data simbólica, com degustação e venda de alguma quantidade de grãos.

16 Publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 1987

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O lançamento real será no dia 16 de Outubro, DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO, com a chegada do nordeste da nova safra, colhida por uma Brigada Pedagógica com 40 alunos de todos os cursos, da Universidade Federal de Alagoas e a Mineradora Barreto S.A, que estamos coordenando, pois há dois quilos de sementes plantados, em Campestre, que deve produzir dezesseis sacos de vagens e aproximadamente três sacos de sementes.17*Como terceira etapa do Projeto Convivência e Brigada Pedagógica será realizada uma Brigada Pedagógica de Inverno para o transplante de nove áreas com cebola ecológica, no final de julho e início de agosto.Um filme em vídeo está sendo terminado, por um aluno do curso de jornalismo e estuda-se a possibilidade de enviar uma cópia do mesmo para a Inglaterra, como forma de ajudar a causa dos agricultores de ascendência africana.O "feijão sopinha" ou "niebe" tem um valor interessante além dos resgates previstos, ele é de cultivo extremamente rústico e barato, com um custo de produção que propicia baratear o custo do alimento na mesa do agricultor. Comparado com os feijões comuns ele é muito mais produtivo e rústico, o que se torna estratégico para as áreas de pequenas propriedades familiares e merenda escolar.Outra característica muito interessante é que normalmente as leguminosas cruas não são tocadas pelas aves no terreiro, entretanto o niebe é extremamente procurado pelas mesmas.Com o Convivência e Brigadas Pedagógicas tivemos meios de oportunizar o resgate cultural, etnológico, agrícola, biológico de biodiversidade, feito pelo cientista popular Luís Agnello Martins, que é o grande responsável por todo este trabalho e cuja dedicação impediu a extinção da espécie, agora resgatada.Normalmente as entidades não governamentais ficam em nível de discursos e publicações, os órgãos públicos na maioria das vezes ficam no proselitismo das Ordens Internacionais, preparando o novo.

17 * Não houve condições de realizar a Brigada programada em função da greve na Universidade Federal.

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A biodiversidade é muito mais que uma Ordem ou Mercado, ela é identidade cultural. É o que transforma o homem em sujeito na sua cidadania e não um mero objeto comercial.

CAPÍTULO VI

O SUJEITO EM UMA NOVA ALIANÇA

"Tanto homem quanto o macaco tiram seu alimento do meio ambiente18, contudo o último tem memória e, além disso, procura sempre libertar-se de sua dependência da natureza."Muitas vezes vivemos nossas realidades mas não a conseguimos ver, sentir e compreender. Há aproximadamente cinco anos, no programa de altíssima audiência "Jornal Nacional" da Rede Globo de Televisão, vimos a reportagem de uma mãe desesperada que vendo os filhos famintos fez sopa de papelão, para alimentá-los. Ela é moradora na "Ilha da Pintada", no Delta do Guaíba, em Porto Alegre, capital do RS, uma área natural de preservação ambiental de grande biodiversidade, entrecortada por charcos, arroios, pântanos, que está sendo ocupada por retirantes atraídos para a capital ou expulsos da agricultura. Este programa chocou a cidadania.Todos sabemos que papelão não só, não é alimento, como é tóxico, pelos componentes e, além do mais, provoca prisão de ventre.Por outro lado, no local onde ela vive existem mais de duas dezenas de espécies vegetais comestíveis (caruru, beldroega, major gomes, tapoeraba),19 peixes e animais facilmente coletáveis ou capturáveis. Este é um cenário.O outro: estávamos na cidade paraguaia de Ibicuy, Departamento de Paraguari, a aproximadamente 120 quilômetros de Assunção, trabalhando na investigação de sementes de algodão sem poder germinativo, enviadas pela Delta Pine dos EUA e abandonadas na região próximo a uma escola com mais de 300 pessoas contaminadas e falecimentos20, quando um menino da localidade, de aspecto guarani, com cerca de oito anos se aproxima. Por estar com um início de amigdalite, procurávamos na vegetação local "tançagem", uma planta muito utilizada para mascar e cortar a inflamação da garganta. Peço que responda em espanhol, e explico que estou procurando "llantén". Ele repete ali não tinha "caa juki", pois só dá em terreno mais arenoso e seco. Mas me indica que posso usar folha e talo de "amambay", recolhendo umas folhas da tradicional piteira a pouca distância.Pergunto: Mas como você sabe isso? E a resposta é um soco na boca do estômago: O que é estranho é que você não saiba.Voltemos ao nosso primeiro parágrafo: Qual a diferença entre o homem e o macaco? Então, o que é meio ambiente para a TV Globo, para a mãe e para menino guarani?Podemos levar a pergunta para um outro nível: O que é sustentabilidade para a TV Globo, para a cidadania mundial, para a mãe na Ilha e para o menino guarani?Não perguntei a ele se sabia o que era sustentabilidade. Fiquei com medo da resposta. Sei que em quíchua não existe a palavra fome. O relatório do Banco Mundial da década de 70 só fala em fome.Uma Revolução Verde foi feita em nome da fome e ela não só aumentou exponencialmente, como fez alastrar uma epidemia de miséria por todo o mundo. Aquela mãe e sua sopa é um exemplo corriqueiro, contudo o menino guarani é o contraponto não atingido pela mesma.Aqui vemos o antagonismo e dicotomia da "mãe e sua sopa" e do "menino guarani". A sopa da mãe aumenta o PIB da economia, já o saber do menino guarani atrapalha os interesses do comércio e crescimento econômico.Hoje, a Organização Mundial do Comércio diz que vários bilhões de pessoas no mundo vivem com menos de dez dólares mensais, o que é verdade, e que é necessário dar sustentabilidade a estas famílias.

18 Dialética da Natureza, Friedrich Engels, 4ªEd. Paz e Terra, 1985 19 Ervas Nativas Comestíveis, C. Zurlo & M. Brandão, Coleção do Agricultor, Ed.Globo Rural, 1986 20 Semillas de la Muerte, Carlos Amorin, Ed. Cabichuí, UITA 1999 Montevideu.

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Se ainda existem bilhões de pessoas que sobrevivem com uma renda mensal de dez dólares, não é pelo que representa o rendimento monetário, da mãe e sua sopa, mas pelo sim que representa a resistência a herança, cultura e modo de vida do menino guarani.Assim, de forma singela, podemos entender o que representa o interesse da OMC, FMI e governos e sua visão utilitária de conhecimento, saber, tecnologia, mercado, marketing e suas conseqüências em termo de ética, estética e civilização, etc.Devemos definir o que é sustentabilidade, mas não esqueçamos que a definição deve contemplar tanto a "mãe da sopa" como o "menino guarani".Sejamos cartesianos, pois a mãe é um objeto social ao passo que o menino é um sujeito social. Neste situação, para o Banco Mundial, o sujeito é um empecilho e deve ser transformado em objeto.O Prêmio Nobel Ilya Prigogine, no último parágrafo de a "A Nova Aliança"21, (pág. 226), diz: "O saber científico pode descobrir-se como "escuta poética" da natureza". Podemos pensar que, nesta aliança, as comunidades naturais e sociais em ordem, equilíbrio e felicidade são sujeitos. Nas dominadas, estamos apenas objetos.Ansiedade! É tempo de crise: morre o "desenvolvimento", nasce o "sustentável".Anteriormente, Descartes formulou a grande distinção que dominou o mundo ocidental: entre objeto e o sujeito, entre a natureza e o homem que devia dominá-la.Em muitas sociedades, a história registra festas e celebrações rituais de oferendas e agradecimento pelas colheitas fartas por serem garantia de felicidade, saúde e riqueza. Contudo, em outras sociedades sem aquelas condições, havia sacrifícios humanos. Uns poucos eram sacrificados, imolados, na crença da ordem.

21 Oppus cittatis 3

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Em algumas sociedades em guerra, a disputa terminava com o vencedor devorando o derrotado, em ritual, para adquirir suas qualidades.

A Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde, publicou dados, segundo os quais 12% das intoxicações por agrotóxicos ocorridas em Cantagalo/RJ, eram durante a colheita dos hortigranjeiros.

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Vemos um menino colhendo folhas de fumo onde foram aplicados os inseticidas fosforados Orthene (Acephate) e Lorsban (Chlorpyrifos) ambos extremamente tóxicos e banidos de outros países.Este menino é, como todos os agricultores e consumidores, lentamente imolado, sacrificado, em um ritual tão macabro quanto o canibalismo. Porém, isto é bem escondido, pois é realizado por empresas poderosas e governos cúmplices, em uma colheita farta de lucros. É uma forma moderna de ritual, onde o medo foi disfarçado pela propaganda, pela ideologia e por outros meios sofisticados pela Revolução Verde.

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Observem, é uma campanha institucional pela tríplice lavagem de embalagens vazias de agrotóxicos, paga com dinheiro público. Órgãos de governo, ciência e tecnologia, profissionais e empresas vêm a público para demonstrar que o importante é deixar limpa a embalagem vazia.Preocupam-se com duas ou três gotas em uma embalagem, mas não se preocupam com os vinte milhões de gotas que são lançados sobre o agricultor e sua família e sobre os alimentos e ambiente. É para nós inconsciente, mas a embalagem vazia, nesta propaganda institucional, é o sujeito, por isso tanto empenho das autoridades, ao passo que o menino-agricultor é, para os mesmos, apenas objeto.Oficialmente, este agricultor é considerado por estas mesmas autoridades culpado pelo mau uso dos agrotóxicos, por sua própria intoxicação, pela contaminação dos alimentos que produz e pelo envenenamento ambiental. Na verdade, porém, ele é uma vítima indefesa deste sistema. Invertem-se os papéis, pois, quando se trocam seres humanos por objetos, a economia cresce e o Produto Interno Bruto (PIB) aumenta, embora cresçam também os índices de insustentabilidade e a infelicidade, em uma violência ritual que ninguém vê ou consegue ver, apesar dos desequilíbrios.Quando isto é percebido, inicia a ruptura do equilíbrio e tende-se para o caos.

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Na abundância de alimentos, não se impõem de forma drástica uma ordem histórica e sua violência contra a felicidade.Ilya Prigogine, em "A Nova Aliança"22 , diz: "Próximo ao equilíbrio, as leis da natureza são universais; longe do equilíbrio as leis da natureza são específicas".Há não muito tempo, havia equilíbrio (felicidade) na agricultura, e um menino filho de agricultores despertava sabendo que tinha de trabalhar duro, além da escola, mas era feliz e tinha uma gama de brincadeiras que realizava no resto do dia. Hoje, as crianças filhas de agricultores fazem parte do ritual moderno da Revolução Verde, sendo tratadas contra a depressão com remédios faixa preta. Mas isto não é visto, pois aumenta o PIB. De que importam a felicidade, a saúde, a qualidade de vida?Como estas crianças, sua família desperta todos os dias, não para construir a felicidade através do trabalho duro, mas para a ansiedade e angústia de resistir à imolação da exclusão e à fome. É a ordem atual. Mas, quando cresce a percepção desta realidade, inicia-se a "desordem", e, se necessário, uma nova ordem deverá substituí-la.A fome é uma arma política, uma ordem imposta. Há muitas formas de fome, fome de liberdade, fome de conhecimento, fome de sabedoria, fome de oportunidades, fome de mudanças.O poder tem o controle da desordem através de "estruturas dissipativas". Elas crescem ao afastarem-se do equilíbrio.Os governos centrais exploram esta infelicidade ficando ela submersa, enquanto necessária. Contudo, será substituída por uma nova ordem, para que tudo permaneça sob controle, quando lhe aprouver.Como todos sabemos, nosso presidente é um renomado cientista social, o qual desenvolveu as teses das sociedades centrais e periféricas e sua interdependência.Para entender os conceitos da Revolução Verde, agrotóxicos, periferia e felicidade, devemos consultar o livro "Do caos à Inteligência Artificial" (pág.175), do pensador francês Jacques Attali23, que diz que existiram três tipos de ordens históricas, a ritual, a imperial e a mercantil, que se impuseram pela violência do mito (medo), da força (repressão) e da mercadoria (valor do dinheiro), respectivamente. Ele acena com uma quarta ordem histórica, a dos códigos, que está em implantação também na agricultura e a qual veremos depois.A finalidade da tecnologia é manter a ordem. No Livro Vermelho é Mao Tse Tung, líder da Revolução Chinesa quem diz: "A tecnologia não é boa ou má. Ela causa impactos. Mas, em uma sociedade desigual, os impactos da tecnologia provocam maiores desigualdades".O poder decidirá quando a desordem através das "estruturas dissipativas" deve gerar nova organização e ordem.O estranho é que, quando se questionam os modelos de uma ordem, por exemplo, a forma da introdução do crédito/mecanização/agrotóxicos/transgênicos, há muitos que entendem serem questionandas a ciência, a tecnologia, o saber, etc., pois vivem caricatamente uma situação periférica, crendo estar em uma sociedade central, onde geralmente estudaram, como bolsistas do regime ou governo.Contudo, uma análise profunda mostra que o erro está na forma (impacto), e não no conteúdo da tecnologia. Esta é a diferença entre o valor da Natureza e os resultados da "Revolução Verde" na Europa/Japão/EUA e na Ásia e América Latina.Nas últimas quatro décadas de "Revolução Verde", tivemos, na periferia, um forte impacto ambiental, com perda de riqueza e felicidade para a economia local. Isto não foi permitido perceber ou enxergar, mas recebemos a imposição do impacto da poluição industrial dos países centrais, que tivemos que acatar, através dos mecanismos do Banco Mundial, FMI, OMC e Convenções Internacionais, em uma nova Ordem Mundial.Vamos tomar um exemplo, para facilitar a compreensão: a introdução, pelos governos, da Revolução Verde foi uma violência imperial imposta compulsoriamente através do dinheiro público do crédito rural.

22 ibidem 323 ATTALI, Jacques. Histórias do Tempo. Paris: Fayard, 1982.

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Fora isto, nas universidades era e é ensinado que essa tecnologia é uma garantia para o aumento de alimentos e combate a fome. Isto traz o medo ao espectro da fome e peste, uma violência ritual, escamoteada em tecnologia e programas educacionais e de desenvolvimento sócio-econômico.Na Europa, Ásia e Japão, onde não há abundância e espaço, a referida introdução não será questionada. Ao contrário, será aceita como lei universal próxima aos equilíbrios.Seus impactos negativos serão contornados, e os cuidados de saúde e ambiente far-se-ão sentir através de códigos instituídos como políticas públicas.Nas periferias, onde há espaço e abundância, mas uma sociedade submetida sócio-cultural e economicamente, a ordem histórica imperial impõe a desigualdade através da força imperialista, com insustentabilidade ambiental, perda de natureza; insustentabilidade econômica, perda de riqueza; insustentabilidade política, perda de autonomia; insustentabilidade social, perda de equilíbrio com aumento de exclusão e ódio; insustentabilidade cultural, perda da perspectiva de futuro e, principalmente, de felicidade.Nos últimos cinqüenta anos, chegamos à violência mercantil, com a imposição pelas multinacionais, de uma Revolução Verde cada vez mais vigorosa. Sem códigos (políticas públicas) similares às dos países centrais. Embora seus impactos sobre saúde, meio ambiente e qualidade de produtos fosse questionada por muitos setores da Sociedade Civil Organizada, ficava a primitiva idéia ritual de que a fome e a peste eram questões superiores, quando a violência já era mercantil.Sim, o comércio de agrotóxicos, na verdade, eram e são, pois a mercantilização mundial de noventa bilhões de dólares anuais não é nicho segmentar. Em um país como o Brasil, onde mais de dez bilhões são gastos anualmente em agrotóxicos e produtos veterinários, se podem levantar questões éticas e morais, mas não fazem uma análise econômica honesta e séria, pois não há governo ou empresas públicas, na acepção dos termos, nos países centrais.Isto porque, para o governo periférico, há um negócio (mercantil), pois quanto mais agrotóxicos se usam, mais ele ganha, pois há incremento da venda de caixões para os mortos e locação nos cemitérios, há maior uso de instalações hospitalares para o tratamento de intoxicados (oficialmente são oitocentos mil anualmente), há maior comercialização de antídotos e remédios, há maior publicidade inócua e programas de governo de uso adequado. Observem que, nestas propagandas, os sujeitos são o agrotóxico, a motosserra, os transgênicos, e os objetos são o homem, comunidade e sociedade submissa. Pode-se dizer, cinicamente, que há um maior Produto Nacional Bruto, que é o índice que mede o crescimento e desenvolvimento econômico de uma sociedade periférica, não há índice de qualidade de vida.

A situação do fumicultor é de imolação. Ele é uma vítima indefesa, mais indefesa do que todos os demais, de um sistema onde não há qualquer liberdade. Tudo o que faz é para lucro das empresas para quem trabalha.

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As mega-empresas de fumo obrigam o agricultor a usar grandes quantidades de agrotóxicos, fertilizantes, crédito, etc., pois ganham sobre os usos destes vultosas somas, comprando-os no atacado e revendendo-os aos agricultores, diretamente ou através de uma associação, pelo preço de varejo.Impõem seguros em benefício próprio, mas pagos pelos agricultores. O mais absurdo é que fazem intermediação de crédito com os bancos. Recebem os créditos para os agricultores com taxas "negativas", pois oferecem recolher sua carga impositiva nesta casa bancária. Porém cobram dos agricultores as taxas de mercado, pois o seu grande sócio é o governo, federal e estadual.É impossível crer que as Universidades nada ensinem sobre a cultura do fumo, que, desde o Século XVI, é a mais importante do país do ponto de vista de taxação. As agências estaduais de extensão rural são proibidas de atuar junto aos fumicultores. A pesquisa sobre o fumo está totalmente na mão de empresas multinacionais, não existindo sequer o Centro Nacional de Pesquisa do Fumo.... (maiores informações no livro "Ladrões de Natureza", de S. Pinheiro e D. Luz, Editora Fund. Juquira Candiru - 1998).Para tentar parar com estes abusos participamos com geração de tecnologia na produção de "fumo orgânico", já que jamais poderíamos chamá-lo de ecológico. Nossa meta era preservar a saúde do agricultor, o meio ambiente e a saúde do consumidor, já que o cigarro e charuto são torres pirolíticas, com os venenos e os resíduos de novos venenos indo direta e rapidamente ao parênquima e aos alvéolos dos pulmões e cérebro.Sigilosamente, durante dez anos, consolidamos este tipo de produção em trabalho com organizações de agricultores, movimentos sociais, igrejas e municípios. Contudo, fomos ingênuos, pois as empresas estavam esperando que nossas bandeiras do "fumo sustentável" ficassem visíveis para se apropriarem delas e as transformarem, com o discurso ambiental e o marketing verde, em nicho especial de mercado e negócio rentável. Isto aumenta a servidão do fumicultor, através da violência dos códigos, e leva à sua imolação com mais sofisticação. Denunciamos esta situação no V Seminário Brasileiro Antitabagista.Na questão dos agrotóxicos, até recentemente não fazíamos diferenciação entre uma e outras, pois a "guerra fria" impedia este tipo de consciência.Para as empresas que estão interessadas em mercado e não em questões pacíficas ou bélicas, o que interessa é comercializar seus produtos pelo máximo de tempo possível. Por isso, elas se organizam para evitar que fatores externos venham a causar impactos e imprevistos aos seus interesses, que elas consideram próximas ao equilíbrio, segundo as "leis da natureza".Por isso, quando as questões de qualidade vieram à tona, elas as orientaram para que a discussão ficasse sob seu controle, dos ambientes oficiais, mídia e consciência coletiva. Por exemplo, na questão dos resíduos de agrotóxicos em alimentos, as unidades criadas, os laboratórios para análises, as legislações e o sistema educacional logo se adaptaram para a formação de um novo tipo de consciência para o objeto, não para o sujeito.Depois, quando surgiu o problema da contaminação ambiental nos países industrializados, o mesmo foi feito, com critérios e parâmetros para a qualidade do ambiente, e um poderoso segmento idêntico ao anterior foi formado. Não é necessário agregar que os países dependentes logo passaram a implementar o novo segmento comercial, sem ter a realidade, o ambiente e a consciência necessários para tal. Assim, a caricatura ficou mais cômica. Contudo, a violência mercantil pode causar imprevistos em uma Sociedade Central, industrial e rica.Os casos das "dioxinas", do frango na Bélgica e da "vaca louca" na Grã Bretanha são emblemáticos. Os desastres começaram há mais de vinte anos, com os plásticos e a alimentação de vacas com tripas de ovelhas, respectivamente. Então se descobriu a contaminação química; agora se sabe que ela passa para a descendência; já a doença das vacas passa para o homem, como Jacob-Krefeld, transmitida pelo príon. O ministro britânico da Saúde reconhece que 1 milhão de pessoas poderão morrer vitimados por ela.Entre nós e eles, o modelo de Revolução Verde se esgota, mas há um novo instrumental tecnológico incubado: a engenharia genética. A Revolução Verde se recicla.Novamente, na sociedade civil organizada, os avatares da nova era começam a anunciar os riscos e

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a necessidade de mudança. São os mesmos ou agem identicamente aos que denunciavam os riscos dos venenos. Contudo, agora, em época de "democracia", as empresas já se anteciparam e acumularam este discurso e possuem estratégias ambientais ou ecológicas para usar as forças destes ingênuos inimigos... A batalha se amplia com novos atores, os consumidores.É neste momento & contexto que os intelectuais das indústrias e governos industriais propõem uma nova relação, antecipam-se, para uma transição para o novo modelo.Assim, muito antes que houvesse consciência ecológica, a violência mercantil se apropriou do discurso e do mercado e se transformou em violência dos códigos, nos laboratórios e pranchetas psicossociais do poder industrial, sob total controle.É por isso que vemos convenções serem montadas e conduzidas, normas internacionais serem instituídas, leis nacionais e regionais serem aprovadas, publicidade, mídia, telenovelas e opiniões serem disseminadas. A convenção de biodiversidade, na Rio 92; as Leis de Patentes Biológicas de seres vivos e sementes. Na ordem dos códigos, a violência é tornar tudo objeto biológico industrial.Na ordem histórica anterior, com respeito a agrotóxicos, já haviam sido instituídos códigos nos países centrais, que nós copiamos ingenuamente: tolerâncias, carências, doses diárias aceitáveis, No Effect Level (N.E.L), No Observable Effect Level (NOEL), avaliação de riscos, risco/benefícios, etc.Para criar um vínculo democrático, nos países centrais, a Sociedade Civil Organizada foi chamada a participar e coonestar, convalidar as decisões de governo e Estado, pois os interesses das empresas lentamente passaram a ser interesses do governo. Aqui, caricatamente, os cidadãos periféricos organizados são chamados às mesmas negociações, mas não há uma relação entre Estado Nacional, Empresas e Cidadania; há apenas o mercado.Faz-se de "conta", mas vemos muitas "Organizações Não Governamentais" acotovelando-se para discutir em mesas de "diplomacia" as listas de restrições de agrotóxicos perigosos, severamente restritos, banidos, etc., da Secretaria Geral das Nações Unidas. Ou os PICs, POPs, IRPTC, TRIPS na biodiversidade, etc.São todos mecanismos e medidas protelatórias, para evitar a proibição peremptória ou restrição total ao uso, que constituiria uma violência imperial ou mercantil contra os negócios das industrias.Muitas entidades civis, ambientalistas, instituições de ciência e tecnologia e governos dependentes conduzem e instituem, consciente ou inconscientemente, esta transição, crendo ser isto o neoliberalismo ou a globalização, quando estamos diante de subserviência ou obseqüência.Na V Conferência do Pesticide Action Network, em Dakar (Senegal), encontrei, no museu, cenários felizes dos rituais pela colheita farta, muito distante dos agrotóxicos, que agora chegam à África com o Prêmio Nobel Dr. Borlaug e outros transformadores de homens em objetos, para o comércio da morte.Assim, é fácil entender por que a poderosa Organização Não Governamental Pesticide Action Network, através de suas sucursais PAN Europa e PAN América do Norte está preocupada, impondo a violência de códigos. As sucursais PAN ÁSIA e PANAL (RAPAL), na mesma inconsciência, preocupadas com a violência mercantil, mas convalidando-a, e uma PAN África vítima de uma violência imperial (40 mortos no Benin por Endosulfan e nenhum esclarecimento sobre o que ocorreu e por que ocorreu), quando ainda o mito é tudo, e uma discussão sobre o eterno DDT.... sem olhar para o resultado da Revolução Verde na América Latina e Ásia.

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Contudo, todos se preocupavam em trazer o eixo da discussão para a questão dos transgênicos e de agricultura ecológica, em caricatura e com interesses mercantis preservados.Seria muito fácil exigir que a Diretiva da União Européia 414/91, sobre agrotóxicos fosse imediatamente adaptada e implantada em curto prazo em todos os continentes. Isto é globalização de interesse multilateral, mas seria esquecer as violências impostas por suas ordens históricas e a interdependência entre centro e periferia e a máxima sobre as leis da natureza: universais e específicas.O que muda? Nada, apenas o modo de fabricação da mesma molécula, mantendo o paradigma e a evolução da violência.

CAPÍTULO VII

AGRICULTURA ECOLÓGICA E A NOVA ORDEM HISTÓRICA DOS CÓDIGOS

O quadro "Abaporu", de Tarsila do Amaral, mostra o tema da antropofagia, nascido da Semana de Arte Moderna. É o quadro mais famoso do país.Em 1922, na Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Pagu, Tarsila do

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Amaral e muitos outros saíram às ruas para levantar operários, portuários, ferroviários e todos os cidadãos-trabalhadores, em uma São Paulo surgida do café, e sua elite ruralista.

Mas essa era uma realidade de menos de 0,1% dos cidadãos, estando a grande maioria do país na agricultura. Logo, era impossível acordar quem estava dormindo em outra dependência, incomunicável, sem escolas, locomoção, ou mesmo Estado Nacional. Não havia a consciência das massas. Continuávamos em nosso canibalismo ritual. O tempo passou, mas nada mudou.O impacto da Revolução Verde pode ser medido por vários critérios e parâmetros, entretanto o pior deles é a desestruturação agrária e o conseqüente êxodo rural que cria o agricultor sem terra.Um agricultor excluído pela RV conquista a terra em um assentamento sempre longe do seu local de origem. De tal forma que ele sempre é assentado em outra região. Contudo o agricultor é ele e seu habitat, circunstância climática, biótica, sócio-cultural fortemente influenciado pelos mesmo.Esta sua cultura e patrimônio ele não pode transferir para o novo assentamento. Assim ele é desenraizado de práticas, utensílios, paisagem, bagagem cultural, etc. Ele nem sabe quais são os indicadores naturais para calor, chuva, estiagem, na maioria das vezes nem sequer sabe ler as nuvens para predizer uma chuva ou tempestade.Em nosso trabalho, quando solicitamos que crianças filhas de assentados pela Reforma Agrária desenhassem os animais de que mais gostavam, nos surpreendemos com os desenhos de animais da região de onde elas eram oriundas, embora quase todas tivessem nascido fora dela. A memória da família falava mais alto que a curiosidade infantil.Entretanto muitos setores de forma incompreensível cobrar eficiência técnica imediata deste agricultor, ignorando que ele terá de adaptar-se também a uma nova matriz produtiva. A maior parte dos assentamentos de reforma agrária no RS fora das regiões de monocultura estão se viabilizando através de produção leiteira e hortigranjeiros.Contudo é tradição cultural gaúcha que a responsabilidade pela horta e o leite seja uma atividade

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feminina na pequena propriedade familiar, o que cria um problema para o casal e família do agricultor assentado, pois agora a horta não é mais familiar, nem a vaca para o abastecimento do lar.Mas, como irá um agricultor que sequer sabe ordenhar, comportar-se diante desta nova e trágica realidade? É comum encontrarmos, em assentamentos, agricultores que, por não terem um aprendizado desde a infância em ordenhar, com L.E.R (lesão por esforço repetitivo) por necessitar ordenhar quatro a seis vacas. Situação parecida se dá com a horta, que agora é um empreendimento comercial. Mas como o fazer entender esta nova situação?O mais dramático é que este sujeito que, embora tendo de se aclimatar a uma nova realidade ambiental, social, cultural e econômica, recebe da assistência técnica oficial da EMATER algumas "orientações", como as exemplificadas abaixo:No Assentamento Fazenda da Branca, em Encruzilhada do Sul (RS), no verão de 1997, para cobrir as pequeninas vacas Jersey foi recomendado um gigantesco touro da raça Santa Gertrudes. O resultado é fácil de se entender todos os bezerros que nasciam morriam e, além disso, morria também a vaca mãe.Não é necessário ser antropólogo para avaliar o impacto sobre esta família que recebe um crédito (PROCERA), o investe em vacas leiteiras e perde os animais. Pensará que é um amaldiçoado pelos deuses e sua auto-estima despencará, quando, na verdade, foi vítima de um profissional, no mínimo, sem vergonha.No Assentamento Fazenda São Pedro, no mesmo município, encontramos uma plantação de feijão tomada de ferrugem, o agricultor desesperado. Um feijão plantado sem adubação, em solo sem correção e onde o técnico da EMATER/RS recomendará uso de cobertura de uréia. Uma leguminosa com cobertura nitrogenada é algo inusitado, só poderia ficar tomada por fungos, com perda total da produção.Para sanar estes problemas, foi criado o PROJETO LUMIAR, mas os técnicos foram selecionados pela aptidão política e alinhamento ideológico e não por conhecimento, de forma que se trocou o anterior pela mesma coisa. Mais uma vez é o fracasso que repercute sobre o agricultor. Continuamos com a antropofagia, nada muda.Este quadro, de Cândido Portinari, de 1944, chama-se "Retirantes"

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É um clássico, embora o pintor, em 1948 tenha pintado ou enxergado os mesmos "retirantes" com outros olhos,

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Qual a diferença entre ambos?O Brasil era diferente, não os retirantes. Com o fim da ditadura Vargas, a constituinte e, enfim, a liberdade de poder enxergar o real e não o virtual, os novos retirantes estavam mais próximos do "equilíbrio".

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Façamos um corte local e enfoquemos o cenário mundial.Em 1949, um grande evento determinou uma nova ordem geopolítica internacional, que se espalhou pelo mundo conturbado: a revolução chinesa. Ela afirmava que a revolução poderia se dar entre camponeses, a grande totalidade das sociedades do planeta.A resposta do capitalismo fordista internacional foi a guerra da Coréia (1949) e invasão da China (1951) pela Índia, pois era necessário destruir a "conscientização das classes camponesas", 95% da população do mundo.A revolução chinesa contrariava o pensamento dominante de revolução somente em sociedades industriais calcadas na organização de operários e massas urbanas. Logo, a exportação do sucesso da revolução para os países pobres causaria grandes danos ao capitalismo.Vimos, muito rápido, as respostas cubana e congolesa.Além da resposta do capitalismo americano com a "Aliança para o Progresso", em seguida, tivemos a resposta do capitalismo internacional, com a "Revolução Verde", antes analisada.Para sua implantação, culturalmente se tomaram o "modernismo" e o "futurismo". Politicamente se substituíram os senhores ruralistas feudais por militares, de mesma formação, mas enquadrados dogmaticamente na nova doutrina (guerra fria).Além do mais, uma seqüência de ditaduras foi espalhada pelo mundo, onde a insatisfação, a exclusão e as desigualdades eram mais atrozes, e maior era a exploração do capitalismo.Na América Latina, isto foi de cabo a rabo, exceto na Costa Rica, que é um país virtual na sua geografia bananeira, onde 20 mil castrados pelo agrotóxico DBCP vagueiam na multidão.Em meio à "Guerra Fria", calcados na visão futurista do progresso a qualquer preço social, tivemos a agricultura industrial, denominada de moderna, implantada em economias de países pastoris,

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agro-florestais e sem indústrias de alta tecnologia.Em uma equação simples sabemos que a agricultura e floresta são o resultado da conversão do sol, água, terra e trabalho em matérias primas e alimentos, fontes de divisas e riquezas para as Sociedades até o Século XVIII/XIX.Para uma agricultura e floresta onde se tem carência de Sol, Água, Terra e Trabalho, procura-se substituir um desses fatores por outros, embora de maior custo. É prioritário que esta substituição seja controlada pelo governo, para evitar uma sangria na riqueza criada, e evitar que pequenas percentagens, na composição do produto ou alimento, desestruturem ou causem um impacto na economia e sociedade.É assim que países latino-americanos (Argentina, Brasil, Chile, México, Uruguai e Venezuela) estarão entre os países mais ricos do mundo até o final da Segunda Guerra Mundial.Contudo, passamos a dividir nosso lucro da agricultura com empresas que nos traziam os insumos, diminuindo nossa margem de participação no todo. Não interessava o quanto de aumento existiria, pois, se não existisse este produto, não estaria no mercado, nem seria comercializado.Para nossas economias, o aumento de produção (produtividade) permite um maior ganho. Para a sociedade, entretanto, se o governo não intervier, este ganho poderá provocar malefícios, aumentando o custo dos alimentos e matérias-primas e seu desvio para diferentes tipos de mercados. Para a sociedade, diferentemente da economia, não interessa o aumento desta forma, e todos os países industriais acautelam-se e protegem-se com políticas públicas: Reforma Agrária, subsídios, proteção tecnológica, estímulo científico, etc.Com uma participação crescente no crédito de financiamento e nos insumos, em pouco tempo, esta agricultura ficou insolvente e estes países passaram a usar a técnica de recortar a moeda, ou seja, a inflação e uso referencial da moeda imperial internacional.Um mecanismo de sobrevivência, cada vez mais prejudicando os mais fracos e fortalecendo os mais ricos. Suas conseqüências são exclusão, miséria, desestruturação cultural, violência, má qualidade de vida e devastação do ambiente e natureza.Isto acelerou o processo e, em pouco tempo, a miséria e exclusão estavam em níveis insuportáveis, principalmente em função da corrida armamentista que as nações industrializadas promoviam contra a realidade do mundo dividido em duas partes antagônicas e cujos custos descarregavam sobre os países periféricos, cujo povo pagava os altos custos da guerra fria.Dentro da Revolução Verde, as empresas vão instalar-se em muitos países, organizando um desenvolvimento dependente. Suas linhas de produtos em obsolescência são transferidas, como forma de autofinanciamento dos novos lançamentos nos mercados centrais, amortizando seus custos tecnológicos, à custa da riqueza agrícola dos países receptores.Assim, as empresas passam a chamar-se multinacionais, pois estão em várias nações, embora subordinadas às suas leis e à política do governo da sede ou matriz.Os estados nacionais, após a Segunda Guerra Mundial, passaram a dividir sua soberania política com estas mega-empresas, pela conveniência dos lucros auferidos e vantagens para a economia e sociedade da matriz.Nos países periféricos, o mercado passa a ser a política pública do governo local, e, logo, o uso de artifícios industriais promoverá a mecanização, crédito, uso de insumos, direcionamento de produção ao sabor das prioridades das multinacionais, mercados e governos centrais. Os diferentes fatores de produção terão um desenvolvimento de acordo com os interesses dos setores dominantes.O impacto será inevitável, mas ele tem duas faces, uma positiva e outra negativa, embora os segmentos de poder só vêem o seu interesse particular. Assim, os "modernistas" e "futuristas" não podem ver a realidade, pois o que interessa agora é o virtual, o ideológico.O resultado disto é, nos primeiros dez anos, altos lucros; nos anos seguintes, crescimento lento, com tendência à estagnação e, depois, uma inexorável decadência que obriga a muitos sacrifícios.Podemos trazer um desafio: Na década de 70, quem ousava questionar o crédito, os fertilizantes e corretivos, a mecanização, ou mesmo os perigosos agrotóxicos?Ninguém, em sã consciência, submetida pelos riscos políticos e sociais que isto implicava. Os desavisados eram chamados de loucos. O interessante é que hoje, agora, todos criticam

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exacerbadamente a Revolução Verde, até mesmo os mais conservadores.Contudo, ninguém fez uma autocrítica, embora os aparelhos ideológicos do Estado "tardiamente" sejam veementes nas críticas, não existe nas Universidades, Institutos e Empresas Públicas de Pesquisas quem assuma os erros anteriores, pois aqueles que impõem as ordens históricas e as sustentam são os mais refratários a sua modificação, até por ato de fé ou afirmação confessional.O que vemos é gente alienada, sem caráter, dizendo que os venenos, os fertilizantes, o crédito capitalista e a mecanização são perigosos, mas que isto é passado, pois a saída é a "sustentabilidade". Ressalte-se que a grande maioria sequer sabe qual é o significado do conceito agricultura e desenvolvimento rural sustentável.Estes agentes oficiais, arautos e elite orgânica da "modernidade futurista" da Revolução Verde se mimetizam, transformam, transmutam, para nos trazer de novo o novo: a sustentabilidade na agricultura, com a mesma identidade anterior, não sabendo do que se trata.Por isso, a moda agora é denegrir a imagem dos indefesos agrotóxicos, fertilizantes, máquinas, crédito, etc., louvando a chegada dos transgênicos.Atenção, cautela, pois o que mudou não foi sequer o produto tecnológico, nem a matriz tecnológica, o que mudou foi o insumo da matriz, que antes era o petróleo, e agora é a biologia (gene).Mas o que se aperfeiçoou muito foi o mercado, que criou uma nova ordem histórica."A quarta ordem histórica, a ordem dos códigos, onde tudo corre o risco de se tornar objeto biológico industrial, inclusive os comportamentos do homem e o próprio homem, produzido e consumido como uma mercadoria.Neste cenário do futuro, onde não é mais possível resistir, a conjuração do mal é interiorizada à norma de cada coisa e cada homem torna-se administrador da violência que ele sofre e se inflige. Não há mais, no limite, dentro dessa ordem, carrasco ou vigia identificável: cada um será o seu próprio carrasco. O que está em questão hoje é evitar esse futuro de modo a que o homem das sociedades hiperindustriais faça surgir uma forma em que a liberdade de criação substitua a violência, sem que para isso uma periferia pague com sua miséria o preço da liberdade do centro."Durante os últimos 50 anos, vimos a ciência e a tecnologia desenvolvendo os seus interesses utilitários, atendendo os seus interesses empresariais, comerciais e, se necessário, criando as necessidades para as suas utilidades, tendo os governos locais como sócios ou lacaios, através de impostos, empregos, consumo de energia tarifada, venda de serviços e cartórios de garantias & proteção deste "status quo".A ciência pública será aliada incondicional às empresas e desenvolverá, com dinheiro público, a base, o fomento e propaganda, para que a empresa possa lançar os seus produtos e o exemplo da soja da Monsanto

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O planejamento científico-tecnológico será feito em uníssono, e a elite orgânica formada nas Universidades e Institutos, alinhadas dogmaticamente.Os aparelhos ideológicos de Estado serão cartórios de interesses das empresas e esta será a subordem histórica, a ser cumprida acima de regime, credo ou estágio sócio-econômico-cultural.Assim, na agricultura, iremos dia a dia perdendo a capacidade de perceber, de enxergar as filigranas dos interesses que passam a ser apresentados como políticas públicas de governo nacional, ou ainda acima de organismos financistas e financeiros internacionais.Uma estrutura hierárquica de habilitação em conhecimento será montada e mantida para guia. Nela, muitas vezes é mais importante o alinhamento dogmático-ideológico do que o conhecimento propriamente dito.A monocultura ou as monoculturas para os mercados globais e bolsas internacionais competirão de forma desigual com a produção de alimentos para a cesta básica nacional, pois a agricultura será estimulada à produção de "cash crops". Contudo, devemos vislumbrar ainda que o mais dramático é que as monoculturas com seu pacote aviltam o preço dos alimentos na cesta familiar do país pobre, excluindo muitos. Isto são os "crash crops", que aumentam a fome e a exclusão. O manejo desta situação pelo governo local demonstra que a fome passa a ser um mecanismo, resultado de uma política pública diabólica de países hegemônicos.Podemos dizer que, quando o Sol, a terra e o trabalho diminuem sua participação no produto

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agroflorestal, em detrimento de inseticidas, herbicidas, fertilizantes, embalagens, propagandas, serviços, etc., quem perde, em primeiro plano, é a industrialização autógena deste Estado; em segundo plano, o próprio agricultor e a sociedade como um todo através da miséria, devastação e desestruturação social.Hoje, se fala em "permacultura", "certificação" e "agroecologia", mas o que são? Nada mais que uma violência de código, expropriando o agricultor do valor do seu trabalho e de sua "mais valia". Pior, apropriando-se da organização de resistência da Sociedade Civil, periférica, para os impactos negativos da tecnologia imposta pela violência imperial do Estado.As ONGs, sustentadas durante a década de oitenta e noventa pelo dinheiro das sociedades industrializadas, agora se transformam inconscientemente em agentes de novas ordens históricas, impondo a violência de código. O preço do produto agroecológico ficará mais caro no mercado interno; o produto agroecológico será destinado ao mercado que pagar mais. Haverá mais exclusão e elitização. É a mesma antropofagia, muito bem vista na Semana de Arte Moderna de 1922.

Nossa sorte é ser o quadro "Retirantes" hoje vivo a caminhar por todas as ruas, praças, campos, seringais, assentamentos, com suas bandeiras, empunhadas por pessoas sofridas, que Pagu, Osvaldo, Tarsila, Mário e outros tentaram acordar naquele antanho. Compete a vocês, como diz Cora Coralina, "aprender o saber com os mestres e a sabedoria no corriqueiro da vida". Não percam de vista os nossos retirantes, excluídos, despossuídos, eles nos farão saber enfrentar o modismo agroecológico dos supermercados da zona sul.O que é sustentabilidade?Sustentabilidade não tem nada a ver com natureza ou meio ambiente. É a ruptura da ordem histórica, o resgate da força da felicidade, estabelecida na igualdade cultural, através da perspectiva de futuro social, da conquista de autonomia política; ganho de riqueza coletiva e universalidade das leis da natureza.Basta de surrealismo. Enxerguem Angeli:

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Este é o índio, a natureza e as sustentabilidades que querem o FMI, OMC e governo. Lembremos, em Seattle, foi gritado: " - o mundo não é uma mercadoria".Para que a ciência seja a "escuta poética da natureza na nova aliança", é necessário que avancemos: "A ordem a partir da desordem para gerar a vida [social] e a ordem a partir da ordem para dar-lhe continuidade [felicidade]." Este é o ensinamento de Schneider e Kay em "O que é vida, cinqüenta anos depois"24 (pág. 198), em homenagem ao livro de Erwin Schroediger, O que é vida, que abriu o caminho para a descoberta da estrutura química do material hereditário. Agora, comemoramos o mapeamento do genoma humano. Confundir o salto científico, que isto representa, com os impactos provenientes do mesmo, é o mesmo que entender como felicidade o conformismo.A nossa Ordem é todo mundo feliz. Progresso é ninguém passar fome.

24 MURPHY, Michael P. e O’NEILL, Luke A. J. O que é vida? 50 anos depois. Editora Unesp. 1999.

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CAPÍTULO VIII

DRENAGEM DE CÉREBROS in situ E ex situ OU POR QUE E PARA QUEM BIOTECNOLOGIAS E TRANSGÊNICOS?

Em biogeografia existe o conceito in situ e ex situ, para denominar o local original, onde um ser vivo cresce e se desenvolve ou adapta-se de forma adventícia, respectivamente. Com a atualidade das questões de biodiversidade, passaram a ser termos do cotidiano, principalmente nas discussões sobre desenvolvimento sustentável, produção e resgate de sementes nativas pelas comunidades de países do Terceiro Mundo. Hoje, pelo emprego das biotecnologias e engenharia genética está atualíssimo, entretanto, em outros campos, também, ambas expressões podem ser aplicadas.Geralmente, as palavras dizem muito mais do que parecem. Por exemplo, a palavra mais corriqueira nos anos cinqüenta era "drenagem de cérebros", para designar a migração de profissionais especializados para os países industrializados, principalmente para fazer tecnologia e ciência.Os países em desenvolvimento preocupados em criar ou consolidar institutos in situ, passaram a formar seus professores universitários cada vez mais jovens enviando-os às universidades estrangeiras ou seja ex situ.Já as empresas multinacionais e governos estrangeiros, em contrapartida, diante da nova realidade do mundo (Guerra Fria) minimizaram à sua moda aquela "drenagem", ao mesmo tempo que passaram a dominar cada vez mais os institutos, universidades e finalmente a ideologia das políticas públicas, para si, de forma ex situ, o que foi facilitado por aquela política de formação acadêmica de professores e quadros, que era a fisionomia do regime subordinado à Ordem Internacional.Em tempos de globalização, fim da história e espaço virtual, é importante não perdemos estes referenciais e memória, pois muitos, de forma utilitária, querem, apenas, avaliar o potencial de demandas para a tecnologia e ciência e vender serviços.Foi anunciado, que, pela primeira vez , desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a produção científica da União Européia ultrapassou os Estados Unidos; já a China teve um aumento de 400%, e Cuba, que possui apenas 2% da população do subcontinente, participa com 12% da pesquisa.A Índia, a América Latina e outras periferias do Terceiro Mundo fornecem grandes batalhões de tecnólogos e pesquisadores para os laboratórios do Mundo, enquanto suas ciências estão estagnadas em menos de 1,8 e 2,0% da produção da pesquisa mundial, respectivamente. Há o agravante de que a maior parte desta produção está direta e indiretamente dominada pelos interesses das grandes transnacionais e governos industriais, embora custeadas "inconscientemente" pelos governos autóctones. A revolução da engenharia genética está em curso e é prioridade global, com mercado bilionário.A importância de todo e qualquer invento ou descoberta determina que haja, previamente, sua cuidadosa formatação desde os aspectos militares, religiosos, filosóficos, políticos, sociais, econômicos e outros, até os impactos e transformações de comportamento, ética e cultura nas diferentes sociedades.Esta formatação é iniciada com muita antecedência e de forma invisível e subliminar, antes desta criação se transformar em um produto tecnológico.No mercado, o produto tecnológico chega ao público consumidor com os agregados da ideologia da sociedade que o criou, buscando o máximo de proveito e proteção do mesmo.O lapso de tempo entre a invenção/descoberta e o lançamento do produto tecnológico é preenchido com as múltiplas etapas e eventos [papers, polêmicas, artigos, congressos, simpósios, seminários, audiências, depoimentos, conferências, ensaios, testes, protótipos, modelos, etc.]Apresentado ao público, no mercado, este produto já não é ansiado, mas desejado, pois todo o rito hierárquico-democrático desta Sociedade foi cumprido e ele passa a ser uma bênção, ofertado pelo governo eficiente, forte, respeitado e com credibilidade aos súditos.Nas sociedades concorrentes, esta criação é vista de forma antagônica. Mas, há, também, uma minuciosa e delicada avaliação e estudo sobre os impactos do mesmo sobre si e seus interesses.Medidas e mecanismos são formatados e construídos, para a superação da desvantagem ou

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desaceleração do crescimento e desenvolvimento da novidade criada pelos competidores.Nelas, os livros têm uma grande importância na disseminação tanto da criação, quanto na denúncia dos impactos negativos da mesma entre competidores.Contudo, há uma terceira situação que é a do "não-criador" ou "não competidor direto" e esta é a situação da grande maioria dos países ou sociedades periféricas, onde há dependência, falta sintonia e sincronização com a necessidade ou utilidade da criação ou de seu sucedâneo, do competidor.Em nossas sociedades, a novidade da criação chega sem estudos ou preocupações com qualquer tipo de impactos, apenas o interesse supremo do mercado.Os raros e caros livros, contrários ou favoráveis, apresentam vieses das sociedades centrais e suas disputas, antagonismos e, não, a realidade ou necessidade local.A reação existente, intelectual ou leiga, fica determinada pelos dois planos: o oficial e o opositor. A questão passa a ser ideológica, sem sequer ser bem conhecida ou discutida.Logo, os posicionamentos tornam-se maniqueístas de fascínio ou estupefação.O dramático é que, muitas vezes, argumente-se ou divulgue-se contra a "criação" e não contra os impactos do produto tecnológico e sua carga de ideologia, pela falta de visão que só um bom livro constrói.Mais trágico ainda é quando somos obrigados a usar instrumentos [informações] de um dos lados litigantes, para defender nossos terceiros interesses. Então descobrimos que em ciência não há periferia, contudo ela pode ser realizada in situ e ex situ.Vimos isso com clareza, na década de setenta, com a questão da defesa do meio ambiente no uso da literatura alternativa de origem européia. Foram necessárias três décadas, para que muitos conseguissem chegar a um "mea minima culpa".O exemplo mais grotesco fica com a questão dos agrotóxicos, sustentada por doutos, incautos e corruptos da Revolução Verde. Até hoje, não temos sequer um bom livro que traga os impactos dos mesmos dentro de uma concepção autóctone de vida e ética, que é bastante diferente da norte-americana ou européia.Pasmos, vemos a argumentação de que a ciência não tem comprovação de que eles sejam danosos, quando qualquer criança sabe sobre seus impactos e danos. Convém entender que este impacto local, por mais negativo que seja, é um bom negócio para os criadores nos países e sociedades centrais de onde a ciência provém.Isto continuará assim até o dia que tivermos informação autóctone em série. Ao mesmo tempo, o fantasma malthusiano da fome volta a ser argumento científico, para justificar os doutos, neoincautos e corruptos das biotecnologias. O economista indiano Amartya Sinn, Prêmio Nobel, com seu estudo sobre a fome no Terceiro Mundo, é ignorado. Precisamos informações autóctones colecionadas para evitar a repetição dos erros utilitários.As multinacionais transformaram-se em transnacionais, seus mecanismos de organização mundial (OMC, FMI, AMI) superam o estado de direito dos estados nacionais. Para elas, agora, o planeta é in situ e assim elas agem.A biotecnologia e seu instrumental de ponta, a engenharia genética, tiveram uma forte reação cidadã, por parte da sociedade européia e terceiro-mundista. Entretanto, os livros europeus ou contestatórios norte-americanos não nos servem, pois são realidades diferentes e até antagônicas às peculiaridades nossas.Por outro lado, o estágio de desenvolvimento da discussão e argumentos contra os transgênicos é anterior entre nós.Isto confunde os cérebros ex situ, pois passam a nos ver como estrangeiros, quando, na verdade, nós estamos conscientemente in situ.Esta é a razão primeira de tantos professores universitários expressarem opiniões comerciais sobre o que lecionam ou a tecnologia que ensinam.Isto nos responsabiliza em gerar o norte e direção nesta discussão sob a ética dos periféricos, cientes de que a ciência não pode ser periférica, mas realizada ex situ.Uma coleção sobre os produtos biotecnológicos, engenharia genética, impactos, riscos, biossegurança e bioética e meio ambiente é, hoje, um grande passo para equilibrar as relações entre

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os três mundos.Nesta coleção, desejamos oferecer textos produzidos in situ e, também, os ex situ traduzidos, como estratégias para a formatação de uma opinião, onde leitores, estudiosos e a sociedade em geral acompanhe os avanços, crescimentos e atualizações tão necessárias no tema, para a satisfação e manutenção do nosso pioneirismo.Isto será uma centelha para um futuro, pois livros são o princípio, para que tenhamos inventos/descobertas formatados mais cuidadosamente, respeitando a Ética da Vida, de forma visível e concreta, muito antes de se tornar um produto tecnológico, pois não há ciência periférica ou caricata, apenas homens como tal ou em tal situação.Pergunta cínica: - Será que o FHC não está com a razão, ao cortar os recursos in situ para a ciência ex situ, já que ele não tem autonomia para listar prioridades ou prestar serviços de utilidade pública?Pergunta ingênua: - Será que ele, ao fazer isto, não é menos hipócrita, que os "progressistas", deixando que o mercado regule a ciência e tecnologia?Consideração política: - A postura de uma grande maioria dos tecnólogos, professores universitários e cientistas nacionais nas questões de biotecnologia, eugenia agrícola e engenharia genética torna-se mais compreensível?Se achas que estamos sendo radicais ou desrespeitosos com Sua Excelência o Senhor Presidente da República, com os tecnólogos, professores e cientistas, vejamos dois exemplos oportunos:a) Nos EUA, uma jovem britânica cai da moto minutos antes de tomar um vôo de retorno à casa. Em pleno vôo sente-se mal e um médico inglês, entre os passageiros, é chamado para atendê-la. A situação obriga a uma operação emergencial, pois sua costela fraturada perfurou a pleura. Uma garrafa de conhaque é o anestésico; uma faca de cozinha o bisturi; agulha e linha de costura fazem as suturas e um cabide plástico é sonda e dreno. Sucesso total. No dia seguinte, em Londres, médico e paciente comemoram com o resto do conhaque.b) Um piloto de um avião 737 Boeing, da Varig erra a leitura da bússola e depois de seis horas de vôo, sem combustível "aterriza" no interior do Mato Grosso. Nove mortos. Após dois dias, os sobreviventes levados aos hospitais estão infestados de bernes (larvas da mosca Dermatobia hominis), que os médicos brasileiros não sabem como combater, embora seja muito comum no Brasil este tipo de parasita.Com segurança, os médicos britânicos seguramente saberiam fazê-lo, embora o último caso de berne existente em Londres tenha sido no Século XVIII.Vemos os cursos de graduação das universidades brasileiras, latino-americanas e de outros países periféricos esvaziados de conteúdo. Os alunos "peixinhos" dos professores são treinados para serem uma elite e fazerem diretamente cursos de pós-graduação e junto com aqueles ativistas políticos e os inseguros inscrevem-se para um curso onde deveriam possuir um pouco de massa crítica.Contudo na Universidade nenhum deles aprende segurança e realidade, apenas treinamento para servirem de pseudo elite. Sem qualquer base fazem a pós-graduação. No início os seus atuais professores iam para os EUA, Europa e faziam cursos de pós-graduação para voltarem como professores.A quase totalidade não tinha condições de acompanhar o curso e voltava um Ph.D vazio de conteúdo e passava a atuar nos laboratórios e dar aulas formando os mestres e futuros doutores, dentro de uma realidade vazia pois sabiam fazer mas não tinham a dimensão do que faziam pois não dominavam o saber, apenas faziam in situ, o que lhes foi ensinado ex situ, sem qualquer saber.Recentemente um brigadeiro do Estado Maior das Forças Armadas, através da Revista Istoé veio a público dizer que nós brasileiros estamos nas mãos de "doutorzinhos" com cursos no exterior, em referência à incompetência.Quem pasteurizou as universidades e permitiu prosperar esta incompetência foram os últimos cem anos de autoritarismos de todos os matizes e formatação de uma juventude pseudo rebelde, puramente arrogante, prepotente e elitista que renova e revigora o sistema atual.

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CAPÍTULO IX

O que comemos. Da domesticação das espécies aos geneticamente modificados

ENERGIA

Devemos lembrar que toda evolução do homem está sintonizada com a do meio ambiente (co-evolução) e com sua dieta alimentar ou qualidade do alimento, o que cria um vínculo íntimo, unívoco entre organismo e sua nutrição, fonte de energia.Ingestão, transformação, absorção e armazenamento de energia, em seres vivos, é um fator tão importante quanto o meio ambiente para sua evolução, com repercussão física, biológica, e, também de aspecto social, por estar vinculado, intimamente com saúde, população, capacidade de trabalho, ocupação espacial, etc.Esta evolução, co-evolução e nutrição em equilíbrio dinâmico crescente, nos últimos seis milhões de anos forja a humanidade. O polegar opositor, pés adaptados à velocidade e encéfalo desenvolvido são diferenças entre homem e macaco, mas está na memória a grande vantagem para a alimentação, dieta e conseqüente evolução. Ela é fruto de sua dieta e cultura alimentar. Somos o que comemos.A nutrição deste organismo, no tempo e espaço, leva a uma co-evolução, a cada momento mais harmônica e sintonizada com outros fatores da natureza abundância (escassez), diversidade (singularidade), riqueza de qualidades biológicas disponíveis (pobreza das mesmas), etc.Podemos dizer que a carne do boi primitivo está para o homens das cavernas, como a carne do boi recém-domesticado, está para o homem de Cro Magnon ou Neandertal, e ainda, como a carne do cruzamento inter-racial está para o homem moderno. Obviamente, isto também é válido para abóboras, aves, hortaliças, peixes, frutas, raízes e outros alimentos ao longo do tempo e espaço.A disponibilidade física e qualidade dos alimentos oferecidos ao organismo ao longo de um tempo moldou uma adaptação para a maior conversão e rendimento energético.O homem primitivo, no caso da domesticação dos animais e a mulher no caso da coleta de vegetais provocaram uma (r)evolução neste processo ao qual foram se adaptando em função do sucesso obtido com a transformação dos alimentos.Cada vez mais e mais as intervenções sobre os animais, plantas e microorganismos originaram alimentos diferenciados.Os alimentos são produzidos na agricultura, mas o trigo, o arroz, a cevada, o tomate, a batatinha, a mandioca, o milho, o amendoim, o abacaxi e muitas outras plantas, como existem, hoje, na natureza, são irreconhecíveis (em estado selvagem), não servem para a alimentação, e, se não são intragáveis, são, até mesmo tóxicas ou indigestas.Estas espécies como nós as conhecemos hoje foram fruto de profunda seleção e domesticação desde os primórdios dos tempos, com o que muito se ganhou, embora tenham ocorrido perdas.É comum as pessoas não acostumadas, que comem frutas nativas das florestas tropicais, pouco domesticadas, como o jaracatiá, a pindaíba, o araticum, o cajui sentirem-se mal ao ultrapassarem uma pequena quantidade, pela sensibilidade do organismo a princípios ativos existentes nas mesmas.A quase totalidade dos alimentos são fruto do trabalho de seleção feita pelo agricultor nos últimos 20 mil anos. Embora invisível, não temos a percepção deste processo, por exemplo, ao observarmos em um campo de cereal todos os indivíduos florescem e frutificam, simultaneamente, não nos damos conta do magnifico que isto é. Como foi conseguida esta homogeneidade?- Este foi o primeiro grande avanço, o máximo de sintonia e sincronização de todos os indivíduos, para facilitar as colheitas. Esta foi a primeira fronteira superada para maior produtividade e fartura dos homens seminômades e sedentários.Para compreender isto basta misturar as sementes de uma espécie cultivada de ciclos variados (precoces, médias e tardias). A colheita é impossível ou muito dificultada, pela maturação

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escalonada. A domesticação e seleção das espécies para a homogeneidade foi um grande salto de qualidade para a abundância pela facilidade.A lenta, paulatina e crescente seleção das espécies, ao longo deste período, através da descoberta de indivíduos diferentes, melhores obtidos na natureza ou através de cruzamentos casuais, ou ainda mutantes, por alteração inesperada na natureza, que, selecionados, permitiu obter sucessos. Mas, nem só de pão vive o Homem.

GENÉTICA

Todos os seres vivos sincronizam-se com o clima, através dos tempos, isto especializou suas atividades. Nos vegetais, conforme o clima, em determinadas épocas as folhas caem, em outras florescem e em outras produzem frutos. A disciplina científica que se dedica a estes estudos é a fenologia, ramo da Ecologia. As alterações no tempo e espaço são chamadas fases fenológicas, pois são condicionadas pelos fenômenos meteorológicos.Nas plantas cultivadas estas diferenças são acentuadas pela seleção e domesticação, dentro de uma mesma espécie, que as pode caracterizar particularmente.Há uma época especial para florescer. Umas plantas florescem no inverno, como a astrapéia, mas a grande maioria na primavera. No RS, o ipê Roxo floresce na semana da pátria; o ipê amarelo, na duas semanas seguintes, embora exista este sincronismo, notamos que de um ano para o outro, estas datas podem variar, em alguns dias em função das alterações dos fenômenos meteorológicos, mas as plantas estão adaptadas às mesmas e cumprem uma ou outra fase fenológica, simultaneamente, em uma mesma região.As plantas de uma região, quando transportadas para outras regiões através de migrações e invasões, adaptam-se à nova sincronização climática, com alterações e conseqüências em seu metabolismo e também impactos no seu novo ambiente. Para o homem isto pode ser benéfico por alterar a época de produção permitindo maior elasticidade com respeito aos seus cultivos domesticados, alterar as qualidades bromatológicas.Em outro sentido, a introdução de espécies exóticas pode se tornar perigosa ou arriscada para o meio ambiente e são muitos os exemplos catastróficos, podendo provocar destruições e impactos climáticos.O processo de domesticação e seleção de espécies, eleva à veneração o valor e possibilita a troca entre comunidades, o que permitiu a expansão e o aprimoramento das mesmas e qualidades superiores dos alimentos.A domesticação permitiu aprender que muitos filhos se parecem com os pais. Mas, muitos se parecem mais com os avós, tios ou bisavós, foi assim que a domesticação deu lugar a seleção. Seleção é um grande passo na evolução da qualidade e especialização.O que demonstra que os caracteres de bisavós, avós e tios não se destroem, podendo voltar em netos, bisnetos ou trinetos.A condução da seleção e domesticação das espécies procurou sempre conduzir para que os netos sempre fossem melhores que os pais e avós e aquelas características ficassem submetidas às novas, de interesse social.Embora conhecida já há muito tempo, foi graças aos trabalhos de Mendel (1860), com ervilhas, que isto ficou esclarecido, e explicado ao ser redescoberto em 1900. Hoje é ensinado, já, no curso primário.As plantas de ervilha tem os dois sexos em uma mesma flor. Sempre, quase sempre ocorre a fecundação da parte feminina (ovário), pelo pólen da mesma flor.Em 1860, na horta de seu mosteiro, o monge João Gregório Mendel controlou o cruzamento de duas plantas de ervilhas diferentes. Uma tinha flores vermelhas e a outra flores brancas. A descendência (filhos) destes cruzamentos deram sementes que produziam somente ervilhas de flores vermelhas.

PAI VERMELHO MÃE BRANCA filho flor vermelha – filho flor vermelha Filho flor vermelha - filho flor vermelha

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O que aconteceu com o caráter que produzia flores brancas?Quando se cruzaram as plantas filhas de flores vermelhas, obtevieram plantas de flores brancas.

PAI VERMELHO MÃE VERMELHA filho flor vermelha – filho flor branca Filho flor vermelha - filho flor branca

Houve a restauração do caráter branco?O monge cientista considerou que o caráter vermelho e o caráter branco faziam parte do mesmo mecanismo de regulação da cor das pétalas da flor da ervilha (alelo) e que o vermelho domina o brancoNos cruzamentos acima, podemos representar as ervilhas de flor vermelha por "B" e as de flores brancas por "b". As flores vermelhas, obrigatoriamente, tem o caráter hereditário (gene) B_ (dominante). Já as ervilhas brancas não podem ter o caráter B, nem transmitir gametas B aos seus descendentes, pois este determina cor vermelha, então as ervilhas de flores brancas têm a formação hereditária bb, ou seja, produzem gametas b, conforme o quadro abaixo.

PAI VERMELHO (B_) MÃE BRANCA (bb) filho flor vermelha (Bb)– filho flor vermelha (Bb)

Filho flor vermelha (Bb) - filho flor vermelha (Bb)

Nos cruzamentos entre ervilha vermelha B_ e branca bb , se todos os filhos nascem e produzem flores vermelhas é sinal de que a ascendente de flor vermelha é homozigoto (BB), ou seja, só produzem gametas B, e, terão todos a seguinte formação dos caracteres hereditários: Bb, isto se chama de heterozigoto.Mas, se alguns descendentes nascem com flores brancas é sinal de que a ascendente de flor vermelha é heterozigoto Bb.Mas, se este heterozigoto (Bb) se cruzar, teremos a descendência 25% BB, flor vermelha, chamado homozigoto dominante; 50% Bb flor vermelha, heterozigoto e 25% bb flor branca, homozigoto recessivo. Vê-se que o caráter de flor branca não se perdeu, voltou na segunda geração.Esta explicação acima é primária, mas serve para que se entenda que, no início da domesticação das espécies, não há perda de genes de um cultivo. Estes, apenas, ficam impedidos de se expressar, podendo surgir em uma nova geração."Um caráter hereditário é independente e não desaparece no fruto de um cruzamento, reaparecem nas descendências seguintes".O trabalho do monge Mendel foi mais longe, ele cruzou ervilhas de flor vermelha e casca da semente lisa, com ervilhas de flor branca e casca da semente rugosa e obteve que as características do pai saiam junto com as características da mãe nos filhos.

PAI FLOR VERMELHO – CASCA LISA MÃE FLOR BRANCA - CASCA RUGOSA

Filhos: flor verm. Casca lisa – flor branca casca lisa

Filho flor branca casca rugosa e flor vermelha rugosa

" Os caracteres hereditários de características independentes segregam-se de forma autônoma"Estas fantásticas descobertas ficaram guardadas durante 36 anos, sendo redescoberta no início deste Século.

EUGENIA

Com a descoberta do Novo Mundo, no Século XV, as trocas ficaram mais intensas e exóticas, entretanto é logo após o redescobrimento dos trabalhos de Mendel, no Século XX, que o valor econômico da variabilidade genética dos cultivos é reconhecido pelos governantes.Os países organizam caravanas para procurar novas espécies, este novo tesouro, em todas as

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latitudes. A biogeografia passa a ser a menina dos olhos da biologia e dos governos.Par e passo com o redescobrimento dos trabalhos de Mendel, tecnologistas conseguem criar híbridos vegetais, através de cruzamentos, procurando aumentar a produção e qualidade dos alimentos.As plantas híbridas são um gigantesco salto tecnológico, criam um novo espaço na produção de sementes, que logo se transforma em grande mercado. A criação de um milho híbrido começa pelo cruzamento de uma planta de milho consigo mesma (autofecundação), durante um longo período de dez ou doze gerações. Isto faz com que ocorra uma seleção drástica de genes, onde muitos genes recessivos ficam suprimidos ou eliminados daquela linhagem.Quando se cruzam duas linhas autofecundadas não parentes, há um grande salto na produção e demais qualidades do milho. Isto foi chamado de "vigor híbrido" ou "vigor bastardo" (expressão alemã), pois é observado nos filhos dos casamentos entre diferentes raças humanas.Entretanto, as gerações seguintes nunca repetem o vigor e qualidade da primeira. O que poderia ser interpretado como um defeito, pode ser uma característica "interessante", do ponto de vista comercial, pois obriga os interessados em produzir especialmente sementes ou adquiri-las de quem as produz.Se com o vigor híbrido há maior produção, há a conveniência ou vantagem em adquirir sementes comerciais (industriais), um novo negócio estável e crescente.A genética nascia como disciplina científica, e, já, simultaneamente, surgia um grande mercado de "vigor híbrido".Começava-se, também, a ter base científica de que um grande número de doenças humanas eram de causas genéticas e que os casamentos podiam trazer este tipo de anomalias previsíveis e, portanto, evitáveis. Um dos pioneiros é o Dr. Garrod, que estuda as crianças que nascem com a anomalia da Alcaptonúria e não podem ter uma alimentação rica em aminoácidos aromáticos (fenilalanina).O conhecimento genético permite a visão de "genes bons" e "genes ruins". É criada a denominação de darwinismo social, por um sobrinho de Charles Darwin (Herbert Spencer), e EUGENIA por Sir Galston. Suas conseqüências ficam plasmadas na visão política de muitas sociedade, ideologias e religiões, com resultados funestos. Renasce o "militarismo espartano", eliminar "deficientes".Assim, milhões foram usados como cobaias nos campos de concentração ou dizimados nos fornos crematórios da Segunda Guerra Mundial.As Grandes Expedições de Naturalistas, que 100 anos antes caçavam plantas e animais exóticos, agora, foram recriadas para caçar plantas domésticas ou selvagens que possibilitassem o aumento da variabilidade e a obtenção de novos híbridos, um grande filão econômico.O cientista russo, de formação inglesa, Nikolai Vavilov foi encarregado de recorrer o mundo em busca de cultivares que pudessem ser introduzidos na Rússia czarista. No Brasil Central, ele encontrou um cultivar de trigo, cultivado desde a época do início da colonização, denominado "Veadeiros", que levou em sua coleção. Esteve em Mossoró, no Rio Grande do Norte, colhendo variedades de algodão arbóreo e fazendo palestra para os engenheiros agrônomos.Os estudos de Vavilov, com suas Leis sobre os Centros de Origem e Centros de Dispersão das Espécies são um grande marco na Biogeografia.Todas as épocas são pujantes, mas essa marca a nossa nostalgia: Liebig (Agroquímica), Mendel (genética), Garrod (doenças hereditárias), East - Shull - Jones, (vigor híbrido), Vavilov (Centros de Origem e Dispersão das Espécies); Haeckel (ecologia).Tudo é muito novo, muito amplo. Os métodos de agricultura do início do século começaram a obter os primeiros resultados com o uso intensivo da agroquímica de Liebig. As espécies domesticadas apresentavam alterações conforme o tipo de cultivo, podendo trazer variações no conteúdo de vitaminas, sais minerais e resistências aos parasitas.O estudo desta bioquímica levou a Went a se dedicar ao metabolismo das plantas para descobrir a origem dos fenômenos fenológicos dentro das plantas. Descobriu-se hormônios vegetais e outros reguladores de desenvolvimento e crescimento, assim nascendo a Fisiologia Vegetal. Ela permitiu dar base científica à "trofobiose", já discutida desde Hipocrates, Unger, Fellipo de Ré e outros.Muitas interpretações genéticas foram melhor compreendidas, outras esclarecidas, entretanto, ainda

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perduravam os argumentos lamarckianos, sobre a herdabilidade das caracteristicas ambientais.Na Rússia de Vavilov, após a Revolução Bolchevique, o cientista Trofim Lissenko obteve sucesso ao aplicar uma técnica fenológica ao trigo invernal russo.O trigo invernal russo é semeado no outono e germina, sendo então coberto pela neve, durante um período e depois na primavera brota e produz sua seara no verão. Contudo, nos anos de ausência de neve e invernos suaves, não há colheita.O engenheiro agrônomo Lissenko descobriu que, se após o período de germinação, levasse as sementes para um ambiente de frio artificial, poderia obter colheita, sem necessidade de inverno e neves. Isto permitiu obter trigo com maior segurança, melhor qualidade e também ampliar a área de cultivo do cereal, para zonas marginais.Com isto, ele caiu nas graças dos novos donos do poder. Esta descoberta levou a reascender a discussão de que características (adquiridas) ambientais eram herdáveis renascendo o lamarckismo (neolamarckismo). Na ditadura stalinista, os contrários a este pensamento foram levados para os campos de prisioneiros, entre eles Vavilov. Haldane, grande geneticista inglês contrariado abandonou os ideais comunistas. A genética estancou durante trinta anos na União Soviética.No ocidente, a equação clássica passou a ser: [GENE + AMBIENTE = FENÓTIPO], onde o aspecto de um ser vivo é a expressão de sua carga genética em determinadas condições ambientais.A situação volta à realidade anterior, mas em nível mais elevado, pois os genes para se expressarem necessitam estar em condições ideais. Entretanto, sem a carga genotípica não adianta haver o meio em condições ideais. Mas é este o grande legado da domesticação dos seres vivos como ela foi feita pelos nossos antepassados nos últimos cinco mil anos.Após a Segunda Guerra Mundial e durante toda a Guerra Fria, a domesticação e seleção de plantas avançou unilateralmente atrelada à oferta industrial de máquinas e insumos (fertilizantes, fungicidas, herbicidas, inseticidas) de propósitos mais militares do que agrícolas.Os insumos contra pragas, doenças e ervas daninhas ficaram em um pedestal, pois corrigiam o efeito colateral dos fertilizantes, criando um grande, lucrativo e estratégico segmento industrial militar, verticalizando os investimentos das empresas multinacionais de agroquímica.Deixou-se de lado a segurança alimentar.Nos projetos de aprimoramento, domesticação industrial e seleção genética de espécie, os híbridos para alta produtividade eram o carro chefe. Nas plantas que não podiam formar híbridos, aqueles cultivos autógamos, a seleção se baseava nos índices de produtividade máxima, sem levar em conta outros aspectos, relegados ao segundo plano: resistência às pragas e doenças, poder de conservação, duração de armazenamento, qualidade bromatológica, etc.Isto conduziu a eugenia vegetal (e animal), atendendo aos interesses de mercado, dos grandes grupos de capitais, interesses financeiros e políticos, suas empresas de insumos, infra-estrutura, etc. Isto logo se estrutura em poder nas áreas de saber, tecnologia, ensino e educação.As observações seculares dos diferentes povos sobre as gerações e seus descendentes, de geração em geração trouxe comportamentos, normas e sabedoria. Um exemplo é a degenerescência nos casamentos familiares de animais e humanos (incesto). Isto levou a cuidados com a reprodução de criações e distanciamento nos casamentos humanos.Os povos primitivos cultuavam o ato simbólico de plantar (fecundar) a terra, que estava intimamente à produção dos alimentos e manutenção dos animais, o milagre das sementes. Logo, também os casamentos, mais que uma festa humana, eram parte de um ritual de troca de vida, energia e qualidades, para a manutenção do equilíbrio, segurança e evolução da vida.É assim, que em casamentos de sociedades primitivas, em todos os continentes e até nos nossos dias, mais que um simples contrato social, há troca de sementes entre famílias dos noivos, clãs e tribos. Uma nova vida se forma, em esperança de evolução para alcançar o fim supremo da sociedade.Hoje, sabe-se que aquela tradição antiga guardava um comportamento, sabedoria e originou mitos, além de propiciar maior velocidade na domesticação, sucesso na seleção das plantas domesticadas e incrementar sua variabilidade, e, quando feita, naturalmente, pela natureza é chamada de biodiversidade.

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Cada comunidade passou a guardar suas sementes como um tesouro, pois elas significam a continuidade do Gênesis. A identidade destas com seu ambiente ao longo dos últimos dez mil anos, trouxe uma grande especialização fenológico-genética.A adoção de uma política imperialista pelos Estados Unidos, denominada de Revolução Verde, propiciou a destruição de forma acelerada dos solos, da agricultura e dos cultivares locais, em todos os continentes, prevalecendo a visão industrial, maquinarias, sementes industriais.Logo, percebeu-se a grande perda de variabilidade genética, que passou a ser denominada de "erosão genética", por sua semelhança com a destruição dos solos produzidos pelas máquinas agrícolas. Os agricultores passaram a plantar as culturas estimuladas pelo governo e assim estreitaram sua dieta alimentar. O alto preço dos alimentos os tornou não disponíveis. De forma invisível a alta produtividade escondia que os alimentos ficavam inacessíveis por serem mais facilmente deteriorados e que continham o pior tipo de contaminação, a "erosão bromatológica".

PRODUTOAGRICULTURA

INDUSTRIALAGRICULTURA

ECOLÓGICABATATINHA - + 23% Matéria SecaESPINAFRE - + 18% proteínaESPINAFRE - + 28% Vitamina CESPINAFRE - + 19% Açúcares totaisESPINAFRE - + 23% MetioninaESPINAFRE - + 18% PotássioESPINAFRE - + 10% CálcioESPINAFRE - + 19% FósforoESPINAFRE - + 77% Ferro

PRESENÇA DE CONTAMINANTESNITRATOS + 93%AMINOÁCIDOS LIVRES + 42%SÓDIO + 12%Fonte: Agropecuária Sem Veneno, LPM, 3ª Ed.

OVOS DE GALINHACONTEÚDO DE

RETINOLCAROTENÓIDES

GRANJA COM RAÇÃO INDUSTRIAL 208,2 mcg/dl 251,9 mcg/dlGRANJA COM RAÇÃO EQUILIBRADA 376,3 mcg/dl 515,5 mcg/dlCAIPIRA COM RAÇÃO EQUILIBRADA 409,4 mcg/dl 1.882,9 mcg/dlFonte: MB-4, Farinhas de Rochas, Agricultura Ecológica e Trofobiose 5ª Ed. FJC.Os impactos e resultados das políticas internacionais de desenvolvimento tecnológico global levará o mundo a uma agricultura insustentável: êxodo rural; miséria, fome, degradação humana, devastação do solo; das reservas naturais, com a colocação em risco dos suportes reguladores dos ciclos bio-geo-químicos.Com a queda do Muro de Berlim e fim da Guerra Fria há a possibilidade de se pensar em "nosso futuro comum". As multinacionais se transformam em transnacionais é o fim dos Estados Nacionais endividados, substituídos pelo condomínio de megaempresas e consumidores.

CONTAMINAÇÃO QUIMICA DE ALIMENTOS

As nutricionistas e os nutricionistas estudam exaustivamente a contaminação biológica de alimentos, por razões bastante óbvias, em um país como o nosso. Entretanto, não aprofundam o estudo das contaminações químicas. Por quê? Entender isto é mais que um desafio.A ausência de estudo profundo da contaminação química nos currículos pode ser visto como uma forma de violência,25 já exaustivamente abordada em outras partes deste livro.É necessário entender que a contaminação química dos alimentos pode separar-se em consentida ou legalizada e criminosa. A primeira não é estuda por motivos sócio-político-econômico. A segunda é

25 L'Ordre Cannibale, Jacques Attali, Ed. Grasset, 1979.

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uma questão de polícia. Embora devessem ambas serem também estudadas detalhadamente, pois como vemos isto forma um sistema.Por sistema entende-se o conjunto de elementos materiais ou idéias entre as quais se possa encontrar ou definir alguma relação. Ou ainda, a disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada.26

Os alimentos ou as matérias primas para produzi-los são constituídos vegetais, animais, suas partes, e seus produtos transformados, e, os produtos elaborados através de microorganismos, sempre, oriundos, obrigatoriamente, da natureza.Podemos dizer que todos eles ou sua grande maioria são domesticados – ou seja, modificados pela mão do homem, através do tempo - seja um tomate, um porco ou levedura. Depois eles passaram a ser "melhorados", em um processo eugenístico. Agora damos o grande salto, eles passam a ser sintetizados biologicamente, através da engenharia genética.Um ser vivo que sofre processo de domesticação deixa de ocupar seu ambiente ou ecossistema, "espaço natural" e passa a ocupar um ambiente artificializado, "espaço virtual crítico".27 Virtual, pois ele não consegue sustentar-se por si só, sem o amparo do homem. Crítico, pois quanto maior for a intervenção, menor sua auto-sustentação e mais auxílio necessita. Estando submetido aos desígnios (poder) da Sociedade.28

A intervenção antrópica de proteção a este ser vivo ocorre através de incremento de grandes quantidades de "energia livre"29, na forma de insumos externos. A "energia livre" é a forma de energia facilmente absorvida pelo organismo e transformada em trabalho durante o crescimento e desenvolvimento do ser vivo em discussão.Mesmo que o processo de domesticação permaneça estanque ou estabilizado, as quantidades de energia livre agregadas devem ser crescentes para manter o equilíbrio e contrapor a destruição da energia entrópica do ambiente natural (espaço entálpico).A racionalização desta energia livre passa a ser conhecida como "agricultura moderna" após a Segunda Guerra Mundial, com uma tecnologia cuja matriz é o petróleo.Moderna, em função – da escola "modernista" ou "modernismo" -, das transformações de ordem econômica sobre a biologia e natureza. Com ela se instala a Revolução Verde.A atual matriz energética e de conhecimento é a petroquímica, de onde saem todos os insumos (agrotóxicos, fertilizantes, reguladores de crescimento e inibidores, além dos aditivos industriais de alimentos) e os tubos de irrigação e filmes plásticos, combustíveis, etc.Vejamos, pedagogicamente, por partes. O conhecimento e saber são organizados e aplicados para fazer avançar esta matriz consolidando seu poder. Assim, a domesticação das plantas estarão atreladas aos produtos que as matrizes capital-aço-petroquímica poderão fornecer.O saber técnico dessas matrizes serão um segmento privilegiado na execução das metas e programas de estratificação e poder industrial na agricultura, através das estruturas internacionais e nacionais de: crédito agrícola, extensão rural; ensino; pesquisa e experimentação, todos ideologicamente afinados com a matriz energética da agricultura (capital-aço-petroquímica)30.A transformação da agricultura mundial através da modificação do espaço natural em espaço virtual cada vez mais intenso e crítico passará despercebido e inconsciente até a necessidade de alteração de um dos aspectos da trilogia matricial.No passado, a força de tração era animal e seu subproduto, o esterco, a base para a fertilização dos campos. Ele foi substituído pelo motor do caminhão e trator, e, os fertilizantes passaram, também, a ser a fonte de fertilização. Logo a matriz tecnológica deixou de ser animal (fotossíntese) e passou a ser, em meados do século passado, o petróleo.31

Hoje, ele está sendo destituído pela biotecnologia como elemento futuro ou matriz energética para o

26 Dicionário Aurélio Buarque de Hollanda 2ª Ed.27 Espaço Crítico, Paul Virilio, Ed. 34, 1995.28 Microfisica do Poder, Michel Foucault, Ed. Polígono, 1978..29 oppus cittatis30 Agropecuária Sem Veneno, S. Pinheiro et allii Editora L & PM, 1985.31 Estrutura de las revoluciones científicas, Ed. FCE, México, 1971.

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próximo milênio, embora as mesmas empresas petrolíferas sejam as investidoras nesse segmento, não havendo alteração no tocante à matriz de capital.32

Simultaneamente a estrutura da sociedade também está mudando. Com o fim da guerra fria e corrida armamentista, há a proposta de globalização da economia mundial e nela não há lugar para o Estado Nacional (endividado, pobre e falido). Seu espaço está sendo substituído pelo espaço das corporações transnacionais33 que disputam o mercado.O indivíduo subjugado pelo autoritarismo não tem mais lugar, mas não alcança a cidadania, pois é substituído pelo cidadão-satisfeito em consumir. O conformismo com o consumo substitui o conflito, como base de enfrentamento tônica do início do século.A violência organiza-se através dos controles por meio dos códigos34.Já vimos anteriormente, que a violência ritual na agricultura moderna pode ser entendida, quando a visão mítica da fome e da peste foram utilizadas como propaganda e imposição de um sistema de produção.Quanto à ordem imperial, a indústria transnacional contou com a ajuda, ou melhor, com a força do autoritarismo para impor-se. Mais que isto, os agricultores foram obrigados a subsidiar, junto com o restante do povo, o comércio e instalação de um parque de indústrias de insumos, em obsolescência no país, por exemplo, as fábricas de organoclorados ou fertilizantes superados.Quanto à violência mercantil, há os aspectos e normas como as do GATT/OMC, acertadas com o FMI, EXIMBANK e bancos industriais, através dos outros organismos das Nações Unidas - FAO, OMS, IRPTC, UNIDO, etc. em ordem econômica internacional.Se hoje existe uma ideologia de globalização de mercados e divulga-se o mito da diminuição do Estado, através da ordem de mercado e violência, impondo o autocontrole do consumismo. Devemos adaptar o Sistema de Produção de Alimentos a ela?No agribusiness, a violência de mercado sobrepõe-se a tudo.35

Também, já vimos que a "ordem" mais elevada para o controle da violência, hoje, é a "ordem dos códigos", onde cada homem torna-se administrador da violência que ele sofre e se inflige e é produzido e consumido como mercadoria, por meio da reengenharia, sistema ISO, SELO VERDE.36

Na agricultura nacional, principalmente na produção de hortigranjeiros, se consolidam uma série de transformações matriciais externas, antes que cheguem ao produtor e às estruturas de poder (extensão, pesquisa e ensino). Estes avanços tecnológico passam a ser absorvidos sem qualquer resistência ou avaliação da contradição com a realidade da economia do país.A finalidade deste trabalho, com alimentos, é analisar e dissecar as contaminações químicas dos alimentos nos diferentes sistemas de produção, sob os aspectos de mudança paradigmática, propalada pela ideologia do modelo; ou como atualização de um dos eixos da matriz energética e tecnológica (biotecnologia), que é alegada como mudança, sem sê-lo.A análise da evolução de sistema de produção de alimentos, desde o início da Revolução Industrial, na agricultura, até os nossos dias, se dá por meio da:I - Domesticação (genética e melhoramento ou eugenia);II - Insumos fertilizantes (revolução tecnológica e concentração energética);III - Agrotóxicos e afins (revolução tecnológica e energia livre);IV - Aditivos químicosV - Engenharia genética

DOMESTICAÇÃO

Um ser vivo vegetal, animal ou microorganismo tem um ou mais centro de origem, no planeta. Por exemplo, a maçã é originária da Pérsia; o abacate, da Guatemala; o café, da Etiópia, o coelho, da Europa; a batatinha, da Bolívia, onde é cultivada, desde épocas pré-colombianas.

32 Ladrões de Natureza, S. Pinheiro e D. Luz, Fundação Juquira Candiru, 1998.33 Os Limites da Competição Grupo de Lisboa, Publicações Europa-América 1994.34 opus cit. 1.35 Agribusiness, Nei Bitencourt de Araujo et alli, 199436 opus cit.

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A domesticação das espécies iniciaram há alguns milhares de anos. Estas variedades domesticadas tinham pouca influência do homem e total dependência do ecossistema.Os trabalhos de Mendel, redescobertos, no início deste século, permitiram conhecer as particularidades e comportamento de cada carácter hereditário e tornar previsível sua manipulação, auxiliando muito a fenologia da planta e intervenção no seu melhoramento.O mapeamento genético obtido por volta dos anos 50 permitiu a hibridização, com as vantagens de homogeneidade de caracteres e alta produtividade e plasticidade para o cultivo em todas as latitudes.Este avanço do "espaço virtual" ampliou a economia industrial do tomate, criando novos segmentos para o sistema de produção mundial, nacional e regional.A cor, forma, sabor e outros atributos de qualidade e padronização aceleraram a economia do produtos destinados à alimentação, que hoje é a maior indústria do planeta, como vimos.Cada avanço do homem significou uma redução no espaço natural do vegetal/animal selvagem e ampliação do espaço virtual do vegetal/animal.A vantagem deste "alimento domesticado", quando tem suas sementes plantadas ou criadas, responde de forma direta e crescente aos insumos, irrigação e demais fatores de capital sendo este caráter aproveitado e estimulado, tornando-se verdadeira diretriz não só no melhoramento, mas no saber e sistema de produção.A aludida "fragilidade" deste "alimento", no ambiente natural, é importante para o sistema de poder, a indústria, pois obriga compulsoriamente a adoção de práticas e instrumentos de proteção para garantir sua produção e produtividade.Esta "fragilidade" é extremamente útil, pois possibilita a integração de três setores sub-matriciais (fertilizantes e agrotóxicos, nos vegetais; vermífugos e medicamentos nos animais e a defesa militar), da petroquímica, que passaram a fazer parte intrínseca do sistema de produção industrial de alimentos, tornando-se um segmento da economia e poder, cada vez mais um espaço virtual criticizado.37

A produtividade passou a ser neste Século a resposta unívoca à aplicação de fertilizantes e o uso de agrotóxicos, uso de vermífugos, antibióticos, hormônios e medicamentos, tudo sinônimo de alta tecnologia, como pode ser constatado nas publicações oficiais de fomento e extensão.A hibridação de espécies, subespécies ou linhagens puras endocriadas foi o grande avanço para a produtividade e homogeneidade da qualidade do fruto animal ou vegetal, atendendo as demandas de mercado.Os avanços nos conhecimentos da fisiologia e biologia molecular permitiu que através da engenharia genética se introduzisse caracteres desejados neste vegetal/animal, tornando mais crítico ainda o espaço virtual do saber e poder político no alimento, transformando-o finalmente em um produto industrial, com mínimo espaço natural e máximo espaço tecnológico.Agora com a globalização da economia, este produto terá âmbito planetário, o que faz com que qualquer proposta ou demanda de melhoramento do tomate em outro sentido que os acimas expostos, deverá ultrapassar as barreiras ideológicas da estrutura de poder, também, planetários, do Estado Global e Mercado Mundial. O que não é fácil e torna a situação quase que irreversível pela erosão genética.Rebelar-se diante desta situação e tentar-se cultivar um tomate industrial fora do sistema é arriscado e com poucas possibilidades de sucesso. Isto obriga novas posturas e adoção de certas precauções.Uma variedade/raça e o seu melhoramento genético estarão intimamente ligados aos sistema de produção que vier a ser adotado, pois o processo de domesticação conduz a uma variedade cada vez mais a um sistema irreversível e com menores possibilidades de desvios. E que isto tende, no futuro, a impedir qualquer alteração quali-quantitativa no uso de insumos e fatores de produção, por ser um dogma implícito da economia.

FERTILIZANTES:

Os fertilizantes evoluíram do emprego de cinzas e rochas moídas, para os produtos das jazidas e

37

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minas. Estes minérios logo passam a ser as matérias primas que foram paulatinamente tratadas com ácidos, solubilizados e concentrados, para baratear o transporte e garantir uma exclusividade através da Marca Registrada.Com a aplicação de mais energia e conhecimento chega-se à síntese, que dá autonomia e exclusividade comercial, por meio de uma patente.Os fertilizantes sintéticos criaram a exclusividade de produção industrial e a possibilidade de exploração de uma patente, agregando valor a um minério ou matéria prima. Isto desenvolveu um segmento de propaganda e marketing do empresário para o seu produto e acionou as estruturas de poder para viabilizar a entronização do produto, através da pesquisa, experimentação, ensino e extensão.Por parte dos governos, os fomentos e incentivos para o uso das novas fórmulas industriais de fertilizantes eram impostos compulsoriamente através do crédito.Os institutos de pesquisa e experimentação encarregaram-se de convencionar os experimentos com fertilizantes, conforme os interesses do poder industrial, para convencimento dos agricultores.Através da resposta aos fertilizantes industriais selecionaram e priorizaram o cultivo de muitas variedades (preferenciais) e detrimento de outras (toleradas, não recomendadas) seguindo convenções determinadas por setores superiores.Os níveis ou quantidades de uso de fertilizantes e outros fatores de capital classificaram os produtores em diferentes "pacotes tecnológicos". Fora isto os bancos não garantiam a atividade do agricultor, impondo o consumo de insumos e garantindo a atividade industrial financeira até mesmo por meio de um sofisticado sistema de seguro e empréstimo.Fora isto, não devemos esquecer que, na evolução tecnológica dos fertilizantes, há critérios e parâmetros de interesse empresarial, político e econômico dentro de uma conjuntura hegemônica internacional.E que ao deixar-se de lado os aspectos da biologia do solo, matéria orgânica, controle biológico, equilíbrio termodinâmico e outros. A evolução dos fertilizantes segue interesses econômicos industriais imediatos dentro de um planejamento internacional.Na agricultura moderna, há uma integração das empresas de crédito, sementes, agrotóxicos, fertilizantes, maquinaria e irrigação, por serem oriundas de uma mesma matriz (capital-aço-petróleo) que gera a tecnologia de que precisa e o respalda.Quando é necessário os questionamentos a esta tecnologia ou seus efeitos negativos são esmiuçados e gera-se uma expectativa que aos poucos consolida-se uma pressão de mercado, como alternativa evolutiva, até a substituição do produto.Entretanto, é preciso ressaltar que este tipo de avanço sempre parte do centro hegemônico para a periferia em todos os sentidos, de tal forma que a repercussão destes sempre é melhor recebida na periferia fora da estrutura oficiais, criando constrangimento para este e seus aparelhos ideológicos e agências similares, devendo portanto ultrapassar barreiras ficando assim à mercê dos interesses e desígnios das empresas mais fortes do mercado e seus interesses e objetivos de marketing e vendas.Questionamentos sobre os impactos negativos do uso dos fertilizantesNormalmente, nos depósitos e minas onde se extrai matérias primas para fertilizantes há a presença de metais pesados. Metais pesados são elementos químicos de ação tóxica sobre os organismos vivos, como por exemplo, mercúrio, cádmio, zinco, chumbo, níquel, estanho, manganês entre outros. Alguns se tornam tóxicos pela quantidade, outros mesmos em mínimas quantidades são perniciosos, como o cádmio e mercúrio.Neste caso, há estudos sobre a tolerância dos organismos às quantidades mínimas, como garantia para os seres vivos e alimentos obtidos nestas áreas. Este tipo de presença de metais pesados se denomina de contaminação ambiental. Os países mais desenvolvidos determinam os padrões de qualidade que aceitam. Os países "menos organizados" ficam com os fertilizantes mais contaminados e sofrem maiores impactos.Também os fertilizantes sintéticos como os nitrogenados, retirados do ar, podem contaminar-se no processo de fabricação, pelos catalizadores utilizados, que faz com que os países os troquem por tecnologias mais eficientes e menos contaminadoras. Os países menos evoluídos tecnologicamente

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não podem acompanhar, com prejuízo para a saúde e qualidade dos seus alimentos.Cabe ressaltar que também há a presença de radiatividade nas minas e depósitos de fertilizantes, pela presença de isótopos radiativos. Novamente os países mais organizados exigem menor contaminação e os "em desenvolvimento" adquirem os mais contaminados. No caso dos adubos potássicos, o isótopo radiativo K 41 tem uma meia vida de 600 milhões de anos. Ou seja, uma determinada quantidade dele para se degradar à metade tardaria 600 milhões de anos.O uso de adubos em quantidades maciças traz seu acúmulo nos alimentos, provocando desequilíbrios, podendo até mesmo causar intoxicação nas pessoas que os ingerem. É o caso do Boro, um microelemento muito importante para as hortaliças da família das crucíferas (couve, repolho, brócolos). Normalmente, o agricultor usa uma quantidade excessiva, para ter maior produção. O indivíduo ao ingerir este alimento pode iniciar uma sensibilização e, se tiver uma dieta especial, pode até mesmo iniciar uma intoxicação ou bloqueio de absorção de outros nutrientes.O uso de nitrogenados em excesso dá um bom aspecto (cor verde) às hortaliças, mas traz o incremento de nitritos e nitratos nestas verduras. Ambos são altamente tóxicos, pois impedem o transporte de Oxigênio pelo sangue. Na Alemanha, já houve o caso de crianças em creche intoxicarem-se com espinafre com alto conteúdo de nitritos e nitrados e serem internadas. Os nitritos e nitratos podem se transformar em nitrosaminas altissimamente carcinogênica, que serão vistas oportunamente.O mais dramático é que o desequilíbrio na produção dos alimentos leva ao acúmulo de substâncias, com bloqueios de enzimas, nutrientes, vitaminas. Isto causa um maior aparecimento de pragas e doenças, que leva a outro tipo de contaminação, e, também, no poder de conservação deste alimento, que indiretamente o encarece.Isto que está sendo enfocado para vegetais é válido também para animais e microorganismos. Por exemplo, o teor de vitaminas e poder de conservação de um ovo depende da alimentação e de estado saúde de uma galinha, da mesma forma, que os valores de vitamina C e contaminação por metais pesados estão em função da tecnologia usada.Isto nos obriga a questioná-la e adotar novos padrões de qualidade, introduzindo novos critérios e parâmetros no sistema de produção e nas normas e padrões para a avaliação do produto obtido.Por outro lado, o uso desmedido destes fertilizantes provoca indiretamente um impacto negativo sobre o solo, as águas, causando a eutroficação dos açudes, lagos e rios e poluição dos lençóis freáticos.Hoje, nos países centrais, já se leva em conta a adaptabilidade de uma variedade vegetal e raça de animal para o sistema e tecnologia que será empregada na sua produção.Em função disto, já iniciam o resgate de variedades tradicionais e a criação de novas variedades, enfocando condições e sistemas de produção propostos é condição sine quae non para garantir o sucesso do empreendimento, mas esbarra no desinteresse em convencionar normas para testes nestes sentido.

AGROTÓXICOS E AFINS

De todos os fatores industriais produzidos para a agricultura, os agrotóxicos são os que causam maior fascínio, pelo poder de combater e aniquilar a ameaça ao homem, a praga/peste, embora, inconscientemente, não saibamos que este fascínio se dá pelo poder da morte.Os fertilizantes possuíam marca registradas que depois evoluíram para patentes de processos e produtos. Os agrotóxicos, também, tiveram esta mesma evolução até os produtos sintéticos, para fins militares38, depois desviados para a agricultura e transformados em poderosos segmentos econômicos. Eles, também, já nasceram como patentes.

38 R. Wegler, Pflanzenschutz und Schädlings, Bekampfguns-mittel, Springerverlag 1971

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CARÊNCIA

O grande avanço destes produtos se dá com o desvio dos mesmos, da indústria bélica para a agricultura. Isto cria um grande problema que são os impactos de seu uso, que deve ser escamoteado, escondido, desinformado.Os impactos positivos ficam bastante atenuados, pois são, também, provocados pela seleção das espécies, uso de fertilizantes e técnicas de cultivos.Quando restam os efeitos negativos dos mesmo sobre a natureza, homem e qualidade dos produtos, há sua contradição oculta, pela corrida armamentista e guerra fria.Novamente a distribuição destas informações dar-se-ão do centro para a periferia e, nesta, as estruturas oficiais são as que se chocam com os propugnadores das novidades. Isto é explicado em função da periferia não desenvolver ou dominar a tecnologia que emprega segue metas e objetivos pré-estabelecidos fora de sua necessidade.Somente quando o centro gerador de tecnologia dita a política de evolução dos produtos para o mercado é que os governos periféricos aceitam a evolução tecnológica.Podemos tomar o livro "Primavera Silenciosa", de Racquel Carson39, como início - público - da contestação à tecnologia dos agrotóxicos do ponto de vista ambiental, mas do ponto de vista de saúde já em 1919 havia o registro na Alemanha de incidência de câncer hepático correlacionado com o uso de inseticidas arsenicais.Após estudos epidemiológicos as autoridades, alemãs de saúde levaram ao governo a necessidade de proibir o uso destes arsenicais, mas as autoridades de agricultura e comércio de vinho fizeram ver a importância econômica do uso dos mesmos, para as colheitas, empregos, impostos, tributos, etc.Com o resultado disto, chegou-se a um "consenso" que se podia "tolerar" um nível de arsênico de 1

39 Ed. Melhoramento, 1961

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mg/Kg de uva, pois, assim, eram satisfeitos o uso agrícola e a proteção à saúde.Esta unidade básica, a tolerância, vai ser extremamente útil no futuro, pois servirá para proteger os interesses das indústrias. O estranho é que, em 1944, em plena antevéspera da derrota na Guerra, os arsenicais foram banidos da agricultura alemã, talvez por que agora as forças de mercado não estavam tão presentes e fortes quanto as forças de saúde.Disto ficará a experiência. A indústria petroquímica antecipa-se na discussão e organização da questão para manter um predomínio e controlar o seu desenvolvimento em nível mundial, no âmbito das Nações Unidas a partir da Segunda Guerra Mundial, (Codex Alimentarius).Imediatamente, as indústrias passaram a desenvolver um saber e convenções sobre os agrotóxicos em função da relação risco benefício, que posteriormente aprofundaremos. Isto serviu de antecipação pelas empresas...Ao serem restringidos em seu uso e criação de uma série de controles sanitários e para proteção ao trabalhador rural 40, protege-se investimentos bilionários, que poderiam ser truncados em função de riscos atípicos e extemporâneos.A questão ecológica, entre nós, discutida a partir do enfoque da poluição industrial e colocada nos livros41 englobou a questão dos agrotóxicos, principalmente nos países em desenvolvimento42, causando um grande prejuízo às empresas, por também, antecipar situações que novamente deveriam ser discutidas uma década depois.Isto criou discussões sistemáticas de controle com caracterização do problema.A urbanização da caracterização acelerou o processo e posicionou imprensa, evidentemente com o auxílio da nova onda pré-Estocolmo-72.O enfoque de qualidade dos alimentos divulga-se, também, nesta época em função da constatação de que no leite materno há resíduos de DDT, BHC e outros organoclorados43 . Comparativamente com o leite de vaca observa-se que o mesmo está mais puro que o materno.O mais dramático é que indústrias como a Nestlé usam esta argumentação para que o leite materno seja substituído pelo leite em pó. Como a água para fazer o leite em pó é de péssima qualidade, conhecemos logo altos níveis de mortalidade por desidratação, o nome eufemístico que recebem as diarréias infantis.A criação do Codex Alimentarius, após a II Guerra Mundial, visou a consolidação de uma ordem comercial internacional de agrotóxicos, acima das políticas nacionais e criação de barreiras não alfandegárias.O ocorrido na Alemanha, com os arsenicais, podia muito bem, repetir-se em outros países com graves repercussões para as indústrias.O Codex estruturou-se como burocracia e cartório diplomático e seu comitê de resíduos de Agrotóxicos (C.C.P.R) passou a trabalhar com as estruturas de agricultura, FAO e Saúde, OMS das Nações Unidas em sintonia.Os países com indústrias de agrotóxicos passaram a conduzir seus interesses nestes organismos internacionais impedindo ou contornando situações que causassem prejuízos e consolidando um novo segmento, o do resíduos de agrotóxicos nos alimentos, de futuro promissor.As técnicas de análise de resíduos evoluíram vertiginosamente, principalmente por que os métodos de detecção eram usados simultaneamente na área bélica, em função da corrida armamentista e Guerra Fria. Por exemplo, aparelhos para analisar: metais pesados, resíduos de agrotóxicos ou rastros de submarinos diesel (submergidos) e mísseis para encontrar os aviões inimigos utilizam o mesmo sistema de detecção infravermelho.Assim, todo um corolário de definições passou a fazer parte do mundo dos agrotóxicos, como uma garantia de investimento para o setor de síntese, fabricação, comercialização e uso de agrotóxicos.TOLERÂNCIA: - "É o máximo de resíduo de um determinado agrotóxico legalmente permitido em um produto agrícola ou alimento. É normalmente expresso em miligramas de agrotóxicos por

40 Manual BASF, Chemie in der Landwirtschaft, 198141 Os Limites do Crescimento, por Paul Erhlich, Ed. C. Gulbenkian, 197042 Oppus cittatis 43 Agrotóxicos, Pragas e Crise Ambiental, Adilson Paschoal, Ed

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quilograma de produto".Em 1919, foi consentida a Tolerância (de 0,1 mg de arsenical por quilograma de uva, mas, viu-se a necessidade de uma nova definição, para que este limite não fosse ultrapassado, tornou-se necessária a definição de um espaço de tempo antes da colheita, em que este produto não deverá ser aplicado. Isto é variável para cada agrotóxico. Esta unidade complementar passou a ser chamada de:PERÍODO DE CARÊNCIA: - "Prazo em dias antes da coleta do produto, em que determinado agrotóxico não pode ser usado". Para que a tolerância seja respeitada, e uma vez guardado o período de carência, é necessário ainda que a quantidade de agrotóxico seja determinada e as unidades, anteriormente citadas, possam ser respeitadas. E surge a nova unidade.USO ADEQUADO: - "É o uso regularmente registrado de um agrotóxico, na dosagem recomendada, observadas todas as medidas técnicas e meios necessários para que o resultado seja eficaz e satisfatório". Aqui se faz necessário esclarecer que, mesmo entre técnicos devidamente treinados, a aplicação de um produto, com o mesmo maquinário e pela mesma pessoa, sempre dará uma variação acentuada da quantidade depositada. Conseqüentemente, também irão variar os resíduos após o prazo de carência, que é influenciado por condições metereológicas e climáticas, aleatoriamente.Com o tempo no seio das Nações Unidas, as deifinições e unidades foram se complexando. Hoje temos:DOSE DE INGESTÃO DIÁRIA ACEITÁVEL - IDA - "A quantidade de veneno, que ingerida ao longo de uma vida, não causa malefícios ao organismo, à luz dos conhecimentos da ciência atual". Note-se: Esta definição/unidade tem a pretensão de projetar para daqui 65 anos os conhecimentos de HOJE, como se o tempo fosse estático e os avanços científicos ficassem em estado de inércia, acoplados a ele. Não só pelas limitações toxicológicas e/ou ecotoxicológicos vistas, isto não é científico nem moral, pois uma imensa gama de produtos listado pelo Codex Alimentarius já foi banida pelo próprio organismo e outros por diversos países por razões unicamente toxicológicas...ESTUDO DA DIETA TOTAL DE AGROTÓXICOS: - "É a quantidade total de um determinado agrotóxico ingerido na dieta de um indivíduo através da análise da cesta familiar e a quantidade deste alimento consumido pelo mesmo". Muitos países tomam esta preocupação para balancear sanitariamente a dieta e o uso legal dos venenos.GUIDELINE: - "São valores de orientação para os testes preliminares com produtos novos". Esta unidade prévia serve para determinar, de forma mais rápida e econômica (os testes toxicológicos e ecotoxicológicos, que encarecem muito os produtos), uma segurança relativa.Não é secreto que, normalmente, cobaias humanas são usadas nos testes com agrotóxicos.As unidades acima foram retiradas do livro "A Agricultura Ecológica e a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil", onde há maiores dados sobre este assunto.

RESÍDUOS

O uso de agrotóxicos resulta em contaminação. Esta contaminação divide-se didaticamente em "depósito" e "resíduo"."Depósito" é o encontrado logo após a ultima aplicação do agrotóxico sobre a planta. Ele normalmente é alto e calculado para controlar eficientemente a praga ou doença, ficando centenas de vezes acima de sua tolerância.No Brasil, é pratica comum, embora ilegal, o uso de produtos após a colheita, muitas vezes já dentro da embalagem de transporte para o mercado. Também é permitido, através das permissões cartoriais, os tratamentos pós-colheitas, para frutos e oleirícolas, que fazem o problema de "depósito tornar-se muito sério, principalmente com produtos sistêmicos.O Ministério da Saúde afirma, após um levantamento realizado em Cantagalo (RJ), que 10 por cento das intoxicações de trabalhadores, naquele cinturão verde ocorrem na colheita de hortigranjeiros. O que é uma situação grave para o agricultor e seus trabalhadores.Para a análise de qualidade dos hortigranjeiros é muito importante esta separação pois ela irá ser problema para o agricultor, ambiente, consumidor, indústria e qualidade internacional do produto exportado.

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Os fatores que fazem um "depósito" se transformar em "resíduo" são vários: as características físico-química do agrotóxico, que lhe dotam de maior estabilidade, em função do tipo de ingrediente ativo, formulação, hidrossolubilidade, pressão de vapor, resistência a temperatura, à luz solar, vento. Também as características do cultivo, fase de crescimento do mesmo, pois isto indiretamente diminui a quantidade de resíduo presente. A respiração, oxidação celular e outras reações da planta.Os resíduos de agrotóxicos podem ser divididos em:A) Extracuticular, ou resíduo de superfície;B) Cuticular quando sobre ou na cerosidade da epiderme;C) Subcuticular quando na polpa do fruto.A análise destes três tipos de Resíduos é denominada de "técnica ABC".Há aspectos importantes sobre cada um destes resíduos, pois o de tipo A e B são mais facilmente retirados, eliminados ou diminuídos por lavagem ou descascado, que o tipo C.Deve-se levar em consideração a situação de certos cultivos como as folhosas ou morangos onde a lavagem é difícil e a retirada do resíduo A e B torna-se praticamente impossível. Como a relação entre superfície contaminada e a polpa deste hortigranjeiro é de 25:1, o problema de contaminação extracuticular e cuticular é grave.No caso das frutas isto é importante, pois normalmente elas não são peladas ou descascadas, embora possam ser lavadas com maior cuidado, outras nem tanto.As práticas de uso de agrotóxicos em estufas de plasticultura demonstram que a proteção contra a luz solar, vento e precipitação impedem uma retirada maior de resíduos que no cultivo em campo livre. Entretanto há também a possibilidade de decomposição de certos fosforados e piretróides mais rapidamente em função do calor e maior teor de gás carbônico no interior das mesmas. Isto é levado em consideração nos países mais avançados, embora seja desconhecido aqui.Vamos tomar o estudo de dois casos:A) Os resíduos de Ditiocarbamatos, os fungicidas mais utilizados no país (já severamente banido em outros países), em amostras de alimentos, caem de 50 a 80%, com o lavado, dependendo da intensidade do lavado e quantidade inicial do resíduo. Entretanto, em outros tipos de agrotóxicos, isto não segue o mesmo princípio.Os fungicidas Ditiocarbamatos possuem uma análise especial, aceita internacionalmente, o método de Keppel, que determina a destruição dos resíduos e sua quantificação como Disulfeto de Carbono (CS2). Mas, por este método, não se consegue saber a situação higiênico-sanitária do produto hortigranjeiro ou alimento, pois as análises de Ditiocarbamatos são apenas indicativos e incompletos do ponto de vista toxicológico-higiênico-sanitário, já que cada um deles tem um grau de toxicidade específico.

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Os principais metabólitos dos Ditiocarbamatos são:NABAM PM 256g; Etileno Tiuram MonoSulfito (ETM) PM 178g; Etileno Tio Uréia (ETU) PM 134g; Etileno Tio-Disulfito (ETD) PM 210g; Etileno Diamina (EDA) 62g; Diisotiocianato de metila 134g; Isotiocianato de metila PM 74g ; Ácido tiocianidrico PM 60g.Entretanto, seu metabólito de grande importância toxicológica é ETU, por causar câncer em tireóide em humanos, comprovadamente.Quando um alimento é aquecido ou cozido, os metabólitos de ditiocarbamatos presentes se transformam em ETU. Para evitar a formação de ETU, as empresas, primeiro canadenses, depois norte-americana e européias passaram a lavar as frutas e hortaliças com uma solução de Hipoclorito de Sódio, que destruía os Ditiocarbamatos e impedia a formação de ETU.

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Isto foi feito desde a década de setenta até os anos oitenta, quando se descobriu que o tratamento de água contaminada com matéria orgânica por cloro e hipoclorito potencializava a formação de Policloradas Dibenzo-para-Dioxinas e Furanos Clorados, os mais tóxicos de todos os venenos existentes.

B) O TRICLORFON é um inseticida organofosforado de intenso uso em alimentos, principalmente em frutas e hortaliças. Logo após aplicado, suas moléculas começam a transmutar-se em: DDVP, principalmente, por ação do pH. Ele é três vezes mais tóxico que o Triclorfon; TRICLOROETANOL, um álcool que se oxida rapidamene a ácido; ÁCIDO TRICLOROACÉTICO, que é extremamente corrosivo e explosivo; DICLOROACETALDEIDO; CLORAL e CLOROFÓRMIO; este três últimos, também, mutagênicos e carcinogênicos. O maior impacto toxicológico deste organofosforado é causar diminuição na capacidade intelectual e aprendizado nas crianças e depressão nos adultos.

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C) O Glyphosate é um herbicida, ou seja, um agrotóxico que mata ervas daninhas, eliminando a concorrência das mesmas nas plantações. "Roundup" é a marca comercial do herbicida mais utilizado no mundo, Glyphosate (Glifosato), inventado, no início dos anos sessenta, pela Monsanto, dos EUA. No Brasil, se utiliza acima de 80 milhões de litros anualmente e com a soja transgênica a tendência é se utilizar mais de 200 milhões de litros.

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Quimicamente, o "Roundup" é um composto fosforado (N-fosfono-metilglicina) sem ação inseticida. Ele é um herbicida não seletivo, pois destrói a quase totalidade das plantas existentes no reino vegetal. Devido a esta característica, não se pode aplicar diretamente o "Roundup" nos

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cultivos, pois mata tudo. Isto faz com que seja aplicado, diretamente, somente sobre as ervas daninhas, sem atingir os cultivos, o que reduz sua utilização e mercado.Quando a solução de "Roundup" é aplicada sobre as ervas daninhas ou plantas, uma série de enzimas (delta ALA, PAL, catalase, etc.) é inibida, mas o principal mecanismo de funcionamento dele é o bloqueio da 5 enolpiruvilshikimico-3-phosfato sintase, conhecida pela sigla EPSPS.Isto impede, nos vegetais atingidos pelo Glyphosate, a síntese de aminoácidos aromáticos precursores da síntese de proteínas, ligninas, taninos, flavonóides, vitaminas, etc., causando a morte.Também, há bactérias, que, submetidas ao herbicida, têm inibição da EPSPS, outras são insensíveis.Depois, descobriu-se que a inibição provocada pelo herbicida, nas bactérias sensíveis, podia ser bloqueada, quando foram agregados aminoácidos aromáticos à solução.Os resíduos de Glyphosate ficam presentes no solo por até três anos, podendo contaminar os cultivos feitos sobre o mesmo.Composição dos Resíduos de GlyphosateAMPA - Ácido AminometilfosfônicoHMPA - Ácido HidroximetilfosfônicoMPA - Ácido MetilfosfônicoMAMPA - Ácido MetilaminometilfosfônicoPoucos são os estudos toxicológicos e ecotoxicológicos sobre os riscos destes produtos.Resíduos Permitidos Na Soja Normal: 0,2 ppm (Port. Nº. 110 D. O U. 07/12/93) Intervalo de Segurança: Não Tem - Plantio Direto - (Port. Nº 110 D. O U. 07/12/93)Na Soja Transgênica: Resíduos 20 ppm (Port. Nº 764 D.O.U 25/09/98).Intervalo de Segurança: 45 dias antes da colheita.Uso Adequado do "Roundup": Em 27 de Novembro, devido à gritaria, o nível de resíduos na soja transgênica foi diminuído dez vezes, mas na Austrália, Canadá e EUA os níveis são os anteriores.Por outro lado o Glyphosate é altamente solúvel em água e nela resiste a altas temperaturas. Com temperaturas próximas a 218 graus Celsius, ele se polimeriza em 2, 5 - Diketopiperazina de pode novamente se transformar em Glyphosate em contato com HCl do estômago. Qual a repercussão toxicológica disto?No caso da inserção de um gene resistente ao Roundup não foi suficiente para permitir a soja sobreviver às aplicações do mesmo, foi necessário se introduzir duas inserções, com que a soja passou a ter uma atividade enzimática 83% superior à normal. Qual impacto disto na nutrição?A engenharia genética da Monsanto deve apresentar uma resposta para os seguintes problemas:I - O primeiro é agronômico. A soja, todos sabem, é uma planta que sintetiza o N do ar, através da simbiose com bactérias Bradirhizobium que vivem em suas raízes. Por isso inoculamos nossa soja para ter maiores colheitas. As Bradirhizobium possuem em seu organismo a proteína EPSPS sensíveis ao Glyphosate. Na presença deste herbicida, não podem sintetizar os seus aminoácidos aromáticos e, por outro lado, têm os microelementos essenciais para catalisar esta síntese, contudo, quelados pela alta dose do agrotóxico, que inibe a ação da nitrogenase, logo o rendimento em grãos da soja é diminuído. Seguramente a Monsanto está desenvolvendo um Bradirhizobium com EPSPS insensível e com alta conversão de microelementos, para solucionar esta situação.II - O segundo é bromatológico. Se uma empresa prepara o molho de soja "shoyo", o queijo de soja "tofu", "missô", "okara", "yuba" com soja transgênica, que contém, um teor de 20 ppm de Glyphosate nos grãos, o que ocorre? Para preparar estes fermentados há inoculação com fungos e bactérias, para a fermentação da soja crua, em "shoyo", "missô" e "tofu", "okara" e "yuba". Estes microorganismos possuem a proteína EPSPS sensível, que, na presença do resíduo de Glyphosate, altera a síntese de aminoácidos aromáticos, para a produção final destes alimentos.Na composição destes alimentos, a alteração pode ocorrer em componentes que se formam em concentração inferior a 1 x 10 -11, como Biotina, Inositol, Ac. Pantotênico, Piridoxina (B6)?Como se poderá identificar esta alteração nutricional analisando o "tofu", "missô" e "soyu", okara, yuba?Durante a digestão humana, também, uma série de microorganismos, entre eles Bacillus subtilis, que contém EPSPS, desdobram alimentos, como a soja transgênica, contendo resíduos de Roundup

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e necessitam formar vitaminas e antibióticos para o metabolismo humano. Como a inibição destas vitaminas e antibióticos podem ser medidos, se os mesmos se formam em quantidades e concentrações próximas as acima expressas?O mesmo se passaria para a qualidade do vinho, iogurt, chucrut, em caso de uva, pastagens, repolho respectivamente, Roundups Readys?O Ministério da Saúde determinou o máximo de resíduo tolerado em 20 ppm. Por que a inserção do "gene de resistência" faz a "Glyphosate Tolerant Soybean" - GTS - absorver o herbicida do solo e acumular os resíduos nos feijões? Nos solos ricos em sais férricas este acúmulo é maior?Universitários, professores e alunos ficam possessos, quando se apresentam os riscos dos transgênicos e os problemas toxicológicos dos agrotóxicos. A informação é escondida, no caso do Roundup, não se sabe que o produto técnico é mais seguro que ele formulado ao alcance do agricultor, devido ao Polyoxyetilenamina -POEA. Há registro de mortes no Japão e China devido a este surfatante/emulgador.

TOXICOLOGIA

Se considerarmos o momento da última aplicação do agrotóxico como momento zero ou tempo zero, a quantidade de cada resíduo vai estar diretamente ligada a sua decomposição, degradação, perda/inativação.

Este resíduo "r" tem uma perda -dr no tempo dt proporcional à quantidade aplicada:

-d.r ~ r.dt

-d.r/r = K1 .dt

log r = - K1 . t + log K2

K1 é a elevação da reta de degradação e nos dá o depósito inicial.

Calculando a Meia Vida de um Resíduo temos

log r 0 / 2 = - K1 . t/2 + log K2

K1 . t/2 = - log r 0 + log 2 + log K2

onde, r 0 = K 2 e nos dá o valor teórico do depósito inicial aplicado

T ½ = RL50 = log 2/ K1

T1/n = log n/K1

T 1/10 = RL 90 = log 10/K1 = 1/K1

O tempo t tol que deve passar até um resíduo alcance o valor de tolerância pode ser observado no gráfico e

K1 . t tol = log K2 - log tol

t tol = log K2/tol/ K1

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Desde o momento da aplicação do agrotóxico, até a colheita, há uma curva de degradação do produto que depende das características do i.a, formulação, clima, temperatura, chuva, intensidade da luz solar, época do ano; tipo de cultivo, fase de crescimento e características intrínsecas de cada cultivo.

Os estudos para determinar a estabilidade destes produtos, formulações nos diferentes cultivos são feitas pelas empresas, governos de países industriais de forma sofisticada, muitas vezes com isótopos radiativos e moléculas marcadas. Assim se determina o RL50 (Residuo Life 50 por cento) ou vida média de um produto em uma formulação, para determinado cultivo, em determinadas condições e com quantidades conhecidas do produto.

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Isto acontece por que a decomposição ou degradação de um produto está, também, ligado à quantidade aplicada.Uma sistemática de controle e fiscalização de alimentos quanto ao teor de resíduos inicia-se no campo através de uma lei severa que crie condições de registro que evite a presença de resíduos. Entretanto nós não podíamos ter uma legislação, pois isto não interessava ao livre comércio de agrotóxicos.Nem sequer uma fiscalização ou controle do comércio de venenos podíamos desenvolver pelas mesmas razões.A tônica da necessidade de controle dos resíduos chegou-nos com a onda ecológica e passou-se a controlar os resíduos a posteriori e não a prior, antes dele chegar ao mercado.44

Laboratórios foram instalados para o controle de agrotóxicos, sob a tutela da FAO/OMS, e controle dos governos locais, antecipando as discussões vindouras. Mesmo assim a questão ambiental internacional trouxe o questionamento para papel destes laboratórios.O surgimento de técnicos com postura independente contrária aos interesses do "estabilishment", provocou reação das autoridades. Assim, fomos mandado para a Alemanha, com bolsa de estudos (exílio).As técnicas simples de análises de resíduos de agrotóxicos, conhecidas para oferecer garantia a agricultores, sociedade e alimentos foram ignoradas pelas autoridades.Os testes de análise de fungicidas Ditiocarbamatos, oficiais e validados internacionalmente, de grande importância para a qualidade dos hortigrangeiros nunca foram usados, pois isto contrariava os interesses dos comerciantes de agrotóxicos.Quando foi proposto por Sebastião Pinheiro, que se levassem as mesmas ao agricultor como meio de extensão e educação para sanar o problema dos agrotóxicos, a resposta foi negativa e sintomática.A rebeldia de instalação de um laboratório com tal finalidade resultou em um escândalo, provocado pelas autoridades, conhecido como escândalo dos morangos.A conquista de análise de toda a produção para a Festa do Pêssego e Ameixa da Vila Nova, em Porto Alegre/RS teve o controle de qualidade desde 1984 até 1988, quando por vontade das indústrias de agrotóxicos o M.A e Emater terminaram com a necessidade de análise e controle sistemático para entrada na festa, retornamos à situação anterior, ou melhor, pioramos mais.A partir de 1980 foi criada, no Brasil, uma nova definição sobre as análises de agrotóxicos. Novamente, antecipando-se, a indústria criou a definição de uma boa prática laboratorial. Assim, cartorialmente credenciavam ou desautorizavam os resultados de análises de resíduos de agrotóxicos, conforme seu interesse. Isto passou a impedir laboratórios independentes de trabalharem e protegerem os alinhados com seus resultados comprometidos.Também, no Brasil, foi a FAO/OMS quem trouxe a instalação de laboratórios de resíduos de agrotóxicos e formação de técnicos. Podemos especular que a finalidade dos mesmos não foi para dar garantia e qualidade aos alimentos e produtos agrícolas, mas manter o controle destas informações sob tutela de pessoas e estruturas de confiança da indústria, respaldado pelas Nações Unidas.Até porque diante dos problemas sanitário-ambientais todos países industriais adotaram legislações para preservação de seus patrimônios de saúde, ambiente e qualidade de vida.Entretanto isto não chega ao país para não causar encômios aos interesses da indústria de agrotóxicos.Isto não ocorre, pois nós não somos sujeito nesta situação, somos apenas objeto, o sujeito é o agrotóxico e o interesse das empresas detentoras de suas patentes e marcas.As discussões sobre resíduos de agrotóxicos, metais pesados, hormônios, antibióticos, poluentes industriais, radiatividade, aditivos alimentares e poluição biológica ganham contorno de defesa da cidadania, liberdade, independência, etc., provocando uma reação acirrada com os profissionais de ensino, pesquisadores e extensionistas, avessos à perda de hegemonia e poder no domínio

44 PINHEIRO, S., NASR, Nasser Youssef e LUZ, Dioclécio. A Agricultura Ecológica e a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil. Ed. Fund. Juquira Candiru, Porto Alegre. 1993.

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intelectual dos temas.Este conflito não será facilmente aceito a não ser quando as ordens internacionais criem obrigações a serem respeitadas.Paralelamente a estas discussões, lentamente, há a formatação de novas técnicas, - alternativas -, para modelar um novo paradigma de agricultura em gestação, a evolução adequando à nova matriz tecnológica e situação econômica internacional, tudo sob controle dos organismos internacionais de financiamento, controle de comércio, saúde, agricultura e meio ambiente das Nações Unidas.Com a Conferência das Nações Unidas patrocinada pelos Países Baixos, em abril de 199145 preparatória para a Conferencia do Rio de Janeiro, o modelo de agricultura industrial baseada na petroquímica começa oficialmente fenecer, e, o novo modelo de Agricultura Sustentável a receber os últimos retoques.A Conferência das Nações Unidas sobre o desenvolvimento e o meio ambiente, no Rio de Janeiro, em 1992, pauta o respeito ao espaço natural, diferente do espaço da agricultura e tenta impedir a acelerada devastação ambiental e comprometimento dos suportes vitais do planeta, para a humanidade, ao mesmo tempo que o projeto da Nova Ordem está pronto, esperando as patentes biológicas para impulsionar o mundo em globalização comercial.Os agrotóxicos declinam, quer como setor militar dos gases de guerra, quer na agricultura. Sua evolução está, agora, intimamente, ligada à evolução da biotecnologia e engenharia genética.Os investimentos das empresas petroquímicas passam para a biologia molecular. A natureza, com sua biodiversidade passa a interessar os cientistas na procura de "bens" e produtos patenteáveis. É neste momento em que os produtos transgênicos surgem como alimentos para a humanidade.Os malefícios dos agrotóxicos são muitos, mas ainda não foram totalmente levantados, pois não são sequer conhecidos. Seus danos continuarão a ocorrer nos próximos trinta anos, sem qualquer exagero, cada vez de forma mais grave. Hoje se estuda o vínculo do câncer de mama e de próstata com o uso de agrotóxicos organoclorados na década de 60. Este efeito retardado levou ao estabelecimento do princípio da precaução embutido na Agenda 21.

MICOTOXINAS: O ATENTADO INVISÍVEL46

Recentemente, o uso do Sarin, um gás da Segunda Guerra Mundial, antigo e obsoleto, ocasionou uma catástrofe no metrô de Tóquio, que ganhou as manchetes mundiais. Entretanto, um bom aluno de curso pré-universitário japonês tem condição de produzi-lo em uma cozinha ou galpão.Vimos denunciando este tipo de possibilidade há mais de vinte anos, por termos centenas de exemplos de acidentes parecidos a este ocorridos com defensivos agrícolas.A construção do complexo de armas químicas e biológicas comercializados pelo governo alemão com Muamar El Kadaffi e, posteriormente, com Saddam El Hussein mostra que esta tecnologia continua ao alcance de interessados.O uso destas armas pelos norte-americanos no Vietnã, pelos soviéticos no Afganistão, pelo Iraque contra os curdos e na Guerra do Golfo em janeiro de 1990, e exército mexicano em Chiapas, neste ano, demonstra sua atualidade.Hoje, elas não são mais químicas, mas biológicas ou biotecnológicas e podem se multiplicar no corpo da vítima como bactéria, fungo e vírus da engenharia genética expandindo-se epidemicamente.Em 1984, tivemos uma epidemia de conjuntivite viral, que grassou no Brasil, desde o Rio de Janeiro para todo o país em apenas seis dias. Foi natural?Com o fim da Guerra Fria, muitos destes produtos ganharam caráter comercial para a agricultura.Mas, não só em função da diabólica ação do homem, encontramos estas substâncias também na natureza, embora controladas pela dinâmica da vida.Muitos microorganismos produzem substâncias para impedir ou prejudicar o desenvolvimento de

45 Documento da Conferencia, traduzido por S. Pinheiro e encartado no livro A A. E. e a Máfia opus cit.46 PINHEIRO, S., NASR, Nasser Youssef e LUZ, Dioclécio. A Agricultura Ecológica e a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil. Ed. Fund. Juquira Candiru, Porto Alegre. 1993.

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concorrentes e antagonistas, crê-se que esta seja a finalidade das micotoxinas. A complexidade deste ecossistema é gigantesca e pouco conhecida, mas seus efeito sobre o homem e sua economia é impactante tanto positiva (antibióticos, produtos farmacêuticos e alimentares) quanto negativamente.Desde épocas medievais, o "pão embriagador" na Europa Central é conhecido, provocando abortos, morte e doenças. Hoje, sabemos que o fungo responsável por esses males é o "esporão do centeio" que contamina os grãos, e suas toxinas, ricas em LSD, passam à farinha espalhando a intoxicação por toda uma aldeia através do pão.Também na Idade Média, na Rússia, conhecia-se o "mal de Santo Antônio". Devido a temperaturas mais elevadas na fermentação, na época de comemoração de Santo Antonio, ocorria contaminação no pão por fungos do gênero Tricothecium, ricos em T - 2 (tricoteceno). Em toda a aldeia, que consumia este pão, ocorriam envenenamentos, com a ruptura, nos indivíduos, das membranas dos glóbulos vermelhos. As vítimas vertem muito sangue pelas narinas, olhos, ouvidos, bocas, poros até a morte.Entre todos os povos, o botulismo é temido e atualíssimo. É uma toxina extremamente venenosa produzida por uma bactéria (Clostridium botulinum), contaminando envasados, principalmente, legumes fermentados (pickles).Anualmente milhares de acidentes são registrados em todo o mundo com esta toxina, que, em quantidades de microgramas, é letal. O micrograma é a milhionésima parte da grama ou seja esta toxina é dez mil vezes mais tóxica que os mais temidos agrotóxicos (gases de guerra, como o Sarin).As toxinas biotecnológicas começaram a ser estudadas a partir da Segunda Guerra Mundial, com fins militares, ficando encoberta sua periculosidade até 1960, quando uma grande mortandade de perus ocorreu na Grã Bretanha, por causa de torta de amendoim contaminada originária do Brasil.A partir deste momento, os alimentos armazenados, principalmente os grãos, passaram a ser melhor estudados por serem os principais formadores de toxinas naturais.Elas são as principais causas potenciais de contaminação de alimentos em função da falta de estrutura de conservação e armazenamento, por serem pouco conhecidas.Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico prevalecente as ignora. Por exemplo a genética e melhoramento vegetal não levam em consideração a capacidade ou qualidade de conservação dos cultivares frente as micotoxinas. Da mesma forma as diferentes técnicas agronômicas tampouco questionam sua propensão na formação de toxinas, pelas razões do modelo agrícola adotado.Por último, mas principalmente, os grandes geradores de tecnologia não querem reconhecer a importância do controle destas toxinas, haja vista que mais de 28% da safra norte-americana de grãos apresentam presença de micotoxinas capazes de provocar alergia, distúrbios hormonais, diminuição das defesas orgânicas, abortos e perda de rendimentos econômicos.Os principais efeitos delas no organismo humano é provocar a diminuição das defesas orgânicas, alergias, resistências cruzadas, choques anafiláticos e distúrbios hormonais.O amendoim é um bom exemplo do exposto acima, pois sua tecnologia era de cultivo totalmente manual, familiar, em pequenas áreas, com colheita e secagem ao Sol para a cura dos frutos (legumes). Com a mecanização adotada alcançou-se grandes áreas, a secagem e descascamento e armazenamento levou à formação das desconhecidas micotoxinas.É no amendoim que se encontram as micotoxinas mais graves, produzidas pelos fungos Aspergillus flavus e outros, daí o nome formado com a abreviatura: A,fla,toxina. Quimicamente são Furanocumarinas.As modificações tecnológicas no cultivo do amendoim, com a chegada da mecanização, uso de fertilizantes, agrotóxicos, calcáreos, colheita mecanizada, manipulação e armazenamento provocam o incremento das micotoxinas.Hoje, pode-se ver nas análises bromatológicas que são raras as amostras de amendoim livres de contaminação por micotoxinas, principalmente as terríveis Aflatoxinas (B1, B2, B2a, G1, G2, G2a), que, no corpo dos animais, transformam-se em outras (como as M1, M2, M3, M4) encontradas no leite (M de milk). Há ainda os Aflatoxicol I e II; Aflatoxinas P1 e Q1, bem mais recentes.

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É preciso resgatar a avaliação no melhoramento genético dos vegetais, para se evitar os cultivares propensos a maiores formações de micotoxinas.As mesmas avaliações devem acompanhar as diferentes práticas de cultivo e condições de armazenamento, para se evitar ou atenuar a possibilidade de formação das micotoxinas.As técnicas de armazenamento nos países industrializados têm evoluído com o uso do frio, para controle da umidade ambiente, produtos absorvedores de umidade (cinzas, cal, sílica, areia, etc.) e agregado de produtos químicos conservantes (ácidos sórbico, propiônico e seus sais entre outros). Entretanto estas práticas, apenas, mantêm a qualidade não as melhoram. Testes feitos na Alemanha e Japão com farinha de amendoim contendo 1,25 ppm de aflatoxinas tratada com derivados e similares ao ácido propiônico e armazenadas em péssimas condições não aumentou a formação das toxinas, mas não as destruiu, com o agravante do alto custo destes produtos. Testes feitos, em São Paulo, recentemente, com Gás Fosfina apresentam os mesmos problemas acima.Por outro lado, as técnicas de "agricultura sustentável", que evitam significativamente a capacidade conservativa dos produtos agrícolas, impedindo a formação das micotoxinas, embora econômicas, ainda são pouco praticadas entre nós e nos países em desenvolvimento.Hoje temos, em nosso Estado e em todo o Brasil, uma enorme safra de milho com graves problemas devido ao baixo preço comercial, que leva a um relaxamento nas condições de armazenamento ou depósito em locais e condições inapropriados.O milho é cultivado desde épocas pré-colombianas, de forma idêntica ao do amendoim, ele se adaptou a uma realidade, que o melhoramento direcionado não conseguiu modificar: o milho entra em amadurecimento fisiológico muito antes de completar o ciclo da planta.A sabedoria levava a "quebra do milho" e espera no campo, para que houvesse um período de secagem até a colheita, que entre nós ocorria somente após a segunda geada.A realidade, hoje, é colher-se o milho mecanicamente com teor acima de 25 por cento de umidade e ele brotar nos silos e armazéns, o que obriga o uso de secadores de grãos, que é caro e infra-estrutura não tão fácil de se encontrar em país de Terceiro Mundo, principalmente quando este milho está com o preço aviltado, pois para o agricultor não vale a pena a operaçãoEste milho colhido úmido, embora não o suficiente para brotar (visivelmente), pode fermentar (invisivelmente), desenvolvendo fungos produtores de substâncias tóxicas, as micotoxinas. Entre elas estão as substâncias consideradas mais carcinogênicas existentes no planeta e tão perigosas quanto a radiatividade.Nos EUA, onde toda a lavoura de milho é mecanizada, os índices de contaminação por micotoxinas entre outras (Ochratoxina A, Citreoviridina, Sterigmatocystina, Penitrem A, Fumitremorgen B, Roridin A, Patulina, Furasenon X, Tricotecin, Ascotoxina, Citrinina, Ácido Penicílico, Roquefortin, Rubratoxin B, Moniliformin, Ácido alfa-cyclopiazônico, Zearalenona, Zearalenol, T2, O metil-Sterigmatocystina, Iso-T2, HT2) são mais de duas dezenas e atingem mais de 28% da safra.Caso semelhante ao do milho também ocorre com o sorgo e outros cereais e até na soja, feijão e outras leguminosas, basta que as condições de produção e armazenagem não sejam adequadas.Fazer um rastreamento urgente de micotoxinas é imperioso, mas o laboratório do Ministério da Agricultura que executava estas análises e de agrotóxicos, desde 1985, foi fechado e os técnicos especializados na Alemanha, França e Estados Unidos foram dispersados, por pressão invisível das multinacionais de agrotóxicos.Quem perdeu com isto fomos todos nós.Há uma técnica sul-africana que analisa treze micotoxinas em grãos, utilizada no Laboratório Vegetal do Ministério da Agricultura - LARVSUL, que poderia ser resgatada com sua reorganização, em Porto Alegre.Ela poderia ser transferida para mais de dez entidades de pesquisa e ensino superior no Estado, formando uma rede, para triagem sistemática da situação dos nossos grãos e dos oriundos do Mercosul.Esta técnica é barata, com custo inferior a dois reais por análise, pois todos os aparelhos existentes estão apenas paralisados.Além do mais é necessário que se conheçam os mecanismos de formação das micotoxinas para se

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prover a prevenção ou inibição das mesmas, pois o assunto é tão sério quanto o atentado no metrô de Tóquio, onde se encontrou meios para a produção de micotoxinas, dez mil vezes mais perigosas que o Sarin.47 48

CONTAMINAÇÃO POR ADITIVOS CONSENTIDOS

O avanço industrial nos trouxe um outro tipo de contaminação não tão agressiva quanto os agrotóxicos, mas perigosa, por sua falsa segurança: os aditivos químicos de alimentos.São moléculas químicas muito menos tóxicas que os agrotóxicos, de forma aguda, evidentemente, porém ao longo do tempo elas podem causar danos.Elas são usadas para dar segurança, paladar, beleza ao alimento, como: - os conservantes, que substituem a qualidade e higiene na manipulação e industrialização do alimentos; - maquiar os alimentos, através de cor, emulgador, espessamento, aromatizantes ou flavourizante, acidulante, etc.Alguns corantes sintéticos como os C II, alguns conservantes como os Benzoato de Sódio e Potássio, Sorbatos, PHB, alguns antioxidantes como PVIII e PVII os nitritos e nitratos, que também são usados como conservantes de embutidos, inibidores do desenvolvimento de botulismo, já são severamente restritos ou banidos em outros países.A maioria dos países centrais controlam os aditivos químicos e os substitui por aditivos naturais, que embora mais caros dão saúde, qualidade e competitividade aos alimentos no mercado. Um exemplo o único corante permitido na Suíça é o urucu, quase todo ele produzido no Brasil, mas que entre nós é escassamente usado (coloral). Pouca preocupação há com as possíveis combinações entre os resíduos de antibióticos, agrotóxicos e os aditivos químicos. Por exemplo, como se comporta um resíduos de agrotóxico na presenta de um conservante ou antioxidante? Não há uma preocupação toxicológica em saber desta interação secundária ou mais elevada.

CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL

Há uma contaminação, que chega ao alimento de forma involuntária, a contaminação ambiental, assim, através do ar, da água da chuva ou da torneira, do solo, do plástico da embalagem, que passa ao alimento comprometendo sua qualidade.Muitos pigmentos utilizados na indústria de plásticos, cerâmica, galvanoplastia liberam metais pesados, por isso na Alemanha e em outros países, somente após testes drásticos estes utensílios (garfos, colheres, pratos, potes, copos, etc.) são liberados para conter e guardar alimentos. O teste mais comum, na década de 90, era colocar vinagre puro aquecido no utensílio durante 24 horas e medir a liberação de metais pesados.

RADIONUCLÍDEOS

A era nuclear, iniciada em Álamo Gordo, nos EUA, com as explosões nucleares, trouxe um novo tipo de contaminação de alimentos e ambiente, a contaminação por radionuclídeos.O "fallout" das séries de testes de armas nucleares na atmosfera fez os índices de contaminação em cereais, entre os anos 1963 e 1965, na Europa aumentarem:Estrôncio 90 400 pCi/Kg e Césio 137 acima de 1.000 pCi/Kg.Ainda em cereais, o índice de contaminação por Plutônio 239 em níveis de fCi (fentoCurie) e Plutônio 240 em níveis de pCi (picoCurie). A radiação alfa do Polônio 210; a radiação beta do Rádio228

47 Porto Alegre, 7 de Abril de 1995.48 Bibliografia: K.Uraguchi & M. Yamazaki, Toxicology, Biochem. & Pathology of Mycotoxins N. York, 1978.

I.E.H. Purchase Mycotoxins, Elsevier, Amsterdam, 1974.Sigma Chemical Company Catalog 1994.E.Stahl Lehrhandbuch für Dünnschichtcromatographie, Springerverlag 1969R.Wegler, Chemie der Pflanzenschutz&Schãdlingsbekãmpfungsmittel,VI Springer, 1981.Prescott and Dunn, Industrial Microbiology MacGraw-Hill Book Co.,1940G.Ribeiro, Summa Etnológica, vol. I, Editora Vozes, 1986.B.A.Yágodin, Agroquímica, vol I e II, Editora Mir, 1986.

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e radiação gama em níveis de 10 pCi/Kg cresciam a cada novo teste nuclear.Como os países beligerantes, na Guerra Fria, monitoravam os radionuclídeos do "fallout" dos outros, ambos blocos resolveram por medidas militares levar as explosões para debaixo da terra.O resultado disto foi que, em 1977, na Alemanha Ocidental, houve uma diminuição da contaminação por radionuclídeos: Estrôncio90 , foi encontrada uma media de 14 pCi/Kg; Césio137, em média de 30 pCi/Kg.Já os acidentes nas centrais nucleares de geração de energia elétrica liberaram Césio134, Cobalto58, Cobalto60 , também contaminantes de alimentos e ambiente.Em 1977, detectou-se de 400 a 700 pCi de Trítio (H3) e 7,1 pCi Carbono14 , por quilograma de cereais.Os níveis de contaminação na Ucrânia, Bielorússia, Áustria e outros países da União Européia, após Chernobyl ou Mururoa alcançaram valores assustadores.Uma série de erupções vulcânicas, impossíveis de serem contidas, espalhou um "fallout natural" sobre o planeta. O escapamento dos automóveis é um dos piores contaminantes de alimentos e ambiente de nossa atualidade.

DIOXINAS E FURANOS

As dioxinas e furanos constituem uma família de 210 isômeros clorados ultratóxicos, presentes, hoje, em todos os seres vivos.

A queima de lixo urbano, hospitalar e industrial são os grandes geradores de dioxinas e furanos clorados, mas não os únicos. A incineração de lixo está condenada na Europa, Estados Unidos e Japão e, sendo transferida para os países de periferia.Também a síntese química de agrotóxicos é um formados de dioxinas e furanos. Recentemente polpa de laranja brasileira retornou da Europa por contaminação por dioxinas e, na Bélgica, houve um escândalo por contaminação de frangos por dioxinas.As mulheres alemãs apresentam uma contaminação de nanogramas no leite materno. Na Suécia, as mulheres urbanas não podem amamentar por mais de três meses. As mulheres da área rural podem amamentar por seis meses, pois os níveis de contaminação do leite materno é inferior à metade.

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Hoje, estes

problemas de contaminação alimentar são uma grande preocupação DIOXINAS, FURANOS e disruptores endócrinos .

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DISRUPTORES ENDÓCRINOS

Tradução Ocean. Fabíola Pinheiro, GIPASPeter Mortague, da União Nacional dos Escritores, dos EUA, fez um extrato do RELATÓRIO WEYBRIDGE, anais da Conferência Internacional sobre substâncias químicas disruptoras endócrinas.É ele quem diz, "Nos últimos 6 anos, acumularam-se evidências indicando que os seres humanos e a vida selvagem podem ser afetados por produtos químicos industriais que interferem com hormônios. Hormônios são mensageiros químicos transportados pela corrente sanguínea, ligando e desligando processos corporais e, assim, regulando a reprodução, o crescimento, o desenvolvimento (inclusive o mental) e a saúde. O termo genérico para produtos químicos que afetam hormônios é disruptores endócrinos.Cerca de 50 agentes químicos foram identificados como tais, mais aproximadamente 70.000 produtos químicos comercializados atualmente ainda não foram testados quanto a efeitos sobre o sistema endócrino.Por estarmos, hoje, todos expostos diariamente a centenas (se não milhares) de agentes químicos no ar, água e alimentos, é (no mínimo) preocupante que alguns destes possam estar permanentemente alterando nosso desenvolvimento e o de nossos descendentes, sem mencionar nossa saúde.No mês passado, a Agência Ambiental Européia publicou um relatório [1] de uma importante conferência sobre disruptores endócrinos realizada em Weybridge (Inglaterra) de 2 a 4 de dezembro de 1996. O workshop foi organizado pela Comissão Européia, Agência Ambiental, Centro Europeu da Organização Mundial de Saúde, para Ambiente e Saúde; Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD); Agências Ambientais da Inglaterra, Alemanha, Suécia, Holanda, Conselho Europeu das Indústrias Químicas (aproximadamente o equivalente europeu da Associação das Manufatoras Químicas dos EUA), Centro Europeu para Ecotoxicologia e Toxicologia de Produtos Químicos (aproximadamente o equivalente do Instituto de Toxicologia da Indústria Química dos EUA).Este novo relatório, ao qual nos referimos, contém algumas conclusões importantes, tais como:** É evidente que há efeitos adversos sobre os órgãos reprodutivos tanto dos homens quanto das mulheres. A incidência de câncer testicular aumentou dramaticamente, em países com registro de casos de câncer, incluindo Escandinávia, países vizinhos ao Mar Báltico, Alemanha, Reino Unido (Inglaterra), EUA e Nova Zelândia.Igualmente, houve um aumento de incidência de câncer de mama em muitos países, e a incidência de câncer de próstata também parece ter subido. Enquanto alterações na incidência de câncer de próstata podem ter sido influenciados por melhores registros e diagnósticos, o mesmo não pode explicar o aumento maçico dos casos de câncer de testículos. Da mesma forma, a ascensão na incidência de câncer de mama parece real (1, pág. 13).** O declínio aparente nas contagens de esperma em alguns países é provavelmente genuína, e não devida a variáveis metodológicas ou fatores de confusão. (1, pág 6).**Contudo, "as evidências não são suficientes para estabelecer definitivamente uma relação causal" entre a exposição química e os efeitos observados sobre a saúde humana. (1, pág. 6)** Em resumo: "Embora nosso conhecimento atual sobre os agentes ambientais (disruptores endócrinos) e da reprodução seja extremamente limitado, sabemos o bastante sobre efeitos adversos à saúde reprodutiva para que fiquemos preocupados,"conclui o relatório Weybridge. (1, pág. 14)** Sobre a vida selvagem, foram percebidos os seguintes tipos de efeitos, quanto aos produtos químicos disruptores endócrinos:** Fêmeas de moluscos (e.g., caramujos e mexilhões) tornaram-se machos, em conseqüência da exposição a produtos químicos disruptores endócrinos (condição denominada de "imposex") (1, pág. 14)** Em peixes, foi observada em machos a produção de vitalogenina (uma proteína formadora da gema do ovo e geralmente encontrada em fêmeas). Também foi observado hermafroditismo em peixes (um único peixe possuindo tanto órgãos sexuais masculinos como femininos). (1, pág 14)** Certos répteis (tartarugas e jacarés) tiveram reduzida sua fertilidade em virtude do

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subdesenvolvimento dos órgãos sexuais masculinos (pênis pequeno).** Em aves, foi observado um comportamento de nidificação anormal, ou seja casais constituídos por duas fêmeas.** Quanto aos mamíferos, houve alterações da fertilidade nas panteras da Flórida e em penípedes.Em animais de laboratório, foram observados os seguintes efeitos endócrinos-disruptores.** Ratos e hamsters expostos à dioxina antes do nascimento e logo após o nascimento tiveram a quantidade de esperma reduzida quando adultos. O tempo de exposição determina os efeitos conseguintes. (1, pág. 28)Também há evidências de que exposição permanente a baixos níveis de dioxina possam causar endometriose em macacos (1, pág. 28)Endometriose é uma enfermidade dolorosa dos tecidos que revestem o útero., que geralmente resulta em esterilidade e atualmente atinge estimatidamente de 5 a 9 milhões de mulheres americanas.** Ratos expostos a PCBs antes do nascimento apresentaram distúrbios dos hormônios tireodianos e, como efeitos colaterais, redução no tamanho dos testículos e na quantidade de esperma, quando adultos. (1, pág. 28)** A exposição de roedores a produtos químicos endócrinos-disruptorres pode induzi-los à puberdade prematura e à persistência de "estrus", ou seja, tempo anormalmente prolongado de "aquecimento".** Machos de roedores expostos a agentes químicos que interferem com os hormônios sexuais masculinos (andrógenos) podem nascer com hipompadia (defeito de nascença no pênis) e criptoorquidismo (testículos ocluídos). (1, pag.29)O relatório Weyybridge salienta que, em humanos, há indicações de que, ao menos em alguns países... a incidência de testículos ocluídos e hipompadia aumentou". (1, pág. 13). O relatório Weybridge associa especificamente estes efeitos (em roedores) com exposição a Vinclozolin, um poderoso agrotóxico anti-andrógênico. (Nos EUA, hoje, Vinclozolin está legalizado para uso em pepinos, uvas, alface, cebolas, morangos, tomates, pimentas, amoras e couve de Bruxelas. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EUA) não tem planos anunciados de banimento do Vinclozolin).** Há evidências a partir de um número de espécies animais, de que esteróides sexuais ( por exemplo, estrógeno e testosterona) exerçam efeitos a longo prazo sobre o tamanho do timo e "sobre o sistema imunológico em geral" (1, pág. 29). Em seres humanos, o timo é um órgão situado logo acima do coração e produtor de células T, as quais têm importância crucial no sistema imunológico.O Relatório Weybridge chega a algumas outras conclusões sugestivas da dificuldade do trabalho que os pesquisadores têm pela frente ao tentar desvendar a relação entre agentes químicos endócrinos-disruptores e o desenvolvimento normal nos homens e outros animais.** "Não é possível entender por completo a significância dos níveis encontrados no sangue e outros tecidos até que o mecanismo e o tempo da ação das substâncias endócrinos-disruptores (SED) e seus metabólitos sejam melhor compreendidos." (1, pág.37) Em outras palavras, não somente as substâncias endócrino-disruptores precisam ser compreendidas.Estando presentes no organismo (animal ou humano), são metabolizados e transformados em agentes químicos diferentes, cujos efeitos também devem ser examinados e entendidos. Além disso, o tempo de exposição é crítico.Por exemplo, a exposição de uma rata prenhe à dioxina no décimo-quinto dia da gestação provoca efeitos que não sobreveêm se a exposição ocorre no décimo-quarto ou décimo-sexto dia. Isto torna a pesquisa laboratorial dos endócrinos disruptores muito mais complexa (e, por conseguinte, mais dispendiosa) do que a pesquisa tóxico-química típica.Por fim, será preciso testar no mínimo duas gerações de animais, pois os efeitos sobre as proles são a preocupação principal quanto aos endócrinos-disruptores (1, pág. 43)** "... não se antecipa surgimento de nenhuma relação útil do tipo SAR (1, pág.45) SAR significa "relação estrutura-atividade. Por vezes, a toxicidade desconhecida de uma substância química pode ser estimada através do exame da estrutura molecular de uma substância cuja toxicidade é

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conhecida. Caso isto seja possível, uma relação extrutura-atividade (na verdade, estrutura - toxicidade) pode ser observada, a atividade (toxicidade da substância, estimada a partir de sua estrutura química. A observação de SAR pode auxiliar os cientistas a decidir rapidamente sobre quais produtos químicos são provavelmente os vilões.Infelizmente, como conclui o Relatório Weybridge, as substâncias químicas endócrino-disruptores não se assemelham estruturalmente, diferindo a tal ponto, que nenhuma relação estrutural-atividade parece surgir para ajudar os cientistas a identificar os vilões. Dessa forma, todos os produtos químicos são candidatos a testes cujos custos e complexicidade são enormemente aumentados, podendo ou não vir a ser identificados como endócrinos-disruptores.** "Houve concordância geral no workshop de que um endócrino-disruptor só poderia ser definido apropriadamente por meio de testes de substâncias químicas no animal intacto." (1, pág. 53), o que também é má notícia.Traduzindo, testes em tubos-de-ensaios com as substâncias químicas não fornecerão as informações necessárias. Os testes deverão ser realizados em animais vivos, o que é caro (e cruel).** Os feitos interativos potenciais da exposição a diversas substâncias simultaneamente devem ser considerados. ( 1, pág. 41).Em suma, segundo o Relatório Weybridge, para compreender o problema das substâncias químicas endócrino-disruptoras, devemos estudar as interações entre combinações de substâncias químicas, em, no mínimo, duas gerações de animais vivos, expostos em momentos diversos ao longo de suas vidas (ocasiões diferentes prévias e posteriores ao nascimento). E, obviamente, os animais devem ser expostos às várias concentrações das substâncias químicas, a fim de verificar se uma relação dose-resposta fica evidente.A necessidade de testar combinações complica enormemente o quadro. Por exemplo, para testar apenas os mil tóxicos mais comuns em combinações únicas de, seriam necessários pelo menos 166 milhões de experimentos diferentes (sem considerar a necessidade de estudar doses variáveis dados aos animais em períodos variáveis durante suas vidas).Se quisermos conduzir 166 milhões de experimentos em apenas 20 anos, teríamos de completar 8,3 milhões de testes cada ano. Os EUA presentemente têm capacidade de conduzir somente poucas centenas de tais testes animais a cada ano. Simplesmente treinar pessoal suficiente para realizar 8,3 milhões de testes animais por ano está além da capacidade da nação.** Destacadamente, o Relatório Weybridge recomenda que, até que a pesquisa necessária seja completada para fornecer pleno conhecimento científico, deve ser considerada a redução da exposição da vida selvagem e humana às substâncias químicas endócrinas-disruptoras, acompanhando o Princípio da Precaução (1, pág, 52) (Conforme estipulado no Príncipio 15 da Declaração do Rio 1992 sobre Ambiente e Desenvolvimento, o Princípio da Precaução estabelece que "onde haja ameaças de danos irreversíveis sérios, a falta de certeza científica não deverá ser usada como motivo para adiar medidas de custo efetivo que previnam a degradação ambiental". (2)Em suma, o Relatório Weybridge estabelece crítérios para compreender o problema dos produtos químicos endócrinos-disruptores, mas parece que mesmo as nações mais ricas do mundo não possuem capacidade de desempenhar a pesquisa científica necessária. Este é um problema pior do que todos os outros já enfrentados. O perigo de danos irreversíveis é real. Portanto, invocar o Princípio de Precaução, a fim de limitar nossa exposição a tais substâncias químicas mesmo antes de conhecê-las cientificamente por completo, parece ser a única medida racional a adotar. Nos EUA, isto provavelmente não é possível, devido à força política das corporações químicas. Talvez, porém, democracias mais racionais possam nos dar uma lição de ação cautelar.Isto leva ao crescimento e avanço da agricultura ecológica, que cresce 21% ao ano nos EUA e 19% na União Européia.Contudo, as grandes empresas estão investindo grandes somas para a produção de alimentos transgênicos e geneticamente modificados.Seu lançamento foi feito há três anos sem uma avaliação ou maior preocupação quanto a sua segurança ou riscos para o ser humano. Hoje, os cidadãos norte-americanos estão processando seus órgãos públicos, como o FDA, EPA, que não aplicaram as leis, nem exigiram os estudos científicos

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e desregulamentaram ilegalmente os registros destes tipos de alimentos.Nenhum estudo sobre os perigos da inserção de genes estranho foi estudado e avaliado de forma profunda. Nenhuma avaliação sobre a biodisponibilidade, compatibilidade e acúmulo de substâncias deletérias foi feito. Nem estudos nutricionais, nos alimentos geneticamente modificados. Isto é um grave potencial de risco para a humanidade que está sendo usada como cobaia, conforme denúncia de eminentes cientistas.Aqui alguns exemplos antigos:Cientistas de Niedersachsen, Alemanha e França afirmam que a colza transgênica libera pólen a longa distância e hibridiza-se com espécies selvagens, pondo em risco a biodiversidade. A Grécia, berço de dispersão de crucíferas, proíbe o ingresso no país;Cientistas em Reckenholz, Suíça, dizem que o milho com Bacillus thuringiensis, da Novartis, mata vespas polinizadoras, inseto importante e benéfico. Esta bactéria produz proteínas tóxicas para os insetos. Elas se agrupam em várias endotoxinas e exotoxinas. A Beta Exotoxina é teratogênica e provoca alterações em mitoses. Quanto tempo deve durar uma avaliação bromatológica da proteína do Bt, no organismo humano, para saber seus impactos moleculares. A França proíbe, a Inglaterra decreta uma moratória de três anos; os australianos querem tomar medidas semelhantes.Cientistas canadenses demonstram que novos vírus são criados através da engenharia genética de resistência a viroses. A cientista Mae Wan Ho afirma que novas doenças podem surgir com a manipulação de vírus _ ;Cientistas ingleses deparam que a proteína inserida em batatas transgênicas diminui as defesas imunológicas das cobaias;- O milho "Maximer", produzido com técnicas de resistência à ampicilina, não está liberado para a União Européia, pelos riscos, mas a pressão é gigantesca."Os antibióticos são utilizados nas manipulações genéticas. Os genes de resistência aos mesmos servem como marcadores. Os mais utilizados são ampicilina e canamicina. Basta uma pequena mutação nestes genes (e elas são muito freqüentes) para conferir resistência a antibióticos a antibióticos muito utilizados em infecções graves, como são as cefalosporinas. Também, basta uma mutação mínima no gene de resistência à canamicina, para que se desenvolva resistência à amicacina, outro antibiótico utilizado em infecções graves (meningites ou pneumonias).Como o DNA se conserva durante bastante meses no solo, cada planta transgênica portadora de genes de resistência a um antibiótico depositará dezenas de milhares de células com estes transgêneses nos solos, onde poderão transferir-se para a bactérias, tanto mais facilmente quanto que a própria origem destes genes de resistência for de oriundo de bactérias.Outra possibilidade seria a transferência direta destes genes a microorganismos no trato intestinal de quem consome plantas transgênicas, risco habitualmente subestimado . Recentemente cientistas holandeses trabalhando com intestino artificial controlado por computador, mostraram que o ADN modificado tinha vida média de seis minutos, em tais condições, o que possibilitava a transferência de genes.Ano passado, a Sociedade Internacional de Quimioterapia perguntou aos seus associados especializados, sobre os riscos do milho da Novartis contendo gene de resistência a ampicilina. Somente 57% considerava o risco inaceitável; 34% pedia uma melhor avaliação e somente 2% o consideravam seguro." 2

PERIGOS DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS, (retirado da Cartilha dos Transgênicos)1. Novos toxicantes podem ser agregados aos alimentos através da engenharia genética. Muitas plantas produzem naturalmente uma variedade de compostos como as neurotoxinas, inibidores de enzimas, que podem ser tóxicos e alterar a qualidade dos alimentos. Geralmente estes compostos estão presentes em níveis não tóxicos. Mas através da engenharia genética, podem ser produzidos em altos níveis.2. A qualidade nutricional dos alimentos da engenharia genética pode ser diminuída.3. Pode ser significativamente alterada a quantidade de nutrientes nos alimentos engenheirados.

_ Revista del Sur Nº 80 junho 982 oppus cittatis

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Também sua absorção ou metabolismo no homem podem ser modificados.4. Novas substâncias podem representar alterações na composição dos alimentos.5. É possível a introdução de uma proteína que diferencie significativamente na estrutura e função ou modifique um carboidrato, gordura ou óleo. Cada uma destas diferenças altera significativamente a composição normal encontrada no alimento.6. Novas proteínas que causam reações alérgicas podem entrar nos alimentos. Alergênicos são proteínas que causam reações na população sensível a esta substância. Transferidas de um alimento para outro, as proteínas podem conferir à nova planta propriedades alergênicas do doador.7. As pessoas sensíveis normalmente acabam por identificar os produtos que as afetam. Entretanto, com a transferência dos alergênicos de um produto para outro, perde-se a identificação e a pessoa só vai descobrir o que lhe faz mal após a ingestão do alimento perigoso.Os genes antibiótico-resistentes podem diminuir a efetividade de alguns antibióticos em seres humanos e nos animais.Cientistas usam genes antibióticos-resistentes para selecionar e marcar os organismos engenheirados; que foram sucesso. Genes marcadores que produzem enzimas inativadas clinicamente, usando antibióticos, teoricamente podem reduzir a eficácia da terapêutica de antibióticos. Quando ingerida oralmente no alimento engenheirado, a enzima pode inativar o antibiótico.Pode-se explicar de outra forma. Uma bactéria produz uma geração a cada minuto. Sua população é de alguns milhões de indivíduos. Se, por exemplo, o cientista visionário quer introduzir um gene de fosforescência em um peixe faz o seguinte.... Ele toma uma bactéria e usa-a como plasmídeo para carregar o gene para dentro da bactéria. Mas como ele vai saber se o seu gene está dentro da célula? Simples, ele transfere caracteres de resistência a um determinado antibiótico. Depois, para checar se houve absorção do gene, ele cultiva está bactéria na presença do tal antibiótico. Aqueles que nasceram seguramente terão o gene da fosforescência. E o que acontece quando esse visionário faz o experimento num peixe, um alimento humano? Surgirão peixes com a fosforescência e o antibiótico.... Que pode ser letal a algumas pessoas...Os alimentos da engenharia genética podem provocar efeitos inesperados.As manipulações genéticas trazem riscos aos animais porque podem aumentar os níveis de toxina nas rações e alterar a composição e qualidade dos nutrientes.A dieta dos animais é restrita a uns poucos produtos agrícolas. Uma pequena alteração numa dieta diversificada é capaz de provocar uma grande intoxicação.Alguns cientistas mais sensatos alertam que o uso da técnica de resistência a vírus na agricultura pode fazer surgir novas raças de vírus, e daí novas doenças. Os novos vírus resultam da fusão do DNA da proteína da cobertura do vírus anterior com o RNA de um vírus que esteja infectando a célula. O vírus híbrido passa a ter aspectos diferentes do vírus original para o qual a planta tem resistência, podendo provocar novas e complexas doenças.Vivemos, enfim, em um mundo, onde irracionalismo e niilismo são categorias de pensamento que não se enquadram, pois se pensa cada vez menos e se eleva a tecnologia à condição de divindade.No número de setembro, da Revista Nature Biotechnology (volume 18 número 9 página 995 - 999) há o trabalho científico, que relata, que plantas transgênicas de colza, contendo o gene (BAR) do Streptomyces hygroscopicus, criadas para resistir ao herbicida Bialophos, cujo promotor, que guia a expressão do gene de resistência é o "35S" do vírus do mosaico da couve-flor (CaMV), apresentaram efeito diverso quando as plantas estão infectadas por vírus patogênicos, perdendo a resistência ao referido herbicida.Nas listas de publicações TOXLINE e MEDLINE, da Internet, há uma série de trabalhos listados por cientistas espanhóis, dos quais os mais notórios nós pinçamos.- Em 1998, o Dr. Arpad Pusztai, cientista do Rowett Institute, em Aberdeen, Escócia, levou à imprensa, (inclusive à televisão), antes de sua publicação em revistas científicas, seus estudos com ratos cuja dieta continha batatas modificadas geneticamente com a introdução de genes para a produção de lectina da Galanthus nivalis agglutinin - GNA -.A opinião televisiva do cientista na TV de que: "ele não comeria estes alimentos modificados

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geneticamente e parecia injusto que o povo fosse utilizado como cobaias" O Dr. Pusztai foi afastado de suas funções e posteriormente teve a oportunidade de repetir suas acusações na Câmara de Ciência e Tecnologia do Parlamento Britânico.No primeiro trabalho publicado sobre a soja transgênica resistente ao Glyphosate, os estudos feitos com alimentação de ratos (4 semanas), frangos (6 semanas), siluros (10 semanas) e vacas leiteiras (4 semanas) a comparação entre a soja geneticamente modificada e sua isogênica (soja que difere somente por não possuir o transgene) mostrou alterações, mas estas não foram aprofundadas do ponto de vista nutricional e toxicológico das variações encontradas.Fares e Sayed (1998) trabalhando com a mesma soja, encontraram ligeiras alterações na estrutura do íleo de ratos.Tutelian e colaboradores (1999) com concentrado da mesma soja, em ratos durante 5 meses encontraram modificações na membrana dos hepatocitos, devido à atividade enzimática.Ewen e Pusztai (1999) trabalhando com batatas transgênicas, usando ratos como cobaia por 10 dias, encontraram proliferação da mucosa gástrica.Fenton e colaboradores (1999) usando GNA encontrou enlace de lectina com proteínas de leucócitos humanos.Fares e Sayed examinaram ratos com dieta de batatas transgênicas com o gene Cry1, da bactéria Bacillus thuringiensis var. kurstaki, cepa HD-14 e encontram ligeira configuração do íleo, comparada com o outro grupo de ratos alimentados com batatas onde foi aplicada a endotoxina Delta, a mesma toxina produzida pelo Bacillus thuringiensis var. kurstaki. Este experimento foi considerado um achado como resultado da expressão gênica e recomendaram que se continuasse com cuidadosos exames antes de liberação para o consumo.Estes cientistas mostraram que os ratos, alimentados com dietas que continham batatas modificadas geneticamente (lectina GNA), apresentavam diversos efeitos em diferentes partes do trato intestinal. Alguns destes efeitos tais como a proliferação de mucosa gástrica foram atribuídos principalmente ao transgene GNA, o que provocou uma onda de críticas de outros pesquisadores.- Schubert e outros (1997) publicaram na NAS-USA, 94:961-6 um estudo experimental em ratos, em que se demonstrou que a ingestão de DNA estranho pode alcançar os leucocitos periféricos, o baço e fígado através da mucosa da parede intestinal. Entre os mais graves problemas potenciais, a respeito, está o resultado de um gene transferido ser incorporado em um lugar imprevisto do genoma, com todas as conseqüências que disto possa derivar-se.Devemos ressaltar que tanto na Toxline e Medline se destaca a ausência de referências correspondentes aos estudos com avaliações nutricionais, toxicológicas e imunológicas dos alimentos geneticamente modificados. Por outro lado, um exaustivo informe da Real Sociedade Britânica destaca a importância de se examinar de forma individual cada alimento geneticamente modificado, sem que possam derivar-se possíveis extrapolações ou que os efeitos nocivos possam ser categoricamente descartados.Testes feito com a soja transgênica Roundup Ready demonstram que ela não serve para a reposição hormonal, em pessoas de meia idade, pois os seus fitoesteróis estão alterados.Na página 84 do processo de desregulamentação da Soja RR, quanto à análise das isoflavonas: genistein, daidzein e coumesterol que possuem atividades estrogênicas e hipocolesterolemicas, as análises feitas deixam dúvidas quanto a sua equivalência substancial, no tocante ao uso, como repositor hormonal ou controle de colesterol, pois os índices obtidos foram dispersos e ficaram abaixo do índice de sensibilidade do método. Isto significa que não foi feito um teste decente.Infelizmente a propaganda das empresas produtoras de OGM e sua ação junto aos governos é tão intensa que impede, inibe ou mascara estas informações.Contudo, a reação popular e de parte de cientistas resultou já em informes, como o do Departamento de Saúde da Grã Bretanha, onde foi estabelecida uma série de pontos chaves a desenvolver no processo de avaliação da segurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados, citando especificamente a necessidade de estudos nutricionais, toxicológicos e microbiológicos.No campo da bromatologia, os nutricionistas conhecem a fisiologia dos alimentos e sabem das

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compatibilidades e incompatibilidades entre vitaminas; cofatores; sais minerais; enzimas; fatores anti-nutricionais contra fatores nutricionais; da biodisponibilidade de alimentos. De tal forma de que nada adianta introduzir um gene para produzir mais ferro no arroz ou mais vitamina em uma fruta, pois a dieta é um direito cultural de uma sociedade e não um negócio para um grupo de empresas. Isto sem considerar os riscos acima listados.Felizmente, ainda há tempo. Poucas espécies tem caracteres introduzidos, através da engenharia genética e temos condições de cultivar e criar de forma ecológica todos os alimentos e matérias primas para a produção de alimentos que necessitamos, principalmente com um preço acessível, sem os riscos dos organismos geneticamente modificados.Entretanto, no futuro próximo isto ficará impossível de ser alcançado, pois não existirá mais espaço natural na variedade biotecnológica ou este será extremamente restrito, impedindo o grau de liberdade de seu cultivo fora do espaço virtual do Sistema de Produção para o qual foi criado e programado.49

A matriz química fica obsoleta e passa a ser substituída pela matriz biotecnológica. Nesta o instrumental é da engenharia genética, com seus giga-investimentos.

BIOSSEGURANÇA

Quanto maior o equilíbrio de um ecossistema, maior segurança para a vida, que há nele. A biodiversidade possibilita menores impactos nas alterações ambientais.A introdução de plantas e animais de uma região em outras, muitas vezes, é extremamente útil, mas em outras é tremendamente nefasta, pois pode causar danos irreparáveis, para a natureza e seu ecossistema ou para sociedade, através dos desequilíbrios e destruição que pode provocar.Com a descoberta do novo mundo (América) muitas plantas foram introduzidas no velho Continente. Entre elas a batatinha é a mais famosa, é uma planta muito rara, pois os agricultores a domesticaram para a reproduzi-la a partir dos tubérculos, sem a necessidade de sementes.Estes tubérculos podem ser cultivados durante dezenas de anos, sem problemas. Entretanto, os indígenas em sua milenar sabedoria sabem que não se deve cultivar apenas um "clone" de batatinha. Sendo necessário cultivar simultaneamente vários tipos de clones, pois durante a domesticação cada um deles foi especializado para uma determinada função utilitária de utilização ou resistência metereológico-climática.Assim há batatinhas resistentes à seca; outras resistem às geadas; algumas agüentam bem a grandes precipitações; outras são extremamente resistentes ao ataques das doenças e outras aos insetos. Nestas condições há segurança alimentar, através da garantia de colheita, pela biodiversidade de "clones" em cultivo.Os restos de cultivos deixados nas lavouras floresciam e produziam sementes verdadeiras que se ressemeavam e surgiam novos híbridos destas e surgiam novos cultivares.Pois a batatinha foi introduzida por Sir Raleigh, na Grã Bretanha, no Século XVI, ela logo ganhou espaço na mesa e dieta de todos indiferente de classe social.A política liberal de livre comércio nos meados do Século XIX obrigou que os agricultores transformassem seus campos após o cultivo de cereais em grandes monoculturas de batatinha, pois sua renda era diminuta, em função das altas taxas de arrendamento, imposição do livre mercado por Lord Rushell e Lord Tevelyan.A batatinha passou a ser a única fonte de alimento de toda uma população irlandesa. A catástrofe anunciada iniciou-se em 1840 com uma doença fúngica que começou atacar a grande monocultura.Durante cinco anos não se colheu batatas na Irlanda. O resultado foi um desastre, um terço da população (mais de 1,5 milhão de pessoas) morreu de inanição, o outro terço emigrou para a América do Norte. O dramático é que qualquer humilde agricultor do Altiplano boliviano-peruano acharia um ato de loucura se cultivar um único "clone" de batatinha, sem variabilidade ou cruzamentos sexuais, para aumentar sua variabilidade e impedir os impactos nos desequilíbrios.Produção e Sustentabilidade da produçãoNão houve uma avaliação crítica desta situação. A ignorância não terminou ali. Vimos a quase

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totalidade de compêndios de fitopatologia e agronomia referirem-se à situação da batatinha da Irlanda como um problema de doenças fúngicas, quando na verdade a causa do problema foi um aprendizado incompetente, além de uma má previsão e gestão de variabilidade de cultivo domesticado.Embora sejamos mundialmente uma sociedade industrial, esta ainda não teve tempo de suplantar uma cultura e continuamos com o comportamento a cultura alimentar de uma sociedade agrária, queremos o natural, colonial, o ambiental.Na agricultura, as grandes transformações tecnológicas nos trouxeram as maiores tragédias de nosso século. Em nome de combate à fome o que tivemos foram as devastações, contaminações e principalmente a exclusão social. Na Irlanda um terço da população morreu em 1840, outro terço emigrou devido ao estreitamento da variabilidade genética e sistema de cultivo da batatinha.Depois conhecemos outros instrumentos: agrotóxicos, fertilizantes solúveis e modo de produção. Nas escolas, universidades, organismos de Estado não se questionou que estes mecanismos, insumos e produtos não eram para a produção de alimentos, mas para garantir a segurança militar.Os exemplos dos gases de guerra estão no nosso dia a dia com os ataques aos iranianos, curdos, afgãos, vietnamitas, metrô de Tóquio e muitos outros, embora os agricultores os conhecessem como: Defensivos Agrícolas e os bancos os financiassem com dinheiro público, para facilitar a corrida armamentista e o crescimento das empresas.Isto transformou o mundo e enriqueceu algumas empresas, que logo se agigantaram em multinacionais. Alimento é poder e dominação.O pior impacto deste "desenvolvimento de qualidade" foi a condução das sementes dos agricultores para responder a esta tecnologia, logo os agricultores perderam-nas e conheceram perda de qualidade e outros tipos de contaminações, não nos referimos à química, causada pelos resíduos destes produtos, mas a contaminação biotecnológica devido à má capacidade das sementes de armazenagem e facilidade de desenvolver toxinas, causadoras de grandes danos. 33% das safras se perdem no armazenamento.Organização Mundial do Comércio determina que a Agricultura deve ter sustentabilidade, mas provoca desorganização, destruição e miséria.A transgenia de alimentos não dispõe de dados de segurança bromatológica, é de supor que ela irá aumentar a poluição.A poluição genética é muito mais perigosa que a poluição química ou radiativa, mas ninguém esta interessado nisto, então a OMC determina que não haverá rotulagem ou etiquetagem, contrariando as leis nacionais de proteção e defesa à saúde (consumidor).Alguns escândalos exaustivamente registrados:Poucos pecuaristas conhecem o caso da vacina anti-rábica, de engenharia genética, da Wistar Co., na Argentina, 600 animais sacrificados e dois homens mortos.O caso do Triptofano de engenharia genética da Showa Denko japonesa, com 38 consumidores mortos, 1500 inválidos e 5.000 vítimas da Síndrome da Eosinofilia Miálgica (eosinofilia é o aumento anormal de leucócitos no sangue; mialgia são dores musculares), não foi esclarecido, embora ocorrido nos EUA, pois a empresa destruiu a cepa de Bacillus amyloliquefaciens transgênicas.Alguns caricatos e periféricos alegam que houve uma quebra no controle de qualidade devido a diminuição da filtragem sobre carvão ativado do produto, mas o padrão de garantia do produto era de 99,6%, superior às determinações da FDA de 98,5. Sessenta contaminantes diferentes foram identificados e três deles associados à Sindrome da Eosinofilia Miálgica. O mais grave é que a FDA escondeu do público o fato do L - Triptofano ser de origem transgênica. Tais atitudes são compreensíves, pois é necessário responder e justificar o injustificável em ato de fé. Fazemos um paralelo com o problema da Talidomida e seus milhares de aleijados. Ainda hoje renomados cientistas afirmam que este remédio é indispensável para leprosos. Temos, no Brasil, dezenas de casos de nascimento de crianças filhas de mães leprosas que nascem aleijadas.O caso do desastre com o algodão "Bollgard", da Monsanto, nos EUA, India e países da África, com milhões de dólares de prejuízo para os agricultores e desespero das autoridades locais é

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abafado.O caso do painço "sibra", fruto da hibridação de um painço transgênico com um selvagem, deu origem a uma erva daninha superinvasora; o algodão Roundup Ready no Delta do Mississipi, com 10 milhões de dólares de perdas para os agricultores e consumidores; nos testes nutricionais, com soja Roundup Ready, houve escurecimento dos fígados das cobaias; houve disrupção endócrina. Mas o que é disrupção endócrina? - Alteração dos níveis hormonais. A Monsanto alegou que o teste fora malfeito. Nada disso merece uma linha da imprensa. Quem iria contra um cliente de mídia? A resposta é óbvia. Como fica o Consumidor?Isto vai trazer uma série de problemas, pois o impacto ambiental e sanitário do Glyphosate, ainda não foi avaliado. É conhecido o fato deste herbicida, em pequenas quantidades, provocar a brotação de determinadas "ervas daninhas" extremamente perigosas, como a tiririca, infestando áreas não cultivadas e potencializando a disseminação/invasão de áreas próximas.Há a necessidade de estudo do impacto do "Roundup" na própria soja transgênica, pois há alteração de enzimas que são bloqueadas e que desencadeiam produtos diversos à constituição normal da soja. Há, também, o impacto sobre a toxicologia animal, não estudado, pois ele altera a toxicologia humana com poderosas dermatites."Em um estudo sobre os efeitos do cultivo da soja transgênica da Monsanto, nos EUA, assinalou-se que mais de 96% das ervas que alimentam as aves comuns aos campos de cultivos poderiam ser erradicadas por esta nova tecnologia, que permite o uso abusivo de herbicidas. Em nenhum caso se realizou pesquisas sobre este tipo de risco ecológico antes de autorizar os cultivos transgênicos." 26 No Rio Grande do Sul, estamos com um surto epidêmico de Hantavírus, já com cinco mortos. O rato silvestre é o portador do vírus e a falta de alimentos o está trazendo para o convívio com os domicílios rurais. Esta realidade não é percebida pelas "autoridades" da saúde e ciência.Em tempos de El Niño, efeito estufa, secas, etc., como pode se alterar um gene? A Helmintosporiose da folha do milho híbrido, nos EUA, em 1971, por causa do citoplasma Texas, levou a perda de safra, com graves conseqüências. Ficaremos à mercê das transnacionais? Sim, ficaremos. A Monsanto reconheceu que o que aconteceu com o algodão Roundup Ready no Delta do Mississipi (perda total da safra de 17.000 hectares e processo judicial) foi uma alteração climática. Como não temos controle sobre o clima, estamos à mercê dos interesses da Monsanto.Passamos cinqüenta anos usando os agrotóxicos até conhecer os efeitos disruptores endócrinos. Os alimentos transgênicos manipulados por operários na indústria de alimentação ou ingeridos causarão alergias, hipersensibilidades a antibióticos, se combinarão com os priones, vírus e bactérias do ambiente ou do nosso organismo?Vejamos o nível: cientistas estudam a percepção social da Engenharia Genética na Universidade de Shefield, não para consciência do bem da sociedade ou da ciência, mas para a elaboração de técnicas de marketing e quebra das resistências dos consumidores.Pesquisa feita por renomados cientistas (inclusive membro da CTNBio), sobre a necessidade da rotulagem dos produtos transgênicos, teria uma pergunta final – Você lê rótulos de alimentos? Como a maioria respondia que não lia os rótulos, a conclusão científica foi que não era necessária a rotulagem....O primeiro requerimento de avaliação de um produto obtido por técnicas transgênicas, o Hormônio Somatotropina Bovina, para lactação, foi analisado pelo Ministério da Agricultura sem qualquer avaliação de "biossegurança".O segundo foi a soja transgênica Roundup Ready, da Monsanto. Muitas crianças brasileiras e latino-americanas recebem, na merenda escolar, um denominado leite de soja, produzido em uma "vaca mecânica", que é o extrato moído desta leguminosa. O leite tem cem vezes mais resíduo do herbicida. Mas o Ministério da Saúde não tem preocupações com saúde, apenas com mercado.Qual o impacto destas substâncias e suas Nitrosaminas nos Intestinos Humano e Animal?A transgenia de alimentos, com o poder do complexo agroindustrial-alimentar-financeiro vai aumentar o preço da comida. Os americanos dizem que não existe comida grátis. Mas eles sabem que onde a comida é cara, há rebelião.

2 6 Oppus cittatis

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A transgenia agrícola, como está desenhada (dogmaticamente) irá desestruturar a agricultura dos países pobres, expulsar os pequenos agricultores familiares, impedir a Reforma Agrária, provocando miséria, violência e convulsão social, mas os governos títeres querem que o mercado regule estas questões, talvez acreditando que o que acontece no Iraque, Kosovo, Chechênia e Timor Leste seja o futuro.A agricultura ecológica passa a ser uma qualidade na alça de mira das trasnancionais que querem produzir o alimento natural sob sua marca, para os de maior poder aquisitivo e os mais pobres receberam os alimentos com agrotóxicos, radiatividade, os transgênicos.Isto é a emergência dos "fascismos sociais"50 como afirma o filósofo Boaventura de Souza Santos. Ele está entre nós nos governos e aparelhos de Estado, é amo e senhor, principalmente, no meio dos caricatos e periféricos.O marketing hoje é o principal agente de qualidade de alimento. O que nos faz lembrar que nos portões dos campos de concentração nazista estava escrito: "O trabalho liberta". Lá dentro havia um forno crematório. Logo conheceremos o poder do complexo agroindustrial-alimentar-financeiro.Um alimento vegetal, animal ou produzido por microorganismos é fruto de uma carga genética e do meio ambiente. As empresas por não poderem ainda dominar comercialmente o meio ambiente estão introduzindo genes nos alimentos, para ter um arroz com mais ferro ou mais vitaminas.Nossos nutricionistas têm o ferro necessário, pois é ingerido, com feijão, carnes, frutas, raízes, verduras, ovos, tubérculos, em uma dieta acessível, equilibrada e abundante.Por outro lado, o agricultor ecológico sabe: em um sistema de cultivo industrial desequilibrado com a natureza, se produz um arroz com menor conteúdo de ferro ou menos vitaminas.Logo o responsável pela qualidade dos alimentos é o fenótipo ou meio ambiente e não a carga genética.Mas o complexo agro-industrial- alimentar financeiro quer ganhar dinheiro e os biólogos moleculares também.Em 1994, foi requerida a patente dos genes TERMINATOR, já referido, em todos os países do mundo. Eles serão incorporados a todas as plantas de forma que suas sementes, depois de plantadas, não possam ser utilizadas como sementes e o agricultor será obrigado a comprá-las inexoravelmente. Somente 5% dos agricultores do Terceiro Mundo compram sementes. Qual o impacto sobre um agricultor: japonês, onde 100% compram sementes? Sobre um agricultor alemão, onde 70% compram sementes? Sobre um norte-americano, onde 50% compram sementes? E sobre um africano ou latino-americano, onde menos de 3% compram sementes? Qual o impacto do "terminator" sobre a sua compreensão antropológica?Homens estéreis pelo produto químico, sementes estéreis pelo conhecimento humano. Um cientista disse, em público, que podíamos criar formas de vida que nem Deus pensou. Outro disse: A natureza vem fazendo transgênicos há milhares de anos. O gene "TERMINATOR" será disperso horizontalmente e em pouco tempo não teremos bancos de germoplasma in situ, apenas ex situ, em poder das transnacionais. Isto paralisará a evolução da vida.Os franceses estão comparando a tecnologia "Terminator" com uma mina antipessoal. A mina antipessoal possui: Um dispositivo de neutralização (um gene repressor), um detonador (um gene promotor) e um explosivo ( o gene que produz a toxina suicida). Antes de serem vendidas, as sementes são imersas em um banho de tetraciclina (mas existem outros métodos múltiplos de ativação) para "travar" o sistema. O detonador ( gene promotor) então entra em contato com o explosivo (o gene que produz a toxina). A maturidade da planta deflagra o promotor; este aciona o gene produtor da toxina, a qual mata o germe em formação. O grão que o agricultor colhe é assim biologicamente estéril.As revistas51 publicam que a grande empresa Monsanto:- É criadora da sacarina, o primeiro adoçante sintético, que foi questionado por ser carcinogênico. A forma como lutou para evitar sua proibição causou espanto mesmo quando os estados nacionais eram fortes. Ela ainda circula livremente nos países de periferia.

50 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. Ed. UNB, ano 1997.51 The Ecologist Nº stembro/outubro 1998.

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- É a grande responsável pelos PCBs (Policloradasbifenilas), óleos não combustíveis, para refrigeração de transformadores e motores de submarinos atômicos. Os PCBs são os mais perigosos contaminantes da vida marinha. É um perigoso disruptor endócrino e altamente carcinogênico.- Entre os grande desastres industriais, que provocou, alguns com mais de 500 mortos, ela é responsável pelo primeiro grande desastre com DIOXINAS, em 1949.- A Monsanto foi responsabilizada com a metade da soma para formar o Fundo de Indenização aos veteranos da Guerra do Vietnã, contaminados com o Agente Laranja, por seu produto ter maiores teores de TCDD (Tetra Cloro Dibenzo Dioxina).- Ela desenvolveu a tecnologia recombinante (transgênica), para o hormônio de crescimento bovino (rBGH), Posylac, vendido no Brasil, sob o nome comercial de Lactotropin, usado para aumentar a lactação das vacas e crescimento e engorda de bezerros, usado no Brasil antes de qualquer outro país no mundo, sem qualquer avaliação séria. Os distúrbios nos animais são inúmeros: retenção de placenta, abortos, cistos ováricos, mastite e mamite. Isto leva ao uso de antibióticos, que contamina o leite. Segundo o Dr. Samuel Epstein, da Universidade de Illinois, este hormônio provoca o aumento do IGF – 1 (Insulin Growth Factor 1) no leite que aumenta o risco de câncer de próstata em homens e câncer no seio, em mulheres. A Monsanto luta, por todos os meios, para evitar as medidas dos governos contra o seu produto.- Está enfrentando estudos científicos sobre o seu produto aspartame, acusado de causar câncer no cérebro e diabetes.- No Canadá, foi condenada a retirar e destruir 60.000 sacos de sementes transgênicas de canola, resistente ao Roundup, das áreas de pesquisa, pois estas não haviam sido autorizadas.- Na Argentina, não controlou sua semente de soja Roundup Ready, estimulando o contrabando destas para os países vizinhos, onde a tecnologia está proibida. Entretanto, nos EUA, está processando os agricultores por pirataria, ao multiplicarem as mesmas sementes de soja RR.- Algo similar está sendo denunciado na Tanzânia e Zimbábue, com seu algodão "Bollgard".- Patenteou a tecnologia "Terminator", que torna as sementes estéreis impedindo seu cultivo por segunda vez, obrigando os agricultores à compra inexorável. Isto causará forte impacto nos países do Terceiro Mundo, onde não é grande o comércio de sementes.Então provocam toda esta loucura. Mas tem mais:Prions, virions, e virinosStanley B. Prusiner ganhou o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia pelos seus trabalhos de descoberta dos prions.Prion é uma partícula infecciosa protéica, que tem alguns atributos dos vírus, como a possibilidade de formar cepas (uma cepa é um conjunto de descendentes que se originam de um antecessor comum e que conservam as características do antecessor ao longo das diferentes gerações), mas que resistem aos procedimentos que inativam os vírus, como ebulição, exposição à radiação ultravioleta e radiação ionizante.O nome "prion", em inglês é uma anagrama de "proin", que deriva de proteinaceous infections particle – partícula protéica infecciosa.Os prions, aparentemente, são os únicos agentes biológicos que podem reproduzir-se sem possuir qualquer tipo de ácido nucléico.Podem causar algumas enfermidades degenerativas do sistema nervoso central das pessoas, como a Síndrome Kuru, típica da Papua Nova Guiné; Síndrome Creutzfeldt-Jakob (CJD) e a Síndrome de Gertsmann-Sträussler (GSS). Causa algumas enfermidades em animais, como a "scrapie", em ovelhas e a Encefalopatia Espongiforme em Bovinos (BSE, do inglês Bovine Spongiform Encephalopathy) conhecida popularmente como "Doença da Vaca Louca".Os prions (em português prião) não são as únicas partículas infecciosas conhecidas. Um viríon é uma partícula vírica constituída por um só ácido nucleico (DNA ou RNA) recoberto invólucro protéico (capsídio) e, em alguns casos, de outro material (a cobertura, em inglês envelope. Por outro lado,alguns pesquisadores propuseram a existência de uma partícula diferente do prion, denominada virino, formado por uma proteína codificada pelo organismo hospedeiro e por um ácido nucleico, que não codificaria esta proteína senão que serviria de motivo para sua própria replicação, se fosse

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catalizada pelas enzimas do hospedeiro.O boletim abaixo foi baixado do "site" da International Vegetarian UnionBSE - A Doença da Vaca LoucaFolheto InformativoFrom the The Vegetarian Society UKA encefalopatia espongiforme transmissível (TSE) ocorre em muitas espécies diferentes e é invariavelmente fatal. Não é passível de tratamento e é de difícil diagnóstico. Muitas vezes não é possível dizer-se se um indivíduo está infectado até que os sintomas finais comecem a manifestar-se.A Doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD) é um tipo de encefalopatia espongiforme transmissível que ocorre em seres humanos. Nas ovelhas, a doença é chamada "scrapie" e está presente há mais de 200 anos na Grã Bretanha e em outros países. A doença da vaca louca ou Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE) é a forma da doença que ataca o gado.Os primeiros casos confirmados de BSE foram detectados em 1986. Em outubro de 1994, mais de 137.000 cabeças de gado morreram da doença na Grã Bretanha e muitas outras devem ter sido abatidas para consumo humano antes de apresentarem os sintomas clínicos. No momento, cerca de 400 a 700 reses são diagnosticadas por semana com BSE. Em junho de 1994, mais de 51% das fazendas produtoras de lacticínios da Grã Bretanha estava afetada pela BSE.

ENFERMIDADE CREUTZFELD-JAKOB (CJD)

Quando a BSE é transmitida ao homem, adquire as características da CJD. A maioria das pessoas com CJD tem entre 50 e 70 anos de idade. A doença é rara em pessoas com menos de 35 anos, a menos que provocada por procedimentos médicos como infecção por hormônio de crescimento contaminado, transplante ou equipamento cirúrgico. Não há tratamento, e a doença é sempre fatal.A CJD caracteriza-se por infecção generalizada do cérebro decorrente da multiplicação da infecção em outras partes do organismo. Não se sabe como desenvolve-se a infecção. O agente causador da CJD não é uma bactéria ou um vírus comum.Há evidências de que o agente infeccioso seja uma proteína anormal, chamada prion, que interage com material genético do hospedeiro (DNA), produzindo mais proteína, cujo acúmulo anormal provoca a doença.Alguns casos de CJD podem dever-se a procedimentos médicos que introduzem material infectado. Nestes casos, a doença pode ocorrer na adolescência ou na juventude, tendo um período de incubação mais curto (o tempo entre a infeção e o aparecimento dos sintomas) de aproximadamente 4 a 10 anos. Quando procedimentos médicos não são os responsáveis, a doença ocorre principalmente na meia-idade, sugerindo um período de incubação mais longo. A origem da infecção CJD nestes casos é desconhecida. Há pouca evidência de que a CJD seja provocada por "scrapie" de ovelhas e não se conhecem casos de TSE natural em porcos ou frangos. As vacas são normalmente abatidas e consumidas com mais idade do que outros animais de criação, e são ingeridas em maior quantidade em hambúrgueres, salsichas, sopas, etc. Possivelmente a BSE está presente no gado a um nível subclínico e é responsável pelo desenvolvimento da CJD.

"DOENÇA DA VACA LOUCA" (BSE)

O primeiro caso confirmado de BSE surgiu em novembro de 1986, embora haja evidência de casos anteriores em 1985. O período de incubação da BSE é longo e deve ter havido um acúmulo substancial de infecção em vacas antes de 1986.No final de 1987, 420 casos de BSE foram confirmados em fazendas por toda a Inglaterra. As provas começavam a sugerir que o concentrado alimentar era responsável pela transmissão da TSE ao gado. A política adotada pelo governo foi afirmar que a alimentação era o único problema e que era a "scrapie" das ovelhas que estava sendo transmitida ao gado bovino.Este argumento permitia ao governo afirmar que ao mudar-se a forma de alimentação a doença seria erradicada e como tratava-se de "scrapie" de ovinos, não havia riscos para a saúde humana.Em julho de 1988, um decreto oficial sobre alimentação de ruminantes foi expedido proibindo que o

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gado (e também ovelhas e cervos) fosse alimentado com proteína derivada de animais.Anteriormente a este decreto de proibição, em maio de 1988, foi formado um comitê governamental (presidido por Sir Richard Southward) para examinar as implicações da BSE para a saúde animal e humana. Seguindo suas recomendações, o gado evidentemente afetado com BSE foi abatido e suas carcaças enterradas ou incineradas. Os fazendeiros receberam 50% do valor de mercado como ressarcimento.O Relatório Southwood completo não foi publicado senão em fevereiro de 1989. Segundo este relatório, o número total de casos de BSE era da ordem de 17.000 a 20,000, com um máximo de 350-400 casos mensais; a doença extinguia-se no gado e este seria um hospedeiro final da doença.Durante 1989, a quantidade de gado afetado por BSE continuou a aumentar. O número total de casos confirmados em 1989 foi superior a 7.136. O Comitê Tyrell de especialistas foi formado a pedido do Comitê Southwood. Em junho, ele recomendou que os dados de pessoas afetadas pela CJD fossem monitorados pelos próximos 20 anos.Em novembro de 1989, o governo proibiu o uso de certos órgãos bovinos de entrar na cadeia alimentar, quais sejam, cérebro, cordão espinhal, timo, baço, amígdalas e intestinos. Foram selecionados com base na afirmação não comprovada de que o agente infeccioso não estaria presente em outros órgãos ou tecidos. Tratavam-se também de partes de baixo valor comercial.O decreto excluiu animais com menos de seis meses de idade sob a alegação de que não teriam sido alimentados com ração infectada.Entretanto, há falhas neste decreto. Primeiro, é difícil remover os órgãos especificados sem que haja qualquer contaminação dos demais órgãos. O uso de serras mecânicas para cortar as carcaças pode provocar infecção do cérebro e do cordão espinhal que se espalha amplamente. Segundo, o alcance das vísceras não é abrangente. Experimentos em outros TSEs mostraram que a infecciosidade está presente em uma ampla gama de tecidos e órgãos. Por exemplo, o "scrapie" em ovinos está presente nos tecidos do fígado, dos rins e dos ossos. É bem provável que a infecciosidade da BSE esteja presente nos músculos, no sangue e nos nervos periféricos.Em 1990, o número de casos de BSE continuou a crescer. O total do ano foi superior a 14.000. A previsão do Comitê Southwood de um número total de 17.000-20.000 foi claramente imprecisa. O BSE tornou-se uma doença perceptível e o ressarcimento passou a ser feito em cem por cento do valor para casos confirmados.Em março de 1991, o governo notificou a incidência do primeiro caso de suspeita de transmissão vertical, em um animal nascido quatro meses depois do decreto de proibição. A transmissão vertical da mãe para o bezerro sugere que a infecciosidade esteja no sangue. Se for assim, a infecciosidade não pode ser confinada a certas vísceras específicas e provavelmente se espalhará por todo o animal infectado. Além disso, esta transmissão indicou que uma vaca infectada não é uma hospedeira final.O rápido crescimento do número de casos de BSE foi atribuído à reciclagem de órgãos infectados de gado na ração. Entretanto, não havia dados para sustentar esta afirmação, que parte do princípio de que 7 casos de BSE, em 1986, foram de algum modo responsáveis por 20.000 casos em 1991.Em 1992, os números continuaram a crescer. Significativamente, a proporção afetada de gado com 3 anos de idade também aumentou. Isto sugere transmissão entre animais ao invés de pela ração e que a doença é endêmica e mantida por transmissão vertical e horizontal.1992 também viu uma mudança na notificação de casos suspeitos, os procedimentos tendo se tornado mais estrênuos. Isto efetivamente produziu uma queda nos incidentes notificados de gado nascido depois do decreto de proibição.A BSE foi transmitida a várias outras espécies. Por volta de 1992, estas incluíam gatos domésticos, pumas, guepardos, avestruzes e antílopes. Estes animais contraíram a infecção originalmente da alimentação. 14 antílopes no Zoológico de Londres foram confirmados com a doença. Em apenas um destes considerou-se ser a alimentação a responsável. Nos outros 13, considerou-se ter havido transmissão vertical ou horizontal.O número de cabeças de gado com BSE nascidas após o decreto continuou a aumentar. Isto foi atribuído às reservas de alimento contaminado dos fazendeiros e seu uso contínuo por pelo menos seis meses após o decreto de proibição ser proclamado. Em março de 1994, o governo admitiu que

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mais de 8.000 reses nascidas depois do decreto de proibição estavam infectadas.Em 1993, dois fazendeiros de fazendas de lacticínios com rebanhos afetados pela BSE morreram de CJD. Uma garota adolescente sem história familiar da doença e nenhuma fonte médica de infecção possível desenvolveu CJD, confirmada por biópsia.Novas provas de transmissão vertical foram encontradas no próprio rebanho experimental do governo. Em 1988/89, 316 bezerros de vacas com BSE foram cuidadosamente criados em condições protegidas contra possível exposição à alimentação infectada. Em março de 1994, foi notificado que 19 destes bezerros contraíram BSE.Há grande quantidade de provas em suporte da transmissão vertical. Mais de 12.000 cabeças de gado com BSE nasceram após o decreto de proibição, mais de 600 destes foram animais criados em regime de confinamento protegidos contra a BSE. A idade mais freqüente de morte de um animal por BSE é de 4 anos. Isto sugere transferência vertical e não por uma fonte alimentar. Histórias de casos individuais suportam a transmissão vertical. A implicação mais importante da transferência vertical é que para ela ocorrer os agentes infecciosos precisam estar contidos no sangue.Novas pesquisas mostraram que o agente infeccioso de "scrapie" em ovelhas não provocava BSE em vacas. Sintomas de doença desenvolviam-se, mas não os da BSE. Isto sugere fortemente que a BSE não se originou da "scrapie". Se BSE não é "scrapie", então o argumento do governo de que a "scrapie" nunca infectou seres humanos e, portanto, a BSE também não irá infectar não é válido.

CARNE DE GADO

Como o risco de BSE, há outros riscos ligados ao consumo de carne de gado.Ela é rica em gordura, sobretudo gordura saturada. Salsichas, hambúrgueres e outras carnes processadas são especialmente ricas em gordura. Mesmo após se retirar a gordura visível, ela ainda está presente nos tecidos da carne. Esta é chamada gordura estrutural e sua quantidade exata depende da forma como o animal foi alimentado e criado. Cerca de 25% do total da gordura na carne é de gordura estrutural.O consumo de gordura, sobretudo de gordura saturada, está intimamente ligado a várias doenças crônicas inclusive as doenças cardiovasculares.A intoxicação alimentar provocada por produtos da carne também é um alto risco. De particular importância é a verocitotoxina E.Coli, que pode provocar falência dos rins e ser fatal. A incidência da verocitotoxina E.Coli está aumentando e tem havido uma explosão de casos ligados a hambúrgueres.Maintained by John Davis - [email protected]ção: Marly Winckler [email protected] - http://www.vegetarianismo.com.brThis page was last updated on Wednesday, December 31, 1969.

EQUIVALÊNCIA SUBSTANCIAL

É óbvio que as empresas de biotecnologia sabiam, já, desde a década de 70, que um dos maiores problemas que teriam seria o de equiparação entre os alimentos oriundos da nova tecnologia com os "naturais", principalmente quando já, naquele momento a questão ambiental era uma bandeira e ordem mundial.Como sempre eles anteciparam-se e delegaram a solução a uma força tarefa, com 19 membros especialistas. Já, em 1990 a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um órgão das Nações Unidas, ligada à economia reuniu os seus "especialistas", para discutir e preparar a equivalência entre os dois tipos de alimentos.Estes "especialistas" indicados pelos seus governos como representantes, não eram "experts" na área de alimentos, mas membros paralelos de satélites do FMI, UNIDO, OMC, com cargos nos governos locais.Depois de dois anos de exaustivas discussões, eles chegaram ao termo "equivalência substancial", para os novos alimentos da engenharia genética e biotecnologia, que não é novidade.Equivalência substancial é um conceito que nada tem a ver com alimento, mas com economia e administração pública. Corresponde àquilo que pode substituir um produto razoavelmente, porém

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de forma muito mais barata. Nos "sites" da Internet, quando pesquisamos este termo o encontramos ligado a alimentos, habitação, vestuário, padronização industrial, proteção ao consumidor e em litígios jurídicos.É interessante que o relatório dos membros da OCDE foi aprovado pelos 63 países membros da entidade e levado ao mundo como uma subordem, sem que um nutricionista ou especialista em bromatologia sequer desse um parecer cientifico sobre o assunto.Hoje surge o epíteto que o conceito equivalência substancial é um conceito "pseudo-científico". Pela origem e definição acima vemos que não. Ele é uma definição própria da economia e para a economia. Logo não é falso, pois não foi feito para a bromatologia. É, também evidente que as indústrias e seus prepostos na OCDE jamais o chamariam de "alimentos populares", pois, então, o dogma não estaria implícito e sim explícito.Nas discussões preparatórias na OCDE, eles protestaram, dizendo que as novas cultivares de batatas não eram avaliadas com testes toxicológicos, antes de chegar ao mercado, então um transgênico, tampouco deveria ser testado. Qualquer biólogo molecular ficaria escandalizado com esta assertiva, desde que honesto e independente.Este conceito econômico de equivalência substancial foi levado para a OMS e passou a ser discutida entre os países membros já formatada e agora vinte anos depois ganha as manchetes.Não interessa que a soja RR não ttinha função para reposição hormonal ou altere a qualidade do leite das vacas alimentadas com seu farelo. Tampouco importa que as batatinhas do Dr. Pusztai apontem problemas. A questão maior é econômica e não permite detalhes.Quem quiser "segurança alimentar" ou qualidade alimentar deverá ter capacidade econômica para poder consumir o alimento mais seguro ou com mais qualidade, que custará mais caro. Isto é economia ou melhor, perdão, isto é crematística. E a OCDE, deveria mudar de nome e passar a ser OCDC. O resto é desinformação interessada em consolidar o conceito.

CAPÍTULO X

TRANSGÊNICOS, BOM PARA QUEM?52

Em Stalingrado (1942), aconteceu a mais cruel batalha da Segunda Guerra Mundial. Os soldados alemães enregelados, famintos, cercados e sem esperança receberam instruções para resistir até o último homem.Seu comandante, o marechal de campo Von Paulus, minutos antes de encaminhar sua rendição ao exército vermelho, escreveu um pequeno poema:Quando alguém disser:Isto é bom ou isto é ruim,Pergunte-lhe: Para quem?Com seu gesto, pouparam-se 1,2 milhões de vidas...Em junho de 1999, um cientista, no Seminário sobre Transgênicos, na Assembléia Legislativa do RS, tentou demonstrar sua insatisfação com as reações aos transgênicos e usou Sófocles: "Será noite, quando ficarmos sabendo quão belo foi o dia".Poderíamos invocar o mesmo sábio, para a situação inversa, acima e teríamos cometido o mesmo oportunismo.No caso dos organismos geneticamente modificados, muitos apresentam seus produtos ou interesses como qualidades, outros contestam. Há litígios. Os incomodados acusam os contrários de serem contra o progresso e avanço da ciência.Somos obrigados a recorrer ao cangaceiro Corisco: "O futuro está a cima do futuro e não a cima do passado."Se não há certeza, devemos primeiro plantar o dia, antes de querermos colher a seara da noite vindoura. Contudo alguns fingem não ser com eles a responsabilidade, embora queiram o privilégio

52 Conferência elaborada para a V º Congresso da Rede Internacional de Ação contra os Agrotóxicos - PAN, em Dakar, no Senegal.

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de "ser guardião platônico".Está escrito, no gênesis, que da terra tiraremos nosso alimento para todo sempre. O merecemos com qualidade.Qualidade, não só em alimentos, é um conceito que a humanidade a busca incansavelmente. Qualidade como o comportamento é temporal; e, no espaço é uma utopia do homem, o que contraria o poder, sua teia de estrutura e lógica.Em oposição à qualidade está a contaminação dos alimentos, que a acompanha "par e passo". Nós procuramos eliminá-la desde as cavernas, quando do início da domesticação dos animais e das plantas para nossa alimentação e co-evolução destes com nosso organismo, um processo iniciado há mais de dois e meio milhões de anos.Nos alimentos, tudo é qualidade: quantidade, tamanho, sabor, beleza, gosto, aroma, digestibilidade, cor, uniformidade, marca, naturalidade, disponibilidade, preço, pureza e muitos outros critérios e parâmetros que surgirão no tempo e espaço. Uma curiosidade: uns consideram os alimentos transgênicos uma nova qualidade, outros uma nova contaminação.É a necessidade do homem que determina quais sãos as qualidades mais essenciais nos alimentos, quantidade ou pureza.Quanto mais sofisticada é uma contaminação menor é seu valor para o homem que sofre de carências, pois está afastado das qualidades que a justificam.O poder usa isto para impedir a consciência e o avanço desta na conquista do direito a todas as qualidades espaço-temporal de forma igualitária.É assim que trabalha a globalização da economia mundial. Qualidade tem preço, logo a ausência da contaminação é uma virtude que custa caro e se disponibiliza para quem se sujeita a pagar.As contaminações biológicas causadoras da peste negra (Pausterella pestis e Yersiniz pestis), de 1348 a 1350, uma bactéria transmitida pela pulga Xenopsylla cheopis, que é comum nos ratos, varreu a Europa. Elas eliminaram mais da metade da população da Europa.No Seminário sobre Transgênicos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, um membro da CTNBio lembrou o artigo que a da revista Science de julho de 1996 publicou um estudo demonstrando que a transmissão em níveis patogênicos da bactéria pela pulga depende de um mecanismo de bloqueio do sistema digestivo dessa última por uma massa bacteriana. Esse bloqueio, associado ao esforço provocado pela sucção do sangue, promove a regurgitação da massa bacteriana na corrente sangüínea do hospedeiro.O estudo demonstra que um locus gênico, apenas um gene, natural dessa pulga, um locus gênico bacteriano, armazenamento de hemina, codificado como Hms, é o responsável pela deposição de hemina exógeno - o hemina que é recebido no sistema digestivo - proveniente do sistema digestivo da pulga, na membrana externa da bactéria, que é dessa forma, pigmentada de vermelho...Esse estudo indica que a infecção de seres humanos pela Yersinia pestis dependia, e ainda depende, de um gene, transformando-a de um comensal sem bisco em um bloqueador do sistema digestivo, o que provoca inanição na pulga, levando-a ao esforço agressivo de sucção. Esse gene promoveu também a morte trágica de metade da população européia...Deu a entender que se ele tivesse sido retirado a epidemia não teria existido. Argumento sofista em viagem através do tempo para justificar um interesse presente e bem vivo.É interessante que em ato seguido, em seu discurso, o cientista-pregador fez alusão ao Movimento ou Ordens Flagelantes (Irmandade da Cruz), iniciadas na Alemanha, com suas visões e superstições, exageros e disciplinas, idealismo e agressividade, Ordens e Movimentos. Tentando uma reflexão comparativa sobre a atualidade de contestação aos transgênicos.Fez referência, não contextualizada, que o "conhecimento do Bem e do Mal estava a 648 anos de distância no tempo, na Revista Science de 19 de julho de 1996. O que matou não foi a expressão do gene Hms da Hercinia pestis, mas a falta de higiene, de antibióticos e de conhecimento."Para terminar com fecho de ouro, citou Sófocles: "Será noite quando ficarmos sabendo quão esplêndido foi o dia.". No Seminário de Santa Maria, o mesmo pesquisador havia dito que a ciência visa encontrar um código.A resposta de Edgard Morin está em "Ciência com Consciência": O objetivo do conhecimento não é

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descobrir o segredo do mundo numa palavra-chave. É dialogar com o mistério do mundo."Para evitar qualquer abstração vejamos o quadro abaixo.

QUADRO I

As estratégias públicas das transnacionais são:Criar fascínio e estupefação, com as incríveis possibilidades da biotecnologia;Projetar o valor e crescimento do mercado da Biotecnologia e Engenharia Genética, para atrair a atenção e interesse dos governantes;Fazer promoção de seus produtos, aos consumidores, com se fosse avanço da ciência;Aproveitar o rechaço psicossocial da sociedade à contaminação ambiental, agrotóxicos, etc. e apresentar-se como a nova tecnologia que irá substituí-los;Propalar os altos rendimentos, baixo custos e facilidades, como vantagens, de forma enganosa e desonestas;Propor grandes investimentos aos governantes, administradores e políticos;Usar argumentação do período da "Guerra Fria", para polarizar a discussão entre os representantes da comunidade, onde o que está contra é de "esquerda" ou ambientalista radical;Contatar com os agricultores e suas associações com grandes festas e comidas depois de palestras técnicas para promoção de suas sementes;Usar o nome do Estado Nacional, com o beneplácito do governo para enganar o consumidor e o grande público;Ocultar, sonegar e diminuir os perigos de riscos para a saúde, meio ambiente e economia;Desqualificar os opositores e denunciadores de suas manobras e interesses;Desviar o conceito "biossegurança" de seu real significado logístico, estratégico e intrínseco.Estratégias confidenciais das Transnacionais são:Induzir subliminarmente os pesquisadores, professores de universidades, tecnologistas e burocratas respeitáveis, como porta-vozes de seus interesses, fazendo-os crerem que estão defendendo a ciência, pesquisa e desenvolvimento da tecnologia nacional;Interferir secretamente, com apoio da OMC, FMI a não aplicação vigente ou seja pressionar a desregulamentação;Pressionar e perseguir os oposicionistas dentro dos governos e suas estruturas;Fazer publicidade em massa sem conteúdo ou qualidade;Divulgar, estimular, incentivar o contrabando de uso de sementes (soja RR) contrabandeadas (aumentando suas vendas de herbicidas e impor de forma irreversível sua semente) impedindo que a comunidade possa exercer o livre arbítrio ou ter um produto diferenciado;Subornar, corromper pesquisadores, professores, técnicos, funcionários públicos e entidades para obter seus desígnios;Implantar em outros países, uma política de acordo com o Departamento de Estado dos EUA;Monopolizar a agricultura e produção de alimentos através do complexo agroindustrial-alimentar-financeiro;Pretender para o futuro a criação de um mercado de produtos não-transgênicos, com preços superiores, garantindo maiores retornos por suas inversões nos transgênicos;

IMPACTOS

Exclusão e êxodo de pequenos agricultores e camponeses;Inviabilização econômica da agricultura de pequenas áreas;Inviabilização da Reforma Agrária;Encarecimento dos preços dos alimentos na cesta familiar;Servidão dos agricultores aos interesses do complexo agroindustrial-alimentar-financeiro.Os embutidos e conservas, tão estratégicos e importantes, nos climas frios, faziam conhecer o botulismo, um dos piores venenos da natureza e uma das mais mortais contaminações até os nossos dias.Com o crescimento industrial e urbanização, a demanda por alimentos industriais aumentou e as

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contaminações cresceram vertiginosamente.Para solucionar estas contaminações, conservantes foram inventados e agregados aos alimentos, como uma forma de evitar o envenenamento rápido.Embora, muito posteriormente, causassem preocupação, por provocarem envenenamento lento e ultralento, conseqüência do tempo e novos saberes.Nas conservas cárneas era comum agregar açúcar, para evitar o botulismo. Na Tailândia e Alemanha, ainda hoje é comum o chouriço doce. A proteção e garantia de qualidade transformou-se em aspecto cultural, não compreendido pelos estrangeiros.Da mesma forma, no ocidente, para eliminar os graves riscos do botulismo, o homem criou o conservante "nitrito" (salitre), mas este, agora, setenta anos depois, se sabe que é causador de câncer e forma nitrosaminas, as quais se conjugam com resíduos de remédios, agrotóxicos e bebidas e são, terrivelmente, cancerígenas.Mas quem se preocupa, quando a fome é a companheira diuturna e ter a barriga cheia é a primeira qualidade exigida. Logo, a necessidade é imediata e não futura, o que é explorado pelo poder político e sistema.A Sociedade industrial nos levou à comodidade de ter alimentos preparados industrialmente, com as vantagens de preços e garantias de higiene, mas nos trouxe uma carga de aditivos, desde os embelezadores. A grande maioria dos corantes, espessantes, aromatizantes são proibidos na Suécia, mas, totalmente, utilizados em Uganda, onde é tudo muito colorido, perfumado. Cor é vida. A lei sueca os proíbe, e Uganda, que não tem lei, usa os índices do Codex Alimentarius das Nações Unidas cujos valores são cem vezes superiores aos suecos, que sabem que alimentos maquiados não são nutritivos ou puros.As doenças de animais intensivamente malcriados são tratadas com os antibióticos. Eles fazem mal, mas isto não é importante, pois crescem muito rapidamente. Que não tenham gosto, não é problema.Um frango, hoje, desde o primeiro dia de nascimento come, diariamente, uma cota de antibióticos e medicamentos contra doenças respiratórias, infestação de vermes e outros aditivos, que passa à pessoa e ao meio ambiente.Quem come este frango ou suíno é vítima, pois o mundo é um caldo de tetraciclina, que cada vez fica mais concentrado, pois ela não se degrada no ambiente, e seu uso é incessante e crescente.No Japão, descobriu-se uma superbactéria resistente a todos os antibióticos na carne do frango brasileiro, mas não se tomou qualquer atitude. O burocrata do Ministério da Agricultura afirmou que o frango nacional era altamente competitivo e isto era uma barreira não alfandegária dos países concorrentes.Esta ignorância funcional e de argumentos expõe o consumidor a riscos que passam para o crivo de discussão de poder (governamental) sobreposta à discussão de caráter sanitário-científico.Há vinte anos, na Suíça, foi feita uma experiência com frangos: O lote era separado em duas partes. Uma alimentada por crianças diariamente; a outra parte era alimentada por robôs. Depois de um tempo, o tecido muscular do coração de ambos frangos era analisado e graves anomalias foram encontradas no alimentado pelos robôs, com alteração das proteínas.É uma carne de frango sem qualidade, perigosa para os suíços, que têm uma renda de 40.000 dólares ano. Entre nós, os acidentes com resíduos de antibióticos acontecem, mas como isto vai preocupar o usuários da tecnologia dependente; o programa de governo ou quem tem fome. É uma questão de prioridades.Nós, há vinte anos, estamos discutindo com os mal-intencionados e incompetentes do governo sobre os altos índices de resíduos de antibióticos. Adianta?Na Suíça, a qualidade da água é excepcional, seus índices de potabilidade são muito diferentes dos índices de potabilidade da água usado em Ruanda, que usa os da Organização Mundial de Saúde, que é cinco vezes superior ao da Suíça. O que difere um suíço de um ruandês. Qualidade é um conceito agregado à cidadania?Logo os cidadãos sueco/suíço e os ugandês/ruandês têm níveis diferentes de renda e, por tal, de cidadania. A Organização Mundial do Comércio está ávida por aplicar este conceito, impedindo que leis nacionais, em países como o nosso, atrapalhem o livre comércio internacional. Boaventura de

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Souza Santos chama isto de fascismo social.Contudo, os recentes escândalos das DIOXINAS no frango belga e Coca Cola européia demonstram que ninguém está livre destes desastres, mesmo em países mais sérios ou com alta renda.Entre nós, a polpa de laranja, exportada a US$150,00/tonelada, que voltou da Europa por estar contaminada por Dioxinas, foi vendida para os produtores de leite a 30 dólares/tonelada e assim socializou-se o prejuízo, pois saúde não é cidadania, é riqueza.A maçã brasileira retorna da França com resíduo de Methamidophos (DL50 9mg/Kg). Nossas autoridades dizem que não é utilizado o temível fosforado na produção de maçã. Conhecem, então que o "inofensivo fosforado Acephate (DL50

900mg/Kg) se hidrolisa totalmente em Methamidophos...O mamão papaia volta da União Européia, por alto índice de contaminação por resíduos de fungicidas ditiocarbamatos, as temíveis ETU, causadoras de câncer na tireóide, em humanos. Os resíduos apresentados estão muito acima das tolerâncias aceitas pelas legislações locais.O dramático é que o governo de FHC diz que irá à Organização Mundial do Comércio e Codex Alimentarius, para que sejam aumentados estes níveis tolerados de resíduos. Quando trouxemos as técnicas de análise de ditiocarbamatos da Europa, os governantes proibiram de fazermos as análises e, depois, diante de nossa rebeldia, fecharam os laboratórios.Contaminação é uma sofisticação, que agora o governo quer globalizar. Não há mais um Estado Nacional com vergonha e competência. Na época da ditadura, os militares, pelo menos, preocupavam-se em negar e criar uma versão fantasiosa.Agora, há apenas o escárnio ou ignorância. Será que os importadores vão aceitar altos índices de resíduos de ETU no mamão papaia, só porque o governo brasileiro quer.Não há mais o Estado Nacional, apenas o território e mercado, onde tudo se regula, e manda o mais forte e sua "ética".A questão da qualidade esbarra na teoria do centro e periferia. Nós questionávamos a falta de qualidade, pelo excesso de resíduos de agrotóxicos, mas éramos uma periferia, e o governo não tomava atitudes, como os governo centrais. Nós éramos caricatos, instalávamos os laboratórios que não podiam funcionar ou exigir uma qualidade que não deveria estar ao nosso alcance.Isto é não é globalização, mas estratificação pela autonomia e poder aquisitivo. Explicado pela dependência tecnológica, pois a periferia recebe os avanços, sempre, através das ondas centrais e isto se torna uma norma internacional, embora os meios de comunicação, informação e anseios dos consumidores sejam universalizados, igualitários, seja em Londres, Moscou ou Kigali e Dilli, no Timor Leste.

QUADRO II

Estratégias para enfrentar às Transnacionais

PÚBLICAS

Tratar a questão com prioridade na base da organização popular (sindicatos, movimentos e associações), como forma de enfrentar à globalização que a enfraquece. Formação de quadros populares treinados para a difusão no meio da massa;Ampliar a divulgação popular: cartilhas, palestras, cursos, encontros, seminários populares, no meio estudantil e mídia;Desmoralizar o enfoque científico ou tecnológico pretendido pelo governo e transnacionais;Polarizar com os investigadores, professores universitários, governantes, para que o público possa dar-se conta do que é produto e o que é tecnologia e quem fala pelas transnacionais;Produzir material de alta qualidade para diversos públicos;Subsidiar os representantes para o enriquecimento da discussão;Denunciar e desmascarar as transnacionais pela sua responsabilidade na Revolução Verde (periférica);

CONFIDENCIAIS

Tratar sempre o tema com alegria, de forma lúdica contrária ao feito contra os agrotóxicos, pois as

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empresas agora, embora as mesmas, não são da guerra, mas das "ciências da Vida";Atração das empresas transnacionais para o debate fraterno, alegre e altamente técnico impedindo que os pesqusadores, professores universitários e tecnologistas sejam usados como papagaios, fazendo as que as empresas defendem seus produtos;Impedir que a questão dos transgênicos seja capitaneada por entidade ambientalista, pois estas representam o Terceiro Setor e não o Primeiro, principalmente as ONGs internacionais;Pautar o debate acima de partidos, ideologias e interesses segmentários;Organizar e manter, sempre, a direção do discurso e ação, obrigando as transnacionais a seguir o nosso caminho. Por exemplo, chamar as vantagens financeira; depois secundarizá-las através do enfoque ético;Contar com o apoio das igrejas e religiões;Consolidar a discussão como uma forma de participação cidadã e democrática fortalecendo o Estado.

DIFICULDADES

Oportunismo dos partidos políticos e políticos irresponsáveis, que artificializam um radicalismo e tecnofanatismo inconseqüente;Oportunismos de entidades nacionais e internacionais e administradores públicos que fazem o jogo das transnacionais;Corrupção e lobbysmo;Mídia tendenciosa;Carência de Informação de alta qualidade;Escassez de recursos;Pouco pessoal treinado;Poucos Pesquisadores independentes e com coragem.Embora sejamos mundialmente uma sociedade industrial, esta ainda não teve tempo de suplantar uma cultura e continuamos com o comportamento, a cultura alimentar, de uma sociedade agrária, queremos o natural, colonial, o ambiental.Na agricultura, as grandes transformações tecnológicas nos trouxeram as maiores tragédias de nosso século. Em nome de combate à fome o que tivemos foram as devastações, contaminações e principalmente a exclusão social.Depois conhecemos outros instrumentos: agrotóxicos, fertilizantes solúveis e modo de produção. Nas escolas, universidades, organismos de Estado não se questionou que estes mecanismos, insumos e produtos não eram para a produção de alimentos, mas para garantir a segurança militar.Os exemplos dos gases de guerra estão no nosso dia a dia, nos revoltamos com os ataques aos iranianos, curdos, afegãos, vietnamitas, metrô de Tóquio e Guerra do Golfo, de onde os soldados voltaram com seqüelas, que agora afeta, também seus filhos. Entretanto, os agricultores os conhecessem como: "defensivos agrícolas" e os bancos os financiassem com dinheiro público, para facilitar a corrida armamentista e o crescimento das empresas.Vimos o uso de agrotóxicos fosforados, através de aviões agrícolas em Salto Jacuí/RS, na Fazenda Santa Elmira, quando um acampamento de trabalhadores sem terra foi pulverizado e cinco crianças foram mortas. Na Noruega, os resíduos de fosforados foram diminuídos nas frutas, porque causam diminuição na velocidade do aprendizado dos escolares. Entre nós ele é usado para matar crianças. Riqueza é cidadania?Os agrotóxicos transformaram o mundo e enriqueceram algumas empresas, que logo se agigantaram em multinacionais, onde o alimento é poder e dominação.O pior impacto desta agricultura industrial está na qualidade de suas sementes, criadas para maior produtividade, respondendo aos insumos industriais. Foi assim que conhecemos outro tipo de perda de qualidade. Não nos referimos à química, causada pelos resíduos de venenos, mas, à contaminação biotecnológica devido à má capacidade das sementes de armazenagem e facilidade de desenvolver micotoxinas, causadoras de grandes danos. 33% das safras se perdem no armazenamento. Isto é mais grave em países tropicais, subtropicais onde são muito mais difíceis as

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condições de infra-estrutura e conjuntura de armazenamento.É assim que 30% da safra americana de milho é contaminada por fungos causadores de distúrbios hormonais, como a Zearalenona, Ochratoxina, Ácido Penicílico e outras em animais e homens. As variedades de amendoim são hoje de altíssimo risco, pela pouca capacidade de armazenagem e, devido à tecnologia de produção, formam AFLATOXINAS, altamente carcinogênicas.Isto antes era desconhecido, pois as variedades eram criadas para dar garantia e segurança biológica, o que é inferior ao interesse maior, que é produtividade econômica e valor "cash".As empresas acompanham o desenvolvimento da busca da qualidade e geralmente correm junto com as autoridades dos países ricos, mas, nos países pobres, superam e antecipam-se a estas e determinam seus interesses atendidos quer por ignorância, corrupção ou metas nacionais de valores superiores.Assim, as empresas determinam os valores de resíduos, as tolerâncias, os prazos de carências, as técnicas sofisticadas de análises, a formação servil de muitos instrutores de modelo, técnicos pós-graduados e outros tipos de políticas públicas de servidão. Nada disto altera o caráter obseqüente ao Império.As explosões atômicas e os testes nucleares na atmosfera e superfície trouxeram um novo tipo de contaminação: alimentos com resíduos radiativos.Fomos obrigados a comprar leite em pó e carne de porco comprovadamente contaminados por Chernobyl. Por medidas judiciais, graças a sindicalistas, ambientalistas e donas de casa não os consumimos.Os doutos competentes estavam entregues aos seus afazeres acadêmicos e negócios científicos subservientes, doutrinavam dizendo que há uma dose diária aceitável, há uma tolerância.Hoje sabemos que as menores doses de resíduos são as mais perigosas, pois provocam alterações hormonais conhecidas como disrupção endócrina. Trinta anos depois cai por terra toda uma entronização ideológica da contaminação. Também os plásticos são acusados de causarem contaminação com graves distúrbios hormonais.As bandeiras de luta populares por alternativas saudáveis para a agricultura, saúde e meio ambiente e um modelo de vida equânime, enfrentam a nova ordem internacional de sustentabilidade, do Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio, que determinam que a agricultura deve ter sustentabilidade. Entretanto, foram eles que provocaram a desorganização, destruição, devastação e miséria. A nova ordem internacional é consumir.Eles agora querem a "desregulamentação ou eliminação das legislações de qualidade", que criem dificuldades para os interesses das grandes empresas do complexo agro-industrial-alimentar-financeiro, transformadas em transnacionais.Por isso ignoram nossa Constituição Estadual e legislações sobre os alimentos transgênicos e contam com a participação de latifundiários, cientistas e tecnologistas, para seu mister.A nova Ordem Internacional imposta é transgênicos, que nosso país deve ser especializado em produtos de grãos protéicos e frutas, logo a Cargill do Grupo Monsanto diz que nossos rios devem ser dragados, para o transporte de chatas graneleiras daquele complexo agroindustrial-alimentar-financeiro, de forma competitiva, ou seja, com baixos salários.A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE - define o que é equivalência substancial, para que um organismo transgênico possa ser comercializado como alimento. Mas em uma ambigüidade absurda, a empresa requer patente desse organismo para dizer que ele é diferente, para poder ser patenteado.É assim que os competentes, honestos e probos da CTNBio analisam a soja transgênica americana e dão o parecer conclusivo, em falsidade ideológica, como se ela fosse a brasileira. A soja transgênica brasileira, que irá ser plantada, entre nós, nunca foi analisada, o pior é que esta corrupção é escancarada.Consta, no processo, que a soja americana causa alterações no leite das vacas alimentadas com ela; nos rins e fígado das cobaias; nos níveis de fitoesteróides e hormônios.Os analistas desconhecem que esta transgenia usou marcadores de antibióticos (kanamicina); usou partes ativadoras do vírus do mosaico da couve-flor (CaMV). Isto significa a possibilidade real e

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concreta destas partes recombinarem-se, formando novos vírus de grande e perigoso impacto sobre a saúde, meio ambiente e economia, pois pode criar novos vírus combinando-se inclusive com vírus da AIDS e vírus da Hepatite tipo B, como muito bem disse o Frei Sérgio respaldado em bibliografia sueca de um Diretor do Instituto Karolinska.Há muitas maneiras de se ler e interpretar falas, fatos, cenas, Nietzsche que o diga.Nas sociedades caricatas, qualquer denúncia causa impacto momentâneo mais profundo que os pretendidos por seus autores (objeto).A reação enérgica do poder periférico, procura amedrontar, é a sujeição do objeto e desvio do sujeito (denúncia).As redes de comunicações criam o escândalo transformando ambos em destaques utilitários, em tráfico de influências. Entretanto, em pouco tempo, tudo cai no esquecimento e a situação, quando não regride, volta ao seu "leito natural".A afirmação radiofônica, que na construção do milho transgênico Bt. se utilizam o vírus da AIDS e Hepatite B, em uma sociedade central não teria repercussão. No máximo uma nota ou comunicado das autoridades da Saúde e Ciência & Tecnologia pondo tudo em seu devido lugar e ponto final.Aqui, entre nós, aquela afirmação foi pinçada de forma a provocar um escândalo político intencional contra o objeto (autor), através do estratagema de transformar o sujeito (denúncia) em objeto de comoção psicossocial.Não houve resposta oficial imediata e final da CTNBio.A reação foi a programada. A elite das tropas de choque da globalização e entreguismo liberal acionaram seus tecnologistas de plantão e algibeira, não para o esclarecimento, mas para fins políticos de pantomima.Nietzsche aconselha1 :"Todos vós, sábios famosos, haveis estado ao serviço do povo e de suas superstições, mas não haveis servido à verdade... (Por isso) quando os sentidos estão adormecidos deve-se falar-lhes com a linguagem dos raios e trovões."A repercussão imediata tem a ver com uma nota a pedido da entidade ruralista publicada nos principais periódicos do Estado, sobre a fiscalização da soja transgênica.A pedido nos jornais gaúchos do dia 10 de dezembro.Uma leitura cuidadosa da mesma nos leva de novo a Nietzsche, que alerta1: "Ainda que doa, sapientíssimos, temos de falar disso, por que é pior silenciá-lo. Todas as verdades que se silenciam acabam tornando-se venenosas. Rompamos tudo o que possamos romper de nossas verdades. Há ainda muito que edificar."Infelizmente a entidade de classe não leu com atenção o parecer conclusivo da CTNBio, pois não houve aprovação da mesma, pois o item D, e, principalmente o item E do comunicado Nº 54 de 29 de setembro de 1998, publicado no Diário Oficial da União Nº 188 de 01 de outubro de 1998, Seção 03 - página 56.A desobediência civil propalada pela entidade, tentando consolidar o "fato consumado" de interesse da transnacional e governo norte-americano colocam em risco a economia rural do Rio Grande do Sul, eis que, esta soja transgênica é susceptível à doença "cancrose das hastes", oficialmente inexistente no país; suas sementes são provenientes de uma região infestada de "nematóide do cisto", também inexistente no país. Logo o controle destas pragas quarentenárias são de interesse internacional, obrigatório, pela OMC, após as determinações da Rodada Uruguai, mas parece que a entidade ruralista gaúcha não dimensiona os riscos.Quanto ao uso de vírus de (AIDS e Hepatite B), o artigo da Revista Sur Nº 80, de junho de 1998, da Profª Mae Wan-Ho, "Semeando Novas e Velhas Doenças" (anexo) trata o tema de forma didática e exaustiva, o que torna compreensível o silêncio da CTNBio e demais autoridades competentes.A matéria do jornalista Washington Novaes, publicada no Estado de São Paulo, de 28 de maio de 1999, "Alimentos, Antibióticos e Pesticidas" possuem igual teor.Da leitura de ambos anexos vemos que o que interessa a todos é o fundo de verdade contido na denúncia, pois partes do vírus do mosaico da couve-flor são usadas como promotor-ativador nas criações de "engenharia genética".Segundo o cientista Ray Dixon, o vírus do mosaico da couve-flor é usado por ser lisogênico ou seja

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não destrói por completo a célula vegetal, como a maioria dos vírus, ao contrário, estabelece uma associação com ela. Isto quer dizer que ele se multiplica e sobrevive e a célula também se mantém viva.O problema, segundo Dixon, está na seqüência genética, e as complexas etapas que passam as mensagens de um gene durante a formação de uma proteína, são de tal forma diferentes nas bactérias das que ocorrem nas células dos organismos superiores, que possivelmente o novo meio não irá permitir que as fases todas, ou mesmo algumas delas, ocorram normalmente.Assim o vírus sofre uma grande pressão para modificar-se, conforme o ambiente.Por outro lado diz o Professor Dr. Nodari, UFSC, "o importante é que um pé de soja ou milho tem acima de 27 trilhões de células e se apenas uma partícula deste vírus sofrer uma recombinação de risco ou letal, em uma só célula desta planta serão necessárias quantas décadas para termos uma epifítia ou grande dano econômico ou humano?"Este, sim, é um fato consumado irreversível.Nossa sociedade caricata e periférica é interessante, a informação acima é similar à denúncia do eng. agr. Paccelli Zahler, membro titular da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Ele disse no Seminário Regional de Produtos Transgênicos, na cidade de Santa Maria/RS, que haviam sido liberados pela CTNBio acima de 630 campos de experimentação, em todo território nacional, com plantas transgênicas.Disse mais o dedicado funcionário, que os locais não eram conhecidos e que o Ministério da Agricultura possui apenas 14 funcionários, para fiscalizar e não dispõe de recursos.Os prepostos de algibeira fizeram uma denúncia contra a ousadia.A repercussão foi imediata, o eng. agr. Paccelli foi exonerado da CTNBio, não houve uma voz na ciência, tecnologia e ensino nacional, exceto o Dr. Nodari da UFSC, que o defendesse. Mas o que isto tem a ver com a denúncia sobre o risco do uso do vírus do mosaico da couve flor (CaMV) como promotor em engenharia genética?Tudo pois, imediatamente, uma plêiade de cientistas, tecnologistas e professores de plantão vieram a público dizer que isto era impossível, que o denunciante não tinha competência, capacidade, etc.Com os artigos anexados vemos que não corrigiram, nem esclareceram, como deveriam. Ou se acham que não têm esta função. Se é assim, devemos voltar a Nietzsche1: "Este sábio, com seus quarenta pensamentos parece-me um néscio, embora creia que entende muito disso...Esclareça-se que o núcleo da denúncia: - riscos de vírus perigosos estarem em sementes transgênicas -, existe e isto é conhecido oficialmente, embora, não seja do agrado particular deste ou daquele tecnologista de formação confessional com vínculos mais íntimos com empresas. Diante deste tipo de postura, somos obrigados a voltar ao filósofo alemão. Se tirais essas cem palavras que vossas virtudes possuíam como apreciado brinquedo, ficais como aquelas crianças que brincavam à praia, quando a onda os levou..."Vamos aproveitar a deixa. Por outro lado, os mesmos plantonistas não sabem que, em 08 de outubro de 1999, a Monsanto encaminha o ofício REG-LAAV-072/99, para a CTNBio requerendo emissão de parecer conclusivo quanto à biossegurança e equivalência substancial do "Milho Guardian" (MON 810). Este milho usa o promotor do vírus do mosaico da couve-flor.Qual é a definição legal brasileira de "Equivalência Substancial"?Não há.Mas o que é equivalência substancial?Este conceito foi emitido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, para permitir o livre comércio internacional, sem barreiras protecionistas. Ele não possui critérios e parâmetros para a avaliação e classificação da referida equivalência. Tampouco possui aval científico do ponto de vista bromatológico, nutricional, legal, técnico, etc.Então cabe a pergunta: - Quem deu poderes à CTNBio para dar parecer quanto à "Equivalência Substancial", que nem sequer é definida em Lei?O que fará a CTNBio?Ora, o que fez com o dedicado funcionário Paccelli, afastá-lo, como a um estorvo, da mesma forma como antes a representante oficial do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) eng. agr. Marilena

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Lazzarinni, se autodemitiu por ver que o comportamento da comissão era cartorial pró interesse das empresas.Não sejamos ingênuos, a CTNBio foi criada no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, para evitar que este anacronismo de funcionários públicos honestos & zelosos, facilmente encontráveis nos ministérios da saúde, agricultura, meio ambiente, tradicionais fiscais, que sabem o que é Estado Nacional e suas funções, não entravem os interesses comerciais das empresas transnacionais, na nova realidade da Ordem Internacional, onde o Estado não se intromete no mercado.A CTNBio foi burocratizada na Ciência e Tecnologia e acima do Congresso Nacional, atendendo aos interesses superiores das empresas, que já substituem os estados nacionais em desmonte e decomposição acelerada. Para essas empresas e para os governantes caricatos e periféricos de terceiro setor, o que vale é o culto e respeito aos doutos entronizados como porta-vozes da sociedade pelo seu alto conhecimento – saber.Não queremos ser cansativos mas o filósofo nos indica: 1"Estava dormindo, quando se aproximou uma ovelha e comeu a grinalda de ervas que eu levava sobre a cabeça. Depois de engoli-la, exclamou: Zaratustra já não és um douto. Dito isto foi-se muito altiva e displicente.Não estou preparado para o conhecimento, como eles que pensam que conhecer é algo assim como descascar nozes."No caso do "Milho Guardian", é muito interessante que a tramitação requerida pela empresa ignora que o Zea mays tunicata tem no Brasil (MS e MT) seu centro de dispersão, segundo Mangesdorf e Reeves (1970) e que esta introdução pretendida pode provocar dano à biodiversidade da subespécie, devendo portanto ser feito um estudo detalhado, para evitar este dano a um patrimônio da humanidade, conforme as convenções internacionais, que o nosso país é signatário.Por que isto não é observado? Será que nenhum zeloso cientista, do Centro Nacional de Recursos Genéticos recebeu o documento para leitura? - Parece que não, mas é estranho. Ninguém se preocupa com a "equivalência substancial", nem com o centro de dispersão do milho tunicado, mas são ligeiros para defender a agressão, ofensa à "ciência de ponta da empresa, feita pelo "leigo eclesiástico".No processo do Milho Guardian (MON 810) encaminhado para a avaliação de biossegurança consta a descrição, às páginas 13 e 14, do estudo apresentado pela empresa que há dois plasmídios para transgenia: o PV-ZMBK07 e o PV-ZMGT10. O primeiro responsável pela gene Bt, e o segundo pela resistência ao herbicida Roundup da empresa.O estranho é que, embora o plasmídio de resistência ao herbicida Roundup Ready seja descrito, se afirma que nenhum elemento do mesmo foi transferido. O que nos leva a perguntar: Qual a razão da descrição.Criar um mecanismo público de registro?Ou o plasmídio está inativado e depois pode ser "despertado" através de um mecanismo externo, na formulação do herbicida ou tratamento da semente?Por definição de "engenharia genética", no livro "Argumentos Recombinantes", sobre cultivos e alimentos transgênicos, publicado pelas Centrais Operárias da Espanha, vemos no prólogo do catedrático em genética Prof. Dr. Andrés Moya: "A biotecnologia, em sua forma mais dura, visa introduzir material genético de uma espécie em outra por meio de técnicas de ADN recombinante, criando organismos modificados artificialmente.Esta disciplina científica atinge os seus objetivos quando:é estável, ou seja, transmite a seus descendentes as características introduzidas;produz o efeito pretendido.Um exemplo: Um milho em que foi introduzida a característica de resistência a herbicidas de uma bactéria deve passar esta características aos seus descendentes e ser resistente a este herbicida. Mesmo que contenha o gene para resistência ao herbicida, mas não se expressando, então ele não será transgênico para tal resistência. Como tal, ele não pode ser avaliado. E se a ativação for externa como no conceito "Traitor" ou "Terminator", quem será encarregado de estudar?Com a presença de ambos plasmídios, há a possibilidade de efeitos pleiotrópicos e epinásticos, que necessitam ser exaustivamente analisados?

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Há, já, quem vá mais longe e diga que a célula e também os genes sejam regulados através de campos eletromagnéticos responsáveis pelo seu desenrolar e enrolar na fita de ADN e todas as demais atividades. A técnica de descargas elétricas, para inclusões de material genético comprovam estes campos, como ficam os testes e estudos para a biossegurança, já que a alteração em uma célula de uma partícula de vírus pode tardar dezenas de anos para uma manifestação detectável.Sem oportunismo desejamos trazer algumas preocupações que têm cruzado o mundo nas telas dos computadores.As notícias se espalham rapidamente, da África do Sul (Apartheid) o general Dan Goosen é acusado de criar uma arma genética capaz de matar somente negros.De Israel, anuncia-se outra capaz de matar somente árabes.O presidente dos EUA aciona as suas tropas e "experts" da ONU para localizar nos banheiros dos palácios de Saddam Hussein os laboratórios de armas bioquímicas e genéticas. Eles sabem o que fazem, uma jovem cientista iraquiana foi treinada na Inglaterra e EUA, na década de 80, em guerra biológica e genética contra o Irã, então grande inimigo do Ocidente.Estas notícias nunca são confirmadas, mas a imprensa afirma que a equipe da Dra. Morte, como é conhecida a referida cientista, conseguiu retirar o gene da cobra jararacuçu, responsável pela produção da toxina e juntá-lo com parte de um vírus inserido em bactérias preparando um artefato militar de grande perigo para os EUA.A discussão gaúcha sobre transgênicos é autêntica no espaço, embora esteja retardada no tempo, pois este nosso pioneirismo espacial esbarra em um anacronismo, já que algo similar aconteceu com cidadãos norte-americanos, logo após o sucesso da transferência de ADN de sapo africano para uma bactéria americana em 1973, na Califórnia.Este grande evento fez com que os cientistas da biologia molecular, preocupados, imediatamente, tomassem medidas e propusessem uma Conferência em Asilomar, em fevereiro de 1975, para tratar dos perigos, riscos e aspectos éticos das relações surgidas da nova disciplina científica.Entretanto, é bom remarcar, que nos EUA, foram os cientistas que se reuniram, mas, no RS, uma periferia no Terceiro Mundo, foram trabalhadores, sindicalistas, ativistas de movimentos sociais, donas de casas, ambientalistas, ou seja, foi a sociedade civil organizada que tomou esta decisão.Na mitologia grega, Epimeteu & Prometeu são numes irmãos, o primeiro distribuiu todas as plantas e animais sobre o planeta, o segundo roubou o fogo do Olimpo e deu aos homens.Em Asilomar, a participação de promotores de justiça foi fundamental para esclarecer, entre outras coisas, as responsabilidades por criações. Por que um júri é constituído por pessoas leigas e comuns e não por membros de uma academia, clube ou casta econômica?Isto é muito importante, pois Asilomar não se espraiou pelas periferias e aquelas reflexões e questionamentos agora surgem em produtos comerciais e encontramos cientistas e tecnologistas locais protestando como se a ciência estivesse sendo agredida, em total inversão de valores. Isto por que as transnacionais e governos centrais tiveram 24 anos para preparar-se para a nova realidade do Neo-Epimeteu que rouba a chama da Vida."A ciência não precisa de controle, mas quem quer brincar de Deus, sim!" 2 Mas, é Boaventura de Souza Santos quem afirma haver, hoje, a emergência de fascismos sociais impeditivos.Epimeteu é esposo de Pandora e foi o responsável pela abertura da caixinha desta, onde estavam todos os males do mundo. Permanecendo na caixa, somente a esperança.Por sua ousadia Epimeteu foi transformado em macaco.Pela ousadia dos Neo-Epimeteus, nosso medo tem nome: produtos transgênicos. O castigo não será deles. Qual será o nosso suplício?Esta transparência publicada na edição de agosto do jornal do Conselho Federal de Medicina é auto-explicativa.

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Passados 24 anos de Asilomar, as empresas de agrotóxicos deixam a matriz da química bélica e concentram-se para transformar-se em empresas de "Ciências da Vida", para isto fusionam-se, e Ciba Geigy, + Sandoz + Norkin transformam-se em Novartis; Hoechst + Boehrigner + Ingelheimer + Schering mimetizam-se em AGREVO, Zeneca é o novo nome da ICI; AVENTIS é o resultado da fusão de Rhone Poulenc com Hoechst. Há uma nova matriz tecnológica a matriz dos Neo-Epimeteus: a biotecnologia.Vinte e quatro anos depois de Asilomar, em Porto Alegre, vimos a Monsanto realizar o Coquetel de lançamento de sua soja transgênica "Roundup Ready" em 19 de fevereiro de 1998, no Hotel Everest, um rito da "Nova Ordem Internacional" à participação da Sociedade Civil Organizada no "debut" de seu produto comercial, em situação muito diferente da conferência de Asilomar, na Califórnia, nos apresentou a fantasia, para a nossa fascinação ou estupefação.Ela não fez um requerimento de avaliação ou registro perante o órgão público do Estado Nacional de saúde, agricultura e meio ambiente. Também nos EUA, Canadá e Argentina isto ocorreu. Por quê?Aqui nos deparamos com uma segunda situação insólita: os produtos dos "Neo-Epimeteus" são apresentados como fruto da "engenharia genética", para demonstrar e garantir: segurança, qualidade, controle e precisão – elementos de credibilidade e aceitação.É Jeremy Rifkin, em o "Século da Biotecnologia", quem dá os exemplos, tomamos apenas dois. 1ºO vírus HIV da SIDA foi introduzido em ratos, para facilitar a realização de pesquisas. Foi criado um supervírus da AIDS, com capacidade de causar contaminação através de outras formas, com altíssimo risco.O 2º exemplo, a bactéria Pseudomonas syringae está relacionada aos danos que as plantas sofrem pela geada, porque sua presença facilita a formação de gelo. Cientistas encontraram o gene responsável pela formação de gelo e o retiraram da bactéria e pretendiam esparramar caldo de

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bactérias modificadas geneticamente, para evitar danos à agricultura.Cientistas ecologistas, como Eugene Odum, vieram a público para alertar que a Pseudomonas syringae é uma bactéria de vital importância para a nucleação de nuvens na formação das chuvas e determinação dos climas.No Seminário Internacional sobre Direito da Biodiversidade e Transgênicos, em Brasília, o ponto alto foi "os direitos das gerações futuras".O Neo-Epimeteu não tem a precisão, segurança, credibilidade, controle, nem sequer segue as leis de Newton. Logo, a denominação de engenharia é inadequada.Os próprios "construtores de organismos geneticamente modificados" sabem que não podem sequer predizer o que obterão. Então é uma aleivosia o uso da denominação "engenharia genética", para os produtos de técnicas de ADN recombinante, mas o que as empresas querem é garantir a aceitação e o consumo de seus produtos.O catedrático em genética Prof. Dr. Garcia Olmedo, de Valência, Espanha, reprova a denominação "engenharia genética" e compara as técnicas de ADN recombinante, de recortar e colar, com a figura típica do "sapateiro remendão", muito popular na Espanha. Já Jeremy Rifkin chama de "gene costurado"Reiteramos, por definição de "engenharia genética", no livro "Argumentos Recombinantes", sobre cultivos e alimentos transgênicos, publicado pelas Centrais Operárias da Espanha, vemos no prólogo do catedrático em genética Prof. Dr. Andrés Moya: "A biotecnologia, em sua forma mais dura, visa introduzir material genético de uma espécie em outra por meio de técnicas de ADN recombinante, criando organismos modificados artificialmente.Esta disciplina científica atinge os seus objetivos quando:é estável, ou seja, transmite a seus descendentes as características introduzidas;produz o efeito pretendido.Somente sobre estes dois aspectos é que os cientistas e tecnologistas de biologia molecular devem responder por sua criação. De forma que não cabe a eles responder pelos produtos comerciais, quando dos questionamentos da sociedade sobre riscos e benefícios.Na questão dos riscos/benefícios, devemos procurar interlocutores responsáveis que deveria ser o Estado Nacional, mas desde Asilomar que a desregulamentação vem sendo organizada e orquestrada, para impedir qualquer reação impeditiva dos interesses comerciais das empresas.Na sociedade civil, os interlocutores habilitados seriam os sindicatos, associações profissionais, ambientalistas, agrônomos, ecólogos, bioquímicos, sanitaristas, sociólogos, políticos, advogados, juízes, promotores, sacerdotes economistas e cidadãos. Pois têm habilitação, compromisso e podem estar investidos de autoridade e delegação, para questionar os direitos em risco e disciplinar benefícios auxiliando o Estado Nacional não-desregulamentado. Contudo, o que impera são os fascismos sociais.Quando o Dr. Arpad Puzstai questiona a batatinha com genes de lectinas, como um bioquímico preocupado com a qualidade dos alimentos ou Mae Wan Ho e Joseph Cummins alertam para o perigo que são os genes marcadores-resistentes a antibióticos, junto a muitos outros alertam para o perigo que são as super-ervas daninhas já presentes entre nós.Na Nova Ordem, vemos que não são as autoridades da Escócia, Reino Unido, Canadá, respectivamente, que se apavoram com os dados do Dr. Pusztai, Dra. Mae ou Prof. Cummins ou os de Jeremy Rifkin, é a cidadania internacional que fica perplexa.Quando um Estado periférico, como o RS, toma medidas contra os abusos e ilegalidades, são os biotecnologistas de plantão que vêm a público clamar contra as "fogueiras medievais", "obscurantismo na agricultura", "queima de livros", "ressuscitar Trofim Lishenko".Mas são eles que propõem a volta à barbárie, pelo desrespeito à Lei, à Ordem e ao Estado de Direito, pois um "Clube dos Amigos da Terra" ou uma "Cooperativa de Plantio Direto", organizado como terceiro setor da empresa Monsanto, está por trás de toda esta celeuma e lucra com isto impede a fiscalização da soja ilegal, conforme o poder judiciário nacional.Ninguém sabe sequer questionar que a tal soja transgênica teve um aumento dos índices de resíduos de agrotóxicos aumentado em 100 vezes e que na merenda escolar há leite de soja. Que este

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agrotóxico nunca foi avaliado anteriormente em um alimento e que agora está desregulamentado de fato. Isto é absurdo, mas os cientistas Hardell e Erikssen da Univ. de Lund, na Suécia, dizem que Glyphosate causa leucemia em seres humanos.O que é pior os danos reais causados pela leucemia ou os cânceres potenciais provocados pelas alterações do vírus do mosaico da couve-flor?No contrato feito pela gestão anterior do Governo do Estado do Rio Grande do Sul com a Agrevo, assinado, somente pelo presidente do IRGA, no dia 18 de dezembro de 1998, nove dias úteis antes da entrega do poder para experimentação com "arroz transgênico", que depois foi destruído, por não respeitar normas de biossegurança consta que para o atual Governo do RS levar a Agrevo à Justiça, deve ser aprovada uma lei na Assembléia Legislativa. Isto não causa estranheza, o que é um escárnio.Os contrários a este "status quo" são massacrados, pelas empresas, governos e estruturas de poder, por estarem prejudicando os negócios das empresas, que não querem que o Estado Nacional determine os regulamentos para os produtos transgênicos.Foi assim nos EUA, onde muitas empresas aprenderam em Asilomar e passaram a exigir a desregulamentação dos produtos transgênicos. Não vamos ser ingênuos e pensar que, desde a Conferência de Asilomar, as transnacionais, os governos centrais e sua sociedade não equacionaram os problemas minuciosamente para o futuro segmento econômico.Quando vemos que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança libera os derivados de OGMs de avaliação e registro, não estranhamos, pois a ela, só lhe interessa (a) que seja estável e (b) que produza o efeito transplantado. Logo, é um cartório de interesses e atua ao arrepio da Lei. Isto foi dito com clareza e clarividência no recinto do Superior Tribunal de Justiça em Brasília, na presença de, pelo menos, uma dúzia de Ministros da Egrégia Casa.Mas a situação da CTNBio fica mais difícil, quando o exemplar funcionário público, eng. agr. Pacelli Zahler, esclarece ao público em Santa Maria, no Seminário Regional sobre Produtos Transgênicos, que a CTNBio liberou mais de 600 áreas de testes de campo, mas o MAARA não tem recursos financeiros, infra-estrutura, nem sequer infra-estrutura humana para fiscalizar, controlar, garantir, inspecionar ou mesmo saber onde as mesmas estão. Imediatamente ele é chamado às falas, denunciado e demitido. No interesse de quem? Ninguém questionou.No mesmo Seminário, vimos uma geneticista dizer que o homem e o chimpanzé possuem 98,6% de genes idênticos, deixando transparecer que a diferença mínima de 1,4% de genes não seria entrave para a transgênese. Esta atitude não é um fato isolado. Então são necessárias dóceis ovelhas para comer as grinaldas e ondas do mar para levar suas virtudes e conhecimentos.Os cientistas, tecnologistas e professores universitários nacionais em sua grande maioria têm uma postura muito diversa daquela prevalente em Asilomar, vêm a público defender produtos comerciais, como se estivessem defendendo a ciência agredida ou a honra nacional aviltada. Fazem de conta que não sabem que não se pode ser contra ou a favor de tecnologia. Que tecnologia causa impactos e que é função do Estado através de seus quadros prevenir e atenuar os impactos negativos, através de medidas de políticas públicas.O economista Jeremy Rifkin refere-se à ambição do Alquimista de se produzir um ouro mais puro que o ouro da natureza. A presunção da Alquimia é a mesma da Algenia, entretanto ainda não conhecemos mais que 4% das funções do funcionamento do ADN. E já queremos fazer um novo Gênesis?Nos países periféricos, onde a "ciência" e tecnologia são anacrônicas, onde não se sabe a diferença entre multinacional e transnacional, a preocupação das Giga-empresas é determinar a desregulamentação de seus produtos através da opinião, serviços e posição dos cientistas, tecnologistas e burocratas, para isso ela preparou-se durante 24 anos desde Asilomar.É Andres Moya quem diz: "Ninguém pode ignorar que os fundos para as pesquisas tanto público quanto privados estiveram e estão muito mais próximo aos biotecnologistas que as disciplinas científicas que podem controlar os riscos e os benefícios dos produtos."É fino e delicado o nobre cientista espanhol, pois deveria usar linguagem mais ligeira e até mesmo grosseira para explicar o que está acontecendo, pois a soja transgênica ilegal foi plantada com

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dinheiro público do governo federal. Quem está correndo o risco é o povo brasileiro e é quem sempre paga.Logo, para o estudo ou avaliação de riscos toda a argumentação é válida ou "ética". O exemplo do uso de refúgios, com milho natural, nos plantios de milho Bt, para retardar formação de insetos resistentes.Ou a presença de proteínas do gene Bt. na forragem, com a "exotoxina" que vai para o leite pode interessar os pesquisadores, mas não haverá recursos ou apoio político.Esta estratégia dos países ricos, suas indústrias e sociedade são muito bem protegidas pelos escudeiros, nos governos locais, através de grinaldas.A publicação da direção de meio ambiente do Governo da Noruega, "Muito cedo pode ser muito tarde", com dezoito páginas de referências científicas, sobre os riscos dos produtos transgênicos, quando apresentada aos professores universitários, tecnologistas e cientistas gaúchos, normalmente desconsideram e continuam "palrando" não há evidências contra os riscos dos transgênicos.

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E a agricultura saudável como fica com os transgênicos?A agricultura ecológica corrige as causa e não os efeitos, por isso não conhece pragas, doenças ou ervas daninhas.Antevendo a mudança de matriz e incorporação dos valores globais, a União Européia e o governo dos EUA e outros países centrais criaram seus programas de agricultura ecológica, que crescem acima de 20% ao ano.Hoje, nos EUA somente 300 mil agricultores são financeiramente independentes e rentáveis. São os agricultores ecológicos.Entre nós, os biotecnologistas se transformam em políticos sociais e falam da fome, esquecendo-se de que o Economista Amartya Sinn recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho sobre a fome no Terceiro Mundo, suas origens e que sua solução não é tecnológica, mas política.Esquecem-se os cientistas e tecnologistas de sua habilitação e dos "proteomas", análise das proteínas expressadas por um gene, no meio ambiente. Este tipo de análise corrobora a agricultura ecológica, pois um gene pode estar em uma planta e a forma de cultivo inadequada pode bloquear sua expressão.Então, os mesmos cientistas e tecnologistas que passaram a vida estreitando a variabilidade genética dos cultivos, agora vêm a público dizer que a recombinação de ADN irá aumentar a variabilidade, quando na verdade a planta depois da transgenia é totalmente clonada e a variabilidade passa a ser nula.E a zona livre de transgênicos prejudica a quem? Quando um produto natural ou convencional tem maior procura no mercado e o transgênico, crescente rejeição.O Deutsche Bank está recomendando aos seus investidores e clientes que retirem seu dinheiro das empresas de biotecnologia. Os agricultores norte-americanos, depois das 17 mil hectares de algodão destruídos e da reação do mercado, estão pedindo aos governos proteção e garantias de comercialização. Faltaram sementes de soja não transgênicas nos EUA.As empresas de biotecnologias investem fortunas para monopolizar o mercado mundial; o governo "yankee" é parceiro, deseja manter sua hegemonia na produção e comércio de alimentos, sejam eles agroecológicos, convencionais ou transgênicos, com preços diferenciados em função de tecnologia, serviços, qualidades e classe de consumidores.Como não desejam concorrentes, impõem aos Grupos de Cairns53 e Miami (australianos, canadenses, argentinos, neozelandeses, sul-africanos e brasileiros) que produzam sem políticas públicas nacionais competidoras.A questão é política e não técnica, mas os cientistas periféricos não aceitam que outros se intrometam em seu universo de saber, embora saibam que seu saber é dependente das grandes corporações. Então o "analfabeto político" de Brecht se transforma no "fascista social" de Boaventura de Souza Santos e uma quimera periférica, caricata e obseqüente surge.Elas fazem suas carreiras nos governos periféricos, sob o patrocínio das empresas de biotecnologia, que usam dinheiro público para fazerem cartilhas para os transeuntes, organizam eventos para enganar a população. Não sabem que existe uma biotecnologia de "saber" e uma biotecnologia de "fazer". Na verdade, podemos dizer que são os biopiratas, com respaldo dos governos caricatos, periféricos e obseqüentes.As transnacionais aproveitam e estimulam isto através do marketing da imagem dos cientistas das descobertas e aproveitam para patentear estas descobertas da natureza como se fossem "inventos". Assim, se apropriam das descobertas dos incas, aztecas, maias e de outros povos e as patenteiam.Entretanto o biólogo e médico François Jacob, geneticista Prêmio Nobel diz em sua obra: O rato, a mosca e o homem - "Algumas palavras dão medo. Por exemplo, a palavra 'eugenia', porque ela designa um comportamento inaceitável que conduz à esterilização de indivíduos considerados 'inferiores', antes de encobrir horrores nos campos nazistas. Outras, como a palavra raça, foram desviadas de seus sentidos e servem como álibi biológico para excessos culturais. Mesmo a palavra 'genética' acaba dando medo a muitos tanto é usada a torto e a direito para influenciar a política

53 Cidade do norte da Austrália, onde reuniram-se os grandes produtores de grãos do mundo e criaram um grupo agrícola.

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social. Quando se afirma que a inteligência é essencialmente herdada, ou seja, governada a princípio pelos genes, é para dizer que as políticas sociais que visam educar as populações desfavorecidas são inúteis. Quando se proclama que os meninos têm um gene 'para' a matemática, é com o objetivo de dizer que as meninas não o têm. Com a Bósnia e Ruanda, aprendemos que o genocídio, que parecia impossível após a queda do nazismo, podia perfeitamente reaparecer. Sabemos também que argumentos que demonstram a existência de diferenças irredutíveis de aptidões entre grupos, são seguidamente utilizados para manter as discriminações e impedir as políticas que visam remediar as injustiças. A presença de um componente genético em um traço do comportamento humano não significa de jeito nenhum que esse traço é unicamente determinado pelos genes. Sabemos hoje que o desenvolvimento do embrião humano põe em jogo uma interação permanente entre os genes e o meio."Bendita denúncia sobre os riscos de recombinações de vírus letais e perigosos com o ativador-promotor do vírus do mosaico da couve-flor (CaMV) criando novos e mais perigosos vírus. Note-se que a soja Roundup Ready tem dois e o milho Guardian tem quatro promotores.Cabe a pergunta: Um sueco com renda per capita de 38.000 dólares vai se sujeitar a comer soja com 100 vezes mais resíduos de herbicida Roundup, quando a Universidade sueca de Lund afirma que este produto causa leucemia em células humanas?No RS, não há preocupação com nitrosaminas de Roundup, na água potável, embora seja o veneno mais usado no Estado. Nós não somos suíços.É por isso que a empresa pública de pesquisa analisa e avaliza a soja transgênica resistente a herbicidas, embora não tenha qualquer herbicida patenteado. Isto aqui não é Suécia.Os dados contrários aos interesses do agricultor consumidor de tecnologia, do consumidor de alimentos, da comunidade ou do Estado não podem ser publicados, para não contrariar a Monsanto.No caso do Arroz Transgênico, a Agrevo fez um contrato com o IRGA, requereu da CTNBio autorização, para a experimentação. Não cumpriu as normas e realizou um teste diferente, de alto risco. Em virtude de denúncia feita, a CTNBio foi obrigada a destruir o experimento. Entretanto, o governo não tomou qualquer atitude contra a Agrevo ou IRGA. Tampouco o governo do Estado do RS defendeu e protegeu o seu patrimônio aviltado. Por que e no interesse de quem?Muitas Universidades Nacionais esforçam-se por ter seus alunos bem formados, mas as empresas patrocinam departamentos, cursos e determinam o que eles vão aprender. Isto é fruto do entendimento de que cidadania é riqueza ou riqueza cria a cidadania.A transgenia de alimentos não dispõe de dados de segurança bromatológica, é de se supor que ela irá aumentar a poluição.A poluição genética é muito mais perigosa que a poluição biológica, química ou radiativa, mas ninguém esta interessado nisto, então a OMC determina que não haverá rotulagem ou etiquetagem, nem respeito ao consumidor.A transgenia de alimentos, com o poder do complexo agro-industrial-alimentar-financeiro vai aumentar o preço da comida. Os americanos dizem que não há comida grátis. Mas eles sabem que onde a comida é cara, há rebelião.

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A transgenia agrícola, como está desenhada, irá desestruturar a agricultura dos países pobres, expulsar os pequenos agricultores e seus familiares, impedir a Reforma Agrária, provocando miséria, violência e convulsão social, mas os governos títeres querem que o mercado regule estas questões, talvez acreditando que o que acontece no Iraque, Kosovo, Chechênia e Timor Leste seja "o nosso futuro comum."A agricultura ecológica deixa de ser postura cívica e passa a ser uma qualidade de mercado, na alça de mira das transnacionais, que querem produzir o alimento natural sob sua marca, para os de maior poder aquisitivo, e os mais pobres terão a contaminação dos alimentos com antibióticos, agrotóxicos, radiatividade, transgênicos, etc.Isto é a emergência dos "fascismos sociais" como afirma o filósofo Boaventura de Souza Santos. Ele está entre nós nos governos e aparelhos de Estado, é amo e senhor, principalmente, no meio dos caricatos e periféricos.O marketing hoje é o principal agente de qualidade de alimento. O que nos faz lembrar que nos portões dos campos de concentrações nazistas estava escrito: "O trabalho liberta". Lá dentro havia um forno crematório. Este é o poder do complexo agro-industrial-alimentar-financeiro e sua globalização.Um organismo vivo, usado como alimento, é fruto de uma carga genética e do meio ambiente.No Século XX, as empresas iniciaram a eugenia vegetal, com finalidades e objetivos de seus negócios. O melhoramento genético de sementes passou, então, a visar uma maior absorção de fertilizantes, maior uso de agrotóxicos, em detrimento do armazenamento, segurança e qualidade de colheita.As empresas por não poderem ainda dominar os fatores do meio ambiente estão introduzindo genes nos alimentos, para ter um produto patenteado, por exemplo um arroz patenteado, com mais ferro ou mais vitaminas, resistente a herbicidas ou ao ataque de pragas.Entretanto, qualquer agricultor ecológico sabe que um sistema de cultivo, equilibrado com a

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natureza, produz um arroz com alto conteúdo de ferro ou mais vitaminas. Logo, o co-responsável pela qualidade dos alimentos é o fenótipo ou meio ambiente e não a carga genética somente.Mas o complexo agro-industrial-alimentar-financeiro, que usa o velho e desgastado slogan da Fome no Mundo, que quer ganhar dinheiro e não fazer benemerência, vem dizer que é a salvação. Os biólogos moleculares e geneticistas sentem-se deuses, embora estejam criando uma eugenia utilitária e confessional.

Antes, os produtos agrícolas eram comprados por seu peso, hoje, sabemos que um legume ou fruta tem de 28 a 38% menos de água, quando cultivado em equilíbrio ecológico.Isto nos permite comparar um rendimento de 72 toneladas por hectares com o equivalente a 100 toneladas por hectare, mas ninguém está interessado em colher as 72, mesmo quando ela tem um poder de durabilidade três vezes maior, uma capacidade de gerar micotoxinas muito menor e uma riqueza de vitaminas e sais minerais maior.O dramático é que a denúncia, sobre os riscos de partes de vírus inseridos, como promotor nos transgênicos, não tem resposta. Os doutos e os políticos são chamados para dizer que isto não pode acontecer e que não se pode fiscalizar as lavouras ilegais, clandestinas apoiadas e protegidas por eles.A Monsanto nem sequer vem a público, tem quem tire suas castanhas do fogo.Qualidade é um conceito que acompanha par e passo o nível de cidadania & conhecimento, que não tem nada a ver com renda e riqueza, mas que os governos títeres e a OMC querem transformar em norma internacional, pois os ricos continuarão fazendo suas exigências e pagando por elas, os pobres terão o que podem pagar.Ela nos obriga a voltar, finalmente, a Nietzsche1: "Havia me afastado demasiado, voado para o futuro e se apoderou de mim um calafrio de terror. Quando olhei em torno, comprovei que só estava acompanhado pelo tempo. Amo a liberdade e gosto do ar livre que ventila a terra fresca; prefiro dormir sobre uma pele de boi, que sobre as honras e dignidade dos doutos."Ou dito de forma mais compreensível: Onde deveria haver saber há somente uma estrutura de poder que manipula o "saber que é permitido, principalmente na forma de fazer" ao mesmo tempo que impede que a sabedoria seja a base da evolução do saber acadêmico.Depois de três anos de discussões e pressões para não se aplicar o Código de Defesa do Consumidor, o governo brasileiro vê-se obrigado regulamentar através de portaria a rotulagem dos alimentos geneticamente modificados. Isto é uma vitória.Criou uma CTNBio, cartório de alto nível, que por pressão foi transformado em um cartório vulnerável aos olhos do povo. Agora com a nova portaria, de novo há um novo cartório.A luta entre o poder da mídia e o da mobilização de cidadania e consciência fica para o mais competente.O quadro abaixo mostra uma projeção, para o futuro próximo.

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QUADRO III

PROJEÇÕES PARA AS QUESTÕES COM ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS

Fortalecimento da repulsa dos consumidores e opinião pública aos transgênicos;Incremento da crise das transnacionais;Recrudescimento dos enfrentamentos com OMC, FMI, Codex Alimentarius, etc.;Maior desconfiança dos agricultores e governos;Crescimento das análises sobre os impactos sociais nos países emergentes;Mercado para os produtos agrícolas não-transgênicos;Nosso saber requer explicações, sobre a digestão ou fisiologia dos alimentos geneticamente modificados?A vida dos organismos depende de uma continua transformação de matéria que vai acompanhada de uma permanente degradação de energia. É necessário portanto substituir de modo contínuo as substâncias originais presentes para que os processos vitais não se detenham. Isto se realiza pelo intercâmbio entre o organismo e o ambiente que o rodeia e as matérias de substituição que se tomam do meio são os alimentos; capazes de construir novos tecidos, de ceder nas suas transformações de energia utilizável e regular os processos que ocorrem nos mesmos.A nutrição ou metabolismo nutritivo é um estudo dos intercâmbios de substâncias e energia entre os seres vivos e o meio ambiente. Em um sentido amplo estuda a soma dos processos pelos quais um organismo absorve e utiliza alimentos, as condições qualitativas e quantitativas que estes devem ter e os transtornos que se produzem quando não são adequados.Assim, uma parte dos alimentos é transformada em partes mais simples, porém funcionais, para posteriormente constituir uma parte do corpo que o metabolizou.Um alimento alterado geneticamente passa a produzir a substância ou substâncias "naturais", que o gene alterado determinar. Se é uma nova inserção teremos um ou mais produtos derivados desta inclusão. Seria como em uma fábrica pré-estabelecida agregar uma "nova" máquina, para produzir um "novo" produto.A pergunta, este novo produto pode ser diferente ou alterar, com risco, este alimento. A resposta é sim. Um alimento é constituído por sua carga genética, integrada ao meio ambiente com o qual co-evolui. Isto vem ocorrendo ao longo de alguns bilhões de anos. Os processos recentes de intervenção humana demonstram os impactos negativos, pois hoje temos desnutrição com uma alimentação abundante com os produtos agrícolas industriais e animais da tecnologia predominante.Uma série de perguntas ficam como preocupações:1. A glucose tem um poder rotatório específico de + 52º,5 até chegar a um ponto estável. O tempo de se chegar a esta estabilização entre duas moléculas de glucose uma natural e outra obtida por inserção de engenharia genética podem ser diferentes? Qual a influência que isto tem sobre o processo de metabolização e catabolismo dos alimentos ?2. A galactose quando se oxida com ácido nítrico produz ácido múcico. A velocidade de oxidação pode ser alterada entre o natural e o OGM?3. O desdobramento da lactose no intestino ou através da emulsina das sementes de ameixas pode ser diferente entre uma vaca alimentada com, por exemplo soja transgênica RR?4. Um amido produzido por uma planta OGM pode apresentar resultados idênticos nas análises químicas, físicas, mas possuir diferentes valores em uma avaliação biológica? Por exemplo alterando a digestão do indivíduo?5. As perguntas acima podem servir de modelo, para semelhantes sobre lipídeos (azeites, gorduras, cêras e esteróides). Temos o exemplo da soja RR com os fitoesteróis ou isoflavonas (daidzen, genistein, coumesterol), contudo nos testes realizados, não foi aplicado à mesma o herbicida que seria fundamental.6. Uma pergunta mais sofisticada: O ergosterol ao ser irradiado por luz Ultravioleta se transforma em vitamina D2 - Calciferol - Pode um gene como o de resistência a herbicida, da soja RR, por uma conjuntura climática, alterar o ergosterol, em sua atividade biológica?

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7. As vacas alimentadas com farelo da soja RR apresentaram alterações em seu leite? Qual o mecanismo fisiológico que provocou esta alteração?8. A citrulina presente no suco do melão é um aminoácido de grande importância. É possível que sua atividade como biocolóide venha ser alterada conforme a tecnologia de cultivo do melão?9. Quanto às proteínas. A hidrólise das proteínas modificadas pode alterar a ação de enzimas das secreções digestivas? No caso da soja RR, temos que a proteína EPSPS está em uma quantidade de 83% a mais que na sua homologa natural. Este aumento de substrato nos leva à necessidade de maior quantidade de enzima para a digestão, alterando o equilíbrio da reação? Isto é importante?10. Algumas plantas, como as leguminosas, segregam substâncias de proteção, para evitar o ataque dos animais. Por esta razão não é recomendável a ingestão de grãos de leguminosas crus, ou mal cozidas. Entre estes fatores temos as antitripsinas, como fatores antinutricionais. Pode haver alteração destas nos OGMs? Isto pode causar alergias?11. A absorção de proteínas nativas é possível e normalmente provoca alergia. No caso da proteína EPSPS, cuja concentração é 83% maior na soja RR este risco de absorção da proteína nativa existe?Diante destas projeções vemos o campo ir clareando.O Ibama calcula o valor do patrimônio nacional em Biodiversidade: 4 trilhões de dólares. Contudo, quem é objeto, e não sujeito, pode se arvorar em dono desta riqueza? Os contratos da BioAmazônia e Novartis e similares dos institutos e universidades nacionais ai estão para comprovar tal.Jorge Riechmann54 diz: Nem tecnofanatismo, nem tecnocatastrofismo, pois sabe que uma tecnologia não é boa ou má. Ela causa impactos positivos (para os sujeitos) e negativos (para os objetos).Concluindo a crematística provocou tanto a escassez que chegamos ao cúmulo de ter um alimento sem valor biológico, mas com preço.Para entender isto, não podemos perder a noção e perspectiva ética: - O saber está lá fora, no povo – "Assim falava Zaratustra"1, Friedrich Nietzsche.

CAPÍTULO XI

HUGO1: O EFÊMERO NEOLOMBROSIANISMO

Graciliano Ramos, em "Memórias do Cárcere" registrou: O que me atormenta não é o fato de ser oprimido. É saber que a opressão se erigiu em sistema.Cesare Lombrosio enquadrava cidadãos como criminosos políticos por sua fisionomia, seus traços raciais e hereditários.2

Muito antes de Hitler, franceses, norte-americanos, ingleses e sul-africanos concebiam a eugenia como uma ciência do Estado Nacional.Em 1929, no Rio de Janeiro tivemos um Congresso Brasileiro de Eugenia, onde se buscou limitar cotas de imigrantes negros ou amarelos.Em 1934, Oliveira Viana, em carta aos constituintes, assinalou que: "pelo fato mesmo de termos uma formação em que predomina dois sangues inferiores (o negro e o índio), somos um povo de eugenismo pouco elevado. O grande problema é a arianização intensiva de nossa composição étnica. Tudo quanto fizermos em sentido contrário a essa arianização é obra criminosa e impatriótica."A situação é tal que palavras como "disgênico", para Santos Dumont e Rui Barbosa, ou pior, "cacogênico", para Euclides da Cunha e Luís Carlos Prestes, denotam os preconceitos da época em nossa sociedade. 3

Em 1942, a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia lança um manifesto contra a discriminação a qualquer povo, com base em pretensas qualidades raciais. A situação dos judeus,

54 Cultivos y Alimentos Transgénicos: un guia crítico, Editora de la Catarata, 1999.1 H.U.G.O: Sigla do Projeto Genoma Humano em inglês.2 Lombrosio, C. "Illustrative studies in criminal antropology", The Monist, vol.#1, (1891) Chicago.3 Ribeiro, D. "Aos Trancos e Barrancos" Ed. Guanabara, Rio de Janeiro, 1986.

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ciganos, homossexuais, socialistas e anarquistas na Alemanha era desesperadora, embora a dos "favelados", "jecas-tatus", e "indígenas" não fosse muito diferente.O Ministro João Alberto, atendendo ao pedido norte-americano, coordena o envio de dezenas de milhares de nordestinos "soldados da borracha", para reativar os seringais da Amazônia. Os cartazes governamentais de atração dos mesmo são de eugenia lombrosiana, contém figuras dos nordestinos que devem ser recusados por serem portadores de "genopatias".4

O tempo passa, novas tecnologias surgem, mas as concepções ideológicas permanecem impermeáveis.Em 26 de junho de 2000, o presidente Bill Clinton, a respeito do projeto Genoma Humano disse: "Hoje estamos aprendendo a linguagem que Deus usou para criar a Vida". Uma frase de efeito, mais que isso uma imagem sacra. Francis Collins, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas do HUGO, dos EUA, usou o mesmo estilo: "A revelação do livro da Vida".Estamos diante de uma nova cruzada, um sacro-negócio, onde o governo americano investiu mais de três bilhões de dólares e amparou com um ar de seriedade para o bem público e felicidade geral da humanidade. Contudo, isto foi apenas um atrativo e amparo para o "espírito" e "anjos da guarda" das giga-empresas transnacionais.Logo, alguns erros e divulgações ambíguas provocaram baixas nas ações das empresas de biotecnologia nas bolsas internacionais. Entretanto uma propaganda institucional sobre os benefícios que os novos produtos trariam para a medicina e tratamento das doenças recuperou as expectativas.Mais de quatro milhões de patentes sobre seqüências de DNA humano já foram outorgadas nos EUA. É bem verdade que o REG.US.PAT.OFF estabeleceu critérios: As seqüências de DNA e genes devem especificar sua utilidade e uso para poderem receber a proteção requerida pelo patenteamento, e o mesmo está sendo exigido na União Européia.Em 12 de Fevereiro de 2001 houve o anúncio da conclusão Projeto Genoma Humano. Esperávamos encontrar o gene ou os genes responsáveis pelas disgenopatias dos soldados seringueiros; as cacogênias do escritor e revolucionários, também as disgenias do inventor e político. Grande decepção, as diferenças entre as raças não estão nos genes. Contudo, o presidente norte-americano, as empresas transnacionais e os cientistas assalariados sabem que neles há um grande mercado. Agora os adeptos do eugenismo dizem que não deve haver "determinismo" ou "reducionismo". Mas o que invocamos é o essencialismo.Há pouco mais de dois meses, tive a oportunidade de ler um documento assinado por geneticistas, biólogos moleculares e biotecnologistas, protestando com palavras grotescas e desrespeitosas, contra a criação de um "Núcleo de Espiritualidade", dentro de uma Pró-Reitoria de Extensão, em uma Universidade. 5

Não vamos ser ingênuos e pensar que os signatários estão preocupados com uma nova idade medieval de trevas e intervenção religiosa na estrutura e poder do conhecimento e saber. Isto é subterfúgio, pois o medo manifesto está no avanço da ciência com consciência, o que obriga a um novo e real pacto de consciência e cidadania. A espiritualidade oriental nunca se afastou deste binômio. 6

A biologia molecular já está transformando o mundo e o transformará muito mais. Contudo, se não houver um controle, que não adianta mais ser ético, pela realidade deste inicio de milênio. É necessário um estímulo à espiritualidade na formação dos estudantes, professores seus formadores e todas as relações presentes. As Nações Unidas estão preocupadas com isto e tentando, acima de religiões, criar o UNRI para elevar estas discussões para o campo de uma espiritualidade universal. 7

A Física quântica tem dado passos e exemplos fantásticos neste sentido. Quem teria medo disto. Ou melhor que mal causaria isto?Não foi assim, quando da primeira forma de criação de vida pelos biólogos moleculares em

4 Material da Campanha dos "Soldados da Borracha", Brasil, G. Rio de Janeiro, 19425 Leitura do documento e troca de impressões com par, conselheiro da AGAPAN6 Revista del Sur, Nº 69, Junho de 1997, Montevidéu Shiva, V,7 Documento das Nações Unidas.

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Stanford, que se reuniram para avaliar a criação e propuseram em 1975 a moratória de Asilomar? Ela durou dois anos e sete meses. 8

Por que a reação, agora, dos signatários contra o Núcleo?Medo dos impactos que um avanço de espiritualidade possa provocar dentro da ciência de criação de vida e imitação de Deus?Richard Jefferson, biólogo molecular do CAMBIA, da Austrália, crítico do Projeto Genoma Humano, diz: "A ciência tende a ignorar o desenvolvimento de métodos e torná-lo secundário ao ato elitista de coletar conhecimento. A maioria dos cientistas demonstra uma tendência a definir problemas em termos do que se pode resolver e não do que precisa ser resolvido". Os recursos e esforços aplicados ao seqüenciamento genético vão ser aproveitados porque há muitos fazendo isso e muito dinheiro sendo investido, sistematicamente, e a bola de neve tende a crescer." 9

O cientista australiano foi altamente espiritualista em sua asseveração e, não menos, político.No "genoma do milho", uma das plantas mais estudadas, já há muito publicado, assim como seu ancestral o teosinto, que é uma erva que mais parece um pasto e "daninha", de aspecto muito diferente. Contudo é dotado dos mesmos genes do milho, com apenas alguns poucos genes diferentes e a diferença entre o milho e o teosinto está associada a um único gene.John Doebley, geneticista da Universidade de Winsconsin, seqüenciou aquele gene e descobriu que a seqüência de proteína do gene do teosinto é exatamente igual a do gene do milho. A diferença está na forma como cada gene é expresso. Mas nunca se encontra aquela informação no seqüenciamento de um gene.A cientista Mae Wan Ho10 esclarece que: "a aplicação industrial" pode equivaler a uma especulação na semelhança de seqüências de genes à base de dados existentes.Um caso conhecido é a patente CCR5 sobre um gene, outorgada a Human Genomic Sciences em fevereiro de 2000, nos EUA. A companhia isolou um gene utilizando computadores para seqüenciá-lo e um programa de computador que determinou que pertence a uma classe de receptores de membrana celular que registram sinais químicos do organismo. Poucos meses depois, pesquisadores do Centro de Pesquisas sobre AIDS "Aaron Diamond", em Nova Iorque, descobriram que o vírus da AIDS requer um receptor entre as células . Uma droga que possa bloquear o receptor seria então uma nova arma contra a AIDS.Outra aplicação industrial para a qual se outorgou numerosas patentes é a associação com condição X0, onde X é qualquer coisa, desde câncer até criminalidade. Já estão à venda 740 provas de genes patenteadas, entre elas o BRCA1 e BRCA2, genes vinculados ao câncer de mama em mulher. Já se passaram anos do lançamento das provas, mas os pesquisadores ainda não sabem até que ponto estes genes contribuem para o risco de câncer de mama, mas é precisamente esta ignorância que alimenta a febre de ouro em torno ao genoma humano na bioinformática."Vale a pena conhecer um pouco da história. Decifrar um código é algo extremamente difícil. Os alemães perderam a guerra, quando sua máquina codificadora foi apreendida pelos poloneses. O governo dos EUA encarregou a um grupo de geneticistas a decodificação do código naval japonês. Eles, depois de árduo trabalho, conseguiram sucesso e este foi o fator mais importante para a vitória.Hoje há 31.000 genes compostos de três bilhões de bases, constituídos de quatro letras. A elaboração de um programa de informática para "ler" e "compreender" estas seqüências acelerará o decifrar ou decodificar um trabalho que duraria milênios para algumas dezenas de anos.Craig Venter, diretor da Celera, empresa que "se antecipou" e transformou o "projeto público" do genoma em um projeto privado, quando do anúncio da conclusão do HUGO disse: "Este é um dia histórico nos cem mil anos da história da humanidade." Celera tem poderosos interesses na área de bioinformática. Pois com os dados do genoma e bons software pode vender serviços com alta exclusividade.As grandes empresas Syngenta, Aventis, Monsanto, Bayer, Eli Lilly, Pfizer e outras estão adquirindo estes programas informatizados e subscrevendo o acesso às informações da Celera e

8 Goodfield, J. "Brincando de Deus", Ed. Itatiaia, 1998, Belo Horizonte.9 Folha de São Paulo: Cientista critica sequenciamento; Masood, E. "New Scientist")

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similares. O mesmo vêm fazendo os institutos, universidades e acadêmicos, por módicas anuidades, que variam de trinta milhões a dois mil dólares, respectivamente. Isto permitirá acessar e trabalhar diversos tipos de dados genéticos.A bioinformática permite "predizer" a semelhança e homologia entre uma seqüência nova de bases, a partir de uma base de dados e então patentear a seqüência "previamente". Contudo, a homologia de seqüências não garante a homologia de funções, mas as empresas têm, no seu nascedouro, no século dezenove, as plantas que eram levadas para a extração e síntese do princípio ativo. Agora, não há muita diferença, pois a síntese dar-se-á sobre um molde da seqüência de bases e não sobre os extratos naturais, e o produto terá um desvio similar do que ocorreu há duzentos anos atrás.Dentro de dez a trinta anos, então, já teremos condições na bioinformática de acelerar o grande Projeto do Proteoma, embora o mesmo tenha iniciado há muito. A vantagem do proteoma é que identifica onde e quando os genes estão ativos e as propriedades das proteínas codificadas nos genes. Decifrar as complexas relações entre genes e proteínas e entre diferentes proteínas é o grande atrativo de investimentos, após o "fracasso" do HUGO, para as grandes empresas de "Life Sciences".Agora, terminado o seqüenciamento do genoma humano e instalação da bioinformática, os resultados e principalmente os interesses constituídos e instituídos apontam para um novo norte: o proteoma humano.Conhecendo a estrutura protéica, é possível realizar investigações de inibidores e ativadores específicos antes de realizar custosos experimentos bioquímicos em laboratórios. Até o presente, determinou-se, através de cristalografia de difração de raios X, menos de 1% das proteínas preditas.O estudo do proteoma permitirá saber quantas proteínas um gene produz, mas ainda não permite saber como isto acontece antes mesmo da transcrição, o que obrigaria a cálculos de arranjos, análise combinatória e fatoriais de critérios e parâmetros integrados, com um custo assustador.O campo pós-proteoma será o campo onde a ecologia do gene, com sua auto e sinecologia genética permitirá saber que estamos, novamente, indo em sentido contrário ao da ciência - eliminar as causas -, mas no sentido certo dos investimentos - corrigir os efeitos -. Nada muda!A preocupação das transnacionais e governos não é eliminar as causas das doenças do homem, para livrá-lo de males, mas, principalmente, para vender produtos e serviços que o torne diferenciado.As empresas farmacêuticas querem apenas criar e comercializar melhores corretivos para os efeitos.Entre nós, as opiniões externadas por geneticistas após a publicação do "fracasso" do HUGO passaram a enaltecer sua importância para o futuro da medicina e saúde pública.Logo, a proposta agora é determinar o "Proteoma Humano", ou seja, todas as proteínas produzidas pelos genes sob as mais diversas condições, situações e combinações.O Projeto Genoma Humano visou seqüenciar todos os "genes" ao longo da fita de DNA, para encontrar todas as respostas. Isto não levou a obter bons resultados, pois as respostas não são encontradas nos genes.Para o Projeto Proteoma Humano, não haverá uma propaganda pública, com todos os estímulos e imagens, ao contrário, os estudos serão cercados de sigilos, segredos, pois cada proteína expressa pelos seu(s) gene(s) sob as condições do corpo/ambiente dará ao seu descobridor o poder supremo do controle.Uma proteína que ative um tumor ou a produção de um hormônio, desencadeará um processo industrial de imenso valor econômico, político, social, militar, religioso, etc.Para se entender o "fracasso" do Projeto Genoma e o "futuro brilhante" do Projeto Proteoma podemos trazer a figura da sinfonia.Uma sinfonia é única, seja ela de Bethoven, Carlos Gomes ou Villa-Lobos. Cada nota musical é um gene, logo a partitura é o genoma; os instrumentos musicais são os RNAs ; o músico é o ambiente; o som produzido é a proteína, e a execução da obra completa é o proteoma. Cada regente produz um proteoma diferente na execução de uma mesma sinfonia, conforme seus músicos e instrumentos.Uma partitura pode ser executada com um, dois, dezenas ou centenas de instrumentos, na qual alguma combinação de notas musicais pode não existir ou ser executada e até alguns instrumentos

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podem não ser acionados, mas nem por isso as notas ou os músicos são retirados da orquestra (organismo vivo). Inclusive pequenos erros de execução ou afinamento podem sequer ser notados.O maestro desta orquestra genética é o metabolismo que orienta, dirige a todos os músicos, que lêem a partitura e executam as notas solicitadas através de gestos e acordes.No Seminário sobre Transgênicos organizado pelo governo da Paraíba, em novembro de 2000, recebemos a pergunta do representante da Monsanto: - Uma senhora, mãe de três filhos com mongolismo, em início de nova gestação, foi aconselhada a abortar. Não o fez e assim a humanidade pode conhecer Bethoven. O representante da empresa da soja transgênica resistente ao herbicida homônimo usava um argumento estranho para aquele momento, mas recebeu sua resposta. Aqui, somos levados ao artigo de Mae Wan Ho1010, que vale a pena transcrever:"Mas quão confiáveis são as provas genéticas para predizer o que ocorrerá com o indivíduo? Dois médicos-geneticistas, Neil Holtzman e Thereza Marteau, advertiram desde o New England Journal of Medicine, que o 'Manto genético' que atualmente se coloca sobre todas as doenças 'poderia terminar por ser como a nova roupa do rei'".Como vários cientistas assinalaram, a maioria das doenças são complexas, e portanto as correlações entre genes e doenças são débeis. As associações entre uma doença e um "marcador genético" (ou função desconhecida) pode produzir-se por casualidade. É bem verdade que foi identificada a localização de vários genes vinculados a doenças em determinadas regiões de cromossomas específicos, mas não se encontrou marcadores claros para a asma, hipertensão, esquizofrenia, desordens bipolares e outras alterações apesar de intensos esforços.Maior êxito tiveram as pesquisas de genes de suscetibilidade ao câncer de mama e de cólon, diabetes e mal de Alzheimer, mas, em cada caso, representam menos de três por cento dos casos. Isto acontece porque o risco da doença depende não só de outros genes mas também de fatores ambientais. A identificação de genes de suscetibilidade é dificultada quando, em uma doença, entra em jogo diferentes combinações de genes, o que significa que será muito difícil encontrar a quantidade suficiente de pacientes que sirvam como sujeitos de pesquisa em um estudo.Holtzman e Marteau concluíram: "Em nossa pressa por adaptar a medicina à genética, perdemos de vista outras possibilidades de melhorar a saúde pública. As diferenças de estrutura social, estilos de vida e ambiente são responsáveis por uma proporção muito maior de doenças. Aqueles que devem elaborar as políticas médicas para a próxima década deveriam olhar bem, além de toda esta bagunça."Vejamos aquilo que se nos oferece.A seqüência do genoma humano, nos diz que permitirá aos geneticistas: * curar o câncer; * compreender mais sobre as doenças, e, portanto, elaborar medicamentos melhores; * projetar curas personalizadas baseadas em nossa conformação genética individual; * prescrever um estilo de vida individual baseado na conformação genética.Mais questionáveis são os anúncios do que se poderá: * diagnosticar os genes "maus" que provocam doenças; * identificar os genes "bons" responsáveis por qualidades desejáveis, como longevidade, inteligência, beleza, habilidade nos desportes; * substituir os genes "maus" através de terapia genética; * criar o "melhoramento genético" introduzindo genes "bons"; * criar "bebês projetados" e seres humanos superiores.Na realidade, a única oferta concreta do mapeamento do genoma humano são as centenas de provas genéticas patenteadas. O elevado custo das provas impede que elas sejam utilizadas em casos em que poderiam beneficiar os pacientes, oferecendo um diagnóstico. Ao mesmo tempo, as pessoas sãs que tiveram um resultado positivo nas provas poderiam sofrer uma discriminação genética e até correr o risco de perder o emprego e a possibilidade de contar com um seguro de vida. O valor do diagnóstico para condições nas que não há cura é muito questionável. A identificação de genes "bons" e "maus" também alenta o retorno da eugenia, presente na história de grande parte do século XX. Isto é exacerbado pelo pensamento predominante de determinismo genético, que faz surgir como imprescindível até a aplicação mais perniciosa da tecnologia genética.Há um grupo de cientistas que promovem ativamente a engenharia genética humana não só em

1 0 Revista Sur, Nº l11/112, páginas 30 a 35, janeiro/fevereiro de 2001, Montevidéu

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"terapia gênica" para doenças desta ordem, mas também para melhorar a constituição genética de crianças cujos pais podem pagar por este privilégio e não têm restrições contra a clonagem humana. De muitas maneiras, esta é a forma mais sutil do marketing para que prospere o negócio. Não é por casualidade, pois, que a Fundação Novartis convidou o eugenista Arthur Jensen para falar em uma reunião científica sobre a inteligência. Jensen é conhecido por suas teorias que insistem em que os negros são geneticamente inferiores em inteligência aos brancos, portanto, todos os esforços para melhorar a educação de crianças negras incapacitadas estão fadadas ao insucesso.Passados dez anos do anúncio de que já tinham as ferramentas para criar um ser humano, é óbvio que os geneticistas não encontraram a chave para fazer sequer a mais pequena bactéria ou minhoca simples. Tampouco ninguém foi curado de uma doença com base na informação genética.É por tudo isto que, atualmente, paira um ar de realismo na comunidade científica do setor público. "Durante muito tempo acreditou-se erroneamente, que, quando se fizesse a seqüência do DNA, teríamos toda a informação sobre quem somos, por que adoecemos e por que envelhecemos. Bem, ainda faltam muitos anos para chegarmos a este conhecimento". Este comentário é de Richard K. Wilson, da Universidade de Washington, sócio do consórcio público. Deveria ter dito que este erro de concepção foi perpetrado pelos próprios proponentes do HUGO. E ele ainda segue prometendo um conhecimento total para dentro de alguns anos. Mas o HUGO chegará a algo?Em lugar de deter-me nas promessas mais questionáveis do projeto, desejo concentrar-me no que oferece e que em grande medida é considerado benéfico e que não oferece questionamento. (...)(...) A associação entre a condição e os genes específicos ou marcadores genéticos reduz-se a uma tênue "predisposição" ou "suscetibilidade".A "predisposição" ao câncer, por exemplo, oculta o fato de que se deixaram de lado importantes fatores ambientais, como as centenas de reconhecidos cancerígenos industriais que contaminam o ambiente. É bem sabido que a incidência de câncer aumenta com a industrialização e com o uso de agrotóxicos. As mulheres dos países asiáticos não industrializados têm uma incidência menor de câncer de mama que as mulheres que vivem nos países industrializados do Ocidente. Mas, quando as mulheres asiáticas migram para a Europa e Estados Unidos, sua incidência eleva-se ao mesmo nível que o das mulheres européias dentro de uma mesma geração. De igual forma, quando, em Israel, proibiu-se o DDT e outros agrotóxicos, a mortalidade por câncer de mama de mulheres pré-menopáusica caiu em 30 por cento.A maioria das causas de doenças são ambientais e sociais. Esta é a conclusão dos resultados de uma série de pesquisas.O enfoque determinista do HUGO é nocivo, porque distrai a atenção e os recursos das soluções das verdadeiras causas das doenças e, ao mesmo tempo, estigmatiza as vítimas e alenta as tendências eugenistas da sociedade. A saúde dos países estaria infinitamente melhor atendida ao se destinarem recursos para impedir a contaminação ambiental e erradicar-se os agrotóxicos, em lugar de identificar os genes que "predispõem" as pessoas às doenças. A Sociedade Real do Reino Unido produziu um relatório em julho, que reclama uma coordenação nacional e internacional para resolver os perigos e ameaças aos seres humanos e a vida selvagem pelos produtos químicos que alteram o sistema endócrino, substâncias que se acredita bloqueiam os hormônios naturais em quantidades muito pequenas como para desencadear uma resposta tóxica convencional. (...)(...) Tentar compreender a doença em termos de interações de genes e proteínas é pior que tentar compreender como funciona uma máquina em termos de roscas e parafusos, simplesmente porque as partes do organismo, diferentemente das de uma máquina, estão indissoluvelmente vinculadas entre si. É muito pouco provável que uma compreensão mecanicista das partes atuantes leve ao descobrimento de melhores medicamentos. Para isso necessitamos conhecer o projeto do organismo humano. E não há informações sobre as interações de genes e proteínas que alcance para descobrir o complexo conjunto que é o organismo. (...)(...) Se você ainda segue pensando que a informação para fazer um ser humano está escrita em nosso genoma, só saiba que até 95 por cento do genoma humano pode ser de DNA lixo, assim chamado por que ninguém sabe qual é a sua função. O mesmo se dá em todos os genomas dos organismos superiores.

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É difícil ver alguma estratégia definitiva dentro da bioinformação e proteoma que compense, tanto em termos de compreensão básica do organismo humano como um todo ou em termos de curas milagrosas e drogas maravilhosas. Não há nada mais que a proliferação de informação cada vez mais detalhada de genes e proteínas que enchem algumas páginas de revistas científicas na última década. O milhão de proteínas codificadas pelos 100.000 genes interatuam entre si, com os próprios genes e com pequenos "cofatores" e "mensageiros" moleculares. Estas interações variam em diferentes células e tecidos e em diferentes momentos, submetidos às respostas do ambiente, que podem alterar os próprios genes, e daí em cascata a todas as interações envolvidas. Tudo isso é a realidade do genoma fluído e adaptável, que ainda escapa aos sacerdotes da genômica e bioinformática. A possibilidade de compreender o ser humano por uma detalhada descrição de suas partes moleculares é basicamente nula.Necessitamos é de uma salto quântico para um novo paradigma para compreender o organismo como um conjunto coerente. Sem isto, a pesquisa do genoma humano seguirá sendo um buraco negro científico e financeiro que consome todos recursos públicos e privados sem dar nada em troca, nem aos investidores nem à saúde das nações."Por outro lado, recebemos a informação dos geneticistas que não repousa nos genes exclusivamente a importância e complexidade da evolução humana, como era enfatizado pelas empresas, institutos e apregoadores do bilionário estudo do genoma.A influência do meio (celular, corporal e ambiental) é o principal responsável pela complexidade evolutiva de pai e mãe para filho ou filha.Semente, seja vegetal, animal ou humana é transcendência, é ressurreição, é o princípio e o fim, a unidade de perpetuação da espécie e elemento de resistência e avanço evolutivo. É também a máxima concentração potencial de energia de um organismo vivo. Ela contém genes. Genes são vectores temporais que convertem energia em matéria, ordem a partir da ordem, para continuidade da vida.Evolução é a energia convertida em matéria para garantir a biodiversidade, ou seja, a desordem que gera a ordem. 11 Este sistema não pode ser binário, pois há a necessidade de suficiente matéria para as duas conversões energéticas anteriores.Será que é obscurantismo afirmar isto?A leitura da informação abaixo permite um outro nível de discernimento.Imagens muito bem trabalhadas, como a matéria abaixo, da seção Ciência e Vida de "O Globo", página 30, de 23 de fevereiro de 2001, sob a manchete:Ganhadores de Nobel defendem estudo polêmico".(Washington) Oitenta ganhadores de prêmios Nobel assinaram um documento destinado ao presidente dos EUA George W. Bush, pedindo que o governo americano dê apoio e financie pesquisas com células-tronco embrionárias.Segundo o jornal "Washington Post", a carta foi encaminhada à Casa Branca. Nela, cientistas premiados como James Watson, ganhador do Nobel de Medicina de 1962 por ter descoberto junto com Francis Crick a estrutura da dupla hélice do DNA em 1953, alegam que as pesquisas com células-tronco são capazes de levar à cura de males como câncer, diabetes e paralisia.A carta foi enviada três semanas antes do fim do prazo dado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) americanos para cientistas solicitarem permissão para a realização deste tipo de pesquisas, já aprovada na Grã-Bretanha.Por enquanto, nos EUA, a manipulação de células-tronco só podem ser feita por empresas privadas e sem nenhuma verba pública.Imoral seria proibir pesquisas, dizem cientistas.Segundo os pesquisadores, "imoral é proibir pesquisas como as que usam células- tronco, com grandes possibilidades terapêuticas". O texto se refere à polêmica que envolve o estudo, já que as células-tronco mais capazes de sofrerem diferenciação em laboratório, originando outras células e tecidos do corpo, são justamente as de embriões, que precisam ser extraídas e clonadas durante as pesquisas.

1 1 Pinheiro, S. "Cartilha das Sementes", Ed. F. Juquira Candiru, Porto Alegre, 1999.

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O último parágrafo da informação "esclarece" que o abaixo-assinado foi elaborado,.. [apresentado, pois o lobby nos EUA é legal...] e distribuído pela interessada, mas não permite que seja observado o principal da matéria: a empresa Advanced Cell Technology não está interessada nem fazendo "lobby" por pesquisas, mas está interessada em verbas públicas, o que é muito diferente.Confirmando: a imagem continuará sendo tudo, embora cada vez mais se veja, menos se enxerga. Os premiados foram apenas objetos.Cabe a pergunta óbvia: Estão os signatários contra ao "Núcleo da Espiritualidade", da Pró-Reitoria de Extensão plenos de objetividade ou antecipam-se?Saibam que nunca, ao longo de toda a humanidade, uma guerra sequer foi feita em nome do diabo. Todas foram feitas em nome de Deus. Por outro lado, a sabedoria popular diz: "o martelo vê tudo como prego".No X Encontro para a Nova Consciência, em Campina Grande, Paraíba, durante o carnaval de 2001, o físico francês Patrick Drouot, em sua conferência sobre espaço-tempo, colocou que os aborígenes da Polinésia entendem o tempo de forma muito particular, pois crêem que o futuro fica atrás, e o passado à nossa frente. Sem qualquer desrespeito, podemos entender os signatários do referido documento, dentro dessa lógica.Nós a comprovamos na forma muito peculiar, como encontramos a Ìyalòrìsa (sacerdotisa) Ìya Sandra Medeiros Epega, a quem, imediatamente, perguntamos sobre o uso ritual do "niebe" nos cultos afro-religiosos da costa Oeste da África. Ela rapidamente explicou que o "feijão sopinha" é usado no preparado de comidas sagradas como o "funfun" . É usado nas bodas para trazer sorte e fertilidade. Quando os bebês nascem é usado para se fazer patuás para proteger a saúde e o espírito.Agregou ainda a babalaorixá, que, nas casas onde nasce o "niebe", não há fome, miséria ou tristeza, pois ele traz boas energias.O dramático é que no tráfico de escravos junto com os mesmos era entregue uma quantidade de semente de "niebe", para que o escravo tivesse o alimento nutricional (será que os traficantes sabiam, também, da mística?).Segundo Eduardo Galeano, em seu livro "Memoria del Fuego - Las Caras y las máscaras" há um poema que estampamos, autorizadamente, na última página de nossa Cartilha dos Transgênicos11:Elas levam a vida no cabelo"Por muito negro que crucifiquem ou pendurem de um gancho de ferro atravessado nas costelas, são incessantes as fugas desde as quatrocentas plantações da costa do Suriname. No interior da floresta, um leão negro ondeia na bandeira amarela dos chimarões.Não havendo balas, as armas disparam pedrinhas ou botões de osso; porém, a espessura impenetrável é a melhor aliada contra os colonos holandeses.Antes de fugir, as escravas roubam grãos de arroz e de milho, pepitas de trigo, feijão e sementes de abóboras. Suas enormes cabeleiras transformam-se em celeiros. Quando chegam aos refúgios abertos no matagal, as mulheres sacodem suas cabeças e fecundam, assim a terra livre"As escravas, quando fugiam, carregavam, no meio da cabeleira, sementes de "feijão sopinha". Podemos dizer que não só para alimento do corpo, mas para fecundar a nova terra do quilombo e ter felicidade.Sem pretensões acadêmicas, verdadeiras ou falsas, podemos dizer que seguramente é assim que o "niebe" chega a Tavares e Mostardas.Seu resgate pelo Sr. Luís Agnello Martins, atual vice-prefeito de Tavares, neste momento de grande renascimento, deve ir além de uma recuperação utilitária de biodiversidade ou mercado. É a saga da história da humanidade.A pergunta: Como os colonos açorianos, que chegaram muito depois dos africanos, assumiram este alimento e os rituais similares, conforme nos repassou o Técnico em Agricultura Tadeu Perciúncula, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mostardas?Há a necessidade de um resgate e renascimento do essencialismo, e, fim à heteronomia.Cobraram-nos que o "feijão sopinha" não está divulgando a universidade, quando deveria ser o contrário. É isto que cremos estarmos fazendo, com repercussão, além de impedir a estruturação do poder deste saber, pois o homem é o sujeito e a estrutura é o objeto - satyagraha.

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Quando a Ìya Sandra, durante sua conferência no X Encontro para a Nova Consciência, disse que devemos derrubar as altas muralhas da Universidade e levar a ela a sabedoria, lembramos do cientista autodidata "Gordo" Agnello, e do jardineiro Hoehne, do Museu Nacional, do Rio de Janeiro, que recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Göttingen, na Alemanha, por sua fecundidade científica ou Margaleff, o contínuo da Universidade de Barcelona, que da mesma forma, transformou-se em ícone da ecologia mundial.São necessárias muito mais satyagrahas, pois as muralhas referidas, embora virtuais, são bem mais resistentes que as de Jericó.Requeremos as autorizações éticas do "Gordo Agnello" e dos nossos interlocutores sindicalistas de Mostardas, para dispor de suas informações, sabedorias e merecer as dádivas religiosas da Ìya Sandra Epega, pois sem isto, não seguiremos Gandhi: "Seja a mudança que você deseja na sociedade".É o que recomenda Schopenhauer: - "O futuro de suas vidas repousa na ética de suas crenças".Satyagraha.(O texto abaixo, que não está corrigido ou verificado historicamente, é um exemplo)

BOVÉ ESPIATÓRIO

Quem lembra da Guerra do Vietnã (62-72), quando os sacerdotes budistas - bonzos -, com suas túnicas alaranjadas, protestavam contra a invasão norte-americana, imolando-se com gasolina e fogo. As cenas repetidas na TV mundial eram, no início, exóticas, depois, bizarras e, finalmente, trágicas. Aquelas imagens mudaram o rumo da guerra e abalaram profundamente o império racista e fascista dos Estados Unidos. Imagem é tudo.A mídia é instantânea, hoje, grupos de pessoas arrancam plantas e destroem experimentos na Irlanda, Suíça, Índia, França, Espanha, México e Brasil. As imagens são exóticas. A imprensa os qualifica de fanáticos, intransigentes, neoluddistas, baderneiros, etc., mas não fala das imolações (suicídios em Karnataka - Índia). Da mesma forma, ela anuncia o novo sucesso da engenharia genética, o macaquinho com genes de medusa (água-viva) que brilha fosforescente no escuro, mas não o mostra, pois, obviamente, imagem continua sendo tudo.Brecht lapidou: "É fácil culpar a violência e fúria das águas, mas, por que não questionar também as margens que as comprimem?"O bode expiatório é Bové, mas, com ou sem ele, a Estação Experimental da Monsanto em Não-Me-Toque/RS seria invadida e as plantas destruídas, pois foi organizada por movimentos políticos.Os movimentos políticos organizam-se para a conquista do poder e assim agem. Tudo vale: ignorar e desrespeitar as leis, constranger direitos e deveres, causar comoção psicossocial e prejuízos econômicos e até provocar imolações humanas ou renegar a ciência. As ações são pautadas pela capacidade de reação e repressão do estado de direito estabelecido.O Estado Nacional de direito foi construído sobre a memória cívica e império das leis, mas, como tal, está superado politicamente - pela ascensão dos blocos econômicos e financeiramente pela globalização de mercados. Ambos papéis, agora encenados pelas transnacionais no campo das políticas públicas de sociedades. O mundo, hoje, é um condomínio disputando novas regras. Cidadãos e organizações lutam contra suas perdas, que serão maiores quanto maiores forem a exclusão e a miséria. Estas são as imagens de Seattle, Praga, Davos ou Porto Alegre. Há polaridade e polarização.Bové será condenado na França, mas ele já sabia disto no momento em que pensou seus atos de desobediência civil e globalização de sua cidadania comunitária. Entretanto, no Estado Nacional caricato e periférico, como o nosso, as elites e oligarquias não querem ver a trava no olho e usam a memória cívica em proveito próprio de forma utilitária.Entre nós, ele sequer foi detido, e todos sabem disso, pois ele é um cidadão sujeito, presidente de uma confederação de agricultores e não um brasileiro objeto. Sua punição foi, na verdade, uma imagem para empanar internacionalmente o ato organizado pelo MST e governo do RS.Reconheçamos, foi uma estratégia inteligente da oligarquia local usar o Bové, objeto, para consolidar os transgênicos, sujeito, na imagem da mídia internacional e simultaneamente condenar

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o movimento e "governo popular", quando a globalização anda em sentido contrário, e os transgênicos estão em todo os países e blocos econômicos acima das leis nacionais e comunitárias desregulamentadas.Devemos voltar no tempo e memória, pois, quando o socialista Mitterand convidou o cacique tchucaramãe Raoni para visitar Paris, a mesma elite viu ali o interesse gaulês na biodiversidade amazônica. Podia existir, mas não se interessou em ver outras coisas, como a extinção étnica ou o genocídio cultural, por exemplo.Não esqueçamos que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, no final da década de 30, exigiu o retorno da prostituta francesa Gigi, que servia a elite do Congresso Nacional e políticos togados ou fardados. Elas não tiveram pejo e pediram a intervenção da Gestapo de Hitler, para trazer de volta tão belo tesouro levado pela Zwei Migdal, empresa internacional de prostituição.Em 1999, quatro plantios de milho transgênicos foram destruídos no RS, em Teutônia, Cruzeiro do Sul, Panambi e Palmeira das Missões, muito antes do "vandalismo" do Monsieur Bové, em seu país. Embora registrado na polícia, não houve atitudes.A lei nacional de biossegurança, a constituição estadual e a lei estadual 9453/91 determinam a imediata comunicação, pelos responsáveis, do ato de vandalismo. A Monsanto, dona de um destes experimentos, não tomou qualquer atitude, a não ser 360 dias depois dele ocorrer solicitar o seu descredenciamento para trabalhar com biossegurança, solicitando o cancelamento do seu Certificado de Qualidade em Bio-Segurança - CQB.O governo do Estado do Rio Grande do Sul tampouco tomou qualquer atitude, embora tenha, pouco tempo antes, notificado uma Estação Oficial de Pesquisas, em Passo Fundo/RS, por experimentar transgênicos ao mesmo tempo que não tomou qualquer atitude contra um funcionário da Secretaria da Agricultura, que foi à Argentina e trouxe sementes contrabandeadas, que plantou dentro da Estação Experimental de Júlio de Castilhos/RS.Na Estação Experimental da Monsanto, em Não-Me-Toque/RS, foram plantadas, em outubro de 1998, 400 hectares clandestinas e ilegais de soja transgênica Roundup Ready. Quais as atitudes tomadas? - Apenas a apreensão do produto (fiel depositário).Vamos vociferar Mitterand, lembrar Gigi, desancar a Zwei Migdal e louvar a Gestapo de Hitler?Memória cívica constrói uma nação e povo. Nos idos de 1978, anos de chumbo, anunciou-se a chegada da temível Peste Suína Africana.O Canadá enviou imediatamente uma equipe de cientistas para o Rio de Janeiro centro e foco do problema. Eles haviam ajudado os cubanos, quando da epidemia de PSA no início da década. No Rio de Janeiro, os cientistas canadenses ficaram apenas 48 horas e retornaram ao seu país, sem dizer uma palavra sequer, em público.Os reprodutores suínos nacionais foram sacrificados a tiros de metralhadora em todo o RS, SC, PR. O Deputado Jauri de Oliveira, MDB/RS enviou amostras de sangue caprino para o Centro Internacional de Epizootias, no Rio de Janeiro e obteve a resposta positivo para PSA. Os canadenses retiraram-se por vergonha e honestidade.Acautelem-se os "pró & contra Bové" ou os "pró & contra a vaca louca", seus riscos e dificuldade de diagnósticos em países de terceiro mundo.No Fórum Social Mundial, recebemos duas matérias da Folha de São Paulo com a denúncia de importação de farinha de carne da Grã-Bretanha e de animais vivos na última década. Os europeus, canadenses e norte-americanos estão às voltas com a doença da vaca louca, até mesmo em cervos, alces e não sabem como se dá a infecção e passagem da proteína infecciosa. Os alemães afirmam que a farinha de carne contaminada usada como adubo na terra tem capacidade de contaminar porcos.O Brasil, consciente, importou grandes quantidades de farinha de carne da Grã-Bretanha, até recentemente. É o que consta na internet. Da mesma forma que, quando recebeu de volta as cargas de farinha de polpa de laranja contaminada por dioxinas, o destino foi o gado leiteiro do centro do país.A respeito da vaca louca, vimos dois ministros de estado alemães serem demitidos por deixarem um relatório com os últimos acontecimentos sobre a sua pasta durante um fim de semana, sem

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providências.Aqui, fazem-se passeatas, manifestações, reuniões de políticos oportunistas e arrota-se bravata, quando o problema da vaca louca deveria ter um comitê de crise permanente dentro do Ministério das Relações Exteriores, pois o crescimento das exportações de carne canadense é maior que o brasileiro. Por outro lado, o pessoal do Ministério da Agricultura não teve competência e seriedade sequer para ler um fax canadense, dando margem à ação dos mesmos.O mais exótico é que as elites e oligarquia brasileira estão com toda a razão: pois a Nova Ordem Internacional, do Banco Mundial, OMC e FMI impedem que normas de saúde, como as alegadas pelo Canadá, e meio ambiente impeçam o livre comércio internacional. Hoje, toda e qualquer portaria ministerial brasileira, que interfira no comércio internacional, precisa, previamente, ser avalizada pela Organização Mundial do Comércio.Mas, assim como na fábula, não importa para onde corre o regato, quando o lobo quer comer o cordeirinho. Sobre a BSE, Kreutzfeld-Jakob, talvez, em 2025, tenhamos respostas.Até lá quem saberá quem foram Gigi, Zwei Migdal, Raoni ou Bové?A imagem continuará sendo tudo. Por outro lado: Em 12 de Fevereiro de 2001, anunciou-se a conclusão do mapeamento do genoma humano, com uma grande surpresa.Esperava-se encontrar mais de cem mil genes, contudo a realidade é inferior a trinta e um mil genes.Dizem os "neolombrosianos" que há uma grande quantidade de "DNA lixo", sem função. Será? O que dirão, dentro de cinco anos, os "avatares da satyagraha"?