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A música e sua importância A Música Dia 22 de novembro se comemora o dia do músico. Você já imaginou um mundo sem música? Esta não é uma reflexão muito recorrente. Mas, de fato, não é possível conceber tal conceito. Ouvimos música desde o ventre de nossas mães, e continuamos a ter contato com tal arte durante toda a vida. A música está presente nas brincadeiras de nossa infância, nos rituais religiosos, nas festas da adolescência, nos casamentos. Sempre haverá uma música para recordar um momento da vida. Com ela, podemos ficar felizes, eufóricos, pensativos, angustiados, fazer-nos recordar de pessoas queridas, de amores antigos e de momentos marcantes... Enfim, em um mundo onde aprendemos a "ver para crer", a invisível arte dos sons rompe as barreiras da "razão" humana, e nos mostra o quão fascinante é o universo dos sentidos. Dia de Santa Cecília A origem desta data comemorativa está ligada ao calendário católico, sendo este dia dedicado à Santa Cecília. Esta santa é considerada padroeira dos músicos e da música, pois os relatos afirmam que, quando ela estava à beira da morte, cantou em louvor a Deus. Embora não se tenha muitas informações sobre sua vida, é provável que a santa tenha sido martirizada entre 176 e 180, sob o império de Marco Aurélio. Muito venerada na Idade Média, ainda hoje Santa Cecília é a santa católica com mais basílicas na cidade de Roma, além de ser a primeira santa encontrada com o corpo incorrupto, no ano de 1599. Santa Cecília e um anjo. Quadro de Jacques Blanchard (1600-1638), óleo sobre tela. Disponível (acesso: 17.10.2014): http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Blanchard,_Jacques _-_Saint_Cecilia_-_17th_c.jpg?uselang=pt Música, a “arte das musasA origem da palavra "música" vem do termo grego μουσική τέχνη - musiké téchne, ou a arte das musas. Segundo o mito, após a vitória sobre os Titãs, os deuses solicitaram a Zeus que fossem criadas divindades capazes de cantar a glória do Olimpo. Zeus, então, partilhou o leito com a deusa Mnemósine (deusa da memória), durante nove noites consecutivas. Mnemósine deu à luz a nove musas” ou “cantoras divinas, cujos coros e hinos, alegrariam o coração de Zeus e dos imortais. A cada uma das nove musas eram atribuídas qualidades pessoais marcantes, como a bela e eloquente voz de Calíope, a capacidade poética de Melpôneme, a música cerimonial de Polímnia, a dança rodopiante de Tersícore, os dons proféticos da astróloga Urânia, e assim por diante.

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Page 1: A música e sua importância · Barulho, som ou música? A música é constituída de sons que se harmonizam, combinam; e, por isso, nos são agradáveis. Mas, o que é o som?

A música e sua importância

A Música Dia 22 de novembro se comemora o dia do músico. Você já imaginou um mundo sem música? Esta não é uma reflexão muito recorrente. Mas, de fato, não é possível conceber tal conceito. Ouvimos música desde o ventre de nossas mães, e continuamos a ter contato com tal arte durante toda a vida. A música está presente nas brincadeiras de nossa infância, nos rituais religiosos, nas festas da adolescência, nos casamentos. Sempre haverá uma música para recordar um momento da vida. Com ela, podemos ficar felizes, eufóricos, pensativos, angustiados, fazer-nos recordar de pessoas queridas, de amores antigos e de momentos marcantes... Enfim, em um mundo onde aprendemos a "ver para crer", a invisível arte dos sons rompe as barreiras da "razão" humana, e nos mostra o quão fascinante é o universo dos sentidos.

Dia de Santa Cecília A origem desta data comemorativa está ligada ao calendário católico, sendo este dia dedicado à Santa Cecília. Esta santa é considerada padroeira dos músicos e da música, pois os relatos afirmam que, quando ela estava à beira da morte, cantou em louvor a Deus. Embora não se tenha muitas informações sobre sua vida, é provável que a santa tenha sido martirizada entre 176 e 180, sob o império de Marco Aurélio. Muito venerada na Idade Média, ainda hoje Santa Cecília é a santa católica com mais basílicas na cidade de Roma, além de ser a primeira santa encontrada com o corpo incorrupto, no ano de 1599.

Santa Cecília e um anjo. Quadro de Jacques Blanchard (1600-1638), óleo sobre tela.

Disponível (acesso: 17.10.2014): http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Blanchard,_Jacques

_-_Saint_Cecilia_-_17th_c.jpg?uselang=pt

Música, a “arte das musas” A origem da palavra "música" vem do termo grego μουσική τέχνη - musiké téchne, ou a “arte das musas”. Segundo o mito, após a vitória sobre os Titãs, os deuses solicitaram a Zeus que fossem criadas divindades capazes de cantar a glória do Olimpo. Zeus, então, partilhou o leito com a deusa Mnemósine (deusa da memória), durante nove noites consecutivas. Mnemósine deu à luz a nove “musas” ou “cantoras divinas”, cujos coros e hinos, alegrariam o coração de Zeus e dos imortais. A cada uma das nove musas eram atribuídas qualidades pessoais marcantes, como a bela e eloquente voz de Calíope, a capacidade poética de Melpôneme, a música cerimonial de Polímnia, a dança rodopiante de Tersícore, os dons proféticos da astróloga Urânia, e assim por diante.

Page 2: A música e sua importância · Barulho, som ou música? A música é constituída de sons que se harmonizam, combinam; e, por isso, nos são agradáveis. Mas, o que é o som?

As musas cantavam o passado, o presente e o futuro, sendo muitas vezes acompanhadas pela lira do deus Apolo. Originalmente, as musas eram as “ninfas” dos rios e lagos; e, possivelmente seu culto originou-se na antiga província do império romano, a Trácia, atualmente localizada entre a Grécia, Turquia e Bulgária. Das encostas escarpadas da Trácia desciam vários córregos, produzindo sons que sugeriam uma música natural, levando a crer que a montanha era habitada por deusas amantes da música.

Apolo e as nove musas. Apolo toca, acompanhando o coro das nove musas gregas, no Monte Parnasus, uma de suas “moradas”. Óleo sobre tela de Samuel Woodforde (1763-1817).

Disponível (acesso: 17.10.2014): http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Samuel_Woodforde_-_Apollo_and_the_Muses_on_Parnassus_(after_Raphael),_1804.jpg?us

elang=pt

Mas, as musas não tinham papel apenas ligado às artes e às técnicas musicais. Segundo o poeta grego Hesíodo (750-650 a.C.), as musas acompanhavam os reis, inspirando-os e persuadindo-os a serenar as guerras e restabelecer a paz entre os homens. Hesíodo afirmou que um cantor que celebrasse as façanhas dos homens do passado ou os deuses felizes, seria capaz de fazer com que as pessoas se esquecessem das inquietações e sofrimentos. É bastante conhecido o nosso ditado popular “quem canta, seus males espanta”. Segundo os gregos antigos, a música deve ser tão apreciada quanto temida, uma vez que não se pode resistir à sua influência. A música representa uma espécie de transe ou estágio irracional da consciência, e que, por isso, pode ser usada para fins tanto nobres quanto perversos. Em um trecho do poema épico de Homero, “Odisséia”, o personagem Odisseu se amarra ao mastro do navio, e ordena à tripulação que tampe os ouvidos com cera, para não serem enfeitiçados pelo canto das sereias. Esse mito é considerado um símbolo da busca do homem ocidental pela razão, uma vez que Odisseu prefere negar o transe imposto pela música, para conseguir prosseguir em sua viagem. Essa capacidade da música é bastante significativa, principalmente quando observamos sua presença marcante em todos os cultos, religiões e rituais. Nas igrejas cristãs, nota-se o papel central da música na catequização, e nos procedimentos ritualísticos dos cultos. Nas religiões orientais, os “mantras” (cantos que estimulam a expansão da consciência) são profundamente estudados e praticados pelos discípulos. Nas religiões de matriz africana, os “pontos” (hinos dedicados a entidades espirituais ou forças da natureza) são indispensáveis na invocação das divindades ou guias espirituais. Mais especificamente no candomblé e na umbanda, o tambor é um objeto sagrado ao qual se deve prestar reverência. Por mais que tais religiões sejam completamente distintas em suas crenças e fundamentos, elas mantêm essa característica em comum: o transe ou a elevação dos sentidos, estimulados pela música.

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Barulho, som ou música? A música é constituída de sons que se harmonizam, combinam; e, por isso, nos são agradáveis. Mas, o que é o som? Uma única nota musical que se prolonga é constituída de ondas sonoras iguais, formadas pela compressão e descompressão contínua das partículas do ar. Ou seja, as moléculas de nitrogênio, oxigênio etc. se aproximam e se afastam e essas ondas se projetam em todas as direções. É isso que acontece quando acionamos uma corda de violão: ela vibra rapidamente, agitando as moléculas do ar em seu entorno, aproximando-as e afastando-as num padrão constante, formando ondas que são invisíveis, mas que possuem comprimento e amplitude, como toda onda possui.

Ondas sonoras A vibração das moléculas, se aproximando ou se afastando em um padrão fixo, constitui uma onda sonora contínua, que nada mais é que uma nota musical.

Disponível (acesso: 17.10.2014): http://commons.wikimedia.org/wiki/File:CPT-

sound-physical-manifestation.svg

Seguem abaixo alguns vídeos que mostram diferentes fenômenos ondulatórios sonoros, como a ressonância e até a execução de duas músicas usando apenas taças de cristal e água; além de

muita técnica do instrumentista.

Vídeo 1 – Ressonância https://www.youtube.com/watch?v=4a5hMEghwac

Vídeo 2 – Nona sinfonia de Beethoven com taças de cristal e água

https://www.youtube.com/watch?v=-70Iv8nHz6A#t=12

Vídeo 3 – Tema de Harry Potter com taças de cristal e água

https://www.youtube.com/watch?v=QDM__fRDtBg

Quando duas ou mais notas musicais se harmonizam, é porque há semelhanças entre suas frequências e ciclos e, por isso, nos parecem agradáveis aos ouvidos. Quando a corda de um instrumento está “desafinada” em relação às demais, é porque as ondas produzidas por essa corda não produzem ciclos que se harmonizam com os das outras cordas do instrumento. Quando ouvimos um barulho irritante, como o arrastar de uma cadeira, por exemplo, é porque as ondas sonoras produzidas são várias e desarmônicas entre si. O volume muito alto de um som, mesmo que seja harmônico e belo, pode ser irritante e causar problemas de audição, como é o caso do uso descuidado de fones de ouvido e das poderosas caixas de som instaladas em automóveis. No caso dos instrumentos musicais, cada um tem um “timbre” especial, ou seja, uma forma de expressar as notas de maneira particular, dependendo da qualidade do material de que é formado, como o metal, madeira, plástico ou de película de couro natural ou sintético (para o caso dos tambores). Todas as dimensões e tratamentos dados ao material na fabricação do instrumento influenciam no seu timbre.

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Melodia, ritmo e harmonia A música é composta, de maneira concreta, por três elementos: a “melodia”, o “ritmo” e a “harmonia”, que exercem diferentes funções. Para maior compreensão, faremos a correlação de tais elementos aos sentidos e à psique humana. Assim como a música, o "ser" humano é constituído de três aspectos primordiais: o sentimento, o corpo (inserção no tempo-espaço), e o intelecto. É interessante observar que tanto na música, como na psique, não é possível que nenhum dos aspectos se desenvolva de forma independente. Na canção, há ainda a letra da música, mas não entraremos nesse quesito, por se tratar mais do aspecto literário da escrita, da poesia textual, ainda que aplicado à música. 1 - Ritmo O ritmo se concerne à duração e acentuação dos sons executados, de maneira coordenada. A origem da palavra vem do grego rythmos, que conceitua qualquer movimento simétrico, constante e regular. De maneira geral, a música segue essa definição, mas há alguns gêneros contemporâneos que não se prendem à simetria ou regularidade. Deve-se salientar que o ritmo está contido em todos os instrumentos que executam uma música, incluindo a voz, pois onde há movimento constante, há ritmo. Ainda assim, os instrumentos mais marcantes na definição do ritmo na música, são as percussões (bateria, pandeiro, bongô, caxixi, etc.). É o ritmo que dá movimento ao corpo na dança. Na “partitura” (sistema de representação da música), o ritmo é dado a partir da variação de tempo de cada nota, enquanto são executadas. O tempo das notas é representado pelas seguintes figuras:

A mesma nota em diferentes tempos.

A mesma nota musical aparece aqui representada em diferentes “tempos” ou “durações”, sendo que as notas mais rápidas têm tempos de frações menores (1/2, 1/8, etc.) em relação à primeira nota (duração 1).

Na relação com a psique humana, podemos dizer que o ritmo é o que situa o "ser" no tempo/ espaço. Ele é sentido no corpo e no movimento. É o único que pode nos estabelecer no tempo presente, pois a mente está sempre um "passo" à frente ou atrás. É necessário que haja ritmo, pra que se haja vida. Nosso coração bate num ritmo, assim como nossa respiração, ou nosso caminhar possui um ritmo. Todo movimento regular, é ritmo. Seja no corpo, no espaço, na Terra, ou no universo, o ritmo estará presente. 2 - Melodia Melodia é um encadeamento de notas em sequência lógica escolhida pelo compositor. As notas encadeadas em uma melodia possuem “altura” (grave, médio e agudo), “duração” (tempo/ritmo), “intensidade” (volume) e “acentuação” (força de impulsão inicial na execução da nota). Todos esses elementos são responsáveis por produzir uma melodia. Pode-se dizer que é ela que carrega a "digital" da música, pois somente a melodia é capaz de identificar a obra musical. No cotidiano, quando uma pessoa quer demonstrar uma música para alguém, ela costuma assoviá-la ou cantá-la. A sequência de notas que assoviamos ou cantamos em “frases musicais” é a melodia daquela música.

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A melodia pode ser reproduzida por qualquer instrumento que reproduza notas musicais, como flauta, voz, violino, saxofone, etc. Chamamos tais instrumentos de "instrumentos melódicos". Violão, piano, cavaquinho, dentre outros, também podem reproduzir uma melodia, mas além de serem instrumentos melódicos, são também harmônicos, como veremos adiante. Na partitura, a nota é representada pela sua colocação sobre as linhas ou sobre os espaços do “pentagrama” (conjunto de cinco linhas onde é escrita a partitura). Na partitura, quanto mais acima está colocada a nota no pentagrama, mais aguda ela está; e, quanto mais abaixo, mais grave. Observe a ilustração seguinte:

Notas musicais do “dó” mais grave, subindo pelas linhas do pentagrama.

Observe que a representação acima começa de um “dó” grave até um “si”, depois passando para outra sequência de “dó” até “si”, mais aguda. Podemos dizer, então, que foram representadas duas “oitavas”.

Na música ocidental, utilizamos doze notas: 1) Dó; 2) Dó# (sustenido) ou Réb (bemol); 3) Ré; 4) Ré# ou Mib; 5) Mi ou Fáb; 6) Mi# ou Fá; 7) Fá# ou Solb; 8) Sol; 9) Sol# ou Láb; 10) Lá; 11) Lá# ou Sib; 11) Si ou Dób; 12) Si# ou Dó. Esse ciclo (de um “dó” mais grave a um “dó” mais agudo) se repete infinitamente; podendo “descer” para os mais graves ou “subir” para os mais agudos. Subindo ou descendo, podemos alcançar até aos níveis de frequência inaudíveis ao ouvido humano, como o infrassom (som grave inaudível) e o ultrassom (som agudo inaudível). Na psique humana, é a melodia que mais desperta as emoções. Já nos primórdios, os gregos usavam diferentes tipos de escalas, para inspirar reações diversas que vão do impulso guerreiro, ao romantismo inebriante. Em uma analogia, a melodia pode ser considerada a "alma" da música. 3 - Harmonia A “harmonia” é o encadeamento dos acordes que estão contidos em uma música. Portanto, antes de entender o que é a harmonia, devemos entender o que é o “acorde”. Um acorde consiste na sobreposição de notas com intervalo de “terças” (“saltando” um grau); como, por exemplo, a partir de um “dó” qualquer (1º grau da escala de “dó maior”), achamos o “mi” e o “sol” (3º e 5º graus). “Sobrepondo” (tocando ao mesmo tempo) as “terças” de uma nota, forma-se o acorde referente à mesma. Ou seja, esses “intervalos de terças” nos dão as notas musicais cujas ondas sonoras mais “combinam” entre si, podendo ser tocadas ao mesmo tempo, o que constitui um “acorde”. A sequência combinada de acordes, tocados ao longo da música, acompanhando a melodia, é o que chamamos de “harmonia”.

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Os acordes são simbolizados por letras e ícones denominados “cifras”. Normalmente, a harmonia é tocada por instrumentos que sejam capazes de executar várias notas ao mesmo tempo, como o violão, a guitarra e o piano, chamados de “instrumentos harmônicos”. Mas, os “instrumentos melódicos”, como a voz, as flautas e violinos, também podem desempenhar um papel harmônico em uma música, desde que tocados em conjunto, como acontece nas apresentações de orquestra, pois cada um emite apenas um som por vez. Na ilustração abaixo, temos os acordes respectivos ao campo harmônico de “Dó maior”:

Acordes da tonalidade de “dó maior”.

O primeiro é o “dó maior” (C), seguido por “ré menor” (Dm), “mi menor” (Em), “fá maior” (F), “sol maior” (G), “lá maior” (A) e “si diminuto” (Bo). Cada acorde é formado por três notas,

tocadas simultaneamente ou em “arpejo”, em intervalos de “terças”.

Na psique humana, pode-se dizer que a harmonia é parâmetro mais ligado ao intelecto; pois, para desenvolvê-la, é necessário raciocínio lógico, além de conhecimentos necessários sobre teoria musical. Através da harmonia, se dá o “colorido” e a “direção” da melodia. Popularmente, chamamos a harmonia de “acompanhamento”.

A Música no Brasil Pode-se dizer que vivemos em um país culturalmente privilegiado, e a música tem um papel muito importante na nossa identidade cultural. Seria possível imaginar o Brasil sem samba? E quanto ao forró, baião, frevo, maracatu? Não se pode negar que o povo brasileiro é criativo e festivo! Mas, além de tudo isso, possui uma capacidade "antropofágica" surpreendente; ou seja, a capacidade de “comer e digerir” diferentes culturas, assimilando-as para si. Ao analisarmos a música brasileira, podemos encontrar características com as mais diversas origens, tais como a africana, indígena, europeia, norte-americana, latino-americana, etc. Mesmo com tantos elementos "digeridos" na música brasileira, mantém-se intacta a sua identidade, reconhecida no mundo inteiro. Observação: Literalmente, “antropofagia” é o ato de comer carne humana, praticado por um homem; ou seja, “canibalismo”. Este termo foi ressignificado durante a Semana de Arte Moderna, em 1922, com um viés puramente cultural. Neste sentido, antropofagia, aplicada à cultura, descreve a capacidade de "digerirmos" e “assimilarmos” qualquer elemento cultural com o qual tenhamos contato. 1. A influência dos índios Os indígenas foram os primeiros habitantes do Brasil; e muito antes do "descobrimento" em 1500, já possuíam seus costumes estabelecidos. A música era um desses costumes, embora com elementos bastante distintos da música europeia. Ainda assim, a música europeia foi intensamente usada durante a catequização, realizada por padres jesuítas. Embora a cultura indígena tenha sido dizimada pelos colonizadores, com o passar dos séculos, é possível perceber que alguns aspectos sobrevivem fortemente na música brasileira. Um bom exemplo é o tradicional Carimbó, do Pará.

ÁUDIO 1

No link abaixo pode ser ouvida a música "Carimbó Chamegado", da cantora paraense Dona Onete: https://soundcloud.com/donaonete/07-carimb-chamegado

Disponível (acesso em 19/10/2014).

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Carimbó Chamegado

(D. Onete)

Que carimbó é esse

De toque maneiro

Gostoso, brejeiro

De onde é que tu vem

Vim do Baixo Tocantins

Pra tocar aqui em Belém

Que carimbó é esse

De toque maneiro

Gostoso, brejeiro

De onde é que tu é

Das cabeceiras dos rios

Dos lados dos igarapés

Onde a canarama é viçosa

E o tapete é mururé (Bis)

Sou carimbó de água doce

Muito diferenciado

Porque tenho o toque maneiro

Meu suingue é chamegado

Lá o branco, o negro e o índio

Deixou tudo misturado

Lundu, bangüê, carimbó

Síria, o tambor de nagô

Toada de boi bumbá

Que carimbó é esse...

Um tambor é couro de cobra

Outro é couro de veado

De um pedaço de panela

Fiz um banjo improvisado

Minha flauta é de madeira

Reco-reco é de bambu

De uma cuia fiz maraca

Com lágrimas de Nossa Senhora

De uma lata eu fiz milheiro

Da raiz da sapupema construí

minha viola

Que carimbó é esse...

Caboclo do interior, caboclo do

interior

O caboclo é dançador, o caboclo

é tocador

2. A música "clássica" no Brasil Com a "corrida do ouro" em Minas Gerais no século 18, formou-se em Vila Rica (atual Ouro Preto) a base para o florescimento de uma “arte colonial”. É importante observar que, durante o Brasil colônia, a música não era considerada uma arte da nobreza, que estava mais ligada à literatura. Ainda assim, senhores com mais poder e influência, além da Igreja Católica, ostentavam suas orquestras formadas por escravos. Produzia-se muita música para eventos da corte portuguesa e principalmente com fins litúrgicos.

ÁUDIO 2

Segue, no link abaixo, um exemplo de música litúrgica composta pelo padre José Maurício Nunes Garcia, que é a “Missa de Santa Cecília”. Lembramos que essa santa é a padroeira dos músicos,

cuja data religiosa se tornou o “Dia do Músico”: https://www.youtube.com/watch?v=xsKdB04Y4as

Disponível (acesso em 19/10/2014)

Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830, Rio de Janeiro, RJ) - Missa de Santa Cecília CPM 113 - 01. Kyrie, Executado pela Orquestra Sinfônica Brasileira (Edoardo de Guarnieri, diretor) e Associação de Canto Coral (Cleofe

Person de Mattos, diretor), 1959, Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Brasil.

Outro período de suma importância para a história da música clássica brasileira foi o “modernismo brasileiro”. A Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922, representa um marco no desenvolvimento das artes; pois, a partir daí, se dá uma ruptura com o passado, buscando-se novas formas de linguagem literária, musical e nas artes plásticas, com mais liberdade criativa, e buscando uma identidade realmente brasileira, livre da estética e dos padrões europeus. Nesse evento, que reuniu grandes nomes da cultura brasileira, o “discurso antropofágico” foi um elemento muito presente, defendendo uma maior inclusão de elementos da cultura popular, unindo-os às diversas influências da cultura universal. Na música, destaca-se a obra de Heitor Villa-Lobos (1887 - 1959), considerado um dos maiores compositores de todos os tempos. Em sua obra, nota-se uma busca por elementos de brasilidade, em diálogo com uma estética composicional com base nos expoentes da música erudita, principalmente a europeia.

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Villa-Lobos criou o “canto orfeônico” para o ensino de música nas escolas brasileiras, adotado durante o governo de Getúlio Vargas, mas que lamentavelmente foi abandonado na década de 1960.

ÁUDIO 3 No exemplo do link abaixo, Villa-Lobos tenta reproduzir o ambiente das

lendas amazônicas, fazendo constante referência ao canto do uirapuru, cujo canto é considerado o mais belo dentre todos os

pássaros do mundo: https://www.youtube.com/watch?v=Wgh8CzHPKok

Disponível (acesso em 19/10/2014) Heitor Villa-Lobos (1887 - 1959), Uirapuru, W133 (Symphonic poem for orchestra) (1917), Orquesta Sinfonica de RTVE, Regente: Carlos Kalmar.

Heitor Villa-Lobos, foto de 1922. Villa-Lobos é admirado e respeitado por grandes nomes da música mundial, dentre

eles o maestro e compositor popular brasileiro Tom Jobim. Disponível (acesso: 18.10.2014):

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Heitor_Vila-Lobos_(c._1922).jpg

Outra grande referência da música erudita, que dialoga constantemente com gêneros mais populares, é o maestro e compositor Guerra-Peixe (1914 - 1993). Completa-se, em 2014, o seu centenário. Guerra-Peixe possui vasta obra, e atuou também como professor. Compôs trilhas para cinema, músicas para orquestra de câmera, grandes orquestras, piano solo, violão solo, além de pesquisar a cultura popular, trabalhar como arranjador em grandes rádios, e dirigir discos de música popular.

ÁUDIO 4 No link abaixo, pode-se escutar uma obra considerada clássica, na qual é clara a referência ao

baião, ritmo popular típico do nordeste. Além da rítmica, percebe-se um caráter melódico baseado na estética nordestina:

https://www.youtube.com/watch?v=26Wx-lolMJM Disponível (acesso em 19/10/2014)

Obra de César Guerra-Peixe, executada pela Rio Strings Orchestra.

A Música Popular Brasileira

Diz-se música popular brasileira (MPB) aquela que é feita pelo povo brasileiro. Tal informação parece óbvia, mas o que se percebe é uma certa confusão nesta definição. O estilo “arrocha” é MPB? Claro que sim! Assim como o “funk carioca”, o “axé music”, o “techno brega”, a “bossa nova” e o “forró”. Mas, o que a maior parte desses e outros gêneros, que fazem parte da MPB, têm em comum? A resposta é simples: a "africanidade". A matriz africana é latente na música popular do Brasil. E não seria exagerado dizer que a música popular de todo o ocidente tem matriz africana. Voltando ao Brasil, comecemos a embasar essa afirmação, conceituando a origem e significado do nome do gênero que mais representa o país: o samba. A palavra tem origem em um dos dialetos da África bantu, mais especificamente em Angola, chamado kimbundo. Linguistas acreditam que a palavra “samba”, deriva de semba, que pode ser traduzida simplesmente como “umbigada”. Semba

Page 9: A música e sua importância · Barulho, som ou música? A música é constituída de sons que se harmonizam, combinam; e, por isso, nos são agradáveis. Mas, o que é o som?

também é o nome de um dos gêneros mais populares da música angolana, surgido em meados dos anos 50, e é possível realmente encontrar um parentesco sonoro com a música brasileira, ao ouvir o “semba angolano”:

ÁUDIO 5 https://www.youtube.com/watch?v=Lufvdo12-vY

Matias Damásio -- Dikindo. Disponível (acesso 19/10/2014) É interessante observar como o samba está presente na alma da música brasileira, pois as batucadas têm origens muito semelhantes. O Rio de Janeiro foi realmente o "caldeirão", por ser a primeira capital da república, para onde se dirigiam imigrantes de todas as partes do país para tentar a vida. Ali, então, se encontraram diversos "sotaques", para a consolidação do "ritmo do Brasil". Mas, as batucadas estão presentes em todo o país, e a música brasileira tem diversos "sotaques". Abaixo estão listados alguns sambas que não têm a pretensão de imprimir uma característica a cada região ou estado, pois para tal, seria necessário um estudo mais profundo. Também, não é possível caracterizar o "sotaque" de uma região com apenas uma música. Ainda assim, exemplificamos alguns sambas de autoria de indivíduos de diferentes estados, para que possamos apreciar algumas das diferentes características regionais. ÁUDIO 6 Samba de partido alto (Rio de Janeiro): https://www.youtube.com/watch?v=-CS9MZSfPaQ Zeca Pagodinho – “Deixa a vida me levar”. Acesso 19/10/2014. ÁUDIO 7 Samba paulista: https://www.youtube.com/watch?v=plOezZ6936Y Adoniran Barbosa – “Samba do Arnesto”. Acesso 19/10/2014. ÁUDIO 8 Samba rural paulista: https://www.youtube.com/watch?v=HdD8NVOrq7o Toniquinho Batuqueiro – “Ditado Antigo”. Acesso 19/10/2014. ÁUDIO 9 Samba de roda (Bahia): https://www.youtube.com/watch?v=2m7XrvnnQZg Roque Ferreira – “Luz de Candeeiro”. Acesso 19/10/2014. ÁUDIO 10 Samba de Minas Gerais: https://www.youtube.com/watch?v=iqEBPq6nvPU Compositor: Armando Fernandes / Intérprete: Clara Nunes - “Tristeza e Pé No Chão”. Acesso 19/10/2014. ÁUDIO 11 Samba do Espírito Santo: https://www.youtube.com/watch?v=MrBMj4pWwSc Compositor: desconhecido / Intérprete: Martinho da Vila - Madalena do Jucu. Acesso 19/10/2014.

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Foi na capital da república também que os elementos musicais europeus se consolidaram na música popular brasileira. O surgimento do funcionalismo público gerou uma nova classe assalariada, que tinha na música de salão, um importante símbolo de status quo. Tal classe apreciava a música, mas não tinha poder aquisitivo para ter um piano em casa. Assim, surgem os conjuntos regionais, conhecidos como "chorões", tendo na formação o cavaquinho, o violão e a flauta. Esses grupos executavam ritmos europeus como a polca, a valsa, o schottisch, a mazurca, e vários outros ritmos. Mais tarde, o contato com os morros cariocas, acabou por incorporar as percussões ao regional, consolidando a formação do que, hoje, chamamos carinhosamente de “chorinho”.

Temos como grande expoente deste gênero, o saxofonista carioca Alfredo da Rocha Vianna Filho, conhecido como “Pixinguinha”. ÁUDIO 12 Abaixo, um “choro” de sua autoria: https://www.youtube.com/watch?v=yLAh6-nxtk4 - Acesso 19/10/2014 “Um a Zero” - Pixinguinha.

As cantoras Elizeth Cardoso e Clementina de Jesus, ao lado dos compositores Cartola e Pixinguinha, ao

saxofone (no alto, à esquerda).

Pixinguinha e o famoso trompetista de jazz americano, Louis Armstrong (acima).

Os compositores Tom Jobim, Pixinguinha, João da Bahiana

(autor do primeiro samba gravado da história) e Chico Buarque (ao lado).

Fotos obtidas do site Templo Cultural Delfos

http://www.elfikurten.com.br/2012/03/pixinguinha-o-mestre-do-catumbi.html

ÁUDIO 13 No link abaixo, ouça a canção considerada a mais conhecida pelos brasileiros, de todos os tempos, o "samba-canção" “Carinhoso”, em gravação na voz de Marisa Monte, acompanhada por Paulinho da Viola.

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https://www.youtube.com/watch?v=8IhqXDQkWpQ Disponível (acesso 19/10/2014) “Carinhoso” – de Pixinguinha, com letra de Braguinha. Considerações finais Sabemos que a música é um assunto muito vasto, que reúne aspectos culturais, étnicos, geográficos, históricos e estéticos muito variados. Somente para falar da música brasileira, precisaríamos nos referir a mais de uma centena de nomes importantes, todos merecedores de destaque. A música popular brasileira é a mais rica do mundo em variedade rítmica, melódica e harmônica; e, além disso, historicamente, a qualidade das letras de muitas das nossas canções é comparável às melhores produções literárias da cultura mundial, tendo incorporado, inclusive, importantes poetas da literatura ao seu grupo de grandes letristas. Nos exemplos indicados, procurou-se apenas simbolizar a riqueza e a amplitude cultural brasileira, cuja grandeza não cabe em apenas um texto, exigindo um aprofundamento para cada um dos gêneros representativos da nossa música popular. Elegeu-se, aqui, o samba e o choro como esses “símbolos”, pela representatividade e pelas conexões com as matrizes da música europeia e africana. Ainda assim, não se pode deixar de ao menos citar ritmos como o côco, o maracatu, o frevo, o bumba-meu-boi, dentre tantos outros. Há também movimentos de destaque, como a bossa nova, o movimento armorial pernambucano, o clube da esquina em Minas Gerais, etc. Enfim, percebe-se, que a grandeza da música brasileira realmente não “cabe” no papel. Educação musical nas escolas A música sempre esteve presente como objeto central da cultura. Através dela, pode-se conhecer o mundo, entender e respeitar mais o próximo, facilitar o desenvolvimento cognitivo, dentre muitos outros aspectos positivos que ela nos traz. Se ficarmos atentos, poderemos perceber o quanto esta arte influencia nossas vidas, e acompanha nosso dia a dia. No Brasil, somos ainda mais privilegiados com tanta diversidade e riqueza. Portanto, o dia 22 de novembro é apenas uma forma de se homenagear um profissional que tem como missão fazer do mundo um lugar melhor para se viver através da arte. Mas, os dias do músico e da música, inevitavelmente, são todos os dias do ano, em que, passivamente ou não, somos arrebatados pela música. Mas, aos poucos, ela vai recuperando o lugar de respeito e destaque na sociedade, e voltando às bases da educação. Desde a extinção do “canto orfeônico” na década de 1960, o ensino de música ficou restrito às aulas de Educação Artística, uma disciplina com pequena carga horária, com um programa muito amplo e, por isso, pouco focado na música. Além disso, ministrada por professores que nem sempre possuem formação musical completa. No dia 18 de agosto de 2008, foi sancionada a Lei Nº 11.769, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas de educação básica. Este é um grande passo para que o brasileiro seja mais consciente e ativo diante desta arte que, mesmo invisível, é importantíssima para toda a humanidade, desde seus primórdios.

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Proposta de Trabalho Em 2014, comemora-se o centenário de três importantes músicos brasileiros: César Guerra-Peixe, Dorival Caymmi e Lupicínio Rodrigues. Sugere-se que o educador divida a classe em três grupos. Cada um dos grupos será responsável por pesquisar um pouco da vida e obra de um destes artistas. A partir dos conhecimentos adquiridos com a leitura do texto, o trabalho deve conter aspectos como:

1. Pequena biografia do artista. 2. Contextualização da época em que o artista viveu. 3. Gêneros ou estilos com os quais o artista dialoga. 4. Gêneros ou estilos que o artista mais representa, e qual a sua importância para este gênero. 5. Contextualização do gênero mais representado pelo artista, dentro da música brasileira. 6. Análise musical crítica de uma obra do artista.

A apresentação do trabalho deverá ser tanto escrita, quanto oral, apresentando pelo menos um áudio da obra escolhida pelo grupo. O educador deve estipular uma data para a entrega do trabalho escrito, e para a apresentação em sala de aula. A avaliação deverá ser feita sobre as duas frentes (escrita e oral).