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A lógica da arquitetura

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A LÓGICA DA ARQUITETURA

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Page 2: A lógica da arquitetura

Universidade Estadual de Campinas

Reitor José Tadeu Jorge

Coordenador Geral da Universidade Fernando Ferreira Costa

Conselho Editorial

PresidentePaulo Franchetti

Alcir Pécora – Arley Ramos MorenoEduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo

José Roberto Zan – Marcelo KnobelSedi Hirano – Yaro Burian Junior

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A LÓGICA DA ARQUITETURA

PROJETO, COMPUTAÇÃO E COGNIÇÃO

William J. Mitchell

TRADUÇÃO

Gabriela Celani

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Índices para catálogo sistemático:

1. Projeto arquitetônico 729.02854 2. Projeto auxiliado por computador 001.6424 3. Percepção visual 701.15

Título original: � e Logic of Architecture

Copyright © 1990 by Massachusetts Institute of Technology

Copyright © 2008 by Editora da Unicamp

Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos

ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

isbn 978-85-268-0798-3

M696LMitchell, William J. (William John), 1944-A lógica da arquitetura: projeto, computação e cognição / William J. Mitchell; tradução: Gabriela Celani. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2008.

1. Projeto arquitetônico. 2. Projeto auxiliado por computador. 3. Percepção visual. I. Título. cdd 729.02854 001.6424 701.15

ficha catalográfica elaborada pelosistema de bibliotecas da unicamp

diretoria de tratamento da informação

Editora da UnicampRua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp

Caixa Postal 6074 – Barão Geraldocep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil

Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728www.editora.unicamp.br – [email protected]

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PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

A expressão computational design (ou, ainda, design computing)ainda não é muito conhecida no Brasil. Trata-se, contudo, de uma área de pesquisa bem estabelecida em diversos países do mun-do, em especial na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos e na Austrália. Essa área de pesquisa insere-se na teoria da ar-quitetura, mas tem sido também aplicada ao desenho industrial e à engenharia civil.

Pode-se dizer que o computational design começou a se desen-volver a partir do movimento dos métodos em projeto (design

methods movement) na década de 1960, que buscou explicitar o processo de projeto, tendo como um de seus objetivos possibi-litar a incorporação do computador no trabalho do arquiteto de maneira mais útil e efi ciente.

Nas últimas décadas, os computadores passaram a ser utili-zados em quase todas as fases do processo de projeto em arquite-tura, engenharia civil e desenho industrial, tornando-nos extre-mamente dependentes dos sistemas CAD. Contudo, a infl uência do uso desses programas nas fases iniciais do projeto, em espe-cial na arquitetura, ainda é muito pequena. A grande maioria dos arquitetos continua utilizando métodos tradicionais para a geração da forma, partindo em geral de fl uxogramas, e utilizan-do o computador simplesmente como suporte, sem aproveitar seu grande potencial para a realização de tarefas repetitivas na geração de alternativas. Os novos sistemas de CAD paramétrico prometem revolucionar essa fase do trabalho, mas obrigam o ar-quiteto a se adaptar aos métodos e metáforas escolhidos por seus programadores, tirando sua liberdade de criação.

O computational design é uma área de pesquisa que procura desenvolver, por um lado, uma teoria computacional do pro-cesso de projeto apoiada nas ciências cognitivas, e, por outro, métodos e aplicações que permitam o desenvolvimento de pro-jetos com o uso de meios computacionais. Essas aplicações, em princípio, não precisam ser necessariamente implementadas em computa dor, embora o uso da máquina seja imprescindível para a viabilização de algumas técnicas que requerem procedimentos exaustivos e extremamente complicados. Alguns exemplos dos métodos e teorias utilizados no computational design são a gramá-tica da forma (shape grammar), a computação evolucionária (al-goritmos genéticos), os autômatos celulares e as transformações topo lógicas.

Em sua obra seminal The logic of architecture, publicada em 1990 pela MIT Press, Mitchell pretendia reunir as bases teóri-

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cas do computational design e lastrear o desenvolvimento de uma nova geração de programas destinados a auxiliar mais efetiva-mente o arquiteto no processo de projeto. Contudo, segundo Flemming (1992), a relevância dessa obra estender-se-ia além da área do computational design. Em uma resenha publicada no Jour-

nal of Architectural Education, Flemming apontava um segundo objetivo do livro: estabelecer uma fundamentação teórica para a arquitetura propriamente dita, como resposta às defi ciências da disciplina de teoria da arquitetura observadas pelo autor naque le momento de infl exão na história da arquitetura.

A difi culdade da tradução da obra de Mitchell começa pelo nome da área do conhecimento em que ela se insere, o compu-

tational design. A palavra computational remete inevitavelmente à palavra “computador”, o que poderia resultar em motivo de preconceito por parte do leitor. Segundo Flemming (op. cit.), con-tudo, o termo a que Mitchell se refere “não deve ser confundido com o processamento numérico, devendo ser entendido no sen-tido mais abrangente no qual o termo é empregado nas ciências da computação, ou seja, como uma operação ou seqüência de operações efetuadas sobre representações simbólicas” (p. 105). A palavra design, por outro lado, não tem tradução defi nitiva em português, podendo signifi car, dependendo do contexto, desde “projeto arquitetônico” até “desenho industrial”.

Esta tradução da obra The Logic of Architecture destina-se a alunos de graduação e pós-graduação em arquitetura, engenha-ria civil e desenho industrial, bem como a professores e pesqui-sadores das áreas de teoria e projeto da arquitetura e de com-

puter-aided design. Observem que escrevo aqui o nome CAD por extenso, uma vez que não estou me referindo aos editores gráfi -cos em si, mas ao processo de projeto verdadeiramente assistido pelo computador.

Referência

FLEMMING, U. “The logic of architecture. Design, computation, and cognition (Book review)”, Journal of Architectural Education,46/2, nov. 1992, pp. 104-6.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer...À professora doutora Maria Antonieta A. Celani, fundadora

do Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Apli-cada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Ca-tólica de São Paulo (LAEL-PUC-SP), pelo auxílio na tradução de termos da lingüística.

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À professora doutora Ítala M. L. d’Ottaviano, do Centro de Lógica e Epistemologia da Universidade Estadual de Campinas (CLE-UNICAMP), pelo auxílio na tradução de termos da lógica.

Ao professor doutor Ton Marar, do Instituto de Matemática e Computação da Universidade de São Paulo, campus São Carlos (IMEC-USP-SC), pelo auxílio na tradução de termos da geometria e da topologia.

Aos alunos da disciplina IC058 (1o semestre de 2004) do Pro-grama de Pós-Graduação em Arquitetura e Construção da Facul-dade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Univer-sidade Estadual de Campinas (FEC-UNICAMP), pela leitura crítica do texto.

À editora MIT Press, pela cessão dos direitos autorais.Ao FAEPEX e à FAPESP, pelo apoio fi nanceiro à pesquisa.À FAPESP, pela bolsa de aperfeiçoamento técnico concedida a

Momchil Rumenov Stoyanov, que redesenhou todas as imagens do livro.

À Editora da UNICAMP, pela grande oportunidade.À minha família, pela paciência e pelo carinho.E ao professor William Mitchell, pela confi ança em mim de-

positada.

Gabriela Celani

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Caí nesses pensamentos; e havia duas maneiras de expressá-los;

uma histórica, por meio da descrição das principais obras... a outra

lógica, por meio da defi nição das regras e das recomendações dessa

arte na forma de algum método adequado: e nesta eu fi z minha

escolha; não apenas por ser a mais direta e elementar, mas princi-

palmente por ser a mais robusta.

Sir Henry Wotton, The elements of Architecture, 1624

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................................................... 13

1 DESCRIÇÕES DE EDIFÍCIOS ................................................................ 15

2 FORMA ARQUITETÔNICA .................................................................... 39

3 MUNDOS PROJETUAIS ............................................................................ 51

4 LINGUAGENS CRÍTICAS ......................................................................... 71

5 RACIOCÍNIO PROJETUAL ...................................................................... 85

6 TIPOS E VOCABULÁRIOS ...................................................................... 97

7 OPERAÇÕES PROJETUAIS ..................................................................... 121

8 LINGUAGENS DE FORMAS ARQUITETÔNICAS .................. 143

9 FUNÇÃO ............................................................................................................... 197

10 O PROJETO COMO RESULTADO DA FUNÇÃO .................... 221

NOTAS ........................................................................................................................... 251

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 259

GLOSSÁRIO ............................................................................................................... 279

ÍNDICE REMISSIVO ............................................................................................. 293

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PREFÁCIO

Tradicionalmente, os arquitetos sempre se interessaram pela for-ma e pela função dos edifícios, e pela maneira de relacioná-las entre si. Louis Sullivan, contudo, sugeriu que “a forma deveria seguir a função”. Sua proposta, entretanto, não fornecia sufi cien-te orientação, uma vez que ele não especifi cava com precisão o que queria dizer com “forma” ou “função”, nem tampouco com “seguir”. Neste livro, pretendo fornecer uma defi nição mais pre-cisa para esses termos e, com base nessa fundamentação, expli-car a estrutura do pensamento arquitetônico.

A discussão aqui desenvolvida pode ser considerada uma resposta a um problema crucial proposto por John Summerson há muitas décadas. Em seu ensaio “The case for a theory of mo-dern architecture” (1957), Summerson escreveu:

As concepções que emergem da preocupação com o programa necessitam, em um dado momento, cristalizar-se em uma forma fi nal, e quando o arquiteto atinge esse ponto ele necessita apoiar sua concepção sobre o discernimento, o senso de autoridade e a convicção que fornecem coesão ao projeto como um todo, fazendo com que as relações iminentes se fechem em uma unidade visualmente compreensível. Ele pode ter extraído do programa um conjunto de relações inter-dependentes que resultam em uma unidade quase que biológica, mas ele ainda precisa enfrentar a hierarquização de um grande número de variáveis, e como fazê-lo é a grande questão. Não existe consenso teórico sobre o que acontece ou deveria acontecer quando se atinge esse ponto. Trata-se de uma lacuna. Poder-se-ia até falar de uma linguagem arquitetônica ausente.

Procurarei mostrar aqui como as linguagens arquitetônicas1

podem ser estabelecidas, interpretadas e utilizadas. Aplicar uma linguagem que resolva problemas exclusivamen-

te funcionais signifi ca simplesmente construir. Contudo, quando existe, além disso, uma intenção retórica e uma preocupação com qualidades formais, então o ato de construir torna-se arquitetu-ra. (Daí a famosa afi rmação de Nikolaus Pevsner de que um abri-go de bicicletas é um edifício, mas a catedral Lincoln é uma obra de arquitetura.) Desse modo, interessam-me ao mesmo tempo os usos práticos e poéticos das linguagens arquitetônicas.

Minha abordagem parte de algumas idéias da lógica moder-na, às quais acrescento informações sobre pesquisas recentes em inteligência artifi cial e ciências cognitivas, contudo sem exigir do leitor qualquer conhecimento prévio desses assuntos. O fer-ramental técnico introduzido é, em sua maior parte, elementar e informal. Começo considerando como os edifícios podem ser descritos com palavras e mostrando como essas descrições po-dem ser formalizadas utilizando-se a notação de cálculo de pre-

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dicados de primeira ordem. Isso conduz à idéia de uma lingua-gem crítica para a descrição das qualidades dos edifícios.

Ao abordar a questão da representação por meio de desenhos e maquetes, desenvolvo a noção de mundos projetuais que pro-vêm elementos gráfi cos que podem ser manipulados de acordo com determinadas regras gramaticais. Apresento o processo projetual como um processo de operações lógicas inserido nes-ses mundos, tendo como objetivo satisfazer a predicados de for-ma e função declarados em uma linguagem crítica.

A tese principal aqui apresentada constitui-se de três partes principais. Em primeiro lugar, proponho que a relação entre crí-tica e projeto arquitetônico seja entendida como a aplicação de uma linguagem crítica em forma de cálculo proposicional sobre um mundo projetual. Em segundo lugar, mostro como mundos projetuais podem ser especifi cados por gramáticas formais. Em terceiro lugar, demonstro que as regras de tais gramáticas codi-fi cam o conhecimento sobre como criar edifícios que funcionam adequadamente. Desse modo, a relação entre forma e função é fortemente infl uenciada pelas regras sintáticas e semânticas sob as quais o projetista opera.

Espero que esta discussão seja de interesse geral para ar-quitetos e estudantes de arquitetura preocupados com os fun-damentos teóricos de sua área, mas tenho também um objetivo mais prático. A tecnologia da informática vem revolucionando a maneira de fazer arquitetura, mas as bases teóricas do computer-

aided architectural design (CAAD) raramente são explicitadas — e quando isso é feito, elas são freqüentemente frágeis e incoeren-tes. Existe uma necessidade urgente de desenvolver uma teoria computacional do projeto que seja abrangente e rigorosa, e que possa fornecer uma base adequada para o desenvolvimento de implementações. Não posso afi rmar ter sido capaz de desenvol-ver tal teoria em sua totalidade, mas levanto aqui algumas ques-tões que me parecem relevantes, explorando alguns pontos de partida para a busca de respostas.

Agradecimentos

Este livro nasceu a partir de seminários sobre teoria do pro-jeto ocorridos nas universidades de Harvard, Carnegie-Mellon e Cambridge. Sou grato aos meus alunos e colegas dessas uni-versidades por seus estimulantes questionamentos. O capítulo 8 baseia-se em trabalhos desenvolvidos em colaboração com Geor ge Stiny, com quem minhas discussões ao longo dos anos têm sido uma fonte produtiva de novas idéias. Gostaria de agra-decer, em especial, a Cláudia Knauer, pela produção das ilustra-ções, a Yasuyo Iguchi, pelo projeto gráfi co da versão original do livro, e a Debra Edelstein, minha editora na MIT Press.

William J. Mitchell

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1 — DESCRIÇÕES DE EDIFÍCIOS

Distinções

O início da arquitetura é o espaço vazio, caracterizado por Pla-tão em Timeu como “a mãe e receptáculo de todas as coisas cria-das e visíveis e de certa forma sensíveis”. A arquitetura é a arte das distinções no espaço contínuo, por exemplo, entre o cheio e o vazio, o interior e o exterior, a luz e a escuridão, o calor e o frio.

Quando tais distinções são feitas, um mundo amorfo trans-forma-se em um mundo com partes diferenciadas, organizadas de uma maneira especial. Assim, mitos sobre a criação freqüen-temente recontam atos sucessivos de distinção a partir dos quais a forma do mundo emerge. O livro do Gênesis, por exemplo, descreve o mundo antes da criação como “sem forma e vazio”, e então conta como Deus “separou a luz da escuridão” e “dividiu as águas que havia sob o fi rmamento daquelas que estavam so-bre o fi rmamento”. O mar e a terra então apareceram e torna-ram-se o hábitat de diferentes criaturas. Em uma escala mais modesta, arquitetos também criam distinções no espaço para produzir formas habitáveis. Em diversas ilustrações sobre a criação do universo (em especial nas de William Blake) Deus é representado como um arquiteto que, com seu compasso, con-verte o caos em forma por meio da divisão e da diferenciação (Figura 1-1).

Assim, os meios da arquitetura são determinados, basica-mente, por nossa capacidade de criar e sentir diferenciações físi-cas do espaço. Por esse motivo, a arquitetura é freqüentemente classifi cada, juntamente com a pintura e a escultura, como uma arte visual, preocupada sobretudo com as diferenciações óticas da luz, da cor e da superfície. Essa tendência se confi rma pelo fato de freqüentemente utilizarmos desenhos e fotografi as para observarmos um edifício, ao invés de experimentarmos o objeto real. Contudo, esse tipo de observação pode ser enganoso. A distinção entre o calor e o frio, o ar parado e a brisa, os odores, os sons, o toque das superfícies sobre a pele e a sensação de mo-vimento podem ser componentes igualmente importantes ao experimentarmos um edifício. Por meio da sensibilização às di-mensões, nuanças e sutilezas das diferenciações espaciais é que se desenvolvem as habilidades de compreender, sentir-se como-vido por, e, fi nalmente, criar arquitetura.

Figura 1-1 — O criador como um arquiteto que traz ordem ao caos. William Blake, The Ancient

of Days, frontispício de Europa, a Prophecy, 1794. Coleção Lessing J. Rosenwald, Library of Congress, Washington, D.C.

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Os sentidos e os campos perceptivos

Somos capazes de perceber as distinções do espaço por meio dos diferentes estímulos que atingem nossos órgãos receptores. Conjuntos de estímulos (por exemplo, um conjunto de manchas luminosas atingindo a parte posterior de nossa retina) consti-tuem um campo perceptivo.1

Aristóteles estabeleceu cinco diferentes modalidades senso-riais: visual, auditiva, tátil, olfativa e gustativa. Mais recente-mente, adicionou-se a essas a modalidade cinética (a sensação de movimento do corpo). Tem-se sugerido ainda que o sentido do tato poderia ser subdividido nas modalidades de sensação de calor, frio, pressão e dor. Acredita-se que essa diferenciação es-taria diretamente relacionada à forma de organização de nosso sistema nervoso: para cada modalidade há um sistema receptor que transforma estímulos físicos em estados psíquicos corres-pondentes.

A psicofísica costuma distinguir quatro atributos em cada modalidade sensorial: qualidade, intensidade, extensão e du-ração. Quando uma mancha colorida aparece em uma tela de projeção de cinema, por exemplo, o espectador sente suas carac-terísticas de tonalidade, saturação e luminosidade (intensidade), área (extensão), e o tempo de sua exposição (duração). Enquanto atributos como cor, nota musical e odor são qualitativos, atribu-tos como intensidade, extensão e duração variam em magnitude, podendo ser medidos quantitativamente.

Podemos imaginar os dados captados por nossos receptores sensoriais como conjuntos de estímulos físicos. Os dados expe-li dos por eles são conjuntos de símbolos correspondentes, que têm seus atributos quantitativos e qualitativos avaliados e são então gravados em uma memória. É possível fazer uma analogia desse modelo com um scanner a laser. No scanner, o campo visual é representado por um conjunto de pequenas células quadradas (pixels) que são varridas de forma que gerem uma matriz corres-pondente de níveis de intensidade codifi cados numericamente (Figura 1-2).

Segmentação

A segmentação de campos perceptivos (em especial de cam-pos visuais) em partes distintas que podem ser vistas como “coi-sas” separadas é um dos processos mais básicos de nossos siste-mas de percepção.2 Consideremos, por exemplo, o campo visual (ou seja, a matriz de níveis de intensidade) apresentado na Figu-ra 1-3a. Podem-se facilmente traçar contornos, subdividindo esse campo em áreas contínuas de intensidade constante. A repre-sentação gerada, que pode ser compreendida como uma espécie de mapa da imagem original, é chamada, pelos especialistas em

Figura 1-2 — Amostra de campo visual em for-ma de quadrícula que resulta em uma matriz de níveis de intensidade.

Figura 1-3 — Delimitação de contornos (primal

sketch).

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análise de imagens, de primal sketch (Marr, 1979). Existem inclu-sive programas de computador especialmente desenvolvidos para gerar esses mapas. Teorias recentes sugerem que o sistema visual humano utiliza, em um nível pré-consciente, mecanismos semelhantes a esse processo (Fischler e Firschein, 1987).

Entretanto, a delimitação de contornos de um campo visual nem sempre resulta em áreas fechadas. Surgem algumas vezes contornos abertos, como na Figura 1-4. Além disso, pode ser muito difícil detectar bordas em áreas de uma imagem com tran-sições graduais em vez de mudanças bem defi nidas de tonalida-de. O uso de diferentes algoritmos e de diferentes parâmetros para os quais as tonalidades são consideradas “iguais” ou “di-ferentes” pode resultar em diferentes confi gurações de bordas e em diferentes subdivisões do campo visual. Mesmo neste nível simplifi cado de processamento visual, diferentes observadores podem interpretar uma mesma cena de maneiras distintas.

Figura e fundo

A diferenciação de fi guras do fundo contra o qual elas apare-cem constitui-se na etapa seguinte ao processamento dos senti-dos. Tomemos como exemplo a fachada da Vila Snellman, de Gunnar Asplund (Figura 1-5). Nossa tendência é interpretá-la como um conjunto de fi guras bem defi nidas (janelas e motivos decorativos), organizadas sobre um pano de fundo (parede). Contudo, a distinção entre fi gura e fundo nem sempre é tão cla-ra. Segundo Rudolph Arnheim (1974), é possível interpretar os cheios e vazios de uma fachada de distintas maneiras (Figura 1-6). Pequenas janelas parecem formas soltas sobre o fundo con-tínuo de uma parede. Ao aumentarmos a proporção de aberturas em relação à parede, tal como acontece na arquitetura gótica,

Figura 1-4 — Contornos abertos e ambíguos.

Figura 1-5 — Janelas e motivos decorativos (fi guras) sobre uma parede (fundo): fachada da Vila Snellman, de Gunnar Asplund, 1917-1918.

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Figura 1-6 — Diferentes proporções entre cheios e vazios resultam em diferentes fi guras.

Figura 1-7 — Agrupamentos de fi guras ele-mentares formando novas fi guras.

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chegaremos a um ponto em que a fachada passa a ser interpreta-da com uma sucessão de elementos abertos e fechados, sem a predominância de um ou outro como fi gura ou fundo. Levando esse procedimento ainda um pouco mais adiante, chegaremos a uma nova situação em que, como na fachada de um edifício de escritórios, os espaços cheios passam a ser simplesmente os fi nos montantes das esquadrias sobre um fundo envidraçado.

Além de distinguirmos fi guras elementares, muitas vezes aplicamos inconscientemente uma estruturação sobre as super-fícies e os espaços que vemos. Isso se dá pelo agrupamento de fi guras elementares em fi guras mais complexas. O conjunto de bolinhas da Figura 1-7a, por exemplo, é imediatamente interpre-tado como um círculo. Ainda mais surpreendente é o fato de in-terpretarmos o conjunto de elementos da Figura 1-7b como dois triângulos sobrepostos. Esse fenômeno foi muito estudado pelos psicólogos da Gestalt, que formularam suas leis de percepção vi-sual de fi guras.3 Eles observaram que fi guras próximas umas das outras tendem a ser agrupadas em uma unidade (lei da proximi-dade, Figura 1-8a). De acordo com a lei da similaridade, fi guras semelhantes também tendem a ser agrupadas (Figura 1-8b), e os dois efeitos podem ainda ser combinados (Figura 1-8c).

Outra conhecida lei da Gestalt, a lei do fechamento, sugere que fi guras com contornos fechados tendem a ser vistas como unidades (Figura 1-9). Segundo a lei da boa continuidade, con-tornos relativamente suaves e ininterruptos também ajudam a defi nir unidades (Figura 1-10). A lei da simetria diz que objetos simétricos também tendem a ser vistos como unidades (Figura 1-11). Apesar de o arcabouço teórico da psicologia da Gestalt não mais ser aceito em sua totalidade, suas leis de percepção ainda são úteis na fundamentação de generalizações empíricas.

É possível notar como Asplund manipula todos esses efeitos para conseguir uma vitalidade dinâmica na aparentemente sim-ples fachada da Vila Snellman. A proximidade e a similaridade permitem-nos perceber linhas horizontais e verticais de aber-turas, mas essa leitura é afetada pelo ritmo complexo da fi leira superior de elementos e pela variação de tamanho das janelas de cada pavimento. Os efeitos da lei da boa continuidade sofrem a interferência (sem ser completamente neutralizados) da intro-dução de pequenos desalinhamentos horizontais e verticais. As fi guras fechadas das janelas em arco contrastam com as curvas abertas dos elementos decorativos. A simetria geral é sugerida de maneira sutil, porém sufi cientemente clara para remeter a uma composição de unidade clássica (como em um palácio re-nascentista). Contudo, essa composição aparentemente simétri-ca desaparece após uma inspeção mais detalhada. O efeito fi nal é de um fascinante jogo de expectativas e surpresas, que surge conforme nossa percepção vai estruturando-se.

Uma fi gura é algo a que dirigimos nossa atenção no cam-po visual. As leis da Gestalt descrevem como tendemos a fazer

Figura 1-8 — Agrupamentos por proximidade e similaridade.

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Figura 1-11 — Simetria: tendemos a perceber prioritariamente as formas que possuem si-metria (neste caso, os “T”s e não os “L”s, que são assimétricos).

Figura 1-10 — Boa continuidade: tendemos a perceber prioritariamente as formas que possuem linhas mais contínuas e menos inter-rupções (neste caso, um retângulo e um qua-drado).

Figura 1-9 — Formas fechadas tendem a ser “lidas” como fi guras.

Figura 1-12 — Inversão fi gura/fundo.

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