a melancolia na poesia de augusto dos anjos,...

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Volume 1, Número 3 ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017 Artigo A MELANCOLIA NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS, MARCADA PELO VIÉS DA ENTONAÇÃO: UMA PERSPECTIVA DE LEITURA Páginas 17 a 28 17 A MELANCOLIA NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS, MARCADA PELO VIÉS DA ENTONAÇÃO: UMA PERSPECTIVA DE LEITURA Tânia Regina Castelliano 1 Rejane Maria de Araújo Ferreira 2 Maria de Fátima Almeida 3 RESUMO: O objetivo deste artigo é desvendar, através do viés da entonação, as marcas da melancolia na poesia de Augusto dos Anjos, o poeta paraibano de transição. Nos fragmentos analisados de alguns de seus poemas, subjazem uma morbidez e certa vontade de caminhar para a morte. Após preparar poeticamente o caminho para isso, Augusto parece demonstrar ódio à morte que, depois, é subestimada por ele. Observa- se, ainda, que a melancolia é retratada pelo viés da entonação tanto em relação à vida quanto à morte, através de uma linguagem que retrata aspectos científicos sobre esse tema, com uma originalidade primorosa na sua única obra literária - “EU”. Neste estudo, utilizam-se as propostas teóricas de Mikhail Bakhtin acerca da entonação, e de Eni Orlandi a respeito de questões que envolvem a leitura. Considerando que o trabalho com a leitura e a interpretação de textos requer métodos adequados, a entonação pode ser um caminho para se desvendarem os sentidos que estão nas entrelinhas dos textos. Palavras-chaves: Entonação. Melancolia. Poesia. Leitura. INTRODUÇÃO Interpretar cada verso que compõe os poemas de Augusto dos Anjos não é o objetivo deste trabalho, tampouco tecer-lhe elogios ressaltando a inteligência que expressava em seu estilo de ocultar-se em metáforas, alternando entre a vitória e a perda, a angústia e a dúvida. O objetivo de análise deste artigo é, pois acompanhá-lo na trajetória 1 Mestranda em Análise de Discurso pela Universidade Federal da Paraíba. [email protected] 2 Doutoranda em Lingüística pela Universidade Federal da Paraíba. [email protected] 3 Professora Dra. Da Universidade Federal da Paraíba. [email protected]

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A MELANCOLIA NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS, MARCADA PELO VIÉS DA ENTONAÇÃO:

UMA PERSPECTIVA DE LEITURA Páginas 17 a 28

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A MELANCOLIA NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS, MARCADA

PELO VIÉS DA ENTONAÇÃO: UMA PERSPECTIVA DE LEITURA

Tânia Regina Castelliano1

Rejane Maria de Araújo Ferreira2

Maria de Fátima Almeida3

RESUMO: O objetivo deste artigo é desvendar, através do viés da entonação, as marcas

da melancolia na poesia de Augusto dos Anjos, o poeta paraibano de transição. Nos

fragmentos analisados de alguns de seus poemas, subjazem uma morbidez e certa

vontade de caminhar para a morte. Após preparar poeticamente o caminho para isso,

Augusto parece demonstrar ódio à morte que, depois, é subestimada por ele. Observa-

se, ainda, que a melancolia é retratada pelo viés da entonação tanto em relação à vida

quanto à morte, através de uma linguagem que retrata aspectos científicos sobre esse

tema, com uma originalidade primorosa na sua única obra literária - “EU”. Neste estudo,

utilizam-se as propostas teóricas de Mikhail Bakhtin acerca da entonação, e de Eni

Orlandi a respeito de questões que envolvem a leitura. Considerando que o trabalho com

a leitura e a interpretação de textos requer métodos adequados, a entonação pode ser um

caminho para se desvendarem os sentidos que estão nas entrelinhas dos textos.

Palavras-chaves: Entonação. Melancolia. Poesia. Leitura.

INTRODUÇÃO

Interpretar cada verso que compõe os poemas de Augusto dos Anjos não é o

objetivo deste trabalho, tampouco tecer-lhe elogios ressaltando a inteligência que

expressava em seu estilo de ocultar-se em metáforas, alternando entre a vitória e a perda,

a angústia e a dúvida. O objetivo de análise deste artigo é, pois acompanhá-lo na trajetória

1 Mestranda em Análise de Discurso pela Universidade Federal da Paraíba.

[email protected] 2 Doutoranda em Lingüística pela Universidade Federal da Paraíba.

[email protected] 3 Professora Dra. Da Universidade Federal da Paraíba. [email protected]

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do viés da entonação que permeiam a melancolia da morte e da vida na essência de suas

poesias conflitantes em relação ao contexto da época e que ainda se refletem nos leitores

da atualidade.

Numa abordagem acerca da polissemia da noção de leitura, Orlandi (1998) expõe

alguns conceitos que são atribuídos a esse vocábulo, dentre os quais, o de que “a leitura,

em sua acepção mais ampla, pode ser entendida como atribuição de sentidos” (p.07). E

na busca desses sentidos que se escondem na essência do texto, o leitor pode seguir várias

trilhas, uma das quais a entonação que, segundo o dicionário Aurélio é a “Variação de

tom que tem como domínio a sentença; entoação.

Segundo o teórico Bakhtin(1992, p.313), “ A época, o meio social, o micro mundo

[...] que vê o homem crescer e viver sempre possui enunciados que servem de norma, dão

o tom”. A oração, enquanto unidade da língua tem uma entonação gramatical própria,

que está relacionada à expressividade. Para ele, a entonação constitui o limite entre o

verbal e o não verbal. A entonação é tão revestida de sentidos que até fora do enunciado

têm existência, mesmo que uma palavra esteja isolada do contexto, deixa de ser uma

palavra, passando a ser um enunciado completo, se proferida com uma entonação

expressiva. Como se observa a unidade real da comunicação verbal é o enunciado, porque

pode estar contido em uma frase, em uma palavra. E se o autor é aquele que absorve

várias vozes do cotidiano e as expõe, em suas poesias, como reconhecer o viés da

melancolia na entonação das poesias de Augusto dos Anjos? Seguindo o pensamento do

teórico Mikhail Bakhtin (1997, p.294), quando revela que o acontecimento da entonação

se processa sob a influência de locutor / autor, ouvinte / leitor e objeto do enunciado. Essa

unidade de comunicação que se refere o autor ao afirmar que

[...] o enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real,

estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes (figura

dramática) e que termina por uma transferência da palavra do outro

(crítico), por algo como um mundo percebido pelo ouvinte (crítica,

leitor), como sinal de que o locutor (autor) terminou.

É nesse quadro ainda, que se demarca nossa análise das vozes que estão

impregnadas e se interagem nas rimas métricas, que proporciona uma agradável audição

a sonoridade da leitura, independentemente do gosto ou mau gosto pelo abuso de

adjetivos e em vocábulos científicos nas poesias do poeta Augusto dos Anjos que expõem

sua identidade e a história revela. Sabe-se ainda, que a linguagem poética é ambígua e

Augusto dos Anjos é ambíguo porque suas sentenças contem o máximo de proposições

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formais possíveis na rimas métricas. Mas a linguagem do dia-a-dia não é ambígua por

escolha. E Augusto é confuso por suficiência e nós por deficiência. E por está

ambigüidade se faz necessário conhecer a biografia do poeta.

O POETA DE TRANSIÇÃO

No dia 20 de abril de 1884, no Engenho Pau D’Arco, município de Sapé,

do Estado da Paraíba, nascia Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos. Sua mãe

D.Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Sinhá Mocinha), e seu pai, Alexandre

Rodrigues dos Anjos possuidor de dois engenhos – o Pau D’Arco e o Coité, o proporciona

uma infância bastarda lhe permitindo ter professores, onde pode receber lições de latin,

grego, italiano, inglês e francês. No ano de 1900 ingressa no Colégio Liceu Paraibano e

compõe seu primeiro soneto “Saudade”. Em 1901 publica um soneto no Jornal O

Comércio, no qual passou a colaborar. Inscreve-se na Faculdade de Direito da cidade de

Recife em 1903.

Mas aos 21 anos de idade perde seu pai. Dr. Alexandre dos Anjos, pai do poeta, é

acometido de um AVC, fica impossibilitado de mover a língua e falar, embora

compreendesse o que lhe diziam. O poeta é acometido de uma imagem obsessiva

melancólica pela impotência da língua para articular as palavras. Observo que há uma

ruptura e ao mesmo tempo uma continuidade no flagrante da dor em seu coração, sendo

este a fonte inesgotável da sua criação. Em 1905 morre Dr.Alexandre. Augusto escreve

e publica em O Comércio três sonetos que farão parte do EU, livro futuro. Conclui em

1907 o curso de Direito e retorna à capital da Paraíba, onde começa a dar aulas

particulares. Em 1908 com a morte de Aprígio Pessoa de Melo, padrasto de sua mãe e

patriarca da família, vê que o Engenho está em situação grave financeira. Começa a

lecionar no instituto Maciel Pinheiro e é nomeado Professor do Liceu Paraibano.

Em 1909 publica “Budismo moderno” e numerosos poemas em A União. Choca

a platéia presente no teatro Santa Rosa em discurso de vocabulário incompreensível nas

comemorações dos 13 de maio. Já em 1910 publica “Mistério de um fósforo” e “Noite

de um visionário” em A União. Casa-se com Ester Fialho e presencia sua família vender

o Engenho Pau d’Arco. Demitindo-se do Liceu Paraibano embarca com a esposa para a

cidade do Rio de Janeiro, hospedando-se numa pensão no largo do machado, terminando

o ano sem conseguir emprego.

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Em 1911, Ester, grávida de seis meses, sofre um aborto. Mas Augusto é nomeado

professor de Geografia, Corográfia e Cosmografia no Ginásio Nacional (o conceituado

Colégio Pedro II). Augusto é pai de uma menina que se chama Glória. Começa a dar

aulas também na Escola Normal e a colaborar com o jornal O Estado.

Seu irmão Odilon custeia com Augusto a impressão de 1000 exemplares do EU,

livro recebido com espanto pela crítica, que oscila com admiração e desprezo.

Em 1913 nasce o filho Guilherme Augusto. No ano seguinte publica “O lamento

das Coisas” na Gazeta de Leopoldina, que é dirigida pelo seu concunhado Rômulo

Pacheco. Transfere-se para Leopoldina, onde é nomeado diretor do grupo Escolar. Mas

Augusto já está doente, e vem a falecer no dia 12 de novembro às 4 horas da madrugada

de pneumonia.

Com organização e prefácio de Orris Soares, a Segunda edição do EU é publicada

pela imprensa oficial da Paraíba. Em 1923 com sucesso de público e critica, é lançada a

terceira edição de suas poesias, pela livraria Castilho, no Rio de Janeiro.

Augusto dos Anjos é único em nossa literatura sem precedentes e seguidores, onde

reúne a soma de todas as tendências da segunda metade do século XIX e início do século

XX. Suas influências são assinaladas no parnasianismo, simbolismo, baudelaire e

naturalismo. A cerca da questão temática, ele é inclassificado, pois era um poeta de

transição.

O SUJEITO NA POESIA

De uma magreza esquálida, olhos fundos, orelhas violáceas e testa descalvada

com face reentrante. Cabelos pretos e lisos. Sua boca fazia a catadura crescer de

sofrimento, com seu olhar de doente revelava a tristeza da alma poética. A fisionomia

melancólica por si só já entoava tons de catástrofes traindo-lhe a psique. A dor e o olhar

melancólico de Augusto dos Anjos, nessa lúgubre evidência, “vivo” no morto, revela essa

obsessão com a morte, uma fixação no cadáver em que vamos todos nos transformar. O

tema morte é onipresente no pensamento romântico de Augusto dos Anjos. Como quem

expressivamente veste esteticamente seu próprio túmulo, a morte é retratada

poeticamente de forma singularíssima que é marcada por uma irônica originalidade que

faz implodir a falsidade do seu tempo e as máscaras da sociedade. Sua morbidez alterava

tudo que via e ouvia dando-lhe o poder de dar traços inesquecíveis de decadência física

nas pessoas e nas coisas. Inesquecível pelo seu próprio eu empático. A beleza dos

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mistérios da morte é o ato da sublimação estética da sua poesia. A teoria da sublimação

tem seus efeitos culturais, psíquicos a ciência aliada a tecnologia. E na estrutura do ato

existe um apagamento do sujeito para ser coerente o estilo do sujeito que escapa com o

sujeito. No conceito de Bakhtin (2003):

A estética expressiva recorre frequentemente ao auxilio desses conceitos

para descrever sua posição (ora eu sofro como o herói, ora estou livre do

sofrimento como o espectador; aqui esta toda parte a atitude em face de

si mesmo, o vivenciamento na categoria de eu, os valores representados

em toda parte se correlacionam com o eu; a minha morte, a morte não

minha), a posição situada dentro do homem que vivencia para realizar

um valor estético, para vivenciar a vida na categoria de eu inventado ou

real. (Grifos meus).

Pode-se dizer que em sua obra literária EU, é abordado um conjunto de

impressões e idéias de um mundo sentido através de órgãos doentes, de um sistema

nervoso de tísico, de olhos arregalados e de olfato e ouvido aguçado pela tísica e pela

falta de sono.

Uma leitura sobre a hereditariedade – a mãe do poeta

Ainda em estado de gestação, a mãe do poeta, sofre um susto, provocado pela

perda súbita do estimado irmão, estudante de medicina, de quem o sobrinho que há de

nascer herda o nome e as conseqüências do choque. Acredita-se que esse traumatismo

tenha sido o responsável ao que se sabe, pelo seu desajuste, além mesmo da gravidez.

Um desequilíbrio pelo resto da vida com inquietação atenuante de grandeza e fidalguia.

Com comprometimento no seu comportamento emocional, por distúrbios no seu sistema

nervoso, era possuidoras de sestros, fobias, e, obviamente que tal fato pode ter refletido

no filho em gestação. O que se leva a crer, pela razão que seus irmãos que nasceram antes

e depois do poeta, nunca denotaram similaridade com a alma bizarra de Augusto.

Isto posto sobre as características hereditárias biológicas do poeta, ainda se

tratando de não haver nenhum comprometimento psicológico em Dr. Alexandre, seu pai,

o que se leva a crer que esse (desajuste?) de argúcia, estilo, emoção, cálice da dor para

muitos, provinha da parte materna.

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Uma leitura histórica na classificação dos antropologistas

A história segundo a classificação dos antropologistas do século passado, a partir

da teoria de Cesar Lombroso4 (1836-1909), revela-nos que degenerados superiores como,

Leopardi, Byron, Oscar Wilde, Nietzche e outros tachados de loucos na época. Coincidem

em comparação que, passaram pelas mesmas tensões intra-uterinas que afetaram a

sensibilidade do poeta Augusto. A mãe de Leopardi, a de Nietzche, a de Byron, que era

essencialmente quase louca, a de Wilde, assim como a mãe de Augusto, sofreram

perturbações fortes em suas gestações desses notáveis homens que ainda nos dias de hoje

são referências da nossa história de leitura.

Não quero aqui retratar a coincidência da personalidade de Augusto em relação

casuística aos chamados degenerados superiores, para justificar a alma do poeta, retratada

sob o viés da melancolia. Mas para que se possa abarcar a personalidade do autor do EU,

fundidas com a ajuda biográfica.

A INFLUÊNCIA DO ROMANTISMO (1825- 1865)

“Este é um século democrático; tudo o que se fizer há de ser pelo povo

e com o povo... ou não se faz. (...) Dai-lhe a verdade do passado no

romance e no drama histórico – no drama e na novela da atualidade

oferecei-lhe o espelho em que se mire a si e ao seu tempo, a sociedade

que lhe está por cima, abaixo, ao seu nível – e o povo há de aplaudir,

porque entende; é preciso entender para apreciar e gostar.” (GARRET,

Almeida – Ao Conservatório Real, pg.76)

A manifestação do romantismo ocorre nos países europeus mais desenvolvidos,

em especial na Alemanha e na Inglaterra, onde se destaca Goethe (1749-1832) e Schiller

(1759-1805). Mas é na França que o movimento literário ganha proporções

revolucionárias. Ele é remontado na origem do movimento à evolução econômica-social

da burguesia. E está relacionada com o surgimento de um novo público leitor, onde

padrões clássicos começam a ser ignorados. Surge então, um novo estilo, novo

significado estético e novos gêneros literários são criados. Há um inconformismo em

relação a temas, a intelectualismo e absolutismos literários. O ossianismo iniciado na

Escócia por Macpherson (1760-1763), a redescoberta de Shakespeare, o “Sturm und

Drang” (década de 1770) na Alemanha que reflete na burguesia.

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Desde o século XVII os filósofos, historiadores, críticos, literários e artistas de

todas as áreas discutem sobre o romantismo que possui um determinado valor heurístico,

embora o estilo romântico esteja impregnado na contemporaneidade com movimentos

ecológicos e com todos os tipos de teorias e terapias holísticas. Situando-se nos meados

do século XVIII e XIX, principalmente na Europa, o que se observa nas poesias de

Augusto dos Anjos é a predominância de sentimento de ruptura, vivenciada com a perda

no terreno social. Um acompanhar critico com a realidade presente na morte física para

com a realidade da historia da vida, levando ao leitor momentos reflexivo e auto-

reflexivo.

Sabendo-se que o Romantismo era a divinização do sentimento, em alguns

momentos o estilo romântico para o poeta é marcado fortemente pelo viés da entonação

da morte como resposta ao campo da ciência, arte, filosofia, religião e política que

evidenciam uma crise no processo da “vida”, fazendo uma alusão a única coisa certa no

homem – a morte. Despertando no homem o mundo natural e sobrenatural. O hiato

instaurado entre o homem e a natureza, e é o estilo que nos revela uma postura

desesperançada (vida) e outra otimista (morte). A ironia vem configurada com uma

situação eminentemente trágica – a dor, a perda. Para o poeta a entonação da morte vem

carregada da sede de justiça, alívio, desamparo, desespero, sorriso, promessa, que livra

da fome, da dor, da sede, da separação, do ciúme, do ódio, etc. É uma etapa de transição

rumo à outra dimensão tomando vulto de um estilo romântico: a morte é a entonação

melancólica expressiva do fim e início ao mesmo tempo. Ela é o mais doce amor para

quem ama. Uma noite nupcial selada pela união com seus segredos e mistérios. O teórico

Bakhtin (2006, p.15) afirma que:

“A entonação expressiva, a modalidade apreciativa sem a qual não

haveria enunciação, o conteúdo ideológico, o relacionamento com uma

situação social determinada, afetam a significação. O valor novo do

signo, relativamente a um “tema” sempre novo, é a única realidade

para o ouvinte. Só a dialética pode resolver a contradição aparente

entre a unicidade e a pluralidade da significação”.

Pode-se dizer que a entonação no tema morte e melancolia são onipresentes no

pensamento romântico de Augusto dos Anjos e a pulsão da morte para Freud (1914) é

evocada como sinal de ascendência romântica. Já morrer para Freud se discerne como

“consentimento de passagem”, assim como o estilo romântico aposta na morte como

equilíbrio e resistência.

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Não é objetivo do meu artigo, adentrar com profundidade na psicanálise porque

seria perigoso e equivocado abordar concepção de morte entre Freud e a tradição

romântica. Como ainda, ele afirma que a psiquiatria não alcançou uma única definição

para melancolia.

A ENTONAÇÃO NO VIÉS DA MELANCOLIA NA POESIA

A curiosidade biográfica do poeta Augusto dos Anjos suscita, sobretudo da

própria figura do poeta. Observa-se que a existência está entrelaçada dentro da sua alma

com a poesia.

Apesar de alguns estudiosos apontarem como um melancólico cheio de mágoa e

remorso coadunando com um perfil de um estudioso observo que o viés que marca

entonação da melancolia é muito mais rica, verdadeira no que tange à realidade da vida:

a morte. Não se conhece outro poeta que tenha tido tanta intimidade em transcrever

reflexivamente para o papel de forma sobejante a respeito da morte como Augusto dos

Anjos.

Embora a crítica literária tenha esmiuçado a alma do poeta para uma explicação

sobre suas anomalias psíquicas, ninguém tem o direito de penetrar neste mundo sublimal,

porque não se pode encontrar o autor se não através da entonação do viés da melancolia

em sua poesia.

Sua personalidade se projeta na poesia facilitando a interpretação do viés da

entonação em sua poesia marcada pela melancolia.

A psiquiatria para Freud não alcançou uma única definição para a melancolia. A

entonação na melancolia da poesia do paraibano Augusto dos Anjos é a verdade que

comove. É a entonação da magia dos seus monstros humanos que anima e valoriza as

coisas mais prosaicas como a numeração, nomes próprios e a terminologia técnica. Ela

tem uma voz reconhecível entre todas as outras no plano metafórico da morte e não

consome o poeta. Através da entonação as marcas da melancolia são registradas. Segundo

Romildo Rego Barros em seu artigo “Um objeto que não se consumiria nunca”, (pág.7)-

2007- O paradigma melancólico, uma referencia chamado Luto e Melancolia de Freud,

1917:

No luto, o sujeito consente com a perda, através de um trabalho (o termo

é de Freud) que consiste em uma retirada de libido, o que faz com que o

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objeto perdido retome o seu caráter de necessidade estrutural. Ou seja,

ele passa de contingente (o fato abrupto do desaparecimento, a

materialidade do objeto que se perde e a dor sem palavras do sujeito) a

necessário. Segundo Lacan, trata-se de um “buraco no real”, que exige

um trabalho simbólico. Neste sentido, é a rigor o contrario da alucinação,

que, na conhecida definição de Lacan, é o aparecimento no real daquilo

que não foi simbolizado.

Na melancolia, o recurso simbólico não funciona: a perda para o

melancólico somente completa com a destruição do sujeito, identificado

ao objeto. Não há separação entre a queixa que o sujeito enlutado dirige

ao objeto, o que, segundo Freud, é uma condição para o esvaziamento da

sua presença, e o ataque contra si próprio. É o que leva Freud a dizer que

a única verdadeira diferença entre o luto e a melancolia são as auto-

acusações que o melancólico se faz. Mas isto também quer dizer que a

experiência do melancólico não é apropriadamente de perda: o objeto

sobreviverá enquanto o melancólico mantiver as auto-recriminações que

lhe dão consistência, e enquanto o seu corpo se oferecer como sede dessa

dor indizível.

O Lamento das Coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,

A sucessividade dos segundos,

Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos

O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada

- O cantochão dos dínamos profundos,

Que, podendo mover milhões de mundos,

Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...

Da transcendência que senão realiza...

Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é, em suma, o subconsciente aí formidando

Da Natureza que parou, chorando,

No rudimentarismo do desejo!

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A morte e a melancolia

Por tematizar a morte e a melancolia registrada em sua imagem entoada num

vocabulário áspero do universo da doença e putrefação, Augusto dos Anjos ganhou

notabilidade. Utilizava de metáforas orgânicas da queda, perda entre morbidez e o

sentimento de culpa; pulsão da morte e a culpa, onde se observa que a melancolia invadia

o poeta como se ele significasse deteriorização, morte e ruína.

Fechado em seu próprio mundo testemunhava seus versos dentro da sua mente

entoando a melancólica vida dentro da morte amalgamada ao vocabulário cientificista,

que é uma das dimensões da sua arte. O melancólico Augusto tende a projetar na natureza,

nas coisas a dissolução dos seus elos psíquicos. ‘... Eu depois de morrer/ Depois de tanta

tristeza,/Quero, uma vez de nome Augusto,/Possuir aí o nome de um arbusto/ Qualquer

ou de qualquer obscura planta!”.

Já no plano lexical há uma preferência por vocábulos eruditos, uma influência que

exercia o Simbolismo na sua primeira fase. Exemplo: Escarrar de um abismo noutro

abismo, Mandando ao Céu o fundo de um cigarro, Há mais filosofia neste escarro/Do

que toda a moral do cristianismo! Uma atitude típica do melancólico é refletir sobre o

homem e as coisas.

A morte e a alegoria

A entonação da melancolia é alimentada pela intelectualidade, uma angustia que

é confrontada pela filosofia, ciência, o prosaico sentimental em que suas vivencias do

cotidiano entendiam a uma pungente nostalgia do poeta. Já a entonação a melancolia da

morte tem seus traços alegóricos onde ele sempre procura transformar o vivo no morto.

A alegoria construtiva ou retórica visa uma tendência metafórica de representar e

personificar abstrações, ou seja, consiste em metáforas sucessivas onde vários objetos ou

conceitos no plano real aludem a idêntica seqüência no plano poético. Já a alegoria

interpretativa, hermenêutica (dos teólogos) visa interpretar os textos sagrados.

A obsessão pela morte é um traço característico do alegorista. Ele vai sempre

transformar o vivo no morto. E somos cadáveres potenciais porque a morte já está inscrita

em nossas vidas, comprometendo-as desde o inicio. Segundo Valter Benjamim, “... a

alegorização da physis só pode consumar-se em todo o seu vigor no cadáver.” O homem

evolui para a morte, o corpo marcha para se transformar em esqueleto, em caveira. Esta

é a entoação do poeta, o olhar melancólico que se alheia a lúgubre evidencia. O olhar

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alegórico que consegue transpor a superfície corporal e concentra-se nas vísceras ou nos

ossos. O espolio que a morte nos reduz; o esqueleto. Ele é concreção, o limite, estágio

último da fatalidade de ossatura que estaremos todos submetidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A entonação retrata não a morte física, que é sua visão de mundo em descrever a

miséria, intrigas, desamor, desilusão; como também, os problemas sociais que são

tipificados em seus personagens: morcego ( O Morcego – a consciência humana); morte

(Agonia de um Filósofo- o inconsciente), cão ( versos a um cão – fala, voz), etc. A morte

para o poeta Augusto dos Anjos transfigura, transcende o sentido imediato dos fatos,

sentimentos e impressões. A entonação na melancolia das suas poesias precede de um

acervo rico de fonemas, vocábulos e imagens cujo compromisso é com a arte da vida, da

morte e das palavras. Uma entonação por vezes satírica e caricatural conforme revelam

seus sonetos, seu sorriso descarnado e irônico de um esqueleto tísico que revela uma

intimidade com a morte.

Espero que a entonação da palavra falada possa despertar o interesse não

só pela poesia, literatura, mas também na leitura de textos, prova oral, diálogo, ou seja:

na conversa formal e informal. Permitindo assim a valorização da entonação na oralidade

da palavra falada.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail; Estética da Criação Verbal, (2003). Editora Martins Fontes. São

Paulo.

BARROS, Rego Romildo, Um Objeto que não se consumiria nunca, artigo-2007.

BENJAMIN, Abdala Júnior, PAschoalin, Maria Aparecida, Historia Social da Literatura

Portuguesa, 1990 , 3a Edição, Editora Atica. São Paulo.

CARPEAUX, Otto Maria; Augusto dos Anjos Toda a poesia, (1995) Editora Paz e

Terra. São Paulo.

Volume 1, Número 3

ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017

Artigo

A MELANCOLIA NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS, MARCADA PELO VIÉS DA ENTONAÇÃO:

UMA PERSPECTIVA DE LEITURA Páginas 17 a 28

28

DOS ANJOS, Augusto; A saga de um poeta (1994). Editora Gráfica Brasileira. FBB –

Governo do Estado da Paraíba.

FREUD, S, Luto e melancolia, (1917), BN II, p. 2092.

FREUD, S. Seminário O Desejo e suas interpretações, aula de 22 de abril de 1959,

inédito. Uma semana mais tarde, Lacan dirá, ainda sobre o trabalho do luto, que “mais

exatamente, a sua operação consiste em fazer coincidir com o buraco aberto pelo luto o

buraco maior, o ponto x, a falta simbólica”.

VIANA, Chico, A Sombra e a Quimera, (2000), Editora Idéia. João Pessoa.