a linguagem na educaÇÃo infantil: a arte que fala · educação ou paidéia é a que dá ao homem...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A PSICOPEDAGOGIA “FABULOSA”: A RELAÇÃO ENTRE ATO
E ATITUDE NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA
NEIVA VALERIA DUTRA KOPPE
ORIENTADORA
SIMONE FERREIRA
Rio de Janeiro
2010
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A PSICOPEDAGOGIA “FABULOSA”: A RELAÇÃO ENTRE ATO
E ATITUDE NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA
Apresentação de monografia à
Universidade Candido Mendes como requisito
parcial para obtenção do grau de especialista
em Psicopedagogia.
Por: Neiva Valeria Dutra Koppe
Rio de Janeiro
2010
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EPÍGRAFE
O psicopedagogo é um “garimpeiro”; que
busca nas diferenças o que o sujeito da
aprendizagem possui de melhor. Essa é uma
de suas principais funções.
Edith Rubinstein
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AGRADECIMENTOS
Ao Poderoso e vivo Deus, toda minha gratidão
e louvor.
Ao grande homem e companheiro de todas as
horas, meu amado marido Ronaldo.
Aos preciosos filhos Gabriel e Ronaldo, minhas
heranças.
À grande mulher, exemplo de força e caráter,
minha mãe que hoje descansa nos braços do
Criador.
Ao homem que com seu exemplo de vida me
ensinou que jamais devemos desistir, meu pai.
Às fiéis escudeiras Norma, Cristina e Neila,
irmãs amadas e suas famílias abençoadas.
Às companheiras e amigas Edilene e Rafaela,
sempre presentes.
À Professora Simone Ferreira, pela objetividade
e dedicação com que me orientou neste
trabalho.
À Universidade Cândido Mendes e ao corpo
docente do Curso pela oportunidade que
proporcionaram em ampliar meus
conhecimentos.
5
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho ao meu fiel e
companheiro marido Ronaldo, que nunca
mediu esforços para que eu pudesse vencer
todos os desafios. E aos meus filhos queridos
Gabriel e Ronaldo pela compreensão e
carinho.
Amo vocês!
6
RESUMO
O literário e o pedagógico estão juntos na literatura infantil desde
seu início. Os primeiros modelos de literatura infantil não contavam só sobre
conto de fadas, mas também tinham um projeto educativo e ideológico que
representava nos textos infantis a escola como importante aliada na formação
da criança.
Para a maioria dos autores, a construção da autonomia moral na
criança será possível em um ambiente democrático, construído por relações de
cooperação e respeito mútuo, possibilitado pelas trocas sociais.
A literatura infantil tem papel muito importante na formação da
criança, pois oferece oportunidades de viajar no imaginário e favorece a visão
da realidade da criança. A leitura para criança deve ser fonte de prazer,
estímulo a criatividade, enriquecimento de experiências e motivação para a
aprendizagem.
As fábulas e os contos de fadas conseguem desenvolver a
capacidade de fantasia na criança, o que há de mais verdadeiro dentro
delas, assim consiste num instrumento eficaz que deve orientar a prática do
diagnóstico psicopedagógico.
Referência Bibliográfica
KOPPE, Neiva Valeria Dutra. A Psicopedagogia “Fabulosa”: a relação entre
ato e atitude na formação da criança. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso de
Especialista em Psicopedagogia – Pós-Graduação “Lato Sensu”, Instituto a Vez do
Mestre, Universidade Cândido Mendes. Rio de Janeiro.
Palavras-chave: psicopedagogia; literatura infantil; fábulas; moral; maravilhoso
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO 1
A VISÃO PEDAGÓGICA: PROPOSTAS DE FORMAÇÃO 10
1.1. A Paidéia como Arete Pedagógico 11
CAPÍTULO 2
O UNIVERSO DA LITERATURA INFANTIL 14
2.1. A Literatura Como “Telos” Pedagógico 16
2.2. Os Gêneros, As Formas: o Maravilhoso Na Infância 22
CAPÍTULO 3
O OLHAR DA MORAL PELA FÁBULA: CAMINHOS PEDAGÓGICOS 27
3.1. A “Alma” Fabulosa Dos Valores Para a Criança 30
3.2. O Exercício Do Ato e Da Atitude Pela Psicopedagogia Fabulosa: a
Morada e o Hábito Na Infância 34
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA 41
ÍNDICE 43
8
INTRODUÇÃO
Pretendemos através deste trabalho, analisar o grande papel da
literatura infantil na educação e na formação da criança.
A literatura infantil surgiu de uma necessidade da família
burguesa modificar o status da criança dentro da sociedade. Para isso, foi
necessário reformular a escola, assim a literatura infantil ficou com um
caráter muito mais pedagógico do que literário.
Pretendemos aqui possibilitar uma discussão sobre a importância
da leitura para o desenvolvimento cognitivo, emocional, moral e social da
criança.
A literatura favorece ao leitor ampliar, transformar e enriquecer
sua experiência de vida, visto que é um meio de manifestação de cultura e
também ideologias.
Acreditamos que a arte literária, aliada a contar história é
adequada para iniciar a criança no mundo literário, sendo um instrumento de
sensibilização, formador de conceitos conscientes, estimulando a
manifestação da capacidade e interesse de analisar o mundo.
Os livros chamados de literatura infantil buscam divertir e informar;
mas grande parte destes, não possuem “substâncias” que possam ser
aproveitadas.
A idéia de que, aprendendo a ler, a pessoa, mais tarde, poderá enriquecer sua vida é vivenciada como uma promessa vazia quando as histórias que a criança escuta ou está lendo no momento são ocas. (BETTELHEIM, 1980, p. 13).
O compromisso com a formação da criança num ser crítico, capaz
de refletir sobre a realidade e nela intervir indica que o caminho a seguir é o
9 do conhecimento, da reflexão, do diálogo, da discussão, do respeito, da
troca de idéias, da disciplina e da organização.
É preciso proporcionar à criança o acesso a leitura de qualidade
de forma inovadora; mediando discussões e reflexões sobre histórias lidas e
ouvidas e relacionando a conhecimentos já ancorados. Este estímulo à
leitura poderá fazer com que a criança possa construir suas noções de
temporalidade, relações de causa e efeito, descrição de cenários, objetos e
personagens expressar sentimentos de forma clara.
10
CAPÍTULO 1
A VISÃO PEDAGÓGICA:
PROPOSTAS DE FORMAÇÃO
A educação tem exigido muito tempo para ser plenamente
compreendida por todos os que a recebem e que a praticam, por ser uma
função natural e universal do Homem, provocando um desperdício de
teorias, doutrinas e achismos sobre o tema.
A pedagogia contemporânea exercita a educação política, a
educação como, não a educação para. A educação só se dá entre pessoas
(diferente disso é o adestramento, o condicionamento). É um ato político que
prepara as pessoas para a vida numa sociedade, onde a argumentação, o
diálogo, a comunicação e a tomada de decisão são instrumentos
imprescindíveis.
Todos os atores da educação contemporânea percebem que a
construção de novos saberes exige novos desafios no seu cotidiano. Isso
leva os que atuam na educação a reverem os conceitos sedimentados e
assim ampliarem suas práticas e olhares.
A psicopedagogia no campo multidisciplinar vem propor uma
investigação na aprendizagem, ressaltando seus processos mecanismos e
possíveis dificuldades inerentes a este útil fazer humano. No processo de
construção do conhecimento, cada um se utiliza de modos particulares de
agir e pensar, maneiras próprias de demonstrar as habilidades de cognição.
Profissionais da área psicopedagógica buscam continuamente o
prazer de aprender na prática cotidiana, buscando resgatar o sucesso no
aprenderensinar e no ensinaraprender.
11
A formação de professores deve favorecer saberes e práticas
pedagógicas onde o educador se reconheça como mediador importante nos
processos de aquisição de conhecimento. Nesse sentido, a ação
pedagógica deve entender seus modelos e perspectivas fazendo o uso das
diversas contribuições que a psicopedagogia trás.
A psicopedagogia e os saberes pedagógicos devem estar sempre
presentes na formação de educadores por possibilitarem gerar importantes
oportunidades para se conhecer mais sobre como acontece o
desenvolvimento cognitivo.
O Ser Pedagogo é ser ético que ama a si mesmo, o que se faz,
ama as pessoas e o mundo; isso não faz dele um ser perfeito, mas um Ser
Humano.
1.1. A Paidéia Como Arete Pedagógico
Segundo Platão, (...) a essência de toda verdadeira educação ou Paidéia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento. (JAEGER, 1997, p.147)
Os povos da antiguidade oriental não tinham uma reflexão
voltada para educação; eram ainda arraigados às tradições religiosas
recebidas de gerações passadas. Os antigos gregos conceituavam a Arete
como a heroicidade, ética, coragem, nobreza, que diferenciava um bravo e
forte cavaleiro do homem vulgar, que não possuía a excelência humana, a
destreza, a beleza do caráter que determina a práxis do homem para o bem.
Podemos dizer que tenha sido este o primeiro conceito de educação, de
formação do homem. (Arruda Aranha, 1996).
Foram os gregos os primeiros a levantarem a problemática da
educação. Seus questionamentos eram feitos através de poesias, de
comédias e de tragédias. Os atributos valorizados no homem eram a
excelência física e a moral. Assim, a educação se baseava na ginástica para
12 desenvolver o corpo e a música, unida ao canto e a leitura, para desenvolver
a mente.
Somente no século V a.C., os sofistas, que foram os criadores de
uma educação intelectual, e posteriormente com Sócrates, Platão, Isócrates
e Aristóteles, é que o conceito da educação passa a ter o estatuto de uma
questão filosófica. Surge a Paidéia, que no início, significava apenas
“criação de meninos”, bem diferente do significado que adquiriu mais tarde,
quando começou a exigir da educação mais do que a “fabricação” de um
físico perfeito, de conhecimentos musicais e da gramática; exigiu-se a
formação de um cidadão, passando então a Paidéia a ter um sentido mais
amplo, de formação geral do homem, que busca construí-lo como cidadão
completo, perfeito, e a ser o ideal educativo da Grécia clássica.
Ao discutir o verdadeiro sentido da Paidéia, os gregos começam
a definir de forma mais consciente a ação pedagógica, o que vai influenciar
por muitos séculos a cultura ocidental. Entretanto, o conceito de Paidéia
hoje não se define unicamente como técnica própria para se preparar a
criança para a vida adulta, mas como um processo educativo continuado, ao
longo da vida, que torna o homem capaz de repensar por si mesmo a cultura
do seu tempo.
Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém coincide realmente com o que os gregos entendiam por Paidéia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez. (Paidéia, Introdução).
Apesar do ideal de Paidéia, as diferenças sociais eram explícitas
nas escolas para nobres e escolas para plebeus. Os escravos não possuíam
o direito a freqüentar escolas, mas o pedagogo, que era um escravo
doméstico, era o responsável por conduzir os filhos dos nobres à escola e
pela sua educação. Com a evolução da sociedade, o pedagogo, de modesto
servidor, progressivamente foi adquirindo outras tarefas, como da
13 responsabilidade moral e do cuidado geral sobre a criança; isto quer dizer
que, apesar do seu caráter servil e de pouco prestígio, o pedagogo cuidava
de educação moral da criança, das suas boas maneiras e do seu caráter.
Mudam as palavras, mas os conceitos permanecem os mesmos:
educar pretende alterar a natureza do homem; buscar formar a Arete é o
que buscamos para nossa vida. A formação do homem ético e político é
assim parte essencial da verdadeira Paidéia, da formação do caráter, da
educação total (Arete) e da educação autêntica.
14
CAPÍTULO 2
O UNIVERSO DA LITERATURA INFANTIL
Ninguém se cura dessa metamorfose. Não se retorna ileso de uma viagem dessas. A toda leitura preside, mesmo que seja inibido, o prazer de ler; e, por sua natureza mesma – na fruição de alquimista – o prazer de ler não teme imagem, mesmo televisual e mesmo sob a forma de avalanches cotidianas. Se, entretanto, o prazer de ler ficou perdido (...) ele não se perdeu assim tão completamente. Desgarrou-se apenas. Fácil de ser reencontrado. (PENNAC, 1993, p.43).
Focalizando diretamente o adjetivo “infantil”, logo conceituaremos
a literatura infantil como a que se destina em particular às crianças, ou seja,
a que é (sem ser necessariamente) escrita para criança e (pode ser) lida
pela criança, seja com intuito de distrair, educar no sentido de possibilitar a
livre e consciente expressão do pensamento, o que implica necessariamente
a reflexão e a crítica. É inquestionável que a literatura infantil existe e possui
características próprias e especiais, como a ilustração, o texto, diagramação
e inúmeros formatos não constantes na chamada literatura adulta.
Muitas são as definições que encontramos de literatura infantil.
Uma delas é atribuída à categoria de livros fabricados e publicados para o
consumo de crianças, e que estão inseridos nos catálogos infantis das
editoras. Encontramos aqui um dado mercadológico, porém a literatura,
como toda arte em geral, não tem o hábito de se prender a códigos, tabelas
e números. Encontramos também a definição de que são textos que têm a
capacidade de provocar a emoção, o prazer, a fantasia, o entretenimento, a
crítica, a identificação e o interesse infantil.
Vários teóricos defendem que a boa literatura infantil é a que
também agrada ao adulto. O livro considerado infantil que um adulto achou
simplista, feio e malfeito, provavelmente não agradará também a criança.
15
Costuma-se classificar como literatura infantil o que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim classificar o que elas lêem com utilidade e prazer. Não haveria, pois, uma literatura infantil a priori, mas a posteriori. (MEIRELES, 1984, p. 20).
Sabemos que a criança ainda não consegue trabalhar
intelectualmente com certos temas, conceitos e com um determinado grau
de abstração; isto não significa que a literatura feita para ela tenha que ter o
seu valor artístico reduzido para adequar-se ao nível da criança. Tanto a
riqueza simbólica quanto a qualidade da narrativa e o trabalho da linguagem
têm que coexistir nessas obras. A boa literatura agrada a criança, provoca
lágrima e riso, assusta, emociona, atrai a sua atenção e comove (no sentido
etimológico da palavra: mover com, isto é fazer caminhar com o texto,
experimentando as sensações e emoções que ele provoca), reações
próprias da literatura.
O grande poeta Jimenes descreve com delicadeza e poeticamente o que é o livro para crianças: “é o livro do conto mágico, do verso de luz, da pintura maravilhosa, da música deliciosa; o livro belo em suma, sem outra utilidade que a sua beleza.” (AMARAL, 1974, p. 11).
Muitos dos livros que encontramos hoje nas prateleiras das
livrarias e considerados como literatura infantil, em nenhum aspecto
atendem às expectativas, desejos e necessidades da criança.
(...) Sobretudo, [o que] anda faltando muito, são histórias onde aconteçam coisas (e não páginas e páginas, onde não acontece rigorosamente nada...). Como falta acabar com esta confusão entre literatura (puro prazer) e aulas inúteis, sobre assuntos desinteressantes, enfadonhos, que já basta a escola prá cuidar deles... Como falta uma clareza maior, nos autores, do que pretendem contar (se não tem nada pra contar, então, por favor, não desperdicem tanto papel...), uma visão clara e lúcida de qual é a ótica de mundo que pretendem passar para a criança, qual é o jeito de pisar neste mundo que queremos mostrar a seu leitor... Deles próprios (os autores) relevem seus textos a perceberem os seus próprios preconceitos (de vida, de gente, de mundo) e como estão passando (sem maiores pudores) para a criança. (ABRAMOVICH, 1983, p. 61-2).
16
É preciso estar alerta para a necessidade de rejeitar um conjunto
de pré-juízos e de estereótipos que parecem ser associados à literatura
infantil. A defesa do critério de qualidade é fundamental para definir e
caracterizar a literatura infantil.
Jesualdo Barbosa (1982) defende a opinião de que a criança se
agrada com que é belo, pelo simples fato da beleza, o que se afasta
totalmente do padrão que carrega a marca de um adulto pseudo-infantilizado
e acaba por diminuir e subestimar a capacidade intelectual da criança.
Existe a polêmica sobre onde incluir a questão da literatura
infantil, se à arte literária ou à área pedagógica. Encontramos autores que
defendem a idéia de obra literária, porém muitos outros acreditam que, por
servir como instrumento educativo e despertar emoções se incluem
perfeitamente na área pedagógica.
Porém, é incontestável que a invenção, a interpretação e a
liberdade, que são elementos inerentes à arte, devem ser os mesmos que
permeiam a infância. Assim sendo, a criança está muito próxima da arte, e a
arte literária é um dos caminhos para aprender e descobrir os encantos e os
problemas da vida.
2.1. A Literatura Como “Telos” Pedagógico
É um breviário, o que recitam seus alunos: É preciso ler, é preciso ler! A interminável litania da palavra educativa: é preciso ler... Quando cada uma das frases deles prova que eles não lêem nunca! (PENNAC, 1993, p.73).
Historicamente, o seu início aconteceu através de adaptações de
textos criados para e por adultos, como Nelly Coelho (1981, p.20) diz, “em
se tratando de literatura infantil, é preciso lembrar, de início, que além de ser
fenômeno literário, ela é produto destinado a criança, que em suas origens
nasceu destinados a adultos.”
17
Sua origem tem uma associação direta com a pedagogia, visto
que as histórias iniciais foram elaboradas para se transformarem em seus
aliados. Por conta disso, a literatura infantil já nasce, para a crítica, como um
estilo menor e desprestigiado. Faz-se tradicionalmente como um discurso
monológico, sem oportunidade para interrogações, ditando modelos, com
caráter persuasivo; nela, ouve-se uma só voz, a do narrador, que exerce o
papel pedagógico de levar o leitor a aceitar a intenção do texto como
verdade absoluta, alguns moralizantes, como: Pinócchio e Chapeuzinho
Vermelho, e muitos outros.
O papel da literatura infantil como pedagógica se apresenta
quando os textos têm como base principal a intenção educativa. Na atual
sociedade em que vivemos, em pleno Século XXI, a criança não é mais
considerada indefesa e ingênua e totalmente dependente dos conceitos dos
adultos. Tem acesso às mesmas recreações do adulto, como cinema, teatro,
televisão, jogos complexos de computador e internet. A criança tem
consciência de sua sexualidade, é crítica e questionadora, não se submete
mais passivamente à autoridade e rejeita a leitura dirigida e dogmática.
Para que uma história realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. (BETTELHEIM, 1980, p. 13).
Com o crescente interesse pela mídia, com essa rede de
informações e possibilidades tecnológicas, está cada vez mais difícil despertar
o hábito da leitura, o prazer de ler e imaginar histórias, em que a criança
externa suas fantasias, sentimentos e impressões. Porém, mesmo que a
tecnologia e a globalização tenham papéis importantes no desenvolvimento da
cultura de um povo, não podemos deixar que os livros e a literatura se tornem,
para essa geração “digital”, algo desestimulante, atividade obrigatória e sem
sentido. É preciso fazer entender que a literatura é uma entre as muitas formas
18 de linguagem e que a aquisição do conhecimento implica não só estar atento
aos novos meios de comunicação sem que, por isso, se excluam as formas da
arte verbal impressa.
A desestruturação da família aristocrática, onde os elos de
parentesco passaram a não mais ser valorizados para a ascensão social,
criou-se a estrutura “unifamiliar privada”. Nesse novo ideal de família, os
membros cultivam laços afetivos mais fortes e efetivos, mas as crianças
ainda são vistas como adultos em miniatura. Após essas mudanças é que se
começou a pensar numa literatura emancipada para as crianças.
Com essa nova estrutura de família nuclear, a mulher e as
crianças passaram a ter uma nova posição na família, e a formação
educacional das crianças passou a ser motivo de preocupação, pois
precisavam tornar-se cidadãos que dessem continuidade às tradições da
família. Partindo dessa nova visão, foi necessário reformular a escola, e com
ela a Pedagogia e a literatura com cunho mais pedagógico que literário,
apesar de se basearem em textos de contos populares.
Pinócchio, de Collodi, é um exemplo clássico de texto pedagógico, que
através de um discurso extremamente tendencioso, dita regras de
comportamento, estimula o comportamento adequado e aceito socialmente
como sendo o ideal. Com as mudanças de paradigmas, muda também o
discurso literário, e a literatura infantil não passa impunemente por todo
esse processo. Segundo Nelly Novaes Coelho:
A literatura é despejada sobre a criança ao sabor dos ventos de mudança: se for época de consolidação de valores, ela terá sempre intencionalidade pedagógica; se for época de crise de valores, ela será sempre arte, ludismo, descompromisso; por outro lado, quando o movimento é de renovação, a literatura infantil é informativa.
Trabalhar com literatura na educação deve tornar-se uma
atividade prazerosa, criativa, interessante e muito atraente. Deve ser usada
em situações que favoreçam a aprendizagem de maneira interdisciplinar,
19 favorecendo a memória, o reconhecimento da leitura de mundo pela criança,
em contextos reais de aprendizagem e utilização simultâneas numa leitura
de textos coerentes, significativos e interessantes, pois é preciso conhecer
aspectos diferentes entre diferentes linguagens, sem o qual não se dá o
exercício da cidadania, pois a livre expressão é responsável por grandes
mudanças sociais.
É importante que essa leitura e também a escrita das múltiplas
linguagens propiciem ao aluno condições de localizar informações pela leitura e
escrita de mundo. Trata-se de exercitar a leitura para enxergar mais do que
palavras ou imagens, para atribuir sentido às situações vividas, para construir
um repertório de enredos, personagens, raciocínio, argumentos, linhas de
tempo, conceitos, para adentrar no mundo da cultura.
Hoje, a leitura tem uma definição muito mais ampla do que
simplesmente decifrar palavras. A visão contemporânea de leitura abrange
múltiplas linguagens e seus códigos específicos, ou seja, é um sistema
integrado de signos, senhas, símbolos e mensagens.
Essa leitura de inserção no universo da cultura desenvolve a
habilidade de dialogar com os textos lidos, sejam eles de que tipo for, através
da capacidade de ler nas entrelinhas e interpretar significativamente, formando
um cidadão com cultura e sensibilidade. Através da leitura, podemos aprender
o passado, entender e transformar o presente e projetar o futuro. Literatura não
é só expressão, é também conhecimento, inteligência e sensibilidade.
Porém, dentro de um contexto escolar, a leitura não se resume à
disciplina de português e literatura; deve ser uma tarefa comum a todas as
disciplinas, um compromisso da escola como o todo. Cabe ao professor
apresentar o material que será lido, pois ele é quem auxilia a interpretar e a
atribuir sentidos aos textos, promovendo experiências, situações novas que
estimulem à formação de leitores capazes de dominar as múltiplas formas de
linguagem. Para que a literatura seja atraente, implica a escolha dos textos que
são oferecidos às crianças; dessa forma, a criança é incentivada a entrar no
universo da ficção.
20
Na maioria das vezes, a literatura tradicional vem carregada de
mensagens formadoras, e mesmo as ilustrações contribuem para mostrar
características físicas e morais dos personagens, levando à identificação como
herói e a aversão ao vilão
A ilustração também desempenha um papel pedagógico, na medida
em que confere veracidade à narração, deve ser provocadora da imaginação
da criança e não condutora, impedindo que faça sua própria leitura, pois sua
imaginação já foi suprida.
A escola comete um grande erro quando se utiliza da literatura
como um ato mecânico, como meio e não como fim, já que algumas vezes sua
função é apenas ser um instrumento de alfabetização. Uma vez que a criança
aprende a ler, não esquece o código, porém, pela falta de incentivo, de
recursos e da escassez de informação sobre a importância da obra literária,
perde o desejo pela leitura, desprezando a função do texto poético capaz de
contribuir para muito mais do que o desenvolvimento lingüístico.
É preciso que o educador tenha um olhar diferente para os textos
literários, não assuma a postura de “detentor do saber”, mas possibilite e
estimule os alunos a expandirem múltiplas visões perante as leituras. O
professor precisa estar antenado com as transformações do momento e
reorganizar seu próprio conhecimento e consciência do mundo.
A variedade de texto ajuda ao aluno uma familiarização com
diferentes tipos de discurso. Porém, o texto literário, por caráter próprio de sua
estrutura de linguagem, deve ter prioridade em relação ao trabalho
desenvolvido na educação, uma vez que parte dela para criar outros discursos
e outras realidades), é ficção, sendo por natureza, da ordem da fantasia. O
ultrapassar barreira da realidade, permitindo que o leitor acumule experiências
vividas no imaginário, isso o torna mais criativo, crítico e lhe ensina a reagir em
situações de conflito.
A leitura é, por primazia, o mecanismo pelo qual se internalizam o
registro padrão da língua, estruturas lingüísticas mais complicadas,
aumentando de modo global o desempenho lingüístico do falante. Um grande
fator de benefício da literatura é no desenvolvimento do raciocínio lógico da
21 criança. As conexões entre linguagem e pensamento já vem há muito tempo
causando polêmicas entre lingüistas, psicólogos e pedagogos de diversas
correntes teóricas.
(...) as estruturas da fala dominadas pela criança tornam-se estruturas básicas de seu pensamento. Isto nos leva a outro fato inquestionável e de grande importância: o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos elementos lingüísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança. Basicamente, o desenvolvimento da fala interior depende de fatores externos: o desenvolvimento da lógica na criança, como os estudos de Piaget demonstram, é uma função direta de sua fala socializada. (VYGOTSKY, 1995, p. 44)
Já que o desenvolvimento da linguagem se traduz como fator
importante para o crescimento intelectual da criança, a literatura acaba por
interferir de forma significativa no pensamento, sendo elemento
determinante para o crescimento intelectual do indivíduo em formação.
Porém, a literatura como perspectiva da descoberta do prazer é um
processo que não se alcança em pouco tempo; é necessário investimento
de tempo para que as descobertas sejam feitas à medida que a leitura se
aprofunde, numa aproximação vagarosa que constitui a construção do texto
pelo leitor. Segundo Maria Antonieta Cunha (1991), “a idéia de que leitura
vai fazer bem à criança ou ao jovem leva-nos a obrigá-los a ler, como lhe
impomos a colher de remédios, a injeção, a escova de dentes, a escola”.
Essa obrigação da leitura que vai lhe render uma avaliação, com
possibilidades de punição, tira todo o prazer do ato de ler.
Eni Orlandi (1996), ao afirmar que literatura é uma questão
pedagógica, mostra que a escola encara a literatura como instrumento útil
ao aprendizado, desprezando sua função lúdica. Diz ainda que a ideologia
do ensino enfatize a leitura já revelada e ignora a leitura com interpretações
livres, recusando ao leitor a participação no texto.
A escola é um lugar privilegiado para o desenvolvimento da
literatura, porém às vezes fica presa às amarras do sistema e deixa o
22 aspecto lúdico relegado a segundo plano, preterido pelo caráter didático. É
fundamental que o ato de ler esteja atrelado ao sentimento de prazer.
2.2. Os Gêneros, As Formas: o Maravilhoso Na Infância
Por quê? Porque os contos de fadas estão envolvidos no maravilhoso, um universo que denota fantasia, partindo sempre duma situação real, concreta, lidando com emoções que qualquer criança já viveu... Porque se passam num lugar que é apenas esboçado, fora dos limites do tempo e do espaço, mas onde qualquer um pode caminhar... (...) Porque todo esse processo é vivido através da fantasia, do imaginário, com intervenção de entidades fantásticas (bruxas, fadas, duendes, animais falantes, plantas sábias...). (ABRAMOVICH, 1995, p.120)
A literatura infantil, desde seu princípio, sempre garantiu espaço
ao maravilhoso. Consideramos maravilhoso o discurso cujas leis se definem
fora da lógica imediata, que rege os acontecimentos do mundo dito real.
Fora das determinações da dicotomia espaço/tempo ou até mesmo em local
indeterminado numa terra também imaginária, esse discurso não é regido
pelas leis naturais do planeta.
Quando na história o que prevalecia era o conhecimento do
senso comum, o pensamento mágico dominava no lugar da lógica do
conhecimento científico. Com o crescimento e expansão da racionalidade
científica, o maravilhoso começou a perder espaço na vida do adulto.
Considerando que os padrões sociais e valores políticos e culturais são
essencialmente abstratos, dificilmente seriam compreendidos por mentes
propensas a conhecer através de emoções e experiências concretas. Com a
literatura é possível representar o abstrato através de comparações,
símbolos, imagens e alegorias. A capacidade de representação, através dos
tempos, tem sido a mediadora entre a percepção intelectual e o
desenvolvimento do pensamento reflexivo.
Enquanto a lógica imprime caráter de veracidade aos
acontecimentos que possam ser cientificamente comprovados, a fantasia
23 parece a ser uma forma privilegiada de dar corpo ao que essa lógica
considera absurdo, por não ser comprovável. Predominante no imaginário
popular, o maravilhoso então parece conquistar aí o seu espaço privilegiado,
tornando-se presença obrigatória nos contos populares, consagrados na
obra de Charles Perrault, que, no século XVII, coletou contos e lendas da
Idade Média (Cinderela e Chapeuzinho Vermelho, entre outros); nos contos
dos irmãos Grimm, publicados na Alemanha, no século XIX (João e Maria,
Rapunzel); nos de Andersen, publicados na Dinamarca (O patinho feio, Os
trajes do Imperador); nos de Garrett e Herculano, em Portugal; na obra do
italiano Collodi (Pinocchio); na do inglês Lewis Carroll (Alice no país das
maravilhas); na do americano Frank Braum (O mágico de Oz); e na do
escocês James Barrie (Peter Pan), dentre outros.
A imaginação da criança supera a realidade que a cerca, e
naturalmente, toda a razão. Assim o maravilhoso é um instrumento de alta
qualidade na literatura infantil. Não há como separá-lo da alma da criança.
Segundo Maria Lúcia Amaral (1971), “o mito ou o maravilhoso é uma
espécie de combustível para a imaginação infantil. Seria uma verdadeira
mutilação destruir na criança esta capacidade mítica.” Através do
maravilhoso é possível tornar os desejos, que por algum motivo não são
acessíveis, em “realidade”.
A fantasia é tudo. Sempre digo aos pequenos que o livro é um objeto mágico, muito maior por dentro do que por fora. Por fora, ele tem a dimensão real, mas dentro dele cabe um castelo, uma floresta, uma cidade inteira... Um livro a gente pode levar para qualquer lugar. E com ele se leva tudo. (BELINKY, 2008, p. 19).
Os contos maravilhosos, pela sua riqueza, têm sido fonte de
estudo de psicanalistas, sociólogos, antropólogos, pedagogos, psicólogos,
cada qual buscando dar ênfase à sua área de interesse.
Os psicanalistas encontraram no maravilhoso um instrumento de
grande valia para trabalhar com a psique da criança. Consideram-no um dos
elementos mais importantes na literatura infantil. A psicanálise acredita que
24 os significados simbólicos dos contos maravilhosos estão diretamente
ligados aos dilemas que a criança enfrenta durante todo o processo de
amadurecimento emocional. Durante esse processo, aparece a necessidade
da criança defender sua vontade e sua independência em relação ao poder
dos pais, ou sua relação de rivalidade com irmãos e amigos.
É nesse sentido que a literatura infantil, através dos contos de
fadas, pode ser determinante para a formação da criança; superar
decepções, dilemas, rivalidades de abandonar dependências infantis,
garantir um sentimento de individualidade e de autovalorização e um sentido
de obrigação moral. Quando a criança entende o que se passa dentro de
seu eu, inconsciente ela consegue lidar com as coisas ao seu redor e facilita
a compreensão de certos valores de conduta humana ou convívio social.
As crianças encontram nos contos de fadas categorias de valor
que são permanentes; o que muda é o conteúdo que é rotulado de certo ou
errado, bom ou mau. Tem a oportunidade de brincar com os mistérios da
vida, sem se preocupar com a aprovação ou reprovação do adulto. Segundo
Ana Maria Machado, no seu livro Como e por que ler os clássicos universais
desde cedo (2002), afirma que o homem conta histórias para entender a
vida, sua passagem pelo mundo, para ver na existência uma espécie de
lógica. Diz ainda que cada autor e cada texto lidam com elementos
diferentes nessa busca e vão adaptando formas de expressão e conteúdo
de maneira que consigam uma harmonia interna profunda e revelem
sentidos para o mundo, para o homem, para a vida. Cabe aqui entender, de
forma rápida, alguns desses gêneros, como contos e fábulas.
Os contos maravilhosos se caracterizam pela presença de
personagens que possuem poderes sobrenaturais, que não são explicados
por leis naturais. Neles garante-se espaço para mudanças, trava-se um
duelo entre bem e mal, acontecem milagres, profecias se cumprem, não há
limitações da vida humana, é uma narrativa vivida no mundo da magia.
Evidenciam os questionamentos econômicos e sociais, situações de
sobrevivência socioeconômicas ou ligadas à vida diária e real. Enfatizam
25 aspectos materiais, sensoriais, éticos do ser humano. Podemos citar como
exemplo: Os três porquinhos, As mil e uma noites, O gato de botas, entre
muitos outros.
Nos contos de fadas, de origem celta, aparece sempre a atitude
dirigida para a satisfação dos desejos interiores das personagens, no plano
existencial. Falam de heróis cujas aventuras são relacionadas aos mistérios
do além. Têm características próprias: Era uma vez... Num reino
encantado... Seu gênero é narrativo, de enredo simples e preciso. Essa
forma narrativa mostra um início, um meio e um fim, proporcionando à
criança a existência de um tempo, que não é o seu, mas um tempo
imaginário. Não precisam necessariamente ter fadas para se caracterizarem
como contos de fadas, porém sua existência exerce um encantamento todo
especial nas crianças, pela possibilidade de realização de sonhos. Podemos
usar como exemplo: Cinderela, A bela e a fera e Rapunzel.
Outro tipo de contos populares são os que expressam costumes
idéias, decisões, julgamentos e enfatizam a memória e a imaginação do
povo. Também se definem pela sua antigüidade. Os brasileiros trazem
influências das culturas indígena, africana e européia.
Não podemos deixar de citar as fábulas, que são narrativas
alegóricas vividas por animais, que representam uma situação humana com
o claro objetivo moralizante. Explicitam modos devidos e indevidos de
comportamento, têm perspectiva ética, como: A cigarra e a formiga, A corte
e o leão, A raposa e o esquilo, A galinha dos ovos de ouro.
Podemos dizer que, após muitos anos de racionalidade científica,
vivemos um tempo de retomada do que chamamos de maravilhoso; a magia,
o imaginário, aos poucos estão deixando de ser vistos como apenas fantasia
para se integrar ao cotidiano da vida das crianças e também dos adultos,
que em algumas ocasiões já se permitem se transportar para este mundo
mágico
26
Muitos educadores, psicopedagogos e estudiosos sobre a criança
discutem incessantemente sobre a relação da realidade x fantasia como
influência na formação do caráter infantil. Há os que defendem abolir
definitivamente tudo o que eles consideram “excesso”, como fadas,
feiticeiras, ogros, seres poderosos, varinhas mágicas, animais e objetos que
falam ou coisa semelhante, fora do contexto real, tudo em nome da
“verdade”. Essa reflexão ficou mais intensa quando Rousseau determinou
que a literatura devesse intervir pouco ou nada na aprimorada educação de
seu Emílio, e menos ainda, os contos de fadas, que considerava como pura
e simplesmente mentirosos. Essas oposições entre a realidade e a fantasia
parecem esconder certas estruturas ideológicas de revelação/encobrimento
que servem para que as crianças continuem sendo domesticadas e
submetidas aos desejos do adulto.
Porém, os contos de fadas permanecem vivos há milênios, pois
estão envolvidos no maravilhoso, num universo que mexe com a fantasia,
surgindo de uma situação real, lidando com emoções que qualquer criança
já vivenciou, porque se passam fora dos limites do tempo e do espaço, e os
personagens são simples e postos em diversas situações, onde se busca e
tenta encontrar uma resposta fundamental para os conflitos humanos e
chamando a criança a achar uma resposta sua para esses conflitos. Todo
esse processo é experimentado através da fantasia e da imaginação.
A fantasia facilita a maneira como a criança entende o mundo.
Jesualdo (1982) defende a importância da literatura infantil como etapa
criadora dentro do problema geral da imaginação, uma vez que não se sabe
bem em que idade, nem de que forma e em que circunstâncias ela aparece
na criança.
Se em outros componentes curriculares o foco está centrado em
conteúdos significativos para a criança, na literatura infantil existe um lugar
privilegiado para o estímulo do sujeito como elemento criador das hipóteses
mágicas.
27
CAPÍTULO 3
O OLHAR DA MORAL PELA FÁBULA:
CAMINHOS PEDAGÓGICOS
Etimologicamente, fábula é uma palavra que deriva do latim, do
verbo fabulare, e que significa dizer, contar algo. As fábulas surgiram na
história pela tradição oral, junto com os contos de fadas, os mitos e as
lendas. Possuem duas partes: a narrativa e a moralidade. A narrativa é
simples e trabalha as imagens que constituem a forma sensível, o corpo
dinâmico e figurativo da ação, e a moralidade age com conceitos, que
pretendem ser a fala da verdade. A moralidade vem nas entrelinhas, de
maneira não revelada.
As histórias são curtas, desenvolvem um só conflito, têm uma
linguagem objetiva, com poucas descrições e muitos diálogos. Utilizam-se
de animais para representar defeitos ou virtudes e outras características de
seres humanos, criticando esses comportamentos, elevando-os ou
condenando-os. Sua maior intenção é transmitir uma moral.
A fábula continua a ser um gênero apreciado. Adquirindo
características diferenciadoras pela época que está inserida ou pelo estilo
de cada criador. Permanece dando ênfase quanto à verdade de cunho geral
que toma corpo na narrativa em forma de moralidade implícita e explícita,
sempre conservando a “lição de moral”.
Diferentes dos povos antigos, que, para atingirem o alvo moral,
sacrificavam a ação, a vivacidade dos animais e o drama, com o passar do
tempo, o tom sentencioso tem decrescido em proveito da ação. Porém, a
moral nunca desapareceu de todo da fábula.
28
As fábulas ficaram conhecidas principalmente por Esopo, um
escravo grego, que viveu no século V a. C. Com narrativas simples, vividas
principalmente por animais, persuadia os ouvintes a agirem com inteligência.
Suas histórias proporcionavam, além de entretenimento, uma reflexão sobre
o cotidiano.
Esopo não deixou textos escritos. Suas fábulas foram reescritas
em versos por Fedro, um escravo romano, no século I a. C., e
posteriormente por um francês, Jean de La Fontaine, no século XVII. O
objetivo maior de La Fontaine era tornar os animais principais agentes da
educação dos homens; por isso eles eram postos em situações que serviam
de exemplos para todos. Usava fábula para denunciar as misérias e as
injustiças de sua época. Coube-lhe o mérito de dar a forma definitiva a uma
das espécies literárias mais resistentes ao desgaste dos tempos: a fábula,
introduzindo-a definitivamente na literatura ocidental.
La Fontaine foi bastante criticado por Rousseau, em seu tratado
de educação, em que mantinha seu pupilo Emílio longe desses textos, por
não achar conveniente e próprio para crianças.
As fábulas populares, de inocentes foram vítimas de imitações,
com deformações pedagógicas e desfrutamento comercial (Disney). Os
irmãos Grimm, Andersen e Collodi estiveram do lado maravilhoso, porém,
cada um ao seu modo, mantinha a literatura infantil nos limites moralizantes
que marcaram sua origem. Collodi ousou mais quando colocou a criança
como protagonista da história.
Monteiro Lobato, foi o grande responsável por recontar as fábulas
de Esopo e La Fontaine, além de criar suas próprias fábulas com a turma do
Sítio do Pica Pau Amarelo.
Monteiro Lobato cria, entre nós, uma estética da literatura infantil, sua obra constituindo-se no grande padrão do texto literário destinado à criança. Sua obra estimula o leitor a ver a realidade através de conceitos próprios. Apresenta uma interpretação da realidade nacional nos seus aspectos social, político, econômico, cultural, mas deixa, sempre,
29
espaço para a interlocução com o destinatário. A discordância é prevista. (CADERMATORI, 1986, p. 51).
Com a ascensão da burguesia e o enfraquecimento do
feudalismo, a leitura passou a ser difundida e não mais restrita aos nobres.
A burguesia privilegiou a escola e a propagação dos livros. Em função disso,
surgiram os tratados de pedagogia e a literatura infantil. Com isso, a família
passou a ter outra estrutura com os membros ocupando novos papéis;
sendo o pai o provedor e detendo o centro do poder e autoridade da família;
à mãe, cabia cuidar dos filhos e da sua educação e dos afazeres domésticos
e protegê-los afetivamente, e aos filhos o papel de obedecer ao pai e dar
continuidade aos negócios da família. Eram extremamente submissas ao
poder do pai, cabendo ser fiel aos seus desejos e anseios para evitar o
castigo.
A literatura infantil vem atrelada aos modelos burgueses de
ensinamentos, normas e moralismo, e a literatura infantil assume, desde
então, uma relação de domínio do adulto e de subordinação da criança, com
elementos de um determinado tipo de cultura, valores e ideais educativos.
Um exemplo é a obra moralizante e pedagógica de Collodi, é o clássico
Pinócchio. A política da educação gerada pela família burguesa está
sintetizada nessa história. Acreditavam que com literatura como essa, cheia
de informações moralizantes, desenvolveria nas crianças um padrão de
comportamento desejado pela sociedade da época. Buscavam passar
valores que “salvassem” as crianças dos perigos das ruas e o valor da
escola para sua formação. Um mundo real cruel e cheio de perigos era o
que tinha fora dos muros de casa e da escola. Vejamos algumas passagens:
(...) – Filho desnaturado! E pensar que tanto penei para torná-lo um boneco
direito. Mas bem feito para mim! Devia ter pensado nisso antes! (Collodi,
1969, p. 17).
Bem que o Grilo Falante tinha razão, fiz mal em revoltar-me contra o meu pai, em fugir de casa. Se papai estivesse aqui, agora, eu não me encontraria morrendo de tanto bocejar! Oh! Que doença horrível é a fome. (COLLODI, 1969, p. 20).
30
Eu nunca teria acreditado, meu menino, que você fosse tão teimoso e enjoado para comer. Vai mal! Nesse mundo, desde criança é preciso acostumarmos a aceitar e comer de tudo, porque nunca se sabe o que nos pode acontecer. A vida... (COLLODI, 1969, p. 24).
- Quantas desgraças me aconteceram... Mas eu as mereci porque sou um boneco teimoso, não dou ouvido aos bons conselhos. Mas, de hoje em diante, juro que tudo irá ser diferente, ser desobediente não recompensa. Será que encontrarei papai na casa da fada? E esta me perdoará? (COLLODI, 1969, p. 55).
O boneco só conseguiu se humanizar a partir do momento que
“abriu mão de ser criança” e começou a trabalhar em troca de uma caneca
de leite (mão-de-obra barata - crianças pobres), e se adequou aos moldes
que a sociedade burguesa exigia. “E como agora estou satisfeito por haver-
me tornado um menino às direitas.” (Collodi, 1969, p. 131).
Como percebemos, todo momento a questão da obediência dos
filhos para com os pais é apontada como comportamento esperado e
recompensado, e a desobediência, a mentira e a falta de respeito às ordens,
eram punidas com castigos.
A principal proposta da fábula é a junção do lúdico com o
pedagógico, que ao mesmo tempo, distrai o leitor, mostra os defeitos e
virtudes humanas através de animais, esse caráter “animado” a moral seria
facilmente assimilada pelas crianças.
3.1. A “Alma” Fabulosa Dos Valores Para a Criança
A tarefa de aprendizado da criança é precisamente a de tomar decisões acerca de mover-se por conta própria, no tempo devido, em direção às áreas de vida que ela mesma seleciona. (Bettelhein, 1980, p. 146).
Segundo Raquel Villardi (1999), muitos dos livros ditos escritos
para crianças não são mesmo capazes de suportar uma leitura mais
profunda, uma vez que se caracterizam pela pobreza de expressão e são
31 carregados de um sentido falso de moral, incapazes de agradar ao público
infantil.
Vimos que as fábulas possuem um rico repertório de fatos e
destinos no qual a criança encontra fatos da realidade que não conhece e
ainda não consegue formar idéias, também foi dito que possui modelos
culturais arcaicos, em contraste a realidade da criança atual. Tudo isso é
verdade, mas tudo isso se perde quando vemos que as fábulas constituem
um mundo à parte para as crianças. Elas se utilizam de seus textos para
contemplação e não como objetos de imitação. Quando passarem na fase
realista da infância, as fábulas não serão mais suas formas que servirão
como instrumentos para as suas operações.
Quando nos deparamos com a difícil tarefa de transmitir valores
às crianças por meio da literatura ou quando reclamamos de que as crianças
e jovens de hoje não estão preocupados com os valores e sim com
individualismo e consumismo, isso nos leva a pensar que a preocupação do
adulto com os valores morais não pode ditar atitudes de imposição e
autoridade sobre a criança, mas sim ser encarada como uma construção
onde adultos e crianças passam a partilhar e apropriar-se juntos daqueles
valores que consideram importantes.
A criança “sente” qual dos contos de fadas é verdadeiro para sua situação interna no momento (com a qual é incapaz de lidar por conta própria) e também sente onde a história lhe fornece uma forma de poder enfrentar um problema difícil (BETTELHEIM, 2000, p.74).
Uma das maiores preocupações dos pais é formar um cidadão
crítico, com capacidade de analisar o que está ao seu redor, julgar o que
está ou não de acordo com os seus princípios e ser capaz de tomar suas
próprias decisões. Isso não é uma tarefa fácil, nessa sociedade massificante
onde as informações circulam em velocidade muito rápida e nem sempre
com objetivos revelados.
32
As histórias são sempre um bom instrumento para os pais e
professores discutirem com suas crianças seus comportamentos e atitudes,
porém usando de uma forma convidativa que incentive a pensar e jamais de
forma obrigatória e impositiva. Elas são ótimos veículos para a transmissão
de valores, pois dão contexto a fatos abstratos, difíceis de serem abordados
isoladamente.
Para Piaget (1988), o desenvolvimento moral compõe um aspecto
do desenvolvimento social, abrangendo diretamente o processo de
construção das estruturas cognitivas, que resulta do processo de interação
da criança com o meio físico e social no qual faz parte. Acredita ainda que a
criança tende a heteronomia, que faz parte do desenvolvimento infantil, e a
impede de discriminar como diferentes as imposições, e os pontos de vista
vindos do exterior. Essa moral heterônoma costuma sumir quando a criança
começa a ter contato com outras crianças ou adultos, com isso, ela inicia um
processo de polêmica em que busca compreender o pensamento do outro e
ao mesmo tempo em que tenta ser compreendida.
A construção da autonomia é um dos termos essenciais para a
formação moral. Essa construção deve ser compreendida enquanto a
criança estabelece um contato de reciprocidade com o outro, ao invés de
submeter-se ou submetê-lo a uma obediência cega, revoltados, reprimidos
pelo sistema.
A literatura infantil possui muitos livros que acabam por causar
conflitos cognitivo morais, por elaboração de discussão semiestruturadas,
visando criar situações duvidosas nas quais as crianças tenham que se
posicionar e confrontar a escolha de um determinado valor sobre o outro.
Entretanto, nem todas as obras de literatura infantil podem ser utilizadas
com o objetivo de desencadear reflexões morais. O educador precisa
selecionar textos cujas ações dos personagens possibilitem uma discussão
moral crítica.
33
O educador pode, a partir de uma história, transpor a situação na
qual houve uma perda do controle emocional, por um personagem da
história, para uma situação da vida real das crianças, com isso oferecer
possibilidades de raciocinar moralmente.
Ao preparar um ambiente pedagógico, no qual busque a
construção da moralidade autônoma por meio de textos da literatura infantil,
o educador deve promover a troca de idéias entre as crianças, levando-os a
aprofundarem suas reflexões, valorizando as suas idéias e dos amigos,
promovendo respeito mutuo e estimulando o desenvolvimento da autonomia
e o respeito às diferenças.
Quando as crianças refletem sobre as ações dos personagens,
enfrentam questões sobre o que acreditam ser bom ou mau, certo ou errado,
assim constroem suas próprias opiniões e ouvem as opiniões do outro,
desta maneira dão início no processo de construção de seus valores morais
a partir das experiências do dia a dia.
O papel do mediador não é induzir a “sua moral”, ou seja, os
valores que ele acredita como certo, mas sim promover uma intervenção
consciente nos diálogos e ter sempre como ordem que essa construção
desses valores é devagar e progressivo.
É extremamente importante que o adulto compreenda que a
moralidade é construída pelas vivências da criança com as pessoas e as
situações que se apresentam diante dela. Os pequenos conflitos devem ser
encarados como ótimas oportunidades para o desenvolvimento moral
infantil.
Ao elaborar um trabalho de mediação pedagógica com a intenção
de tornar claros os valores, o educador está agindo de forma positiva no
processo de formação da autonomia moral, propiciando a criança a tomar
consciência de seus próprios valores. O processo educacional deve
acontecer como um levantamento de dilemas morais e não como “lições de
moral”.
34 3.2. O Exercício Do Ato e Da Atitude Pela Psicopedagogia
Fabulosa: a Morada e o Hábito Na Infância
A imagem da criança é sempre um mundo de encantamento,
fantasia e mistério. Esse mundo tão intrigante levou muitos pesquisadores a
criar teorias preciosas sobre o desenvolvimento da criança. Podemos citar
Piaget e Vygotsky com grandes contribuintes para o entendimento no campo
da psicologia cognitiva e a psicanálise com estudos sobre as relações entre
a imaginação e a formação da identidade da criança.
Essas contribuições foram de grande valia para a sua formação,
pois permitiram à pedagogia, psicologia, psicopedagogia e outras ciências a
reavaliar o uso dos recursos usados na formação da criança: brincadeiras,
histórias infantis, jogos, passaram a ter novos significados que ultrapassam
a idéia de instrumentos que serviam apenas para distrair e acalmar as
crianças. Esses recursos desempenham um papel fundamental na formação
afetiva e cognitiva infantil. Permite a construção da função simbólica que se
faz através da representação e destaca o pensamento em ação.
Para Vygotsky (1984), na brincadeira os objetos deixam sua força
determinadora sobre o comportamento infantil, pois a ação, num contexto
imaginário, ensina a criança a guiar seu comportamento não apenas pela
situação que a atinge imediatamente, mas pelo significado destas situações.
O segredo da função simbólica é o uso dos objetos como signos e a
possibilidade de fazer com eles ações representativas.
No lúdico, o que é norma, torna-se desejo e prazer, o que no
futuro formará o nível básico da ação e da moralidade.
Numa situação de faz de conta, é permitido que a criação da
intenção espontânea, de desejos da vida real e do que se quer ser. Esse
processo associa-se de imediato à aquisição da linguagem, que leva a
criança a imaginar algo que nunca viu antes, assim aprende a separar da
ação real através de outra ação, desenvolvendo a capacidade de fazer
35 escolhas, e opera com circunstâncias que levam ao pensamento abstrato. É
a forma como a criança se comunica com o mundo.
Com a grande importância do jogo simbólico no desenvolvimento
infantil, podemos medir o grau de relevância que a literatura infantil tem
adquirido, ou pode adquirir, na educação.
Na infância que a imagem e a magia se encontram, pois é nesta
fase que a criança se desperta para o mundo e para o mundo encantado
das histórias.
Como vimos, o homem começou a se relacionar com o mundo
antes pela emoção do que pela razão. Sempre houve, no mito a tentativa de
se familiarizar com o desconhecido como forma de acomodá-lo. Tudo se
inclui ao todo num meio de representação simbólica que mostra os anseios,
os medos e desejos que são comuns a todos os seres humanos.
Como resultado dessa consciência mítica, as fábulas, as lendas,
os contos maravilhosos, que antes estavam distantes da leitura indicada
para crianças, por tratarem de dilemas que o homem enfrentava ao longo do
amadurecimento emocional; somente após o crescimento do conhecimento
científico, essas narrativas passaram a ocupar o papel de literatura infantil.
A linguagem literária e a imagem da representação eu pode tornar
concreto o que não é, através de comparações, símbolos, imagens e
alegorias. Esse poder de representação tem mediado à capacidade
intelectual e o amadurecimento da inteligência reflexiva.
(`) Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo (...) (ABRAMOVICH, 1997, p. 16).
A psicologia experimental foi à direção usada para que a
literatura infantil fosse novamente descoberta, revelando inteligência como
um elemento, estruturador do universo que cada pessoa forma dentro de si;
36 diferenciando etapas do desenvolvimento da criança e sua importância
primordial para a formação da personalidade do futuro adulto.
A educação parece se dá conta dos benefícios da literatura
infantil nos anos 70, com a consolidação do editorial e o uso maior dos livros
nas escolas. Com isso, muitos autores surgiram escrevendo livros ditos para
crianças.
Ler histórias para criança é com certeza proporcionar emoções,
sorrisos e lágrimas com situações vividas pelos personagens; é ser cúmplice
deste momento de prazer, de fruição.
O mediador, precisa propor à criança situações de aprendizagens
para a construção do conhecimento e atividades que a estimule a refletir e
formar novos conhecimentos através da leitura, para isso é preciso ser
criterioso na escolha dos livros a serem utilizados.
Ainda existe uma boa parte das crianças em nosso país que só
passam a ter contato com a literatura quando vão para escola. Como não é
hábito antes adquirido, acaba por virar obrigação, principalmente porque
infelizmente muitos professores não gostam de ler ou não conseguem dar
vida às histórias da literatura infantil.
Para formar um leitor, é preciso que também tenha contato com
livros de ficção ou poesia; que desenvolve e amplia sua visão de mundo,
diferente dos livros pedagógicos ou didáticos. A escola não pode ou não
deve, limitar a criança aos livros didáticos, é preciso oferecer mais variados
gêneros literários, só assim poderá conhecer novos horizontes na formação
intelectual, cultural e social da criança.
Pennac (1993), fala que as crianças e os jovens dizem não gostar
de ler, e mesmo que não amam a leitura, e ele questiona a razão de onde foi
para aquele leitor ideal. Ele mesmo responde:
(...) o que foi que fizemos daquele leitor ideal que ele era, naquele tempo em que representávamos, de uma só vez, o papel de contador e do livro? A enormidade dessa traição/formávamos, ele, o conto e nós uma Trindade a cada
37
noite reconciliada: agora, ele se encontra só, diante de um livro hostil. (PENNAC, 1993, p. 50).
A criança não tem interesse em aperfeiçoar o instrumento que a
atormenta; é preciso transformar esse instrumento em prazer, para que ela
possa sentir esse desejo.
Para gerar o deleite da criança na leitura, é preciso que mude a
visão e ação da leitura, permitindo a criança manusear, folhear buscar,
repensar até escolher que livro levar, qual autor e gênero que ela prefere e
se identifica. A escolha da literatura não se decide pela qualidade na escola,
mas razões que levam a criança a achar o livro desinteressante, chato,
monótono, falando de realidades e tenha um contexto real da criança.
A criança desenvolve o seu potencial crítico quando lê um livro. A
história tem o poder de fazer pessoas duvidar, questionar, aguaça a sua
curiosidade e o desejo de saber mais e melhor até percebendo que é lícito
mudar de opinião, torna-se menos engessada e mais livre para formular
seus próprios critérios de leitura. Isso me faz refletir sobre o livro de Daniel
Pennac (1993), no seu livro Como um romance, quando cita os 10 direitos
imprescritíveis do leitor:
1) O direito de não ler. 2) O direito de pular páginas. 3) O direito de não terminar um livro. 4) O direito de reler. 5) O direito de ler qualquer coisa. 6) O direito ao bovarismo. 7) O direito de ler em qualquer lugar. 8) O direito de ler uma frase aqui e outra ali. 9) O direito de ler em voz alta. 10) O direito de calar.
Fico, arbitrariamente, com o número 10, primeiro porque faz conta redonda, depois porque é o número sagrado dos famosos Mandamentos e é agradável vê-lo, por uma vez que seja, servir a uma lista de autorizações. Porque se quisermos que filho, filha, que os jovens leiam, é urgente lhes conceder os direitos que proporcionamos a nós mesmos. (p. 138-40)
38
É preciso que os educadores e os psicopedagogos saibam da
importância de estimular o imaginário com papel determinante para
desenvolver o espírito crítico e a reflexão, pois o imaginário infantil é um
fator de conhecimento. Não basta apenas incluir as fábulas e o contos de
fadas no currículo ou utilizar nos atendimentos psicopedagógicos; precisam
ter significados para as crianças. Deve-se criar uma atmosfera que permita
um mergulho em seu aspecto afetivo, cognitivo e psicológico. Quando isso
acontece, a criança solicita a leitura repetida vezes da mesma história e
assim vai buscando, mesmo que inconsciente, respostas para seus próprios
dilemas.
É importante que a criança leia, releia, ouça quantas vezes
solicitadas, fale sobre seus sentimentos e vá fazendo associações pessoais
e conseguindo assim lidar com suas próprias angústias, medos, dúvidas,
desejos e muitas outras questões que fazem parte do seu desenvolvimento
e amadurecimento.
Esse deve ser um princípio fundamental para formação, formar
cidadãos íntegros, responsáveis pelos seus atos, que influenciem na
sociedade de forma eficiente e dinâmica.
A presença da literatura infantil representa um grande estímulo à
aprendizagem da leitura, e proporciona diversas vivências afetivas e a
reorganização das percepções do mundo.
É necessário criar espaços onde a criança possa se envolver com
as culturas da infância, isso é mais do que ensinar regras, e proporcionar
meios necessários para que a criança construa a sua cultura, assim, com
certeza estará preparada para atuar no espaço coletivo, respeitando a si e
aos outros.
Esta é a função da literatura infantil, proporcionar uma viagem,
uma aventura, uma criação; e para que isso aconteça é fundamental a
mediação do um estimulador e um envolvimento maior emocional entre
quem conta, quem escuta e a própria história.
39
CONCLUSÃO
Nossa sociedade, em todos os setores, passa por constantes
mudanças de conceitos e comportamentos. Chamamos de adequação à
realidade. Desta forma, as relações estabelecidas entre literatura infantil e
educação nem sempre no mundo globalizado que vivemos, são positivos ou
atualizados à necessidade da criança.
A literatura infantil, quando bem trabalhada, auxilia, além da
formação do caráter, uma formação geral da criança enquanto pessoa crítica
e bem informada. O mundo da fantasia dos livros proporciona uma visão de
mundo que muitas vezes, ocupa espaços resultantes de sua pequena
experiência de vida. A imaginação e a fantasia são fontes que nutrem a
inteligência da criança, e com isso, contribuem para sua formação.
Nas escolas ainda podemos encontrar a idéia de que a literatura
infantil está a serviço da moralização e dos ensinamentos, independente de
divertir ou instruir. Às vezes, o próprio professor não tem prazer na leitura,
sendo assim relacionam mal com a literatura e a explora com equívocos
quando a leva aos seus alunos. Outro problema que encontramos é o
processo de seleção dos livros que é feito sem muitos critérios efetivos. O
importante para a escolha não é se a obra é consagrada ou não, mas qual a
contribuição que proporcionará para que as crianças possam lidar com seus
medos, angústias, desenvolva sua imaginação e proporcione uma viagem
por outros mundos.
A literatura infantil deve servir para estimular o imaginário da
criança de forma saudável e lúdica para compreensão de sua estrutura e de
sua natureza. É na exploração da fantasia e da imaginação que provoque a
criatividade e reforça a interação entre o livro e a criança.
Foi possível comprovarmos esta hipótese na leitura da obra de
Bruno Bettelhein, A psicanálise dos contos de fada, (1980), onde através da
análise dos clássicos e contos de fada baseado na teoria psicanalítica,
40 defende a influência das características dos personagens, na personalidade
dos indivíduos. Segundo a psicanálise, o maravilhoso facilita a criança à
compreensão de certos valores que ela precisa interiorizar.
A literatura infantil pode ser um grande instrumento no
atendimento psicopedagógico, visto que seu objeto de trabalho e estudo é a
problemática da aprendizagem e todos os processos relacionados nessa
questão.
As fábulas e os contos de fadas conseguem desenvolver a
capacidade de fantasia na criança, o que há de mais verdadeiro dentro
delas. É grande o impacto psicológico que podem causar, porque
“conhecem” personagens que passam a se identificar pela semelhança de
suas dificuldades e que conseguiram vencer, e assim fica mais fácil, por
exemplo, trabalhar uma baixa autoestima e auxiliá-la a restabelecer a
autoconfiança.
Sabemos que quanto mais infelizes e desesperados estamos, tanto mais necessitamos de ser capazes de nos envolvermo-nos em fantasia otimistas. Embora a fantasia seja “irreal”, os bons sentimentos que ela nos dá sobre nós mesmos e nosso futuro são reais, e estes bons sentimentos reais são o que necessitamos para sustentar-nos (BETTELHEIM, 2000, p. 157).
Por mais que a função da literatura tenha evoluído com o passar
dos tempos, não se pode negar a sua influência na formação e transmissão
de padrões socialmente aceitos, uma vez que esta mudança ocorreu,
essencialmente em função dos desejos e padrões sociais que também
modificam ao longo do tempo.
41
BIBLIOGRAFIA
ABROMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: Gostosuras e Bobices. 5 ed.
São Paulo: Scipione, 1999.
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43
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS....................................................................................... 04
DEDICATÓRIA................................................................................................. 05
RESUMO.......................................................................................................... 06
SUMÁRIO......................................................................................................... 07 INTRODUÇÃO........................................................................................... 08
1. A VISÃO PEDAGÓGICA: PROPOSTAS DE FORMAÇÃO.................... 10
1.1. A Paidéia como Arete Pedagógico............................................... 11
2. O UNIVERSO DA LITERATURA INFANTIL.......................................... 14
2.1. A Literatura Como “Telos” Pedagógico....................................... 16
2.2. Os Gêneros, As Formas: o Maravilhoso Na Infância................... 22
3. O OLHAR DA MORAL PELA FÁBULA: CAMINHOS PEDAGÓGICOS. 27
3.1. A “Alma” Fabulosa Dos Valores Para a Criança.......................... 30
3.2. O Exercício Do Ato e Da Atitude Pela Psicopedagogia Fabulosa:
a Morada e o Hábito Na Infância.................................................... 34
CONCLUSÃO............................................................................................. 39
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................... 41
ÍNDICE....................................................................................................... 43