a mensagem de romanos 5-8 (john r. w. stott) (2)

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A Mensagem de

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Page 1: A Mensagem de Romanos 5-8 (John R. W. Stott) (2)

A Mensagem de

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~ A BíBLIA FALA HOJE

A Mensagem deRomanos 5,-8

Homens Novos

john R.W Stott

b45Primeira Igre.i.Jt!kztista de Curitiba

BIB~TECA

ABU EDOORA - UVROS PARA GENTE QUE PENSA

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A MENSAGEM DE ROMANOS 5 - 8HOMENS NOVOS

© John R. W. Stott, 1966A Mensagem de Romanos 5-8, de John R. W. Stott, foipublicado em inglês em 1966 pela Inter-Varsity Press, Inglaterra,com o título Men Made New, A tradução em portuguêse a publicação e distribuição pela ABU Editora nos países defala português, é um projeto da David C. Cook FOUndatiOD,uma organização filantrópica constituída segundo as leis do Estadode Illinois, cuja finalidade é a divulgação do evangelho de Cristo.

Direitos Reservados pelaABU Editora S/CCaixa Postal 3050501051 - São Paulo - SPCGC 46.394.169/0001-74

Tradução de Maria Cândida BeckerRevisão de Milton Azevedo Andrade

O texto bíblico utilizado neste livro é oda Edição Revista e Atualizada no Brasil,da Sociedade Bíblica do Brasil, excetoquando outra versão é indicada

La edição 1988

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Prefácio Geral

A BibUa Fala Hoie constitui uma série de exposiçoes,tanto do Velho como do Novo Testamento, caracterizadaspor um triplo objetivo: exposição acurada do texto bíblico,relacionar o texto com a vida contemporânea, e leitura.agradável.

Esses livros não são" pois, "comentários", já que umcomentário busca mais elucidar o texto do que aplicá-lot­e tende a ser uma obra mais de referência do'que literária.Por outro lado, esta série também não apresenta aqueletipo de "sermões" que, pretendendo ser contemporâneose de leitura acessível, deixam de abordar a Escritura comsuficiente seriedade.

As pessoas que contribuíram nesta série unem-se naconvicção de que Deus ainda fala através do que ele jáfalou, e que nada é mais necessário para a vida, para ocrescimento e para a saúde das igrejas ou dos cristãos doque ouvir e atentar ao que o Espírito lhes diz através dasua velha (e contudo sempre atual) Palavra.

J. A. MotyerJ. R. W. Stott

Editores da série

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IPrincipais Abreviações e Bibliografia

BJBLH

Bruce

CINERAB

Liddon

Vaughan

A Bíblia de Jerusalém, das Edições Paulinas.A Bíblia na Linguagem de Hoje, da SociedadeBíblica do Brasil.The Epistle of Paul to the Romans, AnIntroduction and Commentary, de F. F. Btuce(Tyndale Press, 1963).Cartas às Igrejas Novas, de J. B. Phillips.Edição Revista e Atualizada no Brasil, da So­ciedade Bíblica do Brasil.Explanatory Analysis of St. Paul's Epistle to theRomans , de H. P. Liddon (Longmans Green,1893).St. Paul's Epistle to the Romans, de C. J.Vaughan (Macmillan, 1859).

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fNDICE

Prefácio Geral iii

. Introdução 1

1. A paz com Deus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

2. A união com Cristo .. 22

3. A libertação da lei 51

4. A vida no Espírito 77

Conclusão 101

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INTRODUÇÃO

A epístola aos Romanos é o manifesto mais completo ecoerente do evangelho que se encontra no Novo Testa­mento. Nela o apóstolo Paulo expõe todo o conselho deDeus: o pecado e a perdição do homem, a morte de Cristopara salvá-lo, a fé em Cristo como único requisito paraser aceito por Deus, a obra do Espírito Santo para o cres­cimento em santidade, o lugar de Israel no propósito deDeus, e as implicações éticas do evangelho. A exposiçãode Paulo se destaca por sua grandeza, sua amplitude e sualógica, características que têm despertado a admiração eo estudo das sucessivas gerações.

Corremos o perigo de isolar quatro dos dezesseis ca­pítulos da epístola, pois foi isto o que exigiu uma sériede quatro exposições bíblicas durante um congresso deuma semana. Sem dúvida, os capítulos cinco a oito for­mam facilmente uma unidade.

Sem dúvida estes capítulos se acham entre os maiorese mais grandiosos de todo o Novo Testamento. Apresen­tam os privilégios de todo cristão, os privilégios daquelesa quem Deus tem feito homens novos ao justificá-los, querdizer, ao declará-los justos e aceitá-los em Cristo. Os pri­meiros capítulos da epístola são dedicados à exposição danecessidade de justificação e da maneira como se realiza.Procuram pôr em evidência que enquanto todos os ho­mens são pecadores e se acham debaixo do juízo de Deus,

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INTRODUÇÃO

podem ser justificados unicamente por meio da redenção

em Jesus Cristo, só pela graça, mediante a fé. Neste ponto,havendo exposto a necessidade e o caminho da justifica­ção, Paulo começa a mostrar seus frutos, os resultadosda justificação naquele que vive como filho obediente naterra e desfruta das glórias do céu.

Isto é de suma importância, já que lamentavelmentehá muitos entre nós que pensam e vivem como se o evan­gelho fosse somente uma boa notícia de justificação, pas­sando por cima de que também é uma boa notícia desantificação e de vida futura. Falam como se houvessemchegado ao final, ao se aproximarem de Deus através deJesus Cristo, como se não houvesse mais caminho a per­correr, como se houvessem chegado ao destino. Porémnão é assim. O primeiro versículo deste capítulo começacom as palavras: "Justificados, pois, mediante a fé ... "Isto é, agora que fomos aceitos por Deus, estas são asconseqüências e os frutos da nossa justificação. Fomosrecebidos por Deus mediante a confiança em Jesus Cristo.Pois bem, isto é o que acontece.

Em resumo, estes quatro capítulos descrevem os gran­des privilégios dos crentes justificados, dos homens novos:a rica herança que é nossa, de agora e para sempre, se éque somos de Cristo. Quais são, pois, estes privilégios?Cada capítulo desenvolve um destes temas principais. Emprimeiro lugar, a paz com Deus (cap. 5); a união comCristo (cap. 6); a libertação com respeito à lei (cap. 7) e,finalmente, a vida no Espírito (cap. 8). Examinaremoscada um nesta ordem.

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CAPITULO 1

A PAZ COM DEUS (Rm 5:1-19)

O capítulo 5 de Romanos apresenta uma clara divisão emdois parágrafos. Os primeiros onze versículos falam so­bre os frutos ou resultados da nossa justificação, enquantoque 12 a 19 nos revelam o Mediador de nossa justificação- aquele por cujo intermédio a justificação nos chegou,Jesus, o segundo Adão.

I. OS FRUTOS DA NOSSA JUSTIFICAÇÃO (5:1-11)

Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus, pormeio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quemobtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual es­tamos firmes; e gloriemo-nos na esperança da g16ria de Deus.E não somente isto, mas também nos gloriemos nas própriastribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; ea perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora,a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derra­mado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi ou­torgado. Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, mor­reu a seu tempo pelos ímpios. Dificilmente alguém morreriapor um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém se animea morrer. Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco,pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda peca­dores. Logo muito mais agora, sendo justificados pelo seu san­gue, seremos por ele salvos da ira.' Porque se nós, quando ini­migos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte doseu Filho, muito mais, estando já reconciliados, .,seremos sal­vos pela sua vida; e não isto apenas, mas também nos gloria-

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A PAZ COM DEUS

mos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédiode quem acabamos agora de receber a reconciliação.

8. Os frutos (vs. 1 e 2)Aqui se resume em três frases os resultados da justifi­cação. Primeiro, "temos paz com Deus, por meio denosso Senhor Jesus Cristo" (v. 1). Segundo, "obtivemosigualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamosfirmes" (v. 2). Terceiro, "gloriemo-nos na esperança daglória de Deus" (v. 2b). Estes são os frutos da nossa justi­ficação: paz, graça e glória. Temos paz com Deus, esta­mos firmes na graça e esperamos na glória.

Ao examinar estes frutos mais de perto, é evidenteque têm relação com as três fases ou tempos da nossasalvação. "Paz com Deus" fala do efeito imediato da justi­ficação. Éramos "inimigos" de Deus (v. 10), porém agorao perdão de Deus resgatou a antiga inimizade e estamos empaz com ele. Então, o efeito imediato da justificação éque a paz acabou com a inimizade.

Em segundo lugar, "a esta graça na qual estamos fir­mes" fala do efeito contínuo da justificação. Envolve umestado de graça no qual fomos introduzidos e no qual es­tamos firmes. Se nos foi permitido entrar na esfera dagraça de Deus, nela também continuamos até o dia dehoje.

Em terceiro lugar, "a glória de Deus" pela qual es­peramos, fala do efeito final da justificação. "A glória deDeus" aqui significa o céu, porque no céu Deus mesmoserá revelado plenamente (glória na linguagem bíblica é amanifestação de Deus). Vamos ver a glória de Deus nocéu, e até participaremos dela, pois seremos semelhantesa Cristo (l [o 3:2). "A esperança" é nossa confiança, nossasegura expectativa. E esta esperança é tão segura que já

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ROMANOS 5:1-11

podemos nos regozijar nela. "Portanto nos alegramos naesperança de participarmos da glória de Deus" (~LH).

Estas três frases formam um quadro equilibrado davida cristã com relação a Deus. Não se diz nada aquisobre nossa relação com o próximo, porém no que diz res­peito à nossa relação com Deus, as três frases constituemum belo resumo da vida cristã: paz, graça e glória. A pa­lavra "paz" nos convida a olhar para trás, para a inimiza­de que acabou. A palavra "graça" nos faz olhar paranosso Pai, debaixo de cujo favor agora permanecemos.Com a palavra "glória" olhamos adiante, para o nossoobjetivo final, até o momento quando veremos e refletire­mos a glória de Deus, a glória que é o objeto de nossa es­perança e expectativa.

b. O sofrimento, caminho da glória (vs. 3 e 4)Naturalmente, quando dizemos isso, não quer dizer quedepois de receber a justificação encontraremos no ca­minho estreito um caminho suave repleto de flores. Acon­tece exatamente o contrário: no caminho há sarças, e sar­ças com grandes espinhos. "E não somente isto", diz Paulono versículo 3, "mas também nos gloriemos nas própriastribulações". Há paz, graça e glória, sim! Porém há tambémsofrimento!

No sentido preciso, estes sofrimentos não são a en­fermidade, nem a dor, nem a tristeza, nem a aflição, senãoa tribulação ou o sofrimento (grego: thlipsis), a pressão deum mundo pagão e hostil. Sem dúvida, tal sofrimento ésempre o. caminho da glória. Assim disse o mesmo Senhorressuscitado, quando afirmou que segundo o Antigo Testa­mento o Cristo devia padecer e deste modo entrar na gló­ria (Lc 24:26). O que acontece com Cristo, tambémacontece com o cristão, porque o servo não é maior queseu Senhor. Paulo mesmo insiste nisto quando afirma que

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A PAZ COM DEUS

somos co-herdeiros com Cristo; "se com ele sofremos, para

que também com ele sejamos glorificados" (Rm 8:17).Notemos com cuidado a relação entre os nossos so­

frimentos presentes e a nossa glória futura. Não se tratade que aqueles conduzem a esta. Nem de que temos denos resignar diante dos sofrimentos, na expectativa daglória futura. Não. Segundo o texto, a relação que há entreos dois é o regozijo: nos gloriamos em ambos. Se "nosgloriamos" em nossa esperança de glória (v. 2), "nos glo­riamos" do mesmo modo em nossos sofrimentos (v. 3).A força 'do verbo no original (kaucometha) indica que nosalegramos com grande júbilo. Tanto as tribulações presen­tes como a glória vindoura são objetos de júbilo do cristão.Como isto acontece? Como é possível que nos alegremosem nossos sofrimentos? Como podemos encontrar gozonaquilo que nos causa dor? Os versículos 3 a 5 explicamo paradoxo.

Não é que nos alegramos nos sofJiiij1entos como tais,mas, sim, nos benefícios que trazem com~orésultado. Nãosomos masoquistas, como aqueles a quem agrada a dor;tampouco estóicos impassíveis e sofridos. Somos cristãos.Percebemos o cumprimento de um propósito divino e cheiode graça através de nossos sofrimentos. Alegramo-nos peloque produz o sofrimento: o sofrimento produz (katerga­zetai) paciência, e a paciência, a experiência. O que nosalegra é o fruto do sofrimento. Quais são, então, os frutosdo sofrimento? O processo se apresenta em três etapas.

Etapa 1: O sofrimento produz paciência. Com isto se querdizer que o sofrimento é o que gera a mesma paciênciade que necessitamos para suportá-lo, assim como o corpohumano produz anticorpos em presença de infecção. Nãopoderíamos exercitar a paciência sem o sofrimento, por-

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que sem este não haveria necessidade de paciência. Con­cluindo, a paciência nasce do sofrimento.

Etapa 2: A paciência produz experiência ou virtude com­provada. "A paciência nos faz sair aprovados", diz umaversão. Aqui o autor se refere à condição do que tem sidoposto à prova e logo foi aprovado. E a condição que faziafalta à armadura da qual se livrou Davi (não lhe serviaporque nunca a havia "provado", não a havia submetidoà prova). Não nos chama à atenção a maturidade de umcristão que passou por sofrimento e saiu vencedor?O sofrimento produz paciência, e a paciência, virtudecomprovada.

Etapa J: A experiência produz esperança, isto é, confiançaquanto à glória final. A maturidade de caráter nascida dapaciência com a qual se suportou os sofrimentos no pas­sado traz consigo a esperança de uma glória futura. Semdar lugar a dúvidas, o apóstolo quer dizer que o desenvol­vimento e a maturidade de nosso caráter cristão eviden­ciam que Deus está nos formando e trabalhando em nós.Este fato nos dá a confiança de que Deus não abando­nará a tarefa sem havê-la terminado. Se agora ele estáatuando em nós para transformar o nosso caráter, comcerteza ao final nos levará à glória. Novamente o apósto­lo nos faz ver a íntima conexão entre o sofrimentoe a glória. A razão pela. qual não somente nos gloriamosna esperança da glória de Deus, como também em nossossofrimentos, é que ambos nos levam à esperança da gló­ria. Deste modo, de fato nos regozijamos tanto nos sofri­mentos como na glória. Regozijamo-nos não somente noalvo, a glória, como também nos meios que conduzem aela, isto é, nos sofrimentos. Nestas duas coisas encontra­mos alegria.'

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c. A segurança baseada no amor de DeusA esta altura da exposição alguém pode perguntar, ePaulo antecipa a pergunta: Como se pode saber que estaesperança de glória corresponde a uma realidade? Comose sabe que não é somente um ensino agradável? Estácerto que alguém diga que vai para o céu, para a glória,porém como sabe disto? Paulo responde em primeirolugar: "A esperança não decepciona" (BJ), isto é, a espe­rança jamais vai nos enganar. A esperança não é uma ilu­são: é verdadeira. Porém há outra pergunta: isto é oque Paulo afirma. Porém, como o sabe? Como pode estartão seguro de que a sua esperança cristã nunca vai enga­ná-lo? A resposta de Paulo está no restante do v. 5: sabe­mos que a esperança cristã nunca nos enganará "porqueo amor de Deus é derramado em nossos corações peloEspírito Santo". O fundamento sólido sobre o qual des­cansa nossa esperança de glória é o amor de Deus. Se so­mos o objeto do amor de Deus, sabemos sem sombra dedúvida que ele nos levará à glória. Confiamos em queperseveraremos até o final, e esta confiança tem um firmefundamento. Por um lado, baseados no caráter que Deusestá formando em nós mediante a adversidade (sofrimen­to ~ paciência ~ experiência ~ esperança) podemosficar confiantes. Se agora ele nos está santificando, é por­que depois nos glorificará. Por outro lado, podemos ficarconfiantes principalmente baseados em seu amor que ja­mais nos abandona.

O argumento se desenvolve desta maneira: temos aesperança cristã de que queremos a glória de Deus e par­ticiparemos dela. Cremos que esta esperança é certa, quenão se trata de uma farsa, e que portanto não nos engana- .rá nem desiludirá. Sabemos disto porque Deus nos ama:nunca nos abandona, nunca deixa de nos amparar.

Alguém perguntará: "Como você sabe que Deus o

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ROMANOS 5:1-11

ama deste modo?" E Paulo responde que sabemos pela ex­periência íntima que temos daquele amor, porque Deustem-enchido nossos corações com seu amor por meio doEspírito Santo que nos tem dado. A todo crente é dado o.Espírito Santo, e uma de suas atividades consiste em der-ramar o amor de Deus - não o nosso amor para Deus,mas o amor dele por nós - para que inunde nossos cora­ções e nos dê a consciência plena e intensa de que Deusnos ama. Isto é, que "o próprio Espírito testifícacom onosso espírito que somos filhos de Deus", como Paulo ex­pressa mais adiante em 8: 16. O Espírito nos assegura queDeus é o Pai celestial que nos ama. O mesmo Espírito in­funde esse amor em nossos corações.

Vale a pena notar a mudança do tempo verbal noversículo 5: o Espírito Santo nos foi dado (BJ) - (nogregq:dothentos, particípioaoristo, com referência a umfato passado); porém o amor de Deus é derramado emnossos corações (grego: ekkecutai, tempo perfeito, que serefere a um fato passado com conseqüências permanentes).Assim, aprendemos que o Espírito Santo nos foi dado nomomento em que cremos e nos convertemos; e no mesmotempo ele inundou nossos corações com o amor de Deus.E sabemos que as águas do seu amor não retrocedem. OEspírito dado uma vez faz nascer em nossos corações umconstantefluxo do amor divino.

Em resumo, segundo os cinco primeiros versículos osfrutos da justificação são três: a paz com Deus, que põefim à inimizade; a graça como um estado no qual perma­necemos e, olhando o futuro, a esperança, expectativa degozo na confiança da glória de Deus. Esta esperança nascedo caráter que Deus está formando em nós por meio daexperiência do sofrimento, que é confirmada pelo tes­temunho do seu amor que o Espírito Santo nos tem dado.Em outras palavras" a justificação, que em si é umato

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momentâneo, uma decisão judicial do Deus que nos de­clara justos em Cristo, nos leva sem dúvida a uma relaçãopermanente com Deus mesmo, compreendida agora pelapalavra "graça", e posteriormente pela palavra "glória".

Consideremos agora os vs. 6 a 11, nos quais se ampliaos ensinamentos sobre os frutos da justificação. Ao uniros conceitos de paz e esperança, justificação e glorificaçãonos vs. 1 a 5, Paulo usou nossos sofrimentos como elosentre eles. Em contraste nos vs. 6 a 11 são os sofrimentose a morte de Cristo que formam este vínculo.

d. A morte de Cristo pelos pecadoresVejamos o que Paulo nos diz acerca da morte de Jesus.Nestes versículos a ênfase está em que Cristo morreu pelosque são absolutamente indignos. Os mesmos termos em­pregados deixam fora qualquer tipo de ilusão acerca denossa condição. Primeiro, aparecemos como "fracos", in­capazes de nos salvar (v. 6). Logo nos chama de "ímpios"(v. 6), por causa da nossa rebeldia contra a autoridade deDeus. Em terceiro lugar, nos apresenta como "pecadores"(v. 8), porque não temos andado em justiça, por mais ele­vados que sejam nossos ideais. Por último, o v. 10 nosqualifica de "inimigos", pela nossa hostilidade para comDeus. Que quadro mais horrível e implacável do homempecador! Somos fracassados, rebeldes, inimigos e incapa­zes de nos salvar por nosso próprio esforço.

Entretanto, a intenção principal desta passagem é de­monstrar que Jesus Cristo morreu precisamente por pes­soas que se achavam nestas condições. Nós mesmos difi­cilmente morreríamos por um justo (v. 7) - por alguémcorreto em sua conduta - "por um homem de bem talvezalguém se disponha a morrer" (BJ). Porém, "Deus provao seu próprio amor para conosco (e o seu é enfático emgrego: seu próprio amor, dele unicamente) pelo fato de

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ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores".Não morreu pelas pessoas de conduta correta e formal,nem sequer pelos bondosos e,bons, mas por pecadoresindignos, sem nenhum atrativo nem' mérito.'

Isto provê o contexto para o argumento que seguenos vs. 9 a 11. E Um argumento aiortiori. isto é, que pro­cede do menor para o maior, e que sobre a base do quejá se sabe há novas conclusões. Paulo contrasta as duasetapas principais da nossa salvação - justificação e glo­rificação - e mostra como a primeira garante asegunda.

e. O· contraste entre a justificação e a glorificação(vs. 9-11) ,E importante estudar em detalhe a comparação que' Paulofaz entre estas duas etapas.

Em primeiro lugar, contrasta seu significado. "Logo,muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, se­remos por ele salvos da ira" (v. 9). O contraste neste ver­sículo encontra-se claramente entre nossa justificação pre­sente e nossa futura . salvação da ira de Deus que seráderramada no dia do juízo. Se ao ser justificados somos jásalvos -da condenação de Deus, quanto mais seremos sal­vos .de sua ira naquele dia? Eis aqui o primeiro contraste.

Em segundo lugar, contrasta a forma pela qual sedesfruta as duas etapas. Diz o v. 10: "Porque se nós,quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediantea morte do seu Filho, muito' mais, estando já reconcilia­dos, seremos salvos pe1asua vida". Aqui o contraste estános meios pelos quais as duas etapas da salvação se reali­zam, isto é, a morte e a vida do Filho de Deus. A "vida"

<, neste contexto se refere à vida ressuscitada de Cristo, quecompletará no céu o que a sua morte começou na terra.Talvez o melhor comentário sobre esta verdade se encon­tre em Romanos 8:34, onde nos diz que Cristo não so-

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mente morreu, mas também ressuscitou, e que sentado àdestra de Deus intercede por nós, fazendo efetiva com suavida o que tomou possível com sua morte.

Em terceiro lugar, Paulo põe em contraste as pessoasque recebem a justificação e a glorificação. Vejamos o v.10: "Porque se nós, quando inimigos, fomos reconcilia­dos (e já não inimigos)... seremos salvos... " Se Deusse reconciliqu com seus inimigos, indubitavelmente salva­rá seus amigos.

Temos, pois, (vs. 9 e 10) um poderoso argumentopara crer que seremos os herdeiros de uma salvação plenae perfeita. Existe a firme certeza de que não seremosabandonados pelo caminho, que seremos preservados atéo final e glorificados. E isto não é um falso otimismo, masalgo baseado em um lógica irrefutável: se, sendo inimigos,Deus nos reconciliou e nos deu seu Filho para morrer pornós, quanto mais sendo agora amigos de Deus, ele nossalvará finalmente de sua ira, graças à vida de seu Filho?Se por seus inimigos Deus fez um sacrifício que compro­meteu a morte de seu Filho, é de se esperar que fará esteserviço menos custoso aos antigos inimigos que agora sãoseus amigos. Reflitamos sobre este ponto até vermos alógica irrefutável do argumento de Paulo.

Porém a vida cristã é muito mais que isto. Não setrata somente de olhar atrás para a justificação e adiantepara a glorificação. O cristão não se preocupa semprecom o passado e o porvir, porque há de levar uma vidacristã também no presente, e por isso lemos no v. 11: "mastambém nos gloriamos em Deus por nosso Senhor JesusCristo ... " Alegramo-nos na esperança, também nos ale­gramos nas tribulações, porém sobretudo nos alegramosem Deus mesmo, e isto por meio de Jesus Cristo.

Como já foi demonstrado, por meio de Jesus Cristo

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ROMANOS 5:1-11

temos paz com Deus (v. 1); por ele fomos introduzidos aesta graça na qual estamos firmes (v; 2); pelo sangue deCristo fomos reconciliados (v. 9); por meio da vida deCristo seremos salvos finalmente (v. 10); e pelo mesmoSenhor Jesus Cristo recebemos (uma vez, no passado)nossa reconciliação. De modo que nos alegramos em Deuspor meio de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio daqueleque obteve para nós bênçãos que jamais poderemos ava­liar em toda a sua extensão.

Se passarmos uma vista na primeira parte do capí­tulo 5, veremos que em ambos os parágrafos (vs. 1-5 e6-11) o pensamento do apóstolo passa da justificação paraa glorificação, do que Deus tem feito por nós ao que eleainda fará na consumação. Os vs. 1 e 2 reforçam esteponto: "Tendo sido, pois, justificados pela fé ... nos glo­riamos na esperança da glória de Deus" (BJ), e novamente(no v. 9): "Quanto mais, então, agora, justificados por seusangue, seremos por ele salvos da ira" (BJ).

Ademais, em ambos os parágrafos Paulo escreveacerca do amor de Deus sobre o qual se edifica a segu­rança de nossa salvação final. Não há outro motivo desegurança. No v. 5 declara que o amor de Deus é derra­mado em nossos corações, e, (no v. 8) proclama que "Deusprova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de terCristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores". Senós cristãos nos atrevemos a dizer, como na verdade ofazemos, que ao morrer vamos para o céu e que estamosseguros da salvação final, não é porque cremos que so­mos justos, nem porque sejamos auto-suficientes, mas,pelo contrário, porque confiamosno amor inalterável deDeus, no amor que jamais poderá nos desamparar.

Porém há outro ponto em comum nestes dois pará­grafos: cada um fundamenta nossa crença de que Deus

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A PAZ COM DEUS

nos ama; o primeiro o faz Objetivam~nf' , e o segundo,subjetivamente. Obviamente, temos um u,ndamento h,l,'S­

tórico, a morte do Filho de Deus na cruz ,"Mas Deus de­monstra seu amor .para conosco pelo fato de Cristo termorrido por nós quando éramos ainda .pecadores" (v. 8,BJ). Por outro lado, o fundamento subjetivo para crer queDeus nos ama é experimental. Não se ,dá Ina história, massim na experiência. Não se trata da morte de Cristo, massim da presença do Espírito Santo em nó~. De modo quena cruz (v. 8) Deus, dá prova de seu amore derrama seuamor em nossos corações (v. 5). É assim/que ficamos sa­be,odo que Deus nos ama. sabe,mos racionalmente ao con­templar a cruz, porque lá Deus entregou o melhor quetinha para os que estavam na pior situ~çã6. E sabemosintuitivamente porque o Espírito inundai os nossos cora-ções com a realidade deste amor. !

Em ambos os casos o apóstolo vinc la a este conhe­cimento nossa segurança de salvação pIe a e perfeita. "Aesperança não nos desilude". Isto é, a no sa esperança deuma salvação consumada se cumprirá, e a não nos enga­nará nem nos decepcionará, pois estábe fundamentada.Como podemos saber disto? Porque o am r de Deus habi­tou nossos corações por meio do Espíri o Santo (v. 5).Sabemos que seremos salvos da ira de D uso Como? Por­que Deus nos demonstra o seu amor da do o seu Filhoem sacrifício por nós, os que estávamos em condição deinimigos e pecadores como está clarame te expresso nosversículos 8-10.

Há algum leitor cristão com dúvid s acerca de suasalvação eterna? Você está seguro de ue foi justifica­do, mas duvida de que tudo saia bem no final? Se éassim, permita-me insistir uma vez mais em que a glori­ficação final é o fruto da justificação: "a s que justificou,a esses também glorificou", como veremo ao estudar Ro-

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manos 8:30. Se este é seu problema, eu lhe rogo quecon­fie no Deus que o ama. Olhe a cruz e aceite-a como a pro­va dada por Deus de que ele o ama. Peça-lhe que continueinundando o coração por meio do Espírito que vive emvocê. E então, basta de dúvidas e de temores melancólicos!

'Que o imutável amor de Deus os aniquilel

H. O MEDIADOR DA NOSSA JUSTIFICAÇÃO(5:12-19)

Portanto, assimcomo por um só homem entrou o pecado nomundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passoua todos os homens porque todos pecaram. Porque até ao regi­me da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levadoem conta quando não há lei. Entretanto reinou a morte desdeAdão até Moisés, mesmo sobreaquelesquenão pecaram à se­melhança dá transgressão de Adão, o qual prefigurava aqueleque havia de vir. Todavia, não é assim o dom gratuito comoa ofensa, porque se pela ofensa de um 56, morreram muitos,muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça de um sóhomem, Jesus Cristo, foi abundante sobre muitos. O dom, en­tretanto,não é como no caso em que somente um pecou; por­que o julgamento derivou de uma só ofensa, para a .condena­ção, mas a graça transcorre de muitas ofensas, para a justifi­cação. Se pela ofensa de um, e por meio de um só, reinou amorte, muito mais os que recebem a abundância da. graça eo dom da justiça, reinarão em vida por meio de um só, a sa­ber, Jesus Cristo. Pois assim como por uma só ojensa veio oJuízo sobre todos os homens para condenação, assim tambémpor um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homenspara a justificação que dá vida. Porque, como pela' desobe­diência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assimtambém por meio da obediência de um só muitos se tornarãoiusto«.

Na primeira seção, Paulo mostrou que nossa ·reconciliaçãce nossasalvação final se baseiam na morte do Filho de

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Deus. Sua exposição de imediato suscita uma pergunta:Como pode o sacrifício de uma só pessoa trazer tantosbenefícios a tanta gente? Não é que "tantos devem tantoa tão poucos", como tantos devem tanto a uma só pessoa:ao Cristo crucificado. Como acontece tal coisa?

O apóstolo contesta esta possível questão com umaanalogia entre Adão e Cristo, o "segundo Adão". Hoje estána moda qualificar o relato de Adão e Eva como mito, enão como realidade, porém a mesma Escritura nos impedede pensar assim. Pode até haver alguns elementos figu­rados nos três primeiros capítulos de Gênesis; por exem­plo, não queremos ser dogmáticos quanto à natureza exatados sete dias, da serpente, da árvore da vida e da árvoredo conhecimento do bem e do mal. Porém isto não querdizer que pomos em dúvida a existência real de Adãoe Eva, um casal que tendo sido criado bom caiu em pe­cado por sua desobediência. O melhor argumento a favorda historicidade de Adão e Eva não é científico (por exem­plo, o da homogeneidade da raça humana), senão teol6­gico. O cristão bíblico aceita Adão e Eva como pessoashistóricas não tanto pelo relato do Antigo Testamentocomo pela teologia do Novo Testamento. Em Romanos5: 12-19 e 1 Coríntios 15:21-22,45-49, o apóstolo fazuma analogia entre Adão e Cristo cuja validade dependeda historicidade e realidade de ambos. Cada um nos éapresentado como o cabeça de uma raça:.a ruína da hu­manidade caída se deve a Adão, e a salvação da huma­nidade redimida se deve a Cristo. Da desobediência deAdão nascem a morte e a condenação, enquanto que daobediência de Cristo nascem a vida e a justificação. Todoo argumento fundamenta-se em dois atos históricos: adesobediência de Adão, que resultou da afirmação egoístade sua própria vontade, e a obediência de Cristo, que olevou ao sacrifício de si mesmo. Tanto Adão como Cristo

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ROMANOS 5:12-19

demonstram o princípio de que muitos podem ser afeta­dos, para o bem ou para o mal, pela ação de uma' sópessoa.

8. A historicidade do homem antes de Cristo (vs. 12.14)Os três primeiros versículos concentram-se em Adão."Portanto, assim como por um só homem entrou o peca­do no mundo, e pelo pecado a morte, assim também amorte passou a todos os homens porque todos pecaram"(v. 12). Esta afirmação reveste-se de suma importânciaporque resume em três etapas a história do homem antesde Cristo. Em primeiro lugar, nos diz que o pecado en­trou no mundo por meio de um homem; logo, a morteentrou no mundo pelo pecado, porque a morte é o saláriodo pecado; e finalmente a morte se extendeu a todos oshomens porque todos pecaram (há explicação posterior).Estas são as três etapas - o pecado, a morte e a morteuniversal - de modo que a atual universalidade da mortese deve à transgressão de um só homem, origem de todasas demais transgressões humanas.

Nos vs. 13 e 14 se explica com maiores detalhes estaprogressão, desde o pecado de um homem até a morte detodos. A pena de morte cai hoje sobre todos os homensnão somente porque todos pecaram como Adão, masporque todos pecaram em' Adão. Paulo comprova tal si­tuação à luz do que sucedia durante o período compreen­dido entre Adão e Moisés, entre a queda do homem e apromulgação da lei. Durante esse tempo sem dúvida opovo pecou, porém seus pecados não lhe foram levadosem conta porque "o pecado não é levado em conta quan­do não há lei" (v. 13). No entanto, ainda que não hou­vesse lei, as pessoas morriam; "entretanto reinou a mortedesde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que nãopecaram à semelhança da transgressão de Adão". A lógica

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do argumento de Paulo demonstra que a razão pela qualeles morreram não está no fato de que tenham quebradoa lei intencionalmente, como Adão, nem que tenham mor­rido por sua própria transgressão, mas que eles e que todaahumanidade, com a única exceção de Cristo, foram in­cluídos em Adão, cabeça da raça humana. Este fato nosinclui. Em termos bíblicos estávamos em Adão e portantoem algum sentido envolvidos em seu pecado. Não podemosacusar Adão crendo-nos justos, como se fôssemos inocen­tes, porque nós participamos de sua culpa. Morremos nodia de hoje porque em Adão nós também pecamos.

b, A analogia entre Adão e Cristo (vs. 15-19)Até aqui Paulo havia concentrado sua atenção em Adão,porém no final' do v. 14 chama a Adão "figura daqueleque devia vir" (BJ). No v. 15 começa a desenvolver aanalogia entre Adão e Cristo. Esta é uma analogia quefascina e conduz nossa imaginação com suas semelhançase diferenças. A semelhança baseia-se no desenvolvimentodos acontecimentos: nos dois casos, muita gente foi afe­tada pelo ato de apenas um homem. Esta é a única seme­lhança entre eles. As diferenças entre a decisão de Adãoe a decisão de Cristo são três: a motivação, o efeito e anatureza. A razão pela qual Adão pecou difere da moti­vação da morte de Cristo; do mesmo modo, o resultadodo pecado de Adão difere do resultado da morte de Cris­to. A natureza do ato de Adão não é a mesma natureza doato de Cristo. Vejamos estes três pontos separadamente.1. O motivo. No princípio do v. 15 lemos: "Não é assimo dom gratuito como a ofensa". A transgressão ou ofensafoi um ato de pecado (a palavra grega paraptoma signi­fica queda ou desvio do caminho). Adão conhecia muitobem o caminho porque Deus o havia indicado, porém ao

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desviar-se se extraviou. Por outro lado, a palavra gregapara dom, carisma, indica um ato de graça. Adão agiu.motivado por seu egoísmo; quis afirmar a sua própria von­tade e preferiu o seu próprio caminho. Pelo contrário, Cris­to agiu motivado pela consciência de renúncia para colo­car a nosso 'alcance sua graça, que não merecíamos. Aqui.pois, reside o contraste entre a motivação das duas deci­sões: por um lado a afirmação da vontade própria, feitapor Adão, e por outro lado o sacrifício de si mesmo, rea­lizado por Jesus Cristo.2. O efeito. Podemos encontrá-lo nos versículos·15b-17.Já na segunda parte do v. 15 se faz referência ao contras­te entre os resultados da obra de Adão e da obra de Cris­to. 11 a oposição entre o pecado de um homem que acarre­tou a muitos a triste pena de morte, e a graça de Deus edo Homem Jesus Cristo que abundou para muitos, ofere­cendo-lhes o dom gratuito da vida eterna (conf. 6:23).Desta maneira se ressalta a vida sobre a morte, e os doisversículos que seguem (vs. 16b-17) desenvolvem os efeitoscontrários pelos comportamentos de Adão e de Cristo."Se, com efeito, pela falta de um só, a morte imperouatravés deste único homem, muito mais os que recebema abundância da graça e do dom da justiça reinarão navida por meio de um só, Jesus Cristo" (BJ). Sem entrarem detalhes, observemos agora o evidente contraste entreos atos de Adão e de Cristo: o pecado de Adão trouxecondenação (katakrima); a obra de Cristo traz justifica­ção (dikaioma). O reinado da morte deve-se ao pecadode Adão, porém o reinado da vida se fez possível pelaobra de Cristo. Mais completo não poderia ser o con­traste. De fato, trata-se de uma oposição absoluta entre acondenação e a justificação, entre a morte e a vida.

E importante observar. a maneira precisa como oapóstolo contrasta a vida e a morte. Não se.trata simples-

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A PAZ COM DEUS

mente que um reinado de vida suceda ao reinado da mor­te, porque segundo o v. 17 não é a vida que reina, masnós que reinamos em vida. Antes, a morte era nossarainha, nos dominava como a súditos, escravizando-nosdebaixo de sua tirania totalitária. Não que agora tenhamostrocado o reino da morte por outro, permanecendo escra­vos e súditos mesmo que em outro sentido. Totalmente aocontrário: uma vez livres do domínio da morte, nós mes­mos começamos a reinar sobre a morte e sobre todos osinimigos de Deus. Deixamos de ser súditos e chegamos aser reis, compartilhando o império de Cristo, nosso Rei.3. A natureza. Até aqui temos visto que o ato de Adãoe o de Cristo se diferenciam por motivação e resultados.Agora o apóstolo faz o contraste entre os dois atos em si.Nos vs. 18 e 19 o paralelo circula sobre o que foi ditoanteriormente, mas aqui enfatizá-se exatamente o quefizeram Adão e Cristo. Segundo o v. 18, a ofensa deum só homem trouxe como conseqüência a condenaçãopara todos, enquanto a justiça de um só, Cristo, trouxepara todos os que estão nele a justificação e a vida. Atransgressão de Adão significou seu fracasso diante da leide Deus; a justiça de Cristo foi o cumprimento desta lei.O versículo 19 prossegue: "Porque, como pela desobe­diência de um só homem muitos se tornaram pecadores,assim também por meio da obediência de um só muitosse tornaram justos". Eis aqui o contraste claro entre anatureza dos dois atos: Adão desobedeceu a vontade deDeus e se afastou da justiça; Cristo obedeceu a vontadede Deus e assim cumpriu toda a justiça. Veja Mateus 3: 15e Filipenses 2:8.

Podemos, então, resumir brevemente a analogia entreAdão e Cristo. Quanto à motivação de seus atos, Adãoafirmou sua própria vontade, enquanto que Cristo se sa­crificou a si mesmo. Quanto à conseqüência de seus atos.

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ROMANOS 5:12-19

O pecado de Adão trouxe a condenação e a morte, en­quanto que a justiça de Cristo trouxe a justificação e avida. Quanto à natureza de seus atos, Adão desobedeceua lei e Cristo a cumpriu.

Assim, pois, o que nos condena ou nos justifica, querestejamos espiritualmente vivos ou mortos, depende dahumanidade à qual pertencemos: a antiga humanidade(instaurada por Adão) ou a nova humanidade (iniciadapor Cristo). E isto, por sua vez, depende de nossa relaçãocom Adão ou com Cristo. Entendamos isto muito bem:todos os homens estão em Adão em virtude de nossonascimento humano, porém não estão todos em Cristo, jáque somente mediante a fé podemos estar em Cristo. Es­tando em Adão por nascimento, somos condenados e mor­remos; porém se estamos em Cristo pela fé, somos justi­ficados e vivemos.

Desta maneira, e como conclusão, reiteramos a men­ção dos privilégios dos justificados, que encontramos noinício deste capítulo, porque somente em Jesus Cristo epor meio dele tais privilégios chegam a ser nossos. O v. 1afirma: "temos paz com Deus, por meio de nosso SenhorJesus Cristo" e o v. 2 "por quem tivemos acesso... a estagraça, na qual estamos firmes ... " (BJ). Os três privilé­gios dos justificados - a paz, a graça e a glória - nãosão dados aos que continuam em Adão, mas somente aosque estão em Cristo.

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CAPITULO 2

A UNIÃO COM CRISTO (Rm 5:20.--:6:23)

Do estudo de Romanos 5 temos aprendido que o primeiroprivilégio do crente é a paz com Deus, paz que se experi­menta agora em uma relação de graça, e que nos leva àglória num mundo vindouro. Seu segundoprivilégio, tra­tado no capítulo 6, é a união com Cristo, condição e ca­minho da santidade.

O ensino principal do capítulo 6, e em especial dosvs. 1-11, é que a morte e a ressurreição de Jesus Cristonão somente são fatos históricos e doutrinas significati­vas, mas que também constituem uma experiência pes­soal do crente em Cristo. São acontecimentos de que nósmesmos chegamos a participar. Todos nós cristãos fomosunidos com Cristo em sua morte e ressurreição. Além dis­to, se é certo que morremos com Cristo e ressuscitamoscom ele, é inconcebível que continuemos vivendo empecado.

O capítulo 6 de Romanos contém trechos paralelos(vs. 1-14 e 15-23). Cada um deles desenvolve o mesmotema geral de que o pecado é inadmissível no cristão, po­rém o argumento varia levemente nas duas partes. A idéiacentral dos vs. 1-14 é nossa união com Cristo, e o temados vs. 15-23 é nossa sujeição a Deus. Como cristãos,nossa posição é a de estar unidos com Cristo e ser servosde Deus. Sobre este duplo fato descansa a motivação paraa santidade.

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;ROMANOS 5:20,..-6:14

I. UNIDOS COMCRI8TO (6: 1·14)

Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que-sejaa graça mais abundante? De modo nenhum. Como viveremosainda no pecado, nós os que para ele morremos? Ou, porven­fura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Je­sus, fomos batizados na sua morte? Fomos, -pois, sepultadoscom ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi res­suscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim tambémandemos nós em novidade de vida. Porque se fomos unidoscom ele na semelhança da sua morte, certamente o seremostambém na semelhança 'da sua ressurreição; sabendo isto, quefoi crucificado com elé o nosso velho homem, para que o cor­po do pecado'seja destruído, e não sirvamos o pecado como es­cravos; porquanto quem morreu, justificado está do pecado.Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com eleviveremos; sabedores que havendo Cristo ressuscitado dentreos mortos, já não morre: a morte já não tem domínio sobre ele.Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreupara o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assimtambém vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivospara Deus em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado emvosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões;nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecadocomo instrumentos de iniqüidade, mas oferecei-vos a Deus co­mo ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros a Deuscomo instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domi­nio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e, sim, da graça.

a. Uma objeção por parte dos críticosO capítulo começa com duas perguntas: Que diremos,pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graçamais abundante?

Para compreender o motivo destas perguntas, é ne­cessário olhar novamente os vs. 20 e 21 no final do capí­tulo anterior. Paulo comparou a obra de Adão e a obra de

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Cristo. Tão exato é oparalelo entre suas obras, que parecenão caber neste esquema um dos acontecimentos mais im­portantes do período entre Adão e Cristo, isto é, a promul­gação da lei por meio de Moisés. Por esta razão, Pauloapresenta no v. 20 a entrada da lei, tal como havia de­monstrado a entrada do pecado no v. 12, empregandoverbos parecidos.

Por que se promulgou a lei? "A Lei veio para aumen­tar o mal" (v. 20 BLH). Afirma-se que a lei fez abundaro pecado, porque o efeito dela foi expor o pecado e inclu­sive provocá-lo (veja a exposição de 7:7-12). O comen­tarista H. P. Liddon disse: "A condição da família hu­'mana teria que piorar antes de poder melhorar".

Mas quando o pecado aumentou, continua o após­tolo, "superabundou a graça". Deste modo Deus quis esta­belecer o reinado de sua graça. Parafraseando o ver­sículo 21: tal como nos dias do Antigo Testamento do­minava o pecado graças ao efeito da lei mosaica, trazendoa morte como conseqüência, assim Deus quer que nos diasdo Novo Testamento a graça domine, impondo-sepor meioda justiça de Cristo e trazendo como conseqüência a vidaeterna.

Diante deste quadro, Paulo agora pergunta: Que di­remos, pois? Permaneceremos no pecado, para que sejaa graça mais abundante? Sabemos que (5:20-21), nopassado, quanto mais pecado havia, mais graça resul­tava. Será verdade ainda hoje? Alguém poderia pen­sar: "Fui justificado gratuitamente pela graça de Deus. Sevolto a pecar, novamente serei perdoado, por esta mesmagraça. E quanto mais peco, maior oportunidade terá agraça para expressar-se e mostrar-se em perdão para mim.Por que, pois, não continuo pecando para que a graçaseja maior?"

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Aqui o apóstolo expressa úma das objeções feitaspor seus .. contemporâneos ao evangelho da justificação so­mente pela graça, somente mediante a fé. A crítica eraque a doutrina da "graça gratuita" conduz ao antinomia­nismo, isto é, à libertinagem e ao desconhecimento de todalei, que debilita o nosso senso de responsabilidade moral, enos estimula a pecar. Os críticos objetaram o evangelhocom estes argumentos nos dias de Paulo, e com freqüênciaa ignorância produz hoje o mesmo tipo de objeção.

Se a nossa aceitação diante de Deus depende unica­mente de sua graça gratuita, sem consideração de nossasobras, não é lógico pensar que podemos viver como que­remos? Se Deus "justifica o ímpio", como realmenteo faz, e com prazer (Rm 4:5), deixa de ter sentido serpiedoso. E assim a doutrina da justificação pela graçaparece premiar o pecado. E evidente que realmente faziamuso deste argumento alguns que o apóstolo Judas carac­teriza como "homens ímpios, que transformam em liber­tinagem a graça de nosso Deus, e negam o nosso únicoSoberano e Senhor, Jesus Cristo" (Jd 4).

A tudo isto Paulo responde indignado: "Permanece­remos no pecado, para que seja a graça mais abundante?De modo nenhum". Notemos que Paulo não nega a dou­trina que seus críticos estavam interpretando mal, porémopõe-se ao que sem base estavam deduzindo dela. Emnenhum caso Paulo contradisse, nem abandonou, nern se­quer modificou seu evangelho da salvação gratuita. Averdade é que a salvação é um dom gratuito e imerecido.O fato de ter havido contraposição aos ensinamentos dePaulo, e ele tendo se firmado no que ensinara, isso é a pro­va de que este é o seu evangelho.

Como, pois, contesta Paulo? A seguir, após essavigorosa negativa, ele enfrenta os seus críticos com ou­tra pergunta (v. 2): "Como viveremos ainda no pecado,

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nós os que para ele morremos?" Em outras palavras, estacrítica à justificação pela fé parte de um conceito basica­mente mal entendido da mesma doutrina e, em conse­qüência, do que significa ser cristão. A vida cristã começacom a morte ao pecado ("morremos", pretérito perfeito,v. 2), e em vista disto é um absurdo perguntar se podemoscontinuar vivendo em pecado. Já que morremos para o pe­cado, como viveremos em pecado? Com o tempo do verbono futuro, viveremos (v. 2), o apóstolo não nega a possi­bilidade do cristão pecar, mas enfatiza a incongruênciamoral de querer viver em pecado.

Isto implica em uma pergunta fundamental: como eem que sentido morremos para o pecado? Por certo, nãocontinuaremos vivendo no pecado se morremos para ele,porém, o que significa estar morto para o pecado? Como equando isto aconteceu? O apóstolo Paulo ocupa o restan­te do parágrafo para explicar isto, e o seguiremos passo apasso no desenvolvimento deste argumento majestoso.

b, A resposta de PauloPrimeiro passo: O batismo cristão é o batismo em Cristo.Isto é o que diz o v. 3: "Ou, porventura, ignorais que to­dos fomos batizados em Cristo Jesus ... " O fato de se per­guntar se o cristão está livre para pecar revela completafalta de compreensão do que significa ser cristão e do queé o batismo cristão. Um cristão não é somente um crentejustificado: é uma pessoa que foi unida com Cristo Jesusde uma maneira viva e pessoal. A mesma justificação, bementendida, não é uma mera declaração que afeta nosso es­tado legal sem influir sobre nossa vida. Somos justificados"em Cristo" (GI 2: 17), e não há possibilidade de ser justi­ficado por meio de Cristo sem estar unido com Cristo, jáque a justificação depende da união.

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o batismo é o símbolo desta união com Cristo, por­que simboliza que somos lavados do pecado e que recebe­mos o Espírito Santo; seu significado essencial é que nosunimos com Cristo. Repetidas vezes no Novo Testamentoa preposição que se emprega com o verbo "batizar" não éem (en), mas para (eis). Em seu mandamento final o Se­nhor ressuscitado disse que devemos batizar as pessoaspara (literalmente) "o nome do Pai, do Filho e do EspíritoSanto". No livro de Atos lemos que os crentes de Sama­ria e de Éfeso foram batizados "para o nome do SenhorJesus" (8:16; 19:5, tradução literal). Em Gálatas 3:27 lê­se acerca de que "todos os que fostes batizados para Cris­to" (literalmente), e aqui em Romanos 6:3 a preposição éexatamente a mesma: "batizados para Cristo Jesus".

De acordo com o Novo Testamento o batismo é umato realizado de forma visível. Indica não somente queDeus nos lava dos pecados e nos dá o Espírito Santo, comotambém por sua pura graça nos situa dentro de CristoJesus. Esta é a essência da vida cristã, demonstrada visivel­mente por meio do batismo. Com certeza, isto não implicade maneira nenhuma que o ritual externo do batismoassegure por si mesmo nossa união com Cristo. E inconce­bível que o apóstolo, depois de dedicar três capítulos àdoutrina da justificação somente pela fé, mude agora suatese, contradizendo-se ao fazer do batismo um meio desalvação. Não acusemos o apóstolo Paulo de ser tão in­conseqüente em seu modo de pensar. Quando ele escrevedizendo que somos "batizados para Cristo Jesus" querdizer que esta união com Cristo, efetuada invisivelmentepela fé, fica demonstrada e selada visivelmente no batis­mo. Contudo o seu primeiro argumento é que sercristão implica em uma identificação pessoal e viva comCristo, e esta união com ele se exterioriza de forma visí­vel em nosso batismo.

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Segundo passo: O batismo "para" Cristo é um batis­mo que nos relaciona com sua morte e ressurreição. " ...ignorais", diz Paulo (vs. 3-5), "que os que fomos batizadosem Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte? Fomos,pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que,como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glóriado Pai, assim também andemos nós em novidade de vida.Porque se fomos unidos com ele na semelhança da suamorte, certamente o seremos também na semelhança dasua ressurreição". Em resumo, o apóstolo diz que ser ba­tizado para Cristo é ser batizado em relação à sua mortee ressurreição. O uso do tempo futuro "seremos" (v. 5)somente indica o que sucede depois de nossa morte comCristo; aqui não se faz referência à ressurreição do corpo.

B provável que estes versículos se refiram ao simbo­lismo visível do batismo. Quando se batizava ao ar livreem algum rio, o candidato abaixava-se até a água - querfosse parcial ou totalmente submergido, não é assunto demaior importância - e sua imersão total ou parcial pare­cia um ato de sepultar e logo após ressuscitar. O batis­mo daria então uma expressão teatral à sua morte, sepulta­mento e ressurreição para a vida nova. Em outras pala­vras, disse C. J. Vaughan em seu comentário: "Nosso ba­tismo é parecido a um funeral". Neste caso segue-se aofuneral uma ressurreição.

Esta é a segunda etapa do argumento do apóstolo: ocristão foi unido com Cristo em sua morte e sua ressurrei­ção, interiormente pela fé, exteriormente pelo batismo. Binadequado pensar que estamos unidos com Cristo em umsentido vago e geral; devemos ser mais específicos. OCristo com quem fomos identificados e unidos não é outrosenão o Cristo que morreu e ressuscitou, de modo que aonos unirmos com Cristo de fato temos participado de ma-

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neira definitiva, queiramos ou não, de sua morte e de suaressurreição.

Terceiro passo: A morte de Cristo foi uma mortepara o pecado, e sua ressurreição foi uma ressurreiçãopara Deus. Esta parte é mais difícil de compreender. Nosvs. 6-11 Paulo escreve: "sabendo isto, que foi crucificadocom ele o nosso velho homem, para que o corpo do pe­cado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escra­vos; porquanto quem morreu, JUStificado está do pecado.Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também comele viveremos; sabedores que havendo Cristo ressuscitadodentre os mortos, já não morre: a morte já não tem domí­nio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez parasempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vivepara Deus. Assim também vós considerai-vos mortos parao pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus". Isto re­quer de nós uma consideração cuidadosa. O v. 10 explicaa maneira correta em que devemos compreender a mortee a ressurreição nas quais fomos unidos com Cristo: "Pois,quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreupara o pecado; II1;as quanto a viver, vive para Deus" (v.10). Agora, o que significa esta morte para o pecado, morteque Cristo sofreu (v. 10) e morte que por sua vez nósexperimentamos nele? (v. 2 "nós que morremos para opecado" (BJ); e v. 11 "considerai-vos mortos para o pe-cado"). .

1. A morte para o pecado: uma compreensão equi­vocada. Uma interpretação errônea, comum em nossosdias, nos obriga a começar demolindo O negativo antes depoder construir o positivo. Há um significado popular damorte para o pecado segundo Romanos 6 que não resiste aum exame cuidadoso, e ao mesmo tempo conduz ao auto­engano e à desilusão, inclusive ao desespero. Consiste no

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• t f" dei d f I Isegum e: com a morte isica eixam e uncionar os cincosentidos (tato, gosto, visão, olfato e audição). Perde-setoda a capacidade de percepção e de resposta a qualquerestímulo. Portanto, dizem os que apoiam esta interpreta­ção, morrer para o pecado é ficar insensível ante ele, demaneira que se fica tão indiferente ao pecado como umcadáver aos estímulos físicos.

Este conceito pode ser ilustrado da seguinte forma:uma das evidências de vida é a capacidade de corresponderaos estímulos. Você caminha pela rua e vê um cachorroou um gato deitado na calçada, porém ao olhá-lo nãosabe se está vivo ou morto. Mas você pode comprovar ime­diatamente empurrando-o com o pé; se estiver vivo, reagee sai correndo, mas se estiver morto, não haverá ne­nhuma reação - ele continua imóvel. Segundo este con­ceito popular, "morrer para o pecado" é chegar a ser indi­ferente a ele. Ficamos como mortos, e ao aproximar-se oestímulo da tentação, não o sentimos nem reagimos diantedele. Estamos mortos. Argumenta-se gue, segundo o v. 6,de algum modo místico nossa velha natureza foi 'cru­cificada. Cristo levou não somente nossa culpa, comotambém nossa "carne", nossa natureza caída. Ela foi cra­vada na cruz e morreu, sendo nossa tarefa atual considerá­la morta (v. 11), não importa quanta evidência haja emcontrário.

As seguintes citações expressam esta opinião: " ...aquele que está morto pode dizer-se livre do poder dopecado" (v. 7 CIN), considerando-nos imunes a ele. "Ummorto não pode pecar. E vocês estão mortos. . . Em rela­ção ao pecado são tão impassíveis, tão insensíveis e tãoinertes como é o Cristo, que já morreu para o pecado"(C. J. Vaughan). "Supõe-se que por haver morrido o cris­tão fica tão insensível ao pecado, como é insensível um

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morto ante qualquer dos objetos tangíveis do mundo"(H. P. Liddon).

Apesar de tudo isso, contudo, há objeções muitosérias, esmagadoras, a essa posição. Se considerarmos comcuidado, sabemos que Cristo não morreu para o pecadoneste sentido, nem é este o significado de nossa morte parao pecado.

11 de suma importância observar que se emprega trêsvezes neste parágrafo a idéia de morte para o pecado. Duasvezes refere-se aos cristãos (vs. 2, 11) e uma vez a Cristo(v. 10). Um princípio fundamental da interpretação bí­blica é que uma expressão mantém o mesmo sentido cadavez que é usada no mesmo contexto. Devemos, pois, e:.­contrar uma explicação desta morte para o pecado que .possa ser aplicada tanto a Cristo como ao cristão. Lemosque "ele morreu parao pecado", e que "nós também fomosmortos para o pecado", de modo que qualquer que sejaesta morte para o pecado deve ser estendida tanto aoSenhor Jesus como a nós.

Olhemos primeiro Cristo e sua morte. Como expli­car o v. 10 quando diz que "de uma vez para sempremorreu para o pecado"? Não pode significar que ele sefez indiferente para com o pecado, já que isto implicariaque antes ele não lhe era indiferente. Alguma vez o SenhorJesus Cristo esteve tão receptivo ao pecado, que necessi­tasse posteriormente morrer para ele? Mais ainda, respon­deria ao pecado de forma tão contínua que deveria morrerpara ele de uma vez por todas? De maneira nenhuma. Aidéia é intolerável.

Agora cabe perguntar: e nós, e nossa morte para opecado? Morremos para o pecado no sentido de que nossavelha natureza se fez insensível a ele? Não, de maneiranenhuma. Um segundo princípio fundamental de inter­pretação bíblica é que se deve explicar o texto dentro de

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seu contexto, a parte em relação ao todo, e o específicoà luz do geral. Podemos perguntar: qual é o ensinamentogeral do restante das Escrituras sobre a velha natureza?Será que a velha natureza ainda vive e permanece ativano crente regenerado? De fato, o contexto desta mesmapassagem ensina exatamente essa mesma verdade, e diz,por exemplo: "Não reine, portanto, o pecado em vossocorpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões;nem ofereçais cada um dos membros do seu corpo ao pe­cado ... " (vs. 12-13). f: evidente que estes mandamentosestariam demais aí, se na realidade houvéssemos morridopara o pecado de tal modo que agora fôssemos insensíveisa ele. O restante da epístola aos Romanos confirma isto.No começo do capítulo 8 o apóstolo Paulo exorta a nãopensarmos nas coisas da carne nem a viver segundo suasexigências. Em 13:14 Paulo diz que não devemos atendera carne a fim de dar satisfação a seus desejos. Estas ad­moestações seriam totalmente ilógicas se a carne estivessemorta e não tivesse nenhum desejo. Há quem diga não es­tar morto nem insensível às atrações do mundo, e afirmeno entanto ter um "caráter santificado" do qual a inclina­ção para o pecado foi retirada. Os versículos que temosvisto devem fazê-lo ver este erro, porque as instruções denão satisfazer nem ceder diante dos desejos da carne com­provam que nossas tentações ainda vêm do nosso interior,e não somente do exterior, isto é, surgem da carne e nãosomente do mundo e do diabo.

A experiência cristã demonstra que esta não é ainterpretação correta. Cabe observar que o apóstolo nãose refere a uns poucos cristãos excepcionalmente san­tos que tenham passado por alguma experiência especial,mas descreve todos os cristãos que tenham crido e te­nham sido batizados em Cristo: "Nós que morremos parao pecado, como haveríamos de viver ainda nele? Ou hão

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sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus,é na sua morte que fomos batizados?" (BJ, vs. 2-3).

Podemos ver então que esta morte para o pecado,seja o que for, é comum a todo cristão. E possível afirmarque todos os crentes batizados estão mortos para o pecadono sentido de serem insensíveis interiormente a ele? Acasose encontram já indiferentes ao pecado, ou está o pecadoquieto neles de modo que o possam experimentar assim?Não, acontece tudo ao contrário, porque as biografias bí­blicas históricas e nossa própria experiência se combi­nam para desmentir estas idéias. Longe de estar mortae quieta, nossa natureza caída e corrompida está viva echeia de atividade; tanto assim que somos exortados anão obedecer a seus desejos, e ainda mais, nos é dado oEspírito Santo precisamente com a finalidade de dominá­la e controlá-la. Que sentido teria isto se a carne já esti­vesse morta?

A tudo que já foi dito quero acrescentar mais algumacoisa. Um dos sérios perigos desta idéia popular - doqual dou testemunho pessoal, porque assim me ensinarame a aceitei por certo tempo - é que quando uma pessoatenta considerar-se morta neste sentido (ainda sabendomuito bem que não está), fica torturada por sua interpre­tação das Escrituras, por um lado, e por sua própria ex­periência de outro. Em conseqüência, alguns começam aduvidar da Palavra de Deus, enquanto que outros, no afãde sustentar sua própria interpretação, chegam até ao auto-engano quanto a sua própria experiência pessoal. ,

Permita-me resumir as objeções a esta idéia popular:Cristo não morreu para o pecado (no sentido de chegar aser insensível a ele) porque nunca viveu no pecado parater que morrer para ele. Tampouco nós morremos para opecado neste sentido porque estamos vivos para ele. Inc1u-

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• I d d "f 1\1" dsive nos e or ena o aze- o morrer ,e como se po e ma-tar o que já foi morto? Ao dizer tudo isto, minha intençãonão é a de atacar as idéias preferidas de cristão algum,nem ferir sensibilidades, mas permitir uma nova dimensãoda vida cristã e abrir o caminho para uma nova liberdade.

2. A morte para o pecado: a correta interpretaçãode Paulo. Qual é então o sentido desta "morte para o pe­cado", pela qual sofreu Cristo e também nós nele? Comopodemos interpretar a expressão, de modo que seja ver-

dade tanto a Cristo como aos cristãos, a todos os cristãossem exceção? A resposta não é difícil.

Este conceito errôneo ilustra o grande perigo debasear um argumento em uma analogia. Em toda analogia(na qual se compara uma pessoa aum objeto) é ne­cessário averiguar a qual aspecto se refere o paralelo oua semelhança evitando forçar a semelhança nos demais as­pectos. Por exemplo, Jesus disse que devemos chegar aser como meninos; com isto ele não quis dizer que de­vemos manifestar todas as características da infância, in­clusive a ignorância, os caprichos, a porfia e o pecado,porém somente uma: a dependência humilde. Da mesmamaneira, estar morto para o pecado não quer dizer quetodas as características de um morto sejam necessaria­mente próprias do cristão, inclusive a insensibilidade aosestímulos. Melhor é perguntar: Em que sentido há umaanalogia? Que significa a morte neste contexto?

Se respondermos a estas perguntas pelas Escrituras enão com a força da analogia, consultando o ensinamentobíblico acerca da morte e não as propriedades dos mortos,não haverá lugar para equívocos. Nas Escrituras não seaborda a morte em termos físicos, mas em termos moraise legais; não como o estado imóvel de um cadáver, mascomo a sanção severa porém justa do pecado. Sempre

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que se relacionam o pecado e a morte na Bíblia, a li­gação essencial entre eles é que a morte éa pena parao pecado. Isto está em toda a Bíblia desde o segundo capí­tulo de Gênesis, onde lemos que Deus disse: "No dia emque dele comeres (e portanto pecares)... certamentemorrerás", até os últimos capítulos do Apocalipse, nosquais se revela o terrível destino dos pecadores sob onome de "a segunda morte". A conexão que há nas Escri­turas entre pecado e morte é a mesma de uma ofensa e suajusta recompensa. Outros exemplos disto se encontram naepístola aos Romanos; em 1:32 se fala do decreto de Deuspelo qual aqueles que pecam são "dignos de morte" (BJ);e em 6:23 lemos: "o salário do pecado é a morte". Esta é,portanto, a maneira que se deve entender a linguagemacerca da morte, e é este o sentido que tem a morte tantoem relação a Cristo como em relação aos cristãos.

O versículo 10 do capítulo 6 diz: "Pois, quanto a termorrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado".O que significa isto? Uma só coisa: que Cristo morreupara o pecado quanto sofreu o castigo do pecado. Elemorreu por nossos pecados, carregando-os em sua própriapessoa inocente e santa. Carregou nossos pecados e suajusta recompensa. A morte de Jesus foi o pagamento pelopecado, nosso pecado: cumpriu a sentença, pagou a penae aceitou a conseqüência. Tudo isto o fez de uma só veze para sempre, e portanto o pecado já não tem direitoalgum sobre Cristo. E ele ressuscitou dos mortos para de­monstrar sua perfeita ação como portador de nossos pe­cados, e agora vive para sempre com Deus.

Se é neste sentido' que Cristo morreu para o pe­cado, nós também, unidos a Cristo, fomos mortos para opecado neste mesmo sentido. Isto é, morremos para opecado porque em Cristo sofremos o castigo pelo pecado.

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E a conseqüência é que nossa velha vida terminou, e come­çou uma nova vida.

Poder-se-ia pensar que é incorreto dizer que nós le­vamos a pena de nossos pecados em Cristo, já que nãopodemos morrer para livrar-nos da conseqüência de nossospróprios pecados; somente Cristo o fez. Inclusive se temsugerido que esta seria uma forma sutil de justifica­ção pelas obras, porém isto não é verdade. Naturalmenteo sacrifício de Cristo ao carregar nossos pecados foiúnico, e é impossível que compartilhemos com ele estacarga, mas é verdade que compartilhamos os benefíciosde seu ato por estarmos, em Cristo. A expressão neotes­tamentária desta verdade não somente diz que Cristomorreu por nós como também diz que nós morremos nele.Por exemplo, Paulo argumenta: "Um morreu por todos,logo todos morreram", isto é, nele (2 Co 5: 14).

Voltemos agora ao versículo 6, que fala de nossamorte indicando três vantagens entrelaçadas por ser a ter­ceira fruto da segunda e esta fruto da primeira. Queroapresentá-las da seguinte forma: 1) sabemos que nossovelho homem foi crucificado juntamente com ele; 2) paraque o corpo do pecado seja destruído; 3) a fim de que deagora em diante já não sirvamos mais ao pecado.

A etapa final está clara: a fim de que não sirvamosmais ao pecado. Sem dúvida é isto o que almejamos: liber­tar-nos da escravidão e da tirania do pecado. Já que istoestá mencionado no final do v. 6, é necessário examinarantes as duas etapas prévias que 'conduzem a esta liberta­ção. A primeira etapa se chama a crucificação do velhohomem; e a segunda, dependente da primeira, é a destrui­ção do corpo do pecado. Além disto, nos é dito que "foicrucificado com ele o nosso velho homem para que ocorpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecadocomo escravos".

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Analisemos estas três afirmações, começando peladestruição do corpo do pecado. Este "corpo do pecado"não é o corpo humano, que em si mesmo não é pecamino­so; a referência é à natureza pecaminosa que se expressapor meio do corpo (veja v. 12), isto" é, a nosso eu pecami­noso. Agora, segundo este versículo, o propósito de Deusé que este eu pecaminoso seja "destruído", para que jánão sirvamos mais ao pecado. O verbo grego "destruir",katargethe, é empregado também em Hebreus 2: 14 comreferência ao diabo; sua interpretação não é "desapare­cer", mas sim ser vencido; não é ser aniquilado, mas simser despojado de poder. Nem o diabo, nem nossa naturezasão aniquilados, porém a vontade de Deus é que o domí­nio de ambos seja destruído. De fato, o poderio de nossanatureza antiga foi derrubado em virtude de algo que su­cedeu na cruz, ao qual se refere a primeira frase do v. 6:a crucificação do nosso velho homem, de nosso "an­tigo eu".

O que é este "velho homem"? Não pode ser a velhanatureza. Como poderia ser, se "o corpo do pecado" sig­nifica a velha natureza? As duas expressões não podemter o mesmo significado: o versículo ficaria sem sentido.Não. A expressão "velho homem" não corresponde à nossavelha natureza não regenerada, mas à vida anterior nãoregenerada, o que éramos antes; não meu eu inferior, masmeu eu anterior. Pois bem, o que foi crucificado com Cris­to não foi uma parte do meu ser chamada velha natureza,mas tudo o que eu era antes de ser regenerado. Meu "velhohomem" é minha vida antes da minha conversão, meu eunão regenerado. Isto fica claro porque neste capítulo afrase "nosso velho homem foi crucificado" (v. 6 BLH) éequivalente à frase "morremos para o pecado" (v. 2 BLH).

Uma das causas de confusão ao interpretar este ver­sículo é o modo paulino de usar o termo "crucííícado".

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Muitas pessoas o associam com Gálatas 5:24, onde dizque "os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, comsuas paixões e concupiscências". A similaridade da termi­nologia nestes dois versículos naturalmente sugere que emRomanos 6:6 se está aludindo à crucificação de nossa"carne" ou velha natureza. Porém os dois versículos sãobem diferentes: em Romanos 6:6 Paulo se refere a algoque nos sucedeu ("nosso velho homem foi crucificado comele"), enquanto que em Gálatas 5:24 se refere a algo quenós mesmos temos feito ("temos crucificado a carne").Com efeito, no Novo Testamento encontramos duas for­mas distintas de expressar a morte espiritual do cristãoem relação a santidade. Em primeiro lugar está a mortepara o pecado, e em segundo lugar, a morte do eu. Nossamorte para o pecado se realiza pela identificação comCristo; nossa morte para o eu pela imitação de Cristo.Primeiro, fomos crucificados com Cristo; porém nãosomente crucificamos (isto é, repudiamos) resolutamen­te a carne com suas paixões e desejos, como tambémtomamos nossa cruz diariamente e seguimos a Cristo atéa crucificação (Lc 9:23). A primeira é uma morte legal,relativa à penalidade pelo pecado; a segunda é umamorte moral, relativa ao poder do pecado. A primeira cor­responde ao passado, é única e sem repetição: eu morripara o pecado uma só vez em Cristo. A segunda pertenceao presente, é contínua e repetitiva: morro para o eu dia­riamente, como Cristo. Romanos capítulo 6 é dedicado àprimeira destas duas mortes, isto é, à que corresponde aopassado.

Agora estamos em condições de ver as três fases doversículo 6 em sua ordem correta: primeiro, nosso antigoeu foi crucificado com Cristo, isto é, nós fomos crucifica­dos com Cristo. Identificamo-nos com ele por meio da fée do batismo, e assim participamos de sua morte para opecado. Fomos crucificados com Cristo desta maneira, em

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segundo lugar, para que nossa velha natureza fosse despo­jada de seu poder, e isto se fez para que, em terceiro lugar,não permanecêssemos já escravizados pelo pecado.

Agora enfrentamos a seguinte pergunta: como podeesta crucificação com Cristo proporcionar uma superaçãoda velha natureza, e então uma libertação da escravidãodo pecado? O v. 7 tem a resposta: "Quem morreu, justi­ficado está do pecado". Este vocábulo "justificado" ocorrequinze vezes em Romanos e vinte e cinco vezes no NovoTestamento, sempre.com o mesmo sentido.

A única maneira de ser justificado do pecado é re­ceber a paga pelo pecado; a única escapatória é cumprirsua sentença. Encontramos uma ilustração na administra­ção da justiça civil: como pode ser justificado um ho­mem acusado de um crime e cuja sentença é um períodode encarceramento? Existe uma só maneira: ir ao cárcere

.. e pagar a penalidade de seu crime. Uma vez que tenhacumprido sua condenação no presídio, pode abandonar ocárcere justificado. Já não precisa andar com medo da po­lícia, da lei nem dos juízes. A 'lei já não tem nada contraele porque ele pagou a penalidade de sua infração. Haven­do cumprido sua condenação está justificado de seu pe­cado.

O mesmo princípio é válido se a penalidade é a mor­te. Não h~ escapatória nem justificação sem cumprir acondenação. Neste caso pode-se responder que pagar apenalidade não é escapatória alguma, o que seria corretose somente falássemos da pena capital na terra. Uma vezque um homicida seja morto (onde se pratica a penacapital) está acabada sua vida na terra. Não podevoltar a viver justificado como aquele homem quecumpriu sua pena em presídio. Porém o que é maravilho­so na justificação cristã é que à nossa morte segue-se umaressurreição que nos permite viver a vida de quem foi

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justificado, tendo pago (em Cristo) a pena de morte pornosso pecado.

Aqui está, pois, nossa experiência: merecíamos amorte por nosso pecado; por meio da união com CristoJesus morremos, não em nossa própria pessoa, já que estamerecia a morte eterna, mas na pessoa de Cristo nossosubstituto, com quem fomos unidos pela fé e pelo batis­mo. Do mesmo modo, estamos unidos com Cristo, ressus­citamos para a vida de um pecador justificado, uma vidatotalmente nova. A vida antiga está terminada; morremospara ela. Foi eliminada a penalidade; nos levantamosdesta morte justificados. A lei não nos pode tocar porquefoi cumprida a sentença do pecado. Levando isto em contapodemos passar aos versículos 7-11: "porquanto quemmorreu, justificado está do pecado. Ora, se já morremoscom Cristo, cremos que também com ele viveremos; sa­bedores que havendo Cristo ressuscitado dentre os mor­tos, já não morre: a morte já não tem domínio sobre ele.Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre mor­reu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus.Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado,mas vivos para Deus em Cristo Jesus". Permita-me expres­sar isto de modo mais informal: suponhamos que um talPedro Gonçalves seja um ancião crente olhando paratrás, para sua vida passada. Sua trajetória se divide emduas partes em função de sua conversão, o antigo eu ­Pedro Gonçalves antes da conversão, e o novo eu - Pe­dro Gonçalves depois da sua conversão. O antigo e onovo eu (o "velho homem" e o "novo homem") não sãoas duas naturezas de Pedro Gonçalves; são as duas me­tades de sua vida, separadas pelo novo nascimento. Si­multaneamente com a conversão, simbolizada pelo batis­mo, Pedro Gonçalves, o antigo eu, morreu por meio daunião com Cristo que carregou a penalidade de seu peca-

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do. Ao mesmo tempo Pedro Gonçalves ressuscitou comoum homem novo que começou a viver uma nova vidapara Deus,

Pois bem, Pedro Gonçalves representa cada cren­te. Somos o novo homem se estamos em Cristo. Quandofomos crucificados com Cristo, morreu nosso antigo eu.Pela fé e pelo batismo fomos unidos com Cristo em suamorte. Tornou-se nossa a morte que ele morreu pelopecado. Seus benefícios foram transferidos a nós. Assim,havendo morrido para o pecado com Cristo, fomos justifi­cados de nosso pecado (v. 7), e havendo ressuscitado comCristo vivemos, justificados', para Deus (vs. 8-9). Nossavida antiga terminou com a morte merecida; nossa vidanova começou com uma ressurreição. Cristo morreu parao pecado de uma vez por todas e vive para Deus para sem­pre (v. 10). Deste modo nós, os que estamos unidos comCristo, devemos considerar, isto é, compreender, que nóstambém morremos para o pecado e vivemos para Deus.Com isto chegamos ao quarto passo.

Quarto passo: Morremos para o pecado e vivemospara Deus: devemos considerá-lo como um fato. Se amorte de Cristo foi uma morte para o pecado (e o foi), esua ressurreição foi uma ressurreição para Deus (e o foi),e se fomos unidos com Cristo em sua morte e ressurreição(o que é certo), então nós mesmos fomos mortos para opecado e fomos ressuscitados para Deus. Tudo isso deve­mos reconhecer como um fato. Versículo 11: "Assim tam­bém vós considerai-vos mort6s para o pecado, mas vivospara Deus em Cristo Jesus" (isto é, por meio da uniãocom ele).

Aqui é necessário esclarecer o sentido em que deve­mos considerar como um fato todas estas coisas. Não oconfundamos com a fantasia, nem forcemos a nossafé para crer em algo que não se pode acreditar. Não se

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pode fingir que nossa natureza foi morta quando sabemosmuito bem que não é este o caso. Ao contrário, devemoscompreender que nosso antigo eu - nosso eu anterior -­efetivamente morreu, pagando desta maneira a conseqüên­cia de seus pecados e concluindo sua carreira. Sobre estabase Paulo disse "considerai" ou "leve em conta" o quevocês são na realidade: mortos para o pecado e vivos paraDeus. Uma vez que nos damos conta de que nossa vidaantiga terminou - está eliminada a controvérsia, paga adívida, satisfeita a lei -.- não queremos ter mais nada aver com ela.

O próximo exemplo pode ser ilustrativo: nossa bio­grafia está escrita em dois volumes. O primeiro volumeconta minha vida antes da minha conversão, do velho ho­mem, do antigo homem. O segundo volume conta a vidado novo homem, do novo eu, desde que fui feito uma novacriatura em Cristo. O primeiro volume de minha biogra­fia finaliza com a morte judicial do antigo eu: eu era pe­cador, merecia morrer, morri. Recebi o que merecia napessoa de meu substituto com quem fui unido. O segun­do volume de minha biografia inicia-se com a minha res­surreição; havendo minha vida antiga terminado, come­çou uma nova vida para Deus.

Somos chamados simplesmente a considerar istocomo um fato, não a simular mas a compreender. E umfato e devemos lançar mão dele. Devemos deixar que nos­sas mentes se impregnem destas verdades; temos que me­ditar nelas até fazê-las nossas. Devemos dizer vez apósvez a nós mesmo.s: "O primeiro volume está concluído,você vive agora o segundo. E inconcebível que volte aabrir o primeiro volume. Não é impossível, porém é in­concebível."

Poderá uma mulher casada viver como se fosse sol­teira? Devemos admitir que pode, já que não é impossí-

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vel. Mas é importante que ela toque .sua aliança nodedo anular da mão esquerda, -que se lembre que é eque viva de acordo com isso. :E. possível que um cristãonascido de novo viva como se estivesse .em seus pecados?Supõe-se que pode, já que não é impossível. Entretantoque se lembre de seu batismo, o símbolo de sua identifica­ção com Cristo em sua morte e ressurreição, que viva deacordo com isso.

Precisamos repetir continuamente quem e como so­mos. Quanto Satanás sussurra ao novo ouvido: "Ande,vá em frente. Pode pecar. Deus vai lhe perdoar", e somostentados a abusar da graça de Deus, devemos respon­der-lhe, conforme as palavras do v. 2: "De modo ne­nhum Satanás. Eu morri para o pecado, como possoviver nele? O primeiro volume acabou. Estou no segun­do". Em outras palavras, o apóstolo não afirma a impos­sibilidade, mas a absoluta incongruência do pecado parao cristão. Ele faz esta pergunta descabível, indignado:como podemos, nós que morremos para o pecado, con­tinuar vivendo nele? Morrer para o pecado e continuar vi­vendo nele são" duas coisas que logicamente não se podeconciliar.

Deduz-se de tudo isso que o segredo de uma vidasanta está na mente. Está no saber (v. 6) que o batismoem Cristo é o batismo em sua morte e ressurreição. Estáno ato de compreender intelectualmente (v. 11) que emCristo morremos para o pecado e vivemos para Deus. Te­mos de saber estas coisas, meditar nelas, dar-nos conta deque são verdadeiras. Nossas mentes devem compenetrar­se de tal modo no fato e no significado de nossa morte eressurreição com Cristo que seja inimaginável voltar àvida antiga. Um cristão nascido de novo não deve pensarem voltar à vida antiga como um adulto a voltar à infân-

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cia, um homem casado ao celibato, e um preso libertadoà sua cela.

Por meio da união com Jesus Cristo nossa situaçãomudou inteiramente. Nossa fé e nosso batismo nosdesvincularam da vida antiga, separando-nos dela de ma­neira irrevogável e criando forte compromisso com a novavida. Como uma porta entre duas salas, nosso batismo secoloca entre nós e a vida antiga, encerrando esta e abrindopara outra. Fomos mortos e ressuscitados. Como podemosvoltar a viver em um estado no qual já morremos?

Quinto passo: Havendo passado da morte para avida, não devemos deixar que o pecado reine em nós, masentreguemo-nos a Deus. Nos vs. 12-14 se justapõem o ne­gativo e o positivo; primeiro o negativo: "Não reine, por­tanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira queobedeçais às suas paixões" (v. 12), não permitais queo pecado seja seu rei. "Nem ofereçais (continuadamen­te) cada um os membros do seu corpo ao pecado comoinstrumentos de iniqüidade" (v. 13a). Isto é, não permi­tam que o pecado os utilize e a seus membros, para promo­ver seus propósitos iníquos. Não permitam que o pecadoseja rei nem senhor de suas vidas. A seguir o positivo:"Pelo contrário, oferecei-vos a Deus como vivos provin­dos dos mortos ... " (v. 13b-BJ). Porque isto é o quevocês são. Morreram para o pecado, sofrendo sua conse­qüência. Ressuscitaram e agora estão vivos e não mais mor­tos. Agora "oferecei-vos a Deus como ressurretos dentreos mortos, e os vossos membros a Deus como instrumen­tos de justiça". Em outras palavras, não permitam que opecado seja seu rei, sejam governados por Deus como rei.Não permitam que o pecado seja seu senhor para utili­zá-los a seu serviço; coloquem-se a serviço de Deus comoSenhor.

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ROMANOS 6: 15-23

Qual é a base desta exortação? Qual é a razão fun­damental para nos entregarmos a Deus e não ao pecado?A resposta é: estamos vivos, não mais mortos! Morremospara o pecado e ressuscitamos para Deus, de modo quenão podemos nos entregar ao pecado, temos de nos en­tregar a Deus. Não é irresistível a.lógica desta seqüência?Porque estamos vivos e não mais mortos, o pecado não se­rá nosso senhor, nem tampouco tem direito algum a sê-lo..já que agora não estamos "debaixo da lei, e, sim, da graça"(v. 14). Em sua graça, Deus nos justificou em Cristo,que pagou a penalidade do pecado e cumpriu com asexigências da lei. Portanto, nem o pecado nem a lei têm,direito sobre nós. Fomos resgatados de sua tirania e mu­damos de dono. A nossa situação é totalmente nova. Já nãosomos mais presos da lei, mas filhos de Deus e protegidospela sua graça, por causa de nossa união com Jesus Cristo.

O fato de saber que estamos debaixo da graça, e nãodebaixo da lei, não nos estimula a continuar no pecadopara que a graça abunde, mas nos ajuda a cortar todos osnossos laços com o mundo, com a carne e com o diabo.Pela graça já abrimos um novo volume de nossa biografia.Não podemos voltar ao primeiro que já terminou! Pelagraça estamos vivos e não mais mortos; não podemos vol­tar à vida antiga para a qual morremos!

11. SERVOS DE DEUS (6: 15·23)

E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei,e, sim, da graça? De modo nenhum. Não sabeis que daquelea quem vos ofereceis como servos para obediência, desse mes­mo a quem obedeceis sois servos, seja do pecado para a mor­te, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus por­que, outrora escravos do pecado, contudo viestes a obedecerde coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e, uma

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vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. Falocomo homem, por causa da fraqueza da vossa carne. Assimcomo oferecestes os vossos membros para a escravidão da im­pureza, e da maldade para a maldade, assim oferecei agora osvossos membros para servirem a justiça para a santificação.Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos emrelação à justiça. Naquele tempo que resultados colhestes? So­mente as cousas de que agora vos envergonhais; porque o fimdelas é a morte. Agora, porém, libertados do pecado, trans­formados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a san­tificação, e por fim a vida eterna, porque o salário do pecadoé a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna emCristo lesus nosso Senhor".

Esta segunda metade do capítulo apresenta muito menosdificuldade que a primeira. Não se trata de nossa uniãocom Cristo, mas de nossa servidão a Deus.

O início é exatamente da mesma forma que os pri­meiros versículos do capítulo. Primeiro uma pergunta: "Edaí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo dalei, e, sim, da graça?" (v: 15). ~ a mesma pergunta dov. 1: "Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado,para que seja a graça mais abundante?" A esta perguntase dá a mesma resposta nos vs. 2 e 15, isto é, uma enfáti­ca negativa: "De modo nenhum." Segue-se outra perguntaque explica a negativa, iniciando com a frase: "não sabeisque todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, é nasua morte que fomos batizados?" (v. 3 BLH). E o v. 16:"Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis como servospara obediência, desse mesmo a quem obedeceis soisservos ... ?"

~ importante que entendamos claramente o paralelopara compreender o que é que Paulo quer nos comunicar.Pelos versículos 1-14 sabemos que mediante a fé e o ba­tismo somos unidos com Cristo, e portanto mortos para o

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ROMANOS 6: 15-23

pecado e vivos para Deus. Pelos vs. 15·23 sabemos quemediante a entrega de nós mesmos somos servos de Deuse portanto obrigados à obediência. Isto é o que diz o co­meço do v. 16: uma vez escolhido o seu senhor, não lheresta outro remédio senão obedecê-lo. Este é um princípioinvariável, quer se entregue ao pecado para chegar à mor­te, quer se entregue a obediência para chegar à justiça eà aceitação diante de Deus. Nos versículos seguintes sãopostas em contraste estas duas servidões, a do pecado e ade Deus. O contraste dessas servidões é visto desde o seuprincípio, no seu desenvolvimento e até o seu término.

o contraste entre as duas servidões (vs. 17·22)

1. Seu princípio (vs. 17-18). "Vocês, que antes eramescravos do pecado" (BLH). O tempo do verbo é im­perfeito, o qual sugere que isto é o que somos por natu­reza, ou que temos sido sempre, "contudo viestes a obede­cer (aspecto perfeito) decoração à forma de doutrina aque fostes entregues", isto é, ao evangelho. Quando lhesfoi entregue o evangelho, eles se entregaram ao evangelhoe o obedeceram de coração. "Graças a Deus", exclamaPaulo, porque a resposta deles ao evangelho se deve àgraça divina. Nossa escravidão ao pecado começou nonosso nascimento, sendo nossa condição natural, porémnossa servidão a Deus começou quando por sua graçaobedecemos ao evangelho.

2. Seu desenvolvimento (v. 19). "Falo como ho­mem, por causa da fraqueza da vossa carne. Assim comooferecestes os vossos membros para a escravidão da impu­reza, e da maldade para a maldade, assim oferecei agoraos vossos membros para servirem a justiça para santifica­ção". Estas palavras ensinam que a conseqüência da es­cravidão do pecado é um triste processo.de deterioração

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A UNIÃO COM CRISTO

moral, enquanto que a servidão a Deus conduz a um glo­rioso processo de santificação moral. Cada tipo de servi­dão tem um desenvolvimento inevitável. No primeiro,vamos de bem para melhor, no outro vamos de mal apior.

3. Seu término (vs. 20-22). "Quando éreis escravosdo pecado. .. que fruto colhestes então daquelas coisasde que agora nos envergonhais?" (BJ). Não pode havernenhuma resposta positiva a esta pergunta porque "o fimdelas é a morte". A seguir Paulo continua: "Mas ago­ra ... postos a serviço de Deus, tendes vosso fruto para asantificação e, como desfecho, a vida eterna" (BJ). Emseguida, o v. 23 resume tudo: o pecado nos dá o paga­mento merecido, isto é, a morte; pelo contrário, Deus nosoutorga a dádiva que não merecemos, a vida eterna.

Aqui se apresentam duas vidas totalmente distantese mutuamente opostas: a vida do antigo eu e a vida donovo eu. São os dois caminhos mencionados por Jesus, olargo que leva à destruição e o estreito que leva à vida.Paulo fala em termos de servidão: por nascimento somosescravos do pecado; pela graça e pela fé chegamos a serservos de Deus. A escravidão do pecado traz como únicofruto uma constante deterioração moral e ao final a morte;a servidão a Deus rende o valiosíssimo fruto da santifica­ção e ao final a vida eterna. Em resumo, o argumentodeste parágrafo é que nossa conversão - o ato de entre­ga a Deus - leva à condição de servo e toda servidão im­plica em obediência.

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ROMANOS 6: 15-23

Conclusão

"Permaneeeremos no pecado?" Esta é a pergunta que en­cabeça as duas partes deste capítulo; ela foi formuladapelos opositores de Paulo com a intenção de fazer desacre­ditada sua mensagem, e continua sendo formulada até hojepelos inimigos do evangelho. Com freqüência. o maiorinimigo do evangelho, Satanás mesmo, sussurra a mesmapergunta em nossos ouvidos, procurando seduzir-nos paraque caiamos em pecado. Tal como perguntou a Eva nojardim: "E assim que Deus disse... ?", assim insinua emnossos ouvidos: "Por que não continuar pecando? Aindamais agora que você está debaixo da graça, Deus vai lheperdoar".

Quando acontecer isto, como vamos contestar aodiabo? Devemos começar com uma negativa indignada eforte: "De modo nenhum!" Porém logo devemos ir maisalém e fundamentar esta negativa com uma razão. Porqueexiste uma razão sólida, lógica e irrefutável pela qual de­vem ser repudiadas as insinuações sutis do diabo. E isto éde suma importância, porque assim integramos à nossaexperiência de cada dia esta grandiosa teologia.

Qual é, pois, a razão que devemos apresentar ao revi­dar as tentações do diabo? A base está no que somos,isto é, que estamos unidos com Cristo (vs. 1-14) e somosservos de Deus (vs. 15-23). Fomos unidos com Cristo,pelo menos de maneira externa e visível, por meio do ba­tismo. Fizemo-nos servos de Deus por meio da entregade nós mesmos mediante a fé. Dê-se mais ênfase ao batis­mo externo ou à fé interior, a conclusão é a mesma: é quenossa conversão cristã trouxe esta conseqüência, a de nosunirmos com Cristo e sermos servos de Deus. Isto é o quecada um de nós é: um com Cristo e servo de Deus.

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A UNIÃO COM CRISTO

Além disso, o que somos tem as seguintes e inevitá­veis implicações: como estamos unidos com Cristo, entãocom ele morremos para o pecado e vivemos para Deus.Sendo escravos de Deus somos entregues à obediência. Éinconcebível que continuemos voluntariamente no peca­do, abusando da graça de Deus. Só pensar isto é insupor­tável.

É necessário que lembremos constantemente estasverdades, falando para nós mesmos sobre elas, e pergun­tando-nos: Você não sabe? Não sabe que está unido comCristo, que está morto para o pecado e ressuscitou paraDeus? Você não sabe que é servo de Deus e portanto obri­gado a obedecê-lo? Não se dá conta disso? E devemoscontinuar fazendo-nos estas perguntas até que as respon­damos: sim, eu sei com segurança, e pela graça de Deusviverei de acordo com estas verdades.

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CAPITULO 3

A LmERTAçÃO DA LEI (Rm 7:1-8:4)

Introdução

O terceiro grande privilégio do crente, exposto em Roma­nos 7, é a libertação da lei.

Porém alguém pode questionar: é possível que seconsidere como um privilégio cristão a libertação da lei?Acaso a lei não era .de Deus, e uma das riquezas maisapreciadas dos judeus? Em Romanos 9:4 "a promulgaçãoda lei" se inclui entre os favores especiais concedidos aIsrael. Falar da lei com desprezo, ou regozijar-se por serliberto dela como privilégio cristão pareceriam blasfêmiaaos ouvidos judaicos. Os fariseus se indignaram contraJesus porque o consideravam transgressor da lei, e a mul­tidão judia ajuntada no recinto do templo quase conse­guiu matar Paulo porque estava convencida de que ele"ensinava todos a ser contra o povo, contra a lei e contraeste lugar" (At 21:28).

Qual foi, pois, a atitude de Paulo diante da lei? Duasvezes ele afirmou em Romanos 6 que os cristãos não estão"debaixo da lei, e, sim, da graça" (vs. 14-15). Semelhanteafirmação deveria parecer revolucionária a seus leitores.Que queria dizer com isto? Que a santa lei de Deus já ha­via sido revogada? Que os cristãos poderiam desconhecê­la sem culpabilidade? Ou a lei teria algum lugar perma­nente na vida cristã?

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A LIBERTAÇÃO DA LEI

Tais perguntas eram comuns nos dias do apóstolo,e até hoje são importantes. porque a lei de Moisés foie continua sendo a lei de Deus. Se refletirmos sobre anossa fé, necessitamos saber qual é o lugar que hoje deveocupar a lei de Deus em nossa vida cristã. Além disso,esta questão ressurge em nossos dias no debate sobre aNova Moralidade. O Novo Moralista é o antinomiano

.do século XX, o homem que se opõe à lei. Ele declaraque a categoria da lei foi abolida completamente navida cristã, que o cristão não tem relação alguma com alei, nem a lei com o cristão. Deste modo concluímosque o complicado raciocínio desenvolvido pelo apóstoloem Romanos 7 continua pertinente em nossa situação con­temporânea.

Atitudes diante da leiComo introdução podemos abrir caminho por este difícilcapítulo pensando nas três possíveis atitudes diante dalei: a que representa em primeiro lugar o legalista, emsegundo lugar o libertino ou antinomiano, e em terceiro ocristão que guarda a lei.

1. O legalista é um homem escravizado pela lei,crendo que da obediência a ela depende sua relaçãocom Deus. Enquanto procura ser justificado pelas obrasda lei, encontra nela um capataz duro e inflexível.Está "debaixo da lei", no dizer de Paulo.

2. O antinomiano (às vezes sinônimo de "libertino")vai ao outro extremo. Rejeita totalmente a lei, culpan­do-a inclusive da maioria dos problemas morais e espiri­tuais do homem.

3. O crente que guarda a lei preserva o equilíbrio.Reconhece a debilidade da lei (Rm 8:3 "Porquanto o quefora impossível à lei, no que estava enferma pela carne").A debilidade da lei está em não poder justificar-nos nem

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ROMANOS 7:1-8:4

santificar-nos, posto que nós mesmos não somos capazesde obedfcê.-Ia. Sem dúvida, este crente se alegra ao com­preender-a lei como a expressão da vontade de Deus, eprocura obedecê-la pelo poder do Espírito que vive nele.

Em síntese, o legalista teme a' lei e está debaixo 'desua servidão; o antinomiano detesta a lei e a rechassa;o crente respeita a lei, ama-a e obedece-a.

Direta ou indiretamente, o apóstolo retrata cada umdesses três personagens em Romanos 7. Não que se refiraem ordem a cada um deles, porém sua caracterização nestecapítulo se vislumbra enquanto Paulo rebate tanto o lega­lista como o antinomiano, e enquanto descreve o conflitoe a vitória do crente que guarda a lei.

Um esquema do capítuloUma visão esquemática do capítulo inteiro pode nos per­mitir uma melhor compreensão de suas partes.

1. Nos versículos 1 a, 6 Paulo declara que a lei jánão tem domínio sobre nósl Fomos libertados de sua tira­nia pela morte de Cristo. Nossa servidão cristã não é à leinem à letra da lei, senão a Cristo Jesus no poder do Espí­rito. Essa é sua resposta ao legalista.

2. Nos versículos 7 a 13 Paulo defende a lei contraas críticas injustas de quem quer desfazer-se dela com­pletamente, culpando a lei pela condição miserável dohomem, sujeito ao pecado (v. 7) e à morte (v. 13). Nesteparágrafo Paulo demonstra que a causa do pecado e damorte não é a lei de Deus, senão nossa carne, nossa natu­reza pecaminosa. Em si a lei é boa (vs. 12-13). E em nossacarne que não há nenhum bem (v. 8). De modo que éerrado e injusto culpar a lei. Eis' aqui a resposta ao anti­nomiano.

3. Em 7: 14-8:4, Paulo descreve o conflito interiordo crente e o segredo da vitória.

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A liBERTAÇÃO DA LEI

Segundo Gálatas capítulo 5, este conflito é entre "acarne" e "o Espírito". Em Romanos a terminologia évariada. Fala-se do conflito entre "a mente" e "a carne"ou entre "a lei da minha mente" e "a lei do pecado e damorte". O resumo está em 7:25, onde "eu mesmo" sourepresentado como servo de dois senhores: com a mente"sirvo à lei de Deus", isto é, amo-a e desejo guardá-la; mascom a carne, minha velha natureza, "sirvo à lei do peca­do". Isto é, mesmo como cristão, se fico abandonado ameus próprios recursos, sou um preso impotente, escravodo pecado e incapaz de guardar a lei. Porém Deus atuou"a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós quenão andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito"(8:4). Em outras palavras, o Espírito Santo capacita-mepara fazer o que não posso fazer por mim mesmo, apesarde ser cristão. Esta é a mensagem de Paulo ao crente querespeita a lei.

e importante observar como a mensagem de Pauloaponta diretamente a cada um desses três personagens: aolegalista, que está debaixo da escravidão da lei, mostran­do-lhe a morte de Cristo como meio pelo qual fomos li­bertos dessa escravidão; ao antinomiano, que culpa a lei,fazendo-o ver a carne como causa primária do fracassoda lei, e por conseqüência, de nosso pecado e morte; aocrente que ama a lei e anseia obedecê-la, enfatizando apermanência do Espírito Santo no cristão como provisãode Deus, sem a qual não se pode cumprir em nós a justiçada lei.

Dou aos vs. 1 a 6 o título "a severidade da lei", queé o que teme o legalista, ao considerar a lei como seusenhor e ignorar sua libertação; aos vs. 7 a 13 "a debili­dade da lei", coisa que não compreende o antinomiano,que supõe ter a lei uma debilidade inerente, quando narealidade ela está em nós, que não podemos guardá-

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ROMANOS 7:1..6

la; e aos vs. 7:14 - 8:4, "a justiça da lei", porque esta é aque se cumpre no crente dirigido pelo Espírito e obedien­te à lei.

I. A SEVERIDADE DA LEI (7:1-6)

Porventura ignorais, irmãos, pois falo aos que conhecem a lei,que a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora,a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto elevive; mas, se o mesmo morrer, desobrigada ficará da lei con­jugal. De sorte que será considerada adúltera se, vivendo ain­da o marido, unir-se com outro homem; porém, se morrer omarido, éstará livre da lei, e não será adúltera se contrair no­vas núpcias. Assim, meus irmãos, também v6s morrestes rela­tivamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencer­des a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos,e deste modo frutifiquemos para Deus. Porque, quando vivia­mos segundo a carne, as paixões pecaminosas postas em realcepela lei, operavam em nossos membros a fim de frutificarempara a morte. Agora, porém, libertados da lei, estamos mortospara aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimosem novidade de espírito e não na caducidade da letra.

o v. 1 começa: "Porventura ignorais, irmãos... quea lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida?" Ovocábulo "domínio" empregado aqui é o mesmo da frase deMarcos 10:42: "os que são considerados governadores dospovos, têm-nos sob seu domínio" e indica a autoridadeimpiedosa ou o senhorio da lei sobreos que estão sujei­tos a ela.

O princípio que Paulo enuncia neste versículo podeser reconhecido, segundo ele, por todos os que conhecema lei, seja judaica ou romana. Isto é, que a lei serve aohomem enquanto dura sua vida terrena e não mais além.Um exemplo deste princípio geral é o matrimônio contraí­do por duas pessoas até que a morte os separe. E pelo

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A LIBERTAÇÃO DA LEI

modo como Paulo aplica este princípio se pressupõe umaextensão dele, isto é, que uma lei acerca de- um compro­misso entre duas pessoas é válida somente enquantoambas estão vivas. No caso de uma morrer, a lei deixade ser efetiva; por exemplo, no casamento, quando umdos cônjuges morre, o outro tem liberdade para casar-senovamente. Versículos 2 e 3: "Ora, a mulher casada estáligada pela lei ao marido, enquanto ele vive, mas, se omesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. Desorte que será considerada adúltera se, vivendo ainda omarido, unir-se com outro homem; porém se morrer omarido, estará livre da lei, e não será adúltera se contrairnovas núpcias". Em um caso, a mulher casada vivecom outro homem e se torna adúltera; no segundo casose une a outro homem e não é adúltera. A que se devea diferença? Por que é adúltera casando-se de novo noprimeiro caso, e não no outro? A resposta é simples: sóé legítimo o segundo casamento se o primeiro terminoucom a morte. A morte libertou a mulher da lei que go­vernava o seu compromisso anterior, permitindo-lhe destamaneira casar-se novamente.

Depois do princípio (v. 1) e da ilustração (vs. 2-3),vem a aplicação (vs. 4-6): assim como a morte põe fim

. a um casamento, põe fim à nossa escravidão à lei. Versí­culo 4: "Assim, meus irmãos, também vós morrestes rela­tivamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para perten­cerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre osmortos, e deste modo frutifiquemos para Deus".

Foi "o corpo de Cristo" o que morreu na cruz, po­rém somos participantes de sua morte, mediante nossaunião com ele pela fé. Ao estarmos unidos com Cristo Je­SU8 pela fé, se pode dizer que nós "morremos ... medianteo corpo de Cristo".

E pelo fato de termos morrido, ficamos definitiva-

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:&OMANOS7:1-6

mente fora do terreno onde a lei exerce domínio. A severapena do pecado prescrita pela lei foi cumprida por Cristoem nosso lugar, ou por nós em Cristo. Portanto, já que amorte de Cristo cumpriu com as exigências da lei, nós jánão estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça.

No casamento a morte de um dos cônjuges permiteao outro liberdade para tomar a casar-se; na vida cristãnossa própria morte (em Cristo) nos deixa livres paracasar novamente. Morremos para a lei que antes nos do­minava; agora estamos livres para nos unirmos a Cristo,com quem não somente morremos, mas também ressusci­tamos, a fim de "frutificarmos para Deus". Na vida antigao fruto que produzíamos era para a morte (v. 5); na vidanova produzimos fruto para Deus.

Até aqui ficou evidente que chegar a ser cristão im­plica na mudança total de relação e de lealdade. No finaldo capítulo 6 estavam em contraste duas escravidões; aquise compara a posição do cristão com dois casamentos:desfeito o primeiro pela morte, permite-se a realização dosegundo. Estávamos "casados", por assim dizer, com alei, pois nossa obrigação de obedecê-la era tão restritacomo o compromisso matrimonial, Porém agora estamoslivres para casar-nos com Cristo. Deste modo, pela metá­fora do casamento, a realidade e a intimidade de nossaunião com Cristo Jesus fica ilustrada de modo notável.

No v. 4 Paulo pôs em contraste os dois matrimôniose seus resultados; agora nos vs. 5 e 6 está em contrastea relação que cada um deles tem com a lei. O v. 5 refere­se à nossa vida anterior à conversão ("enquanto estáva­mos na carne") e o v. 6 à nossa vida nova ("porém ago­ra ... "). Na velha vida, nossas paixões pecaminosas fo­ram despertadas pela lei, e elas nos conduziram à morte."Agora, porém, libertados da lei, estamos mortos paraaquilo a que estávamos sujeitos".

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A LIBERTAÇÃO DA LEI

Observemos no v. 5 o conjunto de palavras comidéias afins: carne, pecado, lei e'morte. Nossas paixõespecaminosas têm sua origem na carne, são despertadaspela lei, e conduzem à morte. Porém agora fomos liberta­dos da lei e de suas conseqüências.

Se estamos livres da lei, o que acontece? Isto mere­ce nossa cuidadosa atenção: estar emancipado da lei nãoquer dizer estar livre para fazer o que quiser. Pelo con­trário, a libertação da lei traz não a liberdade, mas outraclasse de servidão: "de modo que servimos", isto é, somos"escravos" (v. 6). Com certeza estamos livres da lei, porémlivres para servir, não para pecar. E nossa nova escravi­dão cristã não consiste na caducidade da letra mas na no­vidade do Espírito.

Este é o reconhecido contraste entre o velho pacto eo novo, entre a lei e o evangelho (o mesmo que se encon­tra, por exemplo, em 2 Coríntios 3:6). O velho era letra,um código externo gravado em pedras, algo exterior a nós;o novo pacto, o evangelho, é espírito, porque o EspíritoSanto grava a lei de Deus em nosso coração. Esta é a nos­sa nova servidão.

Antes de acabar esta secção convém considerar nova­mente a pergunta: a lei é obrigatória para o cristão? Aresposta desta vez é não e sim. Não, porquanto nossa acei­tação diante de Deus não depende dela. Em sua morteCristo cumpriu perfeitamente as exigências da lei, demodo que fomos libertados. A lei já não tem direito so­bre nós, porque já não é nosso senhor. Sim, nossa novavida ainda é uma servidão, porque "servimos". Somos ain­da escravos, embora desobrigados quanto à lei. Porém amotivação e o modo de nosso serviço foi mudado. Por queservimos? Não porque a lei seja nosso amo e tenhamos aobrigação de fazê-lo, mas porque Cristo é nosso marido equeremos fazê-lo. Não porque a obediência à lei conduz

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ROMANOS 7:7-13

a salvação, mas porque a salvação conduz à obediênciada lei. A lei diz: faça isto e viverá; o evangelho diz: vocêvive, então faça isto. A motivação mudou.

Como servimos? "Não debaixo da velha lei escrita",mas "na nova vida do Espírito de Deus" (v. 6-BLH). Ser­vimos não pela obediência a um código externo, porémpela entrega a um Espírito que vive em nós.

Em resumo: somos escravos e a vida cristã é umaforma de servidão. Porém o Senhor a quem servimos éCristo, não a lei; e o poder pelo qual servimos é o Espíri­to, não a letra. Viver a vida cristã é servir a Cristo ressus­citado no poder de seu Espírito que permanece em nós.

11. A DEBILIDADE DA LEI (7:7-13)

Que diremos pois? E a lei pecado? De modo nenhum. Maseu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei;pois não teria çonhecido a cobiça, se a lei não dissera: nãocobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento,despertou em mim toda sorte de concupiscência, porque semlei está morto o pecado. Outrora, sem lei, eu vivia, mas, so­brevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri. E o man­damento que me fora para vida, verifiquei que este mesmo seme tomou para morte. Porque o pecado, prevalecendo-se domandamento, p!!lo mesmo mandamento me enganou e me ma­tou. Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo ejusto e bom. Acaso o bom se me tornou em morte? De modonenhum; pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pe­cado, por meio de uma cousa boa causou-me a morte; a fimde que pelo mandamento se mostrasse sobremaneira maligno.

Parece que Paulo no v. 5 fez a lei responsável pelos nossospecados e morte:. "Porque, quando vivíamos segundo acarne, as paixões pecaminosas postas em realce pela lei,operavam em nossos membros a fim de frutificarem para

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A LIBERTAÇÃO DA LEI

a morte". Agora defende a lei contra uma crítica injus­ta, a qual, aparentemente, ele mesmo se expôs. Observe­mos as perguntas nos vs. 7 e 13: "Que diremos pois? Ea lei pecado?" (v. 7) e "o bom (isto é, a lei) se me tomouem morte?" (v. 13). Em outras palavras, a lei de Deus éresponsável pelo meu pecado e minha morte? Vamosconsiderar estas duas perguntas e as respostas que lhes dáPaulo.

a. A lei é pecado? (vs, 7-12)Sim, é necessário que sejamos libertados da lei a fim deproduzir fruto para Deus (v. 4); isto não implica que a leiseja responsável por nossa conduta pecaminosa? Pauloresponde com uma negativa categórica: "De maneira ne­nhuma!" E em seguida demonstra nos versículos que se se­guem a relação entre a lei e o pecado. A lei, diz Paulo, nãocria o pecado; se alguém é pecador, não é culpa da lei. Arelação entre o pecado e a lei tem três aspectos.

1. A lei revela o pecado. Versículo 7: "Mas eu nãoteria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei;pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera:Não cobiçarás". Igualmente, no capítulo 3:20: "emrazão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pe­cado".

2. A lei provoca o pecado. Não só o expõe, comotambém o estimula e o desperta, como já vimos no v. 5.Versículo 8: "Mas o pecado, tomando ocasião (esta pa­lavra em grego refere-se a uma base militar de ondese lança a ofensiva) pelo mandamento, despertou emmim ... " Isto é o que faz a lei; com efeito, provoca-nospara que pequemos. Esta nossa experiência com a lei seconhece na vida diária; qualquer motorista, por exem­plo, está familiarizado com as indicações que dizem: "Re­duza a velocidade". Se não me engano, nossa reação in-

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ROMANOS 7:7·13

voluntária é: por quê? Esta é a reação que a lei provocaem nós. Da mesma forma, diante de uma placa em umaporta: "Proibida a entrada" ou "Proibido fumar", dávontade de fazer o que é proibido, porque as ordens eproibições nos provocam a fazer o contrário. Foi isto quePaulo encontrou no décimo mandamento que proíbe a co­biça: "Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento,despertou em mim toda sorte de concupiscência" (v. 8).De modo que a lei expõe e provoca o pecado.

3. A lei condena o pecado. Os vs. 8b-ll: "Porquesem lei está morto o pecado. Outrora, sem a lei, eu vivia;mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, eeumorri (isto é, caí debaixo do juízo da lei). E o mandamen­to que me fora para vida, verifiquei que este mesmo seme tomou para morte. Porque o pecado prevalecendo-sedo mandamento, pelo mesmo mandamento me enganou eme matou". Ebem possível que aqui esteja contando expe­riências próprias de como, quando criança, ignorava asexigências da lei e assim, na ausência dela, ele estava vivoespiritualmente; depois mesmo como menino de treze anos(idade em que um menino judeu aceitava as obrigaçõesda lei e chegava a ser "um filho do mandamento"), quan­do viu o mandamento "reviveu o pecado, e eu morri" (v.9), para usar a mesma expressão vívida de Paulo. Ou tal­vez ele esteja resumindo a história do homem, como Deuslhe deu a lei para revelar o pecado - até para susci­tá-lo e aumentá-lo - e logo condená-lo. De todos osmodos, a mesma lei que prometia vida (ao dizer: "Façaisto e viverá"., veja Lv 18:5) trouxe a Paulo a morteespiritual, e utilizando o mandamento como base de ope­rações, seduziu-oe matou-o.

Estas são as três conseqüências desoladoras da lei:revela, provoca e condena o pecado. Porém em si a leinão é pecaminosa, nem faz o homem pecar. E "o pecado",

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A UBERTAÇÃO DA LEI

nossa natureza pecaminosa, o que se aproveita da lei parafazer pecar aos homens, e assim leva-los à ruína. Em si (v,12) "a lei é santa; e o mandamento, santo e justo e bom".a ensinamento deste parágrafo sintetiza-se com a pergun­ta do v. 7: "Que diremos pois? E a lei pecado?" Versículo12: "a lei é santa; e o mandamento, santo e justo e bom".Com isto chegamos à segunda pergunta.

b, A lei provoca a morte? (v. 13)É certo que "o mandamento que fora para vida. . . se

me tornou para morte" (v. 10). Estará Paulo afirmandoque a lei mesma é culpada de oferecer vida e conde­nar à morte ao mesmo tempo? Podemos dizer, perguntaele, que isto que é bom me matou? A lei tem aculpa de minha morte? Novamente a resposta do após­tolo é uma forte negativa: "De modo nenhum!" Ver­sículo 13: foi o pecado que "por meio de uma cousa boa,causou-me a morte ... " Além disso, a natureza "sobrema­neira pecaminosa" do pecado se manifesta de maneira queutiliza o bom (a lei) para fins maus. Porém não se podejogar a culpa na lei por isto, mas ao pecado, mesmo quenos custe admiti-lo.

Tomemos o exemplo de um criminoso surpreendidono ato, cometendo um delito infringindo a lei. O que acon­tece? Ele é detido, julgado, ao ser declarado culpado éenviado ao cárcere. Enquanto sofre em sua cela é tentadoa culpar a lei por seu encarceramento; é certo que a lei oacusou e o sentenciou. Porém na realidade o único a quempode culpar é a si mesmo e a seu crime. Está preso porquecometeu um delito. Portanto a lei o condenou, porém nãopode culpá-la; única e exclusivamente tem que culpar a simesmo. Deste modo Paulo exime a lei. E certo que a leiexpõe, provoca, e condena o pecado; mas ela não é respon­sável nem pelos nossos pecados, nem por nossa morte.

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ROMANOS 7:14-8:4

o professor F. F. Bruce escreveu: "O vilão nestecaso é o pecado", isto é, o pecado que vive em nós, acarne, o que a lei desperta. Aqueles antinomianos que di­zem que a lei constitui todo o nosso problema estão total­mente enganados; nosso verdadeiro problema é o pecadoe não a lei. É o pecado, nossa natureza decaída, o queexplica a impotência da lei para salvar-nos. Verdadeira­mente a lei não nos pode salvar porque nós não somos ca­pazes de obedecê-la; e não podemos obedecê-la por causado pecado que vive em nós.

IH. A JUSTIÇA DA LEI (7: 14-8:4)

Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, soucarnal, vendido à escravidão do pecado. Porque nem mesmocompreendo o 'meu próprio modo de agir, pois não faço o queprefiro, e, sim, o que detesto. Ora se faço o que não quero,consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isto jánão sou eu, mas o pecado que habita em mim. Por que eu seique em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum:pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Por­que não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero,esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quemo faz, e, sim, o pecado que habita em mim. Então, ao quererfazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim.Porque no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei deDeus; mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreandocontra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pe­cado que está nos meus membros. Desventurado homem quesou! quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deuspor Jesus Cristo nosso Senhor. De maneira que eu, de mimmesmo, com. a mente sou escravo da lei de Deus, mas, segun­do a carne, da lei do pecado. Agora, pois, já nenhuma conde­nação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei doEspírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado eda morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que es­tava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio

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Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pe­cado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado. Afim de que o preceito da lei se cumprisse em nós que nãoandamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.

Até agora temos considerado a severidade da lei e suasexigências inflexíveis das quais a morte de Cristo nos li­bertou, de maneira que já não estamos debaixo da lei.Também temos visto a debilidade da lei, que não lhe éinerente, mas que se faz em nós, em nossa carne. Agoravamos ver a justiça da lei, como o cristão primeiro sedeleita na lei em sua mente, e logo faz o que a lei ordenapelo poder do Espírito que vive nele.

a. A experiência de PauloAntes de olhar o texto em detalhe, devemos consideraruma questão importante. Há duas mudanças que se apre­sentam no parágrafo que começa com o v. 14.

1. Em primeiro lugar existe uma mudança no tempodos verbos. No parágrafo anterior (vs. 7-13) a maioria dosverbos está no passado, o aoristo grego, de modo que pa­recem referir-se à experiência passada de Paulo. Por exem­plo: "reviveu o pecado" (v. 9); "o pecado ... me matou"(v. 11). "Acaso o bom se me tornou em morte? o peca­do ... causou-me a morte" (v. 13). Todos estes verbosestão no passado. Ao contrário, a partir do v. 14 osverbos estão no presente, com aparente referência à expe­riência de Paulo. Por exemplo, o v. 14: "eu, todavia, soucarnal"; v. 15: "não faço o que prefiro, e, sim, o que de­testo" .

2. Em segundo lugar, há uma mudança de situação.No parágrafo anterior Paulo relata como o pecado se ma­nifestou por meio da lei e o matou. Porém neste parágrafoele apresenta um retrato do seu grave e contínuo conflito,e negando a dar-se por vencido luta agressivamente.

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A presença dessas duas mudanças assinaladas pare­ce sugerir que o que Paulo apresenta nos vs. 7~13 é suavida antes de ser convertido, e nos vs. 14ss., sua vidacomo cristão. Alguns comentaristas desde os mais antigostêm resistido a esta interpretação. Não concebem que umcristão, e muito menos um cristão maduro como Paulo,pudesse apresentar sua experiência cristã em termos deum conflito tão intenso, e além disso um conflito que elese encontra incapaz de vencer. Por esse motivo alegam queeste parágrafo deve referir-se ao conflito de Paulo antesde ser cristão.

Sem dúvida há dois lados no auto-retrato de Pauloneste parágrafo (v. 14), os quais conduziram os Reforma­dores, e a maioria dos comentaristas reformados desdeentão, à convicção de que estes versículos são nada menosque o auto-retrato do cristão Paulo. O primeiro lado é aopinião que Paulo tem de si mesmo, e o segundo é sua opi­nião da lei.

1. O que dizia Paulo de si mesmo? Versículo 18:"Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, nãohabita bem nenhum". Versículo 24: "Desventurado ho­mem que sou!" - e então dá um grito de socorro.Quem, senão o cristão maduro, pensa e fala de si mesmodesta maneira? O não-cristão se caracteriza pelo sentidode justiça própria, o que não lhe permite reconhecer-secomo pobre miserável. Por outro lado o crente imaturo secaracteriza por sua autoconfiança, e não pergunta quem ovai livrar. Só o crente maduro chega a conhecer a aversãoa si mesmo e a desesperança própria. E ele que reconhecenitidamente que em sua carne não há nada bom. E elequem reconhece sua miséria e com fé reclama libertação.Desta maneira, pois, pensa Paulo de si mesmo.

2. O que pensa Paulo da lei? Em primeiro lugar,ele diz que a lei de Deus é "boa" (v. 16), e a chama "o

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bem que prefiro" (v. 19). Isto é, reconhece que a lei é boaem si, e com todo seu ser almeja obedecê-la, Outra vez, nov. 22, ele diz: "no tocante ao homem interior, tenho pra­zer na lei de Deus". Sem dúvida esta não é a linguagemque usaria um não-cristão. A atitude deste diante da leiestá em Romanos 8:7:"0 pendor da carne (nossa natu­reza humana não redimida) é inimizade contra Deus, poisnão está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar".Pelo contrário, aqui Paulo em lugar de opor-se à lei deDeus, diz amá-la. Sua inimizade é contra o mal, que de­testa, enquanto ama e se deleita no bem.

Destes dois pontos se deduz que quem fala na segun­da parte do capítulo 7 é um crente maduro, alguém quetenha recebido uma visão clara e verdadeira de sua pró­pria carne pecaminosa e da santa lei de Deus. Afirma queem sua carne não há nada bom, porém a lei de Deus é obem que deseja. Esta idéia se resume no v. 14: "... alei é espiritual; eu, todavia, sou carnal". Devemos ver que"a lei é espiritual". Não devemos jamais colocar a lei e oEspírito em oposição entre si como se fossem mutuamentecontraditórios. Não o são. O Espírito Santo escreve a leiem nossos corações. Paulo põe em contraste com o Espíri­to que mora no cristão, não a lei em si, mas "a letra", istoé, a lei tomada somente como um código externo. Repito,pois, que a pessoa que reconhece a espiritualidade da leide Deus e sua própria carnalidade natural tem que ser umcristão de certa maturidade.

Sendo este o caso fica ainda uma pergunta: Por quePaulo descreve sua experiência em termos não só de con­flito como também de derrota? Por que diz não só quedeseja fazer o bem mas que não o faz e que não o podefazer? A resposta certamente é a seguinte: no pará­grafo anterior (vs. 7-13) demonstrou que, apesar deser cristão, por si mesmo era incapaz de guardar a

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lei. Neste parãgrafo (vs. 14ss) ele mostra que, mesmo nacondição de crente, por si mesmo ainda não pode guardara lei. Pode por certo reconhecer o bem da lei, pode delei­tar-se na lei, pode inclusive desejar obedecê-la, coisas queeram impossíveis como não-cristão. Porém sua carne, suanatureza caída, que era a causa de seu fracasso antes desua conversão e que o levava ao pecado e à morte, continuasendo a causa de seu fracasso depois de sua conversão ­a menos que o poder do Espírito Santo o domine (a istochega Paulo mais adiante no capítulo 8). Na realidade, umreconhecimento sincero e humilde do mal irremediável denossa carne, mesmo depois do novo nascimento, é o pri­meiro passo para a santidade. Para falar com franqueza,a razão pela qual nós não estamos vivendo uma vidasanta é porque temos uma opinião muito valorizada denós mesmos. Ninguém jamais pede para ser libertado semter visto primeiro sua própria miséria. Em outras pala­vras, a única maneira de chegar à. confiança no EspíritoSanto é pelo caminho da desilusão consigo mesmo. Nãoexiste recurso algum que possa assegurar para sempre estaatitude. O poder e a sutileza da carne são tais que não nospermitem relaxar nem por um momento. A única esperan­ça é manter uma vigilância incessante e uma dependênciaininterrupta.

Deste modo temos visto que ambos os parágrafos,vs. 7-13 e 7:14-8:4, afirmam que, sejamos crentes ounão, regenerados ou não, o pecado que vive em nós, acarne, é nosso grande problema, e é o responsável peladebilidade da lei em ajudar-nos.

b. Análise do textoVersículos 14-20. E bom notar que neste parágrafo Paulodiz a mesma coisa duas vezes, sem dúvida com vistas adar maior ênfase.primeiro em 14-17 e novamente em

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18-20. Já que estas duas passagens são paralelas, con­vém examiná-las juntas.

1. Cada seção começa com um sincero reconheci­mento de nossa condição, do que realmente somos e doque reconhecemos ser.

Versículo 14: "Sabemos que a lei é espiritual; eu,todavia, sou carnal (a carne está sempre presente em mime exerce sobre mim sua influência), vendido à escravidãodo pecado." Eis aqui o que sou, mesmo como cristão, emmim mesmo. A carne vive em mim e quando me ataca, nãoposso com ela. Melhor, por mim mesmo e por minhas pró­prias forças, sou seu escravo, mesmo que de má vontadee contra minha vontade.

O v. 18 também começa com o que "eu sei". "Por­que eu sei que em mim, isto é, na minha carne, nãohabita bem nenhum".

Isto é, pois, o que eu sei (porque o Espírito Santome fez saber): que a carne vive em mim, que.não há nadade bom nela, e que mesmo como cristão, sozinho ela medomina.

2. Cada seção segue com um vívido retrato do con­flito conseqüente. Versículo 15: "Realmente não consigoentender o que faço" (BJ). Quer dizer, faço coisas contraminha vontade, coisas que não dou meu consentimentocomo cristão, "não faço o bem que prefiro, mas o mal quenão quero, esse faço".

Os vs. 18 e 19 dizem o mesmo: "Porque eu sei queem mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum:pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo.Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que nãoquero, esse faço".

Permita-me insistir de novo que este é o conflito deum homem cristão, de alguém que conhece a vontade deDeus, ama-a, deseja-a e aspira cumpri-la, porém sabe que

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por si mesmo não é capaz de levá-la até o fiin. Todo seuser (sua mente e vontade) é dirigido para a vontade deDeus e pela lei de Deus. Deseja fazer o bem e detesta comódio santo fazer o mal; se ele peca, o faz contra sua mente,sua vontade, contra seu consentimento; é contra toda a no­va orientação que tem sua vida. Precisamente nesta tensãoestá o conflito do cristão.

3. Cada seção termina com uma conclusão, expressaem palavras idênticas, sobre a causa da incapacidade pes­soal e moral do cristão sem o poder do Espírito Santo.

Nos vs. 16 e 17 Paulo diz: "Ora se faço o que nãoquero" -- se minha situação se cristaliza nas palavras:quero, porém não posso, obviamente não é culpa da leise a desobedeço, porque "consinto com a lei, que é boa".Não sou sequer eu que o faço, porque não o faço comvontade, mas contra minha vontade, pois "o pecado habi­ta em mim".

No v. 20 é dada a mesma conclusão: "Se eu faço oque não quero, já não sou eu quem o faz, e,sim, o pecadoque habita em mim".

Podemos resumir os ensinamentos destas duas seçõesparalelas da seguinte forma: primeiro está nossa condição.Reconheço em mim a presença da carne, a qual não temnada de bom e me mantém como escravo enquanto Deusnão intervier. Aí está o conflito que esta condição produz:não posso fazer o que quero, mas faço o que não quero.Finalmente a conclusão: se minhas ações são feitas contraminha vontade, a causa é o pecado que vive em mim. Emtodo este argumento o que Paulo procura fazer é expora incapacidade total de nossa carne para fazer o bem, como propósito de convencer-nos de que somente o EspíritoSanto pode fazer-nos verdadeiramente livres.

Versículos 21-25. Nesta seção o apóstolo leva oargu­mento mais adiante. Havendo feito uma descrição clara

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de sua condição e conflito, expressa o mesmo agora comouma filosofia, em termos de leis ou princípios que regemsua situação. O princípio geral está no v. 21: "encontro alei" (descubro este princípio) - como conclusão filosóficadeduzida de minha experiência - "ao querer fazer o bem,encontro a lei de que o mal reside em mim."

Este princípio geral se define por meio de duas leisou forças que são mutuamente opostas (vs. 22-23). No­meia-se no versículo 23: "a lei da minha mente" e "a lei

do pecado". "A lei da minha mente" é que "no tocante aohomem interior, tenho prazer na lei de Deus" (v. 22). "Alei do pecado" é um princípio ou força "em meus mem­bros" que, segundo Paulo, "luta contra aquela que minhamente aprova. Ela me torna prisioneiro da lei do peca­do ... " (BLH).

A 'lei da minha mente é uma força em meu ser in­terior, minha mente e minha vontade, que ama a lei deDeus. Porém, a lei do pecado é uma força "em meus mem­bros", em minha carne, que detesta a lei de Deus. Estaé a filosofia da experiência cristã. Nossa experiência éque não fazemos o bem que queremos, mas, sim, o malque não queremos; atrás disto está a filosofia das duasleis que estão em conflito, a lei da minha mente e a leido pecado. Dizendo de forma mais simples, as duas forçasem oposição são minha mente e minha carne, minha men­te renovada e minha velha carne sem possibilidade derenovação. Este conflito constitui uma batalha real, cruele sustentada na experiência de todo cristão; sua mente sedeleita na lei de Deus, desejosa de cumpri-la, porém suacarne se opõe obstinadamente a ela e se nega a toda possi­bilidade de submissão (veja 8:7).

É este conflito que nos leva repetidas vezes a dardois gritos aparentemente contraditórios: "Infeliz de mim!Quem me libertará ... T" (v. 24 BJ) e "Graças a Deus por

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Jesus Cristo nosso Senhor" (v. 25). O primeiro é um gritode desespero; o segundo, de triunfo. Porém ambos sãodados por um cristão maduro, que, lamentando a corrup­ção interior de sua natureza, deseja ser libertado, e por suavez regozija-se em Deus por Jesus Cristo como o únicolibertador. Ademais, a libertação que deseja não é somen­te o domínio próprio aqui e agora; é também a libertaçãodeste corpo da morte quando morrer, e especialmentequando for vestido de um corpo novo e glorioso no diafinal. Pessoalmente não creio que o cristão, durante estavida, passe de uma vez para sempre do primeiro para osegundo grito, do capítulo 7 para o capítulo 8, da deses­perança para a vitória*. Em absoluto. Antes, está sempreclamando por liberdade, e sempre regozijando-se em seulibertador. Cada vez que tomamos consciência dos dese­jos e da depravação de nossa natureza caída, e do conflitoirreconciliável entre nossa mente e nossa carne, desejamosestar livres do pecado e da corrupção que habita em nóse exclamamos: "Infeliz de mim! (Porque somos miserá­veis e sempre o seremos). Quem me liberará deste corpo demorte?" Porém imediatamente contestamos nossa angus­tiada pergunta, e com um grito de triunfo, damos graçasa Deus por sua poderosa salvação, sabendo que ele é aque­le que pode dominar nossa carne por seu Espírito, e aque­le que no dia final, na ressurreição, nos dará um corponovo, liberto da presença do pecado.

Agora no último versículo (25), Paulo resume comadmirável lucidez a dupla servidão à qual está exposto o

• Aqueles que crêem que o propósito de Deus para nós é que transforme­mos o conflito de Romanos 7 pela vitória de Romanos 8, hão de encontrarum obstáculo considerável nas palavras finais do capítulo 7, pois imediata­mente depois do grito triunfante de ação de graças Paulo volta ao conflitoe termina resumindo-o com as palavras: "De maneira que eu, de mim mes­mo, com a mente sou escravo da lei de Deus, mas segundo a carne, da lei dopecado".

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cristão: com minha mente, isto é, de todo o meu coração,sirvo a lei de Deus, porém com minha carne, enquantoela não for dominada pelo Espírito, sirvo à lei do pecado.Porém ninguém pode servir a dois senhores simultanea­mente. Servir a lei de Deus ou a lei do pecado dependede quem está no controle, se minha mente ou minha carne.Isto nos leva à pergunta: Como pode a mente ter domíniosobre a carne?

Com esta pergunta chegamos ao começo do capítulo8, onde se revela o ministério misericordioso do EspíritoSanto, que não é mencionado na última parte do capítulo7, embora sua realidade não se perca de vista. Esta é averdadeira progressão de idéias do capítulo 7 ao capítulo8: o conflito que se mostra no final do capítulo 7 éentre minha mente e minha carne, enquanto no princípiodo capítulo 8 o conflito é entre o Espírito Santo e a carne,porque ele vem ao meu socorro, colocando-se ao lado daminha mente (a mente renovada que ele me deu), e domi­nando a minha carne. E o mesmo conflito, porém vistode outro ângulo e dando outro resultado. Segundo 7:22,o cristão deleita-se na lei de Deus, porém por si mesmoestá impedido de cumpri-la pelo pecado que mora nele.Pelo contrário, segundo 8:4, ele não só se deleita na leide Deus como efetivamente a cumpre por causa do Espí­rito que mora nele.

Capítulo 8: 1-14. Nos dois primeiros versículos oapóstolo contempla todo o panorama da vida cristã. Apre­senta conjuntamente as duas grandes bênçãos da salvaçãoque temos se estamos em Cristo Jesus. Em Cristo Jesus (v.1) não há nenhuma condenação. Em Cristo Jesus (v. 2) alei do Espírito de vida (o Espírito doador da vida) ... "melivrou da lei do pecado e da morte" (v. 2 BLH). Em outraspalavras, a salvação pertence aos que estão em Cristo Jesus(os que estão unidos com ele por uma fé viva), e a salvação

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é a libertação da condenação e da escravidão do pecado.Ademais. quando o apóstolo diz que nenhuma condenaçãohá para os.que estão em Cristo Jesus porque o Espírito oslibertou da lei, não está fazendo de nossa santificaçãoa causa ou a base de nossa justificação. mas apre­senta-a como seu fruto necessário. E como se ele dissesse:Sabemos que em Cristo já não estamos condenados, masjustificados, porque em Cristo também fomos. libertados.A justificação e a santificação são inseparáveis.

De que modo podemos usufruir desta salvação, emseus dois aspectos? A resposta está nos vs. 3 e 4. Os vs.1 e 2 ensinam o conteúdo da salvação: não mais condena­ção e não mais escravidão. Nos vs. 3 e 4 nos é apresenta­da a maneira pela qual ela se realiza.

A primeira coisa que se deve notar é que ela é obra deDeus. Notemos que "o que fora impossível à lei, no queestava enferma pela carne, isso fez Deus" (v. 3). Desde oprincípio vimos que a incapacidade da lei não lhe é ine­rente, que sua debilidade não está em si mesma, senão emnós,por causa de nossa carne. Por nossa carne não pode­mos guardar a lei, e porque não podemos guardá-la ela nãonos pode salvar. Não pode justificar-nos nem santificar­nos. De modo que Deus fez "o que fora impossível à lei,no que estava enferma pela carne".

Como ele o fez? Fez por meio de seu Filho (v. 3) epor meio de seu Espírito (citado nos vs. 2 e 4). Por meioda morte de seu Filho encarnado, Deus nos justifica. Pormeio do poder de seu Espírito que habita em nós, ele nossantifica.

Agora devemos examinar com mais cuidado este ma­ravilhoso ministério do Filho de Deus e do Espírito deDeus.

Primeiro, Deus enviou seu próprio Filho (v. 3). "Emsemelhança de carne pecaminosa" é uma. expressão sígni-

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ficativa. Não é dito "em carne de pecado", porque a carnede Jesus era sem pecado; nem tampouco se diz "em seme­lhança de carne", porque a carne de Jesus era sem pecadoe real. Deus também enviou seu Filho "no tocante ao pe­cado". O sentido desta frase pode ser geral, indicando queJesus veio para tratar do problema do pecado, ou sendomais específico, com referência à sua morte "como ofertapelo pecado", visto que a frase empregada aqui tem estesentido freqüentemente na tradução grega do Antigo Tes­tamento.

A maneira como Jesus Cristo morreu, em sacrifí­cio pelo pecado, se explica na notável frase: "CondenouDeus, na carne, o pecado". Isto é, que na carne de Jesus- carne real, sem pecado, porém feita pecado com nos­sos pecados (2 C05:2l) - Deus condenou o pecado.Ele condenou nossos pecados na carne sem pecado de seuFilho, que os levou.

E por que ele o fez? Não somente para que nós fôs­semos justificados (embora certamente "agora nenhumacondenação há para os que estão em Cristo Jesus" porquenele Deus condenou o pecado), mas também (v. 4) "fezisto para que as ordens justas da lei pudessem ser comple­tamente cumpridas por nós, que vivemos de acordo como Espírito de Deus, e não de acordo com a natureza hu­mana" (BLH). Este versículo é de importância essencialpara nossa compreensão da doutrina cristã da santidade.Ele ensina pelo menos três verdades principais:

1. Que nossa santidade constitui a finalidade da en­carnação e da morte de Cristo. Diz-nos especificamenteque Deus enviou seu Filho em semelhança de carne de pe­cado (a encarnação) e condenou o pecado na carne (a ex­piação), "a fim de que o preceito da lei se cumprisse emnós". Deus condenou o nosso pecado em Cristo, para quea santidade fosse dada a nós.

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2. Que a santidade consiste na justiça, isto é, "nopreceito da lei". Esta definição de santidade está no versí­culo 4, que vem a ser um dos versículos que mais incomo­dam os "Novos Moralistas", que dizem que a categoriada lei está eliminada para o cristão. Em lugar de abolir alei, Deus enviou seu próprio Filho com esta finalidade,de que a justiça que ela pede se cumpra em nós. Destemodo, a obediência à lei que não é e nem pode ser a baseda nossa justificação apresenta-se como seu fruto.

3. Que a santidade é obra do Espírito Santo, por­que "o preceito da lei" se cumpre em nós somente quando"andamos conforme o Espírito". Vimos que quase todoo capítulo 7 de Romanos dedica-se ao tema de que nãopodemos guardar a lei por causa "da carne". Assim, o úni­co modo de cumprir a lei é andar não "segundo a carne,mas segundo o Espírito", isto é, pelo seu poder e sob seucontrole.

Estas três verdades básicas da santidade cristã nosensinam por que devemos ser santos, o que é a santidadee como consegui-la. A razão por que devemos ser santosé a vinda e a morte de Cristo. A natureza da santidade é ajustiça da lei, a conformidade com a vontade de Deusexpressa em sua lei. E. o meio pelo qual se consegue asantidade é o poder do Espírito Santo.

Para concluir, façamos uma síntese desta longa ecomplicada passagem que estivemos estudando (7:1­8:4). Podemos denominá-la "Libertação da Lei", porémigualmente podemos chamá-la "O Cumprimento da Lei",porque a passagem ensina essas duas verdades. A seçãocomeça com uma afirmação da libertação da lei para ocristão (7:1-6), sintetizada nas palavras de 7:6: "Agora,porém, libertados da lei". Termina, em 8:4, afirmando aobrigação do cristão de guardar a lei: "A fim de que o pre­ceito da lei se cumprisse em nós". Tanto a nossa liberta-

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ção como a nossa obrigação se atribuem à morte de Cristo(7:4; 8:3,4). Alguém poderia dizer: Que contradição maisintolerável! Como pode ser que eu esteja livre da lei e obri­gado a guardá-la? O paradoxo é fácil de resolver. Somoslivres da obrigação de guardar a lei enquanto ela constituium meio para sermos aceitos por Deus, porém estamosobrigados a guardá-la enquanto ela constitui o caminhopara a santidade. Como base da nossa justificação a lei jánão nos obriga mais, porque para nossa aceitação estamos"não debaixo da lei, mas debaixo da graça". Porém comonorma de conduta a lei sempre nos obriga e procuramoscumpri-la, andando conforme o Espírito. Para compreen­der o significado disto e como andar conforme o Espírito,estudemos agora o restante de Romanos 8.

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CAPITULO 4

A VIDA NO ESPíRITO (Rm 8:5-39)

O quarto privilégio que temos como cristãos é a vida noEspírito. Até aqui nos capítulos já estudados, o Espíritonão foi mencionado com freqüência. No capítulo 6 elenão é mencionado; no capítulo 5 é mencionado apenasuma vez como aquele por quem o amor de Deus foi derra­mado em nossos corações (v. 5), e uma vez no capítulo 7,onde, no versículo 6, lemos que a escravidão cristã não éestar sujeito a um código externo, mas sim ao Espíritoque habita em nós. Agora, porém, no capítulo 8 o EspíritoSanto ocupa o lugar principal.

A vida cristã, isto é, a vida de um crente justifica­do, apresenta-se essencialmente como vida no Espírito, ouseja, uma vida animada, sustentada, dirigida e enriquecidapelo Espírito Santo. Neste capítulo o ministério do Espí­rito mostra-se especialmente em quatro áreas: primeiro,em relação a nossa carne, nossa natureza caída; segundo,em relação a nossa filiação, nossa adoção como filhos deDeus; terceiro, em relação a nossa herança final, incluin­do a redenção de nossos corpos no dia final; em quartolugar, em relação a nossas orações, onde temos que reco­nhecer nossa debilidade.

A atividade misericordiosa do Espírito Santo nessesquatro aspectos pode ser resumida da seguinte forma: eledomina nossa carne (vs. 5-13); dá testemunho da nossafiliação (vs. 14-17); garante nossa herança (vs. 18-25); e

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A VIDA NO ESPíRITO

ajuda nossa debilidade na oração (vs. 26-27). A conclusãodo capítulo (vs. 28-39) é uma afirmação incomparavel­mente magnífica de que os propósitos de Deus são inven­cíveis e portanto o povo de Deus tem uma segurança abso­luta e eterna.

I. O MINISTl!RIO DO ESP1RITO SANTO (8:5·27)

Porque os que se inclinam para a carne cogitam das causasda carne; mas os que se inclinam para o Espírito, das causasdo Espírito. Porque o pendor da carne dá para a morte, maso do Espírito, para a vida e paz. Por isso o pendor da carneé inimizade contra Deus, pois não está sujeito â lei de Deus,nem mesmo pode estar. Portanto os que estão na carne nãopodem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, masno Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E sealguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele. Se,porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está mortopor causa do pecado, mas o espírito é vida por causa da jus­tiça. Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou aJesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a CristoJesus dentre os mortos, vivificará também os vossos corposmortais, por meio do seu Espírito que em vós habita. Assim,pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constran­gidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo acarne, caminhais para a morte; mas, se pelo Espírito mortifi­cardes os feitos do corpo, certamente vivereis. Pois, todos osque são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdesoutra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção,baseados no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito tes­tiiica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, sesomos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus eco-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que tam­bém com ele sejamos glorificados. Porque para mim tenho porcerto que os sofrimentos do temôo presente não são para com­parar com a glória por vir a ser revelada em nós. A ardenteexpectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus.

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Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente,mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de quea própria criação será redimida do cativeiro da corrupção,para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabe­mos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angús­tias até agora. E não somente ela, mas também nós que temosas primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo,aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vênão é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas,se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos.Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossafraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas omesmo Espírito intercede por nós sobremaneira com gemidosinexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é ú

mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é queele intercede pelos santos.

a. O Espírito domina nossa carne (vs. 5-13)Conforme o v. 4 que consideramos no capítulo anterior,"o preceito da lei" pode cumprir-se em nós, os cristãos,somente se "não andamos segundo a carne, mas segundo oEspírito", seguindo suas determinações e submetendo-nosa seu controle. Agora o apóstolo Paulo dá a razão por queisto é assim. Aqui a mente tem um papel importante, jáque nossa conduta depende de nossa mente, e nosso com­portamento, de nosso íntimo. "Porque, como imagina emsua alma, assim ele é" (Pv, 23 ~7), e da mesma maneirase conduz. Em última análise, são nossos pensamentos quegovernam nosso comportamento.

Isto é o que escreve o apóstolo no v. 5 ~ "Porque (eisaqui a razão por que podemos cumprira lei somente seandamos conforme o Espírito) os que se inclinam para acarne Cogitam das cousas da carne; mas os que se inclinampara o Espírito, das cousas do Espírito". O pensar na car­ne ou no Espírito quer dizer ocupar-se das coisas da carne

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ou das coisas do Espírito. Trata-se de nossas preocupa­ções, das ambições que nos movem e dos interesses quenos absorvem, de como ocupamos nosso tempo, dinheiroe energias, das coisas às quais nos dedicamos. Ao exami­nar tudo isto, sabemos com segurança onde está posta anossa mente.

O v. 6dá o resultado destas duas mentalidades: "opendor da carne dá para a morte". Observemos que a fra­se não é "será a morte" mas "dá para a morte" agora, por­que ele conduz ao pecado e portanto à separação de Deusque é a morte. Mas, "o (pendor) do Espírito (dá) paraa vida ... ", agora, porque conduz à santidade e portanto

.à comunhão constante com Deus que é a vida. Além domais, não traz somente vida, mas também paz: paz comDeus, que é vida; e paz dentro de nós mesmos, integraçãoe harmonia. Muitos de nós buscaríamos a santidade commaior ansiedade e entusiasmo se estivéssemos convenci­dos de que o caminho da santidade é o caminho da pazalém de ser o caminho da vida. Não cabe nenhuma dúvi­da de que é assim; por nenhum outro caminho se conse­gue vida e paz.

Em contraste, o ocupar-se da carne traz a morte e aguerra, conforme os vs. 7 e 8: "Por isso o pendor da carneé inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei deDeus, nem mesmo pode estar. Portanto os que estão nacarne não podem agradar a Deus". Não podem agradara Deus, porque a única maneira de agradá-lo é submeter­se à sua lei e obedecê-la. Pois bem, a mente carnal é ini­miga da lei de Deus e não quer submeter-se a ela, en­quanto a mente guiada pelo Espírito é amiga da lei deDeus e se regozija com ela.

Aqui se apresentam duas categorias de pessoas (asque estão na carne e as que estão no Espírito), que têmduas mentalidades ou disposições (chamadas a mente car-

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nal e a mente do Espírito), as quais levam a dois mo­dos de c~nduta (o andar conforme a carne e o andar con­forme o Espírito), e terminam em dois estados espirituais(a morte e a vida). Se estamos na carne nos ocupamos dascoisas da carne, andamos conforme a carne e em conse­qüência morremos. Porém se estamos no Espírito, anda­mos conforme o Espírito e conseqüentemente vivemos. Oque somos orienta como pensamos; o modo como pensa- .mos determina como nos conduzimos; e o modo como nosconduzimos expressa nossa relação com Deus: a morteou a vida. Novamente vemos o quanto depende de nossamente, onde a colocamos, como a ocupamos e sobre o queenfocamos e concentramos suas energias.

Com isto chegamos ao v. 9; é nele que o apóstoloaplica a seus leitores de forma pessoal as verdades atéaqui expostas em termos gerais. O v. 8 diz: "os que estãona carne não podem agradar a Deus", e logo em seguida:"Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se defato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém nãotem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele". Observemosos sinônimos empregados neste versículo: primeiro "o Es­pírito de Deus" e "o Espírito de Cristo"; a seguir: "mas(estais) no Espírito" e "o Espírito de Deus habita em vós".São duas maneiras de expressar a mesma experiência. Emterceiro lugar, é a mesma coisa ter o Espírito habitandoem nós e tenCristo morando em nós (vs. 9 elO).

Além do ensino através dos sinônimos, o V. 9 é degrande importância, pois nos diz claramente que a carac­terística que melhor distingue o verdadeiro cristão,· dife­renciando-o de todos os não-cristãos, é que o Espírito San­to vive nele. Duas vezes no capítulo 7, nos vs. 17 e 20,o apóstolo fala do "pecado que habita em mim", porémagora fala do Espírito que habita em nós. O pecado arrai­gado no nosso interior é a herança de todos os filhos de

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Adão. O grande privilégio dos filhos de Deus é ter o Es­pírito que mora neles para contradizer e dominar o pe­cado interior. "E se alguém não tem o Espírito de Cristo,esse tal não é dele".

Os vs. 10 e 11 indicam a grande conseqüência determos o Espírito habitando em nós. Ambos começam comuma frase condicional (v. 10): "Se ... Cristo está em nós";(v. 11): "Se habita em nós o Espírito daquele que ressusci­tou a Jesus dentre os mortos... " Qual é o resultado deter Cristo em nós, por meio de seu Espírito? A respostaé: "a vida" - vida para nossos espíritos agora e vida paranossos corpos no final - porque o Espírito Santo é oEspírito de vida. Ele é o Senhor, que dá a vida. Assim oversículo 10 diz: "Se, porém, Cristo está em vós, o corpo,na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espí­rito é vida por causa da justiça". Isto é, mesmo que nossoscorpos tendam para a morte, sendo mortais, nossos espí­ritos vivem, porque o Espírito Santo lhes deu vida. Aconseqüência do pecado de Adão nos faz morrer fisica­mente; pela justiça de Cristo vivemos espiritualmente.

Mesmo que atualmente apenas os nossos espíritosvivam (pois nossos corpos mortais hão de morrer), no diafinal nossos corpos viverão. Versículo 11: "Se habita emnós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre osmortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus den­tre os mortos vivificará também os vosso: corpos mor­tais, por meio do seu Espírito que em vós habita". Aquihá referência às três pessoas da Trindade: o Deus que le­vantou a Cristo dos mortos, levantar-nos-á em nossoscorpos. Por quê? Porque o Espírito habita neles e assimos santifica. Como? Pelo poder do mesmo Espírito quevive neles. Pois bem, o Espírito Santo que já vivificounossos espíritos, no final vivificará também nossos corpos.

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"Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carnecomo se constrangidos a viver segundo a carne" (v. 12)e o apóstolo interrompe seu pensamento. Se houvesse com­pletado, certamente haveria dito que somos devedores aoEspírito, para viver segundo o Espírito.

Esta idéia de sermos devedores ao Espírito Santoé interessante e sugestiva: indica que temos a obrigaçãode ser santos. Obriga-nos a ser o que somos, conduzir-nosde acordo com a nossa posição e privilégio como cristãose não fazer nada que o·contradiga. Em especial, se vive­mos no Espírito, temos a obrigação de andar conforme oEspírito.

Eis aqui a questão: se o Espírito Santo que mora emnós nos dá vida, é impossível que andemos segundo a car­ne, pois este é o caminho da morte. Uma incoerência talentre o que somos e 6 nosso comportamento, entre o pos­suir a vida e o jogar com a morte, é inconcebível, Estamosvivos, nosso espírito vive, o Espírito Santo nos deu vida;somos portanto devedores ao Espírito que nos deu vida.Por seu poder devemos fazer morrer tudo o que ameaceesta nova vida, especialmente "as obras da carne". So­mente ao morrer para elas, viveremos, isto é, continuare­mos desfrutando a vida que o Espírito Santo nos temdado.

Esta é a grande alternativa que apresenta o v. 13:"se viverdes segundo a carne", diz Paulo, permitindo queela prospere e se desenvolva, "caminhais para a morte;mas se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, cer­tamente vivereis." E cada um de nós tem que escolherentre o caminho da vida e o caminho da morte. PorémPaulo não põe em dúvida como vamos escolher, já quediz que somos devedores, obrigados a escolher correta­mente. Se o Espírito deu vida a nossos espíritos, temos

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que fazer morrer as obras do corpo, de modo que possa­mos continuar vivendo a vida que oEspírito nos tem dado.

Considerando todo o parágrafo há pouco comentadopodemos apreciar a progressão no pensamento do apósto­lo. Baseia-se em que há duas categorias de pessoas: asque estão na carne (as não regeneradas) e as que estãono Espírito (as regeneradas). Dirigindo-se aos romanosPaulo diz: agora vocês pertencem à segunda categoria.Não estão na carne, mas no Espírito, e conforme creio,o Espírito de Deus vive em vocês (v. 9). Além disso,porque Cristo vive em vocês por seu Espírito, vocês estãovivos (v. 10).

Estes dois fatos encerram a realidade: temos o Espí­rito Santo vivendo em nós, e em conseqüência nossos es­píritos estão vivos porque o Espírito os vivificou. De fato,pois, somos devedores (devido ao que somos) não à car­ne, mas ao Espírito. Temos a mais séria obrigação de sero que somos, de conformar nossa conduta com nosso cará­ter, de não fazer nada que tenha resultados inconseqüen­tes com a vida do Espírito em nós, mas devemos cuidardesta vida e cultivá-la.

Para sermos mais exatos, se quisermos ser retos ecancelar a nossa dívida, nos encontraremos envolvidos emdois processos. Em termos teológicos estes se chamammortificação e aspiração, e significam a atitude corretaque se há de adotar respectivamente diante da carne ediante do Espírito. Devemos fazer morrer as obras docorpo ou da carne, o que é a mortificação, e devemospôr nossos olhos nas coisas do Espírito, o que é a aspi­ração.

A mortificação, ou seja, o fazer morrer pelo poderdo Espírito as obras do corpo, expressa o desprezo abso­luto de todas as práticas que reconhecemos como más;um arrependimento diário, deixando todos os pecados

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reconhecidos em nós, como: hábitos, práticas, associa­ções ou pensamentos; "arrancando os olhos" ou "cortandoas mãos ou os pés", se a tentação nos assalta por meio doque vemos, ou fazemos, ou por onde vamos. A única ati­tude que devemos adotar diante da carne é matá-la.

A aspiração, ou seja, o ocupar-nos das coisas do Es­pírito, ~ a inteira dedicação de nós mesmos, de pensamen­tos, de energias e de ambições, a "tudo o que é verdadei­ro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o queé puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama"(cf. Fp 4:8). Isto inclui o uso assíduo dos "meios da gra­ça", tais como a oração, a leitura da Bíblia, a comunhãoentre cristãos, a adoração, a Santa Ceia do Senhor, e ou­tros. Tudo isto é parte essencial do ocupar-nos das coisasdo Espírito. Tanto a mortificação como a aspiração seexpressam com verbos em tempo presente porque sãoati­tudes a serem adotadas e mantidas constante e perma­nentemente. Vez após vez devemos continuar fazendomorrer as obras do corpo. (''Se alguém quer vir após mim,a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me"Lc 9:23). Vez após vez devemos continuar colocandonossa mente nas coisas do Espírito. Há ainda outra coisaem comum entre a mortificação e a aspiração: ambas têmo segredo da vida em seu sentido mais pleno. Não há vidaverdadeira sem a morte chamada mortificação, nem o hásem a disciplina chamada aspiração. Enquanto fazemosmorrer as obras do corpo, viveremos (v. 13); enquantopomos nossos olhos nas coisas do Espírito, encontramosvida e paz (v. 6). De modo que o Espírito Santo dominanossa carne à medida que a mortificamos, e à medida quepomos nossa mente nas coisas do Espírito.

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b, O Espírito dá testemunho da nossa condição de filhos(vs. 14.17)Este parágrafo segue dando ênfase à obra do Espírito,porém nossa posição e privilégios cristãos se apresentamagora em termos distintos. Observemos o paralelo entreos vs. 13 e 14: "Se pelo Espírito mortificardes os feitosdo corpo, certamente vivereis". "Pois todos os que sãoguiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus". Am­bos se referem à atividade do Espírito, o primeiro emtermos de vida e o segundo em termos de ser filho..

Que possibilidades de intimidade com Deus traz apalavra filho! Os privilégios de seus filhos são o acessoa ele e a comunhão com ele como Pai. Sem dúvida, nemtodos os seres humanos são filhos de Deus, já que o ver­sículo 14 de forma definitiva e intencional considera fi­lhos somente os que são guiados pelo Espírito, os quepelo Espírito são conduzidos pelo caminho estreito dajustiça. Ser guiado pelo Espírito e ser filho de Deus sãoexpressões intercambiáveis; todos os que são guiados peloEspírito de Deus são filhos de Deus, e portanto todos osque são filhos de Deus são guiados pelo Espírito de Deus.

Isto pode ser visto de maneira mais clara no v. 15onde se descobre que tipo de Espírito temos recebido (otempo aoristo do verbo grego se refere ao passado, nestecaso a nossa conversão), não um Espírito de escravidão,mas um de adoção. O Espírito Santo, dado a nós quandoconfiamos (cremos) no Filho, nos faz filhos e não escra­vos. Não nos chama à antiga escravidão baseada no medo,mas nos permite ser filhos que podem se aproximar deDeus como Pai. E em seguida nos dá a segurança da novacondição que ele nos deu: "clamamos: Aba, Pai" (a mes­ma expressão usada pelo Senhor Jesus em íntima comu­nhão com Deus), pois "o próprio Espírito testifica com onosso espírito que somos filhos de Deus" (vs. 15b e 16).

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Esta maneira de traduzir estes versículos mostra quequando .oramos é concedido o testemunho interior doEspírito. E em nosso acesso a Deus mediante a oraçãoque sentimos nossa relação com ele como seus filhos, re­conhecendo-nos como filhos de um pai celestial.· E quan­do nosso espírito está em comunhão com Deus, o Espí­rito Santo dá testemunho junto com nosso espírito (demaneira que há dois testemunhos unânimes) de que narealidade somos filhos de Deus. .

Versículo 17: "Ora, se somos filhos, somos tambémherdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo:se com ele sofremos, para que também com ele sejamosglorificados". Novamente aqui, tal como no capítulo 5,o próprio sofrimento é o caminho da glória. Observe afrase: "com ele"; toda a vida cristã é um ato de identi­ficar-se com Cristo. Se compartilhamos com ele como fi­lhos, também compartilharemos sua herança na glória,porém se temos de compartilhar de sua glória, devemosprimeiro compartilhar de seus sofrimentos.

c. O Espírito assegura nossa herança (vs. 18·25)O tema deste parágrafo é o contraste entre o sofrimentodo presente e a glória futura já mencionados por Paulono v. 17. Inicialmente ele disse que os dois não podemcomparar-se (v. 18), antes devem ser postos em contrasteporque a glória vindoura sobrepujará todo sofrimentopresente. A seguir- desenvolve esta idéia, colocando-a emum magnífico contexto cósmico, já que o resto do pará­grafo ensina como toda a criação junto com a nova cria­ção, isto é, a Igreja, estão envolvidas tanto no sofrimentopresente como na glória vindoura. As duas criações (aantiga e a nova, a física e a espiritual, a natureza e aIgreja) sofrem juntas agora e juntas serão glorificadas nofinal. Tal como a natureza participou da maldição sobre

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o homem (Gênesis 3), e agora participa do sofrimentohumano, assim chegará a participar da glória do homem.Versículo 19: "O universo todo, com muito desejo e es­perança, aguarda o momento em que os filhos de Deusserão revelados" (BLH), porque este será o momentoquando o universo também será redimido.

1. A criação (vs. 18-22). Aqui há referência qua­tro vezes à criação, uma vez em cada versículo. Observecomo se apresentam seus sofrimentos atuais: vs. 20~21 "acriação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, maspor causa daquele que a sujeitou, na esperança de que aprópria criação será redimida do cativeiro da corrup­ção ... "; v. 22 " . . . toda a criação a um só tempo gemee suporta angústias até agora". Vaidade no v. 20 signi­fica frustração; é a mesma palavra traduzida por vai­dade na versão grega do livro de Eclesiastes. Já se temdito que "todo o livro de Eclesiastes serve de comentáriosobre este versículo". "Vaidade de vaidades, diz o Prega­dor, tudo é vaidade". Esta frustração à qual Deus sujeitouo mundo criado se explica no versículo seguinte como"cativeiro da corrupção", o ciclo contínuo de nascimento,crescimento, morte e decomposição, todo o processo dedeterioração do universo que parece ir acabando-se. Esteprocesso está acompanhado pela dor, seja literal ou me­tafórica. Frustração, decomposição e sofrimento; comestas palavras o apóstolo retrata o sofrimento presenteda natureza. Sem dúvida isto é temporário, porque ossofrimentos atuais da natureza -são o prelúdio de umaglória vindoura. Cada versículo enfatiza este fato: v. 20,se a criação está sujeita à vaidade, foi "em esperança",isto é, com vistas a um futuro melhor; v. 21: "a criaçãoserá redimida do cativeiro da corrupção, para a liberda­de da glória dos filhos de Deus". Haverá liberdade emvez de escravidão, glória incorruptível em vez de decom-

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posição ou corrupção. Se nós vamos participar da glóriade Cristo, a criação participará da nossa.

Finalmente no v. 22 os gemidos e angústias dacriação são comparados com dores. de parto, isto é, nãosão dores que carecem de sentido e de -propósito, massão dores inevitáveis no vislumbre de uma ordem nova(cf. Mt 24:8).

2. A Igreja (vs. 23-25). Do tema da criação passa­mos agora ao da Igreja, a qual é a nova criação de Deus.O elo está nos vs. 22 e 23: "toda a criação a um só tempogeme e suporta angústias até agora. E não somente ela,mas também nós. . . gememos em nosso íntimo ... " Qualé este- gemido interior que compartilhamos com o restoda criação? Quais são os sofrimentos atuais da Igreja aque se refere o apóstolo? Já não se trata de perseguição,mas do fato de que estamos salvos pela metade!

O fato é que ninguém está completamente salvo. Comcerteza nossas almas estão redimidas, porém não nossoscorpos. E são nossos corpos não redimidos que nos fazemgemer. Por quê? Por um lado, nosso corpo é débil, frágile mortal, sujeito à fadiga, à enfermidade, ao sofrimentoe à morte. O apóstolo pensava nisto ao escrever que nestecorpo gememos (2 Co 5:2, 4). Porém por outro lado,"a carne", nossa natureza caída e pecaminosa, habita emnossos corpos mortais ("o pecado que habita em mim"7:17,20). Exatamente este mesmo pecado que reside emnós é que nos faz dizer: "Infeliz de mim! Quem me liber­tará deste corpo de morte?" (BJ). Tal grito de angústiacorresponde exatamente ao que Pauloquer dizer por.nossogemido interior no presente, só que aqui o gemido inte­rior se expressa em alta voz.

Observemos os dois fatos que nos fazem gemer:nossa fragilidade física e nossa natureza caída, de ma-

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neira que desejamos ardentemente a glória futura quandoseremos~libertados destas duas cargas.

Define-se nossa glória futura de duas maneiras: pri­meiro, é a redenção dos nossos corpos, porque receberemoscorpos novos no último dia, seremos libertos de sua duplacarga, sua fragilidade e sua "carne". Nosso corpo ressusci­tado terá capacidades novas e inimagináveis e nenhumpecado morará nele.

Em segundo lugar, a glória futura é também nossaadoção como filhos. Em certo sentido, segundo o v. 15,já recebemos nossa adoção; em outro, todavia, a espera­mos, porque nossa condição de filhos, embora gloriosa, éimperfeita. Nem em corpo, nem em caráter chegamos aser conforme a imagem do Filho de Deus (cf. v. 29); tam­pouco nossa adoção foi l'9'elada e reconhecida publica­mente. Porém o dia final presenciará "a revelação dosfilhos de Deus" (v. 19).

O mundo não nos conhece como filhos de Deus(1 Jo 3: 1), porém isto ficará evidente para todos no diafinal, quando obteremos o que Paulo chama de a "gloriosaliberdade dos filhos de Deus" (v. 21, BLH). E a criaçãoa obterá junto conosco.

Temos segurança absoluta quanto a esta herança glo­riosa no futuro. Por quê? Porque já "temos as primíciasdo Espírito" (v. 23). Todavia não recebemos nossa adoçãofinal como filhos, nem tampouco a redenção de nossoscorpos, porém já recebemos o Espírito Santo, a garantiaque Deus nos dá assegurando-nos de nossa herança com­pleta. De fato, o Espírito é mais que uma garantia destaherança: ele é o antegozo dela. Em certas ocasiões, Paulousa uma metáfora comercial ao falar do Espírito Santocomo garantia, o sinal que se dá por uma compra a prazo,o que assegura que o restante será pago depois. Porémaqui a metáfora usada é da agricultura: "as primícias"

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recolhidas no campo dão promessa de uma colheita abun­dante mais tarde.

Em resumo, o Espírito Santo é o Espírito de adoçãoque nos faz ser filhos de Deus (v. 15), e ele dá testemu­nho a nosso espírito de que somos filhos de Deus (v. 16).Além do que, ele mesmo é a promessa de nossa completaadoção como filhos de Deus, quando nossos corpos serãoredimidos.

A mesma idéia é reforçada nos vs. 24 e 25, com aspalavras "na esperança fomos salvos". Fomos salvos, masnão na plenitude que, na esperança, incluirá também nos­os corpos. O objeto dessa esperança é invisível; enquantonão o vemos, o esperamos com paciência e força, semnos deixar desanimar com os dolorosos sofrimentos dopresente.

d. O Espírito assiste nossa debilidade na oração(vs. 26-27)Há aqui outro ministério que cumpre ao Espírito Santo,que é mencionado quatro vezes nestes dois versículos:"nos ajudq em nossa fraqueza" (BLH) e a fraqueza especí­fica de que se fala aqui é a nossa ignorância na oração;"não sabemos orar como convém", porém o Espírito nosajuda em nossa fraqueza.

Não se tem considerado o ministério geral do Espí­rito Santo na oração, apesar de que as Escrituras nosmostram que nosso acesso ao Pai é não somente por meiodo Filho, mas pelo Espírito (Ef 2: 18). A inspiração doEspírito Santo é tão necessária como a mediação do Filhose queremos obter acesso ao Pai na oração. Porém estapassagem fala. de um ministério mais específico que exer­ce o Espírito Santo em relação a todos os aspectos quefazem a nossa vida de oração.

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Há vezes quando os cristãos, por não saber orar com­palavras, gemem sem falar nada. Um comentarista obser­vou" que às vezes a intensidade de nossos desejos nos fazcalar a voz. Também há momentos em que nos sentimostão carregados por nossa fragilidade ou por nosso pecadoque somente temos capacidade de gemer. Estes suspirosou gemidos sem a articulação, única expressão dos dese­jos mais profundos, não devem ser desapreciados, nemprecisamos buscar palavras com as quais possamos exterio­rizá-los, porque quando gememos desta maneira, deixan­do sair nossos desejos inexpressados, é o Espírito Santomesmo quem intercede por nós, inspirando estes gemidos.Não devemos sentir-nos envergonhados de tais oraçõessem palavras. Deus Pai compreende os rogos suspirados,que não se podem expressar, já que ele examina nossoscorações e lê nossos pensamentos. Ele sabe também qualé a intenção do Espírito, porque o Espírito Santo semprepede conforme a vontade de Deus. Desta maneira o Paique está no céu recebe as súplicas que são impulsionadaspelo Espírito em nossos corações. Estas são, então, as qua­tro atividades que o Espírito Santo realiza em sua graça:domina nossa carne, dá testemunho de nossa adoção, asse­gura nossa herança e ajuda nossa fraqueza na oração.

11. O INVENC1VEL PROPÓSITO DIVINO(8:28-39)

Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daquelesque amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seupropósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, tambémos predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho,a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Eaos que predestinou, a esses também chamou; e aos que cha­mou, a esses também justificou; e aos que justificou, a essestambém glorificou. Que diremos, pois, à vista destas cousas?

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ROMANOS 8:28-39

Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que nãopoupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou,porventura não nos dará graciosamente com ele todas as cau­sas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? ÉDeus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesusquem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direitade Deus e também intercede por nós. Quem nos separará doamor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição,ou' fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito:Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomosconsiderados como ovelhas para o matadouro. Em todas estascausas, porém, somos mais que vencedores, por meio daque­le que nos amou. Porque eu estou bem certo de que nemmorte, nem vida, nem anjos, nem principados, nem causas dopresente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem pro­fundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos doamor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.

Isto nos leva à conclusão e ao clímax. Nos doze versículosfinais do capítulo (vs. 28-39) o apóstolo sobe a alturasinigualadas em todo o Novo Testamento. Já não se refereao Espírito Santo, mas tendo apresentado alguns dos pri­vilégios dos justificados - a paz com Deus, a união comCristo, a libertação da lei, a vida no Espírito - dirigeagora sua atenção, debaixo da inspiração do Espírito, acontemplar todo o conselho de Deus. Ele o observa daeternidade passada até uma eternidade futura, do conhe­cimento divino que nos predestinou ao amor divino doqual nada em absoluto jamais poderá nos separar.

O clímax do apóstolo recai no imutável, irresistível,invencível propósito de Deus, e por este propósito e atra­vés dele, na segurança eterna do povo de Deus. Tais gran­diosas verdades, que ultrapassam nossa pequena capaci­dade de compreensão, são expressas por Paulo primeira­mente numa série de cinco afirmações incontestáveis, edepois numa série de cinco perguntas sem respostas, quan-

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do então ele desafia a quem quer que possa contradizer oque ele acaba de afirmar.

a. Cinco afirmações irrefutáveis (vs. 28·30)Todo cristão está familiarizado com o v. 28: Quantas ve­zes ele tem sido ponto de apoio para o coração e a menteperturbados! "Pois sabemos que em todas as coisas Deustrabalha para o bem daqueles que o amam ... " (BLH).Provavelmente a ERAB é bem mais conhecida: "Sabemosque todas as cousas cooperam para o bem daqueles queamam aDeus". Porém a BLH é preferível porque não éque todas as coisas por si cooperam para o bem; mas éDeus que trabalha todas as coisas para o bem, inclusiveos sofrimentos e os gemidos dos parágrafos anteriores,"daqueles a quem ele chamou de acordo com o seu pro­pósito" (BLH). Em seguida vêm as afirmações (vs. 29-30)que explicam o significado do chamado divino e o sentidoem que Deus ordena todas as coisas para o bem. Estaintervenção divina para o bem, isto é, o propósito de Deuspara a salvação dos pecadores, está presente desde o iní­cio na mente de Deus até o final na glória eterna. As cincoetapas são: o conhecimento prévio de Deus, a predesti­nação, o chamado, a justificação e a glorificação.

1 e 2. Ele conheceu de antemão e ele predestinou.Talvez a diferença entre este conhecimento prévio e apredestinação seja que na mente de Deus se fez primeiroa eleição, antes de exercitar a sua vontade. Em outras pa­lavras, sua decisão precedeu o seu decreto. Não é este olugar para sondar os mistérios da predestinação, mas valea pena considerar o sábio comentário feito por C. J. Vaug­han: "Toda pessoa que eventualmente seja salva poderáatribuir sua salvação do começo até o fim ao favor e à açãode Deus. O mérito humano tem de ser excluído: e isto sóse consegue remontando ao que vai muito além da obe-

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diência (que evidencia a salvação), e da fé (que a apro­pria), já que é um ato espontâneo do favor de Deus, quedesde a eternidade prevê todas suas obras e as ordenade antemão". Observemos também que o propósito dapredestinação divina não é o de mostrar uma preferênciainjusta, mas santidade, à semelhança de Cristo. e que nóssejamos feitos conforme a imagem de seu Filho, para queele seja o primogênito entre muitos irmãos. Assim comono princípio Deus criou o homem à sua própria imagempor um ato de graça soberana, da mesma maneira Deuspredestinou homens para serem feitos conforme a imagemde seu Filho, também por um ato de graça soberana.

3 e 4. Ele chamou e justificou.' O chamado de Deusé a concretização histórica de sua predestinação eterna.Aqueles que Deus chama a si, respondem com fé a seuchamado, e aqueles que assim crêem, Deus os justifica,aceitando-os em Cristo como sendo dele mesmo.

5. Ele glorificou, ressuscitando e levando ao céuaqueles que ele havia predestinado, chamado e justifica­do. Dá-lhes corpos novos num mundo novo. Omite-seo processo de santificação nesta série; porém, como diz oprofessor F. F. Bruce, está implícito na glorificação: "Aprimeira fase da glória é a santificação, e quando esta forcompleta conheceremos a glória em sua plenitude". Talé a certeza sobre esta etapa final da glorificação, que seemprega o tempo aoristo para expressá-la, como se jáhouvesse passado, como em outras etapas. 11 chamado"tempo passado profético". '

Eis aqui a série de cinco afirmações inegáveis, comouma cadeia de cinco elos inquebráveis: "aos que de ante­mão conheceu, também os predestinou. .. aos que pre­destinou a esses também chamou; e aos que chamou,a esses também justificou, e aos que justificou, a essestambém glorificou". Aqui nos é apresentada a atividade

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progressiva e contínua de Deus, desde seu conhecimentode antemão e sua predestinação na eternidade, a seu cha­mado histórico e seu ato de justificação, até a glorificaçãofinal de seu povo no céu.

b. Cinco perguntas impossíveis de responder (vs. 31·39)"Que diremos, pois, à vista destas coisas?" Com esta fór­mula, já empregada três vezes nestes capítulos, o após­tolo só introduz uma conclusão. B como se dissesse: de­pois do que acabo de dizer, que diremos agora? Após ascinco grandes afirmações dos versículos 29 e 30, comoconcluiremos? Paulo responde com cinco perguntas, paraas quais não há resposta. Versículo 31: "Se Deus é pornós, quem será contra nós?" Versículo 32: "Aquele quenão poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós oentregou, porventura não nos dará graciosamente com eletodas as cousas?" Versículo 33: "Quem tentará acusaçãocontra os eleitos de Deus?" Versículo 34: "Quem os con­denará?" Versículo 35: "Quem nos separará do amor deCristo?" O apóstolo lança estas perguntas ao espaço, eu­fórico e triunfante, desafiando a qualquer criatura no céu,na terra ou no inferno a que conteste ou desmonte averdade que encerram. Porém não há nenhuma resposta,já que nada pode danificar o povo redimido de Deus.Para entender estas perguntas sem resposta, é importantever por que ficam sem resposta. A razão consiste em quea afirmação que cada pergunta pressupõe está fundamen­tada em uma verdade inalterável, de maneira que cadapergunta, explícita ou implicitamente, está ligada a umafrase condicional. Isto se vê com maior clareza naprimeira:

1. Se Deus é por nós, quem será contra nós? (v. 31).Se Paulo tivesse simplesmente perguntado: "Quem é con­tra nós?", sem a frase introdutória, poderia haver muitas

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respostas, já que temos inimigos terríveis: os não-cristãosse opõem a nós; o pecado que habita em nós nos assaltacom muita força; a morte é um inimigo; igualmente o éaquele que tem o império da morte, isto é, o diabo. Averdade é que o mundo, a carne e o diabo são muitosuperiores a nossas forças.

Porém a pergunta de Paulo não é simplesmente:"Quem é contra nós?" mas: "Se Deus é por nós" ..- oDeus que nos conheceu de antemão, que nos predestinou,que nos chamou, que nos justificou e que também nos glo­rificou, se este Deus é por nós - "quem será contra nós?"Para essa pergunta não existe resposta. O mundo, a carnee o diabo podem continuar alistando-se contra nós, porémnunca nos poderão vencer se Deus é por nós.

2. "Aquele que não poupou a seu próprio Filho,antes, por todos nós o entregou, porventura não nos darágraciosamente com ele todas as cousas?" (v. 32). Nova­mente se o apóstolo somente houvesse perguntado: "Nãonos dará Deus todas as coisas?" haveríamos titubeado edado uma resposta equívoca. Necessitamos de tantas coi­sas, grandes e difíceis: como poderíamos estar seguros queDeus nos suprirá de todas? Porém da maneira como Paulocoloca esta pergunta, nossas últimas dúvidas são elimina­das, porque o Deus de quem perguntamos se não nos darátodas as coisas é aquele que já nos deu o seu próprio Filho.Se ele entregou o seu dom inefável e indescritível, isto é, oseu próprio Filho pelos pecadores, acaso não nos dará to­dos os benefícios menores que facilmente podemos expres­sar? A cruz é a demonstração da generosidade de Deus.

3. "Quem intentará acusação contra os eleitos deDeus?" (v. 33). Tem-se comentado que as duas perguntasque seguem, sobre o ser acusado e condenado, nos fazempassar, figurativamente, nos tribunais de justiça. A idéiaé que nenhuma acusação poderá ser levada em conta se

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Jesus Cristo, nosso advogado, nos defende e se Deus, ojuiz, já nos declarou justificados. Quem nos acusará? Comcerteza, esta pergunta sozinha não é difícil de responder:nossa consciência nos acusa; o diabo nunca deixa de nosdenunciar, já que ele é chamado de "o acusador de nossosirmãos", e seu nome significa difamador ou caluniador.Porém as acusações do diabo não nos afetam nem nos cau­sam dano; melhor que isto, escapamos ilesos. Por quê?Porque somos os eleitos de Deus, a quem ele já justificou.Se Deus mesmo nos justificou, nenhuma acusação contranós pode prevalecer.

4. "Quem os condenará?" (v. 34). Outra vez muitosprocuram nos condenar. Às vezes nosso coração nos con­dena ou procura fazê-lo (1Jo 3:20-21). O mesmo fazemnossos críticos e nossos inimigos. Sim, e todos os demô­nios do inferno. Porém sua condenação não tem sentido.Por quê? Por causa de Cristo Jesus. Para começar, elemorreu; morreu pelos mesmos pecados pelos quais sería­mos, de outro modo, condenados. A seguir, Cristo foiressuscitado dentre os mortos, para comprovar a eficáciade sua morte. Agora está sentado no lugar supremo à des­tra do Pai de onde desempenha seu ofício de advogadocelestial, intercedendo por nós. Com este Cristo comonosso Salvador - crucificado, ressuscitado, exaltado eque está intercedendo a nosso favor - podemos dizer comsegurança: "Agora, pois, já nenhuma condenação há paraos que estão em Cristo Jesus" (v. 1). Podemos perguntaraté mesmo aos demônios do inferno: quem vai me con­denar? Não haverá nenhuma resposta.

5. "Quem nos separará do amor de Cristo?" (v. 35).Com esta pergunta, a quinta e última, Paulo faz o quetemos tentado fazer com as outras, isto é, buscar umapossível resposta. Apresenta todos os contratempos quetalvez pudessem nos separar do amor de Cristo. f; pos-

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sível que tenhamos que suportar a tribulação, a angústia,a perseguição, isto é, as pressões de um mundo sem Deus.E possível que tenhamos que conhecer a fome, a nudez,isto é, a falta de alimento e de vestuário adequados; eem vista de que Jesus assegurou a provisão destas coisaspara os filhos do Pai Celestial, sua escassez poderia pa­recer uma evidência da indiferença de Deus. E possívelque tenhamos que passar por perigos e pela espada, ouseja, o perigo da morte e a morte mesma, e pela maldadedos homens até o martírio, que é a prova final de nossa fé.Esta é uma prova real, porque segundo o versículo 36,as Escrituras nos advertem no Salmo 44:22 que o povode Deus por sua causa é morto todo o tempo; seu povo estáexposto continuamente ao risco da morte, como ovelhasque vão para o matadouro.

Estas são verdadeiras adversidades. São sofrimentosreais, dolorosos, perigosos e difíceis. Poderão nos separardo amor de Cristo? Absolutamente, não. Em lugar de nosseparar do amor de Cristo, "em todas essas coisas", atémesmo nos sofrimentos, "somos mais que vencedores".Esta frase de quatro palavras representa uma só no grego:hypemikomen, hiper-vencedores. Somos super-vencedorespor meio daquele que nos amou. Consideremos de novoesta pequena frase. Ela parece dizer: Cristo demonstrouo seu amor com seus sofrimentos; portanto os nossos so­frimentos não podem nos separar do seu amor.

Por último Paulo chega ao clímax de sua exposiçãonos versículos 38 e 39 com a afirmação: "Porque eu estoubem certo ... " Sua convicção, firme, inabalável é que nema crise da morte, nem as desgraças da vida, nem poderessobre-humanos, sejam bons ou maus (anjos, principados,potestades), nem o tempo (presente ou futuro), nem o es­paço (o alto ou o profundo), "nem qualquer outra criatu­ra", por mais que tente fazê-lo "poderá separar-nos do

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amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor",esse amor que foi demonstrado na história pela morte deCristo e que é derramado em nossós corações pelo Espíritode Cristo.

Queira Deus que nós também vivamos e morramosigualmente convencidos do amor de Deus, no meio detodas as dores e complexidades da experiência humana.

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CONCLUSÃO

A mensagem destes capítulos é que a vida cristã implicaem uma nova vida, uma completa renovação (cf. 6:4). Oscristãos são, na verdade Homens Novos. Cada capítuloagrega um novo detalhe a este retrato.

Para começar: "temos paz com Deus". Éramos ini­migos, porém fomos reconciliados. Vivemos em estadode graça, gozando do favor e do agrado de Deus. Gloria­mo-nos em nossa esperança segura da glória final.

Depois, fomos unidos com Cristo em sua morte eressurreição. Este é o significado do nosso batismo. Osbenefícios da sua morte e o poder da sua ressurreiçãochegam a ser nossos porque nós chegamos a ser dele.

Além disso, somos libertados do terrível domínio dalei. Nossa relação com Deus não depende de nossa obe­diência servil a certos regulamentos. Em Cristo estamosdebaixo da graça; esta é a liberdade com que Cristo nosfez livres.

Ao mesmo tempo, recebemos o próprio Espírito San­to, que vive em nós. E mesmo que não tenhamos a obriga­ção de guardar a lei para ganhar a nossa salvação, ao ser­mos salvos as justas exigências da lei se cumprem em nóspelo poder interior do Espírito. O mesmo Espírito que nossantifica também dá testemunho no íntimo de nosso ser deque somos filhos de Deus e nos ajuda em nossas orações.

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CONCLUSÃO

Finalmente, sabemos que nada pode impedir a rea­lização do eterno propósito de Deus para nós, nem sepa­rar-nos de seu infalível amor em Cristo. Um dos maioresprivilégios do cristão é conhecer esta. segurança absolutaem meio às vicissitudes da vida.

Essas vicissitudes são muitas; há tribulações produ­zidas por um mundo hostil e não-cristão. Entre elas estáa carne, a natureza caída que permanece nos regenerados,"o pecado que habita em mim", que persegue nossos pas­sos, fazendo-nos lamentar nossa miséria e clamar por li­bertação. Também estão os sofrimentos dos quais partici­pamos como parte da criação inteira que geme com doresde parto. Pois bem, nossos problemas permanentes são asperseguições externas, a corrupção moral interior, a fra­gilidade física, das quais não nos libertamos apesar detodos os nossos privilégios como cristãos. '

Gozar de privilégios cristãos não nos livra dessas pro­vas, nem nos exime de obrigações, pelo contrário: "somosdevedores" (8: 12). Unidos com Cristo em sua morte e res­surreição, devemos viver a nova vida para a qual ressusci­tamos. Havendo nos entregado a Deus como seus escravos,devemos obedecê-lo.'Havendo recebido o Espírito, deve­mos andar conforme o Espírito. Havendo recebido vida,devemos fazer morrer tudo que esteja em desacordo comela.

Portanto, quanto mais claramente compreendermos agrandeza de nossos privilégios cristãos como homensnovos, maior será a nossa obrigação de viver de acordocom a nossa situação, "em novidade de vida", e mais ar­dente será o nosso desejo de fazê-lo.

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sltRIE A B1BLIA FALA HOJE

Uma série de exposições do Antigo e do Novo Testamento,caracterizada pela exposição cuidadosa do texto bíblico epelo propósito de relacionar o texto com a vida contem­porânea.

A Mensagem de Amós - (O Dia do Leão) - J. A. MotyerA mensagem do profeta Amós nos confronta e nos alertaainda hoje. Ela questiona o nosso formalismo e condenaas tradições sem vida. Amós descreve uma religião detes­tada por Deus e chama o povo de Deus ao arrependimentoe à fé, com obediência de coração e esforço eficaz em fa­vor dos necessitados.

A Mensagem dos Profetas Menores - (Justiça e Esperançapara Hoje) - Dionísio PapeA Mensagem dos Profetas Menores com uma aplicaçãoatual e relevante ao dia de hoje, e em especial à situaçãono Brasil.

A Mensagem de Daniel-- Ronald S. WallaceDeus permitiu que acontecesse o impossível. Seu povoestava no exílio, as promessas de Deus pareciam ter per­dido o valor. Porém o jovem Daniel ousava afirmar que

. Deus ainda controlava todas as coisas. A mensagem dopassado e do futuro, revelada por Deus a Daniel, aindaera a mesma proclamação triunfante: o Senhor reina!

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A Mensagem de Oséias - Derek KidnerOs profetas sabiam que Deus poderia pedir deles qual­quer coisa. Porém seria difícil imaginar algo mais ter­rível do que foi pedido a Oséias: Vá, case-se comuma prostituta ...Oséias teve de viver esta verdade para que todos a com­preendessem. Através dele o Senhor pleiteará, avisará,conquistará o amor de seu povo - assegurando-lhes quevirá o dia quando ele sarará sua infidelidade e os amarálivremente. Ele ainda ama e resgata os indignos e os in­fiéis, ele ainda recusa ser um deus entre outros na vida deseu povo.

A Mensagem de Eclesiastes - Derek Kidner. (em preparação)

A Mensagem das Canções do Exílio - Salmos 42-51 ­Goldingay (em preparação)

A Mensagem do Sermão do Monte - Iohn Stott"Acima de tudo, quis deixar o próprio sermão falar, oumelhor, deixar Cristo proferi-lo novamente, desta vez aomundo contemporâneo. Assim, procurei encarar com inte­gridade os dilemas que o sermão levanta para os cristãosde hoje, e não esquivar-me deles, já que Cristo não nosdeu um tratado acadêmico, calculado simplesmente paraestimular a mente. Eu creio que ele desejava que o seuSermão do Monte fosse obedecido".

A Mensagem de Efésios - [ohn StottMilhões de pessoas captaram a visão do Homem Novo eda Sociedade Nova apresentada por Karl Marx. Pauloapresenta uma visão ainda mais grandiosa. Na sua cartaaos Efésios o apóstolo vê que o ponto chave da questão é

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algo mais profundo do que a injustiça da estrutura econô­mica, e propõe então uma solução ainda mais radical. Es­creve acerca de nada menos do que uma nova criação.

A Mensagem de 1 Coríntios - David Prior(em preparação)

A Mensagem de Gálatas - [ohn Stott (em preparação)

A Mensagem de 2 Timóteo - (Tu, Porém) - J. R. W.StottO nosso tempo é um tempo de confusão teológica e moral,e até mesmo de apostasia. O apóstolo nos exorta, tal comoo fez a Timóteo, a sermos fortes, corajosos e perseverantes.

A Mensagem de Apocalipse - Michael WilcockE possível compreendermos o livro de Apocalipse comsua linguagem estranha, suas figuras grotescas, suas vi­sões de destruição e esplendor? Com grande habilidade,Wilcock mostra que este livro, que tem levado algumaspessoas a interpretações exageradas, é uma palavra bas­tante atual de Jesus à sua igreja: uma palavra dramati­zada, figurada, musicada, que fala do poder da sua salva­ção no presente e da glória da sua esperança no futuro.

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OUTROS LIVROS DA ABU EDITORA

Conheça a Verdade - Bruce MUneEste livro vai ajudá-lo a crescer e amadurecer no conhe­cimento das doutrinas bíblicas, porque examina cuidado­samente todos os grandes temas das Escrituras. O livrotodo conduz a momentos de avaliação em termos de desa­fios pessoais dos ensinos bíblicos, nos levando a adorar oDeus vivo e verdadeiro.

Os Deuses da Umbanda - Neuza ItiokaEste é um livro que desafia o leitor a encarar com serie­dade este tema, mostrando o que é o baixo-espiritismo,quem são os deuses da Umbanda, como livrar-se dela e ocuidado pastoral com os que a abandonam.

As Máscaras da Melancolia - Iohn WhiteA depressão usa muitas máscaras. Uma pessoa se sente"na fossa"; outra, desesperada, corta os pulsos. Algumascorrem incessantemente numa euforia maníaca; outras an­dam como se tivessem chumbo nos pés.O que é este monstro que escraviza tanta gente? E umproblema de natureza espiritual, física ou demoníaca? Porque os cristãos também sofrem? Por que as pessoas sesuicidam? Como funcionam as terapias modernas? Até

que ponto surtem efeito? O autor oferece orientação eapoio a todos que lidam com as pessoas deprimidas, sejammédicos, conselheiros, pastores, amigos ou parentes.

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