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A MASTOFAUNA TERRESTRE DE UMA ÁREA DEGRADADA EM RECUPERAÇÃO, COMO LIMITANTE À IMPLANTAÇÃO DE UMA TRILHA INTERPRETATIVA NO MUNICÍPIO DE TREMEMBÉ, SÃO PAULO, BRASIL Andréa Carla da Costa (Bicho Planta) andré[email protected] / (41) 9644-7445 Tereza Cristina Castellano Margarido José Aurélio Almeida Caiut Eixo: A Fauna e a Flora Sub-eixo: Planejamento e manejo de trilhas e impactos na fauna Apresentação: Painel Introdução Os animais pertencentes à classe Mammalia, conhecidos comumente por mamíferos, são vertebrados tetrápodes que apresentam variações morfológicas, anatômicas e fisiológicas que lhes possibilitam a vida nos meios terrestre, aquático e aéreo, difundindo-se por quase todos os habitat da Terra. Dentre estas especializações estão: a presença de glândulas mamárias nas fêmeas; presença de pêlos, que faz com que sejam conhecidos como homeotérmicos; presença de tegumento, que afetam as trocas de calor com o ambiente os capacitando a viverem em climas severos; presença de glândulas sebáceas que segregam uma gordura para lubrificar a pele; presença de glândulas sudoríparas para ajudar na termorregulação e excreção; possuem o diafragma que contribui para a respiração, entre outras especializações (CABRERA, YEPES, 1960; SILVA, 1994; POUGH, HEISER e McFARLAND, 1999). De acordo com Pough, Heiser e McFarland (1999), os mamíferos modernos incluem cerca de 4.050 espécies. No Brasil ocorrem cerca de 630 espécies de mamíferos (MALHEIROS, 2005), das quais pelo menos 72 são consideradas ameaçadas de extinção (IBAMA, 2005; MARGARIDO, BRAGA, 2005). A fauna sempre foi alvo de ações humanas. O homem primitivo sobreviveu da fauna como recurso de subsistência, pois mamíferos eram caçados e transformados em alimento, agasalhos e utensílios domésticos, levando ao início da extinção, por efeito antrópico, de grandes populações animais. No século XVI, os animais eram

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A MASTOFAUNA TERRESTRE DE UMA ÁREA DEGRADADA EM RECUPERAÇÃO, COMO LIMITANTE À IMPLANTAÇÃO DE UMA TRILHA INTERPRETATIVA NO MUNICÍPIO DE TREMEMBÉ, SÃO PAULO, BRASIL

Andréa Carla da Costa (Bicho Planta)

andré[email protected] / (41) 9644-7445

Tereza Cristina Castellano Margarido

José Aurélio Almeida Caiut

Eixo: A Fauna e a Flora

Sub-eixo: Planejamento e manejo de trilhas e impactos na fauna

Apresentação: Painel

Introdução

Os animais pertencentes à classe Mammalia, conhecidos comumente por

mamíferos, são vertebrados tetrápodes que apresentam variações morfológicas,

anatômicas e fisiológicas que lhes possibilitam a vida nos meios terrestre, aquático e

aéreo, difundindo-se por quase todos os habitat da Terra. Dentre estas

especializações estão: a presença de glândulas mamárias nas fêmeas; presença de

pêlos, que faz com que sejam conhecidos como homeotérmicos; presença de

tegumento, que afetam as trocas de calor com o ambiente os capacitando a viverem

em climas severos; presença de glândulas sebáceas que segregam uma gordura para

lubrificar a pele; presença de glândulas sudoríparas para ajudar na termorregulação e

excreção; possuem o diafragma que contribui para a respiração, entre outras

especializações (CABRERA, YEPES, 1960; SILVA, 1994; POUGH, HEISER e

McFARLAND, 1999).

De acordo com Pough, Heiser e McFarland (1999), os mamíferos modernos

incluem cerca de 4.050 espécies. No Brasil ocorrem cerca de 630 espécies de

mamíferos (MALHEIROS, 2005), das quais pelo menos 72 são consideradas

ameaçadas de extinção (IBAMA, 2005; MARGARIDO, BRAGA, 2005).

A fauna sempre foi alvo de ações humanas. O homem primitivo sobreviveu da

fauna como recurso de subsistência, pois mamíferos eram caçados e transformados

em alimento, agasalhos e utensílios domésticos, levando ao início da extinção, por

efeito antrópico, de grandes populações animais. No século XVI, os animais eram

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abatidos pelo seu aspecto nocivo, seu valor alimentar, por práticas de esporte ou pura

crueldade, sem chances de que se regenerassem naturalmente, conflitando com o

processo natural de extinção (SCHERER-NETO, 2006).

Certos aspectos podem contribuir para a fragilidade de várias espécies de

mamíferos, fazendo com que se tornem mais vulneráveis, com populações em declínio

ou extintas em determinadas regiões. Entre estes aspectos destacam-se: o tamanho

corporal, o nível de especialização, o potencial reprodutivo, o interesse econômico

e/ou cinegético, o tipo de organização social, o tamanho das populações naturais e a

extensão da distribuição geográfica. Devem também ser incluídos a representatividade

e o grau de ameaça dos ambientes, pois sua alteração, destruição, fragmentação e

envenenamento, estão diretamente relacionados ao desencadeamento ou à

aceleração do processo de extinção das espécies (McFARLAND; et al., 1985).

A fragmentação de habitat ocorre quando uma grande e contínua área natural

é reduzida ou dividida em dois ou mais fragmentos isolados uns dos outros,

geralmente, por uma paisagem altamente modificada ou degradada (MACEDO, 1993;

CAMPOS, 2006). Este processo leva à extinção de espécies da fauna e da vegetação

e resulta em problemas ambientais como mudanças climáticas locais, erosão dos

solos e assoreamento dos cursos d’água.

Ao implantar a recuperação de uma área, apenas se estará fornecendo

subsídios básicos para o início de um processo de restauração deste local. A

manutenção e proteção das matas, após essa fase, darão condições para que a

natureza se encarregue da continuidade deste processo (MACEDO, 1993). Os animais

garantem a grande diversidade da floresta quando agem como dispersores de

sementes ou como polinizadores de flores. Em trabalhos de recuperação de áreas

degradadas deve-se considerar a importância dos animais na relação existente entre

vegetação e a fauna (ALMEIDA, 2000).

Segundo Primack (2001), podem-se analisar a situação e determinar o estado

de conservação da uma espécie e suas relações com o ambiente biológico e físico a

partir de coletas de dados sobre sua história natural a partir de censos, inventários,

monitoramentos de populações ao longo do tempo, obtendo-se respostas às

mudanças no seu ambiente. Os mamíferos silvestres brasileiros dificilmente são vistos

na natureza, devido ao fato de terem hábitos discretos, crepusculares e noturnos,

sendo os vestígios deixados, como pegadas, abrigos, tocas, ninhos, fezes, os métodos

mais eficazes para detectar sua presença. As pegadas (registro indireto) são os sinais

mais encontrados e fornecem uma identificação precisa, muitas vezes ao nível de

espécie, além de fornecer dados sobre seu tamanho, modo de locomoção, e outros

detalhes sobre o seu comportamento. Podem auxiliar em estudos de uso do habitat,

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de densidade populacional, de territorialidade, de densidades relativas, de domínio

vital e responsabilidade por danos causados a plantações, e até estudos sobre

predadores (SILVA, 1994; MARGARIDO, 1997; BECKER, DALPONTE, 1999;

GALETTI, MARQUES, 2002; BORGES, TOMÁS, 2004).

A área de estudo localiza-se na zona rural de Tremembé, no contraforte da

Serra do Mantiqueira e pertence a um grupo empresarial que trata de serviços

ambientais ligados a resíduos urbanos e industriais, englobando sua coleta,

transporte, reciclagem, tratamentos e destinação final.

Devido à necessidade de ampliação de um dos seus aterros, a empresa

precisou cumprir determinadas exigências aplicadas pelo órgão ambiental fiscalizador,

sendo elaborado para isso um Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD).

A empresa comprou 64 hectares de área degradada por práticas agropecuárias no

entorno da sua propriedade com o objetivo de reflorestar com espécies nativas da

Floresta Estacional Semidecidual; estabeleceu um programa de monitoramento de

fauna de toda essa área; e construirá um Centro de Educação Ambiental com uma

trilha para interpretação da natureza. No meio desta área em recuperação há um

fragmento florestal, de aproximadamente 3 hectares, onde será implantada a trilha.

Para a implantação de uma trilha interpretativa devem-se tomar por base os

objetivos desta trilha e como ela irá interagir com o ambiente. Este contexto biofísico

envolve o componente físico, composto por elementos como solo, hidrologia, ventos,

topografia, etc., e pelo componente biológico, composto pela fauna e pela vegetação.

Muitos impactos podem ser reduzidos ou eliminados com o conhecimento dos

processos naturais que atuam na área de implantação das trilhas; da fauna que usa a

área como criadouro, descanso, alimentação ou migração, e da vegetação que

mantém a estabilidade geral do local. Estas informações biofísicas podem ser

disponibilizadas por órgãos públicos locais, por mapas, por pessoas que trabalham na

região, ou intermédio de visitas a campo (LECHNER, 2006), como o monitoramento

mastofaunístico realizado na área de estudo deste trabalho.

Objetivos

Os objetivos deste trabalho foram identificar, a partir dos registros diretos e

indiretos, as espécies da mastofauna terrestre que estão reocupando a área em

recuperação; e designar subsídios para a implantação da trilha interpretativa no

fragmento, definindo os limitantes e indicando as oportunidades do seu traçado, para

que a haja pouca interferência durante a visitação.

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Área de estudo

A área de estudo localiza-se ao nordeste do Estado de São Paulo, na zona

rural do Município Estância Turística de Tremembé, no Médio Vale do Paraíba, no

contraforte da Serra da Mantiqueira (figura 1). Este Município está compreendido entre

as coordenadas geográficas 22º57’45” S e 45º33’17” O, com 554 metros de altitude, e

uma área de 185 km2, que corresponde a 0,08% da superfície do território paulista

(GATTI, 2006). Situa-se nos domínios da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul,

sendo ele mesmo seu principal rio.

Conforme IBGE (1992), a área está inserida em um ecótono de Floresta

Estacional Semidecidual com Cerrado.

No entorno da área de estudo existem três Unidades de Conservação que

abrigam espécies da fauna e da vegetação, algumas ameaçadas de extinção: a Área

de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Mantiqueira e a APA da Bacia do Rio

Paraíba do Sul, ambas Federais; e a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) da

Pedra Branca, Estadual.

Figura 1 – Vista parcial da Serra da Mantiqueira, SP, Brasil.

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Material e Métodos

Este trabalho foi realizado de julho de 2002 a abril de 2006, a partir de

monitoramentos mensais de registros diretos (visuais) e indiretos (vestígios)

encontrados na área avaliada, como pegadas, restos, abrigos, tocas, ninhos, material

escatológico (fezes), pêlos, escavações no solo, arranhaduras, etc.

Iniciou-se o estudo pelo reconhecimento de toda a área destinada à

recuperação e o fragmento (figura 2), a fim de se localizarem os principais e possíveis

pontos que estariam sendo freqüentados pela mastofauna, analisando-se o local e

pensando-se no traçado da futura trilha.

Com base neste levantamento preliminar, foi possível marcar os locais com

maior incidência de vestígios (como pegadas), que foram mantidos limpos de folhas e

gravetos caídos das árvores do fragmento florestal para que os animais deixassem a

impressão de seus rastros na margem dos córregos existentes na área avaliada.

Figura 2: Área em recuperação (em branco), fragmento florestal (em amarelo)

(FONTE: RESITEC, 2003).

Os monitoramentos foram realizados a pé, tanto em picadas pré-existentes

utilizadas pelos funcionários para seus deslocamentos durante as manutenções no

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reflorestamento, quanto no restante da área onde não havia picadas, enquanto as

mudas do reflorestamento eram jovens.

Os registros foram fotografados com máquina digital da marca Fujifilm, modelo

A303, 3Mb pixel. Muitas das pegadas encontradas na área eram identificadas no

campo; entretanto, quando tal prática não era possível, o registro se dava a partir da

confecção dos contramoldes, preparados a partir de uma massa de gesso calcinado e

água, na proporção de 1:1 (MARGARIDO, 1997).

O material escatológico encontrado era fotografado e seu conteúdo, analisado

em campo, na tentativa de se identificar, macroscopicamente, a dieta do animal. Estas

informações eram anotadas em caderneta, para posteriormente, serem digitadas em

uma planilha, especificando o alimento utilizado (frutos, insetos, vertebrados, etc.).

As informações obtidas compuseram relatórios mensais ao Departamento

Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), e ao Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) do Estado de São Paulo,

como parte do cumprimento do PRAD. Alguns funcionários foram capacitados para

prepararem os contramoldes em gesso e anotar os registros visuais dos mamíferos

silvestres observados em campo. Todos os registros foram transferidos para uma

planilha no Programa Microsoft Excel XP (2002).

Resultados e Discussão

Durante os monitoramentos da mastofauna realizados no período que se

estendeu de julho de 2002 a abril de 2006, na área em recuperação e no fragmento

florestal (figura 3), foram constatados 497 registros pertencentes a 6 Ordens. Para

este trabalho não foram amostrados Chiroptera, Primates e Perissodactyla. Stallings,

et al. (1991) em um estudo realizado no Parque Florestal Estadual do Rio Doce em

Minas Gerais (face oeste da Serra da Mantiqueira), com vegetação semidecidual,

semelhante à da área deste trabalho, amostrou 9 Ordens, 24 Famílias e 49 Gêneros,

porém, com capturas de pequenos roedores e Chiroptera.

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(A) (B) Figura 3 – (A) Vista parcial do fragmento florestal existente no meio das áreas em recuperação, com a vegetação do seu interior (B).

Neste estudo foram consideradas as espécies observadas diretamente ou

constatadas através de vestígios (rastros). As observações diretas (visuais) somaram

51 registros, mais 14 restos, entre eles uma carcaça de Chrysocyon brachyurus (lobo-

guará). Em meio aos tipos de vestígios encontrados, 233 foram de pegadas, 105

foram de material escatológico (fezes), 43 de tocas, 27 de escavações no solo, 19 de

carreiros, 3 de arranhaduras e 2 de pêlos.

De acordo com Margarido (1997), trabalhos de investigação que conduzem ao

conhecimento da fauna e sua distribuição em uma determinada região são auxiliados

pelas marcas que os animais deixam nos locais onde passam à procura de alimento e

água, ou nos lugares em que descansam.

A Ordem Carnivora foi representada por 7 espécies; Rodentia por 5;

Didelphimorphia por 4; Xenarthra por 3 e Artiodactyla e Lagomorpha por uma espécie

cada. Os vestígios não identificados somaram 28 registros.

Houve predomínio de Carnivora com a ocorrência de 264 registros em toda a

área em recuperação e fragmento florestal, seguido de Xenarthra, com 146 registros.

Somente no fragmento florestal houve a ocorrência de 190 registros, do total

amostrado. Esse fato aconteceu, provavelmente, pela ocorrência deste fragmento se

localizar entre as áreas abertas em recuperação, e por apresentar água devido a

presença de pequenos córregos, cujas nascentes se localizam dentro das próprias

áreas.

As espécies de mamíferos constatadas representaram aproximadamente 11%

das espécies consideradas para o Estado de São Paulo, pois, de acordo com o IBAMA

(2005), são conhecidas cerca de 200 espécies de mamíferos; sendo que destes, 41

estão ameaçados de extinção. Margarido (1989), para o Parque Estadual de Caxambu

(PR) obteve 32 espécies que corresponderam a 23% das espécies para o Estado, em

trabalho realizado com vestígios, registros visuais e armadilhas. Silva; Nicola (1999)

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obtiveram como resultado, no Parque Estadual do Cerrado (PR), 13 famílias, 26

gêneros e 26 espécies, entre elas, espécies como Panthera onca (onça) e Puma

concolor (puma) (grandes felídeos ameaçados de extinção); Chrysocyon brachyurus

(lobo-guará), Lontra longicaudis (lontra), e espécies preferencialmente, abatidas por

caçadores como Mazama sp. (veado), Hydrochaeris hydrochaeris (capivara) e

Dasypus sp. (tatu).

Espécies como Chrysocyon brachyurus (lobo-guará), felídeos de pequeno

porte, Cuniculus paca (paca), Lontra longicaudis (lontra) e Mazama sp. (veado)

constam em listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção; sobretudo, foram

verificadas para a área em recuperação. Oliveira, et al. (2005) em um trabalho

realizado em remanescentes naturais inseridos em uma matriz antrópica, localizados

em uma área formada por mosaicos de vegetação natural, plantios de eucaliptos e

áreas em recuperação com nativas, em Floresta Atlântica no Vale do Paraíba, SP,

totalizaram 34 espécies identificadas. Destas, 9 espécies constam em listas oficiais de

espécies ameaçadas como Puma concolor, Leopardus pardalis e L. tigrinus,

Herpailurus yagouaroundi, Cabassous unicinctus, Gracilinanus microtarsus, Cuniculus

paca, Dasyprocta azarae e Procyon cancrivorus.

Grandes felídeos, Tapirus terrestris (anta) e Tayassu pecari (queixada) não

foram registrados, possivelmente, porque são espécies altamente exigentes quanto à

extensão e qualidade de seu ambiente. De acordo com dados amostrados, observou-

se que a comunidade de mamíferos da área em recuperação caracteriza-se pelo

predomínio de espécies de médio porte como marsupiais, xenartros e vários

carnívoros. Para espécies de pequeno e médio porte que não foram constatadas, mas

que podem ocorrer como micro-roedores e Chiroptera, são necessários mais estudos

e variações na metodologia empregada, como a utilização de armadilhas e redes-de-

neblina, pois poderá ampliar seus números de espécies.

Observou-se que no início do monitoramento (meados de 2002), a incidência

de registros era baixa, provavelmente devido à exposição da área em recuperação

que, naquela ocasião, apresentava um campo com gramíneas e as mudas de

espécies nativas encontravam-se pequenas. Com desenvolvimento da vegetação,

este índice aumentou; assim como aumentou o número de registros e espécies.

Toda a área foi percorrida durante os meses de estudo, mas nenhuma espécie

da Ordem Primates foi constatada, nem no fragmento florestal porque a área encontra-

se em recuperação e ainda não oferece condições para abrigar animais tão

especializados que voltem a recolonizar estes fragmentos.

O período de seca (abril a setembro) de 2004 foi o que apresentou maior

número de registros, principalmente pegadas e material escatológico. De acordo com

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Lechner (2006), para o planejamento de uma trilha é essencial que se façam visitas a

campo sob uma variedade de condições, porque algumas espécies podem estar

presentes ou ausentes em diferentes épocas do ano, ou seja, a fauna e a vegetação

podem ser mais ou menos evidentes, dependendo dos padrões sazonais.

A condição climática foi um dos fatores limitantes na observação dos vestígios,

pois com o excesso de chuvas o material escatológico se desmanchava em campo,

conservando às vezes, algumas sementes ou restos de presa. Nos períodos de seca,

a observação de pegadas tornava-se escassa, porque com a falta de chuvas, as

estradas de terra e leito dos córregos secavam e endureciam, e quando o animal se

deslocava nestes locais não deixava o molde de suas pegadas, ou estas ficavam

deformadas, dificultando a identificação.

Apesar de um dos principais objetivos do reflorestamento ser o

desenvolvimento das mudas, o crescimento da vegetação foi outro fator limitante na

observação dos vestígios, pois este incremento tornou difícil a visualização dos rastros

no campo, que acabavam encobertos.

No início do monitoramento em 2002, o fragmento era utilizado pelo gado que

compactava o solo da área (atualmente em recuperação) e assoreava os córregos.

Com sua retirada, foi possível melhorar a qualidade do fragmento e aumentar o

número de registros dos vestígios de mamíferos.

Os funcionários tiveram participação significativa neste trabalho, porque a

maioria dos registros visuais foi relatada por eles durante seus trabalhos em campo,

como no caso da Eira barbara (irara), do Cerdocyon thous (cachorro-do-mato) e do

Chrysocyon brachyurus (lobo-guará).

O gênero Dasypus foi o mais representativo para o fragmento, principalmente

próximo à água onde escavações no solo e pegadas foram observadas

constantemente nas fases de campo. O fragmento florestal pode aumentar a oferta de

alimento para certas espécies que incluam em sua dieta insetos e frutos.

Quanto a Canidae, não foi possível afirmar que todos os vestígios pertenceram

a canídeos selvagens, ou se algumas pegadas visualizadas neste fragmento eram de

cachorros-domésticos, pois havia residências no entorno da área em recuperação,

causando dúvidas em certas ocasiões.

Procyon cancrivorus também foi registrado, pois trata-se de uma espécie que

habita áreas florestadas próximas a cursos d’água, porque inclui na sua dieta,

crustáceos e peixes (CIMARDI, 1996), e como na área há pequenos rios e um lago na

fazenda vizinha, seu rastros foram visualizados com freqüência.

Considerando-se a área como um todo, os mamíferos que se sobressaíram

durante os monitoramentos foram Dasypus sp. com 135 ocorrências (27,2%);

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Canidae, com 128 (25,8%), felídeos de pequeno porte; com 60 (12,1%) e Procyon

cancrivorus, com 34 ocorrências (6,8%) (figura 4).

Figura 4 – Ocorrência total de registros de mamíferos para a área em recuperação.

Conclusão

Foi possível estimar um traçado para a trilha no fragmento florestal, sugerindo-

se a construção de uma passarela suspensa de, aproximadamente, 10 metros de

altura por 30 metros de comprimento sobre o rio, que impedirá que os visitantes

tenham acesso à água. Este remanescente é o local mais apropriado para a

implantação da trilha interpretativa, pois o restante da área ainda encontra-se em

recuperação ambiental, com mudas de diferentes idades e tamanhos.

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A pesquisa sobre os mamíferos deverá continuar para se amostrarem as

Ordens Rodentia (pequenos roedores), da Ordem Chiroptera e da Ordem

Didelphimorphia (em especial, os pequenos marsupiais). A instalação de adaptadores

fotográficos identificará as espécies de felídeos e canídeos que freqüentam a área.

Apesar de jovem, o reflorestamento já apresenta algumas ilhas de vegetação

que, associadas ao fragmento florestal, oferecem abrigo (refúgio) e alimento a muitas

espécies, contribuindo para a reocupação gradativa que vem ocorrendo, conforme

constatado neste trabalho.

O projeto da trilha (em andamento) considerará o limitante “fauna” como um

importante ponto interpretativo, direcionando seu traçado de maneira que a

interferência da visitação ocorra o mínimo possível. Após sua implantação, o programa

de monitoramento da trilha, proposto também no projeto, indicará como a fauna se

comportará com as visitas regulares ao fragmento florestal.

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Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, 1994. 246 p.

STALLINGS, Jody R. et al. Mamíferos do Parque Florestal Estadual do Rio Doce,

Minas Gerais, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia. v. 4, n. 7, 1991, p. 663-677.

Agradecimentos

Ao Sr. Paulo Tobiezi, Diretor da Resitec Tecnologia em Resíduos Ltda. pela

oportunidade de trabalho na sua empresa, abrindo a oportunidade da realização deste.

Ao funcionário da Resitec, Sr. José Benedito dos Santos pelo auxílio em

campo, companheirismo e dedicação ao trabalho realizado nas áreas em recuperação

e pelo respeito que tem pela fauna que habita a região.