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A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA Dedilene Alves de Jesus Rio de Janeiro Fevereiro/2016

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A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA

PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA

Dedilene Alves de Jesus

Rio de Janeiro Fevereiro/2016

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A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA

PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA

Dedilene Alves de Jesus

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro como requisito para a

obtenção do Título de Doutora em Língua

Portuguesa (Letras Vernáculas).

Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia Leitão de Almeida

Co-Orientadora: Profª Drª Verena Kewitz (USP)

Rio de Janeiro Fevereiro/2016

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A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA

PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA

Dedilene Alves de Jesus Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida

Co-Orientadora: Professora Doutora Verena Kewitz

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito para

obtenção do título de Doutora em Língua Portuguesa.

Examinada por:

_________________________________________________ Presidente, Profª Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida _________________________________________________ Profª Doutora Verena Kewitz (USP) - Co-Orientadora

_________________________________________________ Profª Doutora Lilian Ferrari – PPGLEF – UFRJ

_________________________________________________ Prof. Doutor Janderson Lemos Souza - PPGL - UNIFESP

_________________________________________________ Profª. Doutora Sandra Pereira Bernardo – UERJ (Suplente)

_________________________________________________ Profª Doutora Mônica Rio Nobre - PPGLEV - UFRJ

_________________________________________________ Prof Doutor José Simões - PPGLE - USP

_______________________________________________________ Prof. Doutor Mauro José Rocha do Nascimento - UFRJ (Suplente)

Rio de Janeiro Fevereiro/2016

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A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA

PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA

Resumo:

O adjetivo privativo foi conceituado por Kamp (1975) como um tipo de adjetivo que

estabelece relações de propriedades para propriedades, isto é, exerce função

modificadora das propriedades intensionais do N. Para identificação do adjetivo

privativo, partimos da disposição de que tal adjetivo é marcado discursivamente pela

paráfrase “o que não é N”, quando associado a um nome ou construção nominal.

Enquadramos o adjetivo privativo nas questões concernentes à modificação

adjetival, amparados em estudos descritivos do português e da Linguística

Cognitiva, no intuito de identificarmos os traços característicos da construção

modificada privativa. Além disso, procuramos vincular a noção de propriedades

intensionais ao conceito de affordance (propriedade invariante do ambiente provida

ao indivíduo), termo emprestado pelas teorias de percepção visual (GIBSON, 1979),

em uma perspectiva corporificada da língua (LAKOFF, 1987). Assim, fizemos uso de

dados coletados pelas ferramentas de busca Google e WebCorp, analisados dentro

dos critérios distribucionais produtivos postulados por Casteleiro (1979) para a

distinção entre adjetivos predicativos e não-predicativos, além da noção de frames e

espaços mentais (FAUCONNIER, 1985) e também do processo de mesclagem

conceptual (FAUCONNIER E TURNER, 2002), para verificarmos as alterações nas

affordances do N em construções A+N/N+A e N+N a partir dos adjetivos falso,

suposto, antigo, provável, possível e postiço.

Palavras-chave: modificação adjetival; adjetivo privativo; mesclagem conceptual;

affordance.

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THE MODIFICATION OF PRIVATIVE ADJECTIVES IN THE

PORTUGUESE LANGUAGE: A COGNITIVE LINGUISTIC

PERSPECTIVE

Abstract:

The privative adjective was conceptualized by Kamp (1975) as a type of adjective

which establishes property relations to properties, that is, it exerts a modifying

function in N’s intentional properties. In order to identify privative adjectives, we

depart from the premise that such adjective is discursively marked by the

paraphrase “what is not N”, when associated to a noun or a nominal construction. We

framed the concept of privative adjective in questions concerning the adjective

modification, supported by Portuguese Language and Cognitive Linguistics, aiming at

identifying traits which are characteristic of modified privative constructions.

Furthermore, we attempted to link the notion of intentional properties to the concept

of affordance (an invariable environmental property provided to the individual), a term

borrowed from visual perception theories (GIBSON, 1979), in an embodied

perspective of language (LAKOFF, 1987). Therefore, we made use of data collected

by the search engines Google e WebCorp, which were analyzed under the

productive distributional criteria postulated by Casteleiro (1979) for the distinction

between predicative and non-predicative adjectives. We also used the notion of

frames mental spaces (FAUCONNIER, 1985) and that of the conceptual blending

process (FAUCONNIER E TURNER, 2002), in order to verify the changes in the

affordances of N in constructions A+N/N+A and N+N focusing on the adjectives false,

supposed, former, probable, possible and fake.

Key-words: adjectival modification; privative adjective; conceptual blending;

affordance.

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Aos Três.

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“Porque Dele e por Ele, para Ele são

todas as coisas. Glória, pois, a Ele

eternamente.”

(Romanos 11.35)

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Criador e eterno Redentor, por tudo o que me proporcionou nesses

quatro anos de estudo. Sou grata a Deus por cada aprendizado, pelas inúmeras

situações proporcionadas nesse período e por me capacitar para a realização desta

pesquisa.

Ao meu esposo, pela paciência e cumplicidade durante os longos períodos de

estudo, pelo ânimo nos momentos de dificuldade e pela compreensão da

importância desse tempo em minha vida.

À minha querida mãe e ao meu pai (in memorian), pelas orações e pelo amor

dedicados a mim. Por tudo o que eles representam em minha vida, pela dignidade

com que me criaram e por terem me ensinado a romper meus limites e ser

perseverante em tudo.

À minha irmã Sirlene, pelas intermináveis conversas sobre tudo,

principalmente pelas palavras de incentivo em momentos de necessidade.

À Malu, minha orientadora-amiga, que soube me direcionar nesse processo

de elaboração da pesquisa, com quem tenho uma relação de quase dez anos (que

certamente não terminará com o doutorado). Obrigada por confiar em mim, por me

incentivar a ir mais longe, pela forma apaixonada com que lida com as pesquisas

linguísticas e a Linguística Cognitiva, por me transmitir um desejo de me esforçar

cada vez mais.

Ao Carlos Alexandre, meu primeiro contato na UFRJ, pelo carinho, incentivo e

preocupação com a minha vida acadêmica. Agradeço pelo respeito e pelas

parcerias.

À Verena Kewitz, pelas contribuições tão precisas sobre o tema. Sinto-me

honrada em te ter como co-orientadora deste trabalho!

Ao Marcelo Leite, meu primeiro orientador na graduação, por ter me apontado

os caminhos da pós-graduação. Não me esqueço das nossas conversas e da forma

como me ajudou no início da minha vida acadêmica.

Às professoras Sandra Bernardo e Lilian Ferrari, pelas preciosas sugestões

durante a qualificação. Obrigada por compartilharem de forma tão generosa os

conhecimentos sobre o assunto.

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Aos colegas nempistas, em especial ao Jorge e à Neide, pelas conversas de

corredor, na salinha e nas redes sociais sobre as affordances. Elas foram muito

importantes para o amadurecimento da pesquisa.

Ao Bruno Ferrari, amigo de longa data, pela generosidade de fazer o abstract

deste trabalho. Valeu, amigo!

À CAPES, pela concessão de bolsa-auxílio nesses dois últimos anos,

essencial para a minha dedicação exclusiva a este trabalho.

Enfim, agradeço aos vários colegas anônimos que em congressos e

simpósios teceram comentários importantes para o avanço nas análises realizadas

nesta pesquisa.

Muito obrigada mesmo!

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO I – EMBASAMENTO TEÓRICO 17

1 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE O ADJETIVO 17

1.1 O adjetivo em língua inglesa 17

1.2 O adjetivo em língua portuguesa 19

2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL 22

2.1 Modificação adjetival: apresentação 22

2.2 A modificação adjetival nas gramáticas 24

2.3 Estudos linguísticos do português sobre a modificação adjetival 25

2.4 Estudos de Linguística Cognitiva sobre a modificação adjetival 28

3 A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA 33

3.1 O termo PRIVATIVO 33

3.2 O modificador adjetival privativo 34

3.3 Modificação adjetival privativa nas Ciências Cognitivas: o modelo de

geração de sentidos

35

3.4 Modificação adjetival privativa no viés da Linguística Cognitiva 38

4 CONCEITOS DA LINGUÍSTICA COGNITIVA SUBJACENTES AO

FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA

41

4.1 Affordance 41

4.1.1 O conceito de Gibson (1979) 41

4.1.2 O conceito de Lakoff (1987) 43

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4.1.3 O conceito de Sweetser (1999) 45

4.1.4 A relação do conceito de affordance com outras teorias cognitivas 46

4.1.5 O conceito de affordance e as propriedades interacionais 49

4.2 Ajuste focal / zonas ativas 50

4.3 Mesclagem conceptual 51

4.4 Contrafactualidade 54

4.5 Relações vitais 55

5 OUTROS CONCEITOS E ABORDAGENS SUBJACENTES AO

FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA

58

5.1 Polissemia 58

5.2 Sistemas complexos e Teoria Multissistêmica da Língua 60

6 ESTUDOS ANALÍTICOS DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA 70

6.1 O modelo de Kamp (1975) 70

6.2 O modelo de Franks (1995) 71

6.3 O modelo de Coulson e Fauconnier (1999) 78

6.4 O modelo de Coulson (2001) 81

6.5 Considerações sobre os modelos analíticos

82

CAPÍTULO II - METODOLOGIA DE PESQUISA E ANÁLISE DE DADOS 84

1 APRESENTAÇÃO 84

2 ANÁLISE PANORÂMICA DO FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL

PRIVATIVA

84

2.1 O corpus WebCorp 85

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2.2 Apresentação dos dados do corpus WebCorp 86

2.3 Proposta de análise 89

2.3.1 Posição do adjetivo 89

2.3.2 Tipo de gênero textual 91

2.3.3 Temática 94

2.4 Considerações sobre a análise 98

3 ANÁLISE ESPECÍFICA DO FENÔMENO DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL

PRIVATIVA EM TEXTOS

100

3.1 O papel do contexto na análise específica das construções privativas 100

3.2 Apresentação dos dados do corpus 101

3.3 Critérios preliminares 104

3.3.1 Tipo de gênero textual 104

3.3.2 Temática 106

3.4 Critérios distribucionais 108

3.4.1 Posição do adjetivo 108

3.4.2 Cadeia referencial 112

3.4.3 Paráfrase 116

3.4.4 Negação 118

3.4.5 Resumo da análise pelos critérios distribucionais 120

3.5 Critérios da Linguística Cognitiva 121

3.5.1 Manutenção das affordances 121

3.5.2 Tipo de mesclagem conceptual 137

3.5.2.1 Antigo/antiga 139

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3.5.2.2 Falso/falsa e postiço/postiça 145

3.6.2.3 Suposto/suposta, possível e provável

148

CAPÍTULO III - CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DAS

CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS

152

1 O PADRÃO DAS CONSTRUÇÕES ADJETIVAS PRIVATIVAS 152

1.1 Construções com antigo/antiga 152

1.2 Construções com falso/falsa 153

1.3 Construções com postiço/postiça 153

1.4 Construções com suposto/suposta 154

1.5 Construções com possível e provável 154

2 QUESTÕES POLISSÊMICAS ENVOLVENDO AS CONSTRUÇÕES

ADJETIVAS PRIVATIVAS

155

3 OS MULTISSISTEMAS ENVOLVIDOS NO FUNCIONAMENTO DAS

CONSTRUÇÕES ADJETIVAS PRIVATIVAS

160

CAPÍTULO IV - PALAVRAS FINAIS 161

REFERÊNCIAS 164

ANEXOS

- CORPUS WEBCORP LIVE

- CORPUS GOOGLE

- CADEIAS REFERENCIAIS - CORPUS GOOGLE

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LISTA DE ESQUEMAS, FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS

TIPO PÁG.

Esquema 1. Esquema parcial de mesclagem conceptual para a construção “likely candidate”

31

Esquema 2. Representação da mesclagem conceptual 53

Esquema 3. Dispositivo sociocognitivo e sistemas da língua 62

Esquema 4. Representação complexa das estruturas de valor-atributo 72

Esquema 5. Representação do processo de união prioritária 72

Esquema 6. Representação do processo de coerção metonímica do type com refutação

73

Esquema 7. Representação do processo de coerção metonímica do type com corte para baixo

73

Esquema 8. Conceitos lexicais para gun (revólver) 74

Esquema 9. Efeito de fake (operador de coerção metonímica) sobre o AVE de gun

74

Esquema 10. Representação global da negação de traços em fake gun 75

Esquema 11. Representação dos conceitos lexicais de lion e stone 75

Esquema 12. Representação global da modificação adjetival privativa em stone lion (processos de união prioritária e coerção metonímica)

76

Esquema 13. Representação do conceito lexical para friend 77

Esquema 14. Representação do item apparent agindo sobre friend 77

Esquema 16. Desdobramento dos espaços mentais na temporalidade 141

Esquema 17. Mesclagem para ‘antigo’ 144

Esquema 18. Mesclagem ara ‘falso’ e ‘postiço’ 147

Esquema 19. Mesclagem para ‘suposto’, ‘provável’ e ‘possível’ 149

Figura 1. Análise de propriedades ausentes 48

Figura 2. Mesclagem conceptual para trashcan basketball 79

Figura 3. Mesclagem conceptual para fake gun 80

Figura 4. Intenção do ator em fake gun 80

Figura 5. Interface do WebCorp Live 85

Figura 6. Contínuo dos adjetivos privativos - categoria de negação 119

Gráfico 1. Percentual das construções privativas 90

Gráfico 2. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes 92

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Gráfico 3. Percentual dos temas mais frequentes nos contextos 96

Gráfico 4. Temas nas notícias 98

Gráfico 5. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes 105

Gráfico 6. Percentual dos temas mais frequentes nos textos 107

Gráfico 7. Percentual das construções privativas nos textos 108

Gráfico 8. Percentual dos elementos nas cadeias referenciais 113

Quadro 1. Classifcação semântica dos adjetivos 34

Quadro 2. A polissemia no mapa conceptual da semântica lexical 59

Tabela 1. Esquema para land yacht, adaptado de Franks (1995) 81

Tabela 2. Representação de integração conceptual para land yacht 82

Tabela 3. Dados do Webcorp 86

Tabela 4. Levantamento dos itens e ocorrência 86-87

Tabelas 5. Gêneros textuais nos contextos da web 91-92

Tabelas 6. Percentual do gênero notícia nas construções 93

Tabelas 7. Temas nos contextos da web 94-95

Tabelas 8. Quantitativo dos temas no gênero notícia 97

Tabela 9. Distribuição dos dados - corpus Google 101-102

Tabelas 10. Gêneros textuais nos contextos 104-105

Tabelas 11. Temas nos textos 106-107

Tabela 12. Percentual da posição do adjetivo 108

Tabela 13. Predomínio dos elementos nas cadeias referenciais 112-113

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14

INTRODUÇÃO

A análise da modificação adjetival privativa não é nova nos estudos de

Linguística Cognitiva, doravante LC. Coulson (2001) e Sweetser (1999) já

apontavam para o caráter privativo em algumas modificações adjetivais e as

consequências desse fenômeno em nível de análise linguística. Estamos

considerando como modificação adjetival privativa o tipo de modificação gerada a

partir de adjetivos que se comportam de forma privativa, ou seja, possuem funções

de propriedades para propriedades, em vez de terem caráter atributivo; é o que

ocorre em “leão de pedra” e “revólver falso”, em que observamos o modificador

agindo na alteração das propriedades intensionais dos nomes, o que nos faz atribuir

o sentido de negação a tais construções – em uma interpretação inicial, leão de

pedra não é um leão (animal) e revólver falso não é um revólver (arma).

O termo ‘privativo’, de forma geral, refere-se a um modificador que anula,

nega ou inverte o valor-base de uma palavra. Nos estudos da língua inglesa, a

privatividade abarca desde classes de palavras (como o adjetivo) até formas presas

como os prefixos. Neste trabalho, consideramos adjetivo privativo a categoria de

adjetivo que particulariza o sentido do substantivo, negando ou questionando

propriedades inerentes ou relacionadas a esse escopo, de acordo com o contexto

discursivo em que esteja inserido. Apesar dos estudos da LC sobre essa questão,

em sua maioria verificando construções em inglês, poucos são os estudos em PB

sobre tal aspecto singular do adjetivo. Ao percebermos essa ‘lacuna’ nos estudos

linguísticos brasileiros, buscamos o embasamento teórico necessário que nos

propiciasse uma análise satisfatória do fenômeno ora citado, a partir de

pressupostos básicos da LC, da noção ontológica de affordance, dos tipos de

relações geradas nos esquemas de mesclagem conceptual e das similaridades e

diferenças estabelecidas entre adjetivos predicativos e não-predicativos segundo

critérios distribucionais produtivos. Também nossa preocupação voltou-se para a

posição do adjetivo no SN, uma vez que a tradição gramatical aponta para a ordem

livre como característica dos predicativos e a ordem fixa como um dos traços dos

não-predicativos.

Quando falamos a respeito da modificação adjetival privativa, o que se

entende é que estamos tratando de uma modificação que ocorre a partir de um tipo

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15

específico de adjetivo. Sabemos, pela classificação tradicional, que se trata de um

adjetivo não-predicativo e, portanto, deveria apresentar uma ordem fixa no SN. Nos

estudos realizados a partir de construções nominais modificadas, vimos que o

padrão da língua inglesa de anteposição do adjetivo não nos permite explanar sobre

a posição do adjetivo, mas em se tratando do português brasileiro, que tem um

padrão linguístico que admite anteposição e posposição do adjetivo, há que se falar

a respeito disso, uma vez que essa questão é relevante na análise de alguns tipos

de modificação privativa.

A concepção de alteração de sentido associada à colocação dos adjetivos é

bastante divulgada nos trabalhos sobre essa classe. De modo geral, a ideia

apresentada nos compêndios gramaticais é a de que, quando se antepõem, os

adjetivos favorecem uma predicação mais subjetiva do substantivo, ressaltando seus

valores afetivos, como em grande homem, cuja significação é excelente homem.

Nos estudos linguísticos do português a respeito da anteposição do adjetivo

em relação ao nome, o que concluímos é o seguinte:

a) a anteposição não altera o sentido do N - mulher bonita / bonita mulher

b) a anteposição intensifica uma propriedade de N - mulher boa / boa mulher

c) a anteposição gera uma ressignificação de N - homem grande / grande

homem

No caso dos adjetivos privativos, não podemos afirmar que se encaixem

adequadamente em uma das categorias, pois temos tanto 'cílios postiços' quanto

'falsa professora' e 'perfil falso'.

Diante desse quadro, há algumas questões a respeito do comportamento da

modificação adjetival privativa que precisam ser analisadas:

a) Existe um princípio geral que norteia a modificação adjetival privativa?

b) Quais os recursos linguísticos colocados à disposição de tal fenômeno, no

que diz respeito aos aspectos lexicais, semânticos e sintáticos?

c) Os recursos linguísticos aparentes na modificação adjetival privativa

apresentam um mesmo comportamento nas construções?

d) Qual o papel das affordances cognitivas na análise da modificação

adjetival privativa?

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16

e) Que tipo de mesclagem conceptual é formada a partir das construções

modificadas privativas?

f) Em que medida o processo de coerção metonímica é essencial na

modificação adjetival privativa?

Inicialmente, apresentamos a conceituação de adjetivo, bem como a

bordagem do sintagma adjetival preposicionado; após, enquadramos a modificação

adjetival nos estudos descritivos/tradicionais e no aporte da Linguística Cognitiva,

tratando da questão da modificação adjetival privativa e suas implicações. A partir

desses embasamentos, debruçamo-nos sobre os conceitos da LC fundamentais

para a análise da modificação adjetival privativa, visando o estabelecimento de um

panorama de adjetivação privativa, a partir de critérios emergentes dos pressupostos

apresentados. Assim, nosso objetivo maior é o de mostrar como ocorre a

modificação adjetival privativa nos contextos discursivos coletados (nas formações

A+N e N+A), para um delineamento em nível multissistêmico (semântico, lexical,

gramatical e discursivo) desse fenômeno no PB.

Assim, dividimos este trabalho em quatro capítulos (I Embasamento Teórico /

II Metodologia de Pesquisa e Análise dos Dados / III Considerações sobre o

comportamento das construções privativas / IV Palavras Finais). No primeiro

capítulo, apresentamos todos os pressupostos necessários para a compreensão do

fenômeno da modificação adjetival - conceituação do adjetivo em língua inglesa e

língua portuguesa, apresentação do fenômeno da modificação adjetival e dos

conceitos de base cognitivista (affordance, predicação relacional, ajuste focal,

mesclagem conceptual, contrafactualidade, relações vitais e polissemia) e

multissistêmica, explanação sobre os estudos analíticos acerca da modificação

adjetiva. No segundo capítulo, apresentamos a metodologia de pesquisa e

realizamos uma análise de dados a partir de dois eixos - um de ordem panorâmica,

para visualizarmos o fenômeno da privatividade de forma genérica; outro de ordem

específica, para tratarmos das questões concernentes ao fenômeno da privatividade

adjetiva a partir de textos. O terceiro capítulo engloba as considerações acerca das

construções privativas, apontando para a descrição do comportamento desses

adjetivos a partir da análise. O quarto e último capítulo busca sumarizar as questões

relativas à modificação adjetival privativa levantadas na introdução deste trabalho.

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17

CAPÍTULO I – EMBASAMENTO TEÓRICO

O objetivo deste capítulo é apresentar os embasamentos relacionados ao

adjetivo e à modificação adjetival privativa, buscando conciliar as abordagens

teóricas que tratam dessa questão no viés da Linguística Cognitiva.

1 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE O ADJETIVO

Nosso intuito neste tópico inicial é apresentar a noção de adjetivo que será

abordada nesta pesquisa, a partir dos estudos acerca do tema que se tornaram

pertinentes para a compreensão do adjetivo como operador sobre o escopo.

Apresentamos o conceito de adjetivo em línguas inglesa e portuguesa.

1.1 O adjetivo em língua inglesa

Quirk et al (1985), em sua gramática de língua inglesa, apresenta as classes

de palavras sob uma perspectiva cognitiva, enfatizando a relação semântica

presente nelas. Nomes são considerados estativos, verbos são dinâmicos (indicando

ação, atividade, mudança, processo) e adjetivos relacionam-se ao aspecto estativo

dos nomes por lhes atribuírem propriedades; advérbios, por apresentarem condições

de tempo e lugar, têm implicação dinâmica. Assim, o esquema para tais classes

seria o seguinte:

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18

Após essa introdução, os autores apresentam uma sistematização na

categorização dos adjetivos, elencando 4 critérios para se considerar um item como

adjetivo1:

1. Adjetivos podem ocorrer livremente em função atributiva, modificando um

nome e na posição entre o determinante e o núcleo do SN: an ugly

painting (uma pintura feia) / dirty water (água suja)

2. Adjetivos podem ocorrer livremente na função predicativa, como

complemento do sujeito ou do objeto: The painting is ugly. (A pintura está

feia.) / He thought the painting ugly. (Ele acha a pintura feia.)

3. Adjetivos podem ser modificados por um intensificador prototípico: The

children are very happy. (As crianças estão muito felizes.)

4. Adjetivos podem apresentar formas comparativas e superlativas: The

children are happier now. (As crianças estão mais felizes agora.) / They are

happiest people I know. (Elas são as pessoas mais felizes que conheço.)

Também apresentam uma classificação sintática para o adjetivo: atributivo

(intensificador e restritivo) e predicativo. Quanto à posição, apontam a anteposição

como forma usual, mas também mostram a posposição ocorrente em adjetivos

predicativos (something useful / algo útil), como resultado de uma cláusula relativa

reduzida (something that is useful / algo que seja útil) e expressões

institucionalizadas (president elect / presidente eleito).

Kennedy (2012), em capítulo de livro sobre filosofia da linguagem, caracteriza

os adjetivos como “expressões que alteram, iluminam ou ajustam o significado dos

nomes” (p. 328), com a finalidade de permitir ‘gradações melhores’ de sentido do

que são possíveis quando o substantivo se apresenta sozinho, isolado. Para ela, a

classe dos adjetivos dispõe de dois eixos: a) semântico - que introduz

propriedades;b) sintático - capaz de funcionar com modificadores. Pela modificação

e atribuição de propriedades pode-se estudar fenômenos como indefinição,

contextualização, relativização, composicionalidade e modalidade.

A linguista também estabelece algumas propriedades distribucionais do

adjetivo:

1 Obviamente, as construções replicadas neste tópico, exemplos dados pelos autores, possuem contextos discursivos que fazem com que seu uso torne-se mais ou menos convencionalizado. Não há como demonstrarmos esses contextos nesta pesquisa, uma vez que o objetivo desta pesquisa não é a comparação de adjetivos de língua inglesa com os de língua portuguesa.

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a) É utilizado como termo predicativo: That stone is weighty. (Essa pedra é

pesada.) / That stone weighs a lot. (Essa pedra pesa muito.)

b) Possibilidade de composição direta com palavras gradativas como rather

(um pouco), very (muito), too (demais), so (tão), enough (bastante) e how

(quanto): The country is too dependente on foreign oil. (O país é

dependente demais do petróleo estrangeiro) / *The country too depends on

foreign oil.

c) Possibilidade de adjunção a nomes, de forma recursiva e direta2, na

estruturação de constituintes complexos: a blue ball (uma bola azul) / a

round blue ball (uma bola azul redonda) / a large round blue ball (uma bola

azul redonda grande)

Kennedy segue a classificação menos tradicional dos adjetivos: intersectivos,

subsectivos e não-subsectivos (privativos)3, na máxima de que todo adjetivo

intersectivo é subsectivo, mas nem todo subsectivo é intersectivo. Exemplificando:

red switch (botão vermelho) é intersectivo porque red denota a interseção entre dois

conjuntos (o de objeto e o de cor), ao passo que big man (homem grande) é

subsectivo porque ‘ser grande’ é relativo a uma propriedade, havendo a

consideração de um conjunto de classes de objetos grandes; então, a máxima

replicada por Kennedy estabelece que adjetivos que denotam propriedades dentro

de um conjunto (como big man) não podem ser considerados como aqueles que

denotam interconexões entre conjuntos (como red switch).

1.2 O adjetivo em língua portuguesa

Said Ali (1964) conceitua o adjetivo como um denotador de qualidade,

propriedade, condição ou estado de um respectivo ser, considerando que existem

palavras que se adjungem a substantivos sem denotarem essas caracterizações, às

2 Por 'recursiva e direta' compreendemos a capacidade de um adjetivo adjungir-se a outros em torno do núcleo

de construções N+A/A+N, de forma coerente e sem a presença de elementos conectivos. 3 A classificação tradicional considera o grupo dos intersectivos (em que as propriedades se interconectam a partir de dois conjuntos diferentes) e subsectivos (em que as propriedades fazem parte de um conjunto maior de propriedades, ou seja, big man é parte de um conjunto relativo a coisas grandes).

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quais ele denomina pronomes adjetivos ou pronomes-adjuntos. Para Rocha Lima

(2008), o adjetivo restringe a significação ampla e genérica do substantivo.

Câmara Jr. (1997, p. 46) define o adjetivo como “palavra de natureza a)

nominal ou b) pronominal, que se associa com um substantivo (v.) e em muitas

línguas fica em concordância com ele”. Na questão sintática, o linguista apresenta a

classificação canônica em qualificativos (de natureza nominal) e determinativos (de

natureza pronominal), considerando-os nomes adjetivos4.

Nessa tipologia de caráter funcional, os adjetivos fazem parte do grupo dos

nomes, subdivididos em substantivos e adjetivos. O autor trabalha a noção de

relativização nesse tipo de categorização, ao apresentar os sintagmas ‘marinheiro

brasileiro’ e ‘brasileiro marinheiro’, em que as funções exercidas pelos itens sofrem

alterações decorrentes da mudança de posição e da intencionalidade discursiva.

Apesar disso, considera que há nomes essencialmente adjetivos (belo, grande) e

outros essencialmente substantivos (homem, leão).

Para Neves (2000), a conceituação do adjetivo recai sobre sua funcionalidade

também: “os adjetivos são usados para atribuir uma propriedade singular a uma

categoria (que já é um conjunto de propriedades) denominada por um substantivo”

(p. 173). Cunha e Cintra (1985) advogam que o adjetivo tem a função de caracterizar

seres, objetos ou noções nomeadas pelo substantivo (rapaz delicado / céu azul),

além de estabelecer com o substantivo uma relação de tempo, espaço, matéria,

finalidade, propriedade e procedência (nota mensal - nota relativa ao mês / casa

paterna - casa onde habitam os pais / vinho português - vinho proveniente de

Portugal), manifestando um caráter de predicação relacional.

No viés da relativização, Neves afirma que, dependendo do substantivo com o

qual se adjungem e o contexto, os adjetivos podem mudar de classe. Ex.: Ele planta

as suas batatas doces e as come - elas são batatas doces (o adjetivo doces é

classificador na primeira ocorrência, mas na segunda ele é qualificador).

Da mesma forma, Perini (1997) problematiza a classificação canônica dos

substantivos e adjetivos a partir de listagens de palavras, sem a consideração de

elementos contextuais importantes para essa percepção. Um dos exemplos

trabalhados pelo autor são as sentenças "Uma palavra amiga (qualidade)" e "Um

amigo fiel (nome de coisa)"; nesses casos, o linguista aponta para três

4 Terminologia utilizada em Câmara Jr. (1970).

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'classificações: uma que abarca as palavras que só podem ser substantivos, outra

em que as palavras só podem ser adjetivos e uma terceira, em que as palavras

podem ser uma ou outra coisa. A conclusão é a de que tais categorizações tornam-

se inadequadas, pois as palavras não podem ser 'encaixotadas', pois há uma

flexibilidade decorrente do uso da palavra.

Outra contribuição relevante para o estudo da categorização de adjetivos e

substantivos é dada por Basílio (2008), ao tratar sobre a problemática classificação

dessas classes de palavras em nível lexical. Por ter uma abordagem lexicalista,

Basílio considera que a proposta de Câmara Jr (1997) não consegue resolver o

problema da classificação de adjetivos e substantivos, pois ao afirmar que há uma

categoria de nomes (abarcando substantivos e adjetivos) ocorre uma implicação

direta nas regras de formação de palavras, que são regidas pela determinação de

classes em muitos casos. Após discorrer sobre o estudo de Lemle a respeito da

nominalização de adjetivos como forma de resolver o impasse da categorização,

Margarida Basílio propõe dois níveis de substantivação do adjetivo: a substantivação

plena e a precária. Para tal empreitada, a linguista aponta, a partir de testes

realizados, adjetivos que modificam nomes referentes a seres humanos (velho,

santo, doido, beato, etc) e adjetivos que modificam nomes referentes a seres não

humanos (absurdo, longo, brilhante,doce, etc).

A substantivação plena ocorre quando "o adjetivo assume integralmente as

propriedades do substantivo" (BASÍLIO, 2008, pg. 16) e a substantivação precária é

o "caso em que o adjetivo, embora ocorrendo como substantivo no contexto sintático

superficial, não é realmente interpretado como substantivo" (IDEM).

Rio-Torto (2006) considera o adjetivo uma classe essencialmente gregária,

não compatível com determinantes ou especificadores, mas com modificadores e

complementos (‘estava uma atmosfera muito pesada’ / ‘fácil de conseguir’, ‘ávido de

poder’). Essa posição teórica também aponta a predicação como um dos processos

relevantes na categorização do adjetivo.

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2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL

É objetivo deste capítulo apresentar o fenômeno da modificação adjetival a

partir de pressupostos formalistas e estudos linguísticos de base cognitivista. Para

isso, apresentaremos o comportamento geral da modificação adjetival, a

categorização realizada por alguns estudos gramaticais e descritivos, bem como a

visão de linguistas cognitivistas a respeito do fenômeno.

2.1 Modificação adjetival: apresentação

Os estudos sobre modificação adjetival têm suscitado algumas questões

fundamentais a respeito do processo em si e dos elementos envolvidos nesse

processo. Para compreendermos essas questões, cabe-nos esclarecer com que tipo

de fenômeno estamos lidando.

A modificação adjetival implica um tipo de predicação. O termo predicação

pode ser entendido como a operação exercida por um modificador sobre um outro

elemento, transferindo a ele propriedades semânticas que antes não lhe eram

disponíveis, fazendo com que tais elementos se constituam em um conteúdo

proposicional (um fato). Nesse processo, podem ocorrer um desses tipos de

transferência para o elemento modificado: a que afeta a intensão, a que afeta a

extensão e a que afeta a modalidade. Em outros termos, temos um predicador e um

argumento envolvidos nessa operação, que deve ser vista como um movimento

ocorrente em nível de elementos de um sintagma, de uma sentença e até de um

texto. Neves (2000) considera que todas as palavras do léxico de uma língua podem

ser analisadas na perspectiva da predicação. Também salientamos que a

predicação é considerada um traço relevante para o estabelecimento da categoria

do adjetivo.

Assim, os elementos presentes em uma predicação adjetiva são geralmente

denominados modificador/operador/predicador (adjetivo) e nome/escopo

(substantivo). Segundo Castilho (2010), o escopo é o termo sobre o qual age um

operador; seria um ‘alvo’ para o qual o predicador se movimenta, na intenção de

gerar modificação em seus traços inerentes. O escopo, na relação predicadora

adjetiva, geralmente é uma classe de nomes que se liga ao mundo dos objetos,

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pessoas e coisas. Nessa relação, o predicador opera sobre essa classe-escopo de

formas distintas, através de processos de qualificação, quantificação, modalização,

localização e focalização (homem bom, saída habitual, raciocínio certo, presente

momento, vida particular), dentre outros.

Obviamente, a relação predicativa na modificação adjetival dependerá de

outros fatores, como a posição do adjetivo em relação ao substantivo (obedecendo a

uma ordem mais livre de anteposição ou posposição5), a possibilidade de

delimitação (especificação) em um conjunto de coisas, dando um sentido subjetivo

para o elemento modificado. Dessa forma, as formas adjetivas que se comportam

dentro desse quadro se caracterizam como adjetivos predicativos (vida simples);

formas adjetivas que possuem uma ordem mais fixa (não admitem movimento em

sua posição relacionada ao substantivo), com indicação mais objetiva para o

substantivo, em um caráter não-vago, são denominadas adjetivos não-predicativos

(indústria alimentícia). Um fator crucial na questão das similaridades e diferenças

entre adjetivos predicativos e não-predicativos é o fato de que os primeiros derivam

de construções relativas, são atributivos (vida simples - a vida que é simples), o que

não ocorre com o outro grupo (indústria alimentícia - *indústria que é alimentícia).

A modificação adjetival abarca formações diversificadas: N+A6 (mulher

bonita), A+N (verdadeira história), N+N (bomba relógio), A+N+A (pequeno ponto

luminoso), N+A+A (sistema nervoso central) e A+A+N (três altas janelas), em

que A corresponde ao adjetivo e N ao substantivo. Nos três últimos casos, temos a

chamada formação de ‘sanduíches adjetivais’ (LEMLE, 1984); no caso de N+N,

observamos que o segundo N tem valor adjetivo. Essas formações podem

manifestar tanto uma relação predicativa quanto uma não-predicativa, dependendo

dos elementos que as constituem. É certo que existe uma tendência, por causa da

ordem fixa, para que as formações A+N e N+N apresentem uma relação não-

predicativa (suposto criminoso / assalto relâmpago), mas isso não pode ser

entendido como regra.

Castilho (2010), na abordagem multissistêmica da língua, também afirma que

a anteposição ou a posposição do adjetivo afeta o processo semântico. Com vistas a

5 Certamente, a mudança de posição pode alterar o sentido da formação: cheiro forte (mais objetivo) / forte

cheiro (mais subjetivo). 6 Utilizamos nesta seção as notações N para substantivo e A para adjetivo como uma reprodução do que é apresentado por Lemle e outros autores de viés formalista que defendem a distinção entre essas classes, embora considerem a questão da flutuação categorial.

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corroborar essa ideia, o autor apresenta os seguintes exemplos: falso estudante /

estudante falso e suposto comunista / comunista suposto. No primeiro elemento,

segundo o linguista, a anteposição do adjetivo tem um efeito negativo sobre o

substantivo (‘alguém que não é estudante’/ ‘alguém que não é comunista’); no

segundo, o item adjetival pressupõe que ‘há um estudante’ e ‘há um comunista’.

Estudos sobre a modificação adjetival têm se realizado de forma produtiva,

desde a perspectiva da linguística gerativa até a cognitiva, tanto pela análise

variacionista mais tradicional quanto pelo uso de processos cognitivos em interface

com outras ciências. Veremos, nos próximos tópicos, uma abordagem resumida

desses estudos.

2.2 A modificação adjetival nas gramáticas

A maioria dos estudos gramaticais sobre a modificação adjetival tecem

classificações a partir do tipo de modificação exercida pelo adjetivo em relação ao

substantivo, em nível semântico, sintático e pragmático.

Bechara (2004) considera a delimitação o traço relevante do

adjetivo, podendo se referir a uma parte ou aspecto do que é delimitado; para o

autor, teríamos grupos delimitadores, expressos por instrumentos verbais

correspondentes: a) explicadores, que destacam uma característica inerente do

nomeado (o vasto oceano); b) especializadores, que marcam limites extensivos e

intensivos na consideração do determinado (a vida inteira) ; c) especificadores, que

restringem a possibilidade de referência do delimitado (menino louro).

Neves (2000) refere-se às duas subclasses de adjetivos: os qualificadores

(predicativos), que englobam relações semânticas de modalização (caminho óbvio)

e avaliação (mulher atraente); os classificadores (não-predicativos), que

correspondem geralmente a SNs do tipo de+nome (locuções adjetivas),

expressando, muitas vezes, noções adverbiais (ano retrasado - anterioridade /

espaço central - localização).

Castilho (2010) reconhece três classes de adjetivos, levando em conta os

pontos de contato entre essa categoria e a dos advérbios. São elas: a) predicativos

de três tipos: (i) modalizadores (verbalizam um juízo emitido sobre o conteúdo do

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substantivo - consequência óbvia), (ii) qualificadores (afetam as propriedades

intensionais da classe-escopo - relativa disposição) e (iii) quantificadores (afetam a

extensão do substantivo - ideia básica); b) não-predicativos ou adjetivos de

verificação - de ordem mais fixa, são os que possuem a característica de promover

uma comparação implícita entre seu escopo e o correspondente sentido prototípico,

a partir do estabelecimento ou não do valor de verdade (casamento religioso, mulher

brasileira); c) dêiticos - dispõem sua classe-escopo numa perspectiva locativa e

temporal, apresentando a subdivisão: (i) dêiticos locativos e (ii) dêiticos temporais

(grupo próximo, mês atual).

Resumidamente, observamos que os estudos gramaticais dedicam-se a

categorizar subclasses semântico-discursivas dos adjetivos, na intenção de apontar

aspectos que aproximam e afastam tal categoria das outras classes de palavras.

Percebemos em Neves (2000) e Castilho (2010) uma tendência para a postulação

de que as fronteiras categoriais do adjetivo são bem mais fluidas do que a gramática

mais normativa apresenta, já que apresentam aspectos adverbiais para a classe.

2.3 Estudos linguísticos do português sobre a modificação adjetival

Borges Neto (1985) é um dos primeiros estudiosos a apresentarem a

problemática da modificação adjetival. Analisando formações N+A+A (comunidade

científica brasileira), A+N+A (pobre menina rica), A+A+N (novos falsos picassos),

N+A (esposa neurótica, mãe ranzinza) e A+N (pior caminho, mero estudante,

suposto comunista), o autor discorre sobre questões conceituais que dificultam a

análise adequada desses casos. Também lança dúvidas a respeito de algumas

dessas predicações (ocorrem em nível sintático, semântico ou pragmático?),

afirmando que as propostas semânticas vigentes para o estudo da posição do

adjetivo não sustentavam a interpretação dos exemplos apresentados. Por fim, o

linguista apresenta a noção de nexo semântico (relação do valor informacional de A

no SN) como um caminho mais confiável para a análise desse tipo de modificação.

A proposta acarretaria a afirmação de que os adjetivos são antepostos porque

mantêm um nexo informacional maior com o N, enquanto os pospostos teriam uma

ligação menor com o N; ou seja, o adjetivo posposto traria mais informação ao N do

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que o anteposto. Mas tal proposta não se aplicaria a casos como falso revólver e

suposto criminoso e mero estudante, conforme o estudo.

Na perspectiva da gramática gerativa, Menuzzi (1992) apresenta o processo

de modificação adjetival a partir da teoria léxico-projetiva, que propõe a análise

desse tipo de modificação pelas relações entre a estrutura argumental de A e a

estrutura argumental do N modificado, levando em conta os efeitos semânticos

sobre a estrutura resultante dessa relação. O estudioso critica a classificação dos

adjetivos em categoremáticos e sincategoremáticos7, argumentando que a análise

somente por entidades linguísticas com traços semânticos seria insatisfatória para

dar conta de todos os casos de modificação adjetival.

Também na linha conceitual, Ilari (1993) argumenta que a concepção de

predicação da gramática tradicional, baseada no funcionamento do adjetivo como

adjunto (que indica propriedades) e predicativo (que delimita, especifica um

conjunto) não dá conta dos usos possíveis dessa categoria. Isso ocorre porque há

fatores como idiomaticidade (elefante branco), papel semântico do núcleo do SN

(pianista calvo/*calvo pianista) e a própria questão não-resolvida dos adjetivos

intensionais (aqueles que não podem ser predicados diretamente do sujeito e que

exigem um complemento que deve ser uma expressão que indique propriedades -

homem grande, muro alto - SN de relações, com natureza comparativa).

Confrontando a visão focada nos predicativos, Castilho e Moraes de Castilho

(1993) fazem a descrição desses adjetivos a partir da amostra do Projeto

NURC/Brasil. Reforçam as características desse tipo de adjetivo, em um paralelismo

com os não-predicativos, na apropriação dos critérios distribucionais apresentados

por Casteleiro (1979) para diferir os dois tipos de adjetivo, em desdobramento da

comparação entre categorias adjetivas e substantivas. A partir dessas

considerações, estabelecem a seguinte categorização para os adjetivos

predicativos:

a) Qualificadores - predicam o que é denotado por N de forma objetiva. São

subclassificados como unidirecionais não psicológicos (bom, mau, bonito,

limpo) e bidirecionais psicológicos (asfixiante, atraente, curioso).

7 Os adjetivos categoremáticos têm o sentido estabelecido independentemente do N a que se ligam (mulher boa/casaco bom); os sincategoremáticos têm o seu sentido intimamente ligado ao sentido do N (bom casaco/boa mulher).

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b) Quantificadores - predicam o que é denotado por N de forma

mensuradora. São subclassificados como dimensionadores (larga, alto,

baixo), intensificadores (ínfimo, vertiginoso) e aspectualizadores (semanal,

habitual).

c) Modalizadores - predicam o que é denotado por N de forma subjetiva. São

subclassificados como epistêmicos (asseverativos - real, óbvio / quase

asseverativos - provável, possível), delimitadores (especificadores –

autêntico, rigoroso / aproximadores - relativo, aproximado) e deônticos

(necessário, obrigatório).

Simões (2007), no estudo sobre a anteposição dos adjetivos predicativos no

português culto falado no Brasil, analisa 21 entrevistas do corpus do Projeto NURC –

SP, a partir de 16 variáveis independentes8 que poderiam favorecer a posposição ou

anteposição do adjetivo; foram realizadas 3 rodadas estatísticas pelo programa

VARBRUL, permanecendo somente os grupos de fatores mais significativos para a

anteposição (Tipo de especificadores; Marcas de singular e plural na presença ou

ausência de especificadores e complementos; A natureza do nome; O lugar

argumental do adjetivo nas fronteiras do SN; A unidade sintática: SN e SP). A partir

da classificação proposta por Castilho e Castilho de Moraes (1993), o autor

apresenta resultados dessa análise, dos quais destacamos os seguintes: a) pelo

cruzamento das estatísticas dos fatores, em termos semânticos, o subgrupo dos

adjetivos intensificadores é o que mais favorece a anteposição; b) pela ordenação

proposta por Castilho, tanto os quantificadores como os qualitativos favorecem a

anteposição.

Em estudo singular sobre as formações N+N, Longo et al (1997) analisam 224

ocorrências de gêneros diversos (literatura romanesca, jornalística, dramática,

técnica e oratória) para o tratamento lexicográfico desse grupo em um dicionário de

usos do português. Os autores apresentam as características específicas do

segundo N (função qualificadora, possibilidade de gradação, coordenação para

adjetivos, ausência de função temática e concordância) como critérios suficientes

8 Tipo do adjetivo predicativo (NURC), Tipo de entrevista (DID-EF-D2), Entrevistado/Documentador, Faixa

etária, Sexo, Escolaridade, Natureza do nome, Unidade sintática analisada (SN ou SP), Lugar argumental na fronteira verbal, Natureza do verbo, Natureza do preenchimento com especificadores e complementos, Tipo dos especificadores, Tipo dos complementos, Natureza de número do preenchimento com especificadores e complementos, Sanduíches adjetivais e Lugar argumental dentro das fronteiras do SN.

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para comprovar que há uma hierarquia para a classificação desse elemento (pode

ser substantivo, substantivo em função adjetiva ou adjetivo), que deixa clara a

flutuação categorial entre as classes. O tratamento dado na análise também levanta

uma questão: os não-predicativos seriam gerados como categoria nominal e não

mudariam de estatuto.

A respeito da ordem do adjetivo no SN, Callou et al (2003) apresentam uma

análise variacionista laboviana a partir de textos diversos em um período de quatro

séculos, com o objetivo de verificar o comportamento do adjetivo, tentando

determinar a época em que a ordem se tornou mais fixa ou previsível. As autoras

fizeram uso de algumas hipóteses sintático-semânticas (tipo de adjetivo, natureza

semântica do núcleo do SN, base do adjetivo e dimensão em relação ao

substantivo) e concluíram que a frequência da anteposição começa a diminuir a

partir do século XIX, com destaque para os adjetivos avaliativos. Ainda na questão

da ordem, Silva (2008) apresenta uma proposta de classificação sintática dos

adjetivos a partir da proximidade em relação ao N. As ‘zonas sintáticas’ são assim

denominadas: a) determinativa (que modifica a extensão) - mais distante do N,

sempre na anteposição; b) avaliativa ( que qualifica) - mais próxima do N (se estiver

anteposta) e mais afastada do N (se estiver posposta); c) classificadora (que

relaciona entidades) - mais próxima do N, sempre na posposição. Assim, teríamos:

únicas modelos famosas (DET+N+AVAL), um outro importante dado

(DET+AVAL+N), certo contexto linguístico (DET+N+CLAS), etc.

2.4 Estudos de Linguística Cognitiva sobre a modificação adjetival

É importante ressaltar que em relação aos estudos cognitivistas a respeito da

modificação adjetival, temos tanto estudos embasados nas ciências cognitivas

(FRANKS, 1995) quanto os específicos da Linguística Cognitiva (SWEETSER, 1999;

COULSON, 2001). Esses estudos baseiam-se em construções consideradas

problemáticas no inglês (stone lion / leão de pedra, fake gun / arma falsa, land yacht

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/ limusine / 'iate terrestre' 9 - exemplificados por Franks, 1995 e Coulson, 2001 - e

likely candidate / provável candidato - exemplificado por Sweetser, 1999).

Franks (1995) trata a modificação adjetival como um tipo de combinação

conceptual10, a partir da própria noção de conceito como perfiladora da

representação, da classificação e da linguagem. Esses elementos - representação,

classificação e linguagem - são vistos por Franks como fundamentais para a

caracterização dos adjetivos privativos, uma vez que seriam as motivações

psicológicas para a conceituação de um objeto. Por representação nos referimos ao

conjunto de propriedades observáveis na categorização de uma coisa, a partir da

memória de longo prazo, sendo divididas em propriedades centrais (que refletem

crenças ontológicas) e diagnósticas (que são mais superficiais, flexíveis); a

classificação é compreendida como a detecção dos traços centrais e diagnósticos de

acordo com o contexto cultural, tendo implicações de juízo de valor. A linguagem

relaciona-se às questões de uso convencional, às convenções estabelecidas por

uma comunidade de fala. Esses elementos funcionam para manter um suporte

mínimo na comunicação e na referência.

Para Franks, em expressões como stone lion temos um conceito

implicitamente vinculado, que atua porque há atributos default de lion que propiciam

uma instanciação dentro da cena comunicativa, dando suporte à especificação de

sentido: lion pode se referir a um animal, a uma estátua, a um brinquedo, etc.,

dependendo do contexto em que tal uso ocorre.

O autor critica o processo gerativo de construção de sentido (conceito lexical

(input)) > contexto (especificidade/flexibilidade) > sentido apropriado (output)), pois

acredita que sentidos e conceitos lexicais não podem ser expressos como estruturas

que contenham atributos de valor único. Assim, ele oferece o modelo de construção

9 A construção land yacht tem sentido privativo em língua inglesa, mas não em língua portuguesa, uma vez que a correlação no processo de tradução apresenta processos diferenciados: land yacht tem caráter composicional, enquanto limusine é uma palavra simples; na tradução literal, teríamos 'iate terrestre'. A instanciação de land yacht é pautada na concepção de um carro luxuoso, com muito acessórios (frigobar, bancos de couro, TV) e muito valioso (na faixa de alguns milhões de dólares). A privatividade decorre do fato de que land yacht não é um iate, como yacht prevê, mas um carro - temos, então, processos metafóricos auxiliando na mesclagem conceptual. 10 Termo apresentado por Franks (1995), que compreende a combinação de conceitos, que possuem as

funções de representação (com eixo na memória de longo prazo, que atua como conteúdo para o pensamento

e a inferência), classificação (eixo na detecção de traços e comparação de entidades) e linguística (léxico

mental).

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de sentidos a partir da combinação conceptual, que seria uma especificação de

relações entre conteúdos. A partir daí, utiliza-se de análise a partir de traços para

demonstrar a eficácia do seu modelo (falaremos melhor sobre esse modelo no

tópico “Modificação adjetival privativa nas Ciências Cognitivas: o modelo de geração

de sentidos”).

A questão da modificação adjetival é tratada, na visão de Sweetser (1999),

através dos mecanismos de composicionalidade linguística em construções A+N

modificadas, a partir da teoria de mescla de espaços mentais (FAUCONNIER E

TURNER, 1998), uma vez que a análise simplificada de interseção nas relações de

nomes com modificadores adjetivais não é suficiente para explicar tal fenômeno. A

linguista se utiliza de exemplos como ‘likely candidate’ (provável candidato) e ‘usual

suspect’ (suspeito frequente), considerados ‘intratáveis’ em análises mais

formalistas, mas analisáveis sob o prisma da mescla dos espaços epistêmicos do

falante com os de atos de fala. Também afirma que a consideração das affordances

cognitivas torna-se importante na análise de algumas construções modificadas.

Ainda sobre a questão da modificação adjetival, a autora afirma que o adjetivo

elabora algumas zonas ativas da entidade perfilada pelo nome; por exemplo, na

construção ‘provável candidato’, há um perfilamento que projeta um espaço mental

de hipótese, fazendo referência a frames de estrutura e comportamento epistêmicos,

em que as zonas ativas operam na projeção dos espaços mentais no processo de

integração conceptual.

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Esquema 1. Esquema parcial de mesclagem conceptual para a construção “likely

candidate” (SWEETSER, 1999, p. 152)

Segundo a autora, as construções com propriedades composicionais formam-

se a partir de três eixos: frames, zonas ativas e espaços mentais (SWEETSER,

1999). Os frames, conceito bem fundamentado por Fillmore (1982), referem-se a um

sistema de conceitos relacionados de tal forma que para se compreender qualquer

um deles é necessário entender toda a estrutura na qual ele se insere; palavras

como comprar e preço evocam o frame ‘cena comercial’. O fenômeno das zonas

ativas é difuso na linguagem; há distinção de zona ativa nos enunciados a seguir:

“Coloquei o lápis na mesa”, “Coloquei o lápis no apontador”. No primeiro enunciado,

está claro que todo o lápis foi posto em cima da mesa, enquanto no segundo há a

ideia de que parte do lápis (e não ele todo) foi colocada no apontador. O que nos

permite ter essa interpretação é, essencialmente, a zona que é ativada de acordo

com o contexto de cada enunciado. Os espaços mentais, largamente estudados por

Fauconnier (1987), são construtos teóricos que descrevem interconexões entre

partes de estruturas conceptuais complexas; a principal característica de um espaço

mental é a capacidade de apresentar mapeamentos cognitivos sistemáticos entre

uma e outra projeção, formando cadeias referenciais.

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Coulson (2001) descreve o comportamento dos adjetivos privativos em língua

inglesa (‘fake’, ‘false’, entre outros). A autora aponta dois modelos para análise do

privativo: o modelo de geração de sentido (combinação conceptual) e o da teoria da

mesclagem conceptual. Tanto um quanto outro trabalham com a observação da

flexibilidade de sentido e a instanciação do contexto como suportes para o

significado privativo de uma construção.

Ao discorrer sobre a mesclagem conceptual nos sintagmas nominais

modificadores, Coulson (2001) afirma que a extensionalidade e a intensionalidade

são os eixos para a compreensão dos adjetivos predicativos. Exemplifica através da

construção ‘brown cow’, em que a análise extensional aponta para a interseção

entre ‘coisas marrons’ e ‘vacas’, enquanto a intensional aponta para a união de parte

dos traços definidores de ‘marrom’ com traços definidores de ‘vaca’. É interessante

perceber como a autora considera os dois eixos como análises possíveis nas

construções adjetivas, o que não ocorre nos estudos mais tradicionais. A partir

desse exemplo, mostra como a noção de combinação conceptual é fundamental

para a análise intensional, foco do seu trabalho. O processo de mesclagem

conceptual é apresentado como ferramenta plausível para análise tanto dos

adjetivos predicativos quanto dos não-predicativos.

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3 A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA

Considerando que os embasamentos acerca da modificação adjetival foram

estabelecidos, pretendemos apresentar a conceituação do termo ‘privativo’ e o

funcionamento da modificação adjetival privativa, buscando mostrar o percurso da

categorização de tal fenômeno, o modo como as ciências cognitivas e a LC têm

analisado tal questão.

3.1 O termo PRIVATIVO

Para compreendermos a natureza do sentido do termo 'privativo', temos que

analisar o desdobramento semântico ocorrido no percurso de formação desse termo.

Tal desdobramento pode ser considerado da seguinte forma: pri > privus > privatus >

privativus. A partícula 'pri-', “antes, à frente de”, adjungida ao sufixo '-ivus', origina

'privus', “próprio, de si mesmo, individual”, que por sua vez possui a forma 'privatus',

“pertencente a si mesmo, colocado à parte, fora do coletivo ou grupo”, particípio

passado de 'privare'. O verbo ‘privare’ (pôr de parte, isentar, livrar, desembaraçar,

eximir, privar, despojar, tirar) deu origem ao uso em língua portuguesa, com sentido

“que indica privação, falta de determinado traço, significado etc. (diz-se de afixo,

prefixo etc.)” (DICIONÁRIO HOUAISS, 2009); nesse caso, o a- em ‘amoral’ é prefixo

privativo. 'Privus' tem a contextualização de ser o primeiro dentre muitos, o que está

realçado em relação a outros e não o sentido de único (noção da forma 'unos').

Dessa forma, ao observarmos melhor as acepções de ‘privativo’ em língua

portuguesa, perceberemos que a entrada lexical para o sentido de negação não

ocorre nas primeiras acepções, consideradas de maior uso ou ativadas

primeiramente:

n adjetivo

1 que contém ou leva à privação Ex.: pena p. da liberdade

2 que priva, que goza da convivência de 3 que não é permitido a todos, só a algumas pessoas; próprio, exclusivo, especial

Exs.: elevador p. dos juízes

armas p. das Forças Armadas 4 que é peculiar a um indivíduo ou grupo; característico, específico,

exclusivo Ex.: estilo p. desse escritor

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5 que indica privação, falta de determinado traço, significado etc. (diz-se de afixo, prefixo etc.); p.ex., o a- em amoral é prefixo privativo

(DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS, 2009)

Assim, a compreensão de ausência ou negação torna-se opaca no uso desse

termo, fazendo com que o sentido de privação torne-se o mais comum. Nossa

intenção neste estudo é elucidar o comportamento do dito adjetivo privativo no uso

do PB a partir de textos da internet, então por causa desse objetivo entendemos que

o termo para se referir a esse tipo de adjetivo também pode ser o de

‘particularizador’, no sentido de que o privativo torna o objeto/ a coisa

representada pelo substantivo algo particularizado, com a negação

específica de affordances que geram uma compreensão exclusiva da

construção.

3.2 O modificador adjetival privativo

Nas classificações mais gerais dos adjetivos não-predicativos, existem

estudos a respeito de adjetivos que funcionariam como privativos. O

comportamento privativo é reconhecido como uma função de um tipo restrito de

adjetivos. Pria (2008) apresenta o seguinte quadro comparativo da classificação

semântica dos adjetivos nos estudos formais:

Quadro 1. Classifcação semântica dos adjetivos (PRIA, 2008, p.25)

Nesse quadro, percebemos que há uma divergência quanto à categorização

dos privativos: Kamp (1975) destaca o aspecto singular do privativo, a ponto de não

ser representado por esquemas em seu trabalho; Chierchia e McConnell-Ginet

(1990) também destacam a ausência de função predicativa nesse adjetivo; Kamp e

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Partee (1995) e Partee (2001) consideram a classe dos não-subsectivos como

composta pelos não-subsectivos planos (alegado, predito) e os não-subsectivos ou

privativos (fictício, imaginário), nos quais insere também elementos morfológicos,

como os prefixos negativos pseudo-, ex- e não-.

Vamos nos ater à proposta de Kamp (1975), precursora de todas as outras.

Para ele, os adjetivos privativos são compreendidos como funções de propriedades

para propriedades, ou seja, são funções que se aplicam a nomes, no intuito de gerar

alterações nos traços essenciais do nome a que se referem; essas funções diferem

de acordo com o tipo de adjetivo (PRIA, 2008). Essa categoria de adjetivo

caracteriza-se pela modificação que causa no significado do substantivo - ‘revólver

falso’ não é um revólver de verdade, isto é, o adjetivo ‘falso’ muda a propriedade do

substantivo ‘revólver’, que se diferencia, dependendo do contexto.

Kamp (1975) estabeleceu o seguinte postulado para esse tipo de adjetivo:

Para cada propriedade P e cada w ∈ W, F(P)(w) ∩ P(w) = Ø. Lê-se: “para cada

propriedade P e para cada w (“mundo possível”) ∈ (“pertencente a”) W (“o conjunto

não vazio de todos os mundos possíveis”), F(P)(w) (“o significado F na propriedade

P e no mundo possível w”) ∩ (“interseccionada com”) P(w) (“a propriedade P no

mundo possível w”) = ∅ (“p um conjunto vazio”)”. Isso quer dizer que o adjetivo

privativo transforma a condição de verdade do sintagma nominal, fazendo com que

al gumas informações do escopo sejam negadas (revólver falso não é um revólver

em todas as suas propriedades essenciais, mas um objeto semelhante em algum

aspecto a ele).

Na perspectiva de estudo sobre estruturas de combinação conceptual, Franks

(1995) estabelece princípios para explicar a geração de sentidos em construções

como ‘leão de pedra’ e ‘revólver falso’. O autor mostra, então, como a noção de

combinação conceptual é relevante para explicar tais construções. A seguir,

veremos um detalhamento dessa teoria.

3.3 Modificação adjetival privativa nas Ciências Cognitivas: o modelo de

geração de sentidos

No intuito de analisar algumas construções modificadas problemáticas,

Franks (1995) estabelece um modelo de geração de sentidos a partir da noção de

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conceito. Para ele, o conceito performa três funções na cognição: a representação

(através da memória de longo prazo), a classificação (pela detecção de traços) e a

função linguística (ou léxico mental, derivada das duas primeiras funções).

Segundo esse modelo, em construções privativas teríamos várias

perspectivas para o mesmo referente discursivo. Há três processos envolvidos11:

unificação, união prioritária e coerção metonímica. Para entendermos esses

processos, é necessário apresentarmos a noção de atributo de valor estruturado e

de traços diagnósticos e centrais, muito enfatizada pelo estudioso.

O atributo de valor estruturado (AVE) corresponde à atribuição de sentido

dada a um objeto/ser de forma ampla, segundo o sentido que tal item apresenta no

mundo. A principal ferramenta para sua ativação é a memória de longo prazo. Ele é

uma estrutura de tipicidade padrão, em que se incluem atributos típicos ao conceito

de uma palavra. O AVE não faz parte dos atributos centrais e nem dos atributos

diagnósticos; ele seria a tipicidade mais primitiva de um objeto/ser, que varia

segundo o modelo cognitivo idealizado de cada sociedade. Tanto os traços centrais

quanto os diagnósticos estariam mais ligados ao conceito lexical de uma palavra. Os

traços centrais correspondem às propriedades essenciais do objeto, enquanto os

traços diagnósticos se referem às propriedades secundárias.

Parte-se do pressuposto de que há uma significação ampliada e comum a

uma sociedade, que se relaciona, por exemplo, às palavras ‘leão’ ( AVE animal) e

‘pedra’ ( AVE material rochoso). Quando esses termos são postos em uma

construção como ‘leão de pedra’, há uma alteração nos traços centrais e

diagnósticos, em que alguns traços são negados e outros mantidos (animado,

orgânico e com essência biológica - traços centrais negados / patas e cauda - traços

diagnósticos retirados / cor acastanhada e pelo macio - traços diagnósticos

substituídos por textura áspera e cor cinza / dureza e peso são traços diagnósticos

acrescentados) . Essa alteração pode fazer com que o AVE seja negado ou posto

em dúvida. No caso de ‘leão de pedra’, há uma negação do AVE de ‘leão’, pois em

nesse contexto não estaremos diante de um leão de verdade; a alteração ocorreu

nos atributos centrais do item.

11 Segundo Franks (1995), esses processos podem ocorrer em uma mesma construção e não são

exclusividade dos adjetivos privativos.

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No processo de unificação, ocorre uma operação típica das combinações

conceptuais afirmativas, em que não há conflito nos atributos de valor estruturado de

cada constituinte. Assim, ‘homem feliz’ e ‘mulher bonita’ denotam esse tipo de

processo, que aponta para a especificidade do sentido das construções.

A união prioritária é o processo em que o atributo de valor estruturado do

modificador se sobrepõe ao atributo de N, quando há propriedades conflitantes entre

eles. Essa operação aponta para a flexibilidade de sentido das combinações

conceptuais. Como exemplo desse processo, temos ‘leão de pedra’, em que as

propriedades do modificador ‘de pedra’ entram em conflito com ‘leão’, no aspecto

‘animado’ e ‘orgânico’.

A coerção metonímica do type é um processo decorrente da força semântica

exercida pelo adjetivo sobre o N; corresponde a uma flexibilização de determinado

item de uma construção para satisfazer o contexto. Esse processo pode refutar

traços centrais do objeto ou pôr em dúvida uma de suas características. Em ‘cílios

postiços’, por exemplo, há a refutação de algumas propriedades essenciais de

‘cílios’ (orgânica, humana), enquanto ‘suposto criminoso’ apresenta uma dúvida a

respeito de quem teria cometido o crime.

Os processos ora citados estão presentes, como já dito, na geração de

sentidos; uma construção com adjetivo privativo pode passar por eles em momentos

diferentes. Segundo Franks (1995), no caso de ‘leão de pedra’, primeiro ocorre uma

coerção metonímica do type (embora ‘pedra’ não seja um agente coercitivo) por

causa do conflito nos traços ‘animado’ e ‘orgânico’ dos atributos centrais; após essa

acomodação, ocorre a união prioritária, em que o AVE coergido de ‘leão’ é

combinado ao AVE de ‘pedra’; em seguida, temos o processo de unificação, dada a

interpretação de ‘estátua’ para ‘leão de pedra’.

Ainda, o autor estabelece tipos de adjetivos privativos:

a) quanto à estrutura: i) privativos próprios - teriam a formação A+N no

inglês; no português, teríamos essa mesma formação, com ordem fixa para

alguns casos (suposto amigo, falso documento); ii) privativos funcionais -

teriam a formação N+N, em que o segundo N é um sintagma preposicionado

(locução adjetiva).

b) quanto ao sentido: i) privativos negativos - em que o modificador gera

conflito semântico com o nome (falso revólver, leão de pedra); ii)

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privativos equivocados - em que o modificador gera dúvidas em relação ao

nome (suposto amigo, provável candidato).

O modelo de geração de sentido de Franks é visto por Coulson (2001) como

insuficiente, uma vez que ela considera as regras para o mapeamento mais

relevantes do que a unificação de traços no que diz respeito à construção de

significado. A autora enfatiza que a compreensão dos privativos não é uma questão

somente de traços semânticos, pois envolve mapeamentos diversificados e leva em

conta a habilidade dos atores da interação para acomodação dos traços dentro da

projeção de espaços ativada pelo contexto discursivo. O mecanismo de análise por

traços seria muito supérfluo para abranger todos esses aspectos.

A autora nos dá a informação de que o uso do adjetivo privativo é checado

pelo frame, ou seja, se temos um frame que caracterize a negação de propriedades

intensionais do referente, estamos diante de um privativo (ex.: frame de assalto -

falso revólver / revólver falso). Para ser privativo, então, o adjetivo dependerá da

perspectivização do falante e do papel-valor de seu referente. Ser real ou falso é

visto, assim, como um conceito socialmente construído.

3.4 Modificação adjetival privativa no viés da Linguística Cognitiva

Ao tratarem sobre a importância da compressão de duplo escopo nas

interpretações de formas gramaticais específicas, Fauconnier e Turner (2002)

apontam a mescla como um dos recursos para a construção de

significados complexos em formas simples. Para tanto, os autores

exemplificam com as seguintes construções: boat house/casa flutuante

(construção N-N), angry man/homem irado (construção A-N) e child-safe/bebê

seguro (construção N-A). Em casos como child safe, dolphin-safe e shark-safe12, há

mesclas sucessivas; primeiro, há uma mescla do espaço mental da situação dada

(envolvendo golfinhos, tubarões e crianças), no frame abstrato de PERIGO. Essa

12 Três construções com instanciações difusas, mas fundamentadas na compressão da propriedade de segurança: ‘child-safe’ refere-se à proteção/segurança dada à criança para evitar situação de perigo (que vai de acidente dompstico a abusos); ‘dolphin-safe’ refere-se a um conjunto de procedimentos adotados para evitar que os golfinhos fiquem presos às redes de pesca quando há pescaria de atum, no sentido de minimizar os danos ao golfinho; ‘shark-safe’ refere-se a um programa de proteção à população dos tubarões, visando equilíbrio no ecossistema oceânico.

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mescla produz um espaço mental contrafactual específico, no qual os itens

destacados são assinalados em papéis no frame citado; esse espaço mental de

nocividade é ‘desanálogo’ ao espaço mental da situação corrente. Assim, os dois

espaços “incoerentes” serviriam como inputs para uma nova mescla, em que a

‘desanalogia’ é comprimida para a propriedade SEGURANÇA.

Os linguistas ainda especificam situações decorrentes de possibilidades

geradas por frames realizáveis, mostrando-nos a gama de interpretações segundo a

situação comunicativa/interacional para cada construção. Isso mostra que há níveis

de integração diferenciados para essas construções. Existem, porém, construções

em que não há mesclas sucessivas, como land yacht (limusine, carro de luxo,

carrão): ‘land’ e ‘yacht’ nomeiam elementos que não são contrapartes no

mapeamento; na verdade, temos elementos de domínios diferentes (terra e água),

que criam espaços analógicos(água/terra, capitão/motorista, curso/rua, iate/carro,

magnata/proprietário). Os autores afirmam também que as mesclas são um tipo de

composição dos inputs espaciais e, em alguns casos, ocorreria o apagamento de

algumas características/traços dos objetos dados para uma ‘iluminação’ de outros

elementos.

Partee (2003) defende a existência de uma ‘hierarquia’ de classes para o

adjetivo nas construções modificadas, em que a teoria dos protótipos serviria para

estabelecer restrições nas combinações A+N, desde intersectivos como carnívoro

até os não-subsectivos/privativos (contrafeito, falso, fictício). Consideramos que a

visão hierárquica apresentada pela autora não seja cabível para uma análise em LC,

uma vez que pressupõe que uma classe de adjetivos seja mais ou menos

importante, a depender de sua posição na ‘pirâmide’; entendemos que a modificação

adjetival privativa de forma geral seja um processo escalar (e não hierárquico), e

isso denota uma análise que nos obriga a enxergar os elementos à volta do centro

prototípico como mais ou menos relevantes. Como lidamos com construções

estruturadas gramaticalmente de forma diversificada, não nos cabe hierarquizar,

mas sim considerar mais próxima ou afastada de um protótipo13 uma construção X

13 Entendemos que nossa análise apontará uma construção que seja mais privativa/particularizadora (no

sentido de ter mais negação) do que outra.

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ou Y. Preferimos a compreensão de que tais construções apontam para um

fenômeno que possui alguns padrões, a serem analisados pelos pressupostos da

Linguística Cognitiva e teorias que deem conta dos aspectos construcionais focados

na mescla de conceitos.

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4 CONCEITOS DA LINGUÍSTICA COGNITIVA SUBJACENTES AO

FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA

Neste capítulo, apresentaremos os conceitos da Linguística Cognitiva que nos

auxiliam na compreensão do fenômeno de modificação adjetival privativa. Para

entendermos como ocorre esse tipo de modificação, apresentamos a noção

ontológica de affordance, desde o postulado inicial de Gibson (1979) até as

relações desse conceito com teorias da aprendizagem e linguagem de design visual

(Norman, 1988) e a visão de Sweetser (1999); após, apresentamos o conceito de

ajuste focal e zonas ativas na perspectiva langackeriana (2008), mesclagem

conceptual (FAUCONNIER, 1997), contrafactualidade (FAUCONNIER, 1985) e

relações vitais (FAUCONNIER E TURNER, 2002).

4.1 Affordance

A necessidade de enquadrarmos o conceito de affordance aos nossos

estudos deve-se ao fato de que, uma vez que uma teoria de análise de traços seja

insuficiente para verificarmos o comportamento dos adjetivos privativos, há de se

pensar em outras acepções que coadunem com o processo de integração

conceptual, que será um dos mecanismos utilizados em nossa análise. Como a

affordance tem um caráter ontológico, ligado diretamente à existência de coisas e

seres, cremos que há interface entre seu conceito e a relação de entidades e

referentes discursivos.

4.1.1 O conceito de Gibson (1979)

Em estudo sobre a abordagem ecológica para a percepção visual, Gibson

apresenta o que é chamado de “Teoria das affordances”. Para ele, o ambiente

seria uma superfície que distingue substâncias do meio no qual os animais vivem.

Sua tese é a de que ‘valores’ e ‘significados’ de coisas em um ambiente podem

ser percebidos de forma direta e externa ao observador; ou seja, a percepção

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de propriedades de um objeto dependeria da forma como ele se apresenta no

ambiente e de como esse observador o enxerga.

As affordances seriam propriedades invariantes do ambiente oferecidas a

uma espécie, o que é provido ou fornecido a essa espécie em seu ambiente, sendo

tanto benéfico quanto prejudicial. Assim, a superfície terrestre possui propriedades

que proveem aos animais formas de se fazer uso dela: é horizontal, rígida, tem uma

extensão e suporta peso; ela é ‘pisável’ e ‘corrível’. Essas propriedades não são

abstratas e atendem às necessidades do animal. Para cada espécie de animal, há

propriedades de superfície que atenderão em maior ou menor nível; então, para

cada situação estabelece-se um affordance diferente.

Para se aprofundar na noção de affordance e seu funcionamento relacionado

ao ambiente e ao observador, Gibson traz-nos o conceito de nicho, retirado da

ciência ecológica: o nicho seria a forma como vivem as espécies, diferenciado do

habitat, que aponta para o lugar onde essas espécies vivem. Como o ambiente

natural oferece muitos modos de vida, as espécies vivem em um tipo de nicho que

seja adequado às suas possibilidades e vice-versa (o nicho fica adequado às

possibilidades de vida dessas espécies); é uma relação de complementaridade.

Para Gibson, a affordance não é propriedade objetiva nem subjetiva; ela

estaria em um continuum entre objetividade e subjetividade, uma vez que fatos do

ambiente equivalem a fatos do comportamento e que ela aponta tanto para o

ambiente quanto para o observador.

Os seres humanos são dotados de affordances mais elaboradas, uma vez

que vivenciam experiências diferenciadas e seu comportamento é muito variado. A

capacidade de locomoção, de mudança de postura corporal e do próprio

comportamento faz com que a espécie humana possua affordances específicas e

imprevisíveis, algumas mais próximas das características biológicas, outras mais das

psicológicas.

Relacionadas aos lugares, as affordances podem variar segundo o habitat.

Existem lugares perigosos para algumas espécies, lugares de refúgio dos

predadores, lugares para esconder alimentos, entre outros. A questão do ‘lugar

escondido’ é relativa, uma vez que do ponto do observador a pessoa ou objeto

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pode estar à vista, quando ela acha que se escondeu completamente (é o

caso de crianças quando brincam de se esconder e acabam escondendo somente

a face e deixando o corpo exposto).

Após essa explanação, o autor preocupa-se em explicar melhor o surgimento

do conceito de affordance: tal conceito seria derivação de outros postulados da

psicologia gestáltica - valência, convite e exigência -, com algumas restrições, como

o fato de que a affordance não muda segundo as necessidades do observador. O

observador pode ou não perceber tal affordance, mas ela estará lá, independente da

demanda. Para reforçar tal afirmação, Gibson dá como exemplo a caixa de correio,

que tem como um das affordances a postagem de algo, independentemente do ato

de ser utilizado pelo observador para tal. Também é possível que a perspectiva do

observador faça com que ele não perceba a affordance para postagem (se a caixa

de correio estiver de lado ou virada para ele e não der para observar a abertura para

postagem).

Nesse ponto, o autor aproveita para discorrer sobre a informação ótica para a

percepção de affordances. Há fatores que serão determinantes para essa

percepção, como a iluminação. Por causa de uma ‘desinformação’ ótica, uma

pessoa pode colidir com o blindex de uma loja; sabemos que a affordance de colisão

não é especificidade para o blindex, mas por conta da falta de percepção visual, é

comum essa ocorrência. Por isso, é preciso checagem do objeto/situação, para

que as affordances possam ser adequadamente percebidas.

4.1.2 O conceito de Lakoff (1987)

Lakoff discorre sobre os problemas da cognição e da semântica objetivista, no

sentido de que muitas categorias da mente e da linguagem não possuem

correspondência com as categorias dadas no mundo; ele assume que a existência

de propriedades interacionais nas entidades contradizem a doutrina da cognição

objetivista, que postula a fixação das categorias da mente em categorias do mundo,

em uma correspondência unívoca.

Ao se referir à concepção de mundo dado/entendido, na visão da semântica

objetivista, o autor nos lembra de que a noção de cor é determinada por várias

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44

instâncias - pelas propriedades reflexivas dos objetos, por capacidades

neurofisiológicas, pelas fronteiras culturalmente impostas nas regiões do espectro,

entre outras. Assim, ‘ser vermelho’ não é uma propriedade de um objeto, mas uma

atribuição dada decorrente da percepção do observador, a partir de suas

experiências.

Nesse ponto, Lakoff apresenta a versão ecológica de concepção de mundo

dado (GIBSON, 1979 [1986]). A visão gibsoniana é de cunho interacionista, que

afirma a importância da constante interação dos seres humanos com seus

ambientes. A primeira restrição feita por Lakoff à teoria diz respeito ao campo de

análise, uma vez que Gibson vincula sua pesquisa à percepção e não à cognição

propriamente dita.

Lakoff também aponta como estranha às teorias voltadas para a cognição

a distinção entre realidade física e ambiente; para Gibson, a realidade física

é considerada independente de todos os seres animados, ou seja, o ambiente

seria definido em relação à forma como os seres interagem nele. A leitura lakoffiana

sobre affordances é de que seriam oportunidades de interação

proporcionadas pelo ambiente. Esse ambiente é visto como fechado em alguns

aspectos do ‘mundo experienciado’. Assim, Lakoff apresenta as affordances como

invariâncias de seres em dado ambiente; citando Gibson, são “propriedades de

coisas tomadas com referência a um observador, mas não propriedades

das experiências do observador” (p.137).

Para o linguista, o problema da concepção de Gibson é a noção de um

ambiente que foge ao padrão do mundo experienciado, onde é necessária uma

ordem para dar conta dos fatos da categorização. Sua teoria se aplicaria a

fenômenos individuais, mas não a categorias de fenômenos; muito menos

funcionaria com categorias abstratas. Outra questão é que o ambiente gibsoniano

é monolítico e autoconsistente, sendo o mesmo para todos. As categorias

humanas discutidas por Lakoff não existiriam como invariâncias no ambiente de

Gibson. Dessa forma, Lakoff ratifica que o realismo ecológico não faria sentido para

analisar categorias culturais e de experiência.

Apesar dessas divergências, Lakoff observa uma convergência de sua teoria

com as ideias gibsonianas sobre a corporificação da língua e a questão das

propriedades interacionais.

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45

4.1.3 O conceito de Sweetser (1999)

Em estudo sobre construções nominais modificadas (A+N), ao se referir

especificamente às construções com fake, safe e intellectual14, Sweetser (1999)

admite que leituras metafóricas não são suficientes para definir os tipos de

processamento prévio quando se rejeita um sentido literal, assim como a

interpretação a partir do processo garden-path15 não serviria. Um dos motivos

apresentados é a questão da flexibilidade dessas construções, associada à

manutenção de aspectos apropriados do sentido de cada palavra, que se

manifestam para marcar aspectos da estrutura cognitiva da cabeça lexical, da base

da palavra.

Para resolver tal impasse, a linguista aponta para a descoberta de

affordances cognitivas, que teriam a função de conectar aspectos ou estrutura

cognitiva a outro item, principalmente quando é manifestado um material com

estrutura coerente e acessada pelo falante. Isso representa afirmar que as

affordances cognitivas seriam suportes que dariam condições para uma

interpretação não-literal de uma construção nominal modificada.

Sweetser afirma que o desenvolvimento da affordance torna-se fácil de ser

percebido porque a identificação do domínio cruzado de referência locativa pode

ser realizada a partir de processamentos cognitivos muito usuais, como o acesso

a espaços múltiplos e a junção do contexto com o processo dinâmico da

construção de sentido, que determinam se a interpretação mais simples de uma

palavra é literal (direta) ou se exige conexões inter-espaciais.

14

A autora afirma que a interação entre os espaços de frame estruturado, os mapeamentos inter-espaciais e o fenômeno de zonas ativas cria interpretações variadas para essas construções. 15 Teoria processual de desdobramento sintático-semântico de uma construção. Nas palavras de Maia (2005, p. 17), "a Teoria do Garden-Path – TGP (Frazier & Fodor, 1978; Frazier, 1979; Frazier & Rayner, 1982), termo traduzido em português por Dillinger (1992), como a Teoria do Labirinto é um modelo de processamento de frases modular e serial. Conforme discute-se em Maia & Finger (2005), a metáfora do garden path ou “caminho do jardim” é basicamente semelhante a do labirinto. Trata-se de um modelo estrutural e o labirinto, à semelhança de uma frase, é uma estrutura, com várias bifurcações a serem escolhidas ao se trafegar por ele. Ao se entrar em uma sala em que há várias portas, escolhe-se uma delas, provavelmente a mais próxima e, algumas vezes, a escolha leva para fora, ao jardim, e não ao interior da estrutura, como pretendido. " Na sentença " O presidente anunciou que o ministro vai deixar o cargo ontem", por um momento há um problema no processamento do advérbio, pois a associação inicial ocorre com o verbo mais próximo (vai deixar), gerando incongruência temporal; por isso, o leitor precisa reanalisar a sentença e fazer a ligação do advérbio com o verbo 'anunciou', para que seja mantido o sentido da oração.

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46

A autora ainda enfatiza que as estratégias cognitivas para se descobrir

uma affordance nas construções A+N são as mesmas utilizadas nas construções

de sentido e de espaço. O complicador seria a tentativa de descompactar os

resultados da construção em affordances. Apesar da noção implícita de que a

affordance é um conceito importante na análise de SN modificados, Sweetser

(1999) não apresenta claramente uma forma como os casos citados (fake, safe

e intelectual) seriam analisados.

4.1.4 A relação do conceito de affordance com outras teorias cognitivas

Duque (2013) discorre a respeito da integração de affordances e restrições

gramaticais para se compreender uma sentença. Para demonstrar como a

percepção de determinada affordance comprova a corporificação de uma estrutura

conceptual, cita a construção ‘boi voador’ (retirada dos versos de Chico Buarque e

Ruy Guerra): a imagem mental construída pode ser de um boi com asas ou um boi

com capa. Essa imagem é resultado de um processo de integração conceptual, em

que a affordance percebida para a mesclagem está ligada ao voo (asa/capa).

Para o linguista, esse processo demonstra que, na produção e compreensão

de enunciados, ativamos regiões do cérebro relacionadas à percepção do mundo e

do movimento do corpo. O resultado seria a interferência entre linguagem e demais

capacidades cognitivas que fortalecem abordagens linguísticas direcionadas à não

autonomia da linguagem.

Em seu trabalho, há uma crítica a respeito da teoria de Gibson:

“(...) ao desconsiderar o conhecimento prpvio e as expectativas do ator, Gibson contempla apenas as capacidades motoras do ator e não as capacidades perceptivas e mentais. Vale enfatizar que, ao contrário disso, acreditamos que as informações que especificam o affordance dependem das experiências do indivíduo e da cultura em que está inserido.” (DUQUE, 2013, p. 482)

A ideia de Duque vai ao encontro do que postula Lakoff, ao considerar a

cultura um dos elementos determinantes da affordance.

Gorniak (2005), em sua tese sobre a linguagem computacional para RPG

(roler playing game), apresenta uma perspectiva ampliada a respeito das

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47

affordances. Para ele, affordances são “aspectos únicos primitivos da constituição

física do mundo que não são nem objetivos nem subjetivos” (p.31); essa

perspectiva é gibsoniana, mas Gorniak se utiliza da conceituação de Norman

(1999)16 quando destaca a affordance percebida, que seria o resultado da

produção da percepção individual do mundo, codificando algum aspecto da

estrutura do mundo em relação ao observador. Nesses termos, o que Gibson

considera genericamente como affordance foi distribuído por Gorniak como

affordance real (termo amplo para designar todas as possíveis propriedades para

interação do indivíduo com o meio ambiente) e affordance percebida (termo

limitado à percepção de uma propriedade na interação individual com o ambiente).

Quanto às affordances percebidas, Gorniak afirma que há uma estrutura

para elas: um ator, um ambiente, a interação e o elemento temporal. Essa

estrutura é genérica, pois para cada situação haverá inserção de elementos

novos; para exemplificar, as diversas formas de se pegar um copo e a escolha de

alimentos para um café da manhã implicariam níveis de representação

diferenciados. Existe uma conexão, mas percebemos que uma situação é mais

amplificada do que a outra, o que exige um número maior de affordances.

Abdullah e Frost (2005), em estudo sobre um possível princípio semântico

uniforme para os adjetivos no viés da ciência computacional, advogam que assim

como os adjetivos regulares ‘iluminam’ algumas propriedades do N, os privativos

‘mascaram’ essas propriedades. Nessa perspectiva, a expressão ‘arma falsa’ é

interpretada como uma arma, mas com algumas propriedades ausentes. Os autores

fazem uma demonstração com outras construções:

16 Don Norman foi o primeiro estudioso a fazer uso do termo ‘affordance percebida’, no artigo

‘Affordance, conventions, and design’ (revista Interactions, volume 6, maio de 1999), sobre interação homem-computador.

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48

Figura 1. Análise de propriedades ausentes (ABDULLAH E FROST, 2005, p.333)

Na tentativa de conciliar a teoria de Gibson às ideias de Lakoff, Attardo

(2005) analisa o conceito de affordance ligado a frames semânticos, na

interface semântica/pragmática. O autor afirma que as affordances guiariam ou

restringiriam a expansão de sentidos lexicais no processamento das sentenças,

não sendo limitadas somente ao aspecto visual da realidade.

Nesse viés, Attardo sugere uma teoria linguística para a affordance, pautada

nos seguintes tópicos:

a) Palavras ativam affordances

b) A visão socioconstrutivista da affordance é possível

c) Definição intensional de affordance, nos termos de crenças e sistemas

de crenças (contrariando a visão referencial de Gibson, que não se ampara

na cultura)

d) A análise sintática é afetada por affordances

e) Affordance seria um subesquema de cada frame, que enfatiza slots de

objetos, agentes ou instrumentos.

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49

4.1.5 O conceito de affordance e as propriedades interacionais

O termo ‘propriedades interacionais’ foi utilizado primeiramente por Lakoff e

Johnson (2002) como “conceitos definidores emergentes das nossas interações

com os outros e com o mundo” (p. 210). Tal conceito está intimamente

relacionado com o processo de categorização.

As propriedades interacionais implicam uma gama de caracterizações de um

determinado objeto, que podem ser consideradas em algumas dimensões:

perceptual, motora, intencional, funcional, etc. Essas dimensões são responsáveis

pela determinação de semelhanças de família nos processos de categorização; não

são propriedades em si dos objetos, mas categorizadas segundo o agir humano, a

experiência humana em dada cultura, por isso não são fixas.

Os autores exemplificam a identificação de tais propriedades a partir da

oposição subjetivismo x objetivismo. Na análise objetivista, teríamos o seguinte:

• Isto é uma arma preta.

Então, isto é uma arma.

• Isto é uma arma falsa.

Então, isto não é uma arma.

Então, isto não é uma girafa.

Então, isto não é uma vasilha com macarrão com broto de bambu. E assim por

diante...

Para uma análise subjetivista, teríamos o que é demonstrado no exemplo

seguinte:

• ARMA FALSA

FALSA preserva:

- Propriedades perceptuais (uma arma falsa se parece com uma arma)

- Propriedades motoras (pode ser manuseada como uma arma)

- Propriedades intencionais (serve a alguns propósitos de uma arma)

FALSA nega:

- Propriedades funcionais (uma arma falsa não serve para atirar)

- História funcional (se fosse feita para ser uma arma real, então não seria falsa)

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50

O exemplo de análise subjetivista apresenta as seguintes implicações:

a) A contextualização é genérica, baseada no conhecimento de mundo a

respeito do objeto ‘arma’.

b) Não há contexto discursivo.

c) Por falta de contexto discursivo, não temos noção das diferentes

propriedades que possam ser negadas.

Apesar das ressalvas lakoffianas, compreendemos que as revisões sofridas

pelo conceito de affordance em outras áreas do conhecimento (NORMAN, 1988;

VAN LIER, 1998, 2000) desfizeram muitas das distinções percebidas inicialmente.

Norman (1988) demonstra o caráter experiencial da affordance, ao apresentar o

termo ‘affordance percebida’ - aquela que é notada a partir da compreensão do

indivíduo e de sua vivência com tal objeto, portanto passível de variações segundo o

conhecimento de mundo; Van Lier (1998, 2000) aponta a interação como elemento

fundamental na compreensão das affordances.

Enfim, a teoria seminal de Gibson (1979) acerca das affordances também

sofreu alterações, refinamentos, ao longo do tempo e hoje pode se adequar aos

estudos linguísticos, tendo uma similaridade muito mais nítida com as propriedades

interacionais de cunho lakoffiano.

4.2 Ajuste focal/zonas ativas

Sweetser (1999) afirma que não deveríamos, no caso dos privativos,

considerar na análise os itens separadamente, até porque estamos diante de uma

composicionalidade. A estudiosa, ao citar o exemplo de ‘bola vermelha’, discorre a

respeito da compreensão mediada pelo contexto; uma bola vermelha, sem levar em

conta o contexto, é somente uma bola com a superfície vermelha. Mas dentro do

contexto, ‘bola vermelha’ pode ser uma bola que, no meio de tantas que têm a

superfície azul, é vermelha em sua constituição interior; mais ainda, pode ser uma

bola com uma marca vermelha, entre outras acepções. Nesses termos, a linguista

estabelece um exemplo do que seja ajuste focal.

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Segundo Langacker (2008), a focalização é um tipo de construal

(perspectivação conceptual17), em que porções de um conteúdo linguístico são

seletivamente ativadas, segundo as intenções de uso do falante. Para ele, o

construal se divide em classes: a) especificidade, referindo-se ao nível de precisão e

detalhamento da construção linguística (detalhamento do tipo animal > mamífero >

cachorro > pastor-alemão); b) proeminência, que permite colocar em primeiro plano

ou como fundo uma determinada estrutura (perfilamento e saliência relativa das

subestruturas de uma predicação; alinhamento figura/fundo; oposições perfil/base

e trajetor/marco); c) perspectiva, referindo-se à posição através da qual uma

situação é observada (envolve categorias como ponto de vista, escopo,

dêixis e objetividade/subjetividade); d) dinamicidade, que considera o

processo de desenvolvimento de uma conceptualização no tempo (escaneamentos

sequencial e sumário; movimento fictício; sistema de dinâmica de forças). Ainda

existem outras operações do construal: metáforas, metonímias e esquemas

imagéticos.

Evans (2007) considera as zonas ativas como um fenômeno em que parte de

uma entidade é cognitivamente ativada, tornando-se ativas por causa do contexto

linguístico. A autora utiliza como exemplo as sentenças “Max ouviu o trompete” e

“Max viu o trompete”; os verbos ‘ouvir’ e ‘ver’ servem para ativar diferentes aspectos

do nosso conhecimento associado a trompetes. Na primeira sentença, a zona ativa

relaciona o conhecimento concernente ao tipo de som emitido por trompetes,

enquanto na segunda a zona ativa concebe propriedades visuais associadas a

trompetes, como formato e cor.

4.3 Mesclagem conceptual

A mesclagem conceptual é considerada uma poderosa ferramenta de análise

de situações linguísticas e não-linguísticas (FAUCONNIER E TURNER, 2006),

sendo utilizada nos estudos cognitivistas para demonstrar o processo de integração

conceptual de variadas construções que apresentem relações de referenciação.

17 “(...) modo ou modos de conceptualizar determinada situação.” (SILVA E BATORÉO, 2010, p. 233)

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Evans (2007) esclarece que a mesclagem conceptual deriva de duas

abordagens na semântica cognitiva: a teoria da metáfora conceptual e a teoria dos

espaços mentais18. A mesclagem conceptual é um operação cognitiva básica para a

compreensão do modo como pensamos, sendo considerada a chave para

o desenvolvimento de comportamentos humanos que dependem de

habilidades simbólicas complexas.

O esquema da mesclagem conceptual, segundo Fauconnier (1997), é

elaborado de acordo com os procedimentos abaixo:

a) Projeção interdomínios - entidades do domínio-fonte projetam-se em

contrapartes no domínio-alvo.

b) Esquema genérico - espaço compartilhado pelo domínio-fonte e pelo

domínio-alvo; seria a interseção entre os dois domínios.

c) Mescla - os domínios são projetados em um quarto espaço, levando os

elementos que são contrapartes ou não; as entidades podem, nesse espaço,

aparecerem como um só elemento ou serem projetadas separadamente.

d) Estrutura emergente - é própria da mescla, sendo formada pela

contribuição dos domínios. Pode ser construída de três formas:

- por composição - as relações disponíveis não precisam existir no domínio-

fonte ou no domínio-alvo;

- por completamento (complementação) - MCIs19 e conhecimentos

compartilhados de molduras comunicativas podem ser passados dos domínios para

o espaço da mescla ou, através da composição, nascem novas relações;

18 Entendidos como construtos teóricos temporários para informação relevante sobre um domínio

particular (COULSON E FAUCONNIER, 1999)

19 Modelos cognitivos idealizados, que nos termos de Lakoff (1987) seriam estruturas complexas do conhecimento, relativamente instáveis, servindo para embasar estruturas proposicionais, esquemas imagéticos, mapeamentos metafóricos e metonímicos. Para Jesus (2009, p. 30), MCI seria o “conhecimento sobre o domínio ou domínios da experiência que colabora na significação de uma categoria linguística; ele é interindividualmente partilhado pelos membros de um grupo social, tem limite indeterminado e está envolvido em qualquer ato de categorização, sendo imprescindível para formação do significado e pensamento de uma língua”.

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- por elaboração - ‘criação’ cognitiva dentro do próprio espaço da mescla,

ocasionada pela nova lógica instaurada.

Esquema 2. Representação da mesclagem conceptual (FAUCONNIER E TURNER, 2002)

A integração conceptual como processo pode ser percebida nesse

diagrama básico, em que as linhas representam as projeções e mapeamentos

conceptuais, relacionadas a vinculações e coativações neurais.

Enfatizamos que, conforme afirmam Fauconnier e Turner (2006), os

diagramas envolvem somente uma parte dos espaços mentais; assim, um espaço-

mescla pode ter múltiplos espaços de input.

Quando nos referimos à modificação adjetival, pelos exemplos já expostos no

tópico anterior, percebemos claramente a ocorrência de integração conceptual, em

que há uma compressão de espaços mentais para a elaboração de novos

significados a partir da mescla.

Todas essas contribuições de estudos linguísticos servem para orientar nossa

conceituação a respeito do adjetivo privativo nesta pesquisa. Consideraremos como

adjetivo privativo o modificador não-predicativo que estabelece uma alteração das

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propriedades intensionais do sintagma ou construção nominal que lhe serve como

escopo, percebida na maioria das vezes pela negação contrafactual.

4.4 Contrafactualidade

Fauconnier (1985) apresenta a contrafactualidade como um caso de

construção linguística de um raciocínio possivelmente válido a partir de um locus

falso na atualidade. Ou seja, construções como “Se fosse rico, compraria um

Camaro amarelo” são válidas do ponto de vista hipotético, embora o espaço da

realidade atual demonstre a falsidade do estado do falante - ‘ser rico’.

Cognitivamente falando, temos nesse tipo de asserção uma

incompatibilidade entre espaços mentais, uma vez que o espaço R (realidade)

projeta um espaço H (hipótese) que não é concreto, fazendo com que haja um

dualismo nas contrapartes dos dois espaços mentais: no primeiro, temos um ‘eu’

pobre, que não possui um Camaro amarelo; no segundo, o ‘eu’ projetado é rico,

dono de um Camaro amarelo. Assim, quando vislumbramos uma compressão da

cena do falante, o que temos é uma negação contrafactual, uma vez que

consideramos a situação real de fala como base para o estabelecimento da

condição econômica desse falante.

Fauconnier aponta inicialmente as construções condicionais como premissa

para a contrafactualidade, mas o próprio autor, em outros estudos, admite que a

contrafactualidade não estaria restrita a construções gramaticais, mas seria um

recurso para operarmos com/na irrealidade (FAUCONNIER E TURNER, 2002).

As estruturas contrafactuais seriam vistas, então, como mesclas complexas gerais

com estrutura emergente, em que a modificação causada por um item

gera consequências para o todo; “Dama de Ferro” não se refere somente à

Margareth Tatcher como mulher e política, mas a uma comparação entre

sistemas políticos diferentes (Inlgaterra x EUA).

Ferrari e Pinheiro (2014), a partir da abordagem de Fauconnier, analisam

estruturas contrafactuais em trechos de canções e poemas, demonstrando que tais

estruturas são comuns na linguagem cotidiana, projetadas a partir da determinação

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de um ponto de vista (que pode ser do falante ou não20). Para os autores, as

estruturas contrafactuais “descrevem situações contrárias aos “fatos”, permitindo o

estabelecimento de raciocínios válidos a partir de premissas consideradas falsas” (p.

30).

Na modificação adjetival, temos também a ação de raciocínios contrafactuais,

quando consideramos que cada elemento da construção ativa um input que sofrerá

sucessivas mesclas e em uma dessas projeções ocorrerá uma desanalogia. É o

caso, por exemplo, de ‘cavalo de pau’, que se projeta primeiro em um espaço

contrafactual, já que o conceito genérico de ‘cavalo’ se liga a um animal que se

movimenta (no caso da construção, ‘de pau’ projeta essa negação contrafactual); em

seguida, a integração entre os elementos da mescla (animal/brinquedo,

orgânico/artificial, com pelo/de madeira) gera uma estrutura emergente em que há a

conceituação de ‘cavalo de pau’ como brinquedo que imita um cavalo.

4.5 Relações vitais

A noção de relações vitais é apresentada por Fauconnier e Turner (2002)

como uma forma de mostrar o detalhamento de sistematizações nos diferentes tipos

de redes integradas, ou seja, no processo de combinações conceptuais. Os autores

consideram que muitos fenômenos linguísticos (categorização, metáfora, analogia,

gramática, pensamento contrafactual, integração de evento, tipos diversos de

aprendizagem e criação artística, dentre outros) são produtos de uma mesma

operação imaginativa. Assim, necessitaríamos desses detalhes para explicarmos

suficientemente o que ocorre nos fenômenos linguísticos em que há integração

conceptual.

A explicação por meio desses detalhes nos auxilia na investigação de meios

pelos quais um modelo de rede se aplica em diferentes ‘nichos conceptuais’, através

de desenvolvimento conceptual com propósitos diversos, em contextos variados,

20 A flexibilidade do ponto de vista é assumida pelos autores como um fator relevante na análise de espaços

mentais em diferentes contextos discursivos.

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com diferentes affordances e pessoas também diferenciadas nas esperanças,

crenças e desejos.

As relações vitais são observadas no processo de mesclagem conceptual de

construções linguísticas, quando ocorrem as compressões; uma relação vital pode

resultar da compressão de outras21. As relações categorizadas por Fauconnier e

Turner são as seguintes: causa e efeito, tempo, espaço, identidade, mudança,

singularidade, parte-todo, representação, papel-função, analogia, desanalogia,

propriedade, similaridade, categoria, intencionalidade). Há tipos e subtipos de

relações vitais, dependendo da natureza da construção linguística.

Abaixo, uma breve noção de cada tipo de relação vital:

a) Causa e efeito - sua manifestação depende de outros tipos de relação,

como tempo, espaço e mudança; há subtipos dessa relação, como

produtor-produzido.

b) Tempo - relacionado à memória, mudança, continuidade, simultaneidade

e não-simultaneidade.

c) Espaço - parecida com a relação de tempo; relaciona-se à distância e

proximidade locativa.

d) Identidade - relação vital mais básica; refere-se à noção essencial de

pessoas, objetos, seres ou eventos; no processo de criação ou

desintegração da identidade, há contribuição das relações de mudança,

tempo e causa e efeito.

e) Mudança - relação vital mais genérica, conectando um elemento (ou parte

dele) a outro; possui vínculo com a relação de identidade.

f) Singularidade - refere-se ao que é adquirido no resultado da mescla dos

elementos, no sentido de exclusividade.

g) Parte-todo - refere-se à noção metonímica de, por exemplo, usar um

termo genérico (pessoa) para se referir a uma parte do corpo (face);

21 Por compressão entendemos o processo que reforça a relação entre os inputs de espaços distintos

no esquema de mesclagem conceptual, provocando uma fusão de sentidos ora evocados por domínios diferentes. O resultado de uma compressão aparece na estrutura emergente (espaço- mescla) da integração conceptual (EVANS, 2007).

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envolve outros tipos de relação, como identidade, causa e efeito,

exclusividade.

h) Representação - apresenta dois inputs: um que se relaciona à coisa

representada e outro ao elemento que a representa.

i) Papel-valor - refere-se a papéis sociais/valores de coisas no mundo

(presidente do Brasil é um papel para o valor Itamar Franco e um valor para

o papel chefe de estado).

j) Analogia - dependente da compressão papel-valor; os papéis Papa

João Paulo e Papa João VI são análogos.

k) Desanalogia - fundamentada na relação de analogia; é marcada pela

compressão na mudança (Oceano Pacífico x Oceano Atlântico).

l) Propriedade - refere-se ao que se atribui a uma coisa, a

uma característica específica (copo azul/cor azul).

m) Similaridade - relaciona elementos com propriedades compartilhadas.

n) Categoria - parecida com a relação de propriedade; refere-se

às categorizações que fazemos das coisas (Fiat Uno é um carro).

o) Intencionalidade - refere-se a esperanças, desejos, vontades, medos,

crenças, memórias e outras atitudes e disposições mentais.

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58

5 OUTROS CONCEITOS E ABORDAGENS SUBJACENTES AO FENÔMENO DE

MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA

Em análise inicial de construções modificadas privativas, percebemos que

conceitos e abordagens que não pertencem ao arcabouço teórico da Linguística

Cognitiva são necessários para a compreensão do fenômeno. No caso de ‘loura

falsa’, por exemplo, temos a acepção de significado determinada pelo contexto

discursivo, mas tal acepção fora desse contexto nos aponta pelo menos duas

possiblidades semânticas: negação de propriedades de ‘loura’ ou atribuição de

desvio ao caráter de ‘loura’.

Para nos auxiliar nesta questão, utilizaremos os conceitos de polissemia

(SILVA, 2006) e de sistemas complexos ligados à teoria multissistêmica da língua

(CASTILHO, 2010).

5.1 Polissemia

A polissemia é compreendida como “a associação de dois ou mais sentidos

relacionados entre si a uma única forma linguística” (SILVA, 2006, p. 10). No viés

da LC, a polissemia ocupa um lugar importante, uma vez que está associada a

uma recontextualização do significado e da linguagem.

Na literatura linguística, há um embate acerca da atribuição de sentido de

uma palavra, criando duas alternativas para a sua interpretação: uma que conduz o

sentido de uma palavra para algo mais genérico/vago e outra que privilegia “a

multiplicidade de usos concretos” (PINHEIRO, 2010, p. 64). Nos casos em que há

essa tensão, deve-se ‘puxar’ o significado para cima, “para o nível dos conteúdos

esquemáticos e de outros factores de coerência semântica” e também para baixo,

“para o nível dos usos contextuais, psicologicamente (mais) reais” (SILVA, 2010, p.

365).

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Na estruturação semântica do léxico, o quadro apresentado por Silva (2006),

a partir das ideias de Geeraerts, mostra como o conceito de polissemia pode ser

representado:

Quadro 2. A polissemia no mapa conceptual da semântica lexical (SILVA, 2006, p. 14)

No quadro, observamos que o conceito de polissemia cerca-se de dois

eixos: o semasiológico, “dimensão que parte do componente formal da palavra

ou, em termos de Saussure, do significante para os sentidos e referentes que

podem estar associados a essa forma e, logo, a essa palavra ou item lexical.”

(SILVA, 2006, p. 13) e o onomasiológico, “que parte do conceito, significado ou

referente para as diferentes formas e, logo, diferentes palavras ou itens lexicais

que o podem designar ou nomear” (IDEM). A partir desses eixos, são

distinguidos os aspectos que se opõem nesse domínio: a) o de ordem

funcional ou qualitativo, espraiado nos sentidos, no objetivo de saber como

estão relacionados semanticamente; b) o de ordem estrutural ou quantitativo,

que envolve questões de prototipicidade, no objetivo de verificar se os sentidos

diferentes de uma palavra têm o mesmo peso estrutural ou apresentam gradiência.

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Na assunção de que não é possível determinar exatamente quantos

sentidos tem uma palavra, uma vez que os significados são flexíveis, construídos a

partir de conhecimento enciclopédico e configuração de feixes de conhecimento

(domínios), Silva (2006) apresenta o contínuo monossemia-polissemia-homonímia:

Para exemplificar o contínuo, o autor utiliza as palavras ‘árvore’, ‘avô’ e

‘banco’, respectivamente casos de polissemia, monossemia e homonímia. Em

‘árvore’, temos dois sentidos fortemente convencionalizados (salientes): determinado

ser vegetal que cresce no solo e rede genealógica; os dois sentidos funcionam em

domínios conceptuais distintos ( o primeiro é de seres biológicos e o segundo de

redes de parentesco). No caso de ‘avô’, as duas interpretações são ‘pai do meu pai’

e ‘pai da minha mãe’; há uma pequena distância conceptual entre o esquema e suas

instanciações, não ocorrendo distinção nos domínios conceptuais. Em ‘banco’,

temos as leituras de ‘instituição de crédito’ e ‘espécie de assento’, que convergiriam

para um conteúdo esquemático de coisa, bastante genérico para criar nexo entre os

dois sentidos, o que nos faz perceber que os significados são complementos

distintos, portanto há uma distância percentual enorme entre o esquema e seus

significados.

5.2 Sistemas complexos e Teoria Multissistêmica da Língua

Para compreendermos a relação entre a ciência dos sistemas complexos e a

teoria multissistêmica da língua (CASTILHO, 2010), precisamos compreender os

pressupostos nos quais tal ciência se baseia:

1. Os componentes dos sistemas complexos exibem um tipo de ordem sem

periodicidade, em fluxo contínuo, em mudança - como queria Heráclito.

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61

2. Os sistemas não são lineares, são dinâmicos, exibem um comportamento

irregular, imprevisível.

3. Os elementos dos sistemas complexos exibem relacionamentos

simultâneos, não são construídos passo a passo, linearmente. Eles são adaptáveis e

auto-organizados.

4. As anomalias identificadas pela abordagem clássica exemplificam

fenômenos vitais para o entendimento do problema, e não deveriam ser descartadas

como aberrantes.

5. Uma nova topologia do impreciso, do vago, do aproximativo, precisará ser

proposta.

6. A competição nos sistemas é mais importante que sua consistência.

7. Finalmente, ao tratar de fenômenos complexos, nenhum método

revelará por si mesmo o objeto por inteiro.

A partir de tais pressupostos, Castilho (2010) elaborou as seguintes

premissas:

(1) Do ângulo de sua produção, as línguas serão definíveis como um conjunto

de processos mentais, pré-verbais, organizáveis num multissistema

operacional.

Os processos de organização das línguas são complexos, operando de

forma simultânea, dinâmica e multilinear. São esses os domínios de tais

processos: lexicalização, discursivização, semanticização e gramaticalização.

(2) Do ângulo de seus produtos, as línguas serão apresentadas como um

conjunto de categorias igualmente organizadas num multissistema.

Como produto, a língua é um conjunto de categorias englobadas

simultaneamente em quatro sistemas: Léxico, Discurso, Semântica e Gramática.

Esses sistemas não são hierarquizados (o que gera a ausência de sistemas

centrais e periféricos), mas articulados por um dispositivo sociocognitivo. O que se

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62

admite é que qualquer expressão linguística exibe características lexicais,

discursivas, semânticas e gramaticais, ao mesmo tempo.

Na perspectiva de fundamentação da teoria multissistêmica funcionalista-

cognitivista, existem os seguintes postulados:

(a) A língua se fundamenta num aparato cognitivo.

(b) A língua é uma competência comunicativa.

(c) As estruturas linguísticas não são objetos autônomos.

(d) As estruturas linguísticas são multissistêmicas, ultrapassando os limites

da gramática.

(e) A explicação linguística deve ser buscada numa percepção pancrônica da

língua.

(f) Um dispositivo sociocognitivo ordena os sistemas linguísticos.

O avanço na análise a que nos propomos depende da explicitação do último

postulado - sobre o dispositivo sociocognitivo. Castilho (2010) afirma que tal

dispositivo articula os processos e produtos linguísticos captados pelos sistemas

lexicais, discursivos, semânticos e gramaticais. O dispositivo citado se fundamenta

em dois eixos: a) cognitivo, através de categorias cognitivas (pessoa, espaço,

tempo, objeto, visão, movimento e evento) e suas subcategorias; b) social, a partir

da análise continuada das situações que ocorrem numa conversa (turnos

conversacionais). É importante salientar que as categorias cognitivas possuem

caráter pré-verbal, ao passo que suas subcategorias são linguísticas.

Para sumarizar tal relação, apresentamos o seguinte esquema:

Esquema 3. Dispositivo sociocognitivo e sistemas da língua

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63

Os princípios sociolinguísticos gerenciam os sistemas linguísticos, sendo

discriminados abaixo:

- ativação: fundamentado no princípio de projeção conversacional; é

responsável pela ativação de propriedades lexicais, semânticas, discursivas e

gramaticais; também caracterizado pela inserção de tópico novo.

- reativação: fundamentado na correção pragmática, através da repetição, da

paráfrase, da organização do sintagma e da recorrência da preposição na formação

de preposições complexas.

- desativação: fundamentado na estratégia conversacional de

despreferência, através da manifestação do fonema elíptico, morfema-zero,

argumentos sentenciais vazios, elipse do verbo e descontinuação do quadro tópico.

A partir dos princípios postulados, o autor apresenta os sistemas linguísticos e

seus processos, bem como os subsistemas e categorias inerentes a esses sistemas.

Castilho estabelece as seguintes categorias cognitivas presentes nas estruturas das

línguas naturais: PESSOA, COISA, ESPAÇO, TEMPO, MOVIMENTO, VISÃO,

QUALIDADE, QUANTIDADE, entre outras. Enfatiza que tais sistemas não são

hierárquicos e que funcionam na língua de forma colaborativa. Os quatro sistemas

são relacionados aos processos: a) léxico e lexicalização; b) semântica e

semantização; c) discurso e discursivização; d) gramática e gramaticalização22.

a) Léxico e lexicalização

Para o sistema lexical, o autor define léxico como "um conjunto de categorias

cognitivas e traços derivados que são representados nas palavras por meio da

lexicalização" (CASTILHO, 2010, p. 110); assim, o léxico tem um caráter de

inventário (virtual, pré-verbal) que se manifesta através do processo de lexicalização

(criação de palavras). Esse processo é negociado durante a interação linguística,

sofrendo transformações à medida que ocorre uma nova situação comunicativa e em

decorrência da passagem de tempo; dessa forma, temos a ativação ou lexicalização

22 Embora esses termos processuais sejam comuns e nos remeta a associações com processos de base puramente funcionalista, há de se notar que a sua atribuição perpassa categorias mais cognitivas. Por isso Castilho considera a Teoria Multissistêmica de base cognitiva-funcionalista.

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64

propriamente dita (seleção de categorias cognitivas e seus traços semânticos), a

reativação ou relexicalização (nova ativação das categorias) e a desativação ou

deslexicalização (eliminação ou substituição de categorias).

A lexicalização manifesta-se por etimologia (fructu persicu > persicu >

pêssego), neologia (verbo coisar) e empréstimo (o celta caballus, que suplantou o

latim equus para cavalo, mantendo-o somente na forma feminina égua). A

relexicalização pode ser percebida nos processo de derivação e composição lexicais

(amor ~amoroso, desde < em de + ex + de). Já a deslexicalização ocorre no desuso

de uma palavra (pela não é mais usada para se referir à bola de futebol - porém, a

derivação pelada, designando jogo informal de futebol, mantém-se no PB).

b) Semântica e semantização

O sistema semântico é apresentado como o de criação de significados,

operando a partir das seguintes estratégias: (i)organização de campo visual; (ii)

emolduração de participantes e eventos via criação de frames, scripts e cenários; (iii)

hierarquização de participantes e eventos por fixação de perspectivas, escopos,

figura/fundo; (iv) inclusão, exclusão e focalização de participantes e eventos; (v)

agregação de participantes e eventos novos por inferência, pressuposição e

comparação; (vi) movimentação dos participantes e eventos de forma fictícia ou real;

(vii) alteração de nossa perspectiva acerca de participantes e eventos, por metáfora,

metonímia, especialização e generalização.

Para a observação dessas estratégias no processo de semantização, temos

de compreender que sentidos, significados e significações não são conceitos

hierárquicos, pois funcionam simultaneamente. O campo do sistema semântico,

nessa perspectiva, abarca as seguintes categorias:

- dêixis e foricidade: a primeira é dependente da situação discursiva,

correspondendo à função de apontar a pessoa, o espaço e o tempo; o segundo

termo diz respeito à identificação por itens lexicais de termos já referidos ou a serem

referidos em um discurso, dentro de uma relação estreita com a dêixis.

- referenciação: é a função exercida por um signo linguístico para

representar uma entidade do mundo extralinguístico (real ou imaginária); essa

representação de coisas pode ocorrer de forma intensional (através do conjunto de

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65

propriedades lexicais das palavras) ou extensional (através da noção de conjunto de

indivíduos).

- predicação: decorrente da ação de um operador sobre seu escopo, através

da transferência de propriedades.

- verificação: decorrente da comparação implícita entre o escopo de um

operador e o protótipo correspondente, tendo como resultado a afirmação, a

negação, a focalização, a inclusão, a exclusão ou a delimitação do escopo.

- conectividade: representada pela função exercida por preposições e

conjunções, que é a de ligar palavras e sentenças.

- inferência e pressuposição: o primeiro termo refere-se à criação de

realidades semânticas embasadas naquelas que já existem; o segundo corresponde

ao entendimento de alguma coisa que não foi dita ou posta.

- metáfora e metonímia: a primeira é considerada um fenômeno conceitual

manifestado através de um mecanismo cognitivo básico e nem sempre ligada a

expressões linguísticas; a segunda está relacionada à alteração de sentidos de uma

palavra por meio de migração de traços presentes na expressão linguística.

A semantização é vista como a criação de sentidos, enquanto a

ressemantização está relacionada à adequação da representação de objetos e

eventos e a dessemantização corresponde às alterações geradas pelas metáforas,

metonímias, especializações e generalizações, em que há o silenciamento do

sentido anterior e ativação de novos sentidos (desbotamento semântico).

c) Discurso e discursivização

O discurso é entendido pela teoria multissistêmica da língua como o conjunto

de negociações em que se envolvem o locutor e o interlocutor, através das quais (i)

se instanciam as pessoas de uma interação e se constroem suas imagens; (ii) se

organiza a conversação através da elaboração do tópico discursivo, dos

procedimentos de ação sobre o outro ou de exteriorização dos sentimentos; (iii) se

organiza essa interação através do subsistema de correção sociopragmática; ou (iv)

se abandona o ritmo em curso através de digressões e parênteses, que passam a

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gerar outros centros de interesse. A discursivização é o processo de criação de

textos.

As categorias cognitivas que constituem o discurso são a moldura e a

perspectiva. A primeira corresponde a "uma percepção compartilhada pelos falantes

sobre a função social do discurso" (CASTILHO, 2010, p. 135); a segunda diz

respeito ao "ponto de vista adotado pelos interlocutores" (IDEM). A moldura pode ser

considerada uma metáfora ligada à categoria cognitiva de ESPAÇO, na

compreensão de que o objeto desse espaço é o texto; também não se descarta sua

estruturação na categoria de TEMPO e a maneira como permite operações

semânticas complexas, com vários desdobramentos.

O conceito de perspectiva liga-se às categorias de ESPAÇO e VISÃO,

através da manifestação variada de formas na estrutura do texto: seleção da voz

verbal, escolha lexical, dêixis e foco narrativo.

As categorias sociais que constituem o discurso são os interlocutores e as

categorias discursivas constituintes do texto são várias: tópico discursivo (unidade

discursiva e parágrafo), reformulação do quadro tópico (repetição, paráfrase),

descontinuação do quadro tópico (parentetização, digressão) e conexão textual.

O processo de discursivização será percebido pela produção de unidades

discursivas e parágrafos, enquanto a rediscursivização é revelada pela repetição de

enunciados, sua correção ou parafraseamento e a desdiscursivização é resultado do

abandono da hierarquia tópica por meio de estratégias como parênteses ou

digressões.

d) Gramática e gramaticalização

O sistema gramatical abarca três subsistemas: (i) a fonologia (quadro de

vogais e consoantes e sua distribuição na estrutura silábica); (ii) a morfologia

(estrutura da palavra); (iii) a sintaxe (estrutura sintagmática e funcional da sentença).

Esse sistema lida com estruturas cristalizadas ou em processo de cristalização.

A gramaticalização é vista por Castilho (2010, p. 138) como "processo de

constituição da gramática", no sentido de que essa constituição não é resultado de

processos lineares (uma vez que a língua não é considerada um conjunto de signos

lineares) e muito menos há um percurso de produção linguística do léxico para a

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67

gramática (pois léxico e gramática são sistemas autônomos) ou derivações entre

léxico, gramática, semântica e discurso.

Nessa perspectiva, a gramaticalização é apresentada pelo autor como criação

e alterações da estrutura fonológica das palavras (fonologização), da estrutura

flexional e derivacional da palavra (morfologização) e da estrutura da sentença

(sintaticização). Como exemplo de palavra que apresenta todas as manifestações de

gramaticalização, o autor trabalha com o pronome você: temos a fonologização nas

alterações de Vossa Mercê para Vosmecê, você, ocê e cê; há também a

morfologização na alteração de classe - palavra composta > palavra simples > clítico

/ substantivo > pronome > afixo; a sintaticização é demonstrada na perda das

fronteiras entre o Especificador vossa e o núcleo nominal mercê - na forma clítica

(cê), temos uma marcação gramatical pré-núcleo no PB que afeta a pessoa do

verbo.

A gramaticalização em si é percebida na construção dos sintagmas e das

sentenças, na ordenação dos constituintes, na concordância, na organização da

estrutura argumental, entre outras operações. A regramaticalização decorre de dois

processos já comumente apresentados - o de poligramaticalização e o de reanálise,

alteração de uma classe gramatical, gerando mudança na fronteira sintática e

associando o item a mais de um valor gramatical - caso de tipo: tipo de saia / tipo

assim. A desgramaticalização refere-se à desativação de propriedades gramaticais,

tendo como exemplo o morfema-zero (Morfologia) e a elipse de constituintes

sentenciais ou categoria vazia (Sintaxe).

Em nossa pesquisa, não temos como objetivo abordar a análise a partir de

todas as categorias e subsistemas apresentados, mas procuramos relacionar

algumas categorias dos sistemas gramatical, lexical, discursivo e semântico às

construções trabalhadas.

Também aproveitamos os critérios distribucionais explanados por Castilho

para desenvolvermos a análise de cunho sintático. Os critérios distribucionais são

apresentados por Castilho (2010) a partir da ótica de Casteleiro (1979), em estudo

sobre as diferenças sintáticas entre adjetivo e substantivo; Casteleiro observa as

seguintes distinções na análise das propriedades de distribuição desses itens, o

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que nos leva a uma classificação de adjetivos como predicativos e não-

predicativos:

a) Propriedade predicativa: os adjetivos predicativos correspondem a

sentenças relativas, enquanto os não-predicativos não. Ex.: Adoro as

paisagens que são tranquilas. / ?Adoro as casas que são rurais.

b) Propriedade de grau: os adjetivos predicativos admitem a gradação, o que

não ocorre com os não-predicativos. Ex.: Adoro as paisagens muito

tranquilas. / ?Adoro as casas muito rurais.

c) Propriedade pré e pós-nominal: os predicativos podem ter posição livre

(tanto posposta quanto anteposta) em relação ao substantivo, enquanto os

não-predicativos têm posição fixa. Ex.: Adoro as paisagens tranquilas ~

tranquilas paisagens. / Adoro as casas rurais - *rurais casas.

d) Propriedade de comutabilidade com uma paráfrase nominal: os não-

predicativos, quando na forma de+N, podem ser parafraseados, enquanto os

predicativos não. Ex.: cidade sombria - *cidade de sombra / ciências

naturais - ciências da natureza

e) Propriedade de ligação por verbos copulativos ‘ser’ e ‘estar’: os

predicativos são ligados aos substantivos através desses verbos, ao passo

que os não-predicativos rejeitam o verbo ‘estar’. Ex.: Essas paisagens

são/estão tranquilas. / * Essa ciência é/está natural.

f) Propriedade de funcionamento como predicativo do objeto direto: os

predicativos podem funcionar nessa categoria, o que não acontece com os

não-predicativos. Ex.: Acho essas paisagens tranquilas. / *Acho esse

engenheiro civil.

g) Propriedade de aposição: os predicativos podem funcionar como

apostos (antepostos ou pospostos) do substantivo, o que não ocorre com

os não-predicativos. Ex.: As crianças, alegres, partiram para o campo. /

*Os engenheiros, civis, partiram para o campo.

h) Propriedade de coordenação: os predicativos podem ter coordenação

entre si, enquanto os não-predicativos não fazem esse processo. Ex.:

paisagens calmas e bonitas / *engenheiros competentes e eletrotécnicos

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i) Propriedade de adição de prefixos numéricos: os não-predicativos aceitam

prefixos numéricos (mono-, multi-, poli-, etc), enquanto os predicativos não os

aceitam. Ex.: paisagem monocromática / *terras bivermelhas

j) Propriedade de adição de prefixos de negação: os predicativos aceitam

tais prefixos, enquanto os não-predicativos os rejeitam. Ex.: crianças

infelizes / *geradores insolares

k) Propriedade de adjunção a sentenças substantivas: os predicativos

aceitam sentenças substantivas, enquanto os não-predicativos só as

aceitam quando prefixados. Ex.: É bom que essas dificuldades sejam

vencidas. / *É governamental que certas repartições públicas não

funcionam. / É antigovernamental que certas repartições públicas não

funcionam.

l) Propriedade de formação de cadeia referencial: os predicativos formam

anáforas a partir de pronominalizações, enquanto os não-predicativos

formam anáforas nominalizadas.

Castilho (2010) afirma que essa análise mostra que os adjetivos são uma

classe heterogênea, considerando que a tradição faz a categorização em dois eixos

dos adjetivos: os verdadeiros adjetivos, adjetivos prototípicos, atributivos ou centrais,

contrapondo-se aos pseudoadjetivos, adjetivos não-prototípicos, classificatórios ou

de relação.

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70

6 ESTUDOS ANALÍTICOS DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA

O objetivo deste tópico é apresentar a dimensão prática dos estudos a

respeito da modificação adjetival privativa. Para tanto, utilizamos os estudos já

explanados nesta pesquisa, envolvendo conceitos gerativistas (KAMP, 1975) e

cognitivistas (FRANKS, 1995; COULSON E FAUCONNIER, 1999; COULSON,

2001).

6.1 O modelo de Kamp (1975)

O tipo de análise de adjetivos utilizado por Kamp (1975) é apresentado de

forma mais abrangente por Dalla Pria (2008). Para Kamp, a categorização

semântica dos adjetivos é respaldada pela satisfação de postulados a eles ligados:

a) Predicativo: Existe a propriedade Q para cada propriedade P e cada w

W, F(P)(w) = P(w) ∩ Q(w).

Interpretação: “existe uma propriedade Q para cada propriedade P e para

cada w (mundo possível) ϵ (pertencente a) W (o conjunto não vazio de todos os

mundos possíveis). F(P)(w) (o significado F na propriedade P e no mundo possível

w) = (é igual) P(w) (a propriedade P no mundo possível w) ∩ (interseccionada com)

Q(w) (uma propriedade Q no mundo possível w)”.

b) Afirmativo: Para cada P e w, F(P)(w) P(w)

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Interpretação: “para cada propriedade P e para cada w (mundo possível),

F(P)(w) (o significado F na propriedade P e no mundo possível w) (está contido

ou é igual) P(w) (a propriedade P no mundo possível w)”.

c) Privativo: Para cada propriedade P e cada w ϵ W, F(P)(w) ∩ P(w) = Ø

Interpretação: “para cada propriedade P e para cada w (mundo possível) ϵ

(pertencente a) W (o conjunto não vazio de todos os mundos possíveis), F(P)(w)

significado F na propriedade P e no mundo possível w) ∩ ∩ (interseccionada com)

P(w) (a propriedade P no mundo possível w) = (é igual a) Ø (um conjunto vazio)”

Para esse último caso, o linguista utiliza o exemplo de ‘fake’ e ‘false’,

afirmando que não há uma representação possível para esse tipo de adjetivo, como

ocorre com o predicativo e o afirmativo.

6.2 O modelo de Franks (1995)

Os processos analisados por Franks em seu modelo de geração de sentidos

são os de coerção metonímica do type, união prioritária e unificação. O linguista

sustenta sua análise na relação entre palavras e sentidos através de conceitos

lexicais23. Dessa forma, teríamos o seguinte processo gerativo: conceito lexical

(input) > contexto (especificidade/flexibilidade) > sentido apropriado (output).

23

Para o autor, conceitos lexicais são representados pela memória de longo prazo, enquanto sentidos são representações temporárias, construídas pelo contexto vigente na comunicação.

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72

Para analisar os casos de modificação adjetival, Franks utiliza um esquema

complexo de representação baseado na lógica formal:

Esquema 4. Representação complexa das estruturas de valor-atributo

Como vemos, temos uma representação que pode ser interpretada da

seguinte forma:

- a tipifica um grupo de atributos centrais, que se desdobra em a e c; no

desdobramento, a se relaciona à especificidade desses atributos, enquanto c faz

outro desdobramento para valores específicos (b se relaciona com p e c com r);

- b tipifica um grupo de atributos diagnósticos, sendo relacionado a um valor;

- nada impede a existência de mais elementos e desdobramentos em b.

No mecanismo apresentado, o autor leva em conta duas propriedades para a

análise – a especificidade e a flexibilidade. A partir desse pressuposto, Franks

apresenta outros esquemas para cada processo considerado no modelo de geração

de sentidos:

Esquema 5. Representação do processo de união prioritária

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73

Esquema 6. Representação do processo de coerção metonímica do type com

refutação

Esquema 7. Representação do processo de coerção metonímica do type com corte

para baixo

Em (6), temos o elemento A com seus atributos e valores, assim com o

elemento B; na relação desses elementos, o que não tem um par correspondente é

gerado por A/B. Franks utiliza o exemplo de ‘maçã vermelha’ e ‘maçã verde’ para

exemplificar a união prioritária: ‘vermelha’ é a cor padrão para maçã, mas quando

vinculamos à ‘maçã’ a cor ‘verde’, há a prioridade no modificador para esse novo

valor.

No caso de (7) e (8), vemos casos de coerção metonímica do type, sendo que

no primeiro temos refutação (como em ‘cílios postiços’) e no segundo temos corte

(como em ‘suposto criminoso’). No esquema, a distinção entre os dois está no

output: enquanto em (7) há um output apontando para a alteração de atributos

centrais e a manutenção dos atributos diagnósticos, em (8) temos somente a

manutenção dos atributos diagnósticos e a inexistência dos centrais.

Especificamente, Franks apresenta a análise de adjetivos privativos negativos

e funcionais. De início, mostra os conceitos lexicais do substantivo, para depois

apresentar o efeito do modificador sobre seu escopo.

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74

O primeiro tipo de análise é realizado com a construção ‘fake gun’ (revólver

falso). Temos, então, o esquema dos conceitos lexicais da palavra gun, com seus

atributos centrais e diagnósticos desdobrados em valores; perceba-se que há

marcações de /+/ para os valores trigger (gatilho), barrel (‘tambor’) e handle (cabo).

Esses valores não são alterados quando ocorre a inserção do modificador fake; na

verdade, a alteração ocorre nos atributos centrais e seus valores, que tem seus

sentidos ‘dobrados’, sob coerção, pois fake denota a impossibilidade da função de

tiro do revólver, bem como deixa em suspenso o material, o mecanismo e a

munição.

Esquema 8. Conceitos lexicais para gun (revólver)

Esquema 9. Efeito de fake (operador de coerção metonímica) sobre o AVE de gun

Finalmente, temos a representação do sentido global de ‘fake gun’, segundo

Franks:

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75

Esquema 10. Representação global da negação de traços em fake gun

Para o adjetivo privativo funcional, Franks apresenta os seguintes esquemas,

a partir da construção ‘stone lion’:

Esquema 11. Representação dos conceitos lexicais de lion e stone

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Observamos que os traços centrais e diagnósticos são bem definidos nos

esquemas. Há elementos comuns na lista de conceitos lexicais, como orgânico e

animado, em que há oposição: ‘lion’ (leão) apresenta traços positivos e ‘stone’ (de

pedra) traços negativos.

O resultado na junção desses elementos é observado no esquema 13. Nele,

há alguns traços diagnósticos de ‘lion’, enquanto os traços centrais apresentam dois

aspectos: alguns são negados (orgânico, animado), outros são coergidos (gênero,

essência biológica) e um é herdado dos traços de ‘stone’ (+ sólido).

Esquema 12. Representação global da modificação adjetival privativa em stone lion

(processos de união prioritária e coerção metonímica)

Os adjetivos privativos equivocados também são analisados por Franks.

Como nos outros casos, primeiramente ele apresenta os atributos e valores do

conceito lexical do N, para depois mostrar a ação do modificador sobre esse N.

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77

Esquema 13. Representação do conceito lexical para friend

O item ‘apparent’ (aparente), nesse caso, opera sobre o N, primeiramente em

um processo de coerção metonímica por corte e depois atribuindo sentido ambíguo

à construção. Então, mantém-se tanto o sentido apontado no esquema 14 quanto o

que aparece no esquema 15, com oposição nos traços dos atributos centrais

(loyalty/fidelidade, affection/afeição, dubious motivations/segundas intenções,

personal gain/ganho pessoal) e distinções nos traços diagnósticos: enquanto (14)

apresenta traços de comportamento solícito, tolerância, gentileza e afabilidade, (15)

apresenta, além desses traços, os de mentira e patifaria.

Esquema 14. Representação do item apparent agindo sobre friend

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78

Em todos os casos, o padrão de listagem de traços na relação atributo-valor

ocorre e, apesar de Franks citar o contexto como fator importante, não notamos a

relevância dele como item fundamental para essas análises.

6.3 O modelo de Coulson e Fauconnier (1999)

O tratamento dado por Coulson e Fauconnier às construções modificadas é

focado nos pressupostos da Linguística Cognitiva. Tais linguistas consideram a

abordagem de Franks (1995) simplista e insuficiente para dar conta de tal fenômeno,

uma vez que o desdobramento em traços centrais e diagnósticos seria uma forma

de manter ainda pressupostos do objetivismo, opostos pelo arcabouço teórico da

LC.

A primeira construção analisada pelos linguistas é ‘trashcan basketball’ (jogo

de basquete de lixo), que seria a lixeira que funciona como cesta de basquete

quando se joga uma bola de papel nela. Os linguistas descrevem um cenário para o

uso dessa construção: dois estudantes universitários estudando até tarde para uma

prova; um amassa uma folha de papel e começa a jogar a ‘bola’ na cesta de lixo,

fazendo surgir um jogo de basquete inusitado. A representação para tal construção

é a seguinte:

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Figura 2. Mesclagem conceptual para trashcan basketball

Obviamente, estamos lidando com domínios diferentes, um ligado ao jogo de

basquete e outro ligado a objetos de escritório/sala de aula. No espaço genérico,

temos a propriedade ‘vagamente esférica’, ligada ao formato de bola. No espaço

‘basketball’, temos ‘esfera de couro’ e os elementos pessoa, bola, basquete, na

relação de arremesso; no espaço ‘trash’, temos ‘papel amassado’ e ‘lixeira’ e os

elementos pessoa, papel, basquete, na relação de lançamento com força.

Outra construção analisada é ‘fake gun’ (arma falsa). Nesse caso, o cenário

descrito é de assalto, em que a vítima não tem noção de que a arma utilizada não é

de verdade:

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80

Figura 3. Mesclagem conceptual para fake gun

Na representação, não houve a descrição do espaço genérico, mas

observamos que os dois espaços de inputs apontam para o conhecimento do

ator/agente (g’) e a crença da vítima (g’’). Além disso, os autores apresentam um tipo

de mapeamento para mostrar as ações do ator e a percepção da vítima:

Figura 4. Intenção do ator em fake gun

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No mapeamento, observamos que há correspondência entre os elementos

‘cano’ e ‘arma’, na relação de ações do ator e crença da vítima; os mapeamentos

são limitados pela compreensão de que na mente do ator há a relação de causa

entre suas próprias ações e a crença da vítima. Esse ‘olhar’ mais detalhado no

processo de mesclagem conceptual é fundamental para o estabelecimento da

distinção entre o modelo de análise de Franks (1995), mais formal, e o de Coulson e

Fauconnier (1999).

6.4 O modelo de Coulson (2001)

A análise realizada pela linguista apoia-se muito nas reflexões de Franks

(1995) acerca dos adjetivos privativos, apesar de a autora não descartar o eixo

baseado nas concepções de Fauconnier e Turner (2002).

Para a construção ‘land yacht’ (limusine/carrão), a autora faz uma adaptação

da análise de Franks, em que vemos o processo de unificação sendo destacado, a

partir de alterações nos traços centrais e acréscimo de traços diagnósticos:

Tabela 1. Esquema para land yacht, adaptado de Franks (1995)

A partir disso, a autora apresenta o que seria a análise por mesclagem

conceptual, sem a utilização dos esquemas amplamente divulgados por Fauconnier

e Turner (2002):

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82

Tabela 2. Representação de integração conceptual para land yacht

Na tabela 2, vemos os elementos da mesclagem conceptual apresentados

detalhadamente. Notamos que na mescla os elementos de um ou outro input se

sobressaem, além de alguns elementos serem transportados do input 2 para o

espaço-mescla sem correspondência com outros elementos do input 1.

6.5 Considerações sobre os modelos analíticos

Os modelos apresentados até aqui mostram algumas convergências em

relação à análise que pretendemos realizar, bem como noções que serão

descartadas por considerarmos insuficientes para a descrição dos adjetivos

privativos em língua portuguesa24: Nossas considerações são as seguintes:

a) O processo de mesclagem conceptual torna-se eficaz na análise dos

privativos na medida em que consideramos o fenômeno da modificação

24

Advogamos que a análise baseada em traços, embora seja amplamente utilizada por outras abordagens teóricas, não condiz com a abordagem da LC no que diz respeito à conceituação/categorização de objetos. Essa visão seria simplista e objetivista, não contemplando processos intrínsecos e complexos relacionados à construção de sentidos.

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adjetival privativa como decorrente de projeções múltiplas de caráter

metafórico e metonímico.

b) A utilização de traços no processo de mesclagem não será aproveitada em

nossa análise, uma vez que acreditamos que as propriedades ditas

centrais e diagnósticas do escopo são relacionadas ao que Lakoff e

Johnson (2002) denominaram propriedades interacionais e que iremos

considerar nesta pesquisa pelo aporte das affordances, conceito mais

específico e eficiente no tratamento das propriedades intrínsecas do

escopo.

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84

CAPÍTULO II - METODOLOGIA DE PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, apresentamos a metodologia utlizada para a seleção dos

dados, bem como a proposta de análise em nível panorâmico (no caso dos dados do

WebCorp) e em nível específico (nos dados dos textos da internet).

1 APRESENTAÇÃO

Para um tratamento adequado da modificação adjetival privativa em língua

portuguesa, buscamos estabelecer dois eixos de análise: o primeiro, de caráter

panorâmico, para percebermos tal fenômeno em contextos mais aleatórios; o

segundo, de caráter mais específico, para enfatizarmos os processos cognitivos

ocorridos nos contextos de gêneros textuais encontrados na internet.

Optamos por esses enquadres no intuito de apontarmos, inicialmente, como o

fenômeno ocorre em ‘larga escala’, na análise de um corpus mais amplo coletado no

WebCorp25, e depois apresentarmos as peculiaridades das construções privativas

em textos selecionados da internet, através da ferramenta de busca Google26.

Esclarecemos que a coleta dos dados pelo WebCorp não é exaustiva, portanto não

pode esgotar as possibilidade de uso dos adjetivos privativos.

2 ANÁLISE PANORÂMICA DO FENÔMENO DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL

PRIVATIVA

Quando iniciamos o processo de análise da modificação adjetival privativa,

observamos que a seleção de textos em que ocorresse tal fenômeno poderia ser

vista como uma forma de manipulação de dados, no sentido da escolha somente de

situações linguísticas em que isso fosse comum, sem levar em conta um contexto

mais abrangente. Por conta dessa preocupação, buscamos realizar uma análise

panorâmica, que nos apresentasse dados de contextos genéricos na web.

25

Endereço eletrônico: www.webcorp.org.uk/live/index.jsp. Primeiro acesso em 10/02/2015 26

Endereço eletrônico: www.google.com.br . Primeiro acesso em 22/01/2014

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85

2.1 O corpus WebCorp

O WebCorp é um conjunto de ferramentas para a seleção de corpus da web

em tempo real, permitindo extrair dados linguísticos, considerando a web um grande

corpus. Foi lançado em 2000, pela Research and Development Unit for English

Studies (Birmingham City University), e tem sido amplamente utilizado em pesquisas

linguísticas diversas. Tal ferramenta realiza busca em 46 idiomas, mas não

apresenta distinção entre o português brasileiro e o europeu.

A seguir, apresentamos a interface do WebCorp Live:

Figura 5. Interface do WebCorp Live

Como observamos, o mecanismo de busca da ferramenta é bem simples e

não exige um manual para que possamos fazer as buscas pelos dados. Nesta

pesquisa, utilizamos o WebCorp Live para coletarmos dados a respeito das

construções privativas; para tanto, diante do levantamento realizado pela

ferramenta, tivemos que realizar uma varredura nos dados, para separar os

adjetivos que estavam em contexto predicativo dos que se apresentavam de forma

privativa.

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2.2 Apresentação dos dados do corpus Webcorp

Após a coleta dos dados no Webcorp, buscamos realizar uma ‘varredura’ nos

mesmos, selecionando somente os contextos em que apareciam modificadores

privativos. Tal seleção foi manual e apresentou os seguintes resultados:

TOTAL DE

CONTEXTOS

WEB

CONTEXTOS

DESCARTADOS

%

DESCARTE

CONTEXTOS

APROVEITADOS

CONSTRUÇÕES

PRIVATIVAS

FALSO 61 15 24,6 46 46

FALSA 61 06 9,8 55 63

ANTIGO 59 52 88,1 07 15

ANTIGA 57 52 91,2 05 06

POSTIÇO 37 10 27 27 15

POSTIÇA 41 02 4,9 39 15

SUPOSTO 60 08 13,3 52 39

SUPOSTA 62 02 3,2 60 52

PROVÁVEL 57 28 49,1 29 28

POSSÍVEL 51 40 78,4 10 08

TOTAL GERAL

546 216 39,4 330 287 Tabela 3. Dados do Webcorp

O descarte apontado na tabela diz respeito aos contextos em que as

construções eram extensionais ou sentenciais (casa antiga, é possível) ou

apresentavam somente enumerações de dicionários, ou seja, listas de palavras sem

contexto discursivo suficiente para análise.

Assim, temos os seguintes dados das construções:

CONSTRUÇÕES

OCORRÊNCIAS

PERÍODO

ANTIGA 06 06 01/01/2000 a 10/03/2015

ANTIGO 15 15 01/01/2001 a 18/11/2014

FALSA 63 65 13/04/2004 a 17/03/2015

FALSO 46 50 04/07/2010 a 18/11/2014

POSSÍVEL 08 12 01/01/2001 a 13/03/2015

POSTIÇA 15 27 15/11/2013 a 01/01/2014

POSTIÇO 15 21 15/11/2013 a 01/01/2014

PROVÁVEL 28 30 01/12/2013 a 19/03/2015

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SUPOSTA 52 55 01/01/2010 a 16/03/2015

SUPOSTO 39 49 01/01/2004 a 13/03/2015

Tabela 4. Levantamento dos itens e ocorrência

Após essa etapa, listamos as construções encontradas:

MODIFICADOR CONSTRUÇÕES

ANTIGO

antigo professor / antigo prefeito / antigo Clube Náutico / antigo porto / antigo diretor / meu antigo apartamento / antigo modelo / meu telefone antigo / antigo Primeiro-Ministro / antigo dono / antigo Presidente / antigo símbolo / antigo centro de poder / antigo Estádio da FNAT / antigo ring de óquei

ANTIGA

antiga capela / antiga União Soviética / antiga parceira / antiga fronteira / antiga Escola Conde Ferreira / antiga mulher do Google

FALSO

falso magro / falso baiano / falso positivo / falso negativo / falso testemunho / falso médico / RG falso / amigo falso ~ falso amigo / perfil falso / falso movimento / falso padre / falso engenheiro / falso casal lésbico / falso juramento / amor falso ~ falso amor / vidro falso / falso arroz / falso brilhante / falso Cristiano Ronaldo / falso adeus / texto falso / fundo falso / falso alargador ~ alargador falso / falso filho / IPhone falso / falso herói / falso trabalho de parto / falso choro / sorriso falso / falso prefixo / falso profeta / sangue falso / falso mendigo / email falso / falso menino / falso chantilly / celular falso / falso coração / Twitter falso / falso diploma / telefone falso / produtos falsos / falso alerta

FALSA

falsa blitz ~ blitz falsa / falsa fome ~ fome falsa / falsa segurança / falsa democracia racial / falsa paz / falsa bandeira / bandeira falsa / página falsa / chave falsa / falsa tropa / moeda falsa / falsa oposição / falsa baiana / imagem falsa / ficha falsa / falsa citação / falsa atribuição / falsa religião / explicação falsa / falsa balsa / falsa grávida / falsa memória / falsa visão / acusação falsa / prova falsa / notícia falsa / habilitação falsa / falsa consideração / amizade falsa / falsa amizade / estátua falsa / falsa informação ~ informação falsa / falsa desculpa/ falsa ideia / falsa pergunta / falsa solução / falsa concorrência / etiquetagem falsa / falsa identificação / afirmação falsa / falsa ideia / falsa folha de rosto / pedra falsa / fruta falsa / falsa professora / falsa simetria / câmera falsa ~ câmera de segurança falsa / falsa ciência / parede falsa / falsa magra / falsa cinderela / amiga falsa / falsa prova / falsa pizza / falsa torta / joia falsa / falsa beleza / falsa cor / Baía falsa

irmão postiço / cavanhaque postiço / fundo postiço / painel

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POSTIÇO

postiço / nariz postiço / bigode postiço / pai postiço / cílios postiços / cabelo postiço / peito postiço / pênis postiço / filho postiço / Picasso postiço / rabo postiço / coração postiço

POSTIÇA

dentadura postiça / unha postiça / ditadura postiça / franja postiça / identidade postiça / mãe postiça / barriga postiça / rosca postiça / cabeleira postiça / verdura postiça / mente postiça

SUPOSTO

suposto relacionamento / suposto envolvimento / suposto caixa dois / suposto fantasma / suposto espião / suposto operador / suposto homicídio / suposto policial civil / suposto novo Hyundai / suposto radar / suposto sucessor / suposto anjo / suposto membro / suposto cancelamento / suposto namorado / suposto vídeo / suposto conflito / suposto benefício / suposto cartel / suposto medicamento genérico / suposto inimigo / suposto final de filme / suposto filme / suposto agente / suposto estupro / suposto relógio / suposto gosto / suposto novo uniforme / suposto vazamento / suposto lobisomem / suposto ser mítico / suposto antídoto / suposto ‘chefe’ / suposto assassino / suposto autor / suposto carro / suposto voto / suposto filho / suposto falso filho

SUPOSTA

suposta foto oficial / suposta ligação / suposta traição / suposta desculpa / suposta imagem oficial / suposta anaconda / suposta morte / suposta descida do desemprego / suposta compra de votos / suposta quebra de decoro / suposta quadrilha / suposta ex-namorada / suposta fuga / suposta imagem / suposta exposição / suposta bola / suposta vítima / suposta manipulação / suposta camisa do Manchester City / suposta prática / suposta propaganda / suposta ‘pegadinha’/ suposta malandragem / suposta reação / suposta prova / suposta venda / suposta música / suposta ameaça / suposta agressão sexual / suposta affair / suposta convocação / suposta democracia racial / suposta rivalidade / suposta tortura / suposta ‘brincadeira’ / suposta nova mordida de Suárez / suposta nova terceira camisa / suposta foto / suposta namorada / suposta discriminação / suposta rixa / suposta espionagem / suposta ‘cura gay’/ suposta leucemia / suposta doença / suposta aparição / suposta função / suposta crise / suposta vegetariana / suposta separação / suposta tentativa / suposta liberação

POSSÍVEL

mundo possível / possível erro / tradução possível / possível problema / sonho possível / decoração possível / possível testemunha / possível envio

PROVÁVEL

fim provável / data provável / efeito provável / placar provável / disfarce provável / publicidade provável / provável formando / ataque provável / altura provável / provável chance / provável vilão / provável filme / provável visual / sentido provável / provável desempenho / provável navio / provável primeiro-ministro / provável inefetividade / provável setlist / (camisa) onze provável / provável substituição / provável substituto / provável

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reestilização / precipitação provável / provável adversária / alinhamento provável / provável titular / provável lançamento

2.3 Proposta de análise

A partir dos dados elencados, pudemos executar algumas análises no intuito

de desenharmos um panorama para o fenômeno da modificação adjetival privativa

em termos gerais. Como o corpus utilizado para essa análise inicial baseou-se em

excertos de contextos da web (WebCorp Live), a utilização do programa

mencionado mostrou-se eficaz. Para uma melhor compreensão desse panorama,

optamos por cruzarmos os dados obtidos no processamento dos dados,

buscando evidenciar o que é relevante quanto à posição do adjetivo, gênero textual

e temática.

2.3.1 Posição do adjetivo

Nos estudos linguísticos sobre modificação adjetival em PB, já

apresentados na seção 2.3 do capítulo I, discorremos sobre a questão da ordem

fixa e da ordem livre dos adjetivos. Baseados nos pressupostos de Callou

et al (2003) de que diacronicamente há diminuição na anteposição de

adjetivos e na noção de que, apesar da ordem do adjetivo ser considerada

um critério basilar para a categorização de predicativos e não-predicativos, há

fatores que interferem nessa ‘regra’, apresentamos os seguintes resultados:

ANTEPOSIÇÃO

%

POSPOSIÇÃO

%

ANTIGA 06 100 0 0

ANTIGO 14 93,3 01 6,7

FALSA 38 60,3 25 39,7

FALSO 15 32,6 31 67,4

POSSÍVEL 04 50 04 50

POSTIÇA 0 0 15 100

POSTIÇO 0 0 15 100

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PROVÁVEL 16 57,1 12 42,9

SUPOSTA 52 100 0 0

SUPOSTO 39 100 0 0

A partir dos resultados apresentados, fizemos um gráfico demonstrativo do

percentual total da posição do adjetivo:

Gráfico 1. Percentual das construções privativas

Como observamos, os casos em que há totalidade em uma das posições

(postiço/postiça e suposto/suposta) decorre de questões ligadas à relação

sintático-semântica das construções; tanto a posposição quanto a anteposição

Possibilitam a compreensão do sintagma (cílios postiços/*postiços cílios,

suposto fantasma/*fantasma suposto).

Nas construções em que há flexibilidade na ordem, sem alteração semântica

do modificador (antigo/antiga, falso/falsa, provável e possível), notamos que ainda

há ocorrência maior na posição considerada canônica para os

privativos (‘antigo/antiga’: média de anteposição - 96,65%/ média de posposição -

3,35%); no caso de ‘falso/falsa’, as médias de anteposição (46,45%) e posposição

(53,5%) são muito próximas, o que pode ser indício da mudança apontada por

Callou et al (2003) no último século para os casos de anteposição. Nas

construções com ‘possível’, percebemos equivalência nas posições, dado que tal

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modificador, por apresentar características modalizadoras e não-polissêmicas,

também apresenta flexibilidade, assim como ‘provável’.

2.3.2 Tipo de gênero textual

Para a questão do gênero textual, levamos em conta a noção de que os

gêneros referem-se aos “textos materializados que encontramos em nossa vida

diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por

conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica”

(MARCUSCHI, 2005, p. 22). Houve dificuldade em identificar os gêneros textuais

pelo fato de as construções ocorrerem em excertos da web, muitas vezes com

pouco conteúdo discursivo que nos levasse a uma categorização exata. Diante

disso, em muitos casos buscamos os excertos em contextos maiores na internet,

para termos certeza acerca do gênero apresentado. Após essa etapa, fizemos um

levantamento dos gêneros ocorrentes nos dados, a partir do contexto discursivo:

GÊNEROS POSSÍVEL PROVÁVEL SUPOSTO SUPOSTA TOTAL

Anúncio - 06 - - 06

Artigo de opinião - 01 01 - 02

Carta - - - 01 01

Conto - - 01 - 01

Entrevista - - - 01 01

Foto (legenda) - - 01 02 03

Informativo27 03 03 - 01 07

Manual - 01 - - 01

Canção - 01 01 - 02

Notícia 04 16 44 47 111

Questionário 01 01 - - 02

Receita - 01 - - 01

Reportagem - - - 02 02

Resenha 02 - - - 02

Verbete 02 - 01 - 03

Vídeo - - - 01 01

TOTAL 12 30 49 55 146

27 Referimo-nos ao tipo de gênero que traz informações acerca de algo. Nos casos em questão, são textos que trazem informações sobre saúde e resultados de futebol.

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GÊNEROS FALSO FALSA ANTIGO ANTIGA POSTIÇO POSTIÇA TOTAL

Anúncio 02 01 03 - 05 12 23

Artigo de opinião - 04 - - - - 04

Crônica - 03 - - - 01 04

Entrevista - - - - 01 - 01

Estudo bíblico 02 01 - - - - 03

Foto (legenda) - - - - 02 - 02

Manual 03 01 - - 02 03 09

Máxima 02 01 - - - - 03

Canção 04 12 - - 02 02 20

Notícia 15 23 07 03 04 03 55

Poema 01 02 - - - - 03

Questionário - - 01 01 - - 02

Receita 04 01 - - - 01 06

Reportagem 04 05 02 01 01 05 18

Resenha 01 - - - - - 01

Verbete 05 09 02 01 03 - 20

Vídeo 07 02 - - 01 - 10

TOTAL 50 65 15 06 21 27 184 Tabelas 5. Gêneros textuais nos contextos da web

A partir dos números expostos, fizemos um gráfico para entendermos melhor

a ocorrência das construções privativas nos contextos da internet:

Gráfico 2. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes

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A relevância do gênero textual presente no contexto das construções

privativas dá-se pelo fato de que essa ancoragem nos apontaria para a definição da

intencionalidade do texto e também a percepção do uso mais comum dessas

construções. Pelo que observamos, a maioria dos contextos são noticiosos (50,3%),

o que aponta para um uso especializado em uma área de grande circulação

social. A seguir, apresentamos alguns excertos:

[5] ‘o team do “falso filho de JES” solicitou um financiamento de 29 milhões’ [6] ‘Quadrilha faz blitz falsa e assalta ônibus em Barra Velha’ [7] ‘Fernanda Lima perde a unha postiça durante o 'SuperStar' e cai na gargalhada’ [8] ‘Polícia encontra leão identificado como Rawell na casa de antigo dono no Paraná’

Levando-se em conta que as notícias são replicadas ou comentadas via redes

sociais e outras ferramentas, podendo alcançar uma difusão inimaginável do

material postado (ZAGO E BASTOS, 2013), compreendemos seu alto índice nos

contextos analisados.

Destacamos o levantamento da proporção do gênero notícia com os dados,

nos 330 contextos web aproveitados, e obtivemos o seguinte:

TOTAL DE

CONTEXTOS

NOTÍCIA %

NOTÍCIA

ANTIGA/ ANTIGO 21 10 47,6

FALSA/ FALSO 115 38 33

POSSÍVEL 12 04 33,4

POSTIÇA/ POSTIÇO

48 07 14,6

PROVÁVEL 30 16 53,4

SUPOSTA/ SUPOSTO

104 91 87,5

Tabelas 6. Percentual do gênero notícia nas construções

Como observado, o percentual do gênero notícia é mais significativo no uso

das construções com ‘suposto/suposta’ (87,5%), seguido de ‘provável’ (53,4%) e

‘antiga/antigo’ (47,6%).

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Além da análise do gênero textual, a temática presente nas construções é

importante para compreendermos as esferas de uso desses itens.

2.3.3 Temática

Os temas considerados por nós nessa análise dizem respeito aos assuntos

abordados no contexto das construções privativas, levando-se em conta o nível mais

genérico. Então, diante de uma construção em contexto de estelionato, como em

‘Em maio deste ano, ele foi condenado por usar um falso diploma de especialização

em cirurgia plástica’, consideramos o tema ‘crime’, mais amplo e que abarca

vários níveis (lavagem de dinheiro, homicídio, assalto, roubo, falsidade ideológica,

etc).

A seguir, as tabelas com a listagem dos temas e seu quantitativo:

TEMAS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL

ciência 01 02 04

clima - 01 01

culinária - 01 01

decoração - - 03

economia - 01 01

educação - 01 01

entretenimento 02 05 10

esporte - 05 05

estética 01 - 01

justiça 01 01 02

linguagem 02 - 02

literatura - - 01

música - 04 04

objeto - 02 02

política 01 02 03

premiação - - 14

saúde - 02 02

transporte - 01 01

TOTAL 10 29 39

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TEMAS FALSO/

FALSA

ANTIGO/

ANTIGA

POSTIÇO/

POSTIÇA

SUPOSTO/

SUPOSTA

TOTAL

alimentação - - 01 - 01

amizade 08 - - - 08

animais - - - 01 01

arte - - 01 - 01

celebridade - - - 08 08

comportamento - - 02 01 03

crime 21 - - 65 86

culinária 04 - - - 04

educação - - - 01 01

entretenimento 03 - - 05 08

esporte 01 01 - 08 10

estética 04 - 51 - 55

estilo de vida 02 - - - 02

família 01 - 04 02 07

gentílico 02 - - - 02

gênero 01 - - - 01

imóvel - 01 - - 01

internet 06 - - 01 07

justiça 04 - - - 04

localização 01 05 - - 06

objeto 17 01 05 09 32

política 18 02 02 13 35

profissão 04 01 - 01 06

relacionamento amoroso

- - - 05 05

religião - - - 01 01

saúde 03 - - 06 09

Tabelas 7. Temas nos contextos da web

Como feito anteriormente, salientamos os temas mais utilizados nos

contextos:

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96

Gráfico 3. Percentual dos temas mais frequentes nos contextos

Ao observarmos o gráfico, constatamos que o tema ‘crime’ (26%) é o mais

frequente, acompanhado pelos temas ‘estética’ (17%), ‘política’ (11,5%) e ‘objeto’

(10,3%); tais temas podem ser comparados com o resultado de outras pesquisas.

Zago e Bastos (2013), em pesquisa sobre os temas de notícias publicados no

Facebook e no Twitter em 5 países, incluindo o Brasil, mostram que os temais mais

comuns são os seguintes: Facebook - política (20,45%), notícias locais (18,75%) e

cultura (17,04%); Twitter - política (29,05%), notícias locais (15,24%)

e entretenimento (14,76%). Mesmo considerando que nossos dados não se

referem somente a textos noticiosos, percebemos que, exceto pela ‘cultura’, os

outros temas encontram-se em destaque em nosso gráfico.

Outro estudo, de Herscovitz (2009), em análise de 432 matérias publicadas

em jornais online, durante um período de 15 dias, elencou os principais assuntos:

economia (19,3%), internacional e conflitos diplomáticos regionais (11,5%), crime

(8,5%), terrorismo e assassinatos políticos na América Latina (7,8%), desastre

(6,9%), imigração (6,4%), políticas nacionais (6%), corrupção (5,3%), esportes

(5%) e ordem nacional (4,1%). Tais resultados também se coadunam com os

encontrados em nossa análise.

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Buscando um alinhamento com os estudos apresentados, isolamos os

dados referentes ao gênero notícia, para através deles definirmos as

temáticas. Os resultados podem ser observados nas tabelas a seguir:

TEMAS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL

clima - 01 01

economia - 01 01

entretenimento - 04 04

esporte - 05 05

objeto - 01 01

política 02 - 02

saúde - 02 02

transporte - 01 01

TOTAL 02 15 17

TEMAS FALSO/

FALSA

ANTIGO/

ANTIGA

POSTIÇO/

POSTIÇA

SUPOSTO/

SUPOSTA

TOTAL

canção - - - 02 02

celebridade 01 - 02 10 13

crime 18 - - 27 45

educação - - - 01 01

entretenimento 01 - 03 02 06

esporte - 01 01 09 11

estética - - 05 - 05

internet - - - 04 04

justiça 01 - - - 01

localização - 02 - - 02

objeto - - - 07 07

política 05 - 01 09 15

saúde - 01 - 06 07

sobrenatural - - - 04 04

TOTAL 24 04 12 78 123 Tabelas 8. Quantitativo dos temas no gênero notícia

Também ranqueamos os temas mais frequentes no gênero especificado:

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Gráfico 4. Temas nas notícias

Quando realizamos o cruzamento de dados e comparamos com a pesquisa

de Herscovitz (2009), percebemos que há duas temáticas comuns (crime e esporte).

No ranqueamento da jornalista, o tema ‘crime’ aparece em 3ª posição e ‘esporte’

está entre as últimas, resultado que não é corroborado pelo nosso ranqueamento,

em que ‘crime’ ocupa a 1ª posição e ‘esporte’ a 3ª. Tal discrepância pode ser

explicada pelo tipo de seleção dos dados: enquanto Herscovitz objetivava

estabelecer os assuntos em jornais e escolheu os tipos de portais com os quais

trabalharia (Estadão, iG, Terra, Uol ), em nosso caso encontramos os dados a partir

de pesquisa no WebCorp, bem mais genérica.

2.4 Considerações sobre a análise

Diante da análise realizada, nos aspectos de posição do adjetivo, gênero

textual e temática, podemos destacar algumas considerações:

a) Quanto à posição do adjetivo, a amostra aponta que não há disparidade

entre anteposição e posposição, o que nos remete à refutação da

premissa da gramática tradicional de que adjetivos de caráter negativo

como ‘falso’, por exemplo, , aparecem sempre antepostos (CASTILHO,

2010).

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b) Quanto ao tipo de gênero textual, os resultados apontaram que os gêneros

notícia, anúncio, verbete, canção e reportagem são os mais comuns nos

contextos. Tal ranqueamento aponta para a preferência do uso dessas

construções em um gênero de grande circulação social, demonstrando que

tal uso torna-se também muito frequente na língua.

c) Quanto à temática, temos os assuntos ‘crime’, ‘estética’, ‘política’ e

‘objeto’ mais ranqueados; na temática específica nas notícias, a análise

apresentou os temas ‘crime’, 'política’,‘estética’, ‘entretenimento’ e ‘esporte’

como os mais usuais, o que se coaduna em parte com resultados

apresentados no estudo de Herscovitz (2009). Consideramos que tais

temas refletem as preferências de nossa sociedade, uma vez que a

criminalidade no Brasil é uma das maiores preocupações, juntamente com

as questões políticas e o esporte, principalmente o futebol (um dos temas

específicos mais tratados nas notícias), considerado o esporte preferido dos

brasileiros.

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100

3 ANÁLISE ESPECÍFICA DO FENÔMENO DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL

PRIVATIVA EM TEXTOS

Para essa etapa da pesquisa, em que nos aprofundaremos na análise das

construções privativas a partir de textos, optamos por iniciá-la por alguns critérios

gerais já utilizados na análise panorâmica e depois nos encaminhamos para a

proposição teórica dos critérios distribucionais e cognitivistas e, então,

a apresentação dos resultados da análise por esses critérios.

Ressaltamos que a escolha das construções coletadas foi baseada nas

construções que apareceram na pesquisa pelo WebCorp e também pelas

construções que já foram estudadas em língua inglesa. O mecanismo para essa

seleção consistiu em lançar na ferramenta de buscas Google a construção (como

'falsa loura', 'cílios postiços', por exemplo) e verificar os textos que apareciam,

fazendo a seleção do que fosse realmente um texto, marcado por início,

desenvolvimento e conclusão.

Antes de tudo, sentimos necessidade de discorrer sobre a questão do

contexto como base para essa análise específica, uma vez que compreendemos

que a identificação das affordances nos frames construídos, bem como dos

elementos envolvidos na mesclagem conceptual e nas relações estabelecidas pelas

compressões, só se tornam possíveis porque existe um contexto discursivo,

social, de base corpórea, que dá suporte a essas construções.

3.1 O papel do contexto na análise específica das construções privativas

Quando nos referimos ao contexto estabelecido como suporte para a

compreensão das construções privativas, levamos em conta o conceito apresentado

por Ferrari (2011): o contexto se caracteriza como “evento mental rico, imagístico,

sensorial e corpóreo” (p.44), tendo dois eixos em sua formação - as experiências

cognitivas locais e a relação com a hipótese da base corpórea da cognição.

Em relação às experiências cognitivas locais, Ferrari (2011) aponta o contexto

linguístico e o social como seus componentes. O contexto linguístico apresenta

três aspectos: a) discurso precedente - o que é dito antes do termo em foco; b)

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ambiente linguístico imediato - a expressão ou frase em que o termo ocorre; c)

tipo de discurso - refere-se ao tipo de gênero textual, registro e campo discursivo

em que o termo está presente. O contexto social diz respeito ao tipo de situação

que envolve os participantes e as relações sociais entre eles, além do

conhecimento, crença e intenção utilizados na interlocução.

Quanto à hipótese de base corpórea da cognição, que se relaciona com a

memória permanente, a linguista observa que a experiência vivenciada influencia

atividades cognitivas básicas - percepção, formação de conceitos, imagística

mental, memória, raciocínio, linguagem, emoções e consciência. Cremos que tais

atividades são os fundamentos para os processos de categorização (cf. LAKOFF

E JOHNSON, 2002).

Em nossa análise, a perspectiva cognitivista do contexto torna-se fundamental

para uma abordagem mais eficaz das construções privativas. Adiante, veremos

como a base contextual relaciona-se aos processos cognitivos estabelecidos

como descritores do fenômeno de adjetivação privativa.

3.2 Apresentação dos dados do corpus

Os dados aqui apresentados referem-se a construções privativas presentes

em textos extraídos da internet por meio da ferramenta de busca Google. O

processo de seleção dos textos foi realizado a partir do lançamento das

construções tanto antepostas quanto pospostas, baseando-se nos itens aparentes

na etapa de análise do WebCorp. Ao todo, selecionamos 262 textos, assim

distribuídos:

MODIFICADOR TEXTOS CONSTRUÇÕES

ANTIGO/ANTIGA 50 50

FALSO/FALSA 50 42

POSSÍVEL 25 23

POSTIÇO/POSTIÇA 50 50

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PROVÁVEL 25 25

SUPOSTO/SUPOSTA 50 47

TOTAL 250 237

Tabela 9. Distribuição dos dados - corpus Google

A seguir, apresentamos as construções selecionadas, que ocorreram em mais

de um texto, em alguns casos:

MODIFICADOR CONSTRUÇÕES

ANTIGO/ANTIGA

antigo dono / antigo homem mais rico da Rússia / antigo relacionamento / antigo fumante / antigo companheiro / antigo amor / antigo professor / antigo parceiro / peguete antigo / antigo morador / amor antigo / caso antigo / antigo traficante / antigo prédio / antigo criminoso / antigo kartódromo / antigo cabelo ~ cabelo antigo / antigo ‘jogador problema’ / antigo corpo / antigo animal de estimação / antigo físico / antigo padrasto / antigo estudante de direito / antigo amante / antiga Mulher-Maravilha / antiga esposa / antiga dona / antiga patroa / antiga ‘Loira do Tchan’ / antiga mulher do Google Tradutor / antiga professora / antiga Serraria / antiga paixão / antiga namorada / antiga fábrica / antiga casa / antiga usuária / antiga Rua da Horta / antiga estrada Rio-São Paulo / antiga comadre CCCP / antiga madrinha / antiga família real / antiga moça / antiga prostituta / antiga guarda penitenciária / antiga babá / antiga estagiária / babá antiga / antiga moradora

FALSO/FALSA

falso marido / marido falso / esposa falsa / Popozuda falsa / loura falsa / falsa Popozuda / falso crente / sobrinho falso / repórter falso / amigo falso ~ falso amigo / noivo falso / grávida falsa / esposa falsa / noiva falsa / falso profeta ~ profeta falso / fumante falso / falso repórter / empregado falso / pastor falso / falsa gorda / médico falso / dentista falso / professor falso / falsa professora / vendedor falso / psicóloga falsa ~ falsa psicóloga / policial falso / falso sequestrador ~ sequestrador falso / maconheiro falso / menina falsa / menino falso / homem falso / carioca falso / carioca falsa / mineiro falso / falsa bonita / falsas magras / falso sobrinho

POSSÍVEL

possível volta / possível ensaio nu / possível contratação / possível logo / possível substituto / utopia possível / cenário possível / possível impeachment / possível novo recordista / possível evento / possível sucessor / possível corrupção / possível rebaixamento / possível fraude / possível tomada de reféns / possível supernova / possível filiação / possível variação / possível alta / resposta possível / possível renovação / possível spoiler / possível acordo

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POSTIÇO/POSTIÇA

unhas postiças / mãe postiça / roscas postiças / franja postiça / aresta postiça / torcida postiça / identidade postiça / manga postiça / avó postiça / gola postiça / sobrancelhas postiças / dentadura postiça / campanha postiça / irmã postiça / pinta postiça / moral postiça / mão postiça / barriga postiça / estabilidade postiça / felicidade postiça / justiça postiça / casa postiça / titia postiça / barba postiça / mulher postiça / prima postiça / cílios postiços / dente postiço / pai postiço / filho postiço / cabelo postiço / dedo postiço / coração postiço / bigode postiço / nariz postiço / ar postiço / irmão postiço / líder de governo postiço / Estado postiço / olho postiço / pais postiços / governo postiço / nome postiço / avô postiço / conselheiro postiço / braço postiço / sogro postiço / homem postiço / pênis postiço / eu postiço

PROVÁVEL

provável personagem / provável causa / data provável / provável destino / provável saída / provável visita / provável novo navegador / provável equipe / tempo provável / provável oceano / quadro provável / provável ‘ataque terrorista’ / correlação provável / provável titular / provável visual / provável novo maestro titular / provável racionamento / provável aumento / provável desafiante / provável premier / provável candidato / caso provável / provável elenco / provável favorita / roteiro provável

SUPOSTO/SUPOSTA

suposto assassino / suposto amigo / suposto homicídio / suposto estupro / suposto primo / parto suposto / suposto pai / suposto ataque de tubarão / suposto envolvimento / suposto colega / suposto estuprador / suposto OVNI / suposto pivô / suposto assalto / suposto desvio de dinheiro / suposto ladrão / suposto inimigo / suposto vídeo íntimo / suposto alien / suposto usuário de drogas / suposto filho / suposto ex-affair / suposto autor / suposto chefe do tráfico / suposta mãe / suposta namorada / suposta filha / suposta ida ao cinema / suposta traição / suposta ‘boca de fumo’ / suposta injúria racial / suposta mandante / suposta fraude / suposta mudança de sexo / suposta música / suposta ‘pegadinha’ / suposta ligação / suposta ofensa / suposta overdose de droga / suposta adulteração / suposta homicida / suposta vítima / suposta amante / suposta aliciadora / suposta doente mental / suposta cantada / ‘suposta conta’

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104

3.3 Critérios preliminares

Assim como fizemos no tópico 2.3 e seus subtópicos 2.3.2 e 2.3.3

deste capítulo, apresentamos a análise por dois critérios gerais - gênero textual

e temática. Salientamos que o critério ‘posição do adjetivo’ não será contemplado

neste tópico porque faz parte dos critérios distribucionais apresentados por

Casteleiro (1979), que serão trabalhados em tópicos subsequentes.

3.3.1 Tipo de gênero textual

Seguindo ainda os pressupostos de Marcuschi (2005) a respeito dos gêneros

textuais, identificamos os gêneros nos textos selecionados. Salientamos que a

presença de um contexto discursivo mais amplo nos garantiu uma maior facilidade

na identificação desses gêneros. A seguir, a tabela com os resultados:

GÊNEROS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL Artigo de opinião 03 01 04

Fórum 01 - 01

Informativo - 02 02

Notícia 17 21 38

Questionário 01 - 01

Reportagem 03 01 04

TOTAL 25 25 50

GÊNEROS FALSO/

FALSA

ANTIGO/

ANTIGA

POSTIÇO/

POSTIÇA

SUPOSTO/

SUPOSTA

TOTAL

Anúncio 03 01 01 - 05

Artigo de opinião - - 05 02 07

Canção 02 01 - - 03

Conto 01 02 01 - 04

Entrevista - - 01 - 01

Fórum 03 - - - 03

Guia - 01 01 - 02

Informativo 01 01 05 - 07

Máxima 02 - 01 - 03

Notícia 19 34 24 48 125

Poema - - 02 - 02

Post 10 01 02 - 13

Reflexões - 01 - - 01

Relato 02 07 02 - 11

Reportagem 04 01 05 - 10

Resenha 01 - - - 01

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Sinopse 02 - - - 02

TOTAL 50 50 50 50 200

Tabelas 10. Gêneros textuais nos contextos

Nesses resultados, podemos observar que as construções com ‘possível’ e

‘provável’ não apresentaram uma variedade nos gêneros, o que pode apontar

para uma seletividade desse tipo de construção; quer dizer, tais construções são

específicas de um grupo de gêneros (no caso, o predomínio é a notícia). Ao

analisarmos todas as construções, observamos que o gênero notícia continua sendo

o predominante:

Gráfico 5. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes

Como abordado na análise panorâmica, parece-nos que a predominância do

gênero notícia mostra o quanto as construções privativas são frequentes no

português brasileiro, pois é um gênero de grande circulação social. Nos textos, tal

gênero ocorre em mais da metade deles (65,2%), acompanhado pela reportagem

(5,6%), que também pode ser considerada um gênero derivado da notícia.

Além disso, a presença das construções privativas em tal gênero levanta

questões acerca das características próprias do gênero: a) a tipologia textual

predominante é a do relatar, pois implica situações reais, fatos, acontecimentos; b)

as condições de produção da notícia perpassam os autores, o público-alvo, o meio

de veiculação, os objetivos e a relevância da informação noticiada; c) os fatos

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noticiados em sua maioria são de interesse público ou curiosos. Nessa

perspectiva, abordaremos as temáticas envolvidas nos textos com as construções

privativas.

3.3.2 Temática

A partir do que foi observado na análise panorâmica, em que se verificou

índice alto nas temáticas ‘crime’, ‘esporte’, ‘política’, ‘celebridade’ e ‘entretenimento’.

Nosso objetivo é verificar se tais índices se repetem nesta análise específica e o que

a incidência deles aponta para o uso das construções privativas. Nossa previsão

era de que os resultados das análises convergeriam para temas semelhantes.

Dessa forma, elencamos os temas:

TEMAS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL

acidente - 01 01

automóveis 01 - 01

celebridade 01 - 01

ciência 02 01 03

crime 02 01 03

economia 03 02 05

entretenimento 02 03 05

esporte 05 07 12

filosofia 01 - 01

internet 01 - 01

natureza 01 - 01

política 05 05 10

religião - 01 01

saúde - 02 02

tecnologia 01 02 03

TOTAL 25 25 50

TEMAS FALSO/

FALSA

ANTIGO/

ANTIGA

POSTIÇO/

POSTIÇA

SUPOSTO/

SUPOSTA

TOTAL

amizade 02 - - - 02

animais - 01 - - 01

celebridade 04 11 07 10 32

comércio - 01 - - 01

crime 07 07 02 28 44

desaparecimento - - - 02 02

economia - 03 01 - 04

educação - 02 - 01 03

entretenimento 03 04 01 - 08

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esporte - 04 03 01 08

estética 03 - 09 - 12

família - 02 07 02 11

gentílico 04 - - - 04

internet 01 - - - 01

justiça - 04 01 - 05

livros 01 - - - 01

localização - 02 - - 02

moda - - 02 - 02

objeto - - 05 - 05

política 02 02 09 03 16

protesto - 01 - - 01

relacionamento amoroso

05 05 03 - 13

religião 05 - - - 05

sobrenatural - - - 02 02

trabalho 11 02 - - 13

vício 02 - - 01 03

TOTAL 50 50 50 50 200

Tabelas 11. Temas nos textos

A partir desses resultados, obtivemos os seguintes índices dos temas:

Gráfico 6. Percentual dos temas mais frequentes nos textos

Como pressupomos, os temas são recorrentes, mas o percentual de

incidência se diferencia, exceto no caso de ‘crime’, que se mantém no topo da lista.

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108

3.4 Critérios distribucionais

A partir das propriedades estabelecidas por Casteleiro, fizemos uma testagem

preliminar com algumas construções privativas, que foi suficientemente eficaz

para apontar que critérios seriam mais salientes em nossa análise. Baseados

nisso, elencamos os seguintes critérios: posição do adjetivo, cadeia referencial e

paráfrase, além do critério de negação (não elencado na lista de Casteleiro).

3.4.1 Posição do adjetivo

Para essa análise, listamos as 237 construções que ocorreram nos 250

textos, seguida de um gráfico com o percentual da posição do adjetivo:

ANTEPOSIÇÃO

%

POSPOSIÇÃO

%

ANTIGO/ANTIGA 45 90 05 10

FALSO/FALSA 13 31 29 69

POSSÍVEL 20 87 03 13

POSTIÇO/POSTIÇA 0 0 50 100

PROVÁVEL 19 76 06 24

SUPOSTO/SUPOSTA 46 98 01 02

Tabela 12. Percentual da posição do adjetivo

Gráfico 7. Percentual das construções privativas nos textos

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Observa-se que há uma discrepância nos dados coletados em relação aos

da análise panorâmica - enquanto havia uma aproximação maior na

análise panorâmica (59,3% de anteposição e 40,7% de posposição), agora

temos uma diferença percentual entre anteposição e posposição de 27,4 pontos.

Neste aspecto, observamos que os itens que portam a opção de ficarem

pospostos ou antepostos ao nome, em escala percentual, são ‘falso’, ‘provável’ e

‘possível’; dos outros, por questões lexicais e semânticas, alguns ocupam a

posposição em relação aos nomes (‘cílios postiços’) e outros a anteposição

(‘suposto assassino’, ‘antigo dono’).

No caso de ‘antigo/antiga’, observamos que em 90% dos dados coletados

ocorreu a anteposição do adjetivo, uma vez que a posposição geraria um outro

sentido:

[5] ‘antigo dono’ (negação) > ‘dono antigo’ (duração)

[6] ‘antigo homem mais rico da Rússia’ (negação) *‘homem antigo mais rico da

Rússia’ (estrutura problemática)

[7] ‘antiga Mulher-Maravilha’ (negação) ‘Mulher-Maravilha antiga’ (duração)

[8] ‘antigo fumante’ (negação) ‘fumante antigo’ (duração)

[9] ‘antigo amante’ (negação) ‘amante antigo’ (duração)

Em ‘falso/falsa’, temos tanto a posposição quanto a anteposição, o que é um

fato relevante quando se considera tal adjetivo como não-predicativo, uma vez que a

distinção de tal adjetivo para o predicativo incide também sobre a posição do

adjetivo: os não-predicativos teriam uma ordem fixa. A atribuição de sentido privativo

dependerá, então, do contexto discursivo:

[10] Popozuda falsa > falsa Popozuda

[11] falso estudante > estudante falso

[12] loura falsa > falsa loura

[13] empregado falso > falso empregado

[14] marido falso > falso marido

[15] falsas magras > magras falsas

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Obviamente, notamos que a forma anteposta, mais marcada, salienta o

caráter de negação do escopo, enquanto a forma posposta, menos marcada,

dependerá sempre do contexto para a atribuição de sentido privativo. A

instabilidade nos resultados em relação à posição sugere que tal grupo de adjetivos

não pode ser somente categorizado mediante esse critério28.

Garcia (2010), em artigo sobre o deslocamento do adjetivo no SN, tenta

explicar as razões para alguns adjetivos em posição normal de posposição

apresentarem comportamento de anteposição e vice-versa. O autor apresenta duas

causas:

a) fatores semânticos - encapsulação (luxuoso relógio de ouro), variações

valorativas do adjetivo (bela porcaria / velha senhora) e mudança no sentido do

adjetivo no contexto (velha mania / duro aprendizado / pobre cão);

b) fatores sintáticos - tipo de adjetivo empregado (homem imoral/*imoral

homem, batata frita/*frita batata), graus do adjetivo (o melhor amigo, homem muito

famoso/*muito famoso homem), aumentativo e diminutivo (mulher

boazuda/*boazuda mulher), tipos de SN (um chá quente/*um quente chá, uma

oportunidade melhor/uma melhor oportunidade), modos da sentença (Boa

tarde!/volitivo, Assassinos miseráveis!/imprecativo).

Ele também apresenta a mudança semântica e o contraste como fatores para

inversão da ordem dos antepostos: última moda/causa última, nosso

irmãozinho/irmãozinho nosso. Em breve análise, percebemos que a proposta de

Garcia não se coaduna com a questão exposta no caso do privativo ‘falso’:

[1a] “Pior do que marido falso é marido de verdade.”

(http://pseudointelectualoides.blogspot.com.br/)

[1b] “Ex-servidora do INSS validou a pensão por morte de falso marido da

irmã”

(http://www.tribunadodireito.com.br/noticias-detalhes.php)

28 ”Embora haja algumas correlações entre a colocação preferencial de determinados tipos de adjectivos e uma determinada configuração ou estrutura morfológica, a distribuição não assegura, por si só, a função do adjectivo no interior do sintagma. Esta realidade é corroborada pelo facto de os adjectivos predicativos terem posição fixa, e pelo de muitos dos não predicativos terem colocação variável. Assim sendo, a distribuição por si só não é critério suficientemente relevante para delimitar uma função e, por conseguinte, uma classe funcional de adjectivo.” (RIO-TORTO, 2006, p. 109)

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111

[2a] “E a Popozuda falsa, porque a bunda é puro silicone também é uma

tremenda falsa!!!!”

(http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110915134248AALnZ0p)

[2b] “Enquanto se bronzeava, a falsa Popozuda - em seguida identificada

como a funkeira Maysa Abusada - fez uma "farofinha" com os amigos, com

direito a peixe e batata frita.”

(http://ego.globo.com/praia/noticia/2012/10/)

[3a] “No Brasil, criar um perfil falso é considerado um ato ilícito?”

(http://idgnow.uol.com.br)

[3b] “Luciana Gimenez se irrita com falso perfil do filho de um ano no Twitter.”

(http://www.redetv.com.br)

[4a] “Eu já tive uma amiga ou amigo falso”

(http://br-pt.sonico.com/g/968024068/)

[4b] “Os outros no show zombaram e brincaram, mas Shindong permaneceu

firme em sua crença de que ele e a atriz ficariam ótimos como falso marido e

esposa.”

(http://www.hatobrazil.com/)

Uma análise inicial aponta que nos casos acima estamos lidando com

adjetivos privativos, dentro de uma ordem livre, mantendo o sentido de negação. No

primeiro exemplo ([1a]), ‘de verdade’ ativa a significação de não-marido na

construção ‘marido falso’, silenciando a interpretação de desvio de caráter, esperada

pela convencional posposição do adjetivo (forma não-marcada). O caso [1b]

apresenta uma forma anteposta, em que há a negação de estado civil. Nos casos

[2a] e [2b], percebemos a negação de propriedades do nome, mas há perspectivas

diferenciadas: enquanto em ‘Popozuda falsa’ é negada a naturalidade de parte do

corpo da famosa (glúteos), em ‘falsa Popozuda’ é negada a identidade da famosa.

Em [3a] e [3b], observamos que ocorre a ordem livre; estamos diante de um N

que não se refere a uma pessoa, mas uma entidade relacionada às redes sociais.

Mas notamos que, independentemente do caráter do N, o adjetivo permanece em

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função privativa. Nos casos [4a] e [4b], percebemos que o mecanismo de flexão

ocorre conforme previsto pelo padrão de concordância nominal do PB29 e há clareza

na negação de propriedades dos itens marido/esposa, enquanto nos pares

amigo/amiga existe uma sobreposição de sentidos, já que podemos interpretar

‘falso’ tanto como o desvio de caráter quanto a negação de ‘ser amigo’.

3.4.2 Cadeia referencial

Para Koch e Marcuschi (1998), a progressão referencial ocorre dentro de uma

relação complexa entre linguagem, mundo e pensamento, estabelecida centralmente

no discurso. Assim, os referentes não são tomados como entidades estáveis, mas

objetos-de-discurso. Os autores também afirmam que o nível lexical não seria

suficiente para explicar como conseguimos saber a que entidade um falante se

refere quando ela não está explícita.

Nos dados coletados, buscamos perceber a cadeia referencial ligada ao

adjetivo privativo/particulariador30, para confirmarmos em que casos há uso de

nominalizações ou pronomes como referentes que se ancoram no escopo.

Nos textos analisados, observamos a seguinte distribuição de elementos

na cadeia referencial:

NOMINALI

ZAÇÃO

PRONOMINA

LIZAÇÃO

NOM/PRON

SEM

ANAFORIZA

DOR

ANTIGO/ANTIGA 38 04 04 04

FALSO/FALSA 37 02 02 09

POSSÍVEL 23 - - 02

POSTIÇO/POSTIÇA 40 01 02 07

PROVÁVEL 24 - - 01

SUPOSTO/SUPOSTA 48 - - 02

29 “Se as palavras determinadas forem de gêneros diferentes, a palavra determinante irá para o plural masculino ou concordará em gênero e número com a mais próxima.” (BECHARA, 2004, pg. 545) 30 As cadeias referenciais encontram-se nos anexos deste trabalho.

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113

TOTAL 210 07 08 25

Tabela 13. Predomínio dos elementos nas cadeias referenciais

A diferença sintática entre a função predicativa e a função não-predicativa se

revela produtiva no que diz respeito à cadeia referencial. Nas construções com

adjetivo privativo/particularizador parece haver maior incidência das formas nominais

(repetidas ou novas) como elemento anaforizador (ou de reativação). A ausência de

anaforizador também é relevante, como observamos no gráfico a seguir:

Gráfico 8. Percentual dos elementos nas cadeias referenciais

Salientamos que tais resultados consideram a predominância de um

anaforizador/reativador na função de nome ou pronome. A ausência desse

elemento pode ser explicada pelo tamanho e tipo de texto coletado. Apresentamos

dois textos para confirmar essa questão:

[9] 19 DE AGOSTO DE 2014

Homem é preso em Codajás (AM) por estuprar filha adotiva

Atualmente com 15 anos, garota declarou que sofria abuso sexual por parte do pai adotivo e do irmão postiço desde que tinha 6 anos de idade. Polícia Civil cumpriu mandado de prisão preventiva contra suspeito

(http://acritica.uol.com.br/tema/irmao_postico.html)

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[10] CONVERSA DE EX BARBUDO

Naquele tempo, a maioria dos universitários (exagero por certo) usava barba. Meu co-cunhado (ou concunhado) Nelson fazia arquitetura também na UFRGS, e usava barba há bom tempo. Quando deixei a barba ironizou dizendo que Lúcia também queria um barbudo para ela. Confesso que não gostei da brincadeira. A verdade é que usei barba durante exatos vinte e cinco anos.

A esquerda usava barba, inicialmente por causa de Karl Marx e depois pelo Fidel Castro. Eu não tinha nada de esquerda era, e sou, um conservador, mas não queria ficar diferente. A realidade é que gostava de usar barba, e ainda gostaria de usar. Só que ela está ficando branca, e barba branca só Papai Noel.

Hoje, as barbas estão desaparecendo, e voltando os bigodes. Lá por Cuba saiu de cena o barbudo e entrou o bigode do Raul Castro. Ele, o dono do bigode, certamente mais por razões econômicas do que políticas, se mostra mais aberto do que seu irmão atualmente “Coma andante” Fidel. É que a coisa lá está mais para urubu do que para beija-flor. Esta semana, li no jornal que está existindo falta de papel higiênico. Parece que vejo os amigos esquerdas tentando amenizar o assunto: “É melhor faltar papel higiênico do que comida.” A falta de papel higiênico p somente uma amostra da falência da ilha.

A imputação das dificuldades ao embargo econômico americano já não se sustenta, haja vista que ninguém mais liga para ele. Cuba pode importar o que bem entende. Só que não tem grana para comprar coisa nenhuma. Tem consigo importação de petróleo ainda graças ao amiguinho Chavez, senão já não teria óleo nem para botar no cabelo do Raul. É que a antiga comadre CCCP não existe mais a lhe socorrer todos os meses com petróleo barato, ou seja, encerrou o pensionamento.

A ilha hoje vive de esmolas que lhe dão os “hermanitos” de esquerda como Lula Lá, Chavez e outros. A vocação da ilha nunca foi agrícola, ela tem que se dedicar ao turismo. O Fidel Castro é muito esperto: quando viu que a situação estava ficando preta, passou o bastão para o irmão, o qual ficará com a conta da abertura que deverá realizar aos poucos, tal como disse o General Geisel, lenta e gradual.

Em pouco tempo, Cuba será uma grande Las Vegas do lado leste americano, entrando dólares por tudo quanto é lado. Aliás, era assim antes do Fidel. O único defeito era o governo corrupto e arbitrário de Batista. Quando Fidel e seus amigos fizeram a revolução cubana nada tinham de comunista. Acho que o único comunista por lá era Ernesto Che Chevara. Como os americanos não lhe deram o apoio que necessitava se atirou nos braços dos soviéticos.

O que se tem hoje como conquista dos comunistas da ilha, ou seja, atendimento médico e ensino, na verdade, Cuba antes da revolução já gozava de certa liderança neste campo no âmbito da Latino América. O problema não era este, mas sim o governo podre que reinava por lá, o qual deixou um campo fértil para que a revolução de Fidel e seus amigos vencesse.

Cuba deve aproveitar que o governo americano é de um jovem democrata louco para

fazer história, e construir um bom acordo de abertura e reatamento com os USA.

A melhor coisa que se faz quando se tem um vizinho rico e ficar amigo dele. Geralmente este lhe cede parte de seu conforto, mesmo que seja por exibicionismo. Os governantes da ilha parecem que estão se dando conta desta verdade. A única diplomacia que gosta de afagar vizinho pobre é a brasileira. Claro - não sou ingênuo - é só para tentar mais um votinho nas United Nations, é claro.

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Breve teremos Cuba como um Hawai tamanho família, renunciando ao papel de Disney World das esquerdas.

(http://blogdoosnir.blogspot.com.br/2009/08/conversa-de-ex-barbudo.html)

[11] Pior do que marido falso é marido de verdade.

(http://pseudointelectualoides.blogspot.com.br/2009/09/eu-era-feliz-e-nao-sabia.html)

Em [9] e [11], observamos que o tamanho do texto é um dos fatores para não

permitir a presença de anaforizador; no caso [11], como o texto tipifica uma máxima,

não há como ancorar o tópico em um outro referente e em [9] a notícia tem como

tópico o ‘homem’ e não o irmão postiço, então a referência maior liga-se ao tópico.

No caso de [10], o tamanho do texto não é o que determina a ausência de

anaforizador para ‘antiga comadre CCCP’, mas o assunto tratado, centrado na

questão atual de Cuba, com referência à parceria com a antiga União Soviética.

Nos resultados apresentados, não fizemos menção à elipse, também

presente em algumas cadeias referenciais, como observado nos exemplos:

[12] .Voces acham que a Raquel Pacheco é falsa? Falsa e muito feia!

E aquela boca "MEU" ??? Ela só deu uma de gostosona qd era fazendeira. Começou como uma mosca morta.

Voz irritante que ela tem. Affffffff E a Popozuda falsa , porque a bunda é puro silicone também Ø é uma tremenda falsa!!!!

(http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110915134248AALnZ0p - alterado)

[13] 'Seu sonho era a fama', diz amiga de suposta mãe de filho de Caio Castro

Carolina Bianchi está grávida de quatro meses e espera um menino. O ator não

confirma a paternidade.

Carolina Caetano Bianchi vem enfrentando uma situação delicada desde que descobriu que estaria grávida de seu ex, Caio Castro. O então casal, que viveu um relacionamento no ano passado, ensaiou uma reaproximação nos últimos meses, quando a estudante de teatro acabou engravidando. Entretanto, Caio colocou em dúvida a paternidade da criança publicamente e, durante um evento na semana passada, desdenhou: “Já ouvi coisa mais cabeluda do que 'você vai ser pai' ou 'estou esperando um filho teu'. De boa, acontece". Pessoas próximas a Carolina garantem que ELA está chateada com a postura dele, mas que a estudante de teatro tem visto a situação com outros olhos. "Ela

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conseguiu o que queria. Sempre disse que o sonho dela era ser famosa. Veio morar no Rio por causa disso. Deve estar adorando essa atenção toda. Ø Dizia que tem potencial, que é amiga de vários famosos", conta uma amiga, que preferiu não se identificar. No domingo, 1, ao falar com o EGO por telefone, a estudante foi breve ao comentar a postura de Caio. "Não quero falar nada por enquanto. Não estou legal. Quero evitar esse assunto e não quero entrar em detalhes sobre a minha saúde".

(http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/12/seu-sonho-era-fama-diz-amiga-de- suposta-mae-de-filho-de-caio-castro.html - alterado)

Em [12], estamos considerando a elipse (Ø) como possibilidade para o ‘ela’

implícito, portanto não é um caso típico de referência anafórica por pronomes

pessoais. No exemplo [13], temos uma cadeia referencial: suposta mãe > Carolina

Bianchi > Carolina Caetano Bianchi > a estudante de teatro > a Carolina > ela > a

estudante de teatro > ela > dela > Ø (ela) > a estudante. Nessa progressão,

percebem-se duas situações em que ‘ela’ foi utilizado como referente anafórico.

Ainda sobre a formação da cadeia referencial, cabe-nos destacar que a

manutenção do referente por meio de nominalizações ocorreu tanto diante de

escopo referente a seres animados (‘homem’) quanto aos não-animados (‘ataque’).

Algumas construções foram selecionadas especificamente com escopo animado

a partir dos resultados da busca no Google, pela necessidade de mostrarmos

a acepção privativa, como no caso de ‘falso/falsa’, que pode apresentar outra

acepção quando o escopo é pessoalizado (pessoa falsa - desvio de caráter /

pessoa falsa - não é uma pessoa).

3.4.3 Paráfrase

Baseados na propriedade dos não-predicativos de comutabilidade com uma

paráfrase nominal, que afirma que eles podem ser parafraseados na forma de+N,

como em ciências naturais / ciências da natureza, observamos que ela não ocorre

nas construções privativas analisadas nesta pesquisa. Porém, observamos a

necessidade de abordarmos outra questão referente à paráfrase.

Consideramos como paráfrase “um enunciado verbal subjacente”

(AUGUSTINI E ALFERES, 2010, p. 13), um tipo de informação global de uma

construção, remetendo-nos à realidade onde ela se instancia. Em termos

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morfológicos, a paráfrase é utilizada para esclarecer determinadas construções:

narigudo ~ ‘tem X grande’, em que X representa a base da palavra.

No caso dos adjetivos predicativos, a paráfrase é simples e afirmativa - ‘amor

materno’ ~ ‘de mãe’, ‘que p de mãe’. Nos adjetivos não-predicativos, teríamos uma

paráfrase de negação:

[14] antigo dono ~ ‘aquele que não p mais o dono’

Esse tipo de paráfrase é diferente do que ocorre quando o adjetivo tem

elementos morfológicos de negação:

[15] amigo desleal ~ ‘amigo que não p leal’

Em [15], a negação de propriedades intensionais ocorre no próprio adjetivo,

não é projetada para o escopo da construção; de forma remota, poderíamos pensar

na paráfrase ‘aquele que não p amigo leal’, mas ela não p ativada claramente no

enunciado.

Nos dados analisados, percebemos as seguintes paráfrases:

‘antigo’ - “o que não é mais N”

‘falso’ - “o que não é N”

‘postiço’ - “o que se parece com N”

‘suposto’ - “o que pode ou não ser N”

‘provável’ - “o que se prova como N”

‘possível’ - “o que pode ser N”

Especificadas as paráfrases, podemos notar que existem nuances de sentido

entre uma e outra. Destacamos ‘antigo’, em que a paráfrase contém a expressão

‘não é mais’, que implicitamente marca temporalidade passada, de

forma contrafactual; em ‘postiço’, há uma tendência a interpretarmos o objeto

como um simulacro, mas não existe uma marcação negativa direta. Em ‘suposto’,

temos uma paráfrase que se encontra no meio-termo, ora apontando para uma

afirmação, ora para uma negação, como acontece em ‘possível’ e ‘provável’

também.

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3.4.4 Negação

Em termos formais, para que uma negação ocorra é necessário que a

veracidade de um evento/ fato/ elemento do enunciado seja colocada em dúvida. Em

enunciados como ‘Não está chovendo’ e ‘João não beijou Maria’, temos negações

ocorrendo em níveis diferenciados: no primeiro, negamos o evento da chuva, mas

não afirmamos que o dia esteja ensolarado (pode estar nublado); no segundo,

negamos a pessoa ‘Maria’, mas o evento de beijo pode ser ou não afirmado em

outra pessoa (chegamos a essa conclusão pelo mecanismo de pressuposição).

Nos casos trabalhados nesta pesquisa, lidamos com nuances de negação,

que, consequentemente, nos levarão ao conceito de negação escalar ou

gradiente31, devido à manifestação linguística do caráter negativo das

construções em seus contextos específicos.

Dadas as especificidades de sentido, elegeremos o item que se comporta

como protótipo na categorização da negação; pelas atribuições semânticas

diretamente ligadas à negação, o item ‘falso’ será considerado o polo com maior

grau na categoria de negação dos adjetivos privativos elencados nesta pesquisa.

Para tal objetivo, faremos uso de um contínuo sêmico, que compreende dois polos

opostos, mostrando o início e o final de um eixo entre os quais ocorrem nuances

de significação, segundo a concepção dos termos no uso da língua (TURAZZA,

2005). A partir da posição de ‘falso’ no contínuo, podemos tomar os outros

itens nas seguintes posições:

31 Consideramos aqui a noção de escala sem o aparato hierárquico, mas como assunção de maior ou menor incidência de negação, como em uma gradiência, em que as tonalidades se desfazem à medida que um polo vai se afastando de outro.

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Figura 6. Contínuo dos adjetivos privativos - categoria de negação

Consideramos a categorização acima como a mais adequada, pelos motivos

abaixo listados:

- O conceito de ‘postiço’ nos dados coletados está amparado na paráfrase ‘o

que não é X’, que mostra linguisticamente uma negação absoluta. Esse modificador

atua sobre o escopo de forma coercitiva, forçando a negação de algumas

propriedades, embora mantenha, aparentemente, as características da coisa

representada. Por exemplo, ‘franja postiça’ é um simulacro de franja e pode ser

usada como se fosse uma franja de verdade.

- ‘Antigo’, como já dissemos, mantém um caráter de negação dependente da

questão temporal; assim, a compreensão desse mecanismo não se dá de forma

direta, mas a partir de uma projeção temporal32. É o que ocorre também com

‘suposto’, que ocupa a área periférica exatamente porque a negação não é

totalmente confirmada pelo contexto linguístico, gerando uma dúvida quanto a esse

aspecto.

-‘Provável’ e ‘possível’ possuem acepções afirmativas, dado o seu caráter

modalizador, que associadas ao sentido do escopo colocam em questão as

propriedades dele, ativando muito mais o caráter afirmativo do que o negativo.

O que observamos, na categorização dos adjetivos privativos no aspecto da

negação é que as construções periféricas possuem um caráter mais concreto,

enquanto o item prototípico aponta para uma abstratização do termo.

32 Admitimos que, em todos os casos, sempre ocorrerá algum nível de projeção contrafactual para a compreensão do sentido de negação, mas no caso citado, além dessa projeção prevista, teríamos ainda outra (no sentido presente > passado).

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3.4.5 Resumo da análise pelos critérios distribucionais

Baseados na primeira etapa de análise dos textos, elaboramos uma tabela

para demonstrar o lugar das construções privativas em relação à dicotomia

predicativo/não-predicativo:

POSIÇÃO

CADEIA

REFERENCIAL

PARÁFRASE

ANTIGO/ANTIGA não-predicativo não-predicativo predicativo

FALSO/FALSA predicativo não-predicativo predicativo

POSTIÇO/POSTIÇA não-predicativo não-predicativo predicativo

POSSÍVEL não-predicativo não-predicativo predicativo

PROVÁVEL não-predicativo não-predicativo predicativo

SUPOSTO/SUPOSTA não-predicativo não-predicativo predicativo

Pelo observado na tabela, as construções privativas analisadas, se fossem

parametrizadas somente pelos critérios distribucionais produtivos, seriam de

natureza não-predicativa. No entanto, tais adjetivos aparecem classificados na

maioria dos estudos gramaticais ( por exemplo, por Castilho (2010)) como

predicativos - modalizadores, qualificadores e quantificadores33. ‘Possível’,

‘provável’ e ‘suposto/suposta‘, por exemplo, seriam considerados predicativos

modalizadores epistêmicos quase asseverativos34; ‘falso/falsa’ poderiam ser

categorizados como predicativos qualificadores polares35, bem como as

construções com ‘postiço/postiça’ seriam adjetivos predicativos delimitadores

aproximadores36. Nessa classificação, não teríamos como incorporar ‘antigo’,

pois seu caráter temporal faria com que ele se alocasse como adjetivo dêitico, que

não é considerado predicativo nem não-predicativo.

33 Os modalizadores seriam adjetivos que apresentam um juízo emitido acerca do conteúdo do

substantivo; os qualificadores afetam a intensão do substantivo e os quantificadores afetam a extensão do substantivo. 34

O falante escolhe um modalizador epistêmico quase asseverativo quando deseja manifestar insegurança quanto às propriedades intensionais do substantivo-escopo.” (CASTILHO, 2010, p. 524) 35

“São qualificadores polares os adjetivos que se ordenam em pares antonímicos, tais como limpo/sujo, bonito/feio, igual/diferente, fácil, difícil, etc.” (IDEM, p. 526) 36 “Do ponto de vista qualitativo, o adjetivo delimitador repassa ao substantivo ‘escopado’ suas

propriedades intensionais, tornando imprecisa, aproximada sua interpretação semântica.” (IBIDEM, p. 528)

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Por causa dessa flutuação nesses critérios de categorização, a utilização

somente de critérios formais para a descrição dos adjetivos

privativos/particularizadores não é suficiente, havendo, portanto, a necessidade

de buscarmos informações mais condizentes com o uso desse tipo de adjetivo na

língua portuguesa.

3.5 Critérios da Linguística Cognitiva

Os critérios utilizados nesta análise do comportamento das construções

privativas em língua portuguesa no âmbito da Linguística Cognitiva são justificáveis,

em parte, pelos resultados em estudos de língua inglesa (COULSON, 2001;

SWEETSER, 1999), que apontaram a mesclagem conceptual como o modelo de

análise mais eficaz para o adjetivo privativo, e também pela hipótese de que mesmo

a mesclagem conceptual em si não teria condições de abordar as especificidades

presentes nas construções privativas, no que diz respeito à relação modificador-

escopo. Pensando na apresentação de uma análise mais completa e que abarcasse

detalhes até então obscuros na modificação adjetival privativa, faremos uso dos

critérios manutenção das affordances (para a análise da relação modificador-

escopo e dos frames) e do tipo de mesclagem conceptual (que se desdobra em

outros níveis de análise relativos aos processos envolvidos na mesclagem,

como as relações vitais e a identificação das zonas ativas).

3.5.1 Manutenção das affordances

Ao nos referirmos à manutenção das affordances, consideramos as

propriedades do escopo que são mantidas e aquelas que são negadas ou

questionadas.

Embora a análise apresentada por Abdullah e Frost (2005) não faça essa

alusão, acreditamos que esses autores, quando se referem às propriedades

ausentes, estão demonstrando a possibilidade de análise dos privativos, de

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122

forma simplificada, pela manutenção das affordances37. Partindo desse tipo

de análise, que mostra claramente as propriedades focalizadas do escopo,

a partir dos frames ativados pelo contexto discursivo, listamos as

construções com as respectivas affordances negadas/questionadas e os

frames construídos.

a) ANTIGO/ANTIGA

CONSTRUÇÃO AFFORDANCE

NEGADA

FRAME

CONSTRUÍDO

AN

TIG

O / A

NT

IGA

antigo dono posse no presente Posse

antiga Mulher-Maravilha papel no presente Filme

antigo homem mais rico da Rússia riqueza no presente Dinheiro

antigo relacionamento união estável no presente

Direito familiar

antigo amante relacionamento no presente

Relacionamento amoroso

antigo fumante vício no presente Vício

antigo companheiro relacionamento no presente

Violência doméstica

antigo amor relacionamento no presente

Relacionamento amoroso

antigo professor treinador de Anderson Silva no

presente

Esporte de luta

antigo parceiro parceria no presente Música sertaneja

peguete antigo ficante no presente Relacionamento amoroso

antigo morador moradia no presente Habitação

antigo sogro parentesco no presente

Relação familiar

amor antigo relacionamento no presente

Relacionamento virtual

caso antigo relacionamento no presente

Relacionamento amoroso

antigo traficante vendedor no presente Uso de drogas

antigo prédio sede da prefeitura no presente

Vandalismo

antigo criminoso crime no presente Segurança nacional

37 Estamos considerando que a noção de ausência de propriedades do escopo é uma das características da negação no processo desse tipo de modificação adjetival. Sabemos que a noção de negação vai além da ausência, mas para fins de análise nesta pesquisa, não vemos

discrepância nessa aproximação.

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antigo kartódromo pista de carro no presente

Incêndio criminoso

antigo cabelo ~ cabelo antigo corte de cabelo no presente

Celebridade

antigo ‘jogador problema’ mau comportamento no presente

Futebol

antigo corpo corpo musculoso no presente

Gravidez de celebridade

antigo animal de estimação criação do animal no presente

Morte de animal

antigo físico corpo sarado no pesente

Mundo fitness

antigo padrasto parentesco no presente

Abuso sexual

antigo estudante estudante de Direito no presente

Prova do Enem

antiga esposa relacionamento no presente

Dívida

antiga dona proprietária no presente

Venda de imóvel

antiga patroa chefia no presente Agressão

antiga ‘Loira do Tchan’ dançarina no presente

Noticiário

antiga professora docente de Balotelli no presente

Escola

antiga Serraria espaço de trabalho no presente

Lazer

antiga paixão relacionamento no presente

Programa de TV

antiga namorada relacionamento no presente

Traição

antiga fábrica ambiente de trabalho no presente

Projeto cultural

antiga casa propriedade de Ian Curtis no presente

Música

antiga usuária beneficiária no presente

Mudança de vida

antiga Rua da Horta nome da rua no presente

Saneamento básico

antiga estrada Rio-São Paulo principal rodovia no presente

Manifestação popular

antiga comadre CCCP parceria no presente Política comunista

antiga madrinha passista no presente Escola de samba

antiga família real regime monárquico no presente

Exposição

antiga moça juventude no presente

Festa de casamento

antiga prostituta profissão no presente Escândalo sexual

antiga guarda penitenciária profissão no presente Atendimento psicológico

antiga babá babá de Maria Ribeiro no presente

Relação afetiva

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antiga estagiária emprego no presente Relação de emprego

babá antiga emprego no presente Relação de emprego

antiga moradora moradia no presente Habitação

antiga mulher do Google Tradutor comando de voz do Google no presente

Sistema operacional

Dos itens analisados, podemos enfatizar alguns aspectos relevantes para a

compreensão da presença das affordances e sua respectiva negação. Como

observado na tabela, a negação decorre da compreensão dos papéis exercidos

pelo escopo na relação temporal. ‘Antiga estagiária’ é aquela que em algum

momento no passado exerceu essa função, mas não a exerce no momento do

evento citado.

O adjetivo ‘antigo’ provoca uma relação de temporalidade ligada ao

escopo, fazendo com que a marcação da passagem presente > passado fique

nítida. Em estudo sobre adjetivos temporais na perspectiva da Gramática

Cognitiva, Sew (2008), citando exemplos de Sheffer (1996), demonstra como

ocorre essa projeção de propriedades no tempo. Sheffer conceptualiza o adjetivo a

partir de dois eixos: adjetivos prototípicos (elaboram um aspecto semântico inerente

ao substantivo com o qual se combina) e adjetivos dêiticos (especificam a

relação entre o papel e o valor38 particular dado/atribuído).

Os exemplos apresentados são os seguintes:

38 A noção de papel (role) está ligada a uma entidade, enquanto o valor (value) refere-se a um

determinado aspecto dessa entidade em um contexto específico. Evans (2007) problematiza tal relação a partir das concepções da sentença ‘Your cari s always different’ (Seu carro está/é sempre diferente), que pode se referir a aquisições sucessivas de um carro novo (que implicaria na alteração de papel, pois teríamos uma entidade diferente) ou a mudanças nos acessórios do carro (implicando na alteração do valor, aspecto do mesmo carro).

[Digite uma citação do documento

ou o resumo de uma questão

interessante. Você pode posicionar a

caixa de texto em qualquer lugar do

documento. Use a guia Ferramentas

de Caixa de Texto para alterar a

formatação da caixa de texto da

citação.] a)

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125

(b)

No modelo de Sheffer, observamos que as noções de papel (role) e

valor (value) são conectadas de forma equitativa na passagem de tempo, quando

temos os dois elementos ocorrendo no presente; (b) representa as construções

‘my new lover’ (meu novo amante) e ‘her present employer’ (o patrão atual dela).

Para a marcação de passado, teríamos a conexão em t1 e para o futuro a relação

ocorreria em t3.

Então, o exemplo a seguir pode demonstrar como a compreensão do discurso

é consequência de várias projeções influenciadas pela affordance temporal negada

e sua relação com a estrutura textual:

[16] Alinne Moraes mostra boa forma depois de gravidez; veja as mamães que

voltaram rápido ao antigo corpo

Atriz é mamãe de primeira viagem do pequeno Pedro

Alinne Moraes mostrou que está com a barriguinha negativa dez meses depois do

nascimento de seu primeiro filho. A atriz postou um clique deitada em uma rede,

em Fernando de Noronha, usando biquíni cortininha (http://entretenimento.r7.com/mulher/fotos/)

Inicialmente, temos o conhecimento de que a atriz citada apresenta um

físico esguio, típico de celebridade (contexto social). A construção ‘antigo

corpo’ é referendada como ‘negação de corpo musculoso no presente’ porque

sabemos que durante e após uma gravidez o corpo da mulher sofre alterações.

Então, ‘antigo corpo’ refere-se ao físico antes da gravidez, negando a

pressuposição de que no período pós-gravidez a atriz apresentasse um corpo

flácido e acima do peso. Porém, pelo contexto linguístico, através do uso do verbo

‘voltar’, percebe-se que o corpo da atriz após o parto encontra-se no mesmo

estado que em momento anterior à gravidez. Há uma conjuntura na estrutura

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126

textual para gerar a interpretação adequada do termo ‘antigo corpo’ e nos levar à

identificação da affordance negada. No esquema de Sheffer, teríamos a marcação

de ‘antigo corpo’ em t1, reforçada pela movimentação do papel-valor de t2 para t1,

gerada pelo verbo de movimento ‘voltar’, se considerarmos o contexto discursivo no

qual se insere tal expressão:

Dessa forma, notamos que a relação papel-valor está fortemente ligada às

alterações das affordances nas construções adjetivas a partir de ‘antigo/antiga’.

b) FALSO/FALSA

CONSTRUÇÃO AFFORDANCE

NEGADA

FRAME

CONSTRUÍDO

FA

LS

O / F

AL

SA

falso estudante função de estudar Estelionato

Popozuda falsa composição natural do bumbum

Reality show

loura falsa cor original do cabelo Relacionamento amoroso

loura falsa cor original do cabelo Humor

loura falsa cor original do cabelo Reality show

falsa Popozuda identidade Celebridade

empregado falso função de servir os convidados

Contratação de serviços

falsas magras magreza ‘esquelética’ Beleza

marido falso função conjugal Casamento

falso marido função conjugal Obra literária

esposa falsa função conjugal Filme

falsa Popozuda composição natural do bumbum

Reality show

falsos crentes fé / comportamento cristão

Religião

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127

sobrinho falso parentesco Estelionato

repórter falso profissão Noticiário

amigo falso ~ falso amigo vínculo de amizade Amizade

noivo falso compromisso para o casamento

Peça teatral

grávida falsa formação dos fetos Gravidez

noiva falsa compromisso para o casamento

Filme

esposa falsa função conjugal Divórcio

falso profeta ~ profeta falso função religiosa / comportamento cristão

Religião

fumante falso prazer de fumar Vício

falso fumante ação de fumar Vício

falso repórter formação profissional Programa televisivo

empregado falso função de servir os convidados

Casamento

repórter falso profissão Filme

pastor falso função religiosa Traição

falsa gorda sobrepeso Beleza

empregado falso ação de trabalhar Fraude

médico falso formação profissional Prisão

dentista falso formação profissional Prisão

professor falso formação profissional Prisão

professor falso formação profissional Escola

falsa professora formação profissional Prisão

vendedor falso profissão Estelionato

psicóloga falsa ~ falsa psicóloga formação acadêmica Prisão

policial falso exercício da profissão Viagem

falso sequestrador ~ sequestrador falso

detenção da vítima Crime

sequestrador falso detenção da vítima Aconselhamento

maconheiro falso fumo Rede social

menina falsa identidade Rede social

menino falso identidade Relacionamento amoroso

homem falso gênero Homossexualidade

carioca falso sotaque Pronúncia

carioca falsa amor pelo Rio Comemoração

carioca falso amor pelo Rio Turismo

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mineiro falso naturalidade Futebol

falsa bonita beleza física Cinema

falsas magras magreza Estética

amigo falso vínculo de amizade Amizade

falso sobrinho parentesco Prisão

Temos considerado o item ‘falso/falsa’ como prototípico no aspecto da

negação; assim, as affordances negadas nas construções com esse item estariam

bem delimitadas nos contextos discursivos em que ocorrem. Observando os

exemplos a seguir, percebemos a incorporação do aspecto negativo de forma

gradativa:

[17] Loura falsa vai esconder raiz do cabelo Preocupada com o visual, a carioca Tatiana Machado Souza, de 27 anos, mantém a forma com hidroginástica e, recentemente, deu uma turbinada nos seios com silicone. “Como pinto o cabelo, levo para a casa do BBB umas redes para esconder a raiz preta que vai aparecer.” Além dos adereços para a cabeça, a mala de Tatiana está carregada de “biquínis, óculos de sol e roupas de calor”.

(bbb.globo.com/BBB5/)

[18] No Dia do Trabalhador, uma divagação oportuna.

Fadiga é um senhor engraçado, de sorriso amarelo. É o típico fumante falso que, ao invés de realmente fumar e se deleitar com a fumaça esparsa e dançante, deposita no cigarro toda a vontade de pôr fim ao fardo que carrega. Tem a pele morena, os olhos verdes e aparenta ter 60 anos, mas acaba de completar 40 no hospital.

(site desativado)

Em [17], a acepção de ‘loura falsa’ é ativada como não-loura logo no título da

notícia - ‘Loura falsa vai esconder raiz do cabelo’. Dessa forma, a interpretação para

desvio de caráter em ‘falsa’ é descartada de início. Em [18], a acepção para

‘fumante falso’ ganha um aspecto mais especificador: fumante que não fuma por

prazer, mas para dar fim à vida. Nesse aspecto, a negação não se relaciona ao ato

de fumar, mas ao prazer de fumar.

Outro ponto interessante quanto às affordances relaciona-se à posição do

adjetivo nas construções; há casos em que a anteposição ou posposição não

alteram a negação da affordance:

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[19] FAMÍLIA DO BLOGUEIRO JOHN LENNON FOI VITIMA DO FALSO

SEQUESTRO

John Lennon de imediato chamou o irmão de Bernadete também primo do blogueiro que reside no Rio de Janeiro/RJ e que também está visitando Mipibu. Ao se aproximar ele tomou o telefone, foi muito seguro disse para o falso sequestrador, que era um trote. O Sequestrador falso disse que ligaria em cinco minutos e se a familia não fizesse o deposito do valor exigido para o resgate Ana Paula seria assassinada.

Todos ficaram muito preocupados. O blogueiro John junto com os demais familiares que residem aqui em Mipibu, tentou comunicação com a prima Ana Paula que encontra-se no Rio de Janeiro, mais o telefone estava desligado. Minutos depois conseguimos contato e a prima do Blogueiro Ana Paula estava dando expediente no hospital em que trabalha.

(boletimmipibu.com.br)

No exemplo, o uso de ‘falso sequestrador’ é alternado com o de ‘sequestrador

falso’, mantendo a affordance negada. Nesse caso, a mudança na posição do

adjetivo não alterou o sentido do modificador nem a affordance alterada no escopo.

c) POSTIÇO/POSTIÇA

CONSTRUÇÃO AFFORDANCE NEGADA FRAME

CONSTRUÍDO

PO

ST

IÇO

/ P

OS

TIÇ

A

eu postiço ego Relação interpessoal

unhas postiças orgânica Estética

mãe postiça genética Relação familiar

cílios postiços orgânica Estética

cabelo postiço orgânica Estética

dente postiço orgânica Saúde odontológica

roscas postiças localização fixa Conserto mecânico

franja postiça orgânica Estética

aresta postiça uniformidade Metalúrgico

torcida postiça incentivo Eleição 2014

identidade postiça Identidade política Eleição 2014

manga postiça composição da roupa Cultura

avó postiça genética Relação familiar

gola postiça composição da roupa Moda

sobrancelhas postiças orgânica Estética

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dentadura postiça orgânica Estética/saúde

campanha postiça veracidade dos fatos Eleição 2014

irmã postiça genética Relação familiar

pinta postiça marca Celebridade

moral postiça traços de caráter Economia

mão postiça orgânica Acessório

barriga postiça orgânica Novela

estabilidade postiça equilíbrio Política

felicidade postiça sentimento Assalto

justiça postiça cumprimento da sentença Mensalão

casa postiça funcionamento política

titia postiça genética Relação familiar

barba postiça orgânica Programa de TV

mulher postiça gênero Carnaval

prima postiça genética Relação familiar

pai postiço genética Relação familiar

filho postiço genética Relação familiar

cabelo postiço orgânica Estética

dedo postiço orgânica Acessório

riso postiço alegria Relação interpessoal

coração postiço localização no corpo Nascimento

bigode postiço orgânica Programa de TV

nariz postiço orgânica Saúde

ar postiço autenticidade Empresarial

irmão postiço genética Crime

Estado postiço governo Eleição palestina

líder de governo postiço liderança Política

olho postiço orgânica Zoológico

pais postiços genética Relação familiar

governo postiço liderança Política internacional

nome postiço nomenclatura Jogos

avô postiço genética Relação familiar

conselheiro postiço função Política

braço postiço orgânica Futebol

sogro postiço parentesco Empreendedorismo

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homem postiço paternidade Família

pênis postiço orgânica Show

O item ‘postiço’ tem sido caracterizado como operador de coerção

metonímica (cf. COULSON, 2001), especificamente coerção metonímica do type

com refutação (metonymic type coercion with rebuttal), por exercer uma alteração no

escopo que restringe algumas de suas propriedades, negando-as parcialmente.

Vejamos o seguinte exemplo:

[19] Esta Casa é uma Casa postiça. Eu digo: esta Casa não vai dar um passo

avançado na reforma política”

Newton Cardoso Deputado federal e integrante da comissão que analisa a reforma política

Por que a reforma política é necessária neste momento? Esta Casa é uma Casa postiça. Na realidade, os deputados que estão aqui não representam o povo. Alguns representam, outros não. Eu digo: esta Casa não vai dar um passo avançado na reforma política. Eu tentei aqui começar o debate. Não consegui, porque ninguém quer. Há uma malandragem excessiva dos partidos menores, os que vendem legenda para continuar esse processo, que é imoral.

(http://www.otempo.com.br/capa/)

Ao observarmos a construção ‘Casa postiça’, podemos atestar o seguinte: a)

‘postiça’ atua de forma coercitiva sobre ‘Casa’, dando a esse escopo um status

duvidoso de credibilidade; b) ao mesmo tempo, ‘Casa’ é uma forma metonímica para

se referir ao grupo de deputados que compõem o Congresso Nacional, além de

apresentar uma raiz metafórica no sentido de ser uma palavra do domínio familiar

que é transferida para o domínio político/legislativo.

d) POSSÍVEL

CONSTRUÇÃO AFFORDANCE

QUESTIONADA

FRAME

CONSTRUÍDO

PO

SS

ÍVE

L

possível volta retorno ao time Futebol

possível ensaio nu trabalho fotográfico Celebridade

possível contratação transação Contrato de futebol

possível logo marca Novela

possível substituto substituição Tecnologia

utopia possível idealização Sermão religioso

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cenário possível enquadramento Crise hídrica

possível impeachment processo político Política

possível novo recordista capacidade do carro Automóveis

possível evento ocorrência Fenômeno da natureza

possível sucessor sucessão Futebol

possível corrupção presença de vírus Informática

possível rebaixamento valor Economia

possível fraude adulteração Eleição

possível tomada de reféns sequestro Imigração

possível supernova nova estrela Astronomia

possível filiação envolvimento Política

possível variação alteração Impressão digital

possível alta aumento Economia

resposta possível solução Terrorismo

possível renovação transação Contrato de futebol

possível spoiler antecipação de script Programa de TV

resposta possível solução Economia

possível acordo concordância Política internacional

Nos dados analisados, observamos que a ocorrência de posposição é ínfima;

o uso mais comum é do adjetivo anteposto. Tal preferência pode servir para

reforçar o caráter de questionamento da affordance, uma vez que a posposição

demonstra um enfraquecimento desse questionamento: ‘possível renovação’ -

uma transação que pode ou não ocorrer; ‘resposta possível’ - uma ação que

certamente se concretizará / uma solução que futuramente aparecerá. Nos

textos seguintes, de onde foram retiradas tais expressões, podemos observar o

contexto discursivo para confirmarmos essas informações:

[20] Modesto Roma Jr comenta possível renovação de Ricardo Oliveira

O presidente do Santos, Modesto Roma Jr., admitiu na última terça-feira a intenção de renovar com o atacante Ricardo Oliveira, vindo dos Emirados Árabes e acordado com o clube até o fim do Campeonato Paulista. Por ter um contrato de curta duração, o jogador aceitou receber um salário abaixo de seu padrão com objetivo de se valorizar no mercado. Agora, de acordo com o dirigente, o valor pedido pelo atleta na possível renovação ultrapassa o teto salarial do clube,

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estimado em 200 mil reais. No Estadual, o próximo compromisso do Peixe será na quarta-feira, diante da Ponte Preta em Campinas.

(http://www.msn.com/pt-br/esportes/futebol/)

[21] Sony, Charlie e a resposta possível Ricardo Costa |

18:00 Quinta feira, 8 de janeiro de 2015

Comparar um tenebroso ataque terrorista a um ataque cibernético é sempre desproporcionado. Um tem vítimas identificadas, com rostos, nomes, famílias, amigos e um lastro de sofrimento. O outro tem normalmente vítimas mais difusas, listas enormes de afetados, mas nunca da forma brutal e definitiva como os de um ataque terrorista. Mas há um ponto que une dois tipos de ataques tão diferentes e é isso que se verifica quando recuamos para ver o que se passou ontem e há algumas semanas no ataque aos servidores da Sony. O que une os hackers da Coreia do Norte aos fanáticos islamistas de Paris é o mesmo combate à liberdade de expressão. E é a defesa desses valores que tem de nos unir a nós, mesmo quando não achamos muita piada a "The Interview" ou possamos achar que um ou outro cartoon do "Charlie Hebdo" pode ser muito radical.

(http://expresso.sapo.pt/sony-charlie-e-a-resposta-possivel)

A diferença presente na negação parcial da affordance também

se concretizará na análise de ‘provável’.

e) PROVÁVEL

CONSTRUÇÃO AFFORDANCE

QUESTIONADA

FRAME

CONSTRUÍDO

PR

OV

ÁV

EL

provável personagem participação Filme

provável causa influência Acidente

data provável tempo Gravidez

provável destino destinação Contrato no futebol

provável saída movimento Futebol

provável visita atividade política Política

provável novo navegador uso Informática

provável equipe composição do time Futebol

tempo provável exatidão Religião

provável oceano água Astronomia

quadro provável doença Saúde

provável ‘ataque terrorista’ motivação Terrorismo

correlação provável ligação Política

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134

provável titular posição Futebol

provável visual aparência Telefonia

provável novo maestro titular posição Música

provável racionamento economia Crise hídrica

provável aumento aumento Economia

provável desafiante luta Esporte de luta

provável premier cargo Política

provável candidato candidatura Eleição

caso provável doença rara Saúde

provável elenco composição Filme

provável favorita preferência Hipismo

roteiro provável história Política chinesa

Além da negação parcial, temos também, relacionada à identificação da

affordance questionada, a presença do contexto discursivo como elemento

determinante para essa negação.

[22] Hospital diz que Youssef apresenta quadro provável de angina instável

O doleiro foi hospitalizado neste sábado (25) após passar mal na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba

26/10/2014 08h27 Da Redação, com agências

O hospital em que está internado o doleiro Alberto Youssef, em Curitiba, divulgou nota para informar que o paciente tem um quadro provável de angina instável, condição grave na qual o coração não é irrigado corretamente com sangue e que pode levar ao infarto.

A nota não faz referência a qualquer agente externo que tenha levado à crise. Nas redes sociais, há uma intensa boataria de que Youssef fora envenenado na carceragem. Em nota, a Polícia Federal negou a suposição de envenenamento e lembrou que o doleiro tem histórico de doença cardíaca e que esta foi a terceira vez que ele teve um atendimento médico de urgência desde que foi preso.

Na quinta-feira, a revista "Veja" trouxe reportagem afirmando que o doleiro teria

citado em depoimento que Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva sabiam do

esquema de corrupção na Petrobras.

Youssef e o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa são os delatores do esquema e negociaram uma delação premiada com a Justiça, a fim de reduzir suas eventuais penas ao fim do processo. Costa já saiu da cadeia e está em prisão domiciliar, e Youssef ainda está sendo ouvido.

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A Polícia Federal já havia divulgado nota sobre o atendimento de Youssef. O doleiro tem um histórico de doença cardíaca. Na nota do Hospital Santa Cruz, está relatado que ele teve dor torácica e um desmaio, mas que manteve os sinais vitais estáveis.

Em nota, a Polícia Federal afirmou nesta manhã (26) que Youssef passou bem a noite e deve permanecer internado por pelo menos 48 horas, sob escolta de policiais federais.

(http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/)

Nesse texto, observamos que a compreensão da construção ‘quadro

provável’ como item isolado seria prejudicada, uma vez que o termo ‘quadro’ tem

sentido bem abrangente/genérico, o que tornaria a identificação da affordance

questionada difícil. Assim, a presença do contexto discursivo é fundamental para a

noção de que ‘quadro’ refere-se a um estado de saúde.

f) SUPOSTO/SUPOSTA

CONSTRUÇÃO AFFORDANCE

QUESTIONADA

FRAME

CONSTRUÍDO

SU

PO

ST

O / S

UP

OS

TA

suposto assassino culpa Crime

suposta mãe maternidade Relação consanguínea

suposto amigo vínculo de amizade Amizade

suposta filha vínculo filial Filiação

suposta namorada vínculo amoroso Namoro

suposto homicídio ato criminoso Crime

suposto estupro ato criminoso Crime

suposto primo parentesco Judicial

parto suposto genitoria Judicial

suposto pai genética Judicial

suposto ataque de tubarão mordida Ataque

suposto envolvimento participação Escândalo político

suposto colega vínculo de amizade Crime

suposto estuprador autoria Crime

suposto OVNI aparição Sobrenatural

suposto pivô traição Celebridade

suposto assalto ato criminoso Crime

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suposto novo namorado vínculo afetivo Programa de TV

suposto desvio de dinheiro furto Celebridade

suposto ladrão roubo Terrorismo

suposto inimigo inimizade Novela

suposto vídeo íntimo filmagem Celebridade

suposto alien origem extraterrestre

Sobrenatural

suposto usuário de drogas vício Crime

suposto filho genética Disputa judicial

suposto ex-affair namoro Celebridade

suposto autor autoria Crime

suposto chefe do tráfico chefia Prisão

suposta mãe genética Celebridade

suposta namorada vínculo afetivo Celebridade

suposta filha genética Celebridade

suposta ida ao cinema movimento Desaparecimento

suposta traição traição Agressão

suposta ‘boca de fumo’ local Tiroteio

suposta injúria racial ofensa Preconceito

suposta namorada vínculo afetivo Crime

suposta mandante liderança Crime

suposta fraude adulteração Crime

suposta mudança de sexo alteração Homossexualidade

suposta música autoria Música

suposta ‘pegadinha’ fraude Multa

suposta namorada vínculo afetivo Política

suposta ligação relacionamento Prisão

suposta ofensa ofensa Política

suposta overdose de droga uso abusivo Morte

suposta adulteração alteração Caso policial

suposta homicida ato criminoso Prisão

suposta vítima vitimismo Assalto

suposta amante relacionamento Traição

suposta aliciadora coerção Exploração sexual

suposta doente mental estado mental Assassinato

suposta cantada elogio Processo judicial

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‘suposta conta’ existência Escândalo político

Os itens ‘suposto/suposta’ exercem um tipo de coerção sobre o escopo,

denominado por Coulson (2001) de coerção metonímica do type com redução

(metonymic type coercion with undercutting). Como em ‘possível’ e ‘provável’, a

anteposição reforça a negação parcial (ou questionamento) do escopo, enquanto

a posposição apresenta uma tendência mais afirmativa; porém, no uso de tal

adjetivo, não encontramos um número relevante de contruções pospostas - temos

somente o caso de ‘parto suposto’, expressão jurídica:

[23] DOS SUPOSTOS CRIMES PRATICADOS

Segundo a imprensa, houve uma denúncia que imputou à mulher dois delitos, quais sejam: sequestro [40] e parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido. [41] Ocorre que, pode ter ocorrido prescrição, que é uma causa extintiva da punibilidade, em face do tempo, eis que os dois delitos tem penas com prazo prescricional de 12 anos. [42]

Quanto ao crime de parto suposto, não resta qualquer dúvida, é um crime instantâneo, ou seja, sua consumação se deu com o ato do registro. No entanto, o prazo da prescrição, de acordo com o art. 111, inciso IV, do Código Penal, se iniciou no dia em que o fato se tornou ostensivamente conhecido.

(http://jus.com.br/artigos/3645/)

No exemplo, a construção ‘parto suposto’ está vinculada a um tipo de crime,

enfocado no artigo 242 do Código Penal Brasileiro, considerado como o registro

de filho de outrem, dando ao parto alheio caráter próprio, como se o filho fosse

do requerente. Parece-nos que tal expressão possui caráter cristalizado, uma vez

que na busca rápida por textos jurídicos na internet não encontramos essa

construção anteposta.

3.5.2 Tipo de mesclagem conceptual

Como já dito, Coulson (2001), ancorada nos estudos de Franks (1995), afirma

que os adjetivos privativos estabelecem um tipo de combinação conceptual diferente

da realizada entre um nome e outra classe de adjetivo. Por esse motivo, a autora

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dedica boa parte do capítulo em que trata da mesclagem conceptual em sintagmas

nominais modificados para discorrer sobre essa especificidade.

Uma vez que a autora abre mão da análise pelo modelo de geração de

sentidos, há o enfoque no mecanismo de integração conceptual para explicar a

modificação adjetival privativa. Para ela, a mesclagem dá conta de apresentar a

acomodação dos traços inerentes ao referente discursivo nos diferentes domínios

onde ocorrem. Assume-se que o papel do ajuste focal é fundamental para a

interpretação da perspectiva apresentada na construção modificadora, uma vez que

esse mecanismo perfila um status que não está explícito nos elementos isolados da

construção. Assim, no caso de ‘revólver falso’, o sentido emergente da construção é

o de um objeto que não atira, mas é utilizado em um assalto como um simulacro; há

o perfilamento para o formato do objeto, enquanto a função ‘atirar’ é apagada.

Em ‘revólver falso’, se estivéssemos em um contexto de assalto, alguns

elementos centrais seriam negados (como função de atirar/matar, gatilho, lugar

para munição, material metálico), enquanto outros seriam mantidos (cano,

cabo e tamanho). No modelo de geração de sentidos, estaríamos diante de um

tipo de coerção metonímica do type, uma vez que o objeto referido (revólver

falso) é um simulacro do real, ‘substitui’, na cena de assalto, um revólver

verdadeiro, gerando nas vítimas a crença de que seja mesmo uma arma. Na

mesclagem conceptual, teríamos como inputs o espaço das crenças das vítimas

(em que o revólver é real, verdadeiro) e o espaço das crenças do assaltante (em

que o revólver é falso, de plástico ou outro material, é um simulacro), além de

considerar os elementos citados acima.

Nos dados coletados, percebemos que a noção de frame torna-se

fundamental para elucidar os elementos que farão parte da integração conceptual

pelo processo de mesclagem.

Veremos a seguir como tais construções se comportam na análise da

mesclagem conceptual inerente a elas. Para isso, agrupamos as construções nos

padrões de mesclagem conceptual apurados após a testagem dos textos

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139

selecionados. Temos, assim, três agrupamentos que representam os

desdobramentos do processo de mescla nos textos39.

3.5.2.1 Antigo/antiga

Sabemos que o termo ‘antigo’ abarca algumas leituras: uma ligada à

propriedade de desgaste (casa antiga), portanto mais estativa; outras relacionadas a

tempo, mais dinâmica quando implica duração/continuidade (fumante antigo) e mais

estática quando se refere à anterioridade (antigo fumante). Como privativo, tal

termo sempre se apresenta na leitura de anterioridade. Para

compreendermos as conexões ocorridas nas projeções dos espaços mentais

envolvendo temporalidade, reportamo-nos aos esquemas apresentados por

Fauconnier (1997), mas criados por Cutrer (1994). Cutrer criou tais esquemas de

projeção para demonstrar a ocorrência do tempo e do modo em narrativas,

utilizando os primitivos cognitivos como suporte (base, foco e ponto de vista). Tais

primitivos são definidos a seguir:

a) Base - espaço mental que representa o ponto inicial de um estágio

discursivo particular (como o início de uma conversa). O espaço Base

serve para ativar o discurso e também pode ser retomado em qualquer

momento do discurso.

b) Foco - espaço mental em que um conteúdo é adicionado ao evento de

fala.

c) Ponto de vista - o espaço mental pelo qual o discurso está sendo visto e

a a partir do qual outros espaços mentais entrelaçados são construídos.

Fauconnier apresenta o seguinte enunciado para explicar o atrelamento da

temporalidade no discurso e sua representação cognitiva:

Max is 23. He has lived abroad. In 1990, he lived in Rome. In 1991 he would

move to Venice. He would then have lived a year in Rome. (Max tem 23 anos. Ele

39 Temos a consciência de que uma representação genérica do processo de integração conceptual não abarca as especificidades desejáveis nesse tipo de esquema, mas a padronização serve-nos para depreendermos como as construções privativas se comportam nessa gama de textos.

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140

tem vivido no exterior. Em 1990, morou em Roma. Em 1991 ele se mudou para

Veneza. Ele teria vivido, então, um ano em Roma.)

Os processos decorrentes de tal enunciado são os seguintes:

a) Inicialmente, temos um espaço simples, que é a Base, e um Ponto de

Vista e Foco iniciais. A informação que estrutura esse espaço é a de que Max tem

23 anos.

b) Mantendo esse espaço no Foco, adicionamos a informação presente

(Max has lived abroad - Max tem vivido no exterior). Tal informação ocorre através

de um espaço de evento passado (Max live abroad - viver no exterior).

c) Na sentença seguinte, ‘em 1990’ é um construtor de espaço. Ele ativa um

novo espaço de Foco, no qual construímos o conteúdo ‘Max live in Rome’ (Max

viver em Roma). Também há um espaço novo de Evento, quando consideramos o

evento/estado de Max viver em Roma.

d) Esse espaço Foco torna-se um ponto de vista a partir do qual

consideramos o próximo passo de Max. Quando dizemos ‘em 1991’, há um

movimento para o futuro, em relação a 1990. Então o espaço de 1990 acaba sendo

esse ponto de vista para a criação do próximo Foco (e Evento) - Max move to

Venice (Max mudou-se para Veneza).

e) A última frase - He would then have lived a year in Rome (Ele teria vivido,

então, um ano em Roma.) - mantém 1990 como Ponto de Vista e 1991 como

Foco, na acepção do espaço para eventos (‘viver um ano em Roma’) que é passado

em relação ao foco 1991.

As representações a partir dos espaços mentais mostram esses

desdobramentos:

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141

Esquema 16. Desdobramento dos espaços mentais na temporalidade

Acerca desse desdobramento, para sua melhor compreensão, cabe-

nos apresentar as caracterizações efetuadas por Cutrer dos tempos verbais em

língua inglesa:

o PASSADO requerido no espaço N indica que:

- N está no Foco

- o ‘pai’ de N é o Ponto de Vista

- o tempo de N é anterior ao Ponto de Vista

- eventos ou propriedades representadas em N são FATOS (em relação ao

espaço-pai de Ponto de Vista)

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o PRESENTE requerido no espaço N indica que:

- N está no Foco

- N ou o ‘pai’ de N são o Ponto de Vista

- o frame de tempo representado em N não é anterior ao Ponto de Vista/Base

- eventos ou propriedades em N são FATOS (em relação ao Ponto de Vista)

o FUTURO requerido no espaço N indica que:

- K está no Foco

- o ‘pai’ de K é o Ponto de Vista

- o frame de tempo de K é posterior ao Ponto de Vista

- eventos ou propriedades em K são PREDIÇÔES (vindas do Ponto de Vista)

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143

Tais noções são importantes para nós no que concerne à esquematização do

processo de mesclagem conceptual para construções com ‘antigo/antiga’. O que

pressupomos é que haja um padrão de mesclagem conceptual para essas

construções, resguardadas as especificidades do contexto discursivo onde ocorrem.

Algumas descrições desse processo mostram-nos que há uma padronização:

a) ‘antigo dono’ - temos um espaço mental voltado para ‘posse passada’ e

outro para ‘posse presente’; há também outros elementos nesses inputs,

como ‘Ary Marcos Borges da Silva’ (input 1) e ‘ONG/Criadouro São

Francisco de Assis’ (input 2). A estrutura emergente é a de ex-

proprietário, em um espaço de negação.

b) ‘antiga Mulher-Maravilha’ - temos as contrapartes nos espaços mentais de

passado (‘Lynda Carter’, ‘guerreira amazona’, ‘atriz’, ‘década de 70’) e

presente (‘atriz’, ‘Lynda Carter’, ‘século XXI’), gerando uma estrutura

emergente para ex-Mulher Maravilha (espaço-mescla de negação).

c) ‘antigo homem mais rico da Rússia’ - temos as contrapartes nos espaços

mentais de passado (‘Mikhail’, ‘executivo’, ‘riqueza’, ‘2003’) e presente

(‘Mikhail’, ‘presidiário’, ‘pobreza’, ‘2013’), gerando uma estrutura

emergente em um espaço-mescla de negação (‘ex-magnata’).

d)‘antigo amante’ - temos as contrapartes nos espaços mentais de passado

(‘Rupert Sanders’, ‘diretor de cinema’, ‘paixão’) e presente (‘Rupert

Sanders’, ‘diretor de cinema’, ‘separação’), gerando uma

estrutura emergente em um espaço-mescla de negação (‘ex-amante’).

e) ‘antigo fumante’ - temos as contrapartes nos espaços mentais de passado

(elementos ‘juiz/Mário dos Santos Paulo’, ‘viciado’) e presente ( elementos

‘juiz/Mário dos Santos Paulo’, ‘não-viciado’), gerando uma estrutura

emergente em um espaço-mescla de negação (‘ex-fumante’). Salienta-se

que o marcador ’há 38 anos’ estabelece a distância temporal entre um

espaço mental e outro.

A representação possível para esse tipo de mesclagem está ancorada na

temporalidade discutida por Fauconnier e, em nível genérico, pode ser assim

demonstrada:

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145

Interpretação: Os elementos relativos à anterioridade encontram-se no input

1; também há os elementos papel-valor e indivíduo/objeto X como parte desse input.

No input 2 temos o presente, marcado pelo momento da enunciação, com os

elementos papel-valor e indivíduo/objeto X. No espaço-mescla, há a junção de

alguns desses elementos e a ‘convivência’ dos elementos ‘anterioridade’ e

‘presente’; a negação pela contrafactualidade ocorre na compressão de tempo

(anterioridade x presente), gerando desanalogia.

3.5.2.2 Falso/falsa e postiço/postiça

As construções desse grupo apresentam características sintáticas bem

diversificadas, mas quanto ao processo de mesclagem conceptual mostram algumas

semelhanças. O conceito de falsidade opõe-se claramente à noção de verdade,

criando, então, uma contrafactualidade nesse aspecto; ser postiço é uma

propriedade do que não é original, verdadeiro, mas a escolha lexical desse adjetivo

não tende para os mesmos padrões de ‘falso’: podemos falar em ‘cabelo falso’ em

vez de ‘cabelo postiço’, mas não podemos nos referir a ‘revólver postiço’ e

‘estudante postiço’ em vez de ‘revólver falso’ e ‘falso estudante’.

Em ‘cílios postiços’, ‘cabelo postiço’, ‘unhas postiças’ e ‘dente postiço’, os

inputs relacionam o que é humano com o que não é, gerando uma

contrafactualidade na mescla de espaços mentais; após, os elementos dos inputs se

relacionam para gerar uma estrutura emergente que corresponda ao objeto:

a) ‘cílios postiços’ - partes do corpo/orgânico/visão e material

sintético/artificialidade/cola: acessório. Frame de estética.

b) ‘cabelo postiço’ - orgânico/fio/raiz e artificialidade/cola: aplique. Frame de

estética

c)‘unhas postiças’ - orgânico/cutícula/queratina e artificialidade/material

sintético/cola: acessório. Frame de estética

d)‘dente postiço’ - orgânico/raiz/esmalte e

artificialidade/porcelana/parafuso: prótese. Frame de saúde odontológica.

Em ‘mãe postiça’ e ‘eu postiço’, temos frames de relacionamento, em que o

primeiro é familiar e o segundo é interpessoal. No esquema da mesclagem, temos

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para ‘eu postiço’ um espaço mental voltado para o ‘eu’ em contraposição a outro

para ‘pessoas’, em que elementos de alteridade também aparecem vinculados à

mescla, gerando o sentido de ‘o outro’. No caso de ‘mãe postiça’, os inputs se

contrapõem da seguinte forma: mãe - afeto/genitora/filho e madrasta/enteado/não-

genitora, que resultam em uma função afetiva exercida pela madrasta.

Nas construções ‘falso estudante’, ‘Popozuda falsa’, ‘loura falsa’ e ‘falsas

magras’, a negação contrafactual é evidenciada na projeção dos espaços:

a)‘falso estudante’ - temos as contrapartes jovem/Rafael da Silva Borges,

pedagogo (espaço de crenças do ingênuo) e jovem/Rafael da Silva Borges,

cabeleireiro (espaço da realidade). A estrutura emergente do espaço-mescla de

engano é ‘não-estudante’.

b) ‘Popozuda falsa’ - temos as contrapartes Popozuda/Valesca, funkeira,

glúteo natural (espaço da realidade) e Popozuda/Valesca, funkeira, silicone,

cirurgia plástica (espaço de crença do falante). A estrutura emergente do

espaço-mescla de crença é ‘Popozuda falsa, com bumbum de silicone’. Temos

aqui um espaço de crença porque se trata de um juízo de valor do falante e não de

uma situação comprovada.

c) ‘loura falsa’ - temos as contrapartes ‘loura’ (espaço do presente) e

‘morena’ (espaço do passado), alpm de ‘falsa’ no espaço atual, formando uma

estrutura emergente no espaço-mescla de negação (não-loura).

d) ‘falsas magras’ - temos as contrapartes magreza/corpo esguio (espaço das

crenças do observador) e gordura/corpo com curvas (espaço da realidade),

formando uma estrutura emergente no espaço-mescla de negação (não-magra).

A representação genérica para tais processos seria a seguinte:

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Interpretação: Os elementos do input 1 incluem dados de conhecimento sobre

uma determinada propriedade, baseados nos MCIs; o input 2 possui elementos

ligados ao espaço de crenças, na acepção do escopo. Há relações de engano/

substituição/simulacro na desanalogia, uma vez que os elementos do input 2 não

corresponde à realidade do espaço de conhecimento. Nessa relação, ocorre a

contrafactualidade.

3.5.2.3 Suposto/suposta, possível e provável

Como esses itens são categorizados como modalizadores, entendemos que

haja uma única representação para o seu processo de mesclagem conceptual. Há a

projeção em um espaço mental parecido com o exemplo dado por Sweetser (1999,

p. 152), em que no espaço mental do falante temos um desmembramento para um

espaço de cenário e outro da realidade dentro do espaço do falante e há outro

espaço em que temos o frame de eleição política, o papel-valor e o indivíduo; no

espaço-mescla, temos a junção entre alguns elementos dos inputs (papel do

candidato/indivíduo com o cenário e a realidade), criando a limiaridade entre o

verdadeiro e o falso. Então, levando-se em conta que os elementos do input 1

(cenário x realidade) serão os mesmos para esses itens (‘suposto/suposta’,

‘possível’ e ‘provável’), identificamos os elementos do input 2:

a) ‘suposto assassino’ - os elementos envolvidos são ‘Ronaldo da Silva’,

‘assassino’ e ‘provas do crime’.

b) ‘suposta mãe’ - os elementos envolvidos são ‘Carolina Bianchi’, ‘mãe’ e

‘exame de gravidez’.

c) ‘suposto amigo’ - os elementos envolvidos são ‘rapaz’, ‘amigo’ e

‘desconhecido’.

d) ‘suposta namorada’ - os elementos envolvidos são ‘Camila Espinosa’,

‘moelo’, ‘empresária’.

e) ‘suposta filha’ - os elementos envolvidos são ‘filha de 9 anos’, ‘exame de

DNA’.

f) ‘possível impeachment’ - os elementos envolvidos são ‘Dilma Roussef’,

‘ano de 2015’ e ‘Câmara de Deputados’.

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g) ‘possível substituto’ - os elementos envolvidos são ‘silício’, ‘telureto de

mercúrio’ e ‘Santo Graal dos materiais’.

h) ‘provável destino’ - os elementos envolvidos são ‘Chelsea’ e ‘time inglês’.

i) ‘provável desafiante’ - os elementos envolvidos são ‘Bethe Correia’,

‘lutadora peso-galo do UFC’ e ‘Pitbull’.

A representação genérica para tais processos seria a seguinte:

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Interpretação: Os elementos do input 1 (cenário e realidade) são contidos no

espaço do falante, com uma interrogação entre eles, pois não há a certeza; os

elementos do input 2 referem-se ao papel-valor e ao indivíduo/objeto X. Tais

elementos são projetados para os espaços de cenário e de realidade, tendo suas

affordances questionadas nessa mescla. Há desanalogia gerada na dúvida,

assim como analogia gerada na certeza.

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CAPÍTULO III - CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DAS

CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS

Até o momento, buscamos analisar as construções privativas e apresentar

resultados que apontassem para um padrão comportamental presente nelas.

Neste tópico, apresentamos as considerações mais relevantes acerca do que foi

analisado até aqui. Esclarecemos que não temos a pretensão de esgotar as

possibilidades de análise desse tipo de adjetivo, tendo consciência de que nossa

pesquisa apresenta resultados não exaustivos acerca do tema.

1 O PADRÃO DAS CONSTRUÇÕES ADJETIVAS PRIVATIVAS

Nosso objetivo, ao falarmos a respeito de padrão, não é apresentar regras e

posturas fechadas que demonstrem o funcionamento do adjetivo privativo em língua

portuguesa, mas mostrar como essa categoria de adjetivo está presente no uso e

pode ser delimitada nos estudos de LC.

Estamos comprometidos com a atestação, através da análise de dados,

de elementos que nos conduzam a uma descrição esclarecida da modificação

adjetival privativa em língua portuguesa, baseando-nos em critérios formais e

cognitivistas. A seguir, elencamos as informações decorrentes dessas análises.

1.1 Construções com ‘antigo/antiga’

• Como privativo, ocorre em anteposição; a posposição cria o sentido de

continuidade/duração, enquanto a anteposição apresenta o sentido de

anterioridade, gerando negação quando relacionado ao momento da

enunciação (presente): antigo professor - não é professor agora / professor

antigo - leciona há muito tempo.

• No corpus, houve caso de ‘amor antigo’ e ‘caso antigo’, no contexto de

negação, o que não é comum. Nesse caso, o contexto discursivo ancorou a

negação do escopo. Ex.: “ex é sempre ex, você foi caso antigo / eu não troco

atual pra voltar pra ex marido” ( ‘caso antigo’ está ancorado em ‘ex’ / ‘ex-

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marido’) / ‘Reencontro com um amor antigo’ (‘amor antigo’ se ancora em

‘reencontro’).

• A negação ocorre na affordance temporal - antigo professor de Anderson

Silva = negação da affordance ‘função de professor de Anderson Silva no

presente’, no frame de esporte de luta.

1.2 Construções com ‘falso/falsa’

• Possui ordem livre como privativo, podendo aparecer tanto posposto

quanto anteposto. Porém a negação é mais aparente na forma marcada

(anteposta) - falsa esposa.

• Em alguns escopos, por conta de suas propriedades, a posição não

interfere no sentido - falso amigo = amigo falso. Porém, a posposição

pode apontar para um valor atributivo: pessoa falsa - pessoa com desvio

de caráter, nunca uma não-pessoa

• Na categorização das construções privativas, pode ser considerado

o privativo prototípico, pois apresenta um grau máximo de negação.

1.3 Construções com ‘postiço/postiça’

• Ordem fixa (posposição); não admite outra função além da privativa. Atua

de forma coerciva sobre o escopo, a partir de processo metonímico -

cílio postiço, mãe postiça.

• A affordance negada aponta para um processo de coerção metonímica do

escopo, uma vez que há uma ‘força coercitiva’ agindo sobre o sentido

do escopo, fazendo com que haja uma negação parcial: cílios

postiços - negação da affordance orgânica, mas preservação da aparência

ciliar.

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1.4 Construções com ‘suposto/suposta’

• Na relação com o escopo, gera uma negação ambígua, pois 'suposto

criminoso’ pode ou não ser um criminoso. Quando há a posposição

(criminoso suposto), que não é usual em PB, há a afirmação do escopo -

ele realmente é um criminoso.

• A única construção posposta encontrada no corpus - parto suposto -

aponta para o âmbito jurídico. É uma expressão jurídica comum para se

referir a um tipo de crime em que a mulher assume a maternidade de um

filho que não é seu, de forma criminosa.

• O uso de ‘suposto’ também se associa ao processo de coerção

metonímica, no sentido de ação coercitiva do adjetivo sobre o escopo.

1.5 Construções com ‘possível’ e ‘provável’

• Em anteposição, tem caráter privativo, mas não nega totalmente as

propriedades do escopo; na posposição, apresenta ideia de possibilidade,

afirmação: provável titular - pode ou não ser titular / titular provável -

certamente será titular

• A probabilidade gerada pelo adjetivo aponta para um caráter futuro. Na

maioria dos casos, o contexto apresenta um verbo futuro ou a noção de

algo que irá ocorrer: “Fundo de investimento fecha com Kenedy, e

Chelsea é provável destino” / “Dilma vê provável visita aos EUA ainda

este ano”. Na posposição, essa probabilidade de futuro é acompanhada

pela ideia de algo que possa ser provado: “Hospital diz que Youssef

apresenta quadro provável de angina instável” / “Após exame positivo

em aves, Piauí tem o 1ž caso provável de febre do Nilo”.

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2 QUESTÕES POLISSÊMICAS ENVOLVENDO AS CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS

As questões acerca da polissemia tornam-se relevantes nesta pesquisa

quando nos deparamos com as construções com ‘falso/falsa’ e ‘antigo/antiga’.

Nesses casos, temos acepções dicionarizadas diferentes para os

itens. A despeito das idiossincrasias semânticas desses itens, existe uma

dependência do contexto discursivo para a construção de seus sentidos.

Para tratarmos dessa questão, trazemos as acepções dicionarizadas dos

itens45 e comentários sobre seu uso nos corpora analisados.

a) Antigo

n adjetivo

1 que existe há muito tempo 2 que existiu outrora Ex.: a a. Roma

3 que se conserva desde muito tempo Ex.: lembrou-lhe a a. amizade

4 que precedeu o atual detentor de um cargo, de uma posição Ex.: o a. gerente

5 Rubrica: história. relativo à Antiguidade

A acepção interpretada nas construções antepostas analisadas nesta

pesquisa relaciona-se ao item 4 (que precedeu o atual detentor de um cargo, de

uma posição), pelo aspecto de anterioridade presente nos contextos discursivos.

Nas construções pospostas, vemos que a interpretação mais usual poderia

resvalar para os itens 1 (que existe há muito tempo) e 2 (que se conserva

desde muito tempo), denotando duração e continuidade; pela natureza de

nosso trabalho, selecionamos apenas os contextos em que se manteve a acepção

do item 4, mesmo na posposição.

b) Falso

n adjetivo

1 contrário à realidade ou à verdade; inexato, sem

fundamento Ex.: ideias f. 2 em que há mentira, fingimento, dolo Ex.: f. testemunho

3 que não é verdadeiro; fictício, enganoso

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Ex.: nome f.

4 feito à semelhança ou imitação do verdadeiro; falsificado Ex.: dinheiro f.

5 aparente, enganoso Ex.: fundo f.

n substantivo masculino

6 aquilo que é falso Ex.: às vezes é difícil distinguir o f. do verdadeiro

7 Uso: informal. mentira, calúnia, falsidade 8 indivíduo desleal

n advérbio

9 com falsidade, falsamente

A partir dessa análise, levando-se em conta que etimologicamente não há

duas entradas lexicais para o item ‘falso’, buscaremos apresentar esse adjetivo

dentro dos grupos de acepções dicionarizadas desse item linguístico:

Na representação acima, levamos em conta a questão do nível de

abstratização (característica presente em processos metafóricos e metonímicos)

na extrema direita e o sentido mais prototípico encontra-se à esquerda, pois tem

um maior caráter de concretude. Em decorrência dessa instabilidade semântica, o

item ‘falso’ pode manter-se em tensão homonímica, pois seu significado é puxado

ora para cima (no sentido mais abstrato do termo, ligado à ficção, à não-realidade,

ao fingimento), ora para baixo (no sentido do simulacro, do que é feito à

semelhança, mais concreto).

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Nos corpora analisados, a acepção mais significativa é a associada ao item 4

(feito à semelhança ou imitação do verdadeiro; falsificado); tal sentido fica mais

evidenciado nas formas antepostas e nas pospostas são construídos com auxílio do

contexto.

Pela natureza transcategorial de ‘falso’, tal adjetivo torna-se um provável

candidato para os processos heterossêmicos40, uma vez que a manifestação de

um item em categorias distintas com sentidos diferenciados é um dos pressupostos

para a heterossemia (LITCHENBERK, 1991). Não discutiremos tal questão

neste trabalho, por considerarmos que demandaria um estudo aprofundado de

natureza diacrônica.

c) Postiço

n adjetivo

1 acrescentado depois de pronta a obra 2 que se pode pôr e tirar 3 que se coloca para substituir o natural, que já não existe, ou para mudar a aparência; artificial, falso Exs.:cabelos, dentes, seios p. nariz p.cabeleira p.

4Derivação: por extensão de sentido.

sem naturalidade; afetado, fingido Ex.: sorriso p. 5 que foi adotado; adotivo Ex.: tio p.

n substantivo masculino

6 Regionalismo: Portugal (reg.). aquilo que é postiço, artificial

7 Regionalismo: Portugal (reg).

criança abandonada, desamparada; enjeitado

8 Rubrica: tipografia.

40 A visão tradicional para a extensão de sentido aponta para o fenômeno de polissemia .

Porém, há estudos que apresentam essa extensão como um fenômeno heterossêmico. Para Lichtenberk, a heterossemia é um fenômeno em que dois ou mais significados ou funções são historicamente relacionados, no sentido de derivação de uma mesma fonte; esses sentidos são gerados pelo reflexo de um elemento-fonte comum que pertença a diferentes categorias morfossintáticas. De forma simplificada, o autor sustenta que palavras podem ser aplicadas em novas experiências, para expressar relações percebidas recentemente no fenômeno e então formam novas categorias ou alteram a ‘maquiagem’ de categorias existentes, relacionando cada fenômeno nos diferentes domínios cognitivos. Exemplificando, no caso do verbo ‘ir’ em línguas oceknicas, a heterossemia é o resultado da cadeia sequencial de extensões funcionais : verbal > persistivo > sequanciação > temporal > condicional. Uma definição mais atualizada da heterossemia é apresentada por Booij (2010, p. 63 apud ALMEIDA E GONÇALVES, 2014, p. 168): “[...] interpretação específica de itens lexicais polissêmicos que estão presos em construções particulares, tanto morfológicas quanto sintáticas.” (BOOIJ, 2010, p.63)

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tipo com algum sinal que se coloca sobre a letra, como acentos etc. ª postiços n substantivo masculino plural Rubrica: cinema, teatro. 9 acessórios para maquiagem e caracterização

Observa-se também uma natureza transcategorial para o item ‘postiço’ no

português europeu (acepção 6 - aquilo que é postiço, artificial , como substantivo

masculino), mas no português brasileiro não há esse uso. É interessante perceber

que há uma extensão de sentido, apontando para a polissemia, no item 3 (que se

coloca para substituir o natural, que já não existe, ou para mudar a

aparência; artificial, falso) - sem naturalidade, afetado, fingido. Tal extensão deve-se

à natureza do escopo: em ‘dente postiço’ temos uma substituição concreta,

enquanto em ‘identidade postiça’ há uma substituição abstrata.

A acepção para o item 9 (acessórios para maquiagem e caracterização)

também é ocorrente no corpus, pois apresentou um índice significativo (51 dos 55

contextos na análise panorâmica e 09 das 12 ocorrências nos 262 textos na

análise específica).

Ao observarmos essas variações, buscamos o sentido-fonte para o item,

em que temos a seguinte etimologia: “esp. postizo, lat. vulg. appositicus, próprio

para ser acrescentado”. Nos corpora analisados, percebemos o uso da acepção

mais concreta, voltada para objeto (‘cabelo postiço’, ‘cílios postiços’, ‘unha postiça’,

etc) e alguns casos com essa extensão de sentido mais abstrata (‘Casa postiça’,

‘mãe postiça’).

A respeito da coerção exercida pelo adjetivo sobre o substantivo e seu efeito

no processo polissêmico, Silva (2010, p. 359) afirma o seguinte:

São as operações de coerção que permitem que um único sentido de uma palavra possa adquirir diferentes leituras em diferentes contextos. A coerção de tipo permite a um predicado alterar o tipo do seu complemento sempre que necessário. Por exemplo, as expressões ler um livro, escrever um livro, comprar um livro, imprimir um livro activam uma componente semântica diferente e, por coerção, conduzem a uma interpretação particular do nome livro. Ler um livro coage o papel télico inerente a um livro; escrever um livro coage o papel agentivo; queimar o livro activa o papel constitutivo; e deixar cair o livro activa o papel formal.

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159

Nessa perspectiva, podemos afirmar que cada construção com ‘postiço’

também apresentará uma faceta semântica diferenciada, apontando para uma

polissemia que se manifesta a partir da construção de sentido pelo

contexto discursivo.

d) Possível e provável

Possível n adjetivo de dois gêneros

1 que preenche as condições necessárias para ser, existir ou realizar-se 2 que pode ser verdadeiro; que talvez exista ou vá existir; admissível, concebível

Ex.: uma gama de p. soluções para o problema

n substantivo masculino

3 aquilo que está ao alcance de ser feito Ex.: fez o p. para salvar o casamento

Provável n adjetivo de dois gêneros

1 que se pode provar; comprovável Exs.: um fato perfeitamente p. por haver dele testemunhas oculares uma hipótese que não é facilmente p. 2 que pode ser seguido e praticado sem ofensa da lei, embora não seja bom nem

seguro Ex.: doutrina p. 3 possível por sua inaceitabilidade não ter sido cabalmente estabelecida

Ex.: teriam dado às costas do Piauí, em priscas eras, p. viajantes fenícios 4 que, segundo indícios, pode ocorrer ou ser Exs.: é p. que chova

anunciou um p. aumento de salário ele é um p. candidato à presidência o p. assassino do empresário

5 quase certo, com grande chance de ocorrer Exs.: preparar-se para uma p. carreira de médico o p. vencedor do concurso

As acepções concebíveis para esses itens nos corpora se ligam ao item 2

(que pode ser verdadeiro; que talvez exista ou vá existir; admissível, concebível)

para ‘possível’ e para ‘provável’ aos itens 3 (possível por sua inaceitabilidade não ter

sido cabalmente estabelecida) e 5 (quase certo, com grande chance de ocorrer); no

caso de ‘provável’ a acepção 3 é mais privativa/particularizadora que a de número 5,

pois tende a um maior nível de negação no questionamento.

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160

3 OS MULTISSISTEMAS ENVOLVIDOS NO FUNCIONAMENTO DAS

CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS

Quando apresentamos a abordagem teórica dos multissistemas da língua,

tivemos como intuito demonstrar nossa postura em relação ao fenômeno

da modificação adjetival privativa/particularizadora: tal fenômeno ocorre porque há

uma conjuntura de fatores semânticos, sintáticos/gramaticais, discursivos e

lexicais propiciando sua manifestação.

Os princípios de ativação, desativação e reativação podem ser percebidos

nos sistemas, em maior ou menor escala, a depender da construção analisada e

do contexto discursivo em que se insere. De modo geral, as ativações

para a privatividade nas construções consequentemente geraram as

desativações de sentido predicativo.

A ativação da função privativa/particularizadora e a desativação (ou não

ocorrência) da função predicativa nos gêneros do domínio discursivo jornalístico

podem ser explicadas por intermédio do seguinte raciocínio: os gêneros

que compõem esse domínio discursivo, como a notícia, não privilegiam os

temas relacionados às avaliações subjetivas que são feitas em relação a

determinados fatos ou em relação a outras pessoas, como é o caso de um

comentário de blog ou rede social, em que alguém pode ser julgado falso.

As práticas sociais que organizam a forma de comunicação por intermédio do

gênero notícia jornalística levam os locutores a privilegiarem temas que, de

alguma forma, afetam a organização da sociedade como um todo e cujos fatos

podem ser percebidos e, até mesmo, comprovados, como é o caso de um falso

médico, que exerce a função sem as credenciais necessárias.

O estudo elaborado aqui, ao considerar uma abordagem transdisciplinar de

análise linguística, permitiu corroborar a ideia de que os quatro sistemas que

compõem a língua são simultâneos e dinâmicos. Conforme se percebeu, não há

entre eles uma hierarquia, mas um dispositivo sociocognitivo que os coordena,

por intermédio dos princípios de ativação, reativação e desativação.

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161

CAPÍTULO IV - PALAVRAS FINAIS

Ao iniciarmos esta pesquisa, tínhamos como objetivo analisar o

comportamento de construções adjetivas privativas, a partir dos seguintes

questionamentos:

a) Existe um princípio geral que norteia a modificação adjetival privativa?

b) Quais os recursos linguísticos colocados à disposição de tal fenômeno, no

que diz respeito aos aspectos lexicais, discursivos, semânticos e

gramaticais?

c) Os recursos linguísticos aparentes na modificação adjetival privativa

apresentam um mesmo comportamento nas construções?

d) Qual o papel das affordances na análise da modificação adjetival

privativa?

e) Que tipo de mesclagem conceptual é formada a partir das construções

modificadas privativas?

f) Em que medida o processo de coerção metonímica é essencial na

modificação adjetival privativa?

Para responder a tais questionamentos, comprometemo-nos a fazer uma

análise dividida em dois eixos: um de ordem panorâmica, para visualizarmos o

fenômeno da privatividade de forma genérica; outro de ordem específica, para

tratarmos das questões concernentes ao fenômeno da privatividade adjetiva, a

partir de textos.

Ao final dessa análise, resta-nos empreender algumas observações, que

não têm o objetivo de serem a única resposta para tais questionamentos, mas o

que até agora conseguimos, com base nos dados analisados, apresentar como

possível encaminhamento para essas questões.

Assim, vamos às observações finais:

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162

a) Há um princípio norteador para a modificação adjetival

privativa/particularizadora: particularização do sentido do escopo a partir da

negação ou questionamento de affordances. Em todas as construções,

houve essa particularização/privatividade manifestada por uma negação ou

dúvida de propriedades/affordances do escopo.

b) Os recursos linguísticos operacionalizados nesse fenômeno são

acionados por um dispositivo sociocognitivo, abarcando aspectos lexicais,

discursivos, semânticos e sintático/gramaticais muitas vezes em uma

mesma construção. Por exemplo, em ‘sobrinho falso’, temos a forma não

marcada de posposição (aspectos gramatical e lexical) com sentido

particularizador (aspecto semântico) em um texto noticioso (aspecto

discursivo).

c) Quanto ao aspecto gramatical, foi observado que a ocorrência de

posposição (forma não marcada) apresentou distinção percentual pequena

relacionada à anteposição (forma marcada) - na análise panorâmica,

obtivemos 59,3% de anteposição contra 40,7% de posposição, enquanto na

análise específica ficamos com 63,7% de anteposição contra 36,3% de

posposição. Então, temos comportamentos sintáticos diferentes para o

mesmo fenômeno, apoiados em distinções lexicais entre as construções.

Quanto à semântica, também observamos que a construção de negação de

sentidos, apoiada no contexto discursivo, apresentou gradiências,

permitindo-nos estabelecer um contínuo das construções, indo do item com

carga maior de negação até o menos negativo.

d) As affordances exercem papel primordial na análise desse tipo de

modificação adjetival, resolvendo, por um lado, os problemas decorrentes de

uma análise meramente por traços. Como as affordances são

propriedades invariantes do objeto/coisa e percebidas conforme o

conhecimento da situação discursiva em que se encontra dada

construção, podem apresentar facetas diferenciadas desse objeto/coisa,

participando diretamente das relações envolvidas no ajuste focal. Assim,

‘Popozuda falsa’ pode inferir tanto a negação de uma parte do corpo como a

identidade de uma pessoa, como já foi mostrado. Pelo reconhecimento da

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affordance negada ou questionada em um escopo podemos ter noção dos

elementos que estarão presentes no processo de mesclagem

conceptual e do tipo de relação vital decorrente dessa compressão.

e) Os tipos de mesclagem conceptual apresentados nas construções foram

elencados em três agrupamentos, de acordo com os elementos envolvidos na

mescla. O primeiro tipo refere-se às construções com ‘antigo/antiga’,

apresentando propriedades de anterioridade e tempo presente, além dos

elementos de papel-valor e de indivíduo/objeto. O segundo tipo abarca as

construções com ‘falso/falsa’ e ‘postiço/postiça’, apresentando elementos

ligados ao espaço de conhecimento e espaço de crenças. O terceiro tipo

envolve construções com ‘suposto/suposta’, ‘possível’ e ‘provável’,

apresentando elementos de dúvida entre o espaço-cenário e espaço-

realidade. Em todos os esquemas observamos a projeção contrafactual, pois

há uma incoerência gerada pela combinação conceptual.

f) O processo de coerção metonímica ou coerção de tipo (SILVA, 2010) tem

papel significativo nas construções com 'postiço/postiça', 'suposto;suposta',

'provável' e 'possível, pois é através dele que o sentido do escopo nessas

construções é alterado, criando uma certa ambiguidade quanto ao status de

'ser verdadeiro'.

Os estudos a respeito dos adjetivos privativos/particularizadores não se

esgotam nas construções analisadas neste trabalho e muito menos nas já estudadas

por representantes da LC, como Fauconnier e Coulson (1999), Coulson (2001) e

Fauconnier e Turner (2002). Em pesquisa feita a partir de construções derivativas

recentes, com formação em -less e -free, como cordless (‘sem fio’ para telefone) e

sugar-free (sem açúcar), Górska (2004) demonstra como tais formativos são

produtivos e de que forma eles se constituem como privativos na perspectiva da

Gramática Cognitiva.

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