a mesma independência-a atuação pública de um unitário pernambucano (1822–1823)

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  • 7/24/2019 A Mesma Independncia-A Atuao Pblica de Um Unitrio Pernambucano (18221823)

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    DOI: 10.5533/TEM1980542X2014203611 Revista Tempo | 2014 v20 | Artigo

    A mesma independncia: a atuao pblica de umunitrio pernambucano (18221823)

    Ariel Feldman[1]

    ResumoNeste artigo, analisada a atuao pblica do Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama na imprensa peri-dica entre 1822 e 1823. Os escritos jornalsticos de Frei Miguel procuraram construir o iderio de que, des-

    feita a unidade do Reino de Portugal e Brasil, a soberania passaria a uma nova unidade poltica, o Brasil.Conhecido nas provncias do norte como projeto do Rio de Janeiro, esse iderio lanou as bases de umaconcepo de nao, prevendo poderes provinciais bastante reduzidos se comparados com o perodo ante-

    rior, o da vigncia do constitucionalismo vintista.

    Palavras-chave: estado unitrio; imprensa; independncia.

    La misma independencia: la actuacin pblica de un unitario de Pernambuco(18221823)

    ResumenEn este artculo se analiza la actuacin pblica del Fraile Miguel do Sacramento Lopes Gama en la prensaperidica entre 1822 y 1823. Los escritos periodsticos del Fraile Miguel intentaron crear las ideas de que, des-

    pus de ser anulada la unidad del Reino de Portugal y Brasil, la soberana pasara a una nueva unidad poltica,Brasil. Conocidas en las provincias del norte como proyecto de Rio de Janeiro, esas ideas sentaron las basespara un concepto de nacin, proporcionando poderes provinciales muy reducidos en comparacin con el

    perodo anterior, de la validez del constitucionalismo de los aos 20.

    Palabras clave: estado unitario; prensa; independencia.

    Te same Independence: the public performance of a unitarian partisan

    (Pernambuco, 18221823)AbstractTis article analyzes the public performance of the monk Miguel do Sacramento Lopes Gama in the peri-odic press between 1822 and 1823. Te compositions of monk Miguel intended to construct the ideology

    that since the unity of the Portuguese-Brazilian kingdom was broken the sovereignty needed to passto a new political unit, Brazil. Known in the Northern provinces as Rio de Janeiros Project, this ideology wasthe basis of a conception of nation, foreseeing very reduced provincial powers if compared to the previous

    period the legality of the vintista constitutionalism.

    Keywords: unitarian state; press; independence.

    La mme indpendance: lactivit politique dun unitaire de Pernambuco (1822-1823)

    Rsum

    Lactivit politique du frre Miguel do Sacramento Lopes Gama dans la presse quotidienne et priodique entre1822 et 1823 a t analyse dans cette tude. Les travaux journalistiques de frre ont cherch construirelide, car interrompue lunit du royaume Portugal-Brsil, de la souverainet comme une nouvelle unitpolitique: le Brsil. Connu comme le projet de ltat de Rio de Janeiro dans les provinces du nord, ce mode

    de penser a plant la graine du concept de nation, en prvoyant pouvoirs provinciaux assez limits par rap-port ceux de la priode precedente, quand le constitutionnalisme tait en vigueur.

    Mots cls: tat unitaire; presse; indpendance.

    Artigo recebido em 6 de setembro de 2013 e aprovado para publicao em 12 de novembro de 2013.[1] Faculdade de Histria do Tocantins da Universidade Federal do Par (UFPA).E-mail: [email protected]

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    Evaldo Cabral de Mello publicou, em 2004, a obraA outra Independncia:o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. Para ele,

    o federalismo pernambucano (como tambm o padre Feij)pretendia que, desfeita a unidade do Reino de Portugal, Brasil e

    Algarves, a soberania revertesse s provncias, onde propriamenteresidia, as quais poderiam negociar um pacto constitucional, e,caso este no lhes conviesse, usar de seu direito a constiturem-se separadamente, sob o sistema que melhor lhes parecesse.1

    Neste artigo, analisada a atuao pblica do monge beneditino Migueldo Sacramento Lopes Gama (17931852) na imprensa peridica entre 1822 e1823, monge cuja famlia materna (os Gama) j exercia papel importante noaparato administrativo colonial do ncleo urbano do Recife.2O cerne da an-lise que se pretende aqui difere bastante da proposio de Evaldo Cabral deMello. Os escritos jornalsticos de Frei Miguel procuraram construir o ideriode que, desfeita a unidade do Reino de Portugal e Brasil, a soberania passaria auma nova unidade poltica, o Brasil. Conhecido nas provncias do norte comoprojeto do Rio de Janeiro, o iderio lanou as bases desse projeto de nao,o qual previa poderes provinciais bastante reduzidos, se comparados com operodo anterior, o da vigncia do constitucionalismo vintista.

    Assim, Evaldo Cabral de Mello analisou a outra IndependnciaemPernambuco, isto , o projeto derrotado militarmente em 1824, que primavapor um Estado nacional de tipo federalista. Nas pginas que se seguem, entre-tanto, pretende-se mostrar a mesma independncia, isto , aquela que proje-tou o Brasil como uma unidade poltica autnoma com um centro forte, tantolegislativo quanto executivo. Tendo em vista que eram tempos de indefinies

    polticas e institucionais e que existiam projetos de futuro divergentes, impres-cindvel a anlise do que era veiculado no nascente espao pblico luso-bra-sileiro. Esse tipo de anlise demonstra que a afirmao do projeto do Rio deJaneiro em Pernambuco no se deu por meio apenas da represso imperial,mas tambm contou com a decisiva participao de parte da populao local.Em outras palavras, o centro do Imprio no se constituiu apenas por meio desi prprio. O centro constituiu-se com importantes adeses das partes.3

    Primeiramente, ser feito um breve balano historiogrfico, para demonstrara novidade da temtica aqui enfatizada. Demonstrar-se- que so rarssimos

    1Evaldo Cabral de Mello, A outra Independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo,

    Editora 34, 2004, p. 14 e contracapa.2Biograias de Lopes Gama, em ordem cronolgica: Pedro Autran da Mata e Albuquerque. Biograia dofalecido Cnego da Capela Imperial o Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, Dirio de Pernambuco,Recife,30 de abril de 1853; Uma lgrima sobre o tmulo do nosso amigo Reverendssimo Padre Miguel doSacramento Lopes Gama, O Liberal Pernambucano, Recife, 11 de novembro de 1852; Lino do Monte CarmeloLuna, Memria Histrica e Biogrica do Clero Pernambucano, Pernambuco, Typographia de F. C. de Lemos eSilva, 1857, p. 100102; Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionriobiogrico de pernambucanos clebres,Recife, Fundao de Cultura da Cidade do Recife, 1981, p. 727; Alfredo de Carvalho, Frei Miguel do SacramentoLopes Gama, In:Almanaque de Pernambuco para o ano de 1904, Recife, Imprensa Industrial, 1904, p. VIII.3Parte-se aqui de viso oposta de Ilmar R. Mattos, Construtores e herdeiros. A trama dos interesses naconstruo da unidade poltica, In:Almanack Braziliense, vol. 1, So Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros daUniversidade de So Paulo, maio de 2005. Mattos elabora a ideia de expanso para dentro, isto , de que aconsolidao de um imprio com o centro no Rio de Janeiro teve um sentido deinido. Em outras palavras,para o autor, a expanso se deu a partir do centro, irradiando-se para as provncias.

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    os estudos verticalizados que privilegiam indivduos que no se inseriram nociclo revolucionrio pernambucano (1817 e 1824).

    Depois, ser feita uma narrativa analtica dos principais eventos polticostranscorridos durante o processo de constitucionalizao do Reino Unido, com

    enfoque no caso pernambucano. Demonstrar-se- que, durante a vigncia dovintismo, se estabeleceu em Pernambuco uma experincia de governo aut-nomo indita. Nesse perodo, a provncia emergia como unidade administra-tiva com ampla autonomia.

    Por fim, ser feita a anlise da atuao pblica de Lopes Gama, objeto cen-tral deste artigo. Ser averiguado o que o monge beneditino entendia por sobe-rania da nao. Demonstrar-se- que sua concepo sobre o assunto buscavaesvaziar a provncia como unidade decisria, numa crtica que tinha implica-es polticas concretas.

    Pode-se periodizar, grosso modo e esquematicamente, o processo de inde-pendncia em Pernambuco da seguinte forma: junta presidida por Gervsio

    Pires Ferreira (outubro de 1820 a setembro de 1822); junta dos matutos (setem-bro de 1822 a dezembro de 1823); junta presidida por Manuel Carvalho Paisde Andrade (dezembro de 1823 a junho de 1824); Confederao do Equador(julho a setembro de 1824).4Alm dessa periodizao bsica que ser utilizada, necessrio tomar o cuidado de analisar a provncia de Pernambuco inseridaem uma conjuntura mais ampla: atlntica, ibrica e luso-brasileira. Na medidado possvel, tentar-se- pensar todas essas dimenses correlacionadas.

    A principal fonte utilizada nesta anlise o peridico O Conciliador Nacional,escrito por Lopes Gama entre 1822 e 1823 e publicado nas vilas do Recife e emOlinda. Vale ressaltar que a srie documental no est completa, de tal modoque, com uma documentao fragmentada, a anlise ser mais qualitativa doque quantitativa.5

    Breves consideraes historiogrficas

    natural que a historiografia sediada do Rio de Janeiro, vinculada ao InstitutoHistrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), no tenha olhado com bons olhosa Revoluo de 1817, o governo de Gervsio e a Confederao do Equador.Varnhagen acusou tanto a junta gervasista quanto os revolucionrios de 1824de separatistas e antinacionais. Mais tarde, Pereira da Silva faria as mesmasacusaes.6Em 1884, Maximiliano Lopes Machado, prefaciando a segunda edi-

    4Evaldo Cabral de Mello, A outra Independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo,Editora 34, 2004, p. 14 e contracapa.5Contamos com os nmeros 1, 4, 5, 7 e 8 de 1822; 9, 10, 14, 18, 36 de 1823 (Arquivo Pblico Estadual JordoEmerenciano e Biblioteca Nacional). Cf. Mariza Saenz Leme, Dissidncias regionais e articulaes nacionaisnos projetos de independncia: o Conciliador Nacional em Pernambuco, Anais do XXIV Simpsio Nacionalde Histria, So Leopoldo, Unisinos, 2007.6Francisco Adolfo de Varnhagen, Histria Geral do Brasil: antes de sua separao e independncia dePortugal, Belo Horizonte, Edusp; Itatiaia, 1981 [18541857]; Idem, Histria da independncia do Brasil: at oreconhecimento pela antiga metrpole, So Paulo, Melhoramentos, 1962 [1916 - obra pstuma]; Joo ManuelPereira da Silva, Histria da fundao do Imprio Brazileiro, Rio de Janeiro, Garnier, 1865.

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    o da obra de Francisco Muniz Tavarez,7Histria da revoluo de Pernambucoem 1817, procurou demonstrar que o livro de Tavarez veio para revelar a ver-dade que havia sido deturpada por Varnhagen e Pereira da Silva. Estes ltimos,segundo Maximiliano, acusaram falsamente os pernambucanos de ingratos

    mo benfazeja que proscrevia o regime colonial e abrira as portas do Brasil atodas as naes amigas.8Deixando de lado o fato de que a obra do ex-revolu-cionrio de 1817, Muniz Tavarez, anterior s de Varnhagen e Pereira da Silva, interessante notar que, no ltimo quartel do sculo XIX, a preocupao cen-tral de um historiador pernambucano era recontar a histria da emancipaobrasileira, a seu ver, vista exclusivamente sob o ponto de vista do Rio de Janeiro.

    Tem-se a certeza, contudo, de que a obra de Muniz Tavarez inaugurou, em1840, uma vertente historiogrfica que teria vida fecunda ao longo do sculoXIX, adentrando ainda com fora no sculo XX. O Instituto ArqueolgicoHistrico e Geogrfico Pernambucano (IAHGP), fundado em 1862, foi o princi-pal local de produo dessa contramemria histria nacional veiculada peloIHGB. Essa vertente historiogrfica, que aqui se est denominando de regio-nalista,jamais questionou a instituio monrquica ou a unidade do Brasil.Alis, isso nem os prprios revolucionrios de 1824 pretendiam questionar apriori. O eixo dessa vertente historiogrfica era revalorizar o ciclo revolucio-nrio pernambucano de 18171824, dando nfase atuao dos indivduosque compuseram o grupo o qual, como se ver, a historiografia recente vemchamando de federalista.9

    7O padre Francisco Muniz Tavarez (17931876) participou da revoluo de 1817, sendo depois preso e enviadopara a Bahia. Exerceu funo atuante de deputado tanto nas Cortes de Lisboa (18211822) quanto naAssembleia Constituinte do Brasil (1823), no tendo aderido Confederao do Equador (1824). Foi um dosfundadores do Instituto Arqueolgico Histrico e Geogrico Pernambucano (IAHGP) em 1862. FranciscoAugusto Pereira da Costa, Dicionrio biogrico de pernambucanos clebres, Recife, Fundao de Cultura daCidade do Recife, 1981.8

    Francisco Muniz Tavarez, Histria da revoluo de Pernambuco em 1817,Recife, Typographia Industrial, 1884[1840], p. VIIVIII.9Em ordem cronolgica: Joaquim Dias Martins, Os mrtires pernambucanos, vtimas da liberdade nas duasrevolues ensaidas em 1710 e 1817, Pernambuco, Lemos e Silva, 1853; Antnio Joaquim de Melo, Obraspolticas e literrias, de Joaquim do Amor Divino Caneca,1875 (utilizou-se aqui uma reedio desses textosorganizada por Evaldo Cabral de Mello, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, So Paulo, Editora 34, 2001);Antnio Joaquim de Mello,Biograia de Gervsio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895]. A nica grande biograia de Antnio Joaquim de Melo que trata depersonagem adepto do projeto unitrio : Obras religiosas e profanas do vigrio Francisco Ferreira Barreto,Recife, Typographia Mercantil, 1874. Mas, diferentemente das outras biograias, essa enfatiza menos aspectospolticos e mais aspectos literrios. Essa obra est, pois, mais prxima da abordagem que o mesmo autorfez em uma coletnea de pequenas biograias: Biograia de alguns poetas, e homens ilustres da provncia dePernambuco, Recife, Typographia Universal, 1856.

    O centro do Imprio no se constituiu apenas pormeio de si prprio. O centro constituiu-se com

    importantes adeses das partes

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    Essa historiografia regionalista, gestada no sculo XIX, influenciouprofundamente toda a produo historiogrfica subsequente, sobre-tudo em relao seleo dos temas e dos perodos a serem enfatizados.Tematicamente, essa historiografia enfatizou a atuao dos federalistas.

    Os estudos sobre a junta gervasista e sobre a junta carvalhista prolifera-ram-se, sendo o governo dos matutos relegado a um segundo plano, comose sua compreenso fosse menos importante para entender a formao doEstado nacional brasileiro.

    Ulysses de Carvalho Soares Brando,10vencendo concurso promovidopelo IAHGP, publicou a obra A confedera o do Equador(18241924).Tratava-se da comemorao do centenrio dessa revoluo. Interessantenotar que ele gastou um quarto de seu livro mostrando os anteceden-tes remotos os quais, de alguma forma, influenciaram os revolucion-rios de 1824, com nfase especial na formao do gnio republicano dePernambuco, gestado desde a expulso dos holandeses (1654). Contudo,

    para tratar do perodo referente junta dos matutos, Brando escreveuapenas um curto captulo.11

    Barbosa Lima Sobrinho12proferiu duas conferncias, as quais se transfor-maram na obra Pernambuco: da independncia Confederao do Equador,de 1979. Embora o ttulo indique que o assunto tratado no livro comea naIndependncia (1822), chegando at a Confederao do Equador (1824),o autor pula, indiscriminadamente, o perodo no qual a junta dos matu-tos (1823) governou. Esse fato talvez reflita a tendncia basilar presente nahistoriografia regionalista. Essa tendncia relega a um segundo plano aatuao poltica do grupo que os historiadores contemporneos denomi-nam de centralistas ou unitrios.13Para citar um ltimo exemplo dessahistoriografia regionalista, observam-se duas publicaes de Costa Porto.14A primeira intitula-se Os tempos de Gervsio Pires, de 1978, e a segunda,Pequena histria da Confederao do Equador, de 1974. A ausncia de umlivro sobre a junta dos matutos no casual. Tal lacuna observa-se em

    10Ulisses de Carvalho Soares Brando (18691932), advogado, historiador e poltico, tambm foi membro do IAHGP.11Ulysses de Carvalho Soares Brando, A confederao do Equador (18241924), Recife, Governo de

    Pernambuco, 1924, p. 1158; 145153. Amaro Quintas tambm defende a tese de uma essncia republicanana cultura poltica pernambucana desde os tempos da colonizao em A Revoluo de 1817, Recife, JosOlympio/Fundarpe, 1985 [1939].12Alexandre Jos Barbosa Lima Sobrinho (18972000), advogado, jornalista, poltico e escritor, foi deputadofederal por Pernambuco em diversas legislaturas entre 1935 e 1964, tendo participado da Constituinte de1946. Foi governador de Pernambuco entre 1948 e 1951. Deixou uma imensa produo bibliogrica, tendosido membro da Academia Brasileira de Letras, do IHGB e scio correspondente do IAHGP.13Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independncia Confederao do Equador, Recife, Prefeitura daCidade do Recife/Secretaria de Cultura/Turismo e Esportes/Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979].14Jos Antnio da Costa Porto (19091984), advogado de formao, tem uma trajetria com semelhanas de Barbosa Lima Sobrinho, tendo exercido importantes cargos polticos tanto em Pernambuco como nogoverno federal (foi, por exemplo, constituinte em 1946 e ministro da agricultura entre 1954 e 1955), deixandovasta obra bibliogrica. Foi membro do IAHGP.

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    razo de uma tendncia historiogrfica inaugurada no sculo XIX, a qualinfluenciou toda uma produo sobre o assunto ao longo do sculo XX.15

    Os autores oitocentistas contestavam as obras dos fundadores da historio-grafia nacional brasileira, notadamente Varnhagen e Pereira da Silva. Essa con-

    testao parece que teve longa vida, pois, mesmo na j citada obra de EvaldoCabral de Mello, de 2003, ela parece ter relevncia. Esse autor inicia sua obraafirmando que a fundao do Imprio do Brasil ainda hoje uma histriacontada exclusivamente do ponto de vista do Rio de Janeiro, poca, pelospublicistas que participaram do debate poltico da Independncia, e depoispelos historiadores como Varnhagen, Oliveira Lima, Tobias Monteiro ou OtvioTarquinio. Evaldo Cabral de Mello, mesmo sendo scio correspondente doIAHGP, no pode ser considerado um autor regionalista.Como bem ponde-rou Luiz Felipe de Alencastro, Mello capaz de conectar a metodologia his-trica atual erudio e tradio regionalista.16 Stuart Schwartz, por sua vez,sublinha que esse diplomata pernambucano forjou sua atuao como histo-

    riador em contato com profissionais especializados na Europa, absorvendo oque havia de mais atualizado na metodologia da pesquisa histrica.17 De qual-quer forma, algumas influncias da historiografia regionalista, to arraigada emPernambuco, so perceptveis no trabalho do historiador/diplomata pernam-bucano. No obstante seu enfoque ser conferido ao grupo federalista, Mello autor de uma das melhores anlises e narrativas sobre a junta dos matutose sobre o grupo unitrio.

    Em relao historiografia acadmica que abordou a Independncia emPernambuco, no se far um balano geral sobre ela. Incorporar-se-o algu-mas de suas reflexes ao longo deste artigo. Cabe notar, contudo, que, emboratenha preocupaes muito diferentes da historiografia regionalista, a acade-mia parece ter absorvido suas preferncias temticas. Alm de um artigo deMarcus J. M. de Carvalho,18no se verifica nenhum estudo que verticalize suaanlise na tendncia unitria.19

    15Ainda dentro das linhas gerais da historiograia regionalista, ver as obras: Gilberto Vilar de Carvalho,A liderana do clero nas revolues republicanas (18171824), Petrpolis, Vozes, 1979; Teobaldo Machado,As insurreies liberais em Goiana, 18171824, Recife, Governo do Estado de Pernambuco/Secretaria deTurismo, Cultura e Esportes/Fundarpe, 1990.16Luiz Felipe de Alencastro, Desagravo de Pernambuco e glria do Brasil: a obra de Evaldo Cabral de Mello,In: Lilia Moritz Schwartz (org.), Leituras crticas sobre Evaldo Cabral de Mello , Belo Horizonte, Editora da

    UFMG/Fundao Perseu Abramo, 2008, p. 39. Os outros autores que participaram dessa coletnea queanalisa a vasta obra de Mello convergem com a opinio de Alencastro.17Stuart Schwartz, Sexteto pernambucano: Evaldo Cabral e a formao da conscincia colonial e regional noNordeste, In: Lilia Moritz Schwartz (org.), op. cit.18Marcus J. M. de Carvalho, Cavalcantis e Cavalgados: a formao das alianas polticas em Pernambuco,18171824, Revista Brasileira de Histria,vol. 18, n. 36, So Paulo, 1998.19Os trabalhos que se seguem enfocam suas anlises na atuao poltica de indivduos vinculados aosfederalistas: Marco Morel, Cipriano Barata na Sentinela da liberdade,Salvador, Academia de Letras da Bahia,2001; Maria de Lourdes Viana Lyra, Ptria do cidado: a concepo de ptria/nao em Frei Caneca, RevistaBrasileira de Histria, vol. 18, n. 36, So Paulo, 1998; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, So Paulo,Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006; Mrcia Regina Berbel, Ptria e patriotas em Pernambuco (18171822):nao, identidade e vocabulrio poltico, In: Istvn Jancs (org.), Brasil: formao do Estado e da nao,SoPaulo, Hucitec/Fapesp; Inju, Uniju, 2003.

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    O projeto que aqui se denomina de unitrio foi se configurando ao longodo exerccio da junta que substituiu a gervasista. A junta dos matutos era com-posta, sobretudo, por senhores de engenhos da zona da mata sul, ao contrrioda exclusivamente recifense junta gervasista. Por isso, originou-se a alcunha de

    matutos.20

    Trabalhar-se- com um pressuposto que, apesar de relativamentebvio, de importncia crucial ressaltar. O projeto unitriono existia comouma carta de intenes explcitas no momento em que a junta gervasista foideposta. Inexistia uma cartilha que regulasse as aspiraes dessa tendnciapoltica. Suas propostas foram sendo formuladas entre 1822 e 1824. Como bemnotou Evaldo Cabral de Mello, ser no decurso do governo dos matutos que aaucarocracia definir-se- em favor do projeto fluminense.21

    A constitucionalizao do Reino Unido em Pernambuco:a experincia autonomista (18211822)

    Aps a revoluo constitucionalista iniciada no Porto, em agosto de 1820,aos poucos abraada em vrias partes da monarquia portuguesa, foram ins-tituindo-se formas de governo autnomas nas antigas capitanias brasileiras.Como uma revoluo inserida no mundo atlntico e mais especificamente nomundo ibrico, esse governo autnomo denominou-se junta, frmula pri-meiramente experimentada durante as guerras napolenicas na Espanha ena Amrica Espanhola. Os revolucionrios pernambucanos de 1817 j haviamexperimentado, de maneira muito breve, uma forma de governo muito seme-lhante s juntas hispano-americanas. Frisemos, por fim, que a Constituiode Cdis (1812) serviu de modelo inicial aos vintistas luso-brasileiros, at

    maro de 1821.22

    Em Pernambuco, assim como em outras provncias, o processo de instala-o de um autogoverno no se processou de forma pacfica. No dia 6 de maiode 1821, desembarcaram no Recife os ex-revolucionrios de 1817, presos naBahia desde a represso joanina e agora anistiados pelas Cortes. A maioria,no entanto, preferiu seguir direto para Goiana, vila situada na zona da matanorte, pois Recife e Olinda estavam bem vigiados pelo ltimo capito generalda provncia, Lus do Rego Barreto. Esse homem, alis, havia sido um dos che-fes da devassa instaurada em 1817, ou seja, era o reencontro entre o algoz eos supliciados. Ademais, se no Rio de Janeiro a Constituio havia sido juradaem 21 de abril, Rego Barreto ainda no havia feito o mesmo em Pernambuco.

    20Matuto seria um termo pejorativo, o qual indicava que apenas habitantes citadinos teriam habilidade paragovernar. Evaldo Cabral de Mello,A outra Independncia : o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, SoPaulo, Editora 34, 2004, p. 113115.21Idem, Ibidem.p. 113.22Valentim Alexandre, Os sentidos do imprio: questo nacional e questo colonial na crise do Antigo Regimeportugus, Porto, Edies Afrontamento, 1993; Mrcia Regina Berbel, A constituio espanhola no mundo luso-americano (182023), Revista de ndias, v. LXVIII, 2008. Uma relexo sobre a apropriao das experinciaspolticas do Rio da Prata em Pernambuco na poca da Independncia foi feita por Lus Geraldo Silva,Pernambucanos, sois portugueses: natureza e modelos polticos das revolues de 1817 e 1824, In:AlmanackBraziliense , n. 1, So Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo, maio de 2005.

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    Ele fez o juramento apenas a 11 de julho, no meio do turbulento processo deeleies para deputados a serem enviados s Cortes.23

    No dia 21 de julho, um revolucionrio de 1817 tentou, sem sucesso, assassi-nar Lus do Rego, morrendo afogado na fuga. Era enorme o grau de tenso que

    havia entre uma parte da populao local e as autoridades do Antigo Regime,que sequestraram seus bens, condenaram seus familiares morte ou prisona Bahia. Em 30 de agosto, Lus do Rego Barreto formou uma junta de governo,sendo ele prprio o presidente. Paralelamente, porm, formava-se outra juntana cidade de Goiana, que considerava o procedimento eleitoral estabelecidopelo General Barreto ilegal. Com ambos os lados armados por tropas pardase negras, a guerra civil era iminente. Olinda e Recife, ltimos redutos de Lusdo Rego Barreto, estavam cercadas pelas tropas goianistas. Aps a chegada dodecreto de setembro elaborado pelas Cortes, o qual estabelecia as regras paraa formao das juntas de governo e separava a administrao civil da militar,subordinando esta ltima a Lisboa, os dois lados resolveram dialogar. A con-

    veno de Beberibe, ocorrida no dia 5 de outubro de 1821, estabeleceu o armis-tcio e o retorno de Rego Barreto a Portugal. No dia 26 de outubro, formava-sea primeira junta governativa de Pernambuco que experimentaria um modelode autogoverno provincial nos moldes do constitucionalismo moderno. O pre-sidente da nova junta foi Gervsio Pires Ferreira, comerciante nativo de grossotrato e ex-revolucionrio de 1817. Ainda compunham a junta o Padre LaurentinoAntnio Moreira (secretrio), os trs comerciantes e proprietrios Bento Josda Costa, Felipe Neri Ferreira e Joaquim Jos de Miranda e, por fim, o TenenteCoronel Antonio Jos Victoriano Borges da Fonseca e o Cnego Manoel Ignaciode Carvalho. Eram homens do meio urbano, todos radicados no Recife.24

    Apenas depois do retorno de Lus do Rego Barreto a Portugal, ocorreu aprimeira exploso da palavra impressa em Pernambuco. A Oficina do Trem,depois denominada Tipografia Nacional,sendo logo em seguida comprada porparticulares e incrementada com materiais trazidos de Portugal, foi a tipogra-fia que se encarregou de dar suporte ao debate pblico. Lopes Gama partici-paria desse debate jornalstico apenas a partir de julho de 1822, publicando aprimeira fase de OConciliador Nacional.25

    Voltemos, no entanto, a tratar do governo de Gervsio Pires Ferreira.Enumeremos os principais aspectos desse interessante e indito laboratriopoltico. Essa junta contestou decises tanto do congresso de Lisboa como da

    23

    Marcus J. M. de Carvalho, Cavalcantis e Cavalgados: a formao das alianas polticas em Pernambuco,18171824, Revista Brasileira de Histria ,vol. 18, n. 36, So Paulo, 1998, p. 34; Evaldo Cabral de Mello, A outraIndependncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo, Editora 34, 2004, p. 6569; DenisBernardes, O patriotismo constitucional, So Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 355399.24Marcus J. M. de Carvalho, op. cit., p. 45; Evaldo Cabral de Mello, op. cit.,p. 6974; Denis Bernardes, op. cit.,p. 399400; Antnio Joaquim de Mello, Biograia de Gervsio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal dePernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895], p. 2842.25Alfredo de Carvalho, Annaes da Imprensa Peridica Pernambucana de 1821 a 1908, Recife, Typographiado Jornal do Recife, 1908, p. 3637; 5962; Francisco Augusto Pereira da Costa, Estabelecimento edesenvolvimento da imprensa em Pernambuco, Revista do Instituto Arqueolgico Histrico e GeogricoPernambucano, n. 39, Recife, Typographia de F. P. Boulitreau, 1891, p. 3233; Flvio Jos Gomes Cabral, Vozespblicas: as ruas e os embates polticos em Pernambuco na crise do Antigo Regime Portugus (18201821),

    Saeculum - Revista de Histria, vol. 13, Joo Pessoa, 2005, p. 6377.

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    regncia de D. Pedro, situada no Rio de Janeiro. De Lisboa, contestou a subordi-nao da administrao militar que as Cortes pretendiam submeter s provncias,por meio da nomeao que o congresso fazia do Governador das Armas. Alis,semelhante contestao seria levada a cabo em grande parte das provncias do

    ultramar. O governo de Gervsio expulsou dois batalhes portugueses do solopernambucano e seus respectivos comandantes, ambos nomeados por Lisboa. notvel que muitas dessas decises tenham sido tomadas aps uma reuniodeliberativa denominada Grande Conselho, a qual se tornaria prtica recorrentedo grupo gervasista em momentos de crise. Do Grande Conselho, participavamos membros da junta, o Governador das Armas, os chefes de todos os corpos mili-tares e oficiais de altas patentes ou representantes de tropas, os magistrados, ospresidentes de reparties civis, negociantes importantes e cidados conspcuos,com os delegados do Clero e os vigrios das trs parquias do Recife. Apesar deainda persistirem classificaes que indiquem uma sociedade corporativa comsuas trs divises clssicas clero, nobreza e povo , no era essa a essncia do

    Grande Conselho. Tratava-se muito mais de verificar a vontade da provncia emassuntos considerados cruciais, atitude que pode ser considerada como tpicada modernidade poltica. Por fim, frisemos que Gervsio Pires criou batalhescom gente da terra, notadamente batalhes de pretos e pardos.26

    Em relao s decises emanadas do Rio, a principal contestao se deuquanto convocao do Conselho de Procuradores, feita por decreto em 16 defevereiro de 1822. Tal conselho caminhava na contramo do liberalismo vintista,porque os representantes provinciais enviados ao Rio comporiam rgo consul-tivo, e no representativo, alm de os ministros terem ali seu assento garantido.A justificativa ideolgica para a criao desse conselho era fortalecer a unio entreas provncias do reino do Brasil, criando um centro em torno do prncipe regenteem solo fluminense. Aumentava-se, no entanto, cada vez mais, a desconfianaem relao s prticas polticas emanadas do Rio prticas polticas arcaicas, no

    limite despticas, acreditavam alguns coevos. De Lisboa, pensavam essas pessoas,

    26Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independncia Confederao do Equador, Recife, Prefeiturada Cidade do Recife/Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes/Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1998[1979], p. 33; Antonio Joaquim de Mello, Biograia de Gervsio Pires Ferreira , Recife, Universidade Federalde Pernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895], p. 4352; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independncia:o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo, Editora 34, 2004, p. 65112; Denis Bernardes,O patriotismo constitucional, So Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006.

    Como bem notou Evaldo Cabral de Mello, ser nodecurso do governo dos matutos que a aucarocracia

    definir-se- em favor do projeto fluminense

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    irradiava um liberalismo mais arrojado.27At a junta governativa de Minas Geraiscontestou a criao do Conselho de Procuradores. A diferena que a proximi-dade dessa provncia com a Corte, as redes comerciais e de interesse estabele-cidas entre mineiros e fluminenses e a prpria presena fsica do regente ao

    lado de tropas, diga-se de passagem , em sua clebre viagem regio minera-dora, facilitaram a adeso de Minas ao projeto pedrino.28Em Pernambuco, essaadeso se estabeleceria, como se ver, de forma mais conflituosa.

    Segundo Marcus J. M. de Carvalho, para a tendncia federalista, cujasrazes estavam no governo de Gervsio, tanto fazia a sede do reino ser no Riocomo em Lisboa ou at nos dois lugares desde que fosse mantida a auto-nomia provincial, conquistada com a Revoluo do Porto.29Denis Bernardes,autor do estudo mais verticalizado sobre a junta gervasista, afirmou que asbases de seu programa de governo estavam no projeto de controle das ren-das locais, em uma nova poltica fiscal, na reorganizao de todas as repar-ties pblicas mediante, tambm, a realizao de concursos pblicos para

    o preenchimento dos cargos, na publicao da receita e despesa, no controlesobre a fora armada, na ampliao da educao fundamental e na criaode uma academia (universidade).30Em suma, ambos os autores concordamque a ampla autonomia provincial foi uma das pedras de toque do governode Gervsio.

    A junta de Gervsio foi derrubada por repetidos motins, todos lideradospor emissrios do Rio de Janeiro. O primeiro desses emissrios, Antniode Meneses Drumond, havia chegado ao Recife em fevereiro de 1822. Eradiretamente vinculado ao ministrio comandado por Bonifcio. Sua mis-so: promover a adeso da junta gervasista ao prncipe regente, que, apartir do Fico, afrontava diretamente as Cortes.31Aliciando tropas locais,Drumond promoveu, em 1 de junho de 1822, uma tentativa de fazer comque o governo provincial reconhecesse o Prncipe Real como regente ePoder Executivo independente [... ] e sem restrio. Segundo a ata em quese registrou o acontecido, os lderes da reivindicao iam seguidos dealguns moos de casaca, de alguns moos militares e de muitas gentes de

    27Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independncia Confederao do Equador,Prefeitura da Cidadedo Recife/Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes/Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979], p. 39;Antonio Joaquim de Mello, Biograia de Gervsio Pires Ferreira,Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895],p. 6577; Marcus J. M. Carvalho, Cavalcantis e Cavalgados: a formao dasalianas polticas em Pernambuco, 18171824, Revista Brasileira de Histria,vol. 18, n. 36, So Paulo, 1998, p. 2;

    Denis Bernardes, O patriotismoconstitucional, So Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 499610;Evaldo Cabral de Mello, A outra Independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo,Editora 34, 2004, p. 8384;Segarrega, n. 13, 13 de julho de 1822.28Ceclia Helena Salles de Oliveira, Astcia liberal, So Paulo, Universidade So Francisco, 1999, p. 61106;Wlamir Silva, Liberais e o povo: a construo da hegemonia liberal-moderna na Provncia de Minas Gerais(18301834), So Paulo, Hucitec, 2009, p. 73103; Iara Lis Carvalho e Souza, Ptria coroada:o Brasil como corpopoltico autnomo (17801830), So Paulo, Editora da Unesp, 1999, p. 237256.29Marcus J. M. de Carvalho, op. cit., p. 5.30Denis Bernardes,Pernambuco e o Imprio: sem Constituio soberana no h unio, In: Istvn Jancs(org.), Brasil: formao do Estado e da nao,So Paulo, Hucitec/Fapesp; Inju, Uniju, 2003, p. 240.31Denis Bernardes, op. cit., p. 613. Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 8890.

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    cor e descalas. Gervsio, ao chegar atrasado sala de sesses, protestou,afirmando que aquilo era verdadeiramente um motim e no um ato regu-lar do povo; que aquele congresso era composto de mui poucas pessoaspara poderem representar o povo, e ainda mesmo o da Vila, quanto mais o

    da Provncia.32

    Ao fim e ao cabo, Gervsio foi obrigado a assinar o reque-rimento para no causar uma comoo militar. A primeira experincia deautogoverno pernambucano estava com seus dias contados. Em breve, che-garia ao fim essa experincia administrativa que Denis Bernardes definiucomo um mandato legitimado por um processo eleitoral definido institu-cionalmente segundo os padres polticos referenciados constituciona-lizao do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.33

    A soberania da nao segundo Lopes Gama oposio concepo federalista (julho de 1822)

    Voltemos, pois, a descrever o eplogo da junta gervasista no poder. Chegou,pouco antes de 5 de julho, a notcia de que havia sido convocada umaConstituinte brasileira. Curioso que a notcia no chegou por via ofi-cial, mas sim por impressos, tanto peridicos quanto avulsos. Alm dosjornais, emissrios do Rio de Janeiro tambm chegaram para espalhar anovidade, cooptar a populao local e as tropas. Aqui, necessrio situaruma personagem importante em nossa anlise: Bernardo Jos da Gama,primo de Lopes Gama, que se tornaria, por nomeao imperial feita apsa dissoluo da Constituinte em 1823, Visconde de Goiana. No sendopossvel, para o incio da dcada de 1820, estabelecer com segurana a

    interlocuo entre Frei Miguel e seu irmo, Caetano Maria Lopes Gama,futuro Visconde de Maranguape, prudente se deter um pouco na traje-tria de seu primo, com o qual inegvel a articulao poltica estabele-cida nesse ano de 1822.34

    Pernambucano formado em Coimbra, j havia ocupado o cargo de juiz defora do Maranho (18081812) e de ouvidor de Sabar, Minas Gerais (18151818). Com o agravante de ser pernambucano, as autoridades joaninas descon-fiaram que ele tivesse vnculos com os revolucionrios de 1817 e o deportarampara Lisboa. s margens do Tejo, foi corregedor do crime. Com a revoluo de

    32Apud Antnio Joaquim de Mello, Biograia de Gervsio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal dePernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895], p. 7886.33Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, So Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 610.34Em 1822, Caetano Maria Lopes Gama encontrava-se na provncia de Alagoas como ouvidor da comarca dePenedo, tendo sido eleito presidente da junta governativa da mesma provncia. Em 1823, ainda nas Alagoas,foi eleito deputado constituinte. Sendo muito plausvel sua articulao com familiares em Pernambuco, adocumentao consultada no permitiu estabelecer de que forma se deu essa conexo. Conferir SbastienAuguste Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, Rio de Janeiro, Litograia de Sbastien Auguste Sisson (editor),1861; Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionrio biogrico de pernambucanos clebres, Recife, Fundaode Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1882].

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    1820, ficou livre para voltar a atuar politicamente.35J no Rio, aliou-se a seto-res da Cmara do Rio de Janeiro, notadamente o grupo manico lideradopor Gonalves Ledo. Bernardo Jos da Gama foi uma das pessoas que assinouo requerimento por uma Constituinte brasileira.36Antes do grupo manico

    de Gonalves Ledo ser reprimido e expatriado por Bonifcio, o que ocorreu a2 de novembro de 1822, o futuro Visconde de Goiana j havia feito valer suainfluncia poltica na Corte, pois havia sido nomeado presidente do Tribunal daRelao de Pernambuco. Tratava-se de uma nova instituio criada pelo minis-trio bonifacista para afirmar sua poltica de enfrentamento com as Cortes naquesto da existncia de tribunais superiores no Brasil. Chegou ao Recife, aoque parece, no dia 2 de julho. Ao seu lado, estavam as tropas Pernambucanasenvolvidas na Revoluo de 1817, as quais haviam sido deportadas para atuar naGuerra da Cisplatina. Qual era a misso de Bernardo Jos da Gama? Conseguiradeso de Pernambuco convocao da Constituinte brasileira.37

    A trajetria individual de Bernardo Jos da Gama reflete a complexidadedo perodo. Vinculado maonaria fluminense liderada por GonalvesLedo, ele sobreviveu represso feita por Bonifcio porque j estava emPernambuco. Eleito deputado constituinte em 1823, presenciou o exliodo poderoso Andrada. Aps a dissoluo da Constituinte, foi agraciadocom o ttulo de Visconde. necessrio ter em mente, pois, que projetoschegavam do Rio de Janeiro de diversas frentes, no de uma nica faco.Desembarcavam emissrios enviados por Bonifcio, mas tambm desem-barcavam emissrios enviados pela cmara do Rio. Grupos rivais, portanto.Os maons queriam o voto direto como regra nas eleies que escolheriamos novos deputados. Venceu a proposta de Bonifcio, que regulamentava aeleio indireta, em dois graus.38

    35Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionrio biogrico de pernambucanos clebres, Recife, Fundao deCultura da Cidade do Recife, 1981[1882], p. 212222.36Renato Lopes Leite, Republicanos e libertrios, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2000, p. 97159; CecliaHelena Salles de Oliveira,A astcia Liberal, Bragana Paulista, EdUSF, p. 197255.37Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, So Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 613614;Evaldo Cabral de Mello, A outra Independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo,Editora 34, 2004, p. 9799.38No momento em que chegou a Pernambuco, Bernardo Jos da Gama representava a efmera alianaentre a cmara do Rio de Janeiro/maonaria (grupo liderado por Ledo) com o ministrio bonifacista. RenatoLopes Leite, op. cit., p. 97159; Ceclia Helena Salles de Oliveira, op. cit., p. 233271. O trabalho mais completosobre a participao da maonaria na Independncia de Alexandre Mansur Barata, Maonaria, sociabilidadeilustrada & independncia do Brasil, 17901822, Juiz de Fora, Editora da UFJF; So Paulo, Annablume, 2006.

    Segundo a ata em que se registrou o acontecido, oslderes da reivindicao iam seguidos de algunsmoos de casaca, de alguns moos militares e de

    muitas gentes de cor e descalas

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    Voltando a tratar da convocao da Constituinte, nota-se que ela noera dirigida ao governo provincial. Tratava-se de uma convocao oriundada cmara do Rio de Janeiro dirigida s diversas cmaras municipais.Dessa forma, a cmara do Rio de Janeiro (a Corte no era uma fora pol-

    tica monoltica poca39

    ) passava por cima do governo provincial comorgo de representao da vontade dos povos, aspecto que muito irritouos membros da junta de Gervsio, como fica explcito em ata do dia 5de julho. Os membros da junta queixavam-se que a convocao de umaConstituinte brasileira era assunto demasiado srio, posto que tal con-vocao t irava a procurao que os deputados, em Lisboa, tinham comorepresentantes da nao. Acreditavam que assunto de tamanha seriedadedeveria ser decidido pela vontade dos povos. Que nada se fizesse sem seouvirem todos os povos da provncia, clamava Joaquim Jos de Miranda,um dos membros da junta, depois de terem os Compromissrios ele-gido os seus eleitores de parquia, para que juntos na Catedral de Olinda

    manifestem a sua vontade.40Sublinhemos trs aspectos centrais em relao ata dos trabalhos da

    junta gervasista de 5 de julho. Em primeiro lugar, os membros do governoentendiam que a vontade dos povos era corporificada na provncia, verifi-cada de acordo com o processo eleitoral. Em segundo lugar, a junta procu-rava relegar essas duas importantes decises a eleio de procuradorespara o conselho de Estado e a de deputados para uma Constituinte deciso do colgio eleitoral. Por fim, frisemos que, na opinio dos mem-bros da junta, convocar um Legislativo no Brasil era acabar com a uniodo Reino Unido. Eles pensavam que dois Legislativos no poderiam coe-xistir numa mesma nao. Os federalistas pernambucanos externavam,ento, uma concepo unitria de centro legislador. A descentralizao,nesse enfoque, residiria em questes administrativas e no legislativas. 41

    Nesse turbulento contexto, Lopes Gama estreou sua profcua carreira dejornalista poltico. O primeiro exemplar do jornal O Conciliador Nacionalsaiu luz no dia 4 de julho de 1822. Lopes Gama ainda no fazia meno convocao da Constituinte. Apesar de no mencionar a novidade vinda doRio de Janeiro, muito provvel que Bernardo Jos da Gama tivesse enco-mendado a Lopes Gama a abertura de um peridico, para que, quandodesembarcasse, tivesse um veculo para expressar suas ideias. Nesse pri-meiro nmero dOConciliador, j se percebe um ntido alinhamento de

    Lopes Gama ao iderio trazido por seu primo. Trs meses depois, ele j

    39Resenhando a obra de Evaldo Cabral de Mello (A outra Independncia: o federalismo pernambucano de1817 a 1824, So Paulo, Editora 34, 2004), Andria Slemian faz a seguinte crtica: o historiador pernambucanotende a enxergar o Rio de Janeiro como fora poltica monoltica e homognea, p. 129132.40Apud Antnio Joaquim de Mello, Biograia de Gervsio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal dePernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895], p. 108. A ata do dia 5 de julho completa entre as pginas 106111.41Idem, Ibidem. p. 111.

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    adequaria suas ideias perfeitamente aos interesses desse parente.42Visto queo primeiro nmero de um peridico era uma carta de intenes do redator,analisemos com rigor esse exemplar.

    O redator iniciou seu texto com a clssica ideia dos jornais coevos: de que o

    dever do bom cidado dirigir a opinio pblica almejando a felicidade social.Em seguida, afirma que as bases da nossa Constituio esto fundadas em odireito natural, e que bem se podem chamar axiomas polticos. Justifica a expo-sio desses aforismos por no serem alguns bem entendidos do vulgo. Cita,por fim, os dois axiomas: 1) A Soberania da Nao reside essencialmente em amesma Nao; 2)Todo Cidado livre[grifos de Lopes Gama]. Em seguida,continua explicando que, nessa edio inicial, far consideraes acerca doprimeiro conceito: Soberania da Nao. Sobre a segunda ideia todo cida-do livre , Lopes Gama deve ter escrito no segundo nmero, o qual noresistiu ao tempo.43

    O que o monge beneditino entendia por Soberania da Nao? Primeiramente,

    ntida sua preocupao em inverter a lgica clssica do Antigo Regime, a qualpostulava que a soberania residia no monarca. Em se tratando de um jornalque pretendia dirigir a opinio pblica e o vulgo, era preciso anunciar osnovos tempos de maneira bem didtica e clara. No so os Reis que fazemas Naes, escreve ele, mas sim que o consenso das Naes que faz os Reis[...] Pode uma Nao sem Rei ser muito bem governada, mas no pode existirRei nem governar [sic] sem Nao.

    Frei Miguel continua sua explanao, enfatizando duas ideias: 1. que seno pode admitir Soberania em uma s Provncia, enquanto ligada, fazendoparte de uma Nao, e menos em uma Cidade, Vila, &c. Ele justifica essaadvertncia porque homens h que se persuadem de boa f, que a SoberaniaNacional existe por exemplo na Provncia da Beira: outros, que no Povo deLisboa, outros em Pernambuco, e alguns finalmente at no lugarejo de Itamb&c. &c. Dessa forma, Lopes Gama dava um recado direto ao nascente federa-lismo pernambucano que procurava afirmar a ampla autonomia provincial.Em uma poca em que os campos polticos ainda no estavam bem definidos,ele buscava esvaziar a provncia como centro decisrio de poder. Lopes Gamadeixa isso bem explicitado em sua segunda ressalva: 2. Que depois de reu-nidos os Deputados em Cortes s do Congresso devem emanar as leis civis, ecriminais, as formas, por que devem ser governadas as Provncias, o nmero,qualidades dos empregados pblicos &c. &c.44

    No dia 6 de julho, a cmara de Olinda manifestou sua opinio sobre oassunto. Esta no desconhecia a necessidade da convocao de uma Assembleia

    42Concluiu-se que as ideias de Bernardo Jos da Gama eram extremamente convergentes com a campanhapoltica de O Conciliador Nacional, analisando-se dois folhetos de sua autoria: Recordaes ao governo da

    provncia de Pernambuco, por um seu compatriota, Rio de Janeiro, Impresso Nacional, 1822; Memria sobreas principaes cauzas, por que deve o Brasil reassumir os seus direitos, e reunir as suas provncias , Rio deJaneiro, Typographia Nacional, 1822.43O Conciliador Nacional,n. 1, 4 de julho de 1822.44Idem, Ibidem.

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    Representativa e Legislativa no Brasil para melhormente e com conhecimentode causa se tratar dos negcios e interesses do Brasil. Mas

    como este negcio da provncia, provncia que compete deci-dir; portanto, este Senado de parecer que V. Excs. quanto antes

    se dignem convocar uma Assembleia Geral Constituinte destaprovncia, composta por todas as Cmaras da provncia por si, oupor seus Procuradores aquelas que no puderem comparecer.45

    Os vereadores olindenses representavam, pois, o autonomismo provinciallevado s ltimas consequncias. Eles compunham, ento, um setor do gerva-sismo que veiculava propostas extremas. Talvez essa ideia, aventada na Cmarade Olinda, de convocar uma Constituinte provincial tenha levado Evaldo Cabralde Mello a formular sua hiptese de que o federalismo pernambucano postu-lava que desfeita a unidade do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a sobera-nia revertesse s provncias, onde propriamente residia.46

    Percebe-se, dessa forma, a complexidade dos enunciados polticos. Comoj se observou anteriormente, a junta gervasista questionava a Constituinte

    brasileira criticando a ideia de Legislativos concomitantes dentro de umamesma nao. A cmara olindense, por sua vez, defendia uma Constituintepernambucana, alternativa que apresentava a mesma contradio j explici-tada, mas favorecia o estabelecimento de um governo provincial autnomo.As propostas polticas surgiam, assim, ao sabor dos acontecimentos. A solu-o de uma Constituinte provincial jamais teria sido cogitada quando o grupoautonomista tinha uma boa relao com as Cortes de Lisboa. Os gervasistasno enxergavam problema em Pernambuco ser uma unidade administrativadentro da nao portuguesa, desde que gozassem de ampla autonomia. Aconvocao de uma Constituinte provincial s foi conjecturada no momentoem que as relaes da junta com o congresso lisbonense se degradaram.Alm da recusa em receber tropas lusas, a junta gervasista apoiou o Fico equestionou a ideia de se retirarem os tribunais superiores do Brasil, ou seja,afrontou as Cortes. Segundo Denis Bernardes, apesar dos vrios desenten-dimentos ocorridos, essa junta se sustentava institucionalmente nas Cortes.

    45Apud Antnio Joaquim de Mello, Biograia de Gervsio Pires Ferreira , Recife, Universidade Federalde Pernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895], p. 112. Cf. tambm Evaldo Cabral de Mello, A outraIndependncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo, Editora 34, 2004, p. 98.46Idem, Ibidem. p. 14 e contracapa.

    Alm da recusa em receber tropas lusas, a juntagervasista apoiou o Fico e questionou a ideia

    de se retirarem os tribunais superiores do Brasil,ou seja, afrontou as Cortes

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    Dessa forma, ao enfraquecer sua relao com elas, a junta abriu espao paraa ao dos emissrios fluminenses.47

    Evaldo Cabral de Mello defendeu que um dos eixos do federalismo per-nambucano era o entendimento de que, na crise do Reino Unido, a soberania

    passasse a residir na provncia (com, no limite, uma Constituinte provincial).Esse iderio, contudo, parece que perdeu espao para outro que se construiugradativamente: a soberania residiria em uma nova nao, o Brasil, a qual teriaum centro definido, o Rio de Janeiro.

    Um motim, em 3 de agosto de 1822, acabou por selar a adeso de Pernambuco Constituinte brasileira.48A junta gervasista foi deposta em 16 de setembro de1822, mediante mais um motim articulado por agentes vindos da Corte flu-minense com ajuda de parte da elite local. Lopes Gama foi um desses agentesda elite local que ajudou, por meio da palavra imprensa, a divulgar a projetode um Estado brasileiro unitrio.49Ao contrrio da junta gervasista, exclusi-vamente recifense, a junta governativa que apoiou esse projeto, a junta dos

    matutos, era, com exceo de Paula Gomes e Jos Mariano (secretrio), com-posta por grandes proprietrios rurais: Manuel Incio Bezerra de Melo, JooNepomuceno Carneiro da Cunha e Francisco de Paula Gomes dos Santos (zonada mata norte); o presidente Afonso de Albuquerque Maranho, Francisco PaisBarreto e Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (zona da mata sul).50

    A agonia do Reino Unido e a formulao do Brasil como nao a viso de Lopes Gama (julho de 1822 a outubro de 1823)

    O ttulo do peridico aqui analisado OConciliador Nacional. No h dvida de

    que Lopes Gama pretendia,a priori, conciliar a nao portuguesa. Primeiramente,ele defendeu a unio da nao por meio de dois reinos unidos, cada qual comum executivo prprio. Em seguida, a unio desses reinos se estabeleceria pormeio de dois Legislativos separados.51Ao bem da verdade, durante o segundosemestre de 1822, esses projetos de unio vigoraram muito mais no campodas prticas discursivas do que no campo institucional. Como bem obser-vou Antonio Carlos de Andrada nas Cortes, em 20 de julho, em um tom deimenso realismo poltico, o Sul do Brasil quase que desconhece a autoridadedo Congresso; para que legislar para um pas que no obedece?.52Se a unioentre Rio e Lisboa parecia fadada ao fracasso, o destino dos territrios entre aBahia e o Par, porm, ainda estava indefinido. Pernambuco situa-se bem no

    47Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, So Paulo, Huci tec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 612613.48Evaldo Cabral de Mello, A outra Independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, So Paulo,Editora 34, 2004, p. 102103; Antnio Joaquim de Mello, Biograia de Gervsio Pires Ferreira, Recife, UniversidadeFederal de Pernambuco/Editora Universitria, 1973 [1895], p. 119129.49Cf. O Conciliador Nacional,n. 4, 4 de setembro de 1822.50Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 113.51Lopes Gama no fez referncia ideia de trs legislativos um brasileiro, um portugus e um geral , talqual formulou Antnio Carlos de Andrada nas Cortes. Para o projeto de Antnio Carlos de Andrada nasCortes, cf. Mrcia Regina Berbel, A Constituio espanhola no mundo luso-americano (182023), Revista dendias, v. LXVIII, 2008, p. 243.52ApudMrcia Regina Berbel,A nao como artefato, So Paulo, Hucitec/Fapesp, 1999, p. 184.

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    meio dessas duas bases lusitanas na Amrica. Dessa forma, percebe-se que oReino Unido, institucionalmente, era um projeto agonizante. Rio de Janeiro eLisboa no mais se comunicavam. A indefinio estaria, pois, em outros ter-ritrios americanos.

    Mesmo que institucionalmente o Reino Unido no mais existisse a par-tir da convocao da Constituinte brasileira, Lopes Gama pregou a unio dagrande famlia portuguesa at dezembro de 1822. Em 4 de julho, defendeu quea permanncia do prncipe como poder executivo no Brasil era o nico meiode ter sempre ligada a Grande Famlia Luso-Braslica.53Em 4 de setembro, eleindagava: Por que h de Portugal perder o seu Brasil? Por que h de o Brasilperder seu Portugal? No ser possvel sustentar ligada a Grande Famlia paraa felicidade dambos os mundos?. Na sequncia, postulava: entre os povos,que querem ser irmos no se admitem morgados. Haja unio: ns a julgamosda mais decidida vantagem: mas haja igualmente recproca independncia.54

    Ainda em 4 de setembro, criticava a atitude das Cortes lisboetas, mas cla-

    mava por Unio e Integridade Nacional. Esperava que aquele congresso seapercebesse dos erros. Sonhava com um portugus europeu proferindo umdiscurso conciliador, nos seguintes termos: Vossos navios, e os nossos conde-corados com o mesmo pavilho, cubram os mares. [...] Haja no Brasil um PoderExecutivo, e este seja [...] o Serenssimo Prncipe Real: haja uma AssembleiaLegislativa, e esta de acordo a nossa trabalhar sobre os meios de nossa mtuaindependncia, e de nossa perptua Unio. Seguiu referindo-se aos portu-gueses como irmos. Mostrando uma gama extremamente variada de senti-mentos de pertena, indaga: o que deve fazer Pernambuco? Que deve fazer oBrasil todo?. Prosseguiu falando, por um lado, dos gloriosos fastos do Brasile, por outro, falando dos heroicos descendentes dos Vieiras, Vidaes, Camarese Dias. Finalizou, em tom conciliador, afirmando que nossos irmos euro-peus [...] nenhuma culpa tm das sinistras intenes, com que alguns depu-tados em Portugal, adquirindo partidos, e preponderncia no Congresso, temquerido subjugar o Brasil.55

    H, no discurso de Lopes Gama, trs sentimentos de pertencimento. Ele ao mesmo tempo pernambucano, descendente dos Vieiras, Vidaes, Camares eDias; brasileiro e tambm faz parte da Grande Famlia portuguesa. Quandose refere Grande Famlia, percebe-se que se trata da famlia portuguesa,na qual brasileiros e portugueses so irmos. O Brasil, entretanto, no maisapenas uma unidade administrativa dentro do mundo portugus, mas um

    espao politicamente definido, que deveria ser regido por um Executivo e umLegislativo prprios. Quando se refere nao, contudo, percebe-se que esta a referida Grande Famlia. Ele ainda considerava, quela altura, os deputa-dos em Lisboa representantes da nao. A ideia de Reino Unido, nascida em1815, sob influncia direta da Santa Aliana, parecia ainda ter credibilidade.

    53O Conciliador Nacional, n. 1, 4 de julho de 1822.54O Conciliador Nacional, n. 4, 4 de setembro de 1822.55Idem, Ibidem.

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    No era, no entanto, o Reino Unido forjado na Corte joanina e no Congressode Viena. Tratavam-se agora de dois reinos constitucionais, cada qual com umLegislativo e um Executivo prprios. Mesmo estando institucionalmente ago-nizante, esse arranjo poltico ainda era veiculado no campo discursivo. O ide-

    rio de unio ainda repercutia nos espaos pblicos.Em 16 de setembro, Lopes Gama afirmava que os justos movimentos doRio de Janeiro, e mais provncias proclamam a unio e s no querem adependncia, e tutoria de Portugal. Pouco depois, escreve:

    No cessaremos sobretudo de recomendar a unio, a boa inteli-gncia, e harmonia dos Povos. Esqueamos desavenas doms-ticas, sejamos todos amigos, congressemo-nos em uma s von-tade, quando se trata de salvar toda famlia. Gritemos altamentea Portugal, e ao mundo, que queremos a unio com os nossosirmos europeus; o que no queremos so os ferros que nosquer lanar o Congresso: queremos leis permanentes, mas fei-

    tas c por uma Assembleia da nossa confiana: e ultimamenteque seja nosso Regente o Senhor Prncipe Real, que ouvindo osnossos clamores jurou ser nosso Perpetuo Defensor, e ns dele.56

    Em 19 de novembro, aps a chegada da notcia do grito do Ipiranga noRecife, Lopes Gama explicava o que entendia por independncia. Deixavaclaro que eram mentirosos os boatos de que independncia significava rep-blica. Falsos rumores, segundo ele, circulavam afirmando que o lao verde coma inscrio independncia ou morte era o fim do trono, da igreja, das missasetc. O lao verde seria, segundo essas fofocas, inveno dos Pedreiros livres,que querem renovar a cena de 817 [sic]. Se o prncipe regente criou esse lao,indagava Frei Miguel, como ele poderia significar a repblica? Independncia

    do Congresso de Lisboa [...] amando seus irmos da Europa, clamava o mongebeneditino. Em seguida, dizia que os brasileiros s no querem viver sob ojugo da velha metrpole. Por fim, afirmava:

    Queremos sim a independncia de meia dzia de facciosos,que arrogando a si todos os poderes, conhecidos na sociedade,tem preso e coacto o Nosso sempre Amado Rei o Senhor D. Joo

    VI [...] Queremos enfim, a independncia de nossos neg-cios, pertenses [sic], e requerimentos, para nos no vermos nadura necessidade de atravessar duas mil lguas do Atlntico.57

    Onde residia, ento, a unio da Grande Famlia portuguesa para Lopes

    Gama? Se os Legislativos eram independentes e os Judicirios e Executivostambm, onde residia essa unio? Institucionalmente, Lopes Gama no for-mulou nenhum tipo de arranjo para estabelecer essa unio, mas continuoupregando-a. O nico vnculo explicitado no trecho citado o dinstico: nossosempre amado Rei o Senhor D. Joo VI.

    56O Conciliador Nacional, n. 5, 16 de setembro de 1822.57O Conciliador Nacional, n. 8, 19 de novembro de 1822.

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    Como Lopes Gama no formulou propostas concretas de unio, neces-srio averiguar quando desaparece a defesa da ideia de reino unido de seusescritos. Quando ele deixa de utilizar palavras como Grande Famlia, irmose unio? Essas expresses deixam de aparecer em seus escritos aps a acla-

    mao do imperador, feita no Recife no dia 8 de dezembro de 1822. Acredita-seaqui que o desparecimento das referidas palavras aps essa data sintomtico.

    O jornalO Conciliador Nacionalrelatou detalhadamente a cerimnia de acla-

    mao: embandeiraram-se todas as Fortalezas, e Embarcaes, e deram umasalva Real de 101 tiros. s 8 horas da manh, as tropas de primeira e segundalinha comearam a marchar e se postaram no campo do errio. No local, era inu-mervel o adjunto de Cidados de todas as classes. Acabado que fosse o beijamo, todos puseram-se a caminho para os Paos do Conselho. A sala estavamagnificamente adornada, e debaixo de um riqussimo docel [sic], o Retratodo Nosso Querido, e Imortal Imperador. Aps a missa, com pregao de FreiCaneca, ocorreu um Te Deum, no qual Lopes Gama orou mostrando as justasrazes da nossa Independncia, e a necessidade da Aclamao do SENHORD. PEDRO I IMPERADOR CONSTITUCIONAL, E PERPETUO DEFENSOR DOBRASIL [...] Nas trs noites sucessivas houve iluminao geral, sendo notvelque as luminrias se estendessem aos subrbios do Recife. Nessas trs noi-tes, tambm houve teatro, sendo grandssimo o concurso de todas as classesde Cidados.58

    J foi visto que, para Lopes Gama, a soberania residia na nao. Ao aclamaro Imperador, a nao lhe delegava parte dessa soberania originria. A outraparte da soberania era delegada Assembleia Constituinte. Alis, essa frmulaseria consagrada no artigo 11 da Constituio de 1824: os Representantes daNao brasileira so o Imperador, e a Assembleia. Se houve um momento deinflexo no discurso de Lopes Gama, no sentido de conferir ao Brasil o statusde nao, essa inflexo se processou aps a aclamao.

    Essa inflexo no discurso de Lopes Gama corrobora os estudos de Iara LisCarvalho e Souza, que buscou verificar quais as redes de poder, discursivas,festivas, cotidianas que erigem a noo de Brasil, enquanto corpo polticoautnomo. Para ela, essas redes forjaram sua primeira soberania enfeixadano primeiro imperador do pas. Crucial na construo dessa concepode soberania foi a noo de contrato-imperador-festa. Por fim, a autorafrisa que nessa construo da figura do soberano, vem tona toda uma

    58O Conciliador Nacional, n. 9, 23 de janeiro de 1823 (texto original com maisculas).

    Onde residia, ento, a unio da Grande Famliaportuguesa para Lopes Gama? Se os Legislativoseram independentes e os Judicirios e Executivos

    tambm, onde residia essa unio?

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    rede de relaes capitaneadas pelas cmaras no Brasil.59Em Pernambuco,a cmara do Recife foi a primeira a promover a aclamao do Imperador.Esta se mostrou campo frtil para incubao dos projetos vindos do Riode Janeiro. Ainda no estavam definidos quais eram os mecanismos que

    verificariam a vontade da nao (nem tampouco de qual nao estavamtratando). Observou-se, anteriormente, que a junta gervasista acreditavaque os eleitores de todas as cmaras da provncia deveriam se reunir nacapital para manifestar a vontade dos povos, quando isso fosse necess-rio. Entretanto, a partir da convocao da Constituinte, outro mecanismoparece ter prevalecido em Pernambuco. A consulta direta s cmaras tor-nou-se a forma pela qual o centro, o Rio de Janeiro, comunicar-se-ia comas partes. Essa via de comunicao foi estabelecida, sobretudo, quando aliderana provincial era hostil s ordens oriundas da Corte.

    A partir da aclamao, pois, O Conciliador Nacional no mais pretendia seconciliar com a nao portuguesa, seu objetivo inicial. Uma nova nao, o Brasil,

    j era definitivamente visualizada por Lopes Gama depois de o imperador tersido aclamado no Recife. Em 31 de maio de 1823, noticiando efusivamente ainstalao da Constituinte brasileira, Lopes Gama escrevia, dirigindo-se aosdeputados: Ilustres Representantes de um Povo, que jurou ser livre, amadosConcidados, que ora reunidos nesse Sagrado recinto representais a SoberaniaBrasiliense. Na sequncia, afirmava que nos Constituintes reside coletiva, eessencialmente a Soberania da Nao. Por fim, elogiava o juramento que osdeputados foram obrigados a fazer na abertura da primeira sesso. Elogiava,especialmente, o trecho que obrigava os deputados a no admitir com algumaNao, qualquer outro lao de unio, ou federao.60

    Em outubro de 1823, quando federalistase unitrios quase chegavams vias de fato, Lopes Gama elaborou uma reflexo sobre o termo guerra civil.Ele estava muito preocupado com as comoes populares na provncia, poisestavam sendo semeadas intrigas entre os Brasilienses, a fim de verem, se nosdesunem. Lopes Gama distingue dois tipos de guerra civil: 1) anarquia total,todos contra todos; 2) entre dois partidos. Aps citar vrios exemplos de guerracivil ao longo da histria, concluiu: de qualquer fonte que nasa a guerra civil(diz Mr. Gondon) ela sempre funesta ao Povo que a faz.61

    Em suma, Lopes Gama pregava que a nao no deveria jamais dividir-se.Dever-se-ia estabelecer um consenso nacional em torno da Constituinte e doimperador.62Qualquer diviso no seio da nao era funesta. Dentro do arranjo

    de Reino Unido (Portugal e Brasil), Lopes Gama se mostrou um contumaz crticodo grupo que Valentim Alexandre denominou de integracionista. Trata-se deum grupo de deputados portugueses nas Cortes de Lisboa que enxergava uma

    59Iara Lis Carvalho e Souza, Ptria coroada:o Brasil como corpo poltico autnomo (17801830), So Paulo,Editora da Unesp, 1999, p. 17.60O conciliador Nacional, n. 18, 31 de maio de 1823.61O Conciliador Nacional,n. 36, 4 de outubro de 1823.62Adam Przeworski estabelece o consenso como caracterstica basilar do sistema representativo ocidentalem Consensus and Conlict in Western Thought on Representative Government, Revised paper preparedfor the 2006 Beijing Forum, 2006, p. 25.

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    nao portuguesa una, indivisvel, com apenas um centro de poder, Lisboa.63Mrcia Berbel afirmou que os integracionistasexternavam a necessidadeda total centralizao: Executivo (reis e ministros), Legislativo (as Cortes) eJudicirio (as instncias mximas para os julgamentos).64Qualquer proposta

    que vislumbrasse divises polticas no seio dessa nao una seria mal vista etachada, pejorativamente, de federalista.Durante 1822, Lopes Gama, apoiando o projeto do Rio de Janeiro, fez duras

    crticas aos integracionistas. Contudo, a partir de 1823, em se tratando danao brasileira, seu discurso remetia a conceitos nitidamente integracionis-tas: um centro (o Rio) e uma nao (o Brasil).

    ***

    Se inegvel que a construo de um Estado nacional unitrio contou coma decisiva formulao e articulao poltica de grupos instalados no Rio de

    Janeiro, inegvel tambm que esse projeto s pode se tornar vitorioso com adecisiva participao de atores polticos provinciais. Frei Miguel foi um pol-tico provincial, com atuao estritamente provincial, que ajudou a comporuma grande rede de articulao em nvel nacional capaz de lanar as basesdo Estado brasileiro unitrio. Tema ainda pouco investigado, notadamente emrelao a Pernambuco, a atuao da elite provincial na construo do projetounitrio carece de nova pesquisas.

    Em relao a Frei Miguel, nos subsequentes e dramticos desenlaces quea implantao do projeto unitrio teve em Pernambuco notadamente, adissoluo da Constituinte, a outorga da Constituio e a Confederao doEquador , ele novamente teria atuao fundamental. Lopes Gama, depoisda derrota dos confederados, foi encarregado por Lima e Silva (o responsvelpela represso), em 2 de outubro de 1824, de controlar o aparato tipogrficoda provncia.65Tornou-se, pois, o responsvel pelo fechamento da imprensalivre aps a derrota militar da Confederao do Equador. Como primeiro dire-tor do Liceu Pernambucano, cargo assumido em 1825, ordenou que nenhumrapaz ser matriculado nas aulas de Retrica, e Filosofia, [...] se no apresentarao Diretor dos Estudos certido de ter jurado a Constituio do Imprio.66Aolado de condenaes morte, prises e sequestros de bens, era preciso con-quistar coraes e mentes em prol do projeto unitrio, trabalho que LopesGama exerceu diligentemente.

    63Valentim Alexandre, Os sentidos do Imprio: questo nacional e questo colonial na crise do Antigo Regimeportugus, Porto, Edies Afrontamento, 1993.64Mrcia Regina Berbel,A Constituio espanhola no mundo luso-americano (182023), Revista de ndias, v.LXVIII, 2008, p. 239.65Registro de Provises 17/2 (provises, portarias, editais e bandos) Arquivo Pblico Estadual JordoEmerenciano (APEJE). Ver o seguinte panleto, publicado em 1825 pela tipograia controlada por LopesGama, tendo sido a autoria do panleto atribuda a ele prprio: Reinaldo Xavier Carneiro Pessoa (org.),Dilogo entre um Corcunda, um Constitucional e um Federativo do Equador: um raro e curioso documento,So Paulo, 1975.66Instruo Pblica, vol. I, p. 10 (verso) - APEJE. Cf. tambm Olvio Montenegro, Memrias do ginsio

    pernambucano,Recife, Imprensa Oicial, 1943, p. 910.