a loucura e a água
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7/26/2019 A loucura e a gua
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A loucura e a gua
A ideia deste escrito consiste em espreitar certa poltica subjetiva subjacente
gua como forma arquetpica do lquido. Perante sua caracterstica elementar de fluidez,
que a submete dinmica dos fluxos segundo a defini!o da Enciclopdia Britnica,
podemos partir da gua como m"todo para um entendimento da produ!o de
subjetividade. Assim, destacamos valor e fun!o imaginrios da gua como
purificadora, como aquilo que leva os maus fluidos e renova o ser, como aquela sob a
qual se " submetido a fim de certificar um testemun#o $procedimentos ordlicos e da
verdade prova desde a antiguidade%, a gua como algo que n!o posso reter, apreender,
mas que me toca e me envolve.
&a a alus!o s aventuras do viajante veneziano 'arco P(lo $viajante fluido da
cidade eternizada em seus canais% perante )ublai )#an $o sedentarizado rei, preso sua
capital, restrito a pouco mais que o c#!o de seu palcio suntuoso, passageiro passivo dos
relatos fantsticos de seu servo% e s cidades de *smeraldina em contraposi!o a *rclia
e +lide. A discuss!o de fundo " o que agora se desen#a no problema da posi!o
enquanto lugar de significa!o na min#a tese e do corte sincrnico do estruturalismo
como problemtica que exclui o tempo ou se o toma, quando o faz, " para reinscrev-lo
subjugado espacializa!o formalista. A ideia " pegar a passagem dos fluxos pelos
fluidos como modelo de contraposi!o solidez que anima o sono dogmtico
antropol(gico da modernidade $+/01A023%.
/s fluxos ligam e separam em multiplicidade e contradi!o elementos dspares,
antit"ticos e antinaturais uns aos outros sob o pretexto de unificlos sob a l(gica dadiferena e n!o da identidade dando corpo uma subjetividade nmade.
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4egundo a defini!o da *nciclop"dia 5ritnica, a fluidez " propriedade que
distingue lquidos e gases do s(lido $esta " uma pontua!o interessante, manter o s(lido
como contrarrefer-ncia no singular e no masculino%.
A gua tem a fluidez da fumaa e, tal como um gs, muda de forma sobre a!o
de fora deformante. *sta mudana coloca em flutua!o a distncia entre as partes do
lquido fazendo da instabilidade a regra da rela!o de organiza!o interna de seus
termos. *m contraste com o s(lido 6 que quando e como submetido fora que quer o
flexione, quer o deforme instantaneamente, restituindose s suas propriedades de
ordena!o, volta forma original 6 a gua transformase, tem modificada a rela!o
entre seus termos cuja poltica interna, se " que podemos falar de uma poltica da gua,
consiste precisamente numa poltica dos fluxos condicionada por sua indetermina!o
flutuante. 3al fluidez da poltica de fluxos constitui sua caracterstica distintiva perante o
solido, que n!o se deixa afetar pelos fluxos, a eles resistindo.
A dinmica estrutural das mol"culas de gua dita seu comportamento de acordo
com a ordena!o que se d em um curto dimetro molecular e que marca sua diferena
perante o arranjo estrutural do s(lido que cuja liga os estabiliza, fixandoo no espao e
fixando o espao ao mesmo tempo em que paralisa o tempo, denegando suas
transforma7es constitutivas. / s(lido se restringe ao espao $que ocupa%, " facilmente
contido na manuten!o obsessiva de suas dimens7es espaciais que pretendem tornar
irrelevante a passagem dos fluxos temporalcontitutivos.
A gua est tendencialmente mais que apta, ela " propensa mudana de forma.
4uscetvel ao vento e gravidade, assim como s varia7es de temperatura e s
mudanas do sol, da lua e dos astros, a gua apresenta sua contral(gica num aspecto
singular8 ela " a 9nica dentre os lquidos ne:tonianos capaz de contra!o na opera!o
de condensa!o. Ao contrrio dos demais lquidos, a gua n!o expande quando congela
e vira gelo. 3em como caracterstica mister a maleabilidade, abdica de sua forma, abdicade qualquer formato que tome n!o mais que provisoriamente para ceder gravidade e
fora daquilo que $l#e% acontece.
'ais que consci-ncia da fugacidade e #istoricidade das coisas, a gua "
determinada por uma propens!o ao et"reo. 3oda descri!o de um lquido " como uma
fotografia de um movimento, retrato instantneo de uma superfcie espel#ada pronta
para ondular ao menor sobressalto de vento ou de peixe.
/ repert(rio de comportamentos da gua retoma sua formidvel inextrincvelincontornvel liga!o com o tempo sua firme ancoragem dinmica do movimento.
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;uando um lquido flui, escorre, vaza, transborda, inunda, pinga, ou quando ele "
destilado, filtrado, borrifado, ele contorna, dissolve ou invade o que se interp7em entre
seu estado atual e seu estado por vir. 4ua natureza resiste ao encontro com o s(lido que,
por vezes, restam intactos, noutras por"m, ficam mol#ados, enc#arcados ou derretem e
se dissolvem, deixandose levar ao saber do destino da metamorfose ou dos fluxos aos
quais tanto resistiram.
/ carter m(vel e inconstante do lquido nos leva associa!o com a leveza,
apenas em parte correta, mais acertada " a proximidade com o movimento em seu
amplo sentido. A dinmica do lquido revolto e abrupto, sinuoso e instvel, tem o poder
de abalo sobre toda certeza concretizada numa solidez absoluta gua mole pedra dura,
tanto bate at" que fura.
'odificando a mxima, pensamos que tudo o que " s(lido pode se liquefazer e,
uma vez lquido, pode fluir. / s(lido solidifica, ele son#a com a consist-ncia de um
estado que solidifique numa situa!o estacionria administrvel, enquanto o lquido
liquefaz, j implica em si uma prtica, uma exist-ncia praticada, sua vida como prtica
mais do que como s(lida consist-ncia.
< preocupa!o em estabelecer depend-ncia e definir a normatividade rgida da
intera!o desde sua fixidez, somamse a necessidade e a sede de coer-ncia do s(lido
decorrem da n!o porosidade ao tempo e suas intemp"ries. / fluido, por outro lado,
dissolve o que persiste no tempo, leva os resduos de passado que pesam sedimentados
no fundo do presente $=ietzsc#e em >&as vantagens e desvantagens da #ist(ria?%.
1om o ban#o lquido, podemos renovar os s(lidos, regar a novidade com as
guas do tempo, reintroduzir a diferena no solo est"ril do mesmo. 1omo a c#uva que
traz a gua de volta terra, perfuma o solo e renova o ar perfura a crosta intr"pida de
um aude seco fazendo brotar a vida.
Assim, a gua e seu engen#o permite que o tempo adquira #ist(ria, ela espal#a oque est morto para o que " vivo crescer. / comportamento de fuga, desvio ou evita!o
da gua visa instaurar uma outra poltica cognitiva, na qual n!o se foge dealgo, antes
tratase defazer algo fugir, fazer os sedimentos escorrerem correnteza abaixo ou forar
os peixes correnteza acima para a desova de suas crias. Ao manc#ar a clareza do
niilismo branco da consist-ncia, dromopoltica $de Paul @irilio% da gua embaraa
criatura e cria!o para fazer emergir a verdade 9ltima de que o menino " pai do #omem.
*la instaura a velocidade mxima na circula!o, na reciclagem e na cria!o dascoisas no mundo, ao ponto de maximizar seus efeitos numa ontologia do devir Aion
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$2(gica do sentido%. Pois se podemos tratar em termos de uma poltica ontol(gico
cognitivasubjetiva da gua, " porque ela tamb"m tem suas barricadas, escol#e como
quem " escol#ida os camin#os sinuosos por onde escorre e rega. 4ua instabilidade "
menos fragilidade que fora.
/ ziguezague que constitui o menor camin#o entre dois pontos na dinmica dos
canais aquticos subterrneos da cidade de *smeraldina se estende em ramifica7es
tortuosas, variadas e variantes trajet(rias que da deriva efetivam uma a!o deveras mais
eficaz que os percalos l(gicos da superfcie. *ste camin#o, por"m n!o pode ser
resumido a um atal#o, pois tampouco ele " 9nico uma vez no subterrneo aqutico
esmeraldino, abremse veredas de camin#amar num camin#o que " simultaneamente
muitos.
3odo este jogo subterrneo inscreve sua marca no sobe e desce cambiante
dos que cambaleiam camin#ando na superfcie. Por isso, todos os camin#os contam para
percorrer e se locomover em *smeraldina, da "pura das andorin#as aos passeios
soturnos dos gatos, dos ladr7es e dos amantes clandestinos na noite.
4e todas as cidades t-m um qu- de @eneza, " na descri!o de *smeraldina que
'arco Polo mais reecontra sua cidade natal.
A cidade ressalta a importncia de cada novo camin#o para c#egar nem que seja
ao mesmo ponto. / que traz a pr(pria realidade do explorador veneziano que conta a
#ist(ria ao imperador mongol e, al"m disso, d margem para depreendermos da um
elogio do pr(prio camin#ar do camin#o, e a defla!o da contund-ncia do lugar, seja de
partida, mas sobretudo do de c#egada.
4inal disto, n!o # valora!o intrnseca de dem"rito para o ladr!o e o amante
clandestino, tampouco parece #aver #ierarquia entre os animais sinalizados de acordo
com o imaginrio de origem, pertena e circula!o. Assim, o rato $subterrneo,movimento #orizontal%, gato $terrestre, movimento vertical% e andorin#a $a"reo,
movimento ziguezagueante, sem predetermina!o possvel, intempestivo% parecem
circular sem constrangimento pelo territ(rio esmeraldino.
/s camin#os em *smeraldina s!o, portanto, escol#idos pela sua singularidade
perante um zil de fatores que mel#or que determinar, parecem cadenciar no compasso
de cada passeio.
&o s(lido ao lquido e de volta ao s(lido, que se torna ent!o fluido. 1iente de serperecvel e poroso ao tempo e metamorfose.
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1om o enfileiramento de pontos tendemos a ver uma reta, que n!o " mais que
isso8 a percep!o n!o necessariamente ilus(ria ou verdica de um estado de coisas.
1idade de *smeraldina de 1alvino8
As cidades e as trocas B
>*m *smeraldina, cidade aqutica, uma rede de canais e uma rede de ruas sobrep7ese e
entrecruzase. Para ir de um lugar a outro, podese sempre escol#er entre o percurso
terrestre e o de barco8 e, como em *smeraldina a lin#a mais curta entre dois pontos n!o
" uma reta, mas um ziguezague que se ramifica em tortuosas variantes, os camin#os que
se abrem para o transeunte n!o s!o dois, mas muitos, e aumentam ainda mais para quem
alterna trajetos de barco e trasbordos em terra firme.
&este modo, os #abitantes de *smeraldina s!o poupados do t"dio de percorrer todos os
dias os mesmos camin#os. * n!o " tudo8 a rede de trajetos n!o " disposta numa 9nica
camada segue um sobedesce de escadas, bail"us, pontes arqueadas, ruas suspensas.
1ombinando segmentos dos diversos percursos elevados ou de superfcie, os #abitantes
se d!o o divertimento dirio de um novo itinerrio para ir aos mesmos lugares. *m
*smeraldina, mesmo as vidas mais rotineiras e tranquilas transcorrem sem se repetir.
As maiores constri7es est!o expostas, como em todos os lugares, as vidas secretas e
aventurosas. /s gatos de *smeraldina, os ladr7es, os amantes clandestinos, locomovem
se pelas ruas mais elevadas e descontnuas, saltando de um tel#ado para o outro,
descendo de uma sacada para uma varanda, contornando beirais com passo deequilibrista. 'ais abaixo, os ratos correm nas escuras cloacas, um atrs do rabo do
outro, juntamente com os conspiradores e os contrabandistas8 espreitam atrav"s de
fossos e esgotos, escapam por interstcios e vielas, arrastam de um esconderijo para o
outro cascas de queijo, mercadorias ilcitas e barris de p(lvora, atravessam a compacta
cidade perfurada pela rede de covas subterrneas.
0m mapa de *smeraldina deveria conter, assinalados com tintas de diferentes cores,todos esses trajetos, s(lidos ou lquidos, patentes ou escondidos, 'as " difcil fixar no
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papel os camin#os das andorin#as, que cortam o ar acima dos tel#ados, perfazem
parbolas invisveis com as asas rgidas, desviamse para engolir um mosquito, voltam a
subir em espiral rente a um pinculo, sobranceiam todos os pontos da cidade de cada
ponto de suas tril#as a"reas.?
*m outro trec#o, a cidade de +lide tamb"m se disp7e estramente por um ziguezague
de superfcie cujo traado liga pontos suspensos no vazio8
>1omo todos os #abitantes de +lide, andase por lin#as em ziguezague de uma rua para
a outra, distinguese entre zonas de sol e zonas de sombra, uma porta aqui, uma escada
ali, um banco para apoiar o cesto, uma valeta onde tropea quem n!o toma cuidado.
3odo o resto da cidade " invisvel. +lide " um espao em que os percursos s!o traados
entre pontos suspensos no vazio, o camin#o mais curto para alcanar a tenda daquele
comerciante evitando o guic#- daquele credor.?
*m contraponto com a cidade que a antecede nas >trocas?. =as quais s!o as liga7es
que sustentam as coisas, os pontos nas quais elas se estabelecem.
A 1idade e as 3rocas 6 C
>*m *rclia, para estabelecer as liga7es que orientam a vida da cidade, os #abitantes
estendem fios entre as arestas das casas, brancos ou pretos ou cinza ou pretosebrancos,
de acordo com as rela7es de parentesco, troca, autoridade, representa!o. ;uando os
fios s!o tantos que n!o se pode mais atravessar, os #abitantes v!o embora8 as casas s!o
desmontadas restam apenas os fios e os sustentculos dos fios.
&o costado de um morro, acampados com os m(veis de casa, os pr(fugos de *rcliaol#am para o enredo de fios estendidos e os postes que se elevam na plancie. Aquela
continua a ser a cidade de *rclia, e eles n!o s!o nada.
Deconstroem *rclia em outro lugar. 3ecem com os fios uma figura semel#ante, mas
gostariam que fosse mais complicada e ao mesmo tempo mais regular do que a outra.
&epois a abandonam e transferemse juntamente com as casas para ainda longe.
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&este modo, viajandose no territ(rio de *rclia, deparase com as runas de cidades
abandonadas, sem as mural#as que n!o duram, sem os ossos dos mortos que rolam com
o vento8 teias de aran#a de rela7es intricadas procura de uma forma.?
E2 e texto em &*F de +oucault assim como proposi!o vulc!o e porcelana e beverage
no abc de &eleuze.
=ota GC terceiro capitulo de &etienne, aqueles que na ordlia s!o sugados ou rejeitados
pela gua.
*m +oucault, tanto no PP, quanto em E2, se traz esta figura da gua como meio para os
procedimentos de ascens!o verdade, purifica!o e renova!o.
&etienne, G cap
*vocam a justia original, a justia do mar em seu carter ordlico. H a figura da pessoa
que outorga a ordlia, mesmo que a vontade seja a do deus no procedimento 6 seja no
do rio, no do fogo, sob a imagem mtica do >duelo por milagre? ou outras provas de
verdade 6, " o #omem que sanciona, d a 9ltima palavra e bate o martelo na sentena
ordlica. As guas imiscudas nestes procedimentos s!o o al"m para uma cultura, seja o
rio para os sum"rios, seja o mar para os gregos e, uma vez que se esteja nesse al"m, o
retorno tem de ser concedido pelos deuses.
/ mar, sem perturba!o, " justia para todos, da a no!o de uma boa travessia, uma
passagem calma e sem percalos, signo de inoc-ncia do passante.
Detomar elementos do *logio da gua $em catal!o%8
#ttp8II:::.ub.eduI#istofilosofiaIgmaJosIP&+Iaigua.pdf
e 3b artigo do livro &aniel 2ins8 =ietzsc#e e Dessit-ncia
Kgua e navega!o t-m realmente esse papel. +ec#ado no navio, de onde n!o se escapa,
o louco " entregue ao rio de mil braos, ao mar de mil camin#os, a essa grande incertezaexterior a tudo. H um prisioneiro no meio da mais livre da mais aberta das estradas8
http://www.ub.edu/histofilosofia/gmayos/PDF/aigua.pdfhttp://www.ub.edu/histofilosofia/gmayos/PDF/aigua.pdf -
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solidamente acorrentado infinita encruzil#ada. H o passageiro por excel-ncia, isto ", o
prisioneiro da passagem, * a terra qual aportar n!o " con#ecida, assim como n!o se
sabe, quando desembarca, de que terra vem. 4ua 9nica verdade e sua 9nica ptria s!o
essa extens!o est"ril entre duas terras que n!o l#e podem pertencer. H esse ritual que,
por esses valores, est na origem do longo de toda a cultura ocidentalL /u,
inversamente, " esse parentesco que da noite dos tempos, exigiu e em seguida fixou o
rito do embarqueL 0ma coisa pelo menos " certa8 a gua e a loucura estar!o ligadas por
muito tempo nos son#os do #omem europeu. $+/01A023, E2, p. M%.
terap-uticas praticadas nos #ospitais como por exemplo a imers!o onde a gua, numa
vis!o de panac"ia, era o lquido que purificava qualquer loucura, ou mesmo os ban#os
gelados, no intuito de consolidar o organismo. $+/01A023, FNO, p. GFGGFQ%
Por fim, a gua tem dever de cumprir a promessa de nos levar mais al"m, como no
Canto de Iemanj de @incius de 'oraes e 5aden Po:ell8
>A cantar, na mar" que vai
* na mar" que vem
&o fim, mais do fim, do mar
5em mais al"m
5em mais al"m
&o que o fim do mar
5em mais al"m?