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A LUTA PELA TERRA NA FRONTEIRA ENTRE O BRASIL E O PARAGUAI E A IDENTIDADE DO SER BRASIGUAIO. Jhérsyka da Rosa Cleve¹ Resumo: Este trabalho tem como objetivo evidenciar que a fronteira não pode ser entendida apenas do interesse entre a proteção de territórios, a fronteira deve ser entendida com toda a multiplicidade que carrega em si, dessa forma o artigo aborda a dinâmica dos brasiguaios. A partir desses sujeitos poderemos compreender esse espaço fronteiriço. Muitos brasiguaios estão ligados a movimentos sociais de luta pela terra no Brasil, são sujeitos que estão territorializados precariamente na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Diferente do que os meios de comunicação e alguns autores apontam que o sujeito brasiguaio é todo brasileiro que vive no Paraguai, deve-se entender que o brasiguaio difere-se do grande produtor rural brasileiro que vive no Paraguai. Assim, este artigo tem como intuito apontar elementos que configuram as lutas pela terra na fronteira entre o Brasil e o Paraguai e a dinâmica dos brasiguaios nos conflitos de terra na fronteira. Palavras-Chave: Fronteira, luta pela terra, conflitos, brasiguaios. Introdução História, povos, identidades, culturas, fronteiras naturais, soberania, limite, linha divisória, são termos que automaticamente se incluem à questão da fronteira, porém cabe a nós pesquisadores evidenciar o que realmente se trata as questões fronteiriças. Sabemos da existência dos inúmeros conflitos sociais presentes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, sendo estes conflitos causados em suma pela expansão da fronteira agrícola no Paraguai. A palavra fronteira possui uma variedade de sentidos, vivemos um momento onde se “prega” o “fim das fronteiras”, nunca se falou tanto em viver livremente em um mundo “sem fronteiras”, existe uma importância relativamente recente pela questão das fronteiras e ainda persiste uma grande dificuldade em definir a questão, pois ao tratarmos sobre a fronteira devemos levar em consideração que esta carrega uma variedade de elementos que fazem parte desta questão. __________ 1. Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Licenciada em Geografia na mesma instituição. Atualmente professora da rede particular do estado de Sergipe

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Page 1: A LUTA PELA TERRA NA FRONTEIRA ENTRE O BRASIL E O …€¦ · Do ponto de vista geográfico a fronteira é vista como uma ideia que se aproxima de limite, isto é algo imaginário

A LUTA PELA TERRA NA FRONTEIRA ENTRE O BRASIL E O PARAGUAI E A

IDENTIDADE DO SER BRASIGUAIO.

Jhérsyka da Rosa Cleve¹

Resumo: Este trabalho tem como objetivo evidenciar que a fronteira não pode ser entendida apenas do

interesse entre a proteção de territórios, a fronteira deve ser entendida com toda a multiplicidade que

carrega em si, dessa forma o artigo aborda a dinâmica dos brasiguaios. A partir desses sujeitos

poderemos compreender esse espaço fronteiriço. Muitos brasiguaios estão ligados a movimentos sociais

de luta pela terra no Brasil, são sujeitos que estão territorializados precariamente na fronteira entre o

Brasil e o Paraguai. Diferente do que os meios de comunicação e alguns autores apontam que o sujeito

brasiguaio é todo brasileiro que vive no Paraguai, deve-se entender que o brasiguaio difere-se do grande

produtor rural brasileiro que vive no Paraguai. Assim, este artigo tem como intuito apontar elementos

que configuram as lutas pela terra na fronteira entre o Brasil e o Paraguai e a dinâmica dos brasiguaios

nos conflitos de terra na fronteira.

Palavras-Chave: Fronteira, luta pela terra, conflitos, brasiguaios.

Introdução

História, povos, identidades, culturas, fronteiras naturais, soberania, limite, linha divisória, são

termos que automaticamente se incluem à questão da fronteira, porém cabe a nós pesquisadores

evidenciar o que realmente se trata as questões fronteiriças. Sabemos da existência dos inúmeros

conflitos sociais presentes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, sendo estes conflitos causados em

suma pela expansão da fronteira agrícola no Paraguai. A palavra fronteira possui uma variedade de

sentidos, vivemos um momento onde se “prega” o “fim das fronteiras”, nunca se falou tanto em viver

livremente em um mundo “sem fronteiras”, existe uma importância relativamente recente pela questão

das fronteiras e ainda persiste uma grande dificuldade em definir a questão, pois ao tratarmos sobre a

fronteira devemos levar em consideração que esta carrega uma variedade de elementos que fazem parte

desta questão.

__________

1. Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Licenciada em Geografia na mesma

instituição. Atualmente professora da rede particular do estado de Sergipe

Page 2: A LUTA PELA TERRA NA FRONTEIRA ENTRE O BRASIL E O …€¦ · Do ponto de vista geográfico a fronteira é vista como uma ideia que se aproxima de limite, isto é algo imaginário

Ao imaginarmos a fronteira, no senso comum a primeira impressão que nos vêm à mente é o limite

de um Estado-Nação, a divisa entre países, aqui é o Paraguai e do outro lado é o Brasil, essa forma de

entender o termo caracteriza uma visão simplista.

A fronteira envolve uma construção humana, é construída a partir do imaginário de cada pessoa e

assim identificarmos o outro, ao abordar questões fronteiriças é necessário levar em consideração toda

a complexidade que está por trás, pois a fronteira está muito além de separar dois países diferentes,

abrange o estabelecimento de relações de grupos culturais distintos.

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2002), parece que o processo de globalização tem

dissolvido as fronteiras das dimensões política, econômica, social e cultural, porém é dentro de cada

uma delas, e na relação entre elas que ocorrem os conflitos, em virtude disto que devemos deixar de lado

a visão simplista em relação à fronteira, pois o que estamos vivendo é diferentes globalizações, diferentes

ordens-políticas, tecnológicas, artísticas, econômicas, ou seja, a globalização colocou outras fronteiras,

não significando que elas sejam de todas novas.

Em virtude da proximidade entre o Brasil e o Paraguai ocorrem intensos fluxos, que acabam

produzindo diversas barreiras e travessias que se cruzam e redefinem a compreensão dos limites

nacionais, é através dos deslocamentos e da circulação dos sujeitos que fazem parte desse espaço

fronteiriço que podemos fazer reflexões sobre o que é a fronteira.

Buscamos neste trabalho evidenciar que a fronteira não pode ser entendida apenas do ponto de

vista em relação à proteção de territórios, a fronteira deve ser compreendida com toda a multiplicidade

que carrega em si, levando em consideração os sujeitos que fazem parte da fronteira, dessa forma

abordaremos sucintamente os conflitos de terra existentes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai e a

dinâmica dos brasiguaios.

É muito comum na imprensa ao se referir a um brasileiro que reside no Paraguai como brasiguaio,

ou até mesmo partir da migração de brasileiros para o Paraguai e os caracterizando apenas pelo fato da

migração como brasiguaios, entretanto devemos nos atentar, pois ao colocar todo brasileiro como

brasiguaio estaremos levando em consideração desde o despossuído de terra, passando pelo pequeno

produtor, até aos grandes produtores, como por exemplo, muitos meios de comunicação apontam o

empresário Tranqüilo Favero¹ como um brasiguaio, sendo que este sujeito deve ser considerado um

brasileiro que vive no Paraguai e não um brasiguaio.

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Page 3: A LUTA PELA TERRA NA FRONTEIRA ENTRE O BRASIL E O …€¦ · Do ponto de vista geográfico a fronteira é vista como uma ideia que se aproxima de limite, isto é algo imaginário

¹ Tranqüilo Favero é conhecido como o “rei da soja do Paraguai”, vive a quatro décadas no Paraguai e em entrevistas na

imprensa afirma possuir 45 mil hectares de terra, o grupo Favero é responsável pela maioria de silos e armazenagem de grãos

no Paraguai

De tal modo, é importante se atentar as diferenças entre “brasileiros no Paraguai” e “brasiguaios”,

isso se deve desde as condições sociais, politicas e econômicas. Os brasiguaios pertencem a uma classe

social muito distinta dos brasileiros que são produtores da soja no Paraguai, o grande conflito na fronteira

ocorre a partir desses produtores brasileiros e o movimento campesino paraguaio e em meio a esse

conflito estão os brasiguaios.

Nota-se que o discurso presente entre estes brasileiros grandes empresários da soja é em tratar os

paraguaios camponeses de “atrasados”, um discurso semelhante ao que o latifundiário brasileiro tem

com o indígena no qual o coloca como atrasado.

Assim sendo, os conflitos de luta pela terra presentes na fronteira são marcados por inúmeras

diversidades, entre os elementos centrais podemos apontar os brasileiros empresários rurais do

agronegócio, o movimento dos camponeses paraguaios e os brasiguaios sujeitos despossuídos de terra,

sem emprego, cidadania, nação, escola, ligação a movimentos sociais, etc.

Portanto, este trabalho busca apontar como estes sujeitos estão presentes nos conflitos de luta pela

terra na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, demonstrando que a fronteira é exatamente marcada pelo

conflito social.

A fronteira existe? O que é a fronteira? Será que vivemos o “fim das fronteiras”?

Falar sobre fronteira é preciso, antes de tudo, distingui-la quanto ao termo limite, é muito comum

usar o termo limite como linha demarcatória para uma delimitação territorial.

Do ponto de vista geográfico a fronteira é vista como uma ideia que se aproxima de limite, isto é

algo imaginário que separa dois países e com isso encontra-se o vinculo com o Estado que cria

artificialmente a fronteira.

Não se pode confundir limite com fronteira, o limite é uma linha e não pode ser

habitado; já a fronteira, que ocupa uma faixa, configura-se como zona habitável

onde os povos vizinhos podem intercambiar suas culturas. (RAFFESTIN, 2005)

No entanto, a aproximação da ideia de fronteira à ideia de limite gera um paradoxo, porque ao

mesmo tempo em que são impostos limites entre as nações, surgem espaços de contatos que diluem as

diferenças e aumenta a intersecção das culturas dos países limítrofes.

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Segundo Machado (1998), limite é uma palavra que foi originalmente criada para indicar o fim da

ligação interna de uma unidade político-territorial. Machado (1998) assegura que o limite se menciona

a influência exercida através de acordos diplomáticos, responsáveis pela delimitação e jurisdição do

Estado-Nação, sendo desse modo exercidas as normas, regulamentações que visam proteger o território

nacional.

Muitas vezes o limite é entendido no senso comum como uma fronteira natural, como aponta

Albuquerque (2010), associam-se a imagem de um rio, de uma serra ou montanha como marco natural

que divide nações, estados e municípios. Para entender o que é o limite é necessário compreender que

este é abstrato, no qual nasce de um tratado jurídico internacional.

E afinal o que seria a fronteira? Será que podem existir fronteiras na fronteira? Vimos que o que

limite é abstrato, imaginário. Vamos então fazer um exercício de imaginar a fronteira, e o que vem

primeiramente em nossa mente.

Encontraremos as mais variadas respostas, porém a resposta predominante sobre o entendimento

de fronteira é aquela que entende a partir da divisa do limite de um Estado-Nação, entretanto essa forma

de entender o termo caracteriza uma visão simplista, uma vez que o significado de fronteira deve levar

em consideração toda a multiplicidade que ela carrega.

A fronteira envolve uma construção humana e na medida em que a fronteira começa a ser pensada

no imaginário de cada pessoa passamos a construí-la e identificarmos o outro, é necessário levar em

consideração toda a complexidade que está por trás, pois a fronteira está muito além de separar dois

países diferentes, abrange o estabelecimento de relações de grupos culturais distintos.

Com a divisão criam-se distintos grupos sociais, com isso a vida da população que reside em

territórios de fronteira é marcada por relações de contradições, ao mesmo tempo em que se integram por

partilhar de costumes e tradições através do contato internacional separam-se devido o fato de o espaço

ser delimitado por dois territórios com distintas jurisdições.

E será que o estar na fronteira contribui ou apenas aumenta as tensões? As cidades que fazem parte

do limite internacional apresentam problemas semelhantes a qualquer outra cidade (desemprego, acesso

precário a saúde e à educação), porém essas questões se duplicam devido à condição da fronteira, o

desemprego não é apenas um problema da cidade brasileira, o acesso à saúde ou a falta de acesso não é

apenas do brasileiro, mas sim do paraguaio, a educação não é apenas para brasileiros, pois muitos

paraguaios atravessam a fronteira em busca de uma qualidade de ensino, pois acreditam que a educação

brasileira seja melhor do que aquela que tem no Paraguai, essas questões que já são problemáticas se

acirram com este ir e vir da fronteira.

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A esses sujeitos que vivem “na fronteira” ser um ou ser o outro é uma condição definitiva

(nacionalidade) que permite mobilidade, uma vez que se o registro civil de cada um define a que lugar

pertence, o “ir e vir” “de lá para cá e de cá para lá”, nos limites internacionais, se misturam e se

confundem ao mesmo tempo se identificam uns aos outros.

Podemos então apontar que as relações destes sujeitos não podem ser confundidas como relações

harmoniosas, muito pelo contrário o fato de estarem na fronteira faz dessas relações mais conflituosas,

não podemos apontar que na fronteira todos são iguais e partilham das mesmas angustias e sonhos, a

fronteira é um território hibrido e por ser hibrido é que faz desse território cheio de contradições.

Goettert (2013) salienta que a própria ideia de fronteira já é por si só “portadora” da condição

híbrida; ser e estar na fronteira – ou falar ou ouvir sobre a fronteira – parece condição característica e

peculiar de ser-estar híbrido. A língua é o maior exemplo para demonstrar como a condição hibrida se

torna presente no ambiente fronteiriço, as escolas são ambientes que tem a língua ora como forma de

aproximação, ora como distanciamento.

Por vez o português pode ser a língua oficial, que não é compreendida pelos alunos paraguaios,

assim como a língua guarani pode soar como o “diferente” ou a forma de “resistência”, como aponta

Goettert (2013) o espaço hibrido aparece em duas formas distintas, o espaço de linguagem é produzido

como espaço hibrido de aproximação ou como espaço hibrido de distanciamento.

Deste modo, por tudo que foi dito até aqui, será que podemos dizer que existem fronteiras na

fronteira? Sim, a exemplo disso é apenas viajar para a fronteira entre Pedro Juan e Ponta Porã e

encontraremos inúmeros exemplos de fronteiras construídas na própria fronteira.

Os próprios turistas se direcionam as compras nas grandes lojas (Studio Center, Shopping China),

sendo estas vistas como “seguras” e isso vai desde a própria alimentação, a garantia de fazer a

alimentação em um restaurante “conhecido” é melhor do que fazer uma refeição em um restaurante no

centro de Pedro Juan, pois este é visto como “sujo”.

Essas situações evidenciam o quanto o ambiente fronteiriço é marcado pelas contradições, tensões,

conflitos e diferenças, é a partir das diferenças que nasce a fronteira, para (MARTINS, 1997, p.50) a

fronteira “é essencialmente o lugar da alteridade”, lugar do conflito étnico, social, político ou econômico,

é um lugar onde os diferentes se encontram e se reconhecem, lugar dos sonhos de quem nela não está,

do paraíso para muitos, seja o “paraíso das compras”, a esperança de uma vida melhor, ou o pesadelo

para quem ali se encontra.

A fronteira é também o lugar de desencontro de temporalidades históricas, “pois cada um desses

grupos está situado diversamente no tempo da História” (MARTINS, 1997, p. 151). Para o autor:

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[...] o tempo histórico de um camponês dedicado a uma agricultura de excedentes

é um. Já o tempo histórico do pequeno agricultor próspero, cuja produção é

mediado pelo capital, é outro. E é ainda outro o tempo histórico do grande

empresário rural. Como é outro o tempo histórico do índio integrado, mas não

assimilado. [...] Como ainda é inteiramente outro o tempo histórico do pistoleiro

que mata índios e camponeses a mandado do patrão e grande proprietários de terras

[...] (MARTINS, 1997, p. 159).

Na fronteira entre o Brasil e o Paraguai esse desencontro de temporalidades históricas torna-se

evidente entre a relação dos imigrantes de descendência europeia e os camponeses paraguaios, em

virtude de ter ocorrido na América latina uma forte imigração europeia que caracterizou esses imigrantes

como trabalhadores, brancos, superiores enquanto que os índios, negros eram tidos como preguiçosos.

O mesmo ocorreu na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, os imigrantes brasileiros em sua

maioria oriundos do sul do Brasil de descendência europeia, transferem as mesmas referencias as

imagens que tem do nordestino, do negro e do índio ao camponês paraguaio, colocando os camponeses

paraguaios como atrasados e preguiçosos.

Esse discurso se intensificou no período da frente de expansão capitalista no Leste do Paraguai na

década de 1970, momento em que ocorreu uma forte imigração brasileira para o país vizinho, essa

imagem que foi construída dos brasileiros em relação aos paraguaios é semelhante às formas que os

colonizadores da América Latina davam aos índios, colocando o outro como atrasado, preguiçoso.

Assim, a fronteira simbólica mais terrível é aquela que nega o outro, que tem como objetivo

rebaixar a condição humana e social. A negação do outro ocorreu entre brancos e índios na Amazônia,

entre os primeiros colonizadores da América Latina e os indígenas que aqui habitavam, e muitos

pesquisadores tem se esforçado em apontar o que ocorre desde a década de 1970 entre os imigrantes

brasileiros e os camponeses paraguaios.

Passaram-se décadas e muitos desses imigrantes brasileiros que foram para o Paraguai na década

de 1970, hoje são os grandes empresários e produtores de soja com tecnologias avançadas em suas

propriedades. E com o passar dos anos o discurso se intensifica e as grandes propriedades de soja de

brasileiros servem para aumentar o discurso do trabalho dos imigrantes em relação aos camponeses

paraguaios, colocando os paraguaios como sujeitos que “vivem outro tempo” ou que “pararam no

tempo”.

Podemos apontar que a fronteira entre o Brasil e o Paraguai é marcada por temporalidades

históricas, conflitos, contradições, hoje ela pode estar ocupada, como pode daqui a alguns anos não estar,

a fronteira está relacionada a situações definidas, por exemplo, a fronteira entre o Brasil e o Paraguai

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tem servido desde a década de 1970 como ampliação da agricultura de exportação. Dessa forma, a

fronteira esta intimamente ligada com as relações que constituem o poder, a fronteira vai estar presente

onde o poder econômico e politico estiver abrangendo.

Diferentes culturas sempre irão existir, assim podemos voltar ao inicio dessa discussão, será que

vivemos o fim das fronteiras? Acredito que estamos sempre bombardeados por exemplos que não existe

o fim das fronteiras, mas novos papéis adquiridos pela fronteira, em virtude de toda a complexidade que

a fronteira carrega os estudos não devem apenas levar em consideração que os espaços de fronteiras

sejam locais de demarcação de um território, pois a fronteira se reconstrói a cada mudança de

temporalidade, assim o que realmente tem ocorrido é uma mudança temporal dos conceitos, não existe

o fim das fronteiras ou territórios, mas sim um constante movimento.

Realidade agrária atual do Paraguai.

A dinâmica no campo em território paraguaio tem passado por profundas transformações nos

últimos anos, a expansão da lavoura da soja tem sido responsável por uma série de problemas sociais e

ambientais, tem sido responsável também pela expulsão e expropriação de muitos brasiguaios e

camponeses paraguaios.

Diante do avanço do cultivo da soja a agricultura familiar tem passado por uma situação na qual

vivenciam a falta do acesso aos financiamentos, não encontrando escolha a não ser vender suas

propriedades aos produtores de soja.

A presença brasileira no Paraguai representa um fato de consequências extraordinárias no que diz

respeito à dinâmica social e econômica do Paraguai, sendo o espaço que se designado como território

"brasiguaio" é decorrente da colonização dos últimos trinta anos.

O que de inicio era para ser uma simples ocupação do espaço fronteiriço, transformou-se numa

verdadeira evolução da sociedade paraguaia. Os brasileiros que “atravessaram” a fronteira e passaram a

viver no Paraguai representam uma parcela dos agricultores paranaenses que emigraram em direção à

República do Paraguai, os quais se somaram aos brasileiros que já estavam se reproduzindo no vizinho

país, "empurrados" por um sistema que visava à modernização do Brasil a qualquer preço. O Ministério

de Relações Exteriores divulga que viviam no final da década de 1990, na República do Paraguai,

459.000 brasileiros. Os dados de censos mais recentes se referem a 98.000 brasileiros em situação legal

e a imprensa vem trabalhando com uma cifra de 350.000 não regularizados. Estes brasileiros, legalizados

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ou não, representam oito décimas partes dos habitantes do Estado do Alto Paraná e seis por cento da

população total do Paraguai, e são responsáveis por 80% da soja produzida naquele país (Zaar, 2001).

Entretanto, se atualmente o Paraguai é um dos principais exportadores de soja, é também um dos

principais compradores de produtos manufaturados brasileiros, tendo este comércio facilitado em grande

parte pelos brasileiros que residem no Paraguai.

O papel do Estado paraguaio é também fundamental, pois ao invés de controlar o progresso da

frente pioneira em seu território não faz vistas grossas à questão, dessa forma sustentando uma situação

que também o convém.

Atualmente a região da fronteira é o principal ponto de discussão sobre o lugar do Paraguai no

Mercosul, sobre a produção da soja podemos assegurar que os departamentos com maior área de

produção desta são Alto Paraná, Canindeyú (divisa com o Paraná) e Itapuá (divisa com Argentina), os

departamentos da região norte e central do Paraguai recentemente entraram no processo de expansão da

soja.

Nos últimos anos, alguns lugares de plantios da soja se localizam nas colônias de descendentes

alemães, ressalta-se também a entrada de produtores brasileiros profundamente capitalizados, que

compram ou arrendam terras de médios e grandes pecuaristas, em alguns locais a expansão ocorreu

mediante a compra de quantias de terra de camponeses paraguaios.

A expansão da fronteira agrícola implica em impactos ambientais provocando desmatamento por

conta do uso de agroquímicos, não podemos deixar de lado que provoca consequências nos aspectos

sociais, já que a agricultura mecanizada necessita de pouca mão de obra (qualificada).

É importante apontar que o mesmo que acontece no Paraguai tem ocorrido no Brasil, o crescente

aumento deste modelo baseado na grande propriedade, no intenso uso de agrotóxicos e no baixo emprego

de mão-de-obra. Sendo este modelo não compatível com as formas tradicionais de vida no campo,

surgindo assim inúmeros conflitos de terra tendo como atores os entre grandes proprietários e militantes

de movimentos sociais do campo dos dois lados da fronteira.

No caso do Paraguai, o cenário dos conflitos tem se tornado ainda mais grave pela

internacionalização extrema do setor da soja do país, existe um número alto de produtores são brasileiros

que atuam de modo integrado com grandes conglomerados internacionais de grãos. Nota-se que o

número de organizações instaladas no Brasil tem importado soja do Paraguai para a sustentação de suas

atividades, das oito maiores companhias brasileira importadoras de produtos paraguaios, cinco

trabalham com soja: Bunge, ADM, Sadia, Agrícola Horizonte e Multigrain, também importam em menor

escala empresas como Cargill, Caramuru e como, por exemplo, cooperativas como Aurora e Cocamar.

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A importância da soja na economia paraguaia se deve a partir do ingresso no país durante a década

de 1970, na fronteira Leste, divisa com o Brasil, dessa forma o grão teve um crescimento constante e,

em alguns momentos, até acelerado, sobretudo nos últimos dez anos.

A realidade agrária da fronteira gira em torno da expansão da lavoura de soja no Paraguai, visto

que o país nos anos de 2012 e 2013 aparece no ranking mundial como um dos principais produtores e

exportadores de soja, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Brasil e Argentina.

Constata que o cultivo de soja é superior ao de girassol, sendo que o cultivo de soja tem se

expandido de maneira drástica pelo território paraguaio, atualmente o Paraguai é o país com maior

concentração de terra do mundo, segundo Albuquerque (2005) as propriedades com menos de 20

hectares representam 83,4% do total de propriedades existentes no país, ocupando apenas 6% do

território total. Fabrini (2012) aponta que 77% das terras cultiváveis são controladas por apenas 1% dos

proprietários rurais, sendo muito deles brasileiros.

É necessário lembrar que desde 1960, o cultivo de soja foi estimulado pelo governo Stroessner,

adentrando o cenário rural do Paraguai neste período e abrangendo poucas áreas. Durante a década de

1970 (período que o imigrante brasileiro adentra o território paraguaio) tem inicio o aumento a superfície

cultivada e, e consequentemente o aumente da produção, como se observa no gráfico 01 durante a década

de 1980 a área de cultivo inicia sua ascendência.

Nota-se que o aumento da produção da soja ocorre a partir da década de 1990 observa-se também

que ocorre um distanciamento do aumento que corresponde à superfície cultivada, sendo a partir da

incorporação de meios técnicos, como por exemplo, corretivos químicos, aumentando dessa forma a

produtividade da cultura por área plantada.

O modo que o cultivo de soja se expande no território paraguaio tem intensificado as lutas pela

terra, o movimento campesino reivindica a reforma agrária e o combate à monocultura da soja, dessa

forma a expansão da soja no Paraguai tem se caracterizado por inúmeros conflitos de luta pela terra e

em meio a esses conflitos encontram-se os brasiguaios, sujeitos que buscam no país vizinho

oportunidades, entretanto com esse aumento do cultivo de soja acabam perdendo suas propriedades por

inúmeros fatores que veremos mais adiante.

O deslocamento dos brasileiros para o Paraguai e representações sobre o “outro”

Durante a década de 1960 e 1970 os governos paraguaio e brasileiro favoreceram a ocupação da

fronteira, SOUCHAUD (2002) aponta que a elevada aptidão dos solos, o apoio direto do governo na

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concessão e compra de terras, as agências de crédito, dos ministérios do governo de Paraguai e Brasil

contribuíram na constituição desse território brasiguaio, visto que aqui aponto como território brasiguaio

em virtude da base social, econômica e produtiva é brasileira, mas se dá em território paraguaio. Não

podendo deixar de evidenciar que as construções da ponte da amizade e da represa de Itaipú também

incidiram neste processo (MENEGOTTO, 2004).

Não podemos apontar que a presença dos brasileiros na fronteira do Paraguai tenha ocorrido

unicamente a partir das políticas governamentais do Brasil e do Paraguai. O que houve foi uma junção

entre o processo e de deslocamento populacional, devido ao fato de ocorrer concentração da propriedade

nos estados do Sul do Brasil, com os interesses geopolíticos tanto do governo brasileiro quanto do

paraguaio em controlar e desenvolver a região leste daquele país.

A modernização e mecanização da agricultura contribuíram para a expansão dos plantios de soja

na década de 1970, favorecendo o deslocamento de muitos agricultores, arrendatários e posseiros de

terras brasileiras para o Paraguai.

É nesse contexto que o governo ditatorial do Paraguai concretiza um amplo plano de colonização

agrícola na região de fronteira com o Brasil, promovendo a entrada de empresas e colonos estrangeiros

nas cidades fronteiriças do Leste Paraguaio.

Os conflitos existentes na fronteira que hoje se acirram cada vez com maior intensidade devem-se

ao governo ditatorial de Alfredo Stroessner, pois a ditadura implantada por Stroessner afetou

profundamente o contexto agrário na fronteira. Para compreender de forma mais detalhada os conflitos

de luta pela terra na fronteira, é necessário compreender a estrutura fundiária do Paraguai e a própria

organização do movimento camponês paraguaio, entretanto abordaremos de forma sucinta, assim como

no Brasil o grande conflito de terra é em virtude da concentração de terra, no Paraguai a tensão se acirra

em virtude de muitas propriedades serem de estrangeiros, sendo um grande percentual de brasileiros

proprietários de terras no Paraguai.

As disputas jurídicas pelos títulos das propriedades estão associadas aos conflitos de terra na

fronteira, os títulos das propriedades são sempre questionados, assim como os problemas com o meio

ambiente em área de cultivo de soja. Além do que foi apontado existe outro fator que vai além de um

conflito por terra, a problemática em relação à documentação dos imigrantes brasileiros, acarreta alguns

conflitos com a policia paraguaia, a presença de muitos brasiguaios que não possuem nenhuma

documentação, nem brasileira ou paraguaia, enquanto que outros imigrantes possuem o permisso² de

turista vencido.

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É importante destacar que o governo paraguaio reformulou o estatuto agrário em 1963 permitindo

a venda de terras aos estrangeiros nas zonas de fronteira, até este período essa região era ocupada por

grupos indígenas e por empresas de extração da erva-mate, como por exemplo, a Mate Laranjeira.

Os imigrantes brasileiros, que obtiveram êxito socialmente durante as últimas décadas, são

reesposáveis por setores importantes da economia, da política e da cultura local em determinadas cidades

paraguaias, como por exemplo, em Santa Rita, Santa Rosa de Monday, Naranjal, San Alberto, etc.

É necessário apontar que o Leste do Paraguai teve uma forte colonização de imigrantes do Sul do

Brasil, em virtude desses sujeitos possuírem experiência no trabalho com lavouras, o discurso

governamental era que esses imigrantes desenvolviam uma “agricultura moderna”, e “civilizariam” os

paraguaios que não possuíam essa ideologia do trabalho, de acumulação e o desejo de crescer

economicamente.

Albuquerque (2010) salienta que “os imigrantes, principalmente aqueles que vieram do sul do

Brasil e que conseguiram ascender socialmente no Paraguai, assumem o discurso do progresso e de que,

portanto, são os únicos capazes de desenvolver um projeto de modernização no país”, assim esses

imigrantes brasileiros no Paraguai utilizam esse discurso de “pioneiros” e “trabalhadores” e que permeia

ainda em nossos dias. É a partir do discurso do trabalho que notamos a presença da mentalidade

capitalista do imigrante, que analisa o mundo a partir da lógica do trabalho e acumulação.

Os processos de mecanização e de concentração da propriedade da terra nessa faixa de fronteira

se ampliam a partir da década de 1970 e inicio de 1980, uma família de agricultores podia ter a

possibilidade de aumentar o plantio sem precisar contratar mais mão-de-obra.

A ação dos imigrantes brasileiros em seu início era basicamente com a exploração florestal

destinada ao mercado brasileiro, com o passar do tempo os colonos brasileiros instauraram gradualmente

uma agricultura baseada na revolução verde (genética e insumos químicos industriais). Cultivavam

primeiramente o trigo e a soja, cultivo que já era amplamente difundido no cenário rural do sul e sudeste

brasileiro.

A produção que antes tinha como base o milho, mandioca para a subsistência passa a ser trocada

pelo plantio de soja, é nesse processo que começam os deslocamentos de camponeses paraguaios e

brasileiros para outras frentes agrícolas no interior do Paraguai.

A partir desta imigração brasileira em terras paraguaias, construíram-se diversos estigmas entre

brasileiros e paraguaios, e que é reproduzido até para quem não faça parte do cotidiano da fronteira. Há

brasileiros que classificam os paraguaios como “bugres”, “falsificadores”, “sujos”, porém se auto

definem como “limpos”, “civilizados”, “trabalhadores”, “desenvolvidos”. Assim como há paraguaios

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que classificam os brasileiros como “intrusos”, “narcotraficantes”, “imperialistas”, e se definem como

“paraguaios legítimos”.

Essa autoimagem de trabalhadores que os imigrantes brasileiros construíram não é um caso apenas

da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, ela é tida em outros contextos fronteiriços, entre a fronteira da

Bolívia e o Brasil, os brasileiros apontam os bolivianos com os mesmo estereótipos que se referem ao

paraguaio.

As imagens que os imigrantes brasileiros constroem sobre os paraguaios e até mesmo sobre os

bolivianos é produto das relações de poder, pois o Brasil tem relativamente um poder maior econômico

e politico em relação ao Paraguai e Bolívia, dessa forma os imigrantes brasileiros se consideram

superiores aos bolivianos e paraguaios, entretanto essa imagem pode ser invertida em relação a um

imigrante brasileiro nos Estados Unidos, pois o imigrante brasileiro nos Estados Unidos é tido como

latino, pobre, intruso. Assim, podemos dizer que as imigrações possuem representações positivas e

negativas sendo construídas a partir de uma hierarquia entre nações.

A influência dos brasileiros em solos paraguaios perpassa diversos âmbitos desde politico,

econômico e até na própria cultura, a influência cultural predomina e vai desde a língua portuguesa,

meios de comunicação, religião, música, danças, tradições e culinária do Brasil na zona de fronteira.

Nas festas da Exposoja, que acontecem nessas localidades, sobressai a “cultura brasileira”, os

meios de comunicação, sobretudo os canais de TV brasileiros, reforçam o “domínio” da língua brasileira

nessas regiões nos últimos 20 anos.

A intensa força no poder econômico, político e cultural dos imigrante brasileiros no Paraguai tem

causado uma reação do movimento camponês, os conflitos entre empresários da soja e algumas esferas

da sociedade paraguaia têm provocado vários confrontos.

É importante compreender alguns elementos que configuram os conflitos de terra na fronteira, é

válido observar que o movimento campesino paraguaio não tem reivindicando apenas as propriedades

de brasileiros, mas sim também de outros estrangeiros que possuem latifúndios no Paraguai como os

suíços, coreanos, chineses, norte americano, etc.

O avanço da agricultura em território paraguaio, enraizado no modo de produção capitalista é o

grande gerador de conflitos agrários na fronteira, assim a fronteira entre o Brasil e o Paraguai não

constitui apenas como o limite entre o território de dois países, mas, constitui também como

possibilidade de novas relações de produção, sendo neste caso, relações capitalistas.

Um apanhado que podemos tirar de tudo que foi dito até aqui, é que os conflitos agrários na

fronteira entre o Brasil e o Paraguai se devem ao fato da expansão da fronteira agrícola no Paraguai,

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tendo grande fator responsável as frentes de expansão interna brasileira, no qual foram orientados

inicialmente por planos políticos durante a década de 1960 e 1970 e continuam em processo de expansão.

Outro fato se deve a ausência do Estado Paraguaio na fronteira, principalmente durante a década de

1970, o movimento camponês paraguaio também compõe o cenário dos conflitos agrários, em virtude

de reivindicarem os territórios ocupados por estrangeiros, esses fatores compõem os pilares dos conflitos

agrários existentes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai.

Ainda que, os camponeses paraguaios lutem e reivindique, a fronteira agrícola continua se

expandindo no território paraguaio, ampliando os conflitos de terra. A partir das questões que foram

apontadas até aqui, é possível constatar um conjunto de elementos que compõem a questão agrária na

fronteira entre o Brasil e o Paraguai, e dentro desses fatores os brasileiros desde o passado até o presente

fazem parte destes conflitos na fronteira, mas e os brasiguaios? Até aqui muito foi dito sobre o embate

entre os latifundiários e camponeses paraguaios, veremos a seguir qual a relação dos brasiguaios com a

fronteira e a luta destes sujeitos.

Os brasiguaios na fronteira

O termo “brasiguaio” possui inúmeros sentidos, porém é muito utilizado para definir os brasileiros

que vivem no Paraguai, entretanto ao colocarmos todos os brasileiros que vivem no Paraguai como

brasiguaio estaremos levando em consideração desde o grande produtor rural até ao despossuído de

cidadania, dessa forma devemos estar atentos ao utilizar o termo brasiguaio.

A existência dos brasiguaios está intimamente relacionada a expulsão de imigrantes brasileiros do

Paraguai por causa da concentração da terra, da mecanização da agricultura, do fim dos contratos de

arrendamento e dos créditos agrícolas durante a década de 1980, o termo foi criado em 1985, período

que teve retorno para o Brasil do primeiro grupo organizado de imigrantes brasileiros, termo este que

foi criado por um deputado federal do Mato Grosso do Sul durante uma manifestação de imigrantes na

cidade fronteiriça de Mundo Novo (MS).

Esses sujeitos retornaram para o Brasil com a esperança da realização da reforma agrária no Brasil,

assim muitos desses sujeitos que voltam para o Brasil e engajam-se nas lutas por retorno a terra,

entretanto o que nota-se atualmente que muitos desses sujeitos retornam para o Brasil apenas pelo motivo

de voltar para o país de origem e inserindo-se em trabalhos como “peões” de fazendas ou trabalhando

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em outros ramos que não são necessariamente do campo, dessa forma atualmente o sujeito brasiguaio

retorna para o Brasil não apenas com intuito de voltar para a terra.

É muito comum desde os próprios “colonos” e a imprensa identificarem o sujeito brasiguaio como

uma “vitima”, mas também é muito comum nos meios de comunicação apontar os brasileiros detentores

de grandes propriedades como brasiguaios.

O termo brasiguaio deve ser entendido por aquele sujeito que é um imigrante brasileiro, pequeno

produtor que perdeu sua terra no Paraguai e que não direitos civis, políticos e sociais dos dois lados do

limite internacional.

Entretanto, é necessário levar em consideração que os brasiguaios são condenados muitas vezes

como “indesejáveis” e “perigosos” nos municípios brasileiros que fazem fronteira com o Paraguai, pois

as autoridades politicas brasileiros e os latifundiários brasileiros em suma temem que os “brasiguaios”

ameaçassem a ordem social destas cidades.

Aqueles imigrantes brasileiros mais pobres consideram-se e aceitam ser chamados de brasiguaios

em virtude que apenas dessa forma conseguem receber benefícios sociais nos dois países, e dessa forma

acabam não se sentindo estrangeiros no Brasil e no Paraguai.

No entanto, o termo “brasiguaio” não é benquisto pelos brasileiros ascenderam economicamente

e politicamente, pois o termo ainda está associado aos sujeitos que não apresentam documentos e que

são pobres. Isso demonstra evidentemente uma distinção de classe entre aqueles brasileiros que

ascenderam- se socialmente e aqueles brasileiro despossuídos de qualquer direito.

Dessa forma, o sujeito brasiguaio enfrenta muitas dificuldades desde a falta de escolas para os

filhos, a perca de suas propriedades adquiridas no Paraguai, pois são diversos os casos de pequenos

agricultores que obtiveram terras “griladas”, outra dificuldade enfrentada por esses sujeitos é em relação

à documentação pessoal de estrangeiro, que os submetem a corrupção das autoridades paraguaias.

Constata-se, que a permanência dos brasiguaios em terras paraguaias engloba um conjunto de

fatores políticos, econômicos, jurídicos, e culturais, não deixando de lado a expansão do agronegócio e

a modernização da agricultura no Paraguai, evidencia-se que fatores como irregularidades na

documentação das terras, discriminação, corrupção, falta de seguridades sociais, escola, são também

fatores que dificultam a permanência dos brasiguaios em terras paraguaias.

É a partir dessas dificuldades que muitas das famílias foram motivadas a sair do Paraguai, surgindo

assim o movimento dos brasiguaios em meados da década de 1980 é necessário compreender que o

processo de retorno do migrante brasileiro iniciou-se não apenas por dificuldades financeiras.

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O migrante brasiguaio ao migrar tinha como finalidade principal obter terras, entretanto por

inúmeras adversidades acaba perdendo as terras adquiridas no Paraguai ou não conseguindo o objetivo,

com isso retornam para o Brasil engajados na luta para conquistar um pedaço de chão, por cidadania e

melhores condições de vida, em muitas vezes esses sujeitos acabam vinculando-se ao MST.

Podemos compreender melhor a distinção entre “brasiguaios” e “brasileiros no Paraguai” a partir

da inserção do sujeito brasiguaio nos movimentos sociais, segundo Ferrari (2007), os pequenos

agricultores e trabalhadores volantes do meio rural e urbano são reconhecidos como brasiguaios, o que

não acontece com médios e grandes produtores de soja, dessa forma indicando que a formação da

identidade de brasiguaio está assentada numa relação de classe.

É necessário compreender que o brasiguaio ao retornar para o Brasil acaba passando por um

processo de reterritorialização, dessa forma é necessário conceituarmos a territorialidade, que é um

conjugado de relações que se estabelecem espacialmente seja de forma coletiva ou individual.

A territorialidade nossos laços com o território, numa concepção bastante aberta

“pode ser definida como o conjunto de relações que desenvolve uma coletividade

– e, portanto um indivíduo que a ela pertence – com a exterioridade e/ ou a

alteridade por meio de mediadores ou instrumentos”. HAESBAERT (2007, p.23).

Assim o que ocorreu com o brasiguaio é que o mesmo ao retornar para o Brasil teve que passar

por um processo de reterritorialização, ou seja, o mesmo teve que construir seu novo território e uma

nova identidade, a identidade de brasiguaio.

É necessário compreender que muitos camponeses expropriados no Brasil que buscaram

oportunidades em terras paraguaias não tiveram possibilidade de enraizamento, fazendo esses sujeitos

serem territorializados precariamente, são esses sujeitos que vivenciam uma mobilidade constante, ora

no Paraguai, ora no Brasil, onde os vínculos que estabelecem são provisórios.

Torna-se necessário apontar que existe um sujeito social brasiguaio presente nos movimentos

sociais de luta pela terra, mas existe também, principalmente nos dias atuais, um sujeito em constante

mobilidade na fronteira, territorializados de forma precária, pois não encontra possibilidade de

permanência em terras brasileiras, faz-se necessário urgentemente que existam politicas públicas que

atendem este sujeito brasiguaio possibilitando seu retorno para o Brasil.

Portanto, o conflito na fronteira não ocorre a partir da identidade e nação dos diferentes sujeitos,

mas esta ancorada na classe social a que eles pertencem, e em meio a esses conflitos de terra na fronteira

entre o Brasil e o Paraguai encontram-se os brasiguaios, camponeses paraguaios e os grandes

proprietários de terras.

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Algumas considerações finais...

Este trabalho teve como objetivo deixar o legado que é necessário compreender que a fronteira

não é algo estático, mas envolve uma construção histórica se deparando com diversas situações, como

por exemplo, ela tem sido atualmente empregada como ampliação da agricultura de exportação.

É na fronteira que coabitam diferentes sujeitos, tempos, trajetórias e cada elemento que configura

a fronteira se expressa de forma particular, assim é necessário ter como primeiro passo ao tratar as

questões fronteiriças, levar em consideração as pessoas que fazem parte deste processo, dessa forma este

trabalho buscou apontar como os sujeitos brasiguaios estão envolvidos nos conflitos agrários da

fronteira.

Embora, os campesinos paraguaios lutem por um pedaço de chão, a fronteira agrícola continua se

expandido como foi apontado no decorrer do trabalho, conforme essa expansão da fronteira agrícola

aumenta acirra-se os conflitos por terra e expulsam camponeses paraguaios e brasiguaios de suas

pequenas propriedades em favorecimento da agricultura de exportação. Os conflitos não se tratam apenas

de questões econômicas e politicas, vai, além disso, perpassando por questões culturais e simbólicas.

Deste modo, o que é visto nos conflitos de terra na fronteira é a colisão entre os imigrantes

brasileiros empresários da soja e os campesinos paraguaios, e no meio desse conflito se encontram os

brasiguaios, ora apoiando os campesinos paraguaios.

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